1165.3 OS IMPACTOS DA CONSTITUIÇÃO <strong>DO</strong> TRABALHO COLETIVO SOBRE AQUALIFICAÇÃO <strong>DO</strong> TRABALHO EM SAÚDEApós essa unificação de que tratamos, assim como no caso da produçãomaterial, começa a se estabelecer progressivamente o trabalho coletivo em saúde.Porém, esse processo, que ocorreu na manufatura nos séculos XVI a XVIII, no caso dotrabalho em saúde somente se dará a partir do final do século XIX (<strong>DO</strong>NNANGELO,1975; SCHRAIBER, 1993; PIRES, 1998). A constituição do trabalho coletivo emsaúde se dá através de três movimentos simultâneos. O primeiro movimento refere-seao processo de estabelecimento da cooperação e posterior parcelarização do trabalhomédico, ou seja, a divisão técnica do trabalho internamente ao campo de atuação damedicina. Essa divisão técnica pode se dar com a divisão de funções entre diferentesmédicos (especialidades médicas) ou com a transferência de práticas outrora sobcontrole médico para outros trabalhadores (nutricionistas, fisioterapeutas, etc). Osegundo movimento é o de profissionalização e anexação dos agentes responsáveis poroutras práticas de saúde que existiam de maneira relativamente independente - como éo caso dos enfermeiros, farmacêuticos e cirurgiões-dentistas – ao trabalho assistencialsob o controle do médico. Um terceiro movimento, mais recente, deve-se àconstituição de novas práticas no campo do trabalho em saúde, incorporando, assim,novos trabalhadores (assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, psicólogos etc).Vamos analisar mais pormenorizadamente cada um desses movimentos.Com relação à divisão técnica do trabalho internamente ao campo das práticasmédicas, veremos que diversos autores demonstram como, com o advento da chamadamedicina tecnológica, o processo de produção da saúde passa a ser submetido a umafragmentação muito semelhante à da divisão manufatureira do trabalho(<strong>DO</strong>NNANGELO, 1975; SCHRAIBER, 1993). Um trabalho que outrora era realizadopor aquilo que poderíamos chamar médico-artesão 14 passará a ser fragmentado e14 Usamos esse termo em alusão aos autores acima citados além de alguns autores do campo daeducação que qualificam como professor-artesão o profissional responsável pelo ensino em períodopré-capitalismo monopolista, com características semelhantes ao trabalho médico nesse período. Ver,
117realizado por diferentes trabalhadores, cada qual dominando um aspecto do processode produção da saúde. Esse processo, assim como na manufatura, foi precedido peloestabelecimento da cooperação no trabalho médico. Ou seja, os diversos médicosartesãospassaram a ser reunidos em um local comum de trabalho, propiciando oalicerce para o estabelecimento progressivo da divisão técnica do trabalho. Esseprocesso aconteceu paralelamente ao rearranjo das práticas em saúde e teve comolócus o hospital.Uma primeira evidência das novas qualificações é dada pelo fato referido de que, no hospital,os distintos agentes do trabalho médico realizam conjuntamente seus trabalhos e estãocolocados de mesmo modo diante dessa prática coletiva, e assim colaboram no tratamento dosmesmos casos. Nessa medida, os agentes do trabalho médico não estão dispostos segundo asmesmas posições hierárquicas que diferenciavam as categorias das quais são provenientes,reduzindo-se as diferenças entre seus trabalhos a uma questão de indicação terapêutica. Aforma de organização do trabalho no hospital se caracteriza como uma cooperação dentro deuma divisão técnica do trabalho. Além do que, estes distintos profissionais estão colocados demodo igual diante de uma mesma forma de proceder, visto que promovem a reorganização daprática hospitalar com base me procedimentos uniformes dessa prática: a intervençãoterapêutica individual com base na observação coletiva dos casos, no registro sistemático dedados, no estudo individual e comparativo dos casos, no estudo do meio e na intervenção nele(SCHRAIBER, 1989: 90).Portanto, essa reunião em um mesmo espaço, como determinada e ao mesmotempo determinante do rearranjo das práticas em saúde, também serviu à função deracionalização do uso dos meios de trabalho, constituindo, assim, a base técnica para oestabelecimento do caráter coletivo do trabalho em saúde.Nesse processo de estabelecimento da cooperação no trabalho médicointernamente ao hospital, ocorre o movimento que citamos de recrutamento para esseespaço de outros trabalhadores do campo da saúde que exerciam suas práticas demaneira dispersa. É o caso, por exemplo, dos enfermeiros e farmacêuticos. Comrelação aos primeiros, PIRES (1998) demonstra que a enfermagem, que ficava a cargode freiras-auxiliares, embora já estivesse presente no hospital em sua forma feudal,somente a partir de 1860 - período em que o hospital está se estabelecendo como lócusda cooperação médica - se constitui oficialmente como profissão. Também ospor exemplo, Alves, G. L. A Produção da Escola Pública Contemporânea e Sá, N. P. Oaprofundamento das relações capitalistas no interior da escola (ver referências bibliográficas).
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