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O herói incómodo: utopia e pessimismo no teatro de Hilda Hilst

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Resenhascenário que, tendo talvez como símbolos máximos o Teatro Arena e o Oficina,e anteriormente agitado pelo Centro Popular <strong>de</strong> Cultura, impunha a<strong>no</strong>ção <strong>de</strong> que a arte, nas palavras <strong>de</strong> Décio <strong>de</strong> Almeida Prado, “é sempreengajada, por ação ou omissão”.Esses textos hilstia<strong>no</strong>s, que permaneceram parcialmente inéditos até2008 e constituem raro objeto <strong>de</strong> interesse acadêmico <strong>no</strong> país, são discutidosem O <strong>herói</strong> <strong>incómodo</strong>: <strong>utopia</strong> e <strong>pessimismo</strong> <strong>no</strong> <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> <strong>Hilda</strong> <strong>Hilst</strong>, daespanhola Alva Martinez Teixeiro. O trabalho investiga o “proselitismouniversalizante” <strong>de</strong>ssa dramaturgia, <strong>de</strong>svelando a estrutura básica <strong>de</strong>composição dos textos e indicando a unida<strong>de</strong> que compõem com toda aobra hilstiana.Pouco afeita a convencionalismos, <strong>Hilst</strong>, embora tenha cultivado a <strong>de</strong>fesada liberda<strong>de</strong> e a <strong>de</strong>núncia da opressão em todos esses escritos, fugiu,na opinião <strong>de</strong> Teixeiro, à característica mais básica do <strong>teatro</strong> que se produzia<strong>no</strong> período: o realismo. Assim, até mesmo quando o fundamentosão fatos históricos – a morte <strong>de</strong> Che Guevara, em Auto da barca <strong>de</strong> Camiri;em As aves da <strong>no</strong>ite, a história do padre Maximiliam Kolbe, que se ofereceupara ir à câmara <strong>de</strong> gás em Auschwitz <strong>no</strong> lugar <strong>de</strong> um prisioneiroapavorado –, “o acontecimento é aliviado da significação imediatamentehistórica, graças à focagem <strong>de</strong> elementos não objectivos e factuais dosacontecimentos, puramente ficcionais”, pon<strong>de</strong>ra a estudiosa.O caráter antirrealista dos textos, manifesto inclusive nas indicaçõescênicas, orientadoras <strong>de</strong> um espaço claustral e figurado a partir <strong>de</strong> simbologias,como as que se projetam em sli<strong>de</strong>s na pare<strong>de</strong>, talvez guar<strong>de</strong> achave para compreen<strong>de</strong>r por que as peças raramente tenham funcionado<strong>no</strong> palco. Até mesmo O verdugo, vencedor do Prêmio Anchieta em 1969,recebeu à época da montagem realizada pelo Oficina em 1973, sob direção<strong>de</strong> Rofran Fernan<strong>de</strong>s, duras críticas <strong>de</strong> Sábato Magaldi, publicadas em OEstado <strong>de</strong> S. Paulo sob o autoexplicativo título “A peça é original, mas irritaem vez <strong>de</strong> emocionar” (4 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1973). Exemplar é ainda o caso <strong>de</strong>O visitante, levado à televisão pela TV Cultura em 1978, mas preterido <strong>no</strong><strong>teatro</strong> por “Matamoros (da fantasia)”, ficção publicada em 1980 em Tu nãote moves <strong>de</strong> ti, que contém o mesmo núcleo da peça, e objeto mais frequente<strong>de</strong> montagens profissionais – a mais recente, em 2007.Teixeiro não menciona alguma possível dificulda<strong>de</strong> representada pelostextos (entre O visitante e “Matamoros (da fantasia)” talvez fosse o caso<strong>de</strong> se pensar mesmo em termos <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>) e, embora os <strong>de</strong>fenda como“um autêntico <strong>teatro</strong> <strong>de</strong> rigor político, revolucionário e supra-histórico”,não chega a discutir esse provável insucesso da dramaturgia hilstiana<strong>no</strong> que diz respeito às montagens. Sua discussão é <strong>de</strong> fato centrada <strong>no</strong>259


Resenhaspróprio texto – e bastante interessada <strong>no</strong>s elementos que <strong>de</strong>terminam aatmosfera pouco realista.Em primeiro lugar, está a própria ausência <strong>de</strong> ação dramática, sendoos textos movidos pelas confissões das personae e pela invariável buscapor luci<strong>de</strong>z em que consistem as trajetórias dos protagonistas. Nesse sentido,não haveria a aristotélica mudança na fortuna das personagens, masum percurso em que a conscientização do protagonista vai sendo radicalizada.Em seguida, a estrutura dos discursos: a linguagem dos protagonistasé “fundamentalmente apelativa”, consistindo geralmente em falas<strong>de</strong> cunho filosófico, sem um programa revolucionário concreto e objetivo,das quais as personagens secundárias participam apenas como forma <strong>de</strong>contrapor matizes <strong>de</strong> repressão e arbitrarieda<strong>de</strong> ao impulso libertadorapresentado. Teixeiro ressalta ainda que as personagens hilstianas sãomarcadas sobretudo por sua sina: <strong>no</strong> <strong>de</strong>senvolvimento trágico dos textos,na medida em que revelam sua interiorida<strong>de</strong>, aproximam-se da aporia –“não existe esperança para o conflito, que só po<strong>de</strong> acabar na expiação do<strong>herói</strong>”.Aporia po<strong>de</strong>ria então se tornar uma palavra-chave, aplicável ainda <strong>de</strong>várias outras maneiras ao <strong>teatro</strong> hilstia<strong>no</strong>, a partir do que indicam as leiturasefetuadas em O <strong>herói</strong> <strong>incómodo</strong>. A mais imediata é representada pelaprópria genialida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses seres <strong>de</strong> exceção que são os protagonistas. Éexemplar o caso <strong>de</strong> América, em A empresa, “alguém que, através <strong>de</strong> umacompreensão particular e única, se separou dos outros”, e que justamentepor causa <strong>de</strong> sua particularida<strong>de</strong> será cooptada institucionalmente como objetivo <strong>de</strong> recru<strong>de</strong>scer a repressão. As implicações do fato representariam,ainda, intensificação da aporia. Nesses retratos <strong>de</strong> uma “estruturacomunitária [que] impõe a invalidação do homem como indivíduo”,<strong>de</strong>monstra-se, segundo a estudiosa, a “impossibilida<strong>de</strong> do pensamentoe, paradoxalmente, a sua imperiosa necessida<strong>de</strong>” – ou, <strong>de</strong> acordo coma constituição trágica e para o fim que aqui interessa, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pensamento, e sua implacável impossibilida<strong>de</strong>.Uma terceira manifestação po<strong>de</strong>ria ser uma espécie <strong>de</strong> tentativa <strong>de</strong> respostaa “Que fazer, exausto, em país bloqueado?”, a pergunta mesmo daaporia drummondiana. Pois, argumenta Alva Teixeiro, o que está em jogonas peças <strong>de</strong> <strong>Hilda</strong> <strong>Hilst</strong> é sempre o futuro, mesmo quando se retomamepisódios históricos. Embora a existência <strong>de</strong> personagens como a lúcidaAmérica seja indício <strong>de</strong> falha <strong>no</strong> sistema cujo sucesso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da “subalternida<strong>de</strong>intelectual”, os textos retratam situações extremas, nas quaisnão existe possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retor<strong>no</strong> ou salvação. Daí a autora da dissertaçãofalar <strong>no</strong> caráter contrautópico <strong>de</strong>ssa dramaturgia: “São propostas260


ResenhasEsta visão <strong>de</strong> conjunto é fundamental para a leitura <strong>de</strong> uma obra quefrequentemente se oferece, ainda que apenas em uma primeira leitura,como recriação <strong>de</strong> uma tese fundamental – a <strong>de</strong>fesa do esforço individualpelo <strong>de</strong>sejo transcen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> conhecimento –, e que constantementeremete a si própria (havendo, inclusive, poemas em que figuram personagensda prosa), revelando o empenho em se constituir como um todo absolutoem suas formulações e intenso em sua unida<strong>de</strong>. E leva a autora dadissertação a elaborar, <strong>no</strong> primeiro capítulo <strong>de</strong> seu trabalho, sob o título“A subversiva trajectória <strong>de</strong> uma megalómana”, cujo adjetivo final parecebastante acertado, um convincente perfil biográfico e literário da escritora.Mas justamente porque há essa visão unitária e porque suas formulaçõesrealizam uma boa síntese do percurso hilstia<strong>no</strong> – iniciado com os poemas“Presságio”, em 1950, e encerrado com a prosa “Estar sendo. Ter sido”,<strong>de</strong> 2000 –, seria o caso <strong>de</strong> se reverem algumas breves inconsistências. Amais imediata é creditar a retirada <strong>de</strong> <strong>Hilda</strong> <strong>Hilst</strong> <strong>de</strong> uma intensa vida nacapital paulista a alguma “fobia social”. Pois sua <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> viver em umachácara em Campinas, <strong>no</strong> interior <strong>de</strong> São Paulo, parece ser o indício maisclaro <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> se <strong>de</strong>dicar a um projeto literário. E, seja qual for aapreciação crítica que se faça <strong>de</strong> sua obra, é inegável que o projeto <strong>de</strong> fatotenha existido, como prova a própria unida<strong>de</strong> encontrada por Teixeiro emseu trabalho.Benedito Antunes e Sérgio Vicente Motta (orgs.) –Machado <strong>de</strong> Assis e a crítica internacional.São Paulo: Ed. Unesp, 2009.Janine Resen<strong>de</strong> RochaA recepção à obra <strong>de</strong> Machado <strong>de</strong> Assis evi<strong>de</strong>ncia, <strong>de</strong> maneira emblemática,o potencial <strong>de</strong> sentido suscitado pelo texto literário. Como se<strong>de</strong>preen<strong>de</strong> da pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> teorias em vigor na contemporaneida<strong>de</strong>,esse potencial torna-se ainda mais veemente em virtu<strong>de</strong> da ausência <strong>de</strong>uma referencialização teórica que assuma uma dimensão transcen<strong>de</strong>ntal.Além <strong>de</strong> suscitar uma recepção crítica volumosa – que supera a marca dos5.600 verbetes, “um número sem prece<strong>de</strong>ntes, quando se trata <strong>de</strong> autorbrasileiro”, como Ubiratan Machado constata em Bibliografia machadiana1959-2003 –, a obra do autor <strong>de</strong> Dom Casmurro engendra análises que, <strong>no</strong>seu conjunto, revelam uma multiplicida<strong>de</strong> hermenêutica.262

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