124no seu salário 16 . Portanto, diminuir o tempo de qualificação necessário à formação dedeterminado trabalhador significa, em última instância, diminuir seu salário. Issoexplica, em parte, as resistências de caráter corporativista com o sentido de restringir adelegação de práticas médicas a outros grupos de trabalhadores, como forma demanter o controle do médico sobre a totalidade do processo assistencial em saúde 17 .Uma tentativa conservadora e vã de impedir uma tendência inexorável do trabalhosocial sob o capitalismo: a parcelarização do processo de trabalho. Por mais que essastentativas sejam mais cedo ou mais tarde superadas materialmente por esse movimentoprogressivo do desenvolvimento das forças produtivas do trabalho, elas acabam seconstituindo, enquanto subsistem como contensoras desse desenvolvimento, por vezespredominando temporariamente sobre o mesmo. Caso o leitor visite países europeus 18 ,por exemplo, poderá evidenciar que em alguns deles até os dias atuais o odontólogoexiste como médico especialista, ou seja, é necessário que se qualifique como médicoe depois se aprofunde no campo parcelar referente às patologias da boca(CARVALHO, 2003). Passa, portanto, por um processo de qualificação bastanteextenso para que possa exercer as práticas de odontólogo. Para exercer essas mesmaspráticas no Brasil, o odontólogo precisa passar por uma qualificação que representamenos da metade do tempo de formação acadêmica desses outros países. Ou seja, essaé uma típica demonstração do quanto aspectos superestruturais – manutenção deinteresses corporativos, por exemplo – podem influenciar os aspectos referentes àqualificação do trabalho. Poderíamos afirmar, sem dúvidas, que um ortopedistaespecializado em joelho, ou seja, um trabalhador cujas práticas restringem-se a umcampo parcelar cujo objeto refere-se à restauração da integridade anatomofisiológicade um membro, precise possuir qualificação técnica que o propicie intervir sobre todo16 Não pretendemos aqui entrar pormenorizadamente na questão do salário mas é importante lembrarque outros fatores influenciam sua dimensão, ajudando a transmutar o valor da força de trabalho emseu preço; como um desses fatores temos, por exemplo, a lei da oferta e da procura.17 Vide a polêmica acerca do Ato Médico no Brasil, projeto elaborado pelo Conselho Federal deMedicina que visa restringir formalmente os atos de diagnóstico e terapêutica como elementosexclusivos ao campo do trabalho médico.18 Carvalho (2003), nessa obra, faz um inventário do percurso da Odontologia no seu processo deconstituição como profissão independente da medicina, e mostra como ainda hoje subsistem emdiferentes países relações com graus diversos de autonomia entre as duas profissões.
125o corpo? Não estamos evidenciando esse aspecto sob a forma de tese, pois não temoselementos suficientes para defendê-la. Estamos apenas levantando questões quepermeiam nosso objeto, a qualificação do trabalho em saúde, e que demonstram suacomplexidade, complexidade nem sempre aparente. Pensamos, portanto, que essa idéiada “simplificação complexificadora” não deve ser tomada isolada de seusdeterminantes sócio-históricos.Outra tendência inerente à conformação do trabalho social sob o capitalismo eque também encontra sua expressão particular no trabalho em saúde é a progressivaseparação entre trabalho manual e intelectual. Cada vez mais se constituem camposparcelares do trabalho em saúde compostos hegemonicamente por práticas manuais ouintelectuais, sendo que esse processo também se apresenta como conseqüente àprogressiva divisão do trabalho. Dentro de cada um dos campos parcelares parecehaver uma tendência a constituírem-se trabalhadores “nucleares” que, embora tambémrealizem práticas manuais, acabam por hegemonizar práticas intelectuais relacionadasao conhecimento e gestão do processo produtivo, delegando práticas manuais maissimplificadas para os trabalhadores ditos “periféricos”. Esse processo, queCARAPINHEIRO (1993) apreendeu com bastante propriedade na relação entremédicos e demais trabalhadores da saúde – médicos como nucleares e demais comoperiféricos –, pensamos que também ocorre, em menor proporção, internamente a cadacampo parcelar, inclusive não médico. Citamos, anteriormente, os exemplos da equipede enfermagem na qual o enfermeiro, por deter o conhecimento mais integral doprocesso de trabalho, assume hegemonicamente a função de gestão além de práticasmanuais mais complexas, delegando para técnicos e auxiliares as práticas manuaismais simplificadas. Semelhante situação ocorre nas relações entreFarmacêutico/bioquímico e técnicos de laboratório, odontólogo e técnicos/auxiliaresde odontologia, entre outros.No caso do trabalho médico, a divisão entre trabalho manual e intelectualtambém se apresenta com algumas especificidades. Em uma primeira aproximação,parece haver uma tendência a cristalizarem-se divisões entre aqueles que seespecializam em práticas “mais manuais” – os inúmeros tipos de cirurgiões, os
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