130os homens repensam o seu agir no mundo e mudam suas práticas de modo a tornaremnasmais eficientes no atendimento de suas necessidades; essa mudança por sua vezincorrerá em novas elaborações e assim sucessivamente. Esse processo detransformação do fazer em saber-fazer, que é o processo de construção doconhecimento, ocorre através de movimentos de abstração que os homens realizam apartir de sua relação com o mundo concreto (GERMER, 2003). Esse processo deabstração pode se dar em níveis diversos a depender da distância em relação aoconcreto. À medida que a humanidade desenvolve-se, ela amplia enormemente seusconhecimentos acerca do mundo, em todos seus aspectos constituintes, tornandoimpossível sua apreensão integral por sujeitos individuais. Some-se a isso o fato deque a preponderância de relações sociais de produção baseadas na propriedade privadados meios de trabalho e na divisão social do trabalho, faz com que cada trabalhadorrestrinja seu campo de atividade a um aspecto do trabalho social. Esses processostornam possível que os conhecimentos elaborados acerca do trabalho, através deabstrações sucessivas, tornem-se cada vez mais distantes do trabalhador direto. Noprocesso de trabalho esse movimento corresponde à separação entre trabalhointelectual e manual que é progressivo no desenvolvimento da humanidade, mas quealcança níveis mais avançados com o modo de produção capitalista. Esseconhecimento pode retornar ao processo de trabalho prático, de forma a orientá-lo noseu operar, seja objetivado na forma de uma ferramenta ou máquina, sejaconsubstancializado em um conjunto de técnicas, um conjunto de “formas de operar” oprocesso de trabalho (ROMERO, 2005). Portanto, nesse trabalho, denominaremoscomo tecnologia ao conjunto de elementos (instrumentos, máquinas, técnicas, saberes)elaborados a partir do processo prático de trabalho por meio de um processo demediação centralizado hegemonicamente pelo conhecimento científico e que tem afunção de servir de meios para execução do trabalho.MENDES-GONÇALVES (1994) em sua clássica obra Tecnologia eOrganização Social das Práticas em Saúde foi um dos pioneiros no Brasil a analisaresse conceito de tecnologia como “(...) significante dos nexos (a disposição)estabelecidos entre os elementos (o objeto de trabalho, os instrumentos de trabalho, a
131atividade de trabalho) de uma certa prática (a experiência médica), no seu nívelinterno, e ao mesmo tempo em função das articulações sociais que a determinam”(1994: 85). Nessa obra, o autor estuda dois modelos tecnológicos distintos – a clínica ea epidemiologia – constituintes do campo da saúde pública, ressaltando sua relaçãocom os determinantes sociais e históricos do trabalho em saúde. O autor, ao centrar suaanálise na tecnologia consubstancializada nas técnicas e saberes e demonstrar oquanto podem ser direcionadores das práticas em saúde, cita, como exemplo, o caso daclínica que, ao se consolidar no trabalho em saúde sob o capitalismo, acaba por servircomo o “guia” hegemônico pelo qual se deve “operar” em saúde. Primeiro, se obtém ahistória clínica; a partir dos dados obtidos por essa abre-se uma chave com várioscaminhos a seguir; com a ajuda do método vai-se delimitando progressivamentemelhor os caminhos a seguir através da eliminação de outros. Todo esse trajeto –hipóteses, exames complementares, confirmação diagnóstica, definição de condutaterapêutica e os atos que ele encerra encontram-se encadeados e representam ummodelo hegemônico de como operar o trabalho em saúde.Posteriormente, Merhy, outro autor importante nessa temática, apreendendo esseconceito de tecnologia irá propor uma classificação das diferentes apresentações dessacategoria quando evidenciada internamente ao processo de trabalho em saúde.Segundo o autor, pode-se classificá-las em(...) leve (como no caso das tecnologias de relações do tipo produção de vínculo,autonomização, acolhimento, gestão como uma forma de governar processos de trabalho),leve-dura (como no caso de saberes bem estruturados que operam no processo de trabalho emsaúde, como a clínica médica, a clínica psicanalítica, a epidemiologia, o taylorismo, ofayolismo) e dura (como no caso de equipamentos tecnológicos do tipo máquinas, normas,estruturas organizacionais). (MERHY, 1997: 121)Esse autor, assim como CAMPOS (1997), fará um inventário das apresentaçõesde recursos tecnológicos no trabalho em saúde no atual estágio do capitalismo, a partirda classificação acima exposta. O autor ressalta o papel da tecnologia comorepresentação do trabalho morto e a sua tendência, sob as relações sociais capitalistas,de “capturar” o trabalho vivo dominando-o e tirando-lhe o controle do processoprodutivo. Esses autores ressaltarão alguns elementos cada vez mais presentes no
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