ROGÉRIO MIRANDA GOMES AS MUDANÇAS NO MUNDO DO ...

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12.07.2015 Views

158Seguindo nossa análise acerca das novas apresentações tecnológicas deorganização das práticas em saúde pensamos haver uma dessas formas que devemosanalisar mais profundamente, qual seja, aquela referente às normatizações, rotinas eprotocolos “direcionadores” das práticas assistenciais. Como já dissemos antes, háautores que tendem a ver com muitas restrições o uso cada vez maior desses tipos deinstrumentos, por lhes incumbirem várias conseqüências negativas para o processoprodutivo em saúde, entre elas: a diminuição da autonomia dos trabalhadores emdecidirem dentre seu arsenal de saberes, os mais eficientes para cada caso particular; aburocratização conseqüente à padronização excessiva; a baixa responsabilização dostrabalhadores conseqüente a essa “objetivação” excessiva do processo de trabalho.Concordamos que, sob as relações sociais e as formas hegemônicas de organização dotrabalho sob o capitalismo, essas apresentações tecnológicas tendem a se apresentarcom essas características. Aliás, no trabalho subsumido ao capital elas são criadas paraisso, como vimos anteriormente. Já detalhamos anteriormente porque nãoconcordamos com a classificação dessas normatizações como “tecnologias duras” àmaneira da maquinaria, portanto, não iremos repeti-la em sua totalidade. Apenasrelembremos o centro de nossa discordância. Ao contrário da fábrica, no caso dotrabalho em saúde o trabalhador continua dominando o saber acerca de seu trabalho equando as normatizações constituem-se apenas em sistematizações desse saber em uminstrumento externo ao trabalhador, como é o caso dos protocolos terapêuticos, porexemplo, não tendem a se constituírem relações de estranhamento (LUKÁCS, 1979;MARX, 1985). Constitui-se uma relação de externalidade, é verdade, própria daobjetivação do trabalho 24 . Aquilo que só existia subjetivamente, na mente dotrabalhador, agora se encontra objetivado em um protocolo. Porém, o trabalhadorreconhece-o como sistematização e produto do trabalho, não lhe aparecendo comoestranho. Não se estabelece uma relação de estranhamento entre o trabalhador e essa24 Aqui se encontra um rompimento de Marx com Hegel. Enquanto o segundo entendia que o processode trabalho era inevitavelmente processo de objetivação e estranhamento, o primeiro entendiasomente a objetivação como intrínseca ao trabalho humano. Para Marx o processo de estranhamentoera resultado do trabalho sob determinadas relações sociais, nas quais o trabalhador não detinha osaber e o controle sobre o processo e o produto do trabalho. Para aprofundamento ver MARX, K.“Manuscritos econômico-filosóficos”, Op. cit.

159tecnologia (a normatização), pois as “recomendações” de “como trabalhar”não sãocontraditórias com as compreensões do trabalhador acerca de “como se devetrabalhar”. Por isso, visualizamos menores resistências dos médicos em seguiremrotinas clínicas, por exemplo, que se tornaram cada vez mais presentes na práticaclínica durante o século XX (DALMASO, 2000). Todavia, existem outraspossibilidades. Uma delas é a relação que se estabelece entre trabalhadores e asnormatizações, quando os primeiros detêm apenas uma parte do saberconsubstancializado nas segundas. É o caso da relação dos trabalhadores de nível maistécnico – técnicos de enfermagem, de laboratório, de odontologia, entre outros – comprotocolos organizadores de determinadas práticas coletivas de assistência das quaiseles realizam uma parcela, geralmente mais manual. Nesses casos, de fato a relação deestranhamento pode se apresentar em variados graus, pois a parte do saber que otrabalhador não detém encontra-se na tecnologia. Todavia, mesmo nesse caso, não sepode comparar o grau desse estranhamento com aquele que apresenta o trabalhadorfabril em relação à maquinaria. Devemos também relembrar o papel importante quepode cumprir a tecnologia como reagrupadora das práticas parcelares, dando-lhe maiorprodutividade. Caso não exista o protocolo, por exemplo, esses mesmos trabalhadoresirão realizar as práticas tendo como referência outros elementos como asdeterminações de trabalhadores com maior conteúdo de qualificação (osauxiliares/técnicos de enfermagem tendem a ser sempre “auxiliares” de enfermeiros,de médicos...), ou as ordens dos gerentes despóticos. Outro exemplo importante, jábastante consolidado, é o do desenvolvimento de prontuários únicos para os usuáriosdos serviços de saúde. Através de um local único de registro das diversas práticasparcelares, os trabalhadores podem visualizar a interdependência entre elas e até seapropriar em diferentes graus do conhecimento integral do processo produtivo. Emalgumas experiências, sob influência das normatizações, avança-se para o registro decoletivos, como prontuários familiares, por exemplo. Contraditoriamente, portanto,parece que essas apresentações tecnológicas, ao mesmo tempo em que se tornam“direcionadoras” dos trabalhadores “mais periféricos”, parecem criar um espaço maiorde autonomia para os mesmos em relação aos trabalhadores ditos “nucleares”, ao

159tecnologia (a normatização), pois as “recomendações” de “como trabalhar”não sãocontraditórias com as compreensões do trabalhador acerca de “como se devetrabalhar”. Por isso, visualizamos menores resistências dos médicos em seguiremrotinas clínicas, por exemplo, que se tornaram cada vez mais presentes na práticaclínica durante o século XX (DALM<strong>AS</strong>O, 2000). Todavia, existem outraspossibilidades. Uma delas é a relação que se estabelece entre trabalhadores e asnormatizações, quando os primeiros detêm apenas uma parte do saberconsubstancializado nas segundas. É o caso da relação dos trabalhadores de nível maistécnico – técnicos de enfermagem, de laboratório, de odontologia, entre outros – comprotocolos organizadores de determinadas práticas coletivas de assistência das quaiseles realizam uma parcela, geralmente mais manual. Nesses casos, de fato a relação deestranhamento pode se apresentar em variados graus, pois a parte do saber que otrabalhador não detém encontra-se na tecnologia. Todavia, mesmo nesse caso, não sepode comparar o grau desse estranhamento com aquele que apresenta o trabalhadorfabril em relação à maquinaria. Devemos também relembrar o papel importante quepode cumprir a tecnologia como reagrupadora das práticas parcelares, dando-lhe maiorprodutividade. Caso não exista o protocolo, por exemplo, esses mesmos trabalhadoresirão realizar as práticas tendo como referência outros elementos como asdeterminações de trabalhadores com maior conteúdo de qualificação (osauxiliares/técnicos de enfermagem tendem a ser sempre “auxiliares” de enfermeiros,de médicos...), ou as ordens dos gerentes despóticos. Outro exemplo importante, jábastante consolidado, é o do desenvolvimento de prontuários únicos para os usuáriosdos serviços de saúde. Através de um local único de registro das diversas práticasparcelares, os trabalhadores podem visualizar a interdependência entre elas e até seapropriar em diferentes graus do conhecimento integral do processo produtivo. Emalgumas experiências, sob influência das normatizações, avança-se para o registro decoletivos, como prontuários familiares, por exemplo. Contraditoriamente, portanto,parece que essas apresentações tecnológicas, ao mesmo tempo em que se tornam“direcionadoras” dos trabalhadores “mais periféricos”, parecem criar um espaço maiorde autonomia para os mesmos em relação aos trabalhadores ditos “nucleares”, ao

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