104do físico na organização social da medicina tem raiz em seu desempenho intelectual,que contribuía para a reprodução, ao nível ideológico, das relações sociais prevalentesno feudalismo” (Ibidem: 10-11). Podemos interpretar essa submissão do cirurgião aofísico como reflexo da submissão de uma classe à outra e que também se expressavana submissão do corpo à alma, aspecto central da ideologia dominante nesse modo deprodução.Os outros trabalhadores que exerciam práticas de saúde também essencialmentemanuais como o cirurgião-dentista e o boticário apresentavam-se, do ponto de vista dalocalização no contexto social, em uma posição muito semelhante à do cirurgião. Nocaso dos cirurgiões-dentistas, por exemplo, veremos que essa herança histórica terárepercussões sobre a constituição da odontologia como profissão, já sobre ocapitalismo, pois “Em relação à natureza do Trabalho, pode-se dizer que, ao contrárioda medicina, na atividade da odontologia predominaram, desde o início do seudesenvolvimento, as tarefas manuais, voltadas para a extração e reposição dos dentes,associando-se a uma função mais cosmética do que terapêutica, portanto, a umaimagem de trabalho ‘artesanal’ e ‘comercial’ e, por isso mesmo, de baixa estimasocial.” (CARVALHO, 2003: 32).Os boticários foram os trabalhadores que progressivamente se apoderaram dossaberes e práticas referentes à preparação de poções e plantas medicinais. A prescriçãodo uso, porém, era atributo restrito aos físicos. Aos físicos, aliás, por serem os únicosprofissionais de saúde com reconhecimento por parte do Estado e da Igreja cabia opapel de fiscalização e controle sobre os demais trabalhadores e suas práticas. Porserem os únicos formados em Universidades e sob tutela da igreja, exerciam controlesobre as corporações de ofício responsáveis pela formação e qualificação de váriospráticos, como os cirurgiões, cirurgiões-dentistas e boticários.Os trabalhadores da enfermagem surgiram com a fixação de sujeitos,geralmente mulheres, na função de ajudantes em hospitais e casas de caridade sobcontrole da igreja. Geralmente eram freiras que passaram a ajudar os doentes comoatividade filantrópico-religiosa. Com o desenvolvimento dos hospitais, já sob ocapitalismo, as “leigas” e “religiosas” serão substituídas por profissionais de
105enfermagem que se constituirão essencialmente nos trabalhadores ajudantes dotrabalho médico (PEDUZZI, 1998; BRAGA, 2000). Todos esses trabalhadores, assimcomo o cirurgião, encontravam-se submissos às determinações dos físicos. Porém, nãoera essa hegemonicamente uma submissão do ponto de vista do processo de trabalho,visto que as práticas existiam quase que independentemente. Os cirurgiões realizavamamputações e outros procedimentos quando fosse necessário; assim como os“cirurgiões-dentistas” extraíam dentes quando eram procurados ou assim como asfreiras tratavam dos doentes, realizavam partos etc. Os boticários eram os que seencontravam mais “interligados” aos físicos, pois as “poções” que estes prescreviampassaram a ser produzidas por aqueles. O poder do físico representado na suaautoridade em relação aos outros era essencialmente o reflexo de uma relação declasse. Um era advindo e servia diretamente aos interesses da classe dominanteenquanto os outros eram advindos das classes populares, principalmente dos artesãos edo campesinato.Do ponto de vista da qualificação do trabalho o que caracteriza essas práticasexistentes no período feudal é o fato de serem realizadas por produtoresindependentes, de forma artesanal. Alguns desses trabalhadores não eram produtoresde mercadorias, visto que realizavam essas práticas com caráter filantrópico, religiosoou comunitário. No entanto, outros tinham nessas práticas a sua fonte de sobrevivênciaatravés da venda direta de seus serviços aos consumidores. De qualquer maneira,produtores de mercadorias ou não, todos eram artesãos independentes. O trabalhoartesanal, como vimos em capítulo anterior, se caracteriza por estar totalmente sobcontrole do trabalhador. Este é responsável e controla todo o processo de trabalho doplanejamento à execução, por isso vislumbra ao final do mesmo o produto comoobjetivação de seu trabalho. Como vimos também, a condição fundamental que fezcom que o trabalho artesanal se tornasse a forma hegemônica durante o período feudalera o fato de o trabalhador deter a propriedade dos meios necessários à realização deseu trabalho. No caso do trabalho em saúde não era diferente. O antigo dentista, porexemplo, era proprietário de seus instrumentos de trabalho – alicates, brocas etc -, porisso tinha total controle sobre seu trabalho e sobre os produtos do mesmo; vendendo-o
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