146processo de fragmentação do trabalho, são tentativas de se reconstruir a figura dotrabalhador centralizador da assistência à saúde, o médico-artesão. Esse processo tentarealizar o movimento contrário, ou seja, o de reagrupar em um mesmo trabalhadordiferentes campos parcelares de práticas e saberes que se encontravam fragmentadossob domínio de distintos trabalhadores especializados. Exemplo disso são osresultados advindos de experiências que tentam, por exemplo, reconstituir nacontemporaneidade figuras como a do médico-artesão, na figura do médico de família.Como a medicina artesanal há várias décadas foi superada pela medicina tecnológica,permeada pela parcelarização/especialização e pela incorporação crescente detecnologia, qualquer tentativa de retorno àquela forma não produz o esperado. Oprocesso assistencial em saúde que estava sob controle quase integral do médico foiamplamente fragmentado e, cada um de seus campos parcelares delegados atrabalhadores especializados. No atual momento histórico, as tentativas de recomporum trabalhador, ao modo artesanal, tendem a produzir um trabalhador articulador dediferentes campos parcelares; um especialista em vários campos parcelares, ou seja,um médico que é ao mesmo tempo pediatra, clínico e ginecologista. É um generalistacom outra qualidade, pois é integrado ao processo produtivo na forma coletiva o queimpede o retorno a práticas artesanais. As tentativas de rompimento com aunilateralidade sob essas relações sociais parecem não resgatar necessariamente ocaráter de totalidade sob a forma do trabalho artesanal, individual. Pelo contrário,essas experiências vêm demonstrar que o controle sobre a totalidade do trabalho emsaúde não pode mais se dar na dimensão do trabalhador individual. Como pudemos verno primeiro capítulo desse trabalho, esse não é um processo pelo qual parece passarsomente o trabalho em saúde. No caso da produção de “bens materiais”, sob aespecialização flexível, vários autores advogam que já se conforma como conceitoimportante o de “multifuncionalidade” ou de “polivalência”, que está relacionado àcaracterística de um trabalhador assumir várias práticas parcelares (CORIAT, 1994;KUENZER, 2002a). Preferimos, como já argumentado em capítulo anterior,denominar esses trabalhadores como “multiparcelares”, pois, a nosso ver, expressamelhor esse movimento. Papel que, ao contrário de lhe propiciar a apreensão da
147totalidade do processo produtivo, possui como propulsora a necessidade deintensificação do trabalho. Não é nosso objetivo aqui fazer analogias mecânicas entreesse dois processos de trabalho; queremos apenas ressaltar que determinados aspectosparticulares podem ser expressão de um movimento mais amplo de diferentes formasde trabalho nesse período histórico.Essas experiências demonstram como o movimento de parcelarização dotrabalho e especialização dos trabalhadores cria contradições em seu desenvolvimentoque precisam ser resolvidas pelo processo produtivo. Embrionariamente, portanto, aespecialização estaria tendo como conseqüência o seu contrário, certa“desespecialização”, expressa nesses exemplos de certa “relativização” da divisãotécnica do trabalho. Além disso, parece existirem casos em que a parcelarização colocaa necessidade de se unificar campos parcelares em sujeitos únicos, conformandoexemplos de uma especialização “mais flexível”. Os aparelhos educacionais dequalificação acabam mais cedo ou mais tarde por acompanhar esse processo. Já sãocorriqueiros os cursos, especializações, residências com caráter interdisciplinar, ouseja, que qualificam em determinada área técnica – saúde mental, saúde da família,saúde coletiva, entre outros – trabalhadores de distintas áreas profissionais de maneirahomogênea. É importante ressaltar que não parece se tratar de processos distintos, masde um só movimento que, ao mesmo tempo em que aprofunda a especialização (tantono campo médico, quanto nesses outros campos onde se visualiza cada vez mais“especialistas” entre os enfermeiros, nutricionistas, odontólogos), parece produzircontraditoriamente o seu contrário.Até aqui citamos algumas contradições que impactam a qualificação dotrabalho em saúde essencialmente em seu aspecto subjetivo, ou seja, o aspectorelacionado ao trabalhador individual e coletivo da saúde. São elas: a relaçãoparcelarização/recomposição do processo de trabalho; a relaçãoespecialização/desespecialização; a relação trabalhador parcelar/multifuncional.
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