134se guiados pela intencionalidade do trabalhador. As ferramentas do trabalho em saúde,em sua maioria, continuam sendo “prolongamentos” dos órgãos humanos e não ocontrário. O oftalmoscópio, por exemplo, não faz mais do que ampliar a capacidade devisão do trabalhador a um grau que somente com seus próprios recursos naturais (osolhos) não conseguiria alcançar. É o trabalhador quem dirige o instrumento para osfins de que necessita e extrai dessa experiência os aspectos que lhe interessam a fim delhe propiciar uma intervenção mais eficiente sobre o corpo. Não é o instrumento quecoloca o trabalhador a auxiliá-lo no cumprimento de um projeto previamenteestabelecido pela materialidade do instrumental de trabalho. O mesmo pode-se dizerde um aparelho de ultra-som, que não faz mais do que ampliar a capacidade sensorialdo trabalhador – visão, tato – auxiliando-o no processo de intervenção sobre o corpo. Énecessário que esse instrumento seja manuseado a fim de ser utilizado como facilitadorda ação do trabalhador em sua apreensão do corpo anatomofisiológico. São em menornúmero as expressões tecnológicas sob a forma de maquinaria no trabalho em saúde,porém podemos vislumbrar que com o desenvolvimento tecnológico existe umatendência a se estabelecerem cada vez mais meios de trabalho sob a forma demáquinas 20 . Os monitores cardio-respiratórios, por exemplo, ao contrário dooftalmoscópio que só funciona quando manipulado diretamente pelo trabalhador, esseaparelho, uma vez programado, (posto a funcionar) realiza várias ações articuladas equase autonomamente de monitoramento de sinais vitais, dando o alarme aotrabalhador quando ocorre alguma alteração dos mesmos. A função do trabalhador équase a de colocar a máquina para funcionar e vigiá-la; no transcorrer do seu processode funcionamento ela provê o trabalhador com várias informações necessárias aoprocesso de assistência à saúde. Porém, mesmo nesse caso, o instrumento,isoladamente, continua como auxiliar do trabalhador, subsidiando-o, assim, em umaapreensão mais ampla acerca do corpo e sua organicidade. O salto qualitativo das“ferramentas” para as “máquinas” fica patente na capacidade que os últimos possuem20 Como outros exemplos de máquinas, podemos citar as bombas automáticas de infusão demedicamentos ou alguns modelos de desfibriladores automáticos - “Ressuscitadores” – que uma vezinstalados no corpo, fazem o diagnóstico do tipo de parada cardíaca – fibrilação atrial, entre outras – eestabelecem a conduta terapêutica: descarregam, por exemplo, o choque com a tensão adequada paracada caso.
135de “liberar” o trabalhador de etapas do processo de trabalho. Esses mesmos monitores,por exemplo, ao manterem constantemente informados os dados acerca da funçãocardio-respiratória, liberam os trabalhadores desse papel. Já foi afirmadoanteriormente que a função da maquinaria sob o capitalismo não é a de diminuir otrabalho do trabalhador, mas de aumentar a produtividade do trabalho. No caso dotrabalho em saúde, alguns autores (<strong>NO</strong>GUEIRA, 1987; PIRES, 1998) o confirmaram,demonstrando como em serviços onde foram implementadas mudanças tecnológicas,seja na forma de ferramentas seja na forma de máquinas, não houve substituição detrabalhadores; pelo contrário, ao serem liberados de certas tarefas, os trabalhadorespassaram a assumir outras até então não presentes no processo produtivo. Logo,podemos visualizar duas conseqüências importantes, advindas da incorporação deequipamentos/máquinas ao processo de trabalho, para a qualificação do trabalho emsaúde. A primeira refere-se ao aumento da produtividade e à conseqüenteintensificação do trabalho, exigindo do trabalhador maior conteúdo superestrutural daqualificação (disciplinamento) a fim de executar um trabalho mais intenso. E asegunda refere-se à incorporação de outros conteúdos à qualificação técnica referentesao conhecimento acerca do manuseio dos novos equipamentos. Pensamos que, emboramáquinas estejam sendo progressivamente incorporadas cada vez em maior grau aotrabalho em saúde, pela natureza tecnológica própria desse trabalho, não se visualizam“sistemas de máquinas”, ou seja, um mecanismo autômato que coloque o trabalhadorcomo mais uma de suas “peças”. Se máquinas já existem como componentes doprocesso de trabalho em saúde, o “sistema de máquinas”, pensamos, não existe sequerem germe 21 . Porém, mesmo como instrumentos subordinados ao trabalhador, essasformas de tecnologia passam a apresentar dimensão cada vez maior, interferindosobremaneira sobre o “modo de operar” o trabalho em saúde. SCHRAIBER (1993)ressalta que o método da consulta clínica, por exemplo, passa a ser profundamente21 Lembramos o leitor de que estamos considerando, para fins metodológicos, como “trabalho emsaúde” somente seu recorte assistencial. Não incluímos aqui as áreas industriais de produção de bens(indústrias de equipamentos, indústria farmacêutica etc) que são utilizados pelos serviços de saúde.Essas áreas apresentam geralmente as mesmas características tecnológicas de qualquer indústriacapitalista de produção de bens, não sendo objeto de nosso estudo.
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