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obras do barão do rio branco x artigos de imprensa - Funag

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<strong>obras</strong> <strong>do</strong> <strong>barão</strong> <strong>do</strong> <strong>rio</strong> <strong>branco</strong>x<strong>artigos</strong> <strong>de</strong> <strong>imprensa</strong>


Ministé<strong>rio</strong> das Relações Exte<strong>rio</strong>resMinistro <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>Secretá<strong>rio</strong>-GeralEmbaixa<strong>do</strong>r Antonio <strong>de</strong> Aguiar Pat<strong>rio</strong>taEmbaixa<strong>do</strong>r Ruy Nunes Pinto NogueiraFundação Alexandre <strong>de</strong> GusmãoPresi<strong>de</strong>nteEmbaixa<strong>do</strong>r José Vicente <strong>de</strong> Sá PimentelInstituto <strong>de</strong> Pesquisa <strong>de</strong>Relações InternacionaisDiretorCentro <strong>de</strong> História eDocumentação DiplomáticaDiretorEmbaixa<strong>do</strong>r Maurício E. Cortes CostaA Fundação Alexandre <strong>de</strong> Gusmão, instituída em 1971, é uma fundação pública vinculada aoMinisté<strong>rio</strong> das Relações Exte<strong>rio</strong>res e tem a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> levar à socieda<strong>de</strong> civil informaçõessobre a realida<strong>de</strong> internacional e sobre aspectos da pauta diplomática brasileira. Sua missão épromover a sensibilização da opinião pública nacional para os temas <strong>de</strong> relações internacionaise para a política externa brasileira.Ministé<strong>rio</strong> das Relações Exte<strong>rio</strong>resEsplanada <strong>do</strong>s Ministé<strong>rio</strong>s, Bloco HAnexo II, Térreo, Sala 170170-900 Brasília, DFTelefones: (61) 2030-6033/6034/6847Fax: (61) 2030-9125Site: www.funag.gov.br


Obras <strong>do</strong> Barão <strong>do</strong> Rio BrancoXArtigos <strong>de</strong> ImprensaEmbaixa<strong>do</strong>r Manoel Gomes PereiraOrganiza<strong>do</strong>rMinisté<strong>rio</strong> das Relações Exte<strong>rio</strong>resFundação Alexandre <strong>de</strong> GusmãoBrasília, 2012


Direitos <strong>de</strong> publicação reserva<strong>do</strong>s àFundação Alexandre <strong>de</strong> GusmãoMinisté<strong>rio</strong> das Relações Exte<strong>rio</strong>resEsplanada <strong>do</strong>s Ministé<strong>rio</strong>s, Bloco HAnexo II, Térreo70170-900 Brasília – DFTelefones: (61) 2030-6033/6034Fax: (61) 2030-9125Site: www.funag.gov.brE-mail: funag@itamaraty.gov.brEditor:Embaixa<strong>do</strong>r Manoel Antonio da Fonseca Couto Gomes PereiraEquipe Técnica:Eliane Miranda PaivaVanusa <strong>do</strong>s Santos SilvaAndré Luiz Ventura FerreiraPablinne Stival Marques GallertPesquisa:Centro <strong>de</strong> História e Documentação Diplomática (CHDD)Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra da Pesquisa:Maria <strong>do</strong> Carmo Strozzi CoutinhoRevisão:Mariana <strong>de</strong> Moura CoelhoProgramação Visual e Diagramação:Gráfica e Editora I<strong>de</strong>al Ltda.N.E. - O texto segue a ortografia acolhida pelo Novo Acor<strong>do</strong> Ortográfico da LínguaPortuguesa que se tornará obrigató<strong>rio</strong> em 1 o <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2013Impresso no Brasil 2012Obras <strong>do</strong> Barão <strong>do</strong> Rio Branco X : <strong>artigos</strong> <strong>de</strong> <strong>imprensa</strong>. / ManoelGomes Pereira, organiza<strong>do</strong>r. – – Brasília: FundaçãoAlexandre <strong>de</strong> Gusmão, 2012.558 p.; 15,5 x 22,5 cm.ISBN 978-85-7631-361-81. Diplomata. 2. Relações Internacionais. 3. Artigos.CDU 341.71Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Sonale Paiva– CRB /1810Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional conforme Lein° 10.994, <strong>de</strong> 14/12/2004.


Comissão Organiza<strong>do</strong>ra da Celebração <strong>do</strong> Primeiro Centená<strong>rio</strong> daMorte <strong>do</strong> Barão <strong>do</strong> Rio BrancoPresi<strong>de</strong>nte:Embaixa<strong>do</strong>r Antonio <strong>de</strong> Aguiar Pat<strong>rio</strong>taMinistro <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> das Relações Exte<strong>rio</strong>resMembros:Embaixa<strong>do</strong>r Ruy Nunes Pinto NogueiraSecretá<strong>rio</strong>-Geral das Relações Exte<strong>rio</strong>resSenhor Julio Cezar Pimentel <strong>de</strong> SantanaAssessor <strong>do</strong> Chefe <strong>de</strong> Gabinete <strong>do</strong> Ministro da DefesaPrimeira-Secretária Luciana Rocha ManciniAssessora Internacional <strong>do</strong> Ministé<strong>rio</strong> da EducaçãoSenhor Maurício Vicente Ferreira JúniorDiretor <strong>do</strong> Museu Imperial em Petrópolis, Ministé<strong>rio</strong> da CulturaMinistro Al<strong>de</strong>mo Serafim Garcia JúniorAssessor Internacional <strong>do</strong> Ministé<strong>rio</strong> das ComunicaçõesProfessor Doutor Jacob PalisPresi<strong>de</strong>nte da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Ciências,Ministé<strong>rio</strong> da Ciência, Tecnologia e InovaçãoMinistro Rodrigo <strong>de</strong> Lima Baena SoaresAssessor Especial da Secretaria <strong>de</strong> Comunicação Social da Presidência daRepúblicaPrimeiro-Secretá<strong>rio</strong> Rodrigo Estrela <strong>de</strong> CarvalhoAssessoria Especial da Presidência da RepúblicaSenhora Mônica Rizzo Soares PintoDiretora <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Referência e Difusão daFundação Biblioteca Nacional


Doutora Christiane Vieira LaidlerDiretora <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Pesquisa da Fundação Casa <strong>de</strong> Rui BarbosaSenhora Maria Elizabeth Brêa MonteiroCoor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> Pesquisa e Difusão <strong>do</strong> Acervo <strong>do</strong> Arquivo NacionalProfessor Doutor Carlos Fernan<strong>do</strong> Mathias <strong>de</strong> SouzaVice-Reitor Acadêmico da Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Legislativo Brasileiro – Unilegis,Sena<strong>do</strong> Fe<strong>de</strong>ralDoutor José Ricar<strong>do</strong> Oria Fernan<strong>de</strong>sConsultor Legislativo da Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>sComitê Executivo:Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r-Geral:Embaixa<strong>do</strong>r Manoel Antonio da Fonseca Couto Gomes Pereira,Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r-Geral <strong>de</strong> Pesquisas <strong>do</strong> Instituto <strong>de</strong> Pesquisa <strong>de</strong> Relações InternacionaisCoor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Seminá<strong>rio</strong>s e Publicações:Embaixa<strong>do</strong>r José Vicente <strong>de</strong> Sá Pimentel, Diretor <strong>do</strong> Instituto <strong>de</strong> Pesquisa <strong>de</strong>Relações InternacionaisCoor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r no Rio <strong>de</strong> Janeiro:Embaixa<strong>do</strong>r Maurício Eduar<strong>do</strong> Cortes Costa, Diretor <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> História eDocumentação DiplomáticaCoor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Divulgação:Embaixa<strong>do</strong>r Tovar da Silva Nunes, Chefe da Assessoria <strong>de</strong> Comunicação Social <strong>do</strong>Ministé<strong>rio</strong> das Relações Exte<strong>rio</strong>res


Sumá<strong>rio</strong>Prefácio – Rio Branco e a Imprensa, 17Alvaro da Costa Franco1) L’Illustration. Acontecimentos <strong>do</strong> Paraguai – Tomada <strong>do</strong> forteEstablecimiento. 1 o /3/1868, 272) A Nação. A nota e o memoran<strong>do</strong> V 15/7/1872, 283) A Nação. Os Trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunção I 17/7/1872, 334) A Nação. Os Trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunção II 18/7/1872, 375) A Nação. Os Trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunção III 19/7/1872, 436) A Nação. A questão argentina I 20/7/1872, 477) A Nação. Uma retificação 20/7/1872, 508) A Nação. A nação 22/7/1872, 51


9) A Nação. A questão argentina II 23/7/1872, 5410) A Nação. Sem título 24/7/1872, 5911) A Nação. A nação 25/7/1872, 6112) A Nação. A nação 26/7/1872, 6613) A Nação. A nação 30/7/1872, 7014) A Nação. Sem título 27/8/1872, 7215) A Nação. Espírito <strong>de</strong> subversão 2/9/1872, 7416) A Nação. Sem título 3/9/1872, 7717) A Nação. Limites com o Peru 15/11/1872, 7918) A Nação. Limites com o Peru II 18/11/1872, 8019) A Nação. A <strong>imprensa</strong> <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da Prata 19/11/1872, 8120) A Nação. Sem título 23/11/1872, 8321) A Nação. Sem título 25/11/1872, 8522) A Nação. O pat<strong>rio</strong>tismo <strong>de</strong> A República 26/11/1872, 8823) A Nação. O acor<strong>do</strong> I 21/12/1872, 9024) A Nação. O acor<strong>do</strong> II 24/12/1872, 9425) A Nação. O acor<strong>do</strong> III 26/12/1872, 9726) A Nação. O acor<strong>do</strong> IV 27/12/1872, 100


27) A Nação. Limites com o Peru 28/12/1872, 10228) A Nação. Sem título 31/12/1872, 10929) A Nação. Sem título 2/1/1873, 11230) A Nação. Sem título 3/1/1873, 11531) A Nação. Limites com o Peru II 3/1/1873, 11732) A Nação. Sem título 4/1/1873, 12133) A Nação. Limites com o Peru III 7/1/1873, 12334) A Nação. Limites com o Peru IV 9/1/1873, 12735) A Nação. Limites com o Peru IV [sic] 10/1/1873, 13236) A Nação. Limites com o Peru V 24/1/1873, 13637) A Nação. Limites com o Peru VI 25/1/1873, 14038) A Nação. Limites com o Peru VII 27/1/1873, 14239) A Nação. Limites com o Peru 19/5/1873, 14640) A Nação. As forças brasileiras no Paraguai 11/07/1873, 14841) A Nação. A “República” e as notícias <strong>do</strong> Rio Prata 9/10/1873, 15142) A Nação. A paz ou a guerra? 10/10/1873, 15743) A Nação. Paz ou guerra? II 13/10/1873, 16144) A Nação. A Reforma justifican<strong>do</strong>-se 15/10/1873, 172


45) A Nação. Ao senhor Afonso Celso 17/10/1873, 17446) A Nação. Negócios <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da Prata I 23/10/1873, 17947) A Nação. Negócios <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da Prata II 24/10/1873, 18348) A Nação. Negócios <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da Prata III 25/10/1873, 18949) A Nação. Ao senhor Francisco Cunha 12/01/1874, 19050) A Nação. O anúncio <strong>do</strong> senhor cônsul inglês 15/01/1874, 19351) A Nação. Colonos ingleses <strong>de</strong> Assunguy 17/01/1874, 19752) A Nação. Colonização. 19/01/1874, 20253) A Nação. Imigração. 21/01/1874, 20854) A Nação. Missão Pene<strong>do</strong> 22/01/1874, 21455) A Nação. Nova fase 26/01/1874, 21856) A Nação. Ao senhor J. P. Masson 26/01/1874, 22157) A Nação. Revista Política 28/01/1874, 22258) A Nação. Imigração 29/01/1874, 22359) A Nação. Missão Pene<strong>do</strong> 30/01/1874, 22660) A Nação. O resulta<strong>do</strong> da missão Pene<strong>do</strong> 04/02/1874, 23061) A Nação. As ocorrências <strong>do</strong> Paraguai 19/03/1874, 23462) A Nação.O que queriam que fizéssemos? 21/03/1874, 238


63) A Nação. Revista Política 18/04/1874, 24264) A Nação. Não há ainda 12/05/1874, 24365) A Nação. Os acontecimentos <strong>do</strong> Paraguai 16/05/1874, 24466) A Nação. Da República Argentina 21/05/1874, 24767) A Nação. O senhor viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco 27/05/1874, 24868) A Nação. O nossos armamentos 7/10/1874, 25269) A Nação. Seção Histórica 25/11/1874, 25670) A Vida Fluminense. Crônica 16/1/1875, 26671) A Vida Fluminense. Crônica 23/1/1875, 26872) A Vida Fluminense. Crônica 6/2/1875, 27173) A Vida Fluminense. Crônica 13/2/1875, 27274) A Vida Fluminense. Crônica 20/2/1875 , 27475) A Vida Fluminense. Crônica 27/2/1875, 27676) A Vida Fluminense. Crônica 6/3/1875, 27977) A Vida Fluminense. Crônica 13/3/1875, 28178) A Vida Fluminense. Crônica 20/3/1875, 28379) A Vida Fluminense. Crônica 27/3/1875, 28480) A Nação. O Impé<strong>rio</strong> e as Repúblicas <strong>do</strong> Prata 6/4/1875, 286


81) A Nação. O Impé<strong>rio</strong> e as Repúblicas <strong>do</strong> Prata 7/4/1875, 29282) A Vida Fluminense. Crônica 10/4/1875, 29883) A Vida Fluminense. Crônica 17/4/1875, 30084) A Vida Fluminense. Artigo <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> antiultramontano <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> a OApóstolo 24/4/1875, 30285) A Vida Fluminense. Crônica 1 o /5/1875, 30586) A Vida Fluminense. Crônica 8/5/1875, 30987) A Vida Fluminense. Crônica 15/5/1875, 31188) A Vida Fluminense. Crônica 5/6/1875, 31389) A Vida Fluminense. Crônica 12/6/1875, 31690) A Vida Fluminense. Crônica 19/6/1875, 31891) A Vida Fluminense. Crônica 26/6/1875, 32092) A Vida Fluminense. Crônica 3/7/1875, 32293) A Vida Fluminense. Crônica 10/7/1875, 32494) A Vida Fluminense. Crônica 17/7/1875, 32595) A Nação. A <strong>de</strong>núncia Capote 19/7/1875, 32996) A Nação. A <strong>de</strong>núncia Capote II 23/7/1875, 33397) A Nação. O cidadão Capote 3/8/1875, 33798) A Vida Fluminense. Crônica 7/8/1875, 339


99) A Vida Fluminense. Crônica 16/10/1875, 341100) A Vida Fluminense. O Apóstolo e o presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Conservató<strong>rio</strong>23/10/1875, 343101) A Vida Fluminense. Teatrices 6/11/1875, 345102) A Nação. A nação 13/11/1875, 347103) A Vida Fluminense. Teatrices 13/11/1875, 348104) A Vida Fluminense. Teatrices 27/11/1875, 350105) A Vida Fluminense. Crônica 4/12/1875, 352106) A Vida Fluminense. Crônica 18/12/1875, 354107) A Vida Fluminense. Crônica 25/12/1875, 356108) Jornal <strong>do</strong> Commercio: A abolição da escravidão no Brasil 29/6/1888(editorial <strong>do</strong> Liverpool Daily Post, <strong>de</strong> 6/6/1888), 358109) Jornal <strong>do</strong> Brasil. Limites das Guianas Francesa e Holan<strong>de</strong>sa24/6/1891, 362110) Jornal <strong>do</strong> Brasil. Cartas <strong>de</strong> França. Dom Pedro II 22/12/1891, 368111) Jornal <strong>do</strong> Brasil. Cartas <strong>de</strong> França. A morte e os funerais <strong>de</strong> <strong>do</strong>mPedro II 8/1/1892, 372112) Jornal <strong>do</strong> Brasil. Cartas <strong>de</strong> França. A morte e os funerais <strong>de</strong> <strong>do</strong>mPedro II 11/1/1892, 377113) Jornal <strong>do</strong> Brasil. Cartas <strong>de</strong> França. A morte e os funerais <strong>de</strong> <strong>do</strong>mPedro II 12/1/1892, 385


114) Jornal <strong>do</strong> Brasil. Cartas <strong>de</strong> França. A morte e os funerais <strong>de</strong> <strong>do</strong>mPedro II 13/1/1892, 392115) Jornal <strong>do</strong> Brasil. Cartas <strong>de</strong> França. A morte e os funerais <strong>de</strong> <strong>do</strong>mPedro II 17/1/1892, 396116) Jornal <strong>do</strong> Brasil. Cartas <strong>de</strong> França. A morte e os funerais <strong>de</strong> <strong>do</strong>mPedro II 20/1/1892, 405117) Jornal <strong>do</strong> Commercio. O senhor ministro das Relações Exte<strong>rio</strong>res11/1/1903, 411118) O Paiz. Alta prudência. O pru<strong>de</strong>ntíssimo Pan<strong>do</strong> 30/1/1903, 421119) O Paiz. Aon<strong>de</strong> foi o senhor Pan<strong>do</strong>? 31/1/1903, 423120) Jornal <strong>do</strong> Commercio. Caxias e Mitre 30/9/1903, 425121) Correio da Manhã. O Acre 7/11/1903, 445122) Jornal <strong>do</strong> Commercio. A questão <strong>do</strong> Acre e o trata<strong>do</strong> com a BolíviaI 17/12/1903, 446123) Jornal <strong>do</strong> Commercio. A questão <strong>do</strong> Acre e o trata<strong>do</strong> com a BolíviaII 18/12/1903, 452124) Jornal <strong>do</strong> Commercio. A questão <strong>do</strong> Acre e o trata<strong>do</strong> com a BolíviaIII 21/12/1903, 460125) Jornal <strong>do</strong> Commercio. A questão <strong>do</strong> Acre e o trata<strong>do</strong> com a BolíviaIV 23/12/1903, 467126) Jornal <strong>do</strong> Commercio. O Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Petrópolis 1 o /1/1904, 475127) O Paiz. O país 18/7/1904, 476


128) O Paiz. Censuras platinas 18/1/1905, 479129) O Paiz. Brasil, Bolívia e Peru 4/1/1906, 483130) A Notícia. O caso da Panther 10/1/1906, 485131) A Notícia. O caso da Panther 11/1/1906, 489132) A Notícia. A satisfação diplomática 12/1/1906, 494133) A Notícia. A solução diplomática no caso da Panther 13/1/1906, 499134) A Notícia. A solução diplomática <strong>do</strong> caso da Panther 16/1/1906, 503135) Circular. Artigos <strong>do</strong> senhor Zeballos 19/9/1908, 510136) Jornal <strong>do</strong> Commercio. Brasil e Argentina 26/9/1908, 516137) Jornal <strong>do</strong> Commercio. As relações exte<strong>rio</strong>res <strong>do</strong> Brasil durante apresidência Afonso Pena 13/6/1909, 520138) O Paiz. O Brasil nos conflitos americanos 17/12/1909, 526139) Imprensa Nacional, 1911. As críticas ao trata<strong>do</strong> sobre lagoa Mirime <strong>rio</strong> Jaguarão escrito em 18/5/1910, 539140) Correio da Noite. Confiar <strong>de</strong>sconfian<strong>do</strong> 24/11/1910, 555


Rio Branco e a <strong>imprensa</strong>Alvaro da Costa FrancoRio Branco manteve, ao longo <strong>de</strong> sua vida, uma estreita relaçãocom a <strong>imprensa</strong>. Foi colabora<strong>do</strong>r, jornalista, e correspon<strong>de</strong>nte da revistafrancesa L’Illustration, redator <strong>de</strong> A Nação, e o principal apoio, naEuropa, à organização <strong>do</strong> Jornal <strong>do</strong> Brasil. Chama<strong>do</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> seustriunfos nos processos arbitrais sobre os limites com a Argentina e aGuiana Francesa, para assumir o Ministé<strong>rio</strong> das Relações Exte<strong>rio</strong>res,valeu-se da <strong>imprensa</strong>, com notável habilida<strong>de</strong>, para expor suas i<strong>de</strong>iase angariar o apoio da opinião pública para a sua visão <strong>do</strong> papel a ser<strong>de</strong>sempenha<strong>do</strong> pelo Brasil no cená<strong>rio</strong> internacional, para a orientaçãopor ele dada à nossa política externa e para a reestruturação <strong>do</strong> serviçoexte<strong>rio</strong>r brasileiro.Tinha, como nota Álvaro Lins, o “instinto da publicida<strong>de</strong>” 1 ,alimentava os jornais com notícias, notas e informações, frequentavaa redação <strong>do</strong> Jornal <strong>do</strong> Commercio e escrevia, ele mesmo, <strong>artigos</strong> sobpseudônimos mais ou menos reconheci<strong>do</strong>s. Mantinha, a<strong>de</strong>mais, relaçõespessoais com numerosos jornalistas, como <strong>de</strong>monstra a correspondência<strong>de</strong>positada no Arquivo Histórico <strong>do</strong> Itamaraty. Ali encontramos nãosomente as cartas <strong>de</strong> seu amigo e ex-companheiro <strong>de</strong> A Nação, GusmãoLobo, mas, entre outras, as que recebeu <strong>de</strong> José Carlos Rodrigues (Jornal1LINS, Álvaro. Rio Branco (o Barão <strong>do</strong> Rio Branco). Biografia pessoal e história política. São Paulo:Editora Alfa-Ômega, 1996. p. 114.17


ALVARO DA COSTA FRANCO<strong>do</strong> Commercio), Alcin<strong>do</strong> Guanabara (A Tribuna, Gazeta <strong>de</strong> Notícias, ANação e Jornal <strong>do</strong> Commercio), Domingos Olympio Ro<strong>do</strong>lfo Dantas(Jornal <strong>do</strong> Brasil), Tobias Monteiro, João <strong>de</strong> Souza Lage e Eduar<strong>do</strong>Salamon<strong>de</strong> (O Paiz), Joaquim Pereira Teixeira (A Nação), Henrique <strong>de</strong>Villeneuve (Jornal <strong>do</strong> Commercio, Jornal <strong>do</strong> Brasil e, <strong>de</strong>pois, revistaFrance-Brésil), e Pedro Leão Velloso (Correio da Manhã e Diá<strong>rio</strong> <strong>de</strong>Notícias).O Arquivo Histórico <strong>do</strong> Itamaraty guarda mais <strong>de</strong> uma centena<strong>de</strong> volumes <strong>de</strong> recortes <strong>de</strong> jornal assinala<strong>do</strong>s, li<strong>do</strong>s e, muitas vezes,sublinha<strong>do</strong>s ou comenta<strong>do</strong>s pelo Barão. Evi<strong>de</strong>nte testemunho <strong>do</strong>acompanhamento zeloso e pessoal da <strong>imprensa</strong> da capital.Sua influência sobre a <strong>imprensa</strong> foi, sem dúvida, fator <strong>de</strong>cisivona construção <strong>de</strong> sua imagem perante a opinião pública, certamentemerecida, mas cuida<strong>do</strong>samente alimentada pela inesgotável atenção <strong>de</strong>Rio Branco.Sua primeira produção literária, um artigo sobre Luís BarrosoPereira, escrito em 1861, foi publica<strong>do</strong> no tomo 13 da Revista Popular,relativo a janeiro-março <strong>de</strong> 1862. “Episódios da Guerra <strong>do</strong> Prata (1825-1828): apontamentos históricos” veio a público, sem indicação <strong>de</strong> autor,na Revista Mensal <strong>do</strong> Instituto Científico, órgão da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito<strong>de</strong> São Paulo. Já o “Esboço biográfico <strong>do</strong> General José <strong>de</strong> Abreu, Barão<strong>do</strong> Cerro Largo”, escrito em 1865, quan<strong>do</strong> tinha 20 anos, foi edita<strong>do</strong>,três anos <strong>de</strong>pois, no tomo XXXI da então Revista Trimensal <strong>do</strong> InstitutoHistórico, Geográfico e Etnográfico <strong>do</strong> Brasil. Esses trabalhos foramincorpora<strong>do</strong>s à primeira edição das Obras <strong>do</strong> Barão <strong>do</strong> Rio Branco, novolume <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> aos estu<strong>do</strong>s históricos 2 .Seus primeiros passos no jornalismo, os dá em 1866, aos 21anos, ainda estudante no Recife, colaboran<strong>do</strong> com O Vinte e Cinco <strong>de</strong>Março, semaná<strong>rio</strong> ultraconserva<strong>do</strong>r dirigi<strong>do</strong> pelo monsenhor JoaquimPinto <strong>de</strong> Campos. É muito provável que seja <strong>de</strong> sua autoria o ensaiointitula<strong>do</strong> “Estu<strong>do</strong> sobre a política <strong>do</strong> Brasil no Prata”, publica<strong>do</strong>, emvá<strong>rio</strong>s números, pelo heb<strong>do</strong>madá<strong>rio</strong>. Em carta ao futuro viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong>Rio Branco, o monsenhor Pinto <strong>de</strong> Campos diz que o jovem Paranhosera seu braço direito. Segun<strong>do</strong> Luiz <strong>do</strong> Nascimento, em sua História da2RIO BRANCO, Barão <strong>do</strong>. Obras <strong>do</strong> Barão <strong>do</strong> Rio Branco. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ministé<strong>rio</strong> das RelaçõesExte<strong>rio</strong>res, 1945-1948.18


ALVARO DA COSTA FRANCOmagnífico trabalho <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> e reservava duas horas por dia “parafazer a corte aos jornalistas” 7 , para usar suas próprias palavras.Em 1891, Ro<strong>do</strong>lfo Dantas, seu gran<strong>de</strong> amigo, <strong>de</strong>cidiu criar umnovo diá<strong>rio</strong>, o Jornal <strong>do</strong> Brasil, ao qual quis dar uma estatura, umaabertura e uma in<strong>de</strong>pendência que logo se revelaram inviáveis noclima <strong>do</strong> jacobinismo que prevaleceu no início <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> republicano.Dantas apelou para a colaboração <strong>de</strong> Rio Branco, que assumiu, sobabsoluto sigilo, a verda<strong>de</strong>ira representação da nova folha na Europa.Coube-lhe sugerir e contratar, como colabora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> nascente diá<strong>rio</strong>,Paul Leroy-Beaulieu, economista e professor <strong>do</strong> Collège <strong>de</strong> France; oeconomista belga Emile <strong>de</strong> Laveleye; Edmun<strong>do</strong> <strong>de</strong> Amicis, o gran<strong>de</strong>romancista italiano; e Andreas Schimper, botânico e geógrafo, professorda Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Bonn, que <strong>de</strong>veria cobrir o movimento científicoda Alemanha. Recebia recursos <strong>de</strong> Dantas e efetuava os pagamentostanto a estes e a outros correspon<strong>de</strong>ntes estrangeiros quanto aos oficiaisfranceses responsáveis pela correspondência sobre assuntos militares enavais. Agia como um profissional da <strong>imprensa</strong>.Contribuiu também para o Jornal <strong>do</strong> Brasil com matérias assinadas,nos casos <strong>de</strong> temas históricos – como as Efeméri<strong>de</strong>s –, ou publicadas,com cautelosa discrição, por pseudônimos, em assuntos <strong>de</strong> outranatureza. Matérias por ele enviadas eram creditadas ao “correspon<strong>de</strong>nteem Paris”. O Jornal <strong>do</strong> Brasil, cria<strong>do</strong> por Ro<strong>do</strong>lfo Dantas e ten<strong>do</strong> comoeditor Joaquim Nabuco, tinha uma aura monarquista, que o fazia suspeitoao governo. Rio Branco, servi<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, acautelava-se contra asreações jacobinas, que, aliás, não tardara surgir.Ainda no exte<strong>rio</strong>r, incumbi<strong>do</strong> agora da <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> Brasil nasquestões <strong>de</strong> limites com a Argentina e com a França – submetidas,respectivamente, à arbitragem <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte Cleveland, <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>sUni<strong>do</strong>s, e <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte da Confe<strong>de</strong>ração Suíça Walter Hauser –, RioBranco manteve-se atento às reações da <strong>imprensa</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro eàs repercussões no plano internacional. Testemunho <strong>de</strong>sta articulaçãocom a <strong>imprensa</strong> internacional é a correspondência com Louis Guilaine,redator <strong>do</strong> jornal parisiense Le Temps, entre os anos <strong>de</strong> 1895 e 1899.Nomea<strong>do</strong> ministro das Relações Exte<strong>rio</strong>res, tinha Rio Brancopela frente a urgente tarefa <strong>de</strong> solucionar a crise <strong>do</strong> Acre, questão cuja7Id., ibid.20


PREFÁCIOcomplexida<strong>de</strong> envolvia não somente nossas relações com a Bolívia, mastambém o <strong>de</strong>stino <strong>do</strong>s brasileiros radica<strong>do</strong>s na região, as repercussõesnos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e as consequências para as nossas relações como Peru. Excitava, no Brasil, reações nacionalistas e apaixonava aopinião pública, com repercussões no Congresso. Além <strong>do</strong>s pleitosexternos, Rio Branco <strong>de</strong>via necessariamente vencer a batalha internapela conquista da opinião pública. A partir <strong>do</strong> momento <strong>de</strong> seu triunfal<strong>de</strong>sembarque no Rio <strong>de</strong> Janeiro, não poupou recursos <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>,simpatia e inteligência para conquistar a <strong>imprensa</strong> da capital fe<strong>de</strong>ral, seusdirigentes e os jornalistas mais atuantes. Informações, notas, sueltos,<strong>artigos</strong> pseudônimos e um imenso esforço – <strong>do</strong> que hoje chamaríamos<strong>de</strong> relações públicas – conquistou-lhe uma situação ímpar, que soubemanter com tranquila e elegante <strong>de</strong>streza por toda sua longa gestão napasta das Relações Exte<strong>rio</strong>res.Na vida pública <strong>de</strong> Rio Branco, o jornalismo representa como queum permanente contraponto à sua ativida<strong>de</strong> profissional como político,como diplomata ou como o estadista – que foi – na construção dapersonalida<strong>de</strong> internacional <strong>do</strong> Brasil.É, portanto, uma <strong>de</strong>cisão acertada e oportuna a <strong>de</strong> incluir, na novaedição das Obras <strong>do</strong> Barão <strong>do</strong> Rio Branco, publicadas agora pelaFundação Alexandre <strong>de</strong> Gusmão (<strong>Funag</strong>), por ocasião <strong>do</strong> centená<strong>rio</strong> damorte <strong>do</strong> Barão, um volume <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> à sua produção jornalística. Eleenriquece nossa visão <strong>do</strong> homem, dan<strong>do</strong>-nos a medida da amplitu<strong>de</strong><strong>de</strong> seus interesses, da vastidão <strong>de</strong> seu conhecimento <strong>do</strong> Brasil, em suahistória e em suas relações com os países vizinhos. Revela-nos tambémcomo foi prematuro – talvez <strong>do</strong>s anos acadêmicos no Recife – seuinteresse pela política externa, interesse que se transformou em absolutaconcentração <strong>de</strong> todas as atenções e <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os esforços no Itamaraty,órgão a que <strong>de</strong>u forma, infundiu um espírito e legou uma tradição.Permite-nos também apreciar, nos <strong>do</strong>cumentos originais, como sabiaaliar à sua ação político-diplomática o processo <strong>de</strong> cativar a opiniãopública.A vastidão <strong>de</strong> sua obra jornalística e a imensa dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong>i<strong>de</strong>ntificar com precisão os <strong>artigos</strong> anônimos que lhe são atribuíveisimpunham uma seleção <strong>de</strong> textos. A judiciosa escolha feita peloembaixa<strong>do</strong>r Manoel Antonio da Fonseca Couto Gomes Pereira permite,num único volume, uma visão <strong>de</strong> conjunto sobre a ativida<strong>de</strong> jornalística21


ALVARO DA COSTA FRANCO<strong>de</strong> Rio Branco, <strong>do</strong> jovem Juca Paranhos ao gran<strong>de</strong> ministro que concluiuo perfil territorial <strong>do</strong> Brasil.***A carta <strong>de</strong> Paranhos a L’Illustration, datada <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> março <strong>de</strong>1868, registra a retomada – logo <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> retorno <strong>de</strong> sua viagem àEuropa – da correspondência sobre a Guerra <strong>do</strong> Paraguai, acompanhada<strong>de</strong> ilustrações <strong>de</strong> seu próp<strong>rio</strong> punho. O resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>correspon<strong>de</strong>nte estrangeiro <strong>do</strong> periódico <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> difusão e prestígionão é <strong>de</strong> fácil i<strong>de</strong>ntificação. Publicadas muitas vezes sob pseudônimo,provavelmente editadas pela revista, que dispunha <strong>de</strong> outras fontes <strong>de</strong>informação, essas reportagens alinham-se com numerosos outros textosda provável autoria <strong>de</strong> Rio Branco, cuja crítica <strong>de</strong> atribuição permaneceum <strong>de</strong>safio para historia<strong>do</strong>res e para quem quer que <strong>de</strong>seje aventurar-senos campos da análise estilística, quantitativa ou <strong>de</strong> outra natureza.Mais transparente é a questão <strong>do</strong>s <strong>artigos</strong> <strong>de</strong> A Nação. Sabe-seque o jornal era integralmente redigi<strong>do</strong> por Paranhos e Gusmão Loboe que a divisão <strong>de</strong> temas confiava ao primeiro matérias <strong>de</strong> naturezainternacional. Ele mesmo o diz, lembran<strong>do</strong> que, muitas vezes, atribuíamos <strong>artigos</strong> <strong>de</strong> sua autoria a seu pai. Há, pois, certamente, muitas outrasmatérias <strong>de</strong> Paranhos em A Nação, encobertas pelo véu inconsútil daparceria com Gusmão Lobo.O incansável interesse <strong>de</strong> Paranhos pelos problemas <strong>de</strong> políticainternacional e, especialmente, <strong>de</strong> nossas relações com os Esta<strong>do</strong>slimítrofes, já revela<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a juventu<strong>de</strong>, estampa-se, <strong>de</strong> forma plena,na série <strong>de</strong> <strong>artigos</strong> seleciona<strong>do</strong>s. Com menos <strong>de</strong> 30 anos, o jovemParanhos já acumulara uma soma <strong>de</strong> conhecimentos sobre nossa históriageral e militar, e sobre nossas relações internacionais, com que poucospo<strong>de</strong>riam rivalizar.Como para <strong>de</strong>monstrar sua versatilida<strong>de</strong> e aptidão para tratar – comgraça e, muitas vezes, um toque <strong>de</strong> mordacida<strong>de</strong> – <strong>de</strong> temas <strong>de</strong> políticainterna ou <strong>de</strong> faits divers da vida cotidiana, as crônicas publicadas em AVida Fluminense, sob o pseudônimo “Nemo”, mostram outro Paranhos,ágil no <strong>de</strong>bate com a <strong>imprensa</strong> adversária, menos sisu<strong>do</strong>, mais próximoda figura <strong>do</strong> jovem boêmio frequenta<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s teatros, <strong>do</strong> Alcazar edas corridas <strong>de</strong> cavalos. A leitura <strong>de</strong>ssas crônicas aponta para outros22


PREFÁCIOtextos, em que, sob o anonimato <strong>de</strong> A Nação, escon<strong>de</strong>m-se certamentecontribuições similares <strong>do</strong> jovem Juca Paranhos.A remoção para Liverpool o afasta das li<strong>de</strong>s jornalísticas no Brasil.Não <strong>de</strong>scura, entretanto, <strong>de</strong> contatos com a <strong>imprensa</strong> no exte<strong>rio</strong>r.Alimenta-a com informações sobre o Brasil, inspira <strong>artigos</strong>, “cuida daimagem” <strong>do</strong> país – para usar uma expressão que só veio a ser cunhadaanos mais tar<strong>de</strong>... Exemplo <strong>de</strong>ssa ativida<strong>de</strong> é o editorial <strong>do</strong> LiverpoolDaily Post, a propósito da abolição da escravatura, traduzi<strong>do</strong> e transcritopelo Jornal <strong>do</strong> Commercio <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1888.Como vimos, em 1891, esteve Rio Branco profundamente envolvi<strong>do</strong>no lançamento <strong>do</strong> Jornal <strong>do</strong> Brasil, iniciativa <strong>de</strong> seu amigo Ro<strong>do</strong>lfoDantas. Além da função <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iro agente <strong>do</strong> jornal na Europa, RioBranco escreveu para a folha, mas assinou apenas os estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> naturezahistórica. Ali retomou, sob sua assinatura e <strong>de</strong> forma sistemática,as “Efeméri<strong>de</strong>s”, que publicara esporadicamente em A Nação. Poriniciativa <strong>do</strong> próp<strong>rio</strong> diá<strong>rio</strong>, foram logo editadas em livro, que setransformou em obra emblemática da nossa literatura histórica, lida nadata correspon<strong>de</strong>nte, a cada sessão <strong>do</strong> Instituto Histórico e GeográficoBrasileiro.O editorial intitula<strong>do</strong> “Limites das Guianas Francesa e Holan<strong>de</strong>sa”,publica<strong>do</strong> no Jornal <strong>do</strong> Brasil <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1891, não é assina<strong>do</strong>,nem a notícia sobre a <strong>de</strong>cisão arbitral <strong>do</strong> czar Alexandre III. O editorialrefere-se ao “correspon<strong>de</strong>nte em Paris”, mas não cita nomes. RioBranco man<strong>do</strong>u também várias “Cartas <strong>de</strong> França”, sob o pseudônimo“Ferdinand Hex”, das quais vão aqui publicadas as relativas à morte eàs cerimônias fúnebres <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro II. Pedro Calmon associou estepseudônimo a “Fre<strong>de</strong>rico S.”, utiliza<strong>do</strong> por Eduar<strong>do</strong> Pra<strong>do</strong>, que julgouser o autor da correspondência sobre as exéquias <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro 8 . LuisViana corretamente as atribui a Rio Branco, lembran<strong>do</strong> a<strong>de</strong>mais suapublicação em um opúsculo, em 1892 9 .As matérias que se seguem, na seleção ora publicada, correspon<strong>de</strong>mà fase ministerial <strong>de</strong> Rio Branco. Multiplicam-se os <strong>artigos</strong> assina<strong>do</strong>s,ou publica<strong>do</strong>s sob pseudônimos, que não escondiam, aliás, a sua autoria,mas salvaguardavam a figura e a função <strong>do</strong> ministro. Sua i<strong>de</strong>ntificação8CALMON, Pedro. História <strong>de</strong> D. Pedro II. Rio <strong>de</strong> Janeiro: José Olympio; Brasília: INL, 1975. p. 1.893,nota 8.9Viana Filho, op.cit., p. 163.23


ALVARO DA COSTA FRANCOpo<strong>de</strong> ser feita, em geral, quer pelo pseudônimo utiliza<strong>do</strong> quer pelasinalização, <strong>de</strong> próp<strong>rio</strong> punho <strong>do</strong> Barão, com as iniciais R.B., na coleção<strong>de</strong> recortes <strong>de</strong> jornal existente no Arquivo Histórico <strong>do</strong> Itamaraty, querpela indicação <strong>de</strong> Cláudio Ganns 10 , geralmente bem-informa<strong>do</strong>, ou poreventuais referências da época. Mas, outras pistas po<strong>de</strong>m surgir, o quetorna, provavelmente, impossível reunir a íntegra da abundante produçãojornalística <strong>de</strong> Rio Branco neste perío<strong>do</strong>.Como exemplo das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sta pesquisa caberia lembrarum telegrama <strong>de</strong> A Nação, data<strong>do</strong> <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1903. Pediaao Barão autorização para “transcrever 3 <strong>artigos</strong> Kent e artigo Paizontem”, assemelhan<strong>do</strong> o artigo <strong>de</strong> O Paiz aos <strong>de</strong> “Kent”, sabidamente<strong>do</strong> Barão. Cumpre, entretanto, lembrar que A Nação, segun<strong>do</strong> se <strong>de</strong>duzda correspondência, recebia subsídios financeiros por intermédio <strong>de</strong>Pecegueiro <strong>do</strong> Amaral e tinha interesse em ampliar o número <strong>de</strong> matériastranscritas. O artigo <strong>de</strong> O Paiz po<strong>de</strong>ria, portanto, ser <strong>do</strong> Barão, matériapor ele inspirada ou, simplesmente, um elogio espontâneo à sua política.Sua leitura po<strong>de</strong> favorecer a primeira hipótese, mas não parece suficientepara atribuir-lhe a autoria.Os <strong>artigos</strong>, ora publica<strong>do</strong>s, sobre a questão <strong>do</strong> Acre, as relaçõescom a Argentina, o caso Panther, o trata<strong>do</strong> sobre a fronteira com oUruguai, <strong>de</strong> 1909, as relações exte<strong>rio</strong>res na presidência Afonso Penae o Brasil nos conflitos americanos são os melhores exemplos <strong>de</strong> umjornalismo <strong>de</strong> alta qualida<strong>de</strong>, que prestava, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> circunstancia<strong>do</strong>,contas à opinião pública acerca das posturas assumidas pelo governo,alinhan<strong>do</strong> num arrazoa<strong>do</strong> minucioso as motivações políticas e osfundamentos jurídicos <strong>de</strong> sua conduta. Trata-se <strong>de</strong> Rio Branco emsua melhor forma: linguagem clara, sóbria, elegante e objetiva, semnenhuma concessão aos modismos estilísticos da época; exposiçãológica e precisa; amplo conhecimento <strong>do</strong>s fatos e <strong>do</strong>mínio exaustivo<strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e estatísticas.Com eles, põe a nova edição das Obras <strong>do</strong> Barão <strong>do</strong> Rio Branco àdisposição <strong>do</strong>s estudiosos e das novas gerações – tão numerosamenteinteressadas em nossas relações internacionais – os textos originais<strong>de</strong> Rio Branco jornalista, comunica<strong>do</strong>r: um aspecto, senão ignora<strong>do</strong>,muitas vezes esqueci<strong>do</strong>, da personalida<strong>de</strong> extremamente rica <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s10GANNS, Cláudio. Contribuição para o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Rio Branco. Revista <strong>do</strong> Instituto Histórico e GeográficoBrasileiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro, v. 187, pp. 186-246, abr.-jun. 1945.24


PREFÁCIOmais eminentes estadistas da República, que soube aliar à cultura e àilustração gran<strong>de</strong> habilida<strong>de</strong> negocia<strong>do</strong>ra e um insuperável sentimento<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> com os interesses pát<strong>rio</strong>s.Rio <strong>de</strong> Janeiro, janeiro <strong>de</strong> 201225


1) L’IllustrationAcontecimentos <strong>do</strong> Paraguai – Tomada <strong>do</strong> forte Establecimiento *Ao diretorRio <strong>de</strong> Janeiro, 1 o <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1868De volta ao meu país, recomeço a enviar-lhe tu<strong>do</strong> o que possa serinteressante para os leitores <strong>de</strong> L’Illustration. Desta vez, as notíciasda Guerra <strong>do</strong> Paraguai têm importância <strong>de</strong>cisiva. A passagem <strong>de</strong>Humaitá por uma divisão encouraçada da esquadra brasileira, passagem<strong>de</strong>clarada impossível por vá<strong>rio</strong>s oficiais das Marinhas estrangeiras,coloca a Marinha brasileira, já muito apreciada <strong>de</strong>pois da Batalha <strong>de</strong>Riachuelo, ao la<strong>do</strong> das mais glo<strong>rio</strong>sas Marinhas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Talvez apassagem <strong>de</strong> Humaitá seja um feito mais notável que a proeza ousada<strong>do</strong> almirante Farragut diante <strong>de</strong> Nova Orleans. De outra parte, a tomada<strong>do</strong> forte Establecimiento pelo marechal Caxias tornou insustentável aposição <strong>de</strong> López. A divisão brasileira que forçou, em 19 <strong>de</strong> fevereiro,a passagem <strong>de</strong> Humaitá, apresentou-se diante da capital, Assunção, quese encontrava aban<strong>do</strong>nada. Tu<strong>do</strong> faz crer que a guerra terminará <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> um mês ou mesmo mais ce<strong>do</strong>. Ao anunciar-lhe esses acontecimentos,envio-lhe <strong>do</strong>is croquis e o retrato <strong>do</strong> almirante viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Inhaúma. Oretrato <strong>do</strong> marechal Caxias já foi publica<strong>do</strong> em L’Illustration.O viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Inhaúma (Joaquim José Inácio) nasceu a 30 <strong>de</strong>julho <strong>de</strong> 1808. Em 1822, terminou seus estu<strong>do</strong>s na Escola Naval <strong>do</strong>Rio <strong>de</strong> Janeiro e entrou na Marinha como subtenente. Era a época daIn<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong> Brasil. Fez, com lor<strong>de</strong> Cochrane (con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Dun<strong>do</strong>nal<strong>de</strong> marquês <strong>do</strong> Maranhão), a campanha da In<strong>de</strong>pendência a bor<strong>do</strong> danau Dom Pedro I. Na guerra entre o Brasil e a República Argentina(1825-1828), cobriu-se <strong>de</strong> glória. Por ocasião <strong>do</strong> bloqueio da Bahia,em 1839, sua reputação <strong>de</strong> bravura e <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong> cresceu ainda mais.Serviu <strong>de</strong>pois no Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul (1841-1845), então em revolução.Envia<strong>do</strong>, em 1846, à Inglaterra, em missão, retornou em 1848. Recebeu,*ASSUMPÇÃO, Roberto. Rio Branco e L’Illustration. Revista <strong>do</strong> Instituto Histórico eGeográfico Brasileiro. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imprensa Nacional, v. 188, jul.-set. 1945, pp. 11 e 12,1946. Tradução <strong>do</strong> editor. (N.E.)27


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO<strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua chegada, o coman<strong>do</strong> da divisão naval em operações contraPernambuco, então agita<strong>do</strong> pela guerra civil. Por ocasião <strong>do</strong> ataquerebel<strong>de</strong> contra a cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Recife, <strong>de</strong>sembarcou com suas tripulações, eo combate, graças a ele, terminou com a vitória <strong>do</strong> governo. Na guerraatual, Inhaúma se assinalou por diversos feitos brilhantes, entre os quaiscitamos o bombar<strong>de</strong>io <strong>de</strong> Curupaiti (2 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1867), a perigosapassagem <strong>de</strong>ssa fortaleza (15 <strong>de</strong> agosto) pela esquadra encouraçada, e asúltimas e recentes operações diante <strong>de</strong> Humaitá.O viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Inhaúma representa uma das figuras mais notáveis <strong>do</strong>Parti<strong>do</strong> Conserva<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil.Foi ministro da Marinha <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1860 a 24 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1862;é membro <strong>do</strong> Supremo Conselho Militar <strong>de</strong> Justiça e <strong>do</strong> Conselho Naval,vice-almirante, gentil-homem da Imperial Câmara e Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>,comenda<strong>do</strong>r das Or<strong>de</strong>ns Brasileiras da Rosa, <strong>de</strong> Cristo e <strong>de</strong> Aviz, oficialda Legião <strong>de</strong> Honra, da França e da Torre e da Espada, <strong>de</strong> Portugal.Paranhos2) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano I, número 11, segunda-feira, 15 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1872A nota e o memoran<strong>do</strong> VÉ objeto <strong>do</strong> presente artigo consi<strong>de</strong>rar o terceiro – e parece que último– da série com que o <strong>de</strong>noda<strong>do</strong> lida<strong>do</strong>r <strong>do</strong> liberalismo – salvas as vantagensa que <strong>de</strong>ram lugar às <strong>de</strong>scaídas <strong>do</strong> trêfego senhor Teje<strong>do</strong>r, infelizmenteumas e outras ainda por assinalar – fulminou a nota e o memoran<strong>do</strong> <strong>de</strong>20 <strong>de</strong> junho: aquela, balda <strong>de</strong> energia e incisão; este, <strong>de</strong>scora<strong>do</strong> e frouxo,forman<strong>do</strong> ambos <strong>do</strong>is longos arrazoa<strong>do</strong>s e nada mais!Quanto mais refletimos nesta sentença, tão impavidamente proferida,mais nos convencemos <strong>do</strong> que po<strong>de</strong> a cegueira da ambição e das paixõespolíticas <strong>de</strong> mãos dadas com a <strong>do</strong> orgulho e a da vaida<strong>de</strong>!Vamos neste artigo apreciar o terceiro <strong>de</strong> A Reforma; no entanto,antes <strong>de</strong> entrar em matéria, é força que satisfaçamos ao <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>28


ARTIGOS DE IMPRENSAliquidar um ponto <strong>do</strong> primeiro <strong>do</strong>s <strong>artigos</strong> <strong>do</strong> contemporâneo, que nosimpressionou, e sobre cuja obscurida<strong>de</strong> pedimo-lhe explicações, asquais, todavia, não nos fez a honra <strong>de</strong> prestar.O ponto a que aludimos é aquele em que o órgão liberal acusa aogoverno <strong>de</strong> haver-se mostra<strong>do</strong> por vezes leviano e eiva<strong>do</strong> <strong>de</strong> tacanhoespírito partidá<strong>rio</strong> na resposta que <strong>de</strong>u ao ministro argentino.Depois <strong>de</strong> ler <strong>de</strong> novo e muito atentamente a nota <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> junho e<strong>de</strong> consultar a mais <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s nossos amigos, que a leram, chegamosà persuasão <strong>de</strong> que, nessa tirada obsequiosa, os paladinos da liberda<strong>de</strong>e <strong>do</strong> pat<strong>rio</strong>tismo referiam-se ao trecho que em seguida transcrevemos ecuja simples leitura bastará para pôr, mais uma vez, em relevo a injustiçae a má vonta<strong>de</strong> com que o contemporâneo vê e julga tu<strong>do</strong> o que não sabe<strong>do</strong> templo <strong>de</strong> sua religião política!Não pensa o governo imperial [diz a nota <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> junho, concluin<strong>do</strong>] que oTrata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1865 tenha, para os três Esta<strong>do</strong>s, mais importância <strong>do</strong>que a segurança que obtiveram pelas armas e os ajustes concernentes a limites,comércio e navegação fluvial, sobre que <strong>de</strong>ve assentar sua paz futura com oParaguai; não pensa que as recordações <strong>de</strong>ssa aliança <strong>de</strong>vam ser mais gratas aostrês povos <strong>do</strong> que a <strong>de</strong> 1852, que acabou com duas tiranias e que abriu uma novaera <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> progresso para as Repúblicas <strong>do</strong> Prata.Contu<strong>do</strong>, não é preciso levar os propósitos da aliança além <strong>de</strong> suas positivasestipulações e compromissos para afirmar que foi ela <strong>de</strong>terminada por uma causa<strong>de</strong> honra e por interesses essenciais às três partes contratantes. A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>do</strong>ssacrifícios ou das vantagens não dá mais direitos nem isenta nenhum <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>sdas obrigações contraídas .Essa <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, senhor ministro, que não foi <strong>de</strong>certo a favor <strong>do</strong> Brasil, nãoinfluirá hoje, como não influiu antes, em sua fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao Pacto da Aliança. OBrasil cumprirá sempre seus empenhos <strong>de</strong> alia<strong>do</strong> com a boa-fé e o cavalheirismo<strong>de</strong> que <strong>de</strong>u provas durante a guerra. Se, porém, o governo imperial sabe quanto<strong>de</strong>ve à honra <strong>de</strong> sua palavra, à paz e à amiza<strong>de</strong> que interessa a to<strong>do</strong>s os alia<strong>do</strong>s, nãoé menos vivo o sentimento <strong>de</strong> sua dignida<strong>de</strong>; e a consciência íntima lhe asseguraque não é causa das dificulda<strong>de</strong>s que está encontran<strong>do</strong> o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> maio,<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> venci<strong>do</strong> o gran<strong>de</strong> obstáculo <strong>do</strong> inimigo comum.29


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOQualifica-se <strong>de</strong> espírito tacanho e partidá<strong>rio</strong> o que assim respon<strong>de</strong> ainsinuações atiradas à face <strong>do</strong> país em <strong>do</strong>cumentos oficiais e solenes; esemelhante qualificação é feita por brasileiros, os quais, aliás, acusam ogoverno <strong>de</strong> pouco enérgico e incisivo, <strong>de</strong> <strong>de</strong>scora<strong>do</strong> e frouxo!Quan<strong>do</strong> se diz e se insiste em fazer datar a confiança e a amiza<strong>de</strong> entre osgovernos <strong>do</strong> Brasil e da República Argentina <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1865, esquecen<strong>do</strong>a aliança <strong>de</strong> 1852, é tacanho e partidá<strong>rio</strong> o espírito que a recorda!Ah! A Reforma, neste ponto, queria, sem dúvida, mansuetu<strong>de</strong>,benevolência, generosida<strong>de</strong> e cavalheirismo, porque a aliança <strong>de</strong> 1865foi obra <strong>do</strong> governo <strong>do</strong>s seus í<strong>do</strong>los e a <strong>de</strong> 1852 não! Eis aí tu<strong>do</strong>.No entanto, para falar a verda<strong>de</strong> – digamo-la <strong>de</strong> uma vez para <strong>de</strong>ixareste ponto –, quan<strong>do</strong> se nos alegam serviços na última guerra, quan<strong>do</strong><strong>de</strong> mo<strong>do</strong> tão provoca<strong>do</strong>r se nos aviva a memória <strong>de</strong> Ituzaingó, tacanhoe partidá<strong>rio</strong> não é o espírito que não compreen<strong>de</strong> e que não aprecia oalcance e gran<strong>de</strong>za da resposta <strong>do</strong> governo imperial!Passan<strong>do</strong> agora a ocuparmo-nos com o terceiro artigo <strong>do</strong> atletaoposicionista, seja o nosso primeiro reparo sobre o meio singular – tãosincero quão patriótico – <strong>de</strong> que se serve o nosso contemporâneo paraprovar que a boa-fé, a mo<strong>de</strong>ração e o espírito concilia<strong>do</strong>r estiveramsempre <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong> governo argentino, cujos direitos e interesses comtanto empenho advoga!Socorre-se o lida<strong>do</strong>r, sem rival, não da verda<strong>de</strong>ira crítica <strong>do</strong>s<strong>do</strong>cumentos oficiais, que revelam os pontos da dissidência, a natureza eo alcance <strong>de</strong>sta, e as soluções dadas às dificulda<strong>de</strong>s encontradas por parte<strong>do</strong> Brasil <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o estabelecimento <strong>do</strong> governo provisó<strong>rio</strong> no Paraguai;no entanto, põe <strong>de</strong> parte os memoran<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 1869 e os <strong>de</strong> 1870 e 1871,concernentes à questão <strong>do</strong> dito governo provisó<strong>rio</strong>, aos ajustes <strong>de</strong> paz eà interpretação das cláusulas <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> da Aliança.Nada disso serve a A Reforma – e com razão – porque ela <strong>de</strong>verecordar-se (e quem sabe se os próp<strong>rio</strong>s autores <strong>do</strong>s <strong>artigos</strong> a querespon<strong>de</strong>mos) <strong>de</strong> que, à vista <strong>de</strong>sses <strong>do</strong>cumentos, os seus chefes, noSena<strong>do</strong>, e ela, na <strong>imprensa</strong>, clamavam com veemência notável que nadatínhamos feito quanto a ajustes <strong>de</strong> paz, que tu<strong>do</strong> ce<strong>de</strong>mos e que sempreandamos a reboque <strong>do</strong> governo argentino!O que, sim, serve aos publicistas mestres nesta grave conjuntura, oque só lhes aproveita, o seu gran<strong>de</strong> cavalo <strong>de</strong> batalha, são os discursos<strong>do</strong>s senhores Rio Branco e Cotegipe e as palavras <strong>de</strong> cortesia, <strong>de</strong>30


ARTIGOS DE IMPRENSAprudência e <strong>de</strong> reserva diplomática que ali e nos relató<strong>rio</strong>s proferiram osnossos ministros e negocia<strong>do</strong>res.O que pretendia, porém, A Reforma que dissessem os senhores RioBranco e Cotegipe, falan<strong>do</strong> como ministros no Sena<strong>do</strong> ou escreven<strong>do</strong>em seus relató<strong>rio</strong>s?Que encarecessem as dificulda<strong>de</strong>s encontradas, que as atribuíssem àmá vonta<strong>de</strong>, a intenções não confessáveis?Queria o órgão liberal que falassem eles a linguagem <strong>do</strong>s ressentimentos,da <strong>de</strong>sconfiança e <strong>do</strong> <strong>de</strong>sespero <strong>de</strong> um acor<strong>do</strong> final satisfató<strong>rio</strong>?Não lhes corria antes o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> pôr à sombra tais dificulda<strong>de</strong>s,procuran<strong>do</strong> assim abrir caminho largo e honroso para a negociação futura?Seria acaso <strong>de</strong> boa política, não fora antes leviana e sem exemplo, que seapresentassem aqueles senhores censuran<strong>do</strong> ou queixan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s ou<strong>de</strong> algum <strong>de</strong>les, o que, sem dúvida, agravan<strong>do</strong> as dissidências já manifestadas,<strong>de</strong>bilitaria a ação conjunta <strong>do</strong>s mesmos alia<strong>do</strong>s ante o Paraguai?O contemporâneo assegurou que só falaria à vista <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentose, entretanto, assevera mui lampeiro que, voltan<strong>do</strong> ao Rio da Prata em1870, o senhor Rio Branco disse <strong>de</strong> Buenos Aires que tu<strong>do</strong> corria a milmaravilhas, que reinava o mais perfeito acor<strong>do</strong> entre os alia<strong>do</strong>s. Noentanto, on<strong>de</strong> e quan<strong>do</strong> exprimiu-se <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong> o senhor Rio Branco?Os protocolos <strong>de</strong> Buenos Aires, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> maio <strong>de</strong>ste ano, publica<strong>do</strong>scom o relató<strong>rio</strong> <strong>do</strong> ministro <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros, não evi<strong>de</strong>nciao contrá<strong>rio</strong>? Não provam esses <strong>do</strong>cumentos que duas graves questõesameaçaram um rompimento da negociação e da aliança, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong>necessária muita habilida<strong>de</strong> e prudência da parte <strong>do</strong> negocia<strong>do</strong>rbrasileiro para conjurar semelhante emergência e levar a negociaçãopara terreno <strong>de</strong> <strong>de</strong>senlace diferente? E quem ignora hoje que essasquestões provieram <strong>do</strong>s limites argentinos, sobre os quais se exigia umcompromisso <strong>de</strong>sonroso para os alia<strong>do</strong>s e humilhante para o venci<strong>do</strong>;e da cláusula <strong>do</strong> protocolo anexo ao Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> maio, relativa àsfortificações paraguaias, cláusula que o governo argentino recusava-sea cumprir? E on<strong>de</strong> e quan<strong>do</strong> disseram também o senhor Rio Branco e ogoverno imperial, como com o mesmo <strong>de</strong>sembaraço lhes atribui o órgãoliberal, que a negociação <strong>de</strong> Buenos Aires tu<strong>do</strong> resolvera?Essa negociação – sobre a qual, digamo-lo <strong>de</strong> passagem, ouvimos <strong>de</strong>conselheiros <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> o mais justo elogio ao nosso plenipotenciá<strong>rio</strong> – oque fez, sim, foi estabelecer o acor<strong>do</strong> prévio <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s a respeito <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s31


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOos pontos <strong>do</strong>s ajustes <strong>de</strong> paz, menos aquelas duas indicadas questões, paraas quais entretanto fixaram-se bases que facilitassem a solução final.Esse acor<strong>do</strong> prévio o que fez, sim, foi esclarecer tu<strong>do</strong>, preparan<strong>do</strong>o <strong>de</strong>senlace <strong>de</strong>finitivo ou pela negociação conjunta ou pela negociaçãoseparada; o que, <strong>de</strong> certo, é conseguir muito, embora não importasseconsi<strong>de</strong>rar que estava tu<strong>do</strong> feito nem, menos, autorizar o governoimperial e o seu negocia<strong>do</strong>r para terem a linguagem que, errada ouapaixonadamente, lhe atribuem!Depois disso, o que nos resta dizer ao contemporâneo <strong>de</strong> A Reformasobre sua tremenda sentença con<strong>de</strong>natória? Resta-nos formular um votosincero, que Deus ilumine o espírito transvia<strong>do</strong> <strong>do</strong> esforça<strong>do</strong> campeão e quefaça o cego querer ver, como tão instantemente reclamam os incontestáveisdireitos e legítimos interesses <strong>do</strong> seu país, o qual, com tanta justiça,dignida<strong>de</strong> e conveniência, foram cabal e triunfantemente sustenta<strong>do</strong>s pelogoverno imperial com a nota e com o memoran<strong>do</strong> <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> junho!Está terminada a nossa resposta ao órgão liberal; no entanto, arelação da matéria exige que aproveitemos o ensejo para dirigir-lheainda algumas palavras.Em seu número <strong>de</strong> 10 <strong>do</strong> corrente, escreve o contemporâneo umpatriótico artigo, <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a pôr a limpo, com a história diante <strong>do</strong>s olhos,a verda<strong>de</strong> da batalha <strong>de</strong> Ituzaingó, sobre a qual o senhor Teje<strong>do</strong>r, em suacélebre nota, firmou-se para atirar ao Impé<strong>rio</strong> uma <strong>de</strong> suas ofensivas alusões.O contemporâneo com efeito prova, com <strong>do</strong>cumentos históricos, queto<strong>do</strong> alar<strong>de</strong> e escarcéu que se faz com a vitória <strong>de</strong>ssa batalha não passa <strong>de</strong>mais um arroto, como o “<strong>de</strong>monstram os próp<strong>rio</strong>s fatos argentinos”; poisque, além <strong>do</strong> mais, o general Alvear, comandante em chefe <strong>do</strong> exército,mal recebi<strong>do</strong> em Buenos Aires, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> volta da gran<strong>de</strong> batalha, acusa<strong>do</strong>cruelmente pela <strong>imprensa</strong> <strong>de</strong> então e meti<strong>do</strong> em Conselho <strong>de</strong> Guerra,foi obriga<strong>do</strong> a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se; e que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tão estron<strong>do</strong>so triunfo, osvence<strong>do</strong>res pediram a paz, razão pela qual veio a essa corte <strong>do</strong>m ManoelJosé Garcia fazer o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1827.Ainda bem, e louvores lhe sejam da<strong>do</strong>s! Desse mo<strong>do</strong>, ao menos oórgão liberal procurou compensar o mal que fez, oferecen<strong>do</strong>, tão semrazão e com tão lamentável esquecimento <strong>do</strong> seu pat<strong>rio</strong>tismo, armas aogoverno argentino contra o <strong>do</strong> Brasil na grave questão pen<strong>de</strong>nte.A relação da matéria nos autoriza a aproveitar também a oportunida<strong>de</strong>para ministrar uma informação e fazer um aviso. A informação dirige-se32


ARTIGOS DE IMPRENSAà República, que, em seu número <strong>de</strong> 10 <strong>do</strong> corrente, diz que não forampublica<strong>do</strong>s pelo governo os <strong>do</strong>cumentos necessá<strong>rio</strong>s para formar-sejuízo sobre a pendência com os argentinos. Asseguramos ao publicistaradical que ou não lê ou também fecha os olhos para não ver.O relató<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Ministé<strong>rio</strong> <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros <strong>de</strong>ste ano reuniuto<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>cumentos ante<strong>rio</strong>res, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os memoran<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 1869 até os últimosprotocolos <strong>de</strong> Buenos Aires e os <strong>de</strong> Assunção, e to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>cumentos <strong>de</strong>ssaprotraída negociação, <strong>do</strong>s ajustes <strong>de</strong> paz até as últimas notas.Que mais po<strong>de</strong> querer ou exigir a República? Se não leu, leia oórgão <strong>do</strong> radicalismo esses <strong>do</strong>cumentos; no entanto, se <strong>de</strong> caso pensa<strong>do</strong>fecha os olhos para não ver, o que resta, senão <strong>de</strong>plorar que assim seproceda só para atacar o governo <strong>do</strong> seu país e dar armas ao estrangeiro?O aviso é ao eminente estadista, distinto chefe e publicista liberalque, sob a mo<strong>de</strong>sta assinatura <strong>de</strong> ***, honrou A Reforma com <strong>artigos</strong>discutin<strong>do</strong> os trata<strong>do</strong>s celebra<strong>do</strong>s pelo senhor Cotegipe.Enten<strong>de</strong>mos ser <strong>de</strong>ver rigoroso <strong>de</strong> <strong>de</strong>ferência e <strong>de</strong> cortesia para comtão qualificada personagem preveni-lo <strong>de</strong> que havemos <strong>de</strong> acompanháloem sua luminosa apreciação.3) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano I, número 13, quarta-feira, 17 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1872Os Trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunção IEstá <strong>de</strong>corri<strong>do</strong>, ao que nos parece, razoável prazo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ferência paraque se inteirasse <strong>do</strong> respeitoso aviso, que lhe dirigimos, a qualificadapersonagem a quem são <strong>de</strong>dicadas as consi<strong>de</strong>rações que vamos escrever.Àqueles <strong>do</strong>s leitores que não tomaram conhecimento <strong>do</strong> aludi<strong>do</strong>aviso bom é informar que nos referimos ao autor <strong>do</strong>s <strong>artigos</strong>, que, sob otítulo <strong>de</strong>ste e assinatura ***, fez inserir, nos números 7 e 10, 12 e 14 <strong>de</strong>A Reforma <strong>do</strong> corrente, o fruto <strong>de</strong> suas profundas elucubrações sobre osmenciona<strong>do</strong>s ajustes internacionais.Comparan<strong>do</strong> a mo<strong>de</strong>sta assinatura <strong>do</strong> publicista com os pompososqualificativos <strong>de</strong> que o órgão liberal a a<strong>do</strong>rnou ao chamar para tão33


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOimportante trabalho a atenção <strong>do</strong>s seus leitores, ocorreu-nos logo o muitoconheci<strong>do</strong> caso <strong>do</strong> célebre cônego Felipe; ten<strong>do</strong>, porém, <strong>de</strong> lastimar queo executor <strong>do</strong> pensamento <strong>de</strong>ste houvesse si<strong>do</strong> mais feliz <strong>do</strong> que os <strong>do</strong>eminente estadista, chefe e publicista liberal.Aquele, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> bem to<strong>do</strong> o alcance da intenção <strong>do</strong>reveren<strong>do</strong>, o quadro da família que foi incumbi<strong>do</strong> <strong>de</strong> pintar, limitou-se acolocar uma árvore, atrás da qual se diria em segre<strong>do</strong>, ao próp<strong>rio</strong> cônegoe a seu íntimo, que estava ele retrata<strong>do</strong>. Os lida<strong>do</strong>res <strong>do</strong> liberalismo,porém, <strong>de</strong>slumbra<strong>do</strong>s sem dúvida pela luz vivíssima que <strong>de</strong>rrama o seudistinto chefe publicista sempre que escreve ou fala, pintaram a árvorecom tanto <strong>de</strong>sazo que puseram em evidência o seu incógnito, cujo nome<strong>de</strong> batismo só faltou escrever por extenso, ofen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> assim a modéstiae violan<strong>do</strong> o sigilo que ele parece haver queri<strong>do</strong> guardar e recomendara!Esta indiscrição <strong>do</strong>s propagandistas da <strong>de</strong>mocracia, no cumprimentodas or<strong>de</strong>ns <strong>do</strong> seu chefe e mestre, constrange-nos – com toda a franqueza odizemos. Ten<strong>do</strong> <strong>de</strong> falar a tão gran<strong>de</strong> vulto, receamos que a linguagem nãoseja a mais apropriada, que a argumentação possa parecer formulada semto<strong>do</strong> aquele respeito e acatamento <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a sua excelência, que nunca sorri.Como quer que seja, porém, é força apreciar as consi<strong>de</strong>rações <strong>do</strong>distinto publicista porque corre-nos o <strong>de</strong>ver, como jornalistas <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong>Conserva<strong>do</strong>r, <strong>de</strong> não <strong>de</strong>ixar in<strong>de</strong>feso, quan<strong>do</strong> injustamente acusa<strong>do</strong>,o governo que o mesmo parti<strong>do</strong> apoia e sustenta. Demais, quan<strong>do</strong> osórgãos liberais e republicanos nesta corte não fazem senão censurar ogoverno <strong>do</strong> seu país e animar as pretensões estrangeiras, é justo que osconserva<strong>do</strong>res, fiéis às suas tradições, se mostrem mais pat<strong>rio</strong>tas.É o que vamos fazer, invocan<strong>do</strong> a benevolência e a generosida<strong>de</strong> <strong>do</strong>profun<strong>do</strong> pensa<strong>do</strong>r, chefe liberal, para as faltas que nossa insuficiênciainvoluntariamente cometer.Quatro, como já dissemos, foram os <strong>artigos</strong> que sua excelênciaescreveu e que A Reforma publicou sobre os Trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunção.Seguramente, fazemos essa justiça ao órgão liberal. Nem cadaum <strong>de</strong>sses <strong>artigos</strong> <strong>de</strong> per si, nem to<strong>do</strong>s reuni<strong>do</strong>s, lhe parecerão, já nãodiremos pouco enérgicos e incisivos, <strong>de</strong>scora<strong>do</strong>s e frouxos, porque issofora impossível, mas se quer longos ou compri<strong>do</strong>s, apesar <strong>de</strong> haveremconsumi<strong>do</strong> colunas e páginas inteiras da sua folha!E assim <strong>de</strong>via <strong>de</strong> ser: enleva<strong>do</strong> na proficiência com que via tratadaa matéria e embebi<strong>do</strong> na elegância da frase com que o pensamento era34


ARTIGOS DE IMPRENSAexterna<strong>do</strong>, o órgão liberal não podia <strong>de</strong> certo medir a extensão e, menos ainda,importar-se com o tempo a <strong>de</strong>spen<strong>de</strong>r! No entanto, entremos em matéria.A gran<strong>de</strong> clava, o argumento hercúleo <strong>do</strong> excelentíssimo publicistaé a estipulação <strong>do</strong> Protocolo n o 3 das Conferências <strong>de</strong> Buenos Aires,concernentes à forma em que o trata<strong>do</strong> comum falaria <strong>do</strong>s ajustes<strong>de</strong> limites. Permita-nos, porém, sua excelência, perguntar-lhe o quesignificava essa disposição.Sem dúvida que os alia<strong>do</strong>s queriam tratar conjuntamente, e nesseintuito concor<strong>do</strong>u-se em que haveria um instrumento geral <strong>do</strong>s ajustes<strong>de</strong> paz, ou trata<strong>do</strong> comum, sem excluir os ajustes peculiares a cadaEsta<strong>do</strong>, que, em to<strong>do</strong> o caso, constituiriam atos distintos.O Brasil também o queria e <strong>de</strong>u disso todas as provas; no entanto,reconheceu que era impossível a consecução <strong>de</strong> semelhante <strong>de</strong>si<strong>de</strong>ratum * ,que ficariam os ajustes adia<strong>do</strong>s sine die e sine fine ** e que sua dignida<strong>de</strong>,além <strong>de</strong> seus direitos e legítimos interesses, impe<strong>rio</strong>samente lheimpunham que não se submetesse à posição em que o senhor Quintanao preten<strong>de</strong>u colocar <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>do</strong>is anos <strong>de</strong> complacências!Recor<strong>de</strong>-se o exímio publicista a que estamos respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que osenhor Quintana exigiu o impossível, e exigiu-o <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ouvir a últimapalavra <strong>do</strong> seu governo.Retirou-se bruscamente, dan<strong>do</strong> por adiada a negociação emcomum, a espera <strong>de</strong> novas instruções; retirou-se intiman<strong>do</strong> em segre<strong>do</strong>ao Paraguai que não tratasse. Foi por comunicação <strong>do</strong> ministro dasRelações Exte<strong>rio</strong>res daquela República que o plenipotenciá<strong>rio</strong> brasileiroteve conhecimento <strong>de</strong> tal intimação <strong>do</strong> senhor Quintana, dan<strong>do</strong> assim aogoverno <strong>do</strong> Paraguai uma lição <strong>de</strong> lealda<strong>de</strong> e estimulan<strong>do</strong> a dignida<strong>de</strong><strong>do</strong> Brasil ao único procedimento que lhe seria <strong>de</strong>coroso.O senhor Teje<strong>do</strong>r, como se vê <strong>do</strong> Protocolo n o 1, enunciou a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>que não haveria acor<strong>do</strong> <strong>de</strong>finitivo entre os alia<strong>do</strong>s sem que a sua questão<strong>de</strong> limites fosse resolvida como ele a queria. No entanto, não é menoscerto que to<strong>do</strong>s os plenipotenciá<strong>rio</strong>s evitaram a questão <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ou nãotratar separadamente, salvan<strong>do</strong>, todavia, o brasileiro e o oriental essai<strong>de</strong>ia na resposta que <strong>de</strong>ram ao argentino.Eis aqui as palavras <strong>do</strong> senhor Teje<strong>do</strong>r que se leem no referi<strong>do</strong>Protocolo n o 1, publica<strong>do</strong> na página 178 <strong>do</strong> relató<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Ministé<strong>rio</strong> <strong>do</strong>s*Aspiração. (N. E.)**Sem dia nem fim <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s. (N. E.)35


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCONegócios Estrangeiros <strong>de</strong>ste ano:O senhor plenipotenciá<strong>rio</strong> argentino <strong>de</strong>clarou que a<strong>do</strong>tava a separação concernenteaos ajustes <strong>de</strong> limites, sob a condição <strong>de</strong> que não haverá para o seu governo acor<strong>do</strong><strong>de</strong>finitivo entre os alia<strong>do</strong>s, sem que fiquem resolvi<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os pontos, que <strong>de</strong>vemcompreen<strong>de</strong>r os ajustes <strong>de</strong>finitivos <strong>de</strong> paz com o Paraguai, inclusivamente o <strong>de</strong> limites.Em seguida, com anuência <strong>do</strong> senhor Teje<strong>do</strong>r, os senhores Paranhose A<strong>do</strong>lfo Rodrigues acrescentaram:Os senhores plenipotenciá<strong>rio</strong>s convieram em que o trata<strong>do</strong> comum <strong>de</strong>ve pren<strong>de</strong>rseaos ajustes <strong>de</strong> limites e que nem o governo argentino, nem o <strong>do</strong> Brasil seráobriga<strong>do</strong> a formar com o governo <strong>do</strong> Paraguai o trata<strong>do</strong> comum, se o seu direitoterritorial não for ao mesmo tempo reconheci<strong>do</strong>.Aí está, pois, implicitamente compreendida a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> tratarseparadamente, se as circunstâncias o exigissem.O que, porém, resolve a questão por mo<strong>do</strong> claro e terminante é oProtocolo n o 7, no qual se tratou <strong>do</strong> procedimento <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s em relaçãoàs duas gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s, francamente apresentadas nessa negociação;eram elas, a questão <strong>de</strong> limites <strong>do</strong> governo argentino, na qual este mostravase<strong>de</strong>cidi<strong>do</strong> a nada ce<strong>de</strong>r e tu<strong>do</strong> exigir <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s, e a da cláusula <strong>do</strong> protocoloanexo ao Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> maio, relativa às fortificações paraguaias.Ora, já se <strong>de</strong>monstrou, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a não sofrer contestação razoável,que o alvitre aí a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> foi infringi<strong>do</strong> pelo senhor Quintana, e isto <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> ter si<strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong> o seu governo.Já se disse e se <strong>de</strong>monstrou também que o plenipotenciá<strong>rio</strong> orientalpensava <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o <strong>do</strong> Brasil, <strong>de</strong>claran<strong>do</strong> antes <strong>de</strong> retirar-se queo senhor <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Cotegipe po<strong>de</strong>ria tratar separadamente (asseveraçãoesta que <strong>de</strong>safiamos o senhor Quintana a <strong>de</strong>smentir).A que fica, portanto, reduzi<strong>do</strong> o argumento hercúleo, a clava <strong>do</strong>eminente publicista, chefe liberal? O que restava ao governo <strong>do</strong> Brasilfazer <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> procedimento <strong>do</strong> negocia<strong>do</strong>r argentino? Cruzar os braçose esperar in<strong>de</strong>finidamente, até que o governo argentino lhe permitissetratar, ou conseguisse a satisfação <strong>de</strong> seu emperramento? Compreen<strong>de</strong>riao seu <strong>de</strong>ver, consultaria os direitos e os interesses legítimos da nação,manteria a dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta o governo imperial, se assim proce<strong>de</strong>sse?36


ARTIGOS DE IMPRENSAQue o diga em consciência o ilustra<strong>do</strong> e distinto chefe liberal, autor<strong>do</strong>s <strong>artigos</strong> <strong>de</strong> que nos ocupamos; que o diga ele, sim, que seguramente nãopo<strong>de</strong>, coerente como é, preten<strong>de</strong>r hoje que constitua causa <strong>de</strong> adiamento,sem termo, <strong>do</strong>s ajustes <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> com o Paraguai a questão <strong>de</strong> limites, sobrea qual sua excelência tão eloquentemente se enunciou no Sena<strong>do</strong>, comorecordamos nos <strong>artigos</strong> com os quais há dias respon<strong>de</strong>mos a A Reforma.Não é mais feliz nem menos fraco o argumento tira<strong>do</strong> peloexcelentíssimo publicista <strong>do</strong> artigo 17 <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> da Aliança.Aí garante-se o que for ajusta<strong>do</strong> <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com o mesmo trata<strong>do</strong>;no entanto, essa garantia recíproca não exige a negociação conjunta, exigetão somente que se pactue com o Paraguai <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com o mesmotrata<strong>do</strong> – o que se po<strong>de</strong>ria fazer em separa<strong>do</strong>, ainda que não houvesse,como houve, uma <strong>de</strong>tida negociação prévia sobre o <strong>de</strong>senvolvimento dasbases <strong>do</strong> dito trata<strong>do</strong> nos ajustes <strong>de</strong>finitivos com o Paraguai.O próp<strong>rio</strong> senhor Teje<strong>do</strong>r reconhece o que, aliás, o distinto publicista<strong>de</strong> A Reforma quer negar, e a prova aí está no acor<strong>do</strong> proposto ao senhorCotegipe, <strong>de</strong> que tão claramente fala a nota <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> junho.Pelo que respeita à garantia dada no trata<strong>do</strong> brasileiro à In<strong>de</strong>pendência,à soberania e à integrida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Paraguai, o ilustre escritor, chefe liberal,faz uma notável confusão com o auxílio que à or<strong>de</strong>m interna daquelaRepública po<strong>de</strong>m prestar as nossas forças.Entretanto, sobre esses pontos não é possível dizer mais <strong>do</strong> quedisse a nota <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> junho – e que ocioso fora repetir aqui.Decididamente, não há pior cego <strong>do</strong> que o que não quer ver!Contu<strong>do</strong>, façamos pausa. Somos nós que escrevemos, e não oqualifica<strong>do</strong> publicista <strong>do</strong> órgão liberal. Para este, sem dúvida, o presenteartigo, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>scora<strong>do</strong> e frouxo, vai já imensamente longo.4) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano I, número 14, quinta-feira, 18 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1872Os Trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunção IIO artigo antece<strong>de</strong>nte respon<strong>de</strong>u aos <strong>do</strong>is primeiros com que oexímio estadista, chefe liberal profligan<strong>do</strong> a incapacida<strong>de</strong> e a incoerência37


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO<strong>do</strong>s senhores Rio Branco e Cotegipe, lançou as primeiras bases <strong>de</strong> suainexorável sentença con<strong>de</strong>natória aos Trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunção.Naquele artigo, <strong>de</strong>ixamos exuberantemente <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> que nãotinha fundamento nem procedência o argumento hercúleo segun<strong>do</strong> oqual sua excelência afirmou to<strong>do</strong>s os seus varia<strong>do</strong>s raciocínios e <strong>do</strong> qual<strong>de</strong>rivou a conclusão <strong>de</strong> que o Brasil não po<strong>de</strong>ria tratar com o Paraguaiseparadamente da República Argentina.No terceiro artigo, que é o que vamos hoje consi<strong>de</strong>rar, o eminentepublicista, ora<strong>do</strong>r, e chefe liberal, dan<strong>do</strong> sempre por provada essa tese,continua a escrever sobre ela brilhantes variações.É, pois, <strong>de</strong> rigor que insistamos na <strong>de</strong>monstração <strong>do</strong> exposto, senãopara convencer a sua excelência – que, aliás, tanto clamou contra osemperra<strong>do</strong>s ao menos como testemunho <strong>de</strong> <strong>de</strong>ferência e <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>raçãopara com a elevada posição que ocupa em nossa socieda<strong>de</strong>, segun<strong>do</strong> orevelou o órgão liberal, violan<strong>do</strong> assim o mo<strong>de</strong>sto incógnito que suaexcelência pareceu querer guardar.Demonstraremos, pois, mais uma vez o que já <strong>de</strong>monstramos, isto é,que o Brasil po<strong>de</strong>ria tratar com o Paraguai separadamente da RepúblicaArgentina; para isso, temos <strong>de</strong> recorrer sempre à nota <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> junho,porque aí se encontra clara a verda<strong>de</strong>, e a verda<strong>de</strong> é uma só.A nota <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> junho fez ver, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> incontroverso, que carecia<strong>de</strong> fundamento e <strong>de</strong> razão a inteligência dada pelo governo argentino àpalavra “alia<strong>do</strong>s” que se lê em diversos <strong>artigos</strong> o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> maio,no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> não po<strong>de</strong>rem eles proce<strong>de</strong>r senão conjuntamente para arealização <strong>do</strong>s direitos que se garantiram em relação ao venci<strong>do</strong>.A nota disse que o ministro argentino confundia os fins com osmeios, a igualda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s direitos reconheci<strong>do</strong>s naquele trata<strong>do</strong> com a açãoconjunta <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s, que podia dar-se, que <strong>de</strong>veria mesmo ser preferida,se fosse possível, mas que não era indispensável e nem necessária para agarantia recíproca <strong>do</strong> pactua<strong>do</strong> <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com o mesmo trata<strong>do</strong>.A nota disse ainda que o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> maio, estabelecen<strong>do</strong> direitoscomuns e <strong>de</strong>veres recíprocos, não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> referir-se a to<strong>do</strong>s osalia<strong>do</strong>s nem a cada um <strong>de</strong>les, mas que a forma da negociação, ou o processo<strong>de</strong>sta, era coisa diferente, que ficara ao pru<strong>de</strong>nte e esclareci<strong>do</strong> arbít<strong>rio</strong><strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s, como fora sabiamente previsto pelo artigo 10, quan<strong>do</strong>disse: “Concordam entre si as altas partes contratantes que as franquezas,privilégios ou concessões que obtenham <strong>do</strong> governo <strong>do</strong> Paraguai hão38


ARTIGOS DE IMPRENSA<strong>de</strong> ser comuns a todas elas, gratuitamente, se forem gratuitas, ou com amesma compensação ou equivalência, se forem condicionais.”A nota acrescentou que o senhor Teje<strong>do</strong>r não po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>sconhecerque a sua inteligência, que não admite senão negociação conjunta, eracontrariada pelo artigo 16 <strong>do</strong> trata<strong>do</strong>, no qual expressamente se fala<strong>de</strong> trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> limites (pois <strong>do</strong> Brasil e da República Argentina), o queindica <strong>do</strong>is atos necessariamente distintos. E, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a observação<strong>do</strong> ministro argentino sobre po<strong>de</strong>rem os atos ser separa<strong>do</strong>s, sem que anegociação <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> ser coletiva, a nota, não contestan<strong>do</strong> a diferençaque nestes termos se estabelece, diz que o que isso prova é que aqueleministro apreciava a solidarieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s por tal mo<strong>do</strong> que negavaaquilo mesmo que o artigo 16 expressamente <strong>de</strong>termina.Se a separação <strong>do</strong>s atos [diz a nota, e pedimos a atenção <strong>do</strong> distinto estadista,chefe liberal] não exclui a garantia recíproca, como é indubitável, a questão ésó <strong>de</strong> forma; e cumpre reconhecer que a negociação separada <strong>do</strong> Brasil em nadaaltera as obrigações recíprocas <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong> igualmente é certo que nadaexigiu <strong>do</strong> venci<strong>do</strong> que não estivesse autoriza<strong>do</strong> pelo Pacto <strong>de</strong> Aliança e pelosdireitos <strong>de</strong> soberania inerentes a cada uma das partes contratantes.A nota fez ver mais, que o ministro argentino não distinguira asobrigações que contraíram os alia<strong>do</strong>s entre si e que não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong>acor<strong>do</strong> com o Paraguai das que o trata<strong>do</strong> impõe a este, como direito<strong>do</strong>s beligerantes vence<strong>do</strong>res; por isso, invocou o mesmo ministro oartigo 12 <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> como prova <strong>de</strong> que os alia<strong>do</strong>s não po<strong>de</strong>riam tratarseparadamente com aquela República.No artigo cita<strong>do</strong>, que diz que “os alia<strong>do</strong>s reservam-se combinarentre si os meios mais próp<strong>rio</strong>s para garantir a paz com a República<strong>do</strong> Paraguai, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>rriba<strong>do</strong> o governo atual”, trata-se <strong>de</strong> acor<strong>do</strong>entre os alia<strong>do</strong>s para a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> quaisquer outras garantias que lhespu<strong>de</strong>ssem ocorrer, além das previstas e expressas no mesmo trata<strong>do</strong> afim <strong>de</strong> assegurarem sua paz futura com o Paraguai. Com toda a razão,pergunta a nota: “Em que a negociação separada <strong>do</strong> Brasil prejudicouesse acor<strong>do</strong> eventual e <strong>do</strong> qual se não cogitará nem nas conferências <strong>de</strong>Buenos Aires, nem nas <strong>de</strong> Assunção?”A nota acrescenta que a garantia recíproca <strong>do</strong> artigo 17, para os ajustesque forem celebra<strong>do</strong>s com o Paraguai <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong>39


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO1 o <strong>de</strong> maio, é outra estipulação privativa <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s que tanto subsiste poruma negociação conjunta quanto <strong>de</strong> outro mo<strong>do</strong>. Qual <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s negoua existência e o valor <strong>de</strong>ssa garantia, entendida nos seus precisos termos?Como se ajustara nas conferências <strong>de</strong> Buenos Aires, fora preferívela negociação conjunta para o instrumento geral da paz, a qual podiaconstituir um trata<strong>do</strong> comum; no entanto, da maior conveniência <strong>de</strong>ssaforma <strong>de</strong> negociação não se <strong>de</strong>ve concluir, para dar-lhe o caráter <strong>de</strong> únicaadmissível e, menos ainda, para aplicá-la a to<strong>do</strong>s os ajustes <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s.Como, pois, em vista <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> isso, insiste o exímio estadistae publicista liberal em dar por prova<strong>do</strong> que o Brasil não podia tratarseparadamente os ajustes <strong>de</strong> paz? Não, <strong>de</strong>cididamente, não. A tanto nãopo<strong>de</strong> chegar a sua autorida<strong>de</strong>, por mais respeitável que ela seja, por maisalto que queira colocá-la A Reforma.O Brasil podia tratar separadamente, o que não podia era tratarsem respeitar as condições <strong>de</strong> paz estabelecidas no Pacto <strong>de</strong> Aliança eprejudicar o direito <strong>do</strong>s outros alia<strong>do</strong>s.Foi precisamente o que fez. Tratan<strong>do</strong> separadamente, o Brasilconfirmou e ratificou o compromisso que contraíra com seus alia<strong>do</strong>sno Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> maio, obrigan<strong>do</strong>-se a respeitar por sua parte,perpetuamente, e a garantir, durante cinco anos, a in<strong>de</strong>pendência eintegrida<strong>de</strong> da República <strong>do</strong> Paraguai.A estipulação <strong>do</strong> artigo 17 <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Paz, firma<strong>do</strong> em Assunçãoem nome <strong>do</strong> Brasil pelo senhor <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Cotegipe, não admite dúvida asemelhante respeito. Ei-la:O governo <strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong> o impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil confirma e ratifica ocompromisso que contraiu pelos <strong>artigos</strong> 8 o e 9 o <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1865,que celebrou com a República Argentina e com a República Oriental <strong>do</strong> Uruguai.Consequentemente, se obriga a respeitar perpetuamente por sua parte ain<strong>de</strong>pendência, a soberania e a integrida<strong>de</strong> da República <strong>do</strong> Paraguai, e a garantilasdurante o prazo <strong>de</strong> cinco anos.O acor<strong>do</strong> prévio em Buenos Aires, que <strong>de</strong>senvolveu as bases <strong>do</strong>Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Aliança, facilitou a negociação separada <strong>de</strong> cada alia<strong>do</strong>,se esta se tornasse indispensável, como reconheceu-se ser, sob pena<strong>de</strong> ficarem os ajustes adia<strong>do</strong>s in<strong>de</strong>finidamente, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>do</strong>is anos<strong>de</strong> tentativas inúteis, ou <strong>de</strong> forçar-se a mão <strong>do</strong> governo <strong>do</strong> Paraguai40


ARTIGOS DE IMPRENSApara assinar os limites argentinos <strong>do</strong> Chaco, o que os senhoresNabuco, Zacarias e outros a que já nos referimos, nos <strong>artigos</strong> comquem respon<strong>de</strong>mos a A Reforma, disseram que seria um atenta<strong>do</strong>, umainiquida<strong>de</strong> [sic]!O ilustre chefe liberal, exímio estadista, autor <strong>do</strong>s <strong>artigos</strong> queconsi<strong>de</strong>ramos, inspiran<strong>do</strong>-se na nota <strong>do</strong> senhor Teje<strong>do</strong>r e esposan<strong>do</strong>-ainteiramente, disse com a sua característica serieda<strong>de</strong>: “Podíamosromper, e <strong>de</strong>víamos romper, por causa <strong>do</strong> protocolo anexo, cujacláusula, relativa às fortificações paraguaias, <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser cumpridapelo governo argentino.” É exatamente o mesmo que nos disse a notaargentina!Já se vê, pois, que o nosso conten<strong>do</strong>r brasileiro, consultan<strong>do</strong> a suabeca ou a sua espada, não nos conce<strong>de</strong> nem mais nem menos <strong>do</strong> que osenhor Teje<strong>do</strong>r! Credite, Pisones * ?Por que não rompemos, então, e por que <strong>de</strong>sistimos da cláusula notrata<strong>do</strong> com o Paraguai? A nota e o memoran<strong>do</strong> <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> junho o dizem<strong>do</strong> mo<strong>do</strong> mais claro e positivo; no entanto, ao que parece, o ilustra<strong>do</strong>estadista, como os seus discípulos <strong>de</strong> A Reforma, i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s com acausa argentina, não querem ver.A nota disse que esse fato, o <strong>de</strong> não haver rompi<strong>do</strong> o governo imperiala aliança por causa da cláusula relativa às fortificações, <strong>de</strong>sistin<strong>do</strong> <strong>de</strong>poisda mesma cláusula no trata<strong>do</strong> com o Paraguai; a nota disse que esse fato,bem como to<strong>do</strong>s os prece<strong>de</strong>ntes da aliança, mostrava altamente que nãohavia sacrifício, menos o <strong>de</strong> sua honra e o <strong>de</strong> seus direitos impreteríveis,os quais o Brasil não tivesse feito e não estivesse disposto a fazer paraque a aliança <strong>de</strong> 1865 conseguisse to<strong>do</strong>s os seus fins.E no memoran<strong>do</strong>, tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong>ste ponto, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar o direitoperfeito e incontestável que o Brasil tinha <strong>de</strong> exigir a observância <strong>de</strong>semelhante disposição da Aliança <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> maio, o governo imperial, quanto anão haver incluí<strong>do</strong> a mesma cláusula no trata<strong>do</strong> que celebrou poste<strong>rio</strong>rmentecom o Paraguai, dá a mais cabal explicação nos seguintes termos:No entanto, observa a nota argentina, o Brasil ce<strong>de</strong>u <strong>de</strong>ssa cláusula na suanegociação separada. A explicação está evi<strong>de</strong>ntemente na diferença dascircunstâncias e nos prece<strong>de</strong>ntes recorda<strong>do</strong>s, pelos quais se vê que o Brasil ce<strong>de</strong>ria*Acredita, Pisão? (N. E.)41


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOtambém na negociação conjunta, se isso fosse necessá<strong>rio</strong> para facilitar o acor<strong>do</strong>comum e o pu<strong>de</strong>sse fazer <strong>de</strong>corosa e convenientemente.O governo imperial entendia que a mencionada cláusula <strong>de</strong>veria ser acompanhada daneutralida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Paraguai e <strong>de</strong> outras garantias a esta República, que só po<strong>de</strong>riam serdadas coletivamente pelos alia<strong>do</strong>s. Sen<strong>do</strong> o Brasil obriga<strong>do</strong> a tratar separadamente,essas condições <strong>de</strong>sapareciam, e não ficava mal à dignida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> conce<strong>de</strong>rao venci<strong>do</strong> o que antes se pretendia impor-lhe como exigência <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s,a <strong>de</strong>speito da obrigação que to<strong>do</strong>s contraíram, e quan<strong>do</strong> por sua parte o governoargentino nada queria ce<strong>de</strong>r a bem <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> comum com o Paraguai.Não satisfazem estas razões ao eminente estadista, chefe liberal? Nãoquer sua excelência reconhecer a dignida<strong>de</strong> e a nobreza <strong>do</strong>s sentimentosque a inspiraram? Em tal caso, o que havemos <strong>de</strong> fazer senão lamentarque a paixão política, chegan<strong>do</strong> até homens tão qualifica<strong>do</strong>s como suaexcelência, os cegue ao ponto <strong>de</strong> não querer ver?O ilustre estadista, que parece ter beca, mas quer mostrar-se amigoda espada, sen<strong>do</strong> talvez o mesmo que em outra ocasião disse ao senhorduque <strong>de</strong> Caxias que apreciava mais os comentá<strong>rio</strong>s <strong>de</strong> que as vitórias <strong>de</strong>César; o ilustre estadista enten<strong>de</strong> que o senhor Cotegipe <strong>de</strong>veria romperpor aquela cláusula, quan<strong>do</strong>, aliás, o nosso plenipotenciá<strong>rio</strong> era coerentecom o acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Buenos Aires, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> esse ponto negro (como<strong>de</strong>nomina a linguagem austera no gran<strong>de</strong> escritor) para ser <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong>ulte<strong>rio</strong>rmente, durante a negociação com o governo paraguaio.Também enten<strong>de</strong> sua excelência que ce<strong>de</strong>r ao governo argentino,quan<strong>do</strong> este, pelo órgão <strong>do</strong> seu plenipotenciá<strong>rio</strong>, dizia “não possoe não quero aceitar esta cláusula”, à qual estava obriga<strong>do</strong> para comseus alia<strong>do</strong>s e que, entretanto, tu<strong>do</strong> exigia na questão <strong>de</strong> limites, era omesmo que conce<strong>de</strong>r ao venci<strong>do</strong>, por generosida<strong>de</strong> nossa e porque jánão era possível dar em troco ao Paraguai, as garantias <strong>de</strong> que <strong>de</strong>via seracompanhada a dita cláusula!Valha-nos Deus com os cegos que não querem ver!No entanto, basta por hoje. Não é o exímio estadista quem escrevee, portanto, não há licença para ser longo.42


ARTIGOS DE IMPRENSA5) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano I, número 15, sexta-feira, 19 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1872Os Trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunção IIIEis-nos em frente ao artigo, quarto da série, escrito sobre esteassunto, e com que o exímio estadista, chefe liberal, encerrou seu juízo,severo e inexorável, a semelhante respeito.É singular! O característico da eloquência <strong>do</strong> distinto maioral<strong>do</strong> liberalismo é, como to<strong>do</strong>s reconhecem e como ele mais <strong>do</strong> queto<strong>do</strong>s proclama, a concisão. Entretanto, os <strong>artigos</strong> que escreve e,principalmente, o <strong>de</strong> que nos vamos ocupar, são <strong>de</strong> dimensões tais, quehorrorizariam a própria A Reforma, se o amor que esta consagra ao seudivino mestre tolerasse qualquer reparo menos lisonjeiro que pusesseem dúvida todas as perfeições <strong>de</strong> sua excelência.O quarto e último artigo <strong>do</strong> qualifica<strong>do</strong> publicista ocupa nada maisnada menos <strong>do</strong> que quase página e meia <strong>do</strong> órgão liberal! É verda<strong>de</strong> quenão pequena parte <strong>de</strong>sse espaço está preenchida por transcrições; noentanto, isso mesmo, aos olhos <strong>do</strong> contemporâneo, seria razão <strong>de</strong>mais paraa censura, se censura a tão distinta personagem fosse por ela admissível.Tanto no quarto artigo quanto nos ante<strong>rio</strong>res, o ilustre professor <strong>de</strong>diplomacia <strong>de</strong>riva to<strong>do</strong>s os seus raciocínios e to<strong>do</strong>s os fundamentos <strong>de</strong> suacruel sentença contra os Trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunção, quase exclusivamente,das palavras proferidas na tribuna da Câmara vitalícia pelos senhoresRio Branco e Cotegipe!O que estes senhores ali disseram, consultan<strong>do</strong> a conveniência<strong>de</strong> negociações pen<strong>de</strong>ntes e no intuito <strong>de</strong> não avivar o melindre <strong>do</strong>sempenha<strong>do</strong>s nelas, é só o que o serve, é só o que aproveita ao consuma<strong>do</strong>diplomata, que, fora <strong>de</strong>ssas palavras, entendidas a seu paladar, não vê,não aceita explicação <strong>de</strong> espécie alguma!A juízo <strong>de</strong> sua excelência, são os discursos – e só os discursos –pronuncia<strong>do</strong>s no Sena<strong>do</strong> pelos senhores Rio Branco e Cotegipe que<strong>de</strong>vem regular as obrigações <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s pelo Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> maio<strong>de</strong> 1865. Os textos <strong>do</strong>s Atos Internacionais e as <strong>de</strong>clarações oficiais esolenes nada valem, nada significam!43


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOA modéstia <strong>do</strong> rigoroso publicista é tanta que nem sequer invoca oque sobre esses mesmos pontos <strong>do</strong>s discursos <strong>do</strong>s senhores Cotegipe eRio Branco disseram também na tribuna <strong>do</strong> Sena<strong>do</strong> os distintos senhoresconselheiros Zacarias, Nabuco e Otaviano, como já recordamos e maisextensamente recordaremos, se necessá<strong>rio</strong> for!O exímio escritor não <strong>de</strong>ixa seguramente <strong>de</strong> lembrar-se <strong>do</strong> quedisseram aqueles seus distintos correligioná<strong>rio</strong>s. Segun<strong>do</strong> eles, o Trata<strong>do</strong><strong>de</strong> Aliança não fixou limites, e os alia<strong>do</strong>s não po<strong>de</strong>riam impor – já nãodiremos – limites, mas ajuste algum <strong>de</strong> paz ao Paraguai!Entretanto, hoje tem a singeleza <strong>de</strong> sustentar, em face <strong>do</strong> conflitoargentino, que os discursos <strong>do</strong>s senhores Rio Branco e Cotegipe,tais como se preten<strong>de</strong> que sejam entendi<strong>do</strong>s, estão acima <strong>do</strong> DireitoInternacional (nomes que, aliás, os mesmos censores <strong>de</strong> agora invocavamcomo mestres), <strong>do</strong> texto <strong>do</strong> trata<strong>do</strong>, ao qual davam eles, então, outrainteligência, e das <strong>de</strong>clarações oficiais <strong>do</strong> próp<strong>rio</strong> governo argentino!Os senhores Rio Branco e Cotegipe opunham-se a essa <strong>do</strong>utrina,que colocava o venci<strong>do</strong> no dia da vitória na mesma posição em queestaria se não tivesse havi<strong>do</strong> nem guerra nem vence<strong>do</strong>r; opunham-sea essa <strong>do</strong>utrina, dizemos, a verda<strong>de</strong>ira <strong>do</strong>utrina da razão e <strong>do</strong> direito,sustentan<strong>do</strong> que, a dar-se a relutância absoluta <strong>do</strong> venci<strong>do</strong>, a consequêncianecessária seria a continuação da guerra.Os <strong>do</strong>is ilustres ministros brasileiros procuravam, assim, evitar aresistência que, porventura, sem o quererem, os censores brasileiros portal mo<strong>do</strong> provocavam da parte <strong>do</strong> Paraguai; bem como hoje, porventura,também sem o quererem, estão dificultan<strong>do</strong> o acor<strong>do</strong> entre o governoimperial e o argentino, sen<strong>do</strong> que só nas pretensões <strong>de</strong>ste acham razão!Os implacáveis censores <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> quanto não sai das portas <strong>do</strong> seu templopolítico não fazem ou não querem fazer uma distinção, aliás essencial, entreo que disseram os senhores Cotegipe e Rio Branco e o que ora acontece.Aqueles estadistas, impeli<strong>do</strong>s pela excessiva animação que aspalavras e as <strong>do</strong>utrinas <strong>do</strong>s parlamentares oposicionistas po<strong>de</strong>riam levarao Paraguai, invocaram os direitos que a guerra dá incontestavelmenteao vence<strong>do</strong>r. No entanto, uma coisa é o que cada alia<strong>do</strong> po<strong>de</strong> exigirpor si só e sem sacrifício <strong>do</strong>s seus alia<strong>do</strong>s; outra é a responsabilida<strong>de</strong>coletiva <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s para as exigências que se fizerem ao venci<strong>do</strong>.Se não po<strong>de</strong>m os alia<strong>do</strong>s obstar que a República Argentina exija<strong>do</strong> Paraguai que reconheça o Chaco como argentino, seguramente que44


ARTIGOS DE IMPRENSApo<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem recusar a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa exigência, uma vezque não sejam convenci<strong>do</strong>s <strong>de</strong> que é fundada e justa.Está reconheci<strong>do</strong> que, ao assinalar os limites <strong>do</strong> artigo 16 <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong><strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1865, os alia<strong>do</strong>s não entraram na apreciação <strong>do</strong> direito<strong>de</strong> cada um <strong>do</strong>s limítrofes, que estes o fixaram como base <strong>do</strong>s ajustesfuturos, fican<strong>do</strong> seu reconhecimento <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das negociações da paz.Ora, o próp<strong>rio</strong> governo argentino <strong>de</strong>clarou, ao ocupar a VilaOci<strong>de</strong>ntal, a inteligência que dava a esse artigo, segun<strong>do</strong> a qual a vitórianão conferia o direito <strong>de</strong> impor os limites que o trata<strong>do</strong> assinala, mas osque resultassem <strong>do</strong>s títulos e da discussão.Ora, o mesmo trata<strong>do</strong>, como pon<strong>de</strong>rara o senhor conselheiro Nabuco,obriga os alia<strong>do</strong>s a respeitar a soberania e a integrida<strong>de</strong> territorial <strong>do</strong>Paraguai.Como, pois, não valerão estes <strong>do</strong>cumentos, mas, somente as palavrasproferidas no Sena<strong>do</strong> pelos senhores Cotegipe e Rio Branco, palavrasque, aliás, não têm o senti<strong>do</strong> que lhes querem emprestar os <strong>de</strong>sapieda<strong>do</strong>scríticos, nem a força <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>claração solene em nome <strong>do</strong> governo <strong>do</strong>Brasil?O exímio estadista, a quem temos a honra <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r, não vê noartigo 2 o <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> Preliminar <strong>de</strong> Paz, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1870, senão aobrigação <strong>de</strong> ouvir ao Paraguai.Quem, porém, não compreen<strong>de</strong> e reconhece, à vista <strong>do</strong>s antece<strong>de</strong>ntes,que essa obrigação para os alia<strong>do</strong>s, e o direito correlativo <strong>do</strong> Paraguai,importavam o compromisso moral <strong>de</strong> modificações, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que estasparecessem justas? E não o cumpriu já o Brasil por sua parte, ce<strong>de</strong>n<strong>do</strong>da linha <strong>do</strong> Igureí?Como, portanto, sustentar que o senhor Quintana, a <strong>de</strong>speito <strong>do</strong>ajusta<strong>do</strong> em Buenos Aires, exercia um direito, exigin<strong>do</strong> <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>sque se reconhecessem previamente obriga<strong>do</strong>s a sustentar, com aresponsabilida<strong>de</strong> e a força da aliança, o que ele <strong>de</strong>clarasse ser a últimapalavra <strong>do</strong> governo argentino sobre limites, sem audiência <strong>do</strong> Paraguaie quaisquer que fossem as alegações <strong>de</strong>ste?Os alia<strong>do</strong>s obrigaram-se a ouvir o Paraguai e a consi<strong>de</strong>rar assuas propostas <strong>de</strong> modificações. O senhor Quintana, exigin<strong>do</strong> aresponsabilida<strong>de</strong> moral e material <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s, para fazer valer o alega<strong>do</strong>,mas não prova<strong>do</strong> o direito argentino, substituía àquela estipulação oseguinte: “O único juiz <strong>do</strong> que disser e propuser o Paraguai sou eu;45


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOaos outros alia<strong>do</strong>s não toca senão proferir o sacramental “amém”,submeten<strong>do</strong>-se às consequências <strong>de</strong> minha exigência, seja ou não sejajusta!”É isto o que vem sustentar um estadista brasileiro, qualifica<strong>do</strong>pat<strong>rio</strong>ta liberal, no momento mesmo da chegada <strong>do</strong> general Mitre,incumbi<strong>do</strong> da missão <strong>de</strong> resolver, amigavelmente, se for possível, essagrave questão com o governo imperial?Realmente, custa a crer, mas o pensamento <strong>do</strong> exímio estadista aíestá estampa<strong>do</strong> nas colunas <strong>de</strong> A Reforma!Sua excelência, precisamente quan<strong>do</strong>, como o senhor Teje<strong>do</strong>r emsua nota, não leva em conta, não faz cabedal da opinião que, por parte<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Oriental foi manifestada, sobre o ponto da divergência entreos alia<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a <strong>do</strong> plenipotenciá<strong>rio</strong> brasileiro.Ora, por que não valerá, por que será recusada a opinião <strong>de</strong> <strong>do</strong>isalia<strong>do</strong>s e só terá procedência e será aceita a <strong>do</strong> terceiro, interessa<strong>do</strong>na questão <strong>do</strong> Chaco? Por que há <strong>de</strong> ser o Brasil o único que na pazcarregue com os ônus da pretensão argentina, quan<strong>do</strong> foi ele que naguerra suportou os maiores encargos da causa da aliança?Não compreen<strong>de</strong>, não alcança o ilustre estadista a dificulda<strong>de</strong> quea essa questão <strong>do</strong> Chaco traz a reclamação da Bolívia nem a ressalva<strong>de</strong> seus direitos pelos alia<strong>do</strong>s. Entretanto, e admira em verda<strong>de</strong> que istoescapasse à perspicácia e ao atilamento <strong>de</strong> sua excelência, basta figuraro caso para que to<strong>do</strong>s vejam e reconheçam essa dificulda<strong>de</strong>.Hão <strong>de</strong> o Brasil e <strong>de</strong> o Esta<strong>do</strong> Oriental obrigar pela força o Paraguaia reconhecer como argentino o que a Bolívia também <strong>de</strong>clara seu, comose vê da ressalva <strong>do</strong>s próp<strong>rio</strong>s alia<strong>do</strong>s? Não haveria nisto uma anomalia,uma incoerência, uma violência inaudita?Se, para ser esta questão <strong>de</strong>cidida entre a República Argentina e aBolívia, o Paraguai se reconhecesse sem direitos ao Chaco, a fórmula daimposição respeitaria a ressalva feita pela aliança em relação aos direitosda Bolívia; no entanto, nesse caso, a aliança não resolveria uma questão<strong>de</strong> limites, não faria mais <strong>do</strong> que compelir o Paraguai a renunciar oChaco, com razão ou sem ela, em proveito das outras duas nações, quealegam direitos sobre esse territó<strong>rio</strong>.É isto que se prescreveu no Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Aliança?Diga-o em consciência o inexorável juiz <strong>do</strong>s Trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunção,e concilie essa opinião com o que ele próp<strong>rio</strong> e os outros <strong>do</strong>utores da46


ARTIGOS DE IMPRENSAoposição tão entusiasticamente disseram no Sena<strong>do</strong> contra os senhoresCotegipe e Rio Branco.Supomos haver consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> e completamente refuta<strong>do</strong> o pontoprincipal da argumentação <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os <strong>artigos</strong> <strong>do</strong> exímio estadista, assimcomo os pontos acessó<strong>rio</strong>s a que recorreu para firmá-la.E, pois, o que resta para concluirmos? Solicitar a benevolência <strong>de</strong>sua excelência para qualquer falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>ferência, que involuntariamentecometêssemos em relação a sua elevada categoria, e oferecer-lhe umvoto muito sincero. Esse voto é que, quan<strong>do</strong> chama<strong>do</strong> novamente àdireção <strong>do</strong>s negócios <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, possa sua excelência sempre justificare <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os seus atos com tanta justiça e com tão sóli<strong>do</strong>s fundamentoscomo acaba <strong>de</strong> praticar o gabinete <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> março a respeito <strong>do</strong>s Trata<strong>do</strong>s<strong>de</strong> Assunção.6) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano I, número 16, sába<strong>do</strong>, 20 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1872A questão argentina IO distinto e exclusivo órgão <strong>do</strong> verda<strong>de</strong>iro liberalismo teve acomplacência, que muito cordialmente lhe agra<strong>de</strong>cemos, <strong>de</strong> aguardar compaciência que déssemos por concluída a justificação e a <strong>de</strong>fesa da notae <strong>do</strong> memoran<strong>do</strong> <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> junho, por ele tão injusta quão violentamenteagredi<strong>do</strong>s, para, três dias <strong>de</strong>pois, vir anunciar a sua contrarieda<strong>de</strong>.Embora fosse lícito ver, nessa apregoada complacência, antes o<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> repousar e, porventura, mais ainda a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ruminarna sustentação da causa infeliz e perdida com que se i<strong>de</strong>ntificou, nempor isso <strong>de</strong>ixaremos <strong>de</strong> testemunhar to<strong>do</strong> o nosso reconhecimento, tantomais que não po<strong>de</strong>mos proce<strong>de</strong>r <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> para correspon<strong>de</strong>r àcortesia <strong>do</strong> contemporâneo.Sentimos pressa e parece-nos ser cumprimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>ver oferecer<strong>de</strong>s<strong>de</strong> já ao incansável lida<strong>do</strong>r da <strong>de</strong>mocracia, que só <strong>de</strong>scansa por<strong>de</strong>ferência, as consi<strong>de</strong>rações que nos sugeriu a leitura da sua nova razão<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m ou artigo preliminar, inserto em A Reforma <strong>de</strong> ontem.47


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCONão é justa a arguição que dirigimos ao contemporâneo, <strong>de</strong> haverfalta<strong>do</strong> às conveniências aceitas e respeitadas por to<strong>do</strong>s os parti<strong>do</strong>s,abrin<strong>do</strong> franca discussão sobre assunto <strong>de</strong> tanto melindre e gravida<strong>de</strong>,salvo, diz o contemporâneo, se se trata <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s que, servin<strong>do</strong> a umacausa que não é a <strong>do</strong> país, não pe<strong>de</strong>m à opinião a sua norma e o seuconselho, porque não é <strong>de</strong>la que lhes vem a força.Aplicada esta tese <strong>do</strong> órgão liberal ao assunto que se <strong>de</strong>bate, segue-seque não é causa <strong>do</strong> país a que o governo tem sustenta<strong>do</strong>, mas, sim, a queA Reforma, i<strong>de</strong>ntificada em corpo e alma com o senhor Teje<strong>do</strong>r, advogacom tanto calor, exclusivamente no interesse das pretensões argentinas!Que singular pat<strong>rio</strong>tismo! Que admirável abnegação! E pensará,com efeito, assim o próp<strong>rio</strong> parti<strong>do</strong> que o contemporâneo se jacta <strong>de</strong>representar, que é, sem dúvida, um <strong>do</strong>s únicos que po<strong>de</strong>m dividir umanação livre?Socorre-se o contemporâneo <strong>do</strong>s exemplos da América republicanae da Inglaterra realista; no entanto, esses exemplos não colhem nem têma menor aplicação ao caso <strong>de</strong> que se trata. Em primeiro lugar, porque apublicida<strong>de</strong> na solução <strong>de</strong> importantíssimas questões internacionais nãoé o mesmo que a intervenção <strong>do</strong> jornalismo nessas questões – antes <strong>de</strong>discutidas e resolvidas –, só para pôr embaraços ao governo; em segun<strong>do</strong>lugar, porque não existe prece<strong>de</strong>nte – e, se existe, ninguém dirá quepossa ser invoca<strong>do</strong> como bom – <strong>de</strong> colocar-se a oposição inteiramente<strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong> estrangeiro, i<strong>de</strong>ntifican<strong>do</strong>-se com a sua causa e, porventura,exageran<strong>do</strong> os pretendi<strong>do</strong>s direitos <strong>de</strong>la.Seria em verda<strong>de</strong> cu<strong>rio</strong>so, como aliás quer A Reforma e dizproce<strong>de</strong>rem os únicos parti<strong>do</strong>s que po<strong>de</strong>m dividir uma nação livre,que o governo, todas as vezes que se achasse em frente <strong>de</strong> qualquerdificulda<strong>de</strong> interna ou externa, se apresentasse na praça pública pedin<strong>do</strong>à opinião norma e conselho para resolver!Se, como é provável, senão certo, fosse sem-número a varieda<strong>de</strong> dasnormas e conselhos, qual <strong>de</strong>veria o governo preferir e como reconhecere justificar a que parecesse melhor? Cumpriria recorrer ao plebiscito?No entanto, ainda sim, como <strong>de</strong> costume, não seria este acoima<strong>do</strong> <strong>de</strong>prevaricação e <strong>de</strong> frau<strong>de</strong>?Se fomos impru<strong>de</strong>ntes e levianos, por que aceitamos o <strong>de</strong>bate? Se oprocedimento era mau, por que imitá-lo? Exclama no seu preliminar asentinela avançada, o guarda <strong>do</strong> liberalismo, que só por <strong>de</strong>ferência <strong>do</strong>rme!48


ARTIGOS DE IMPRENSAComo bem-acha<strong>do</strong> e feliz é também o dilema formula<strong>do</strong> sobre esteponto pelo contemporâneo! Ou, como ele, foi impru<strong>de</strong>nte e leviano;ou, como ele, proce<strong>de</strong>u mal; ou, então, porque precisava <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rse(ainda bem que contemporâneo o reconhece), o governo teve emmaior conta a justificação <strong>do</strong>s seus atos <strong>do</strong> que as conveniências dacausa pública!E que tal? O que dirão a isto os chefes, os mestres <strong>do</strong> parti<strong>do</strong> que AReforma representa e um <strong>do</strong>s únicos que po<strong>de</strong>m dividir as nações livres?Quan<strong>do</strong> as conveniências da causa pública foram tristementeesquecidas, quan<strong>do</strong> esta é posta em risco eminente pela imprudênciae levianda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s oposicionistas cegos e <strong>de</strong>speita<strong>do</strong>s, a sustentação e a<strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s atos <strong>do</strong> governo, ou antes a aclaração da verda<strong>de</strong> para trazeras coisas a seus justos termos, é com to<strong>do</strong> o <strong>de</strong>splante qualificada <strong>de</strong>imprudência e <strong>de</strong> levianda<strong>de</strong>, ou como consulta <strong>de</strong> interesse particularcom preterição <strong>do</strong> interesse público!Não houve incoerências nem contradição, não houve querer e nãoquerer da parte <strong>do</strong> órgão liberal ao aplaudir a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> resolver-se oconflito pacífica e <strong>de</strong>centemente (é notável esta teima na <strong>de</strong>cência),estranhan<strong>do</strong> a frouxidão e o <strong>de</strong>scoramento da nota e memoran<strong>do</strong>!Aos olhos <strong>do</strong>s publicistas <strong>de</strong> A Reforma, a causa <strong>do</strong> senhor Teje<strong>do</strong>ré justa; o mo<strong>do</strong> como a articulou é que é inju<strong>rio</strong>so aos b<strong>rio</strong>s da nação.Reconhece no ministro argentino sobeja razão para reclamar contra osTrata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunção, mas não po<strong>de</strong> tolerar que o fizesse nos termos<strong>de</strong>scorteses <strong>de</strong> que se serviu!E <strong>de</strong> par com tu<strong>do</strong> isso, o órgão liberal, sem querer que se afinassea resposta pelo mesmo diapasão e con<strong>de</strong>nan<strong>do</strong> a frouxidão e a falta <strong>de</strong>cor da resposta <strong>do</strong> governo, queria, todavia, que se fizesse sentir aogoverno argentino, por um méto<strong>do</strong> sem dúvida especialíssimo e quesó os publicistas da rua <strong>do</strong> Ouvi<strong>do</strong>r conhecem, o <strong>de</strong>scomedimento e asinsolências da nota <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> abril!Ora, como compreen<strong>de</strong>r esta embrulhada, como <strong>de</strong>cifrar semelhantecharada sem que o contemporâneo dê a lume, em termos precisos, abitola <strong>do</strong> seu engenho?Além <strong>do</strong> que fica consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>, no artigo preliminar <strong>do</strong> pregoeiro daverda<strong>de</strong>ira liberda<strong>de</strong>, o que há mais são apenas palavrões <strong>do</strong> pretendi<strong>do</strong>pat<strong>rio</strong>tismo nobre, <strong>de</strong>sinteressa<strong>do</strong>, leal e puríssimo, que tanto alar<strong>de</strong>iamos publicistas sem rivais! A esses palavrões, nada oporemos, <strong>de</strong>sejan<strong>do</strong>49


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOmesmo que fiquem <strong>de</strong> pé, para que o país bem os contemple e oscompreenda!Embora muito nos custe, porque <strong>de</strong>veras a matéria está esgotada e,<strong>de</strong>certo, <strong>de</strong>finitivamente forma<strong>do</strong> o juízo da nação, não <strong>de</strong>ixaremos, contu<strong>do</strong>,<strong>de</strong> acompanhar o órgão liberal em sua réplica ou contrarieda<strong>de</strong>, se ela não fora simples repetição <strong>do</strong> que já cabal e completamente está refuta<strong>do</strong>.7) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano I, número 16, sába<strong>do</strong>, 20 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1872Uma retificaçãoAo dirigir hoje uma carta à redação <strong>de</strong> A Reforma, escreveu o senhor<strong>do</strong>utor Silveira Martins as seguintes linhas, que não posso <strong>de</strong>ixar passarsem protesto: “Não tem, pois, razão a folha ilustrada, que se redige noescritó<strong>rio</strong> <strong>do</strong> senhor <strong>do</strong>utor Paranhos [...]”O senhor <strong>do</strong>utor Silveira Martins fiou-se <strong>de</strong> falsas informações.Nenhuma folha ilustrada é redigida no meu escritó<strong>rio</strong>. No prédio emque, como advoga<strong>do</strong>, tenho uma sala, imprime-se, é certo, uma folhailustrada, mas o seu redator e proprietá<strong>rio</strong> resi<strong>de</strong> no segun<strong>do</strong> andar, e eunada absolutamente tenho com a redação <strong>de</strong> semelhante jornal.Posso asseverar ao senhor Silveira Martins (e suponho ter direito aser acredita<strong>do</strong> por sua excelência) que nem sequer li ainda o artigo a quese refere e a que respon<strong>de</strong> hoje.Outro ponto que não <strong>de</strong>vo <strong>de</strong>ixar passar sem reclamação é o <strong>de</strong>que sua excelência parece atribuir-me e ao meu distinto amigo e colegasenhor <strong>do</strong>utor Gusmão Lobo, a paternida<strong>de</strong> <strong>de</strong> certas censuras que umaparte da <strong>imprensa</strong> lhe tem dirigi<strong>do</strong> pelo voto que <strong>de</strong>u como <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> naquestão relativa à estrada <strong>de</strong> ferro <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul.Não po<strong>de</strong>ria eu nem aquele ilustre amigo dirigir-lhe tais censuras,enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> como enten<strong>de</strong>mos, que um representante da nação não po<strong>de</strong>,sem faltar aos seus <strong>de</strong>veres, <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> votar por uma i<strong>de</strong>ia que a<strong>do</strong>ta e<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> só porque os seus adversá<strong>rio</strong>s políticos também a abraçam eprocuram realizar.50


ARTIGOS DE IMPRENSADe mo<strong>do</strong> algum po<strong>de</strong>ria o gabinete <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> março consi<strong>de</strong>rar comoum voto <strong>de</strong> confiança política o que <strong>de</strong>ram nesta questão os membrosda oposição liberal, assim como não po<strong>de</strong>ria dar essa significação aoapoio franco e leal que recebeu <strong>de</strong> quase to<strong>do</strong>s os sena<strong>do</strong>res liberais naquestão da reforma <strong>do</strong> elemento servil.As censuras a que o senhor <strong>do</strong>utor Silveira Martins se refere foramfeitas por uma folha política da sua província e não por mim, que (<strong>de</strong>vo<strong>de</strong>clarar) conquanto escreva para A Nação, não sou responsável por to<strong>do</strong>sos <strong>artigos</strong> que este jornal publica nem por todas as transcrições que faz.Silva Paranhos8) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano I, número 17, segunda-feira, 22 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1872A naçãoA leitura, que rapidamente fizemos <strong>do</strong> extrato da sessão <strong>do</strong>Reichstag, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> maio último, causou-nos profunda mágoa e <strong>de</strong>cidiunosa reclamar contra a injúria que, <strong>do</strong> alto da tribuna, nos foi lançadapelos membros <strong>do</strong> Parlamento <strong>de</strong> um povo amigo. Além <strong>do</strong> insulto, peloqual não faremos responsável a nação, há o dano que essas palavrasinconsi<strong>de</strong>radas nos acarreta. O que motivou essa agressão tão insólita <strong>do</strong>parlamento alemão? Exponhamos os fatos.O governo imperial havia celebra<strong>do</strong> contrato para estabelecimento,na província <strong>de</strong> São Paulo, <strong>de</strong> 15 mil imigrantes <strong>do</strong> norte e <strong>do</strong> sul daEuropa. A notícia da celebração <strong>de</strong>ste contrato, transmitida para Europapelos agentes consulares alemães no Impé<strong>rio</strong>, <strong>de</strong>u motivo para que asautorida<strong>de</strong>s supe<strong>rio</strong>res daquele país recomendassem às províncias origoroso cumprimento da circular <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1859, renovadapor edital <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1871, que veda no país o estabelecimento <strong>de</strong>agências brasileiras <strong>de</strong> colonização.Na mesma ocasião, como que para <strong>de</strong>struir a má impressão que estaor<strong>de</strong>m ia causar, apresentava-se ao Reichstag uma petição, firmada por 2.30051


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOalemães estabeleci<strong>do</strong>s na província <strong>de</strong> São Pedro <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul,solicitan<strong>do</strong> a revogação <strong>de</strong>ssa circular e a franca emigração para o Impé<strong>rio</strong>.Foi esta petição <strong>do</strong>s súditos alemães, resi<strong>de</strong>ntes no sul <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>,que motivou a insólita agressão <strong>de</strong> que fomos vítimas.Não repeliremos insulto com insulto. Temos em subida consi<strong>de</strong>raçãoo caráter alemão para tornar a nação solidariamente responsável pelalinguagem irrefletida <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong> seus filhos.A con<strong>de</strong>nação <strong>de</strong>sse procedimento está na mesma petição em quetantos súditos alemães representam contra o interdito da emigração parao Brasil.Seriam os maus-tratos, a fome e a miséria que os induziriam asolicitar <strong>de</strong> seus compat<strong>rio</strong>tas liberda<strong>de</strong> para os que quisessem vir tentarfortuna no rico e fértil solo <strong>do</strong> Brasil? Ninguém ousará dizê-lo.Nessas acusações injustas e sem razão <strong>de</strong> ser, não encontramos aprudência, a reflexão nem a sisu<strong>de</strong>z com que costumam os filhos davelha Germânia fundamentar suas opiniões. O caráter alemão é refleti<strong>do</strong>e severo na observação e na análise <strong>do</strong>s fatos.Temos necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir o juízo errôneo que se fez sobre acolonização alemã no Brasil; antes, porém, seja-nos permiti<strong>do</strong> falar <strong>de</strong> nós.A sábia e ilustrada Germânia tem o Brasil em tão ruim conta queparece nada conhecer da nossa história, das nossas leis, das nossasinstituições e <strong>do</strong>s acontecimentos que, dia para dia, tornam cada vezmais incontestável o direito <strong>de</strong> figurar-nos entre as nações civilizadas.Se os livros, os atos públicos, os jornais e o cresci<strong>do</strong> número <strong>de</strong>viajantes que diariamente cruzam entre o Impé<strong>rio</strong> sul-americano e avelha Europa não lhe prestam minuciosas informações sobre o esta<strong>do</strong><strong>de</strong> nossas coisas internas, man<strong>de</strong>m os que o ignorarem emissá<strong>rio</strong>s seusestudar acuradamente o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> Brasil, e convencer-se-ão<strong>de</strong> que a imensa população, que na Alemanha não encontra trabalho,achará, nas férteis e vastas províncias <strong>do</strong> Brasil, um futuro próspero erisonho.Em sua gratuita acusação, tacham-nos os parlamentares alemães <strong>de</strong>bárbaros <strong>do</strong> quinto século. Estu<strong>de</strong> a Alemanha nossas instituições e digase as tem mais livres e mais sábias, no que respeita principalmente àsgarantias individuais.O Brasil, nação <strong>de</strong> ontem, é regi<strong>do</strong> pela constituição mais liberal<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>; os códigos penais po<strong>de</strong>m servir <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo às nações mais52


ARTIGOS DE IMPRENSAcivilizadas, as ciências são cultivadas com esmero e a indústria, emalguns <strong>do</strong>s ramos explora<strong>do</strong>s, tem já concorri<strong>do</strong> com as da culta Europa.O povo que chamais bárbaro e inculto ergue os mais faustosos monumentospara apurar os enfermos e amparar os órfãos, os <strong>de</strong>svali<strong>do</strong>s e necessita<strong>do</strong>s, suagenerosa e franca hospitalida<strong>de</strong> para o estrangeiro é proverbial.O povo que chamais bárbaro transforma seus bosques em searas,cultiva seus campos, perfura suas montanhas e leva o lábaro da civilizaçãoao inte<strong>rio</strong>r <strong>de</strong> seus vastos <strong>do</strong>mínios; seus mares e <strong>rio</strong>s já são sulca<strong>do</strong>spor gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> embarcações movidas a vapor: seus portos sãovisita<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os dias pelos vapores e paquetes <strong>de</strong> diversas companhiasda Europa e <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s.Não temos a presunção <strong>de</strong> supor que o Brasil atingiu já o auge <strong>do</strong>adiantamento; pelo contrá<strong>rio</strong>, temos a franqueza <strong>de</strong> reconhecer queainda há diante <strong>de</strong> nós longa estrada a percorrer.O povo, que chamais <strong>de</strong> inculto e bárbaro, acaba <strong>de</strong> dar ao mun<strong>do</strong>inteiro a prova mais irrefutável <strong>de</strong> sua ín<strong>do</strong>le e <strong>de</strong> sua ilustração.Ninguém, por certo, responsabilizará os brasileiros <strong>de</strong> hoje pelaexistência da escravidão no Brasil, lega<strong>do</strong> <strong>de</strong> nossos maiores europeus.Senão a abstemos totalmente, já lhe <strong>de</strong>mos golpe mortal, e isto quan<strong>do</strong>era daí que nos vinham os braços para lavoura, nossa principal fonte <strong>de</strong>riqueza e prosperida<strong>de</strong>.Os princípios <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> moral, tão preconiza<strong>do</strong>s nas teoriaseuropeias, estão por nós a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s e pratica<strong>do</strong>s com uma espontaneida<strong>de</strong><strong>de</strong> que não há exemplo nos povos que passam por mais civiliza<strong>do</strong>s <strong>do</strong>que nós.O povo inculto e bárbaro, o povo que é representa<strong>do</strong> como traficante<strong>de</strong> carne humana, votou uma lei que estancou a fonte da escravidãoneste país e que a extinguirá gradualmente em curto perío<strong>do</strong>. Não háexemplo <strong>de</strong> que uma medida <strong>de</strong> tão gran<strong>de</strong> alcance, e que ia atacartantos interesses, fosse aceita em parte alguma com a calma com que ofoi entre nós.O Brasil, po<strong>de</strong>is estar certos, não é esse povo inculto e bárbaroque supon<strong>de</strong>s. Exprobrar aos brasileiros <strong>de</strong> hoje a maneira como seusantepassa<strong>do</strong>s exploravam o trabalho <strong>do</strong>s africanos é o mesmo quetornar responsáveis os atuais habitantes da Europa pelas carnificinas,pelos incêndios e pelas <strong>de</strong>predações pratica<strong>do</strong>s por seus antepassa<strong>do</strong>s,movi<strong>do</strong>s pela cobiça e pela se<strong>de</strong> <strong>de</strong> conquistas.53


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO9) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano I, número 18, terça-feira, 23 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1872.A questão argentina IIPela leitura <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> artigo, ou, antes, <strong>do</strong> primeiro <strong>de</strong>pois <strong>do</strong>preliminar, ao qual respon<strong>de</strong>mos em nosso número <strong>de</strong> 20 <strong>do</strong> corrente,firmamos a convicção <strong>de</strong> que, como naquela resposta previmos, o órgãoliberal voltaria à carga sobre a questão argentina só para repetir, até asacieda<strong>de</strong>, que seus argumentos são precisamente os <strong>do</strong> senhor Teje<strong>do</strong>r,<strong>de</strong> cuja linguagem já nem fala, sem dúvida porque também já com elaconformou-se, para provar assim seu perfeito acor<strong>do</strong> no fun<strong>do</strong> e na forma.O inspira<strong>do</strong>r <strong>de</strong>sses <strong>artigos</strong>, que parece ser o mo<strong>de</strong>sto estadistadas ***, proce<strong>de</strong> <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong>. Cumpre, entretanto, reconhecer econfessar que, como máquina <strong>de</strong> guerra, a arma é muito fraca e nem opróp<strong>rio</strong> governo argentino cairá em tão perigoso laço; como escada parasubir ao po<strong>de</strong>r, seguramente seria fatal aos seus próp<strong>rio</strong>s obreiros.O estadista mo<strong>de</strong>sto e seus discípulos, que tão pouco o são, pon<strong>do</strong><strong>de</strong> parte a inteligência que o próp<strong>rio</strong> governo argentino <strong>de</strong>u ao Trata<strong>do</strong><strong>de</strong> Aliança nos <strong>artigos</strong> da questão que se <strong>de</strong>bate, argumentam comas palavras <strong>do</strong>s senhores Rio Branco e Cotegipe, aliás já replicadase contestadas no senti<strong>do</strong> absoluto que se lhes dá, não só por aquelas<strong>de</strong>clarações <strong>do</strong> governo argentino, mas também pelos próp<strong>rio</strong>s estadistasda oposição. O que estes disseram, então, não serve, não tem significação,não vale. O que só serve e <strong>de</strong>ve valer é o que alguns <strong>de</strong>les dizem hoje,em presença <strong>do</strong> conflito argentino.O senhor Quintana exigiu o que podia exigir! Justo Deus! E isto éescrito por pena brasileira em face <strong>do</strong> general Mitre?O trata<strong>do</strong> fixou o máximo das pretensões <strong>de</strong> cada um <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>slimítrofes sobre limites. Fixou o máximo, diz o órgão liberal, masenten<strong>de</strong> que os alia<strong>do</strong>s se obrigaram não só a respeitar em máximo, mastambém a <strong>de</strong>fendê-lo pela força e a sacrificar a essa máxima exigênciato<strong>do</strong>s os interesses e direitos da aliança, que assim ficariam sem solução,enquanto que o governo argentino resolveria por sua parte a questãocom a ocupação efetiva.54


ARTIGOS DE IMPRENSAQuem diz máximo, implicitamente, reconhece que há soluçãopossível a quem disse máximo; no entanto, segun<strong>do</strong> A Reforma, o juizúnico <strong>de</strong> qualquer concessão é o alia<strong>do</strong> interessa<strong>do</strong>, isto é, o governoargentino. Aos outros alia<strong>do</strong>s não cabia senão ou a obrigação <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>novo a guerra ao Paraguai, se este não ce<strong>de</strong>sse e se aquele o exigisse oua <strong>de</strong> retirar-se e nada tratar com o venci<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong> <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com obem-querer <strong>do</strong>s argentinos. Que política sublime!A semelhante absur<strong>do</strong> oponhamos, ainda uma vez, a <strong>do</strong>utrinatambém extrema, é certo, da oposição no Sena<strong>do</strong>, mas generosa e semdúvida inspirada pela dignida<strong>de</strong> e pelos interesses brasileiros. Eis o queo senhor conselheiro Nabuco intimou no Sena<strong>do</strong> ao senhor <strong>barão</strong> <strong>de</strong>Cotegipe, em nome <strong>de</strong> toda a oposição:O pensamento da oposição é este: o Paraguai po<strong>de</strong> recusar os limites, porqueé um direito da sua soberania, que reconhecemos e prometemos manter; se,porém, usan<strong>do</strong> da força, usan<strong>do</strong> da lei <strong>do</strong> vence<strong>do</strong>r, que o nobre ministroinvoca, impusermos ao Paraguai, cujo territó<strong>rio</strong> ainda ocupamos, limites queele não aceita, a oposição não aprovará esse proce<strong>de</strong>r, mas há <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>raro trata<strong>do</strong> nulo, porque não há maior nulida<strong>de</strong> nos contratos que a falta <strong>de</strong>liberda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s contratantes; há <strong>de</strong> ver nesse proce<strong>de</strong>r não o direito, mas o fatoconsuma<strong>do</strong> pela natureza das coisas, porque a nação fraca não tem remédiocontra a nação forte.Concluin<strong>do</strong>, não é preciso que nos fatiguemos mais em repetirque, uma coisa é o que cada um <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s limítrofes podia exigir <strong>do</strong>venci<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ntro daquele máximo, sob sua única responsabilida<strong>de</strong>; outracoisa é o que preten<strong>de</strong>sse exigir sob a responsabilida<strong>de</strong> moral e materialda aliança.Negar que, no segun<strong>do</strong> caso, os alia<strong>do</strong>s não podiam proce<strong>de</strong>r comotestas <strong>de</strong> ferro, que subscrevessem e aceitassem as consequências <strong>do</strong> querepugnasse à sua consciência, é proferir um absur<strong>do</strong> e uma <strong>de</strong>gradaçãomoral.E porque estamos com a mão na massa, permita o qualifica<strong>do</strong>estadista das ***, a<strong>do</strong>ra<strong>do</strong> oráculo <strong>de</strong> A Reforma, que mesmo nesteartigo consi<strong>de</strong>remos o quinto <strong>de</strong> suas elucubrações, que nos surpreen<strong>de</strong>u,porque julgávamos haver termina<strong>do</strong> com o quarto da série a que járespon<strong>de</strong>mos.55


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOAchan<strong>do</strong>-se fraco na questão externa, procura sua excelência agoracomplicá-la com as querelas <strong>de</strong> nossa vida interna. Neste procedimento,se retrataria o exímio estadista perfeitamente, se tão bem já o nãohouvesse feito o entusiástico proclama<strong>do</strong>r <strong>de</strong> suas perfeições!Censura sua excelência ao senhor ministro da Fazenda por fazere por não fazer. Nisto alu<strong>de</strong> a uma gratificação, <strong>de</strong> que fala o relató<strong>rio</strong><strong>de</strong>ste ano, dada aos emprega<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Tesouro e às tesourarias, em atençãoà mesquinhez <strong>do</strong>s seus vencimentos e a outras circunstâncias.O ministro fez mal, mas também fez, diz o censor, porque nãorepetiu no semestre corrente essa gratificação!Assim conseguiu o implacável crítico satisfazer a sua boa vonta<strong>de</strong>para com o ministé<strong>rio</strong> e não ficar mal com os emprega<strong>do</strong>s, quecontinuarão a ver nele o mais paternal <strong>do</strong>s ministros.Aludin<strong>do</strong> também à <strong>de</strong>missão <strong>do</strong> indivíduo nomea<strong>do</strong> para tesoureiroda Tesouraria-Geral <strong>do</strong> Ceará, em dias <strong>do</strong> ano passa<strong>do</strong>, enten<strong>de</strong> que ogoverno <strong>de</strong>veria <strong>de</strong>miti-lo, não a seu pedi<strong>do</strong>, mas sem esta cláusula,embora o nomea<strong>do</strong> se apressasse a pedir a sua exoneração.Ao censor, a to<strong>do</strong> o transe, não contentam os escrúpulos <strong>do</strong> governoem não conservar o nomea<strong>do</strong>, que, aliás, teve em seu abono, até pela<strong>imprensa</strong>, informações favoráveis <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ração.O censor queria que o ato <strong>do</strong> governo <strong>de</strong>sse por provadas asacusações, sem processo nem sentença, e que recusasse a <strong>de</strong>missão apedi<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> o acusa<strong>do</strong> se antecipara a solicitá-la.Não basta ao censor o fato da exoneração. Queria que o governotomasse a si imprimir o ferrete <strong>de</strong> graves acusações ao nomea<strong>do</strong>.Vamos, porém, à questão externa. Antes e <strong>de</strong> passagem,agra<strong>de</strong>ceremos ao exímio estadista o ter da<strong>do</strong> testemunho público <strong>de</strong>que é mais velho <strong>do</strong> que o senhor Rio Branco, posto que a supe<strong>rio</strong>rida<strong>de</strong><strong>do</strong>s anos não o torna mais tolerante e menos ofensivo.É verda<strong>de</strong> que o nosso distinto amigo não conta ainda meio século <strong>de</strong>serviços, mas confiamos em Deus que há <strong>de</strong> ir além <strong>de</strong>sse limite, assimcomo fazemos votos para que o ilustre estadista das *** some muitos além<strong>do</strong>s seus largos 50, para mostrar-se mais justo com os seus adversá<strong>rio</strong>s e,assim, reparar muitas <strong>de</strong> suas faltas para com o próximo, que ficam mal aquem tem verda<strong>de</strong>iro mérito, como nos comprazemos em reconhecer-lhe.No entanto, entran<strong>do</strong> na questão principal, os Trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunção,é realmente admirável como o distinto publicista e parlamentar lança56


ARTIGOS DE IMPRENSAno mais completo olvi<strong>do</strong> o que ele disse no Sena<strong>do</strong>, para vir agoratranscrever-nos textualmente o artigo 16 <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Aliança sobrelimites e dizer-nos que os alia<strong>do</strong>s estão obriga<strong>do</strong>s a sustentar pro aris etfocis * esses limites, não como bases (aliás frase <strong>do</strong> trata<strong>do</strong>), mas comodireito perfeito e incontestável.É a questão pela questão. Ninguém ignora o que cada alia<strong>do</strong> assinaloucomo base <strong>de</strong> seus ajustes <strong>de</strong> limites com o Paraguai. Ninguém tambémcontesta que a aliança <strong>de</strong>ve apoiar a exigência <strong>de</strong> que esses ajustes sefaçam e que <strong>de</strong>ve apoiá-los com empenho comum até on<strong>de</strong> os julguejustos, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ouvir o venci<strong>do</strong>.A questão <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ou não tratar separadamente não tem seu assentonesse artigo <strong>do</strong>s limites. E já provamos que nem o trata<strong>do</strong> nem a natureza<strong>do</strong>s ajustes impedia que fossem celebra<strong>do</strong>s separadamente.Era preferível que a negociação fosse conjunta? Também oreconhecemos. Entretanto, não sen<strong>do</strong> possível, como se reconheceu,<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>do</strong>is anos <strong>de</strong> tentativas inúteis, o que convinha fazer? Mantero statu quo in<strong>de</strong>finidamente?Isso o dirá hoje o exímio estadista, embora não o dissesse antes;isso não dirá quem imparcialmente consultar a dignida<strong>de</strong>, o direito e oslegítimos interesses <strong>do</strong> Brasil. O status quo era a humilhação <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>,o malogro <strong>de</strong> seus imensos sacrifícios em cinco anos <strong>de</strong> guerra e a ruína<strong>do</strong> venci<strong>do</strong>, cuja sorte se tornava incerta e piorava <strong>de</strong> dia em dia. Sóganharia a República Argentina, que tomou posse <strong>do</strong>s territó<strong>rio</strong>s que dizseus e que hoje só nos limites vê a vantagem que lhe po<strong>de</strong> resultar daguerra com o Paraguai.Per<strong>de</strong>u o Brasil força moral ante o venci<strong>do</strong> em tratar separadamente? Osfatos provam que não. Ce<strong>de</strong>mos apenas o que, muito antes, prometêramosce<strong>de</strong>r. Fomos mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s e coerentes, nada mais, nada menos.E é o estadista brasileiro das *** quem nos vem dizer que, em1865, em presença <strong>do</strong>s perigos da guerra, aceitamos condições que hojerecusamos? O que isto prova é o pouco conhecimento que ele tem dascircunstâncias <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> e da República Argentina ante a conjuntura<strong>de</strong>ssa guerra. A aliança era natural e reciprocamente útil, mas nãoindispensável; nem era, também, mais necessária a nós <strong>do</strong> que aosargentinos.*Em <strong>de</strong>fesa da religião e da pátria. (N. E.)57


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOEssa reflexão só po<strong>de</strong> caber aos que aceitaram a cláusula <strong>do</strong> protocoloanexo, relativa às fortificações paraguaias, e <strong>de</strong>pois recusaram cumprila– quan<strong>do</strong> venci<strong>do</strong> o inimigo comum –, no intuito <strong>de</strong> popularizar entreos paraguaios e aos olhos <strong>do</strong>s outros povos a sua pretensão <strong>de</strong> limites.Só po<strong>de</strong> caber também – aos que estipularam in<strong>de</strong>nizações <strong>de</strong>guerra, e procuram agora torná-las odiosas e anulá-las – no mesmointuito, queren<strong>do</strong> assim que a cessão <strong>do</strong> Brasil seja o preço da aquisição<strong>do</strong> Chaco.É notável a chicana <strong>de</strong> advoga<strong>do</strong> forense com que se torturam asnossas proposições e se interpretam os atos da aliança para incriminaro Brasil e concluir que só os argentinos têm razão neste pleito.Argumentan<strong>do</strong> sempre <strong>de</strong> boa-fé, dissemos – com a nota <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> junho– que fora preferível tratar conjuntamente e que algumas disposições <strong>do</strong>trata<strong>do</strong> po<strong>de</strong>riam ser mal-interpretadas e <strong>de</strong>senvolvidas, se não houvesseacor<strong>do</strong> entre os alia<strong>do</strong>s para os ajustes <strong>de</strong>finitivos <strong>de</strong> paz. À vista disto, oexímio estadista exclama, muito ancho, que confessamos assim os seusassertos.No entanto, nós acrescentamos que felizmente houve esse acor<strong>do</strong>,que consta <strong>do</strong>s protocolos das Conferências <strong>de</strong> Buenos Aires e <strong>de</strong>Assunção.Respon<strong>de</strong>-nos que os protocolos não continham senão um projeto <strong>de</strong>trata<strong>do</strong>. E nós diremos, sem dúvida alguma, porque faltava a negociaçãocom a outra parte interessada, que é o Paraguai. Nesse projeto, porém,que foi trabalho <strong>de</strong> meses entre os alia<strong>do</strong>s, interpretaram-se to<strong>do</strong>s os<strong>artigos</strong> da aliança e formularam-se os <strong>artigos</strong> <strong>do</strong>s ajustes <strong>de</strong>finitivos.O próp<strong>rio</strong> governo argentino não contesta senão uma das disposições<strong>do</strong> nosso trata<strong>do</strong>, a relativa à conservação <strong>de</strong> forças brasileiras noParaguai, o que, aliás, reconhece que é facultativo, e não obrigató<strong>rio</strong>,para o Brasil. Ele quer salvar a sua questão <strong>de</strong> limites sem preten<strong>de</strong>r quese anulem os trata<strong>do</strong>s brasileiros. Aí está a célebre nota <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> abril ea proposta feita ao senhor <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Cotegipe.O exímio estadista, chefe liberal, é hoje mais argentino <strong>do</strong> que osargentinos!!O que dissemos sobre a garantia dada pelo Brasil à in<strong>de</strong>pendência,à soberania e à integrida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Paraguai continua a ser sofisma<strong>do</strong> peloexcelentíssimo censor. Quer ele dar-nos uma lição jurídica, que nãoaceitamos, porque não vem a propósito e é muito corriqueira.58


ARTIGOS DE IMPRENSAO que dissemos, e não se po<strong>de</strong> razoavelmente contestar, é que oBrasil firmou o compromisso que contraíra com os seus alia<strong>do</strong>s – o dagarantia coletiva – e que esta não exclui a garantia singular, quan<strong>do</strong> nãopossa verificar-se a coletiva. A garantia individual, que só teria lugarna falta daquela, é direito inerente à soberania <strong>do</strong> Brasil, que este nãorenunciou nem renunciará jamais.Resolvíamos parar aqui a fim <strong>de</strong> não <strong>de</strong>sagradar A Reforma, quenão po<strong>de</strong> suportar <strong>artigos</strong> longos, senão os seus e os <strong>do</strong> mestre, quan<strong>do</strong>verificamos que também nada mais havia a consi<strong>de</strong>rar no quinto artigo<strong>do</strong> exímio estadista.Esperemos, pois, ver se a série continua, embora com caráter <strong>de</strong>dízima periódica.10) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano I, número 19, quarta-feira, 24 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1872(Sem título)A <strong>imprensa</strong> oposicionista, convencida <strong>de</strong> que nada conseguiria coma opinião <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>clamató<strong>rio</strong>s editoriais, usan<strong>do</strong> da intriga políticapara embaraçar o governo no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> seu sábio plano <strong>de</strong>or<strong>de</strong>m e progresso, enche agora as colunas <strong>do</strong>s seus jornais com <strong>artigos</strong>ten<strong>de</strong>ntes a advogar os interesses da República Argentina contra o Brasil.Ainda bem.Quanto à política interna, nada acham que dizer <strong>do</strong> gabinete <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong>março, e isso quan<strong>do</strong> está próximo o dia da reunião <strong>do</strong> povo para elegeros eleitores da representação nacional.Espanholadas <strong>de</strong> uma vez, as folhas oposicionistas <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m comto<strong>do</strong> o entusiasmo a reclamação argentina com admiração <strong>do</strong>s bonsbrasileiros e surpresa <strong>do</strong>s senhores Teje<strong>do</strong>r e Mitre.E, apesar <strong>de</strong> estar <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>, à luz meridiana, que o Brasil é quetem razão, tal é o po<strong>de</strong>r atrativo <strong>do</strong>s argentinos, que <strong>de</strong>slumbra a vista<strong>do</strong>s homens da República e <strong>de</strong> A Reforma a ponto tal que elas veemnegro on<strong>de</strong> o azul é vivo e brilhante.59


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCODamos os parabéns ao governo. É o seu mais assinala<strong>do</strong> triunfo.Nesse procedimento <strong>do</strong>s adversá<strong>rio</strong>s está toda a vitória <strong>do</strong>s eminentescidadãos, que tão civicamente dirigem a nau <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, <strong>de</strong>svian<strong>do</strong>-a <strong>do</strong>shorríveis arrecifes ergui<strong>do</strong>s pelas facções.E o que po<strong>de</strong>m eles dizer <strong>de</strong> justo e verda<strong>de</strong>iro? O governo trabalhaincessantemente pela prosperida<strong>de</strong> pública. Cogita continuamente<strong>do</strong>s meios precisos para elevar o Brasil à altura a que o <strong>de</strong>stinou aprovidência divina. Procura por to<strong>do</strong>s os meios estudar e realizar asreformas essenciais e urgentes, que tendam a <strong>de</strong>sembaraçar o país dasteias em que se pren<strong>de</strong>, para livre e <strong>de</strong>sembaraça<strong>do</strong> avançar na trilha <strong>do</strong>futuro grandioso que lhe cabe.Desvelan<strong>do</strong>-se pela causa pública, aguarda o solene momento dareunião da Assembleia Geral Legislativa, convocada para o dia 1 o <strong>de</strong><strong>de</strong>zembro, e aí apresentará o fruto <strong>de</strong> suas contínuas lucubrações, <strong>do</strong> seuamor pelo país e pelos brasileiros.Desse mo<strong>do</strong>, o gabinete <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> março <strong>de</strong>monstrará a to<strong>do</strong>s em geralo quanto presa o seu <strong>de</strong>ver e o quanto valem para ele a causa santa dapátria, o bem público, o futuro <strong>do</strong> Brasil.De fato, é glo<strong>rio</strong>so para um governo qualquer ver, nas proximida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> um pleito eleitoral, como o que vai abrir-se a 18 <strong>de</strong> agosto, provoca<strong>do</strong>pela manifesta indisciplina <strong>de</strong> uma Câmara revoltada contra si mesma, apaz, a tranquilida<strong>de</strong> e a or<strong>de</strong>m que se mantêm no Impé<strong>rio</strong>, e a liberda<strong>de</strong><strong>de</strong> ação que o governo imperial procura a to<strong>do</strong> transe manter, para que aconsulta à urna popular seja feita com a maior franqueza e represente afiel expressão <strong>do</strong> voto popular, a fim <strong>de</strong> que a representação da soberania<strong>do</strong> povo seja uma verda<strong>de</strong> e não uma mentira. A eleição a que vaiproce<strong>de</strong>r-se em 18 <strong>de</strong> agosto e a que se proce<strong>de</strong>rá em 19 <strong>de</strong> setembroserão feitas com a maior calma, sem a menor pressão e violência.O voto <strong>do</strong> cidadão será garanti<strong>do</strong>. A polícia não ro<strong>de</strong>ará as urnas,não forçará o voto <strong>do</strong> homem livre no mais sublime exercício <strong>de</strong> sualiberda<strong>de</strong>, como tantas e tantas vezes o aconteceu no <strong>do</strong>mínio político<strong>do</strong>s adversá<strong>rio</strong>s.Os <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s serão os eleitos <strong>do</strong> povo, po<strong>de</strong>rão vir <strong>de</strong> fronte erguidae ânimo seguro, cooperar com o ministé<strong>rio</strong> para a realização das urgentesmedidas reclamadas pelas necessida<strong>de</strong>s públicas.Continue o governo a dirigir assim os negócios <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, perseverena honrosa missão que lhe foi confiada pela coroa, <strong>de</strong>spreze os ataques60


ARTIGOS DE IMPRENSAgratuitos <strong>de</strong> inimigos mal-intenciona<strong>do</strong>s que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m o estrangeirocontra o Brasil, que põem <strong>de</strong> propósito o escuro on<strong>de</strong> está o claro, queprocuram por to<strong>do</strong>s os meios ocultar a luz, esqueci<strong>do</strong>s <strong>de</strong> que ela, vivae brilhante, zombará das trevas e fulgurará sempre majestosa, abaten<strong>do</strong>o erro e a mentira. Continue o governo que, assim proce<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, seráabençoa<strong>do</strong> pela pátria e pelas gerações <strong>do</strong> porvir.Assim o cremos.11) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano I, número 20, quinta-feira, 25 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1872A naçãoContinuam A Reforma e A República a advogar a causa <strong>do</strong> estrangeiro,com satisfação da República Argentina e pesar <strong>do</strong>s brasileiros. Quesejam felizes. Nós não as acompanharemos nesse terreno escabroso,<strong>de</strong>ixaremos o julgamento ao severo juízo da opinião. Ela que profiraa sua severa e justa sentença. Não apelaremos <strong>de</strong>la. Prossigam osadversá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> governo imperial a sua ingrata tarefa, frua o estrangeiroa satisfação <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>fesa; curaremos nós <strong>do</strong>s reais interesses da pátria.Aos adversá<strong>rio</strong>s, a gratidão <strong>do</strong> estrangeiro e, quiçá, o agraciamentoque po<strong>de</strong> dar uma república a um alia<strong>do</strong> estrangeiro. Para nós, o justoapreço <strong>do</strong> país. Trataremos <strong>de</strong> outro assunto.A oposição tem invectiva<strong>do</strong> o governo por interferir no pleitoeleitoral anuncia<strong>do</strong> para o dia 18 próximo <strong>do</strong> mês <strong>de</strong> agosto. As cartasparticulares das províncias <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> e a correspondência oficial dasmesmas províncias proclamam em alto e bom som que a liberda<strong>de</strong> <strong>do</strong>voto nunca foi garantida como o está sen<strong>do</strong> e o será na próxima eleição.Não tememos contestação. Embora a folha dissi<strong>de</strong>nte, acompanhada dasfolhas <strong>de</strong>mocráticas A República e A Reforma queiram dar testemunho<strong>do</strong> contrá<strong>rio</strong>, não o conseguirão. Será improfícuo trabalho.O governo recomenda a maior abstenção aos seus <strong>de</strong>lega<strong>do</strong>s nasprovíncias e não impõe nenhum candidato; portanto, po<strong>de</strong> surgir ainvenção, mas nunca virá a prova <strong>do</strong> que adre<strong>de</strong> imaginam os adversá<strong>rio</strong>s61


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOpolíticos <strong>do</strong> governo imperial. O que se tem escrito em contrá<strong>rio</strong>, osfatos narra<strong>do</strong>s pelas folhas oposicionistas, adultera<strong>do</strong>s por ela, dão-secom to<strong>do</strong>s os governos, são filhos <strong>de</strong> todas as situações. Nem o governopo<strong>de</strong> ter a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>les. Não está em suas mãos. Não foramnem são por ele provoca<strong>do</strong>s. Tanto basta para a sua plena justificação.O que o governo faz e fará é provi<strong>de</strong>nciar por to<strong>do</strong>s os meios a seualcance para que eles não se reproduzam, tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> sindicar o que há<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iro para punir o excesso, a violência, o abuso, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> querque eles partam. É a sua nobre missão.Ninguém mais <strong>do</strong> que o governo, que apelou para a soberaniapopular, quer e <strong>de</strong>seja a maior liberda<strong>de</strong> <strong>do</strong> cidadão no mais importanteexercício <strong>de</strong> sua liberda<strong>de</strong> civil, <strong>do</strong> seu direito político. Apelou daCâmara para o povo, e este, em sua soberania, dirá, em face da nação,<strong>de</strong> que la<strong>do</strong> estavam a razão e a justiça nesse leviano conflito <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong>maio. Ele pronunciará o seu julgamento com a maior in<strong>de</strong>pendência,sem pressão, sem esforço policial, sem que as baionetas ro<strong>de</strong>iem a urnaeleitoral.O antigo sistema segui<strong>do</strong> pelos governos libérrimos será aboli<strong>do</strong>pelo governo pessoal. Os nossos adversá<strong>rio</strong>s passarão por mais uma<strong>de</strong>cepção; mais uma <strong>de</strong>rrota os confundirá, pulverizan<strong>do</strong> as armas comque se batem na arena política. Po<strong>de</strong>m estar tranquilos. O sangue d<strong>obras</strong>ileiro não correrá diante da imagem santa <strong>do</strong> crucifica<strong>do</strong>, nem oesbirro policial arrastará o cidadão ao altar da pátria converti<strong>do</strong> em pedrabruta <strong>de</strong> horren<strong>do</strong> sacrifício. Esses tempos já passaram. O <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>governo liberal, em que tu<strong>do</strong> isso se dava, extinguiu-se; hoje, <strong>do</strong>mina ogoverno ditatorial em que tu<strong>do</strong> isso se não dá, porque o po<strong>de</strong>r pessoalrespeita mais <strong>do</strong> que tu<strong>do</strong> a vida, a paz, a segurança e a liberda<strong>de</strong> <strong>do</strong>cidadão brasileiro.As portas <strong>do</strong> templo augusto <strong>do</strong>s legisla<strong>do</strong>res da pátria estão abertaspara to<strong>do</strong>s os cidadãos que tiverem as condições legais; to<strong>do</strong>s eles têmo mesmo direito, po<strong>de</strong>m intervir nos negócios <strong>de</strong> seu país. Não será ogoverno quem se anteponha diante <strong>de</strong>les para embargar-lhes o passo.Ele respeitará o direito <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s. O que o governo <strong>de</strong>seja, o que quer,para o que incessantemente trabalha, é para o erguimento <strong>do</strong> Brasilao seu verda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>stino. É o seu mais caro <strong>de</strong>si<strong>de</strong>ratum. Inventemos oposicionistas o que quiserem, não conseguirão arredá-lo <strong>de</strong>ssepropósito. Será tempo perdi<strong>do</strong>.62


ARTIGOS DE IMPRENSAQuan<strong>do</strong> a câmara se reunir, verá o país to<strong>do</strong> a mais brilhante<strong>de</strong>monstração <strong>do</strong> quanto vale o gabinete <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> março no exercícioda alta administração <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. As reformas importantes que foramapresentadas ao Parlamento e as medidas <strong>de</strong> profunda meditaçãopolítica darão cabal prova <strong>de</strong> que o governo não gastou o tempo emescrever circulares, nem cartas particulares recomendan<strong>do</strong> este ouaquele candidato ao sufrágio popular; e a Câmara, composta <strong>de</strong>legítimos representantes da nação, <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iros mandatá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> povo,fará justiça inteira ao governo, votan<strong>do</strong> as suas reformas, honran<strong>do</strong> o seumandato, e engran<strong>de</strong>cen<strong>do</strong> a sua pátria.São estes os nobres sentimentos <strong>do</strong> gabinete <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> março, as suasmais patrióticas aspirações, e elas, mercê <strong>de</strong> Deus, serão coroadas <strong>de</strong>feliz sucesso, em que pese aos inimigos da or<strong>de</strong>m e prosperida<strong>de</strong> pública.As aspirações frenéticas <strong>do</strong>s políticos ambiciosos serão abafadas,o governo não verá mais ergui<strong>do</strong>s diante <strong>de</strong> sua carreira entraves quesó a paixão e a imprevidência po<strong>de</strong>riam erguer, para a plena satisfação<strong>do</strong> seu interesse próp<strong>rio</strong>. Essa malfadada política terá fim. A <strong>de</strong>puraçãose fará, e a opinião pública, separan<strong>do</strong> no dia 19 <strong>de</strong> setembro o trigo<strong>do</strong> joio, votará a pátria ao seu real <strong>de</strong>stino. Essa é a sublime missão <strong>do</strong>governo imperial. Ele a realizará.***Risonha e auspiciosa <strong>de</strong>senha-se a atualida<strong>de</strong>, nos horizontes que<strong>de</strong>vassam o porvir <strong>de</strong>ste magnífico país. É sempre escura a tela <strong>do</strong>futuro, em que nas brumas <strong>do</strong> imprevisto não conseguiu ainda a ciênciahumana irradiar-se; no entanto, como os efeitos <strong>de</strong>rivam-se das causas,como os frutos raras vezes <strong>de</strong>smentem as sementes, as induções e asprobabilida<strong>de</strong>s nos tranquilizam sobre épocas vin<strong>do</strong>uras e não remotas,pois que começam já a florir os bens, cuja colheita não se fará muitoesperar.Fortes da mais fecunda seiva, encaminhamo-nos por vastositinerá<strong>rio</strong>s a ombrear com as nações mais civilizadas; e o progresso, emsuas variadas faces, nos impele, sobranceiro, para os altos <strong>de</strong>stinos a queprovi<strong>de</strong>ncialmente somos fada<strong>do</strong>s.Bem raras vezes têm os povos situações mais prósperas e alvissareiras<strong>do</strong> que a que agora <strong>de</strong>sfrutamos. Para aferi-las, para <strong>de</strong>ixar em saliente63


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOrelevo que não <strong>de</strong>clamamos, seja-nos lícito um golpe <strong>de</strong> vista sobreo que nos circunda, como exame <strong>do</strong>s abundantes mananciais <strong>de</strong> quehaurimos a vida, o vigor que nos robustece e afervora.Comecemos pela <strong>imprensa</strong>, termômetro <strong>de</strong> precisão matemática paraajuizar-se da felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um povo. Os jornais da oposição concorremdiretamente para <strong>de</strong>monstrar a verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossas asserções: da<strong>do</strong>s ao<strong>de</strong>bate <strong>de</strong> questões externas, arredios <strong>do</strong>s bons caminhos, estranhos àverda<strong>de</strong> e à justiça, arma<strong>do</strong>s contra o civismo <strong>do</strong> governo, traduzem, emseu procedimento, que nos negócios internos há a maior <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong>assunto em que possam nutrir-se a acrimônia e o <strong>de</strong>speito, que sempreesgrimiram.Quan<strong>do</strong>, na or<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s melhoramentos materiais, pensa-seseriamente e muito realiza-se na viação e na colonização, encurtan<strong>do</strong>largas distâncias e povoan<strong>do</strong> <strong>de</strong>sertos, por projetos gigantescos como osdas estradas <strong>de</strong> Antonina a Curitiba e daí ao Mato Grosso, o que fazemA República e A Reforma?In<strong>do</strong> além das exigências argentinas, exce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ao governo <strong>de</strong>Buenos Aires, que quer paz, turvam as águas, <strong>de</strong>senham embaraços esuscitam complicações, que felizmente o governo saberá dissipar, namarcha acertada e imponente com que se dirige ao <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> suanobre missão.O Diá<strong>rio</strong> emu<strong>de</strong>ceu, a consciência parece ter alvoreci<strong>do</strong> naquelaalma <strong>de</strong>sviada, e o remorso estará a pungi-lo <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>satinos e<strong>de</strong>scomedimentos. Na or<strong>de</strong>m intelectual, não são menores os proveitosauferi<strong>do</strong>s, e em muito mais larga escala se proce<strong>de</strong> ao mais fecun<strong>do</strong><strong>do</strong>s plantios, na instrução que se <strong>de</strong>rrama pelo povo. Assistimos a umagran<strong>de</strong> revolução, benéfica, incruenta, que produzirá os mais sazona<strong>do</strong>se saborosos frutos.A iniciativa individual, a mágica e a po<strong>de</strong>rosa alavanca das socieda<strong>de</strong>smo<strong>de</strong>rnas, ei-la aí, nos cometimentos literá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong>s liceus que se abrem,das escolas que se multiplicam, e <strong>do</strong>s livros que surgem! Como é belaesta aurora, que já esclarece, porque o sol já <strong>do</strong>ura os píncaros <strong>de</strong> nossasmontanhas.Não é verda<strong>de</strong> que a moral, os hábitos tranquilos, os costumesmo<strong>de</strong>stos, o temor <strong>de</strong> Deus, a observância <strong>do</strong> <strong>de</strong>cálogo, o maior e o maissábio <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os códigos hão <strong>de</strong> brotar <strong>do</strong> consórcio feliz <strong>do</strong> progredirmaterial com o <strong>de</strong>senvolvimento intelectual das massas?64


ARTIGOS DE IMPRENSAE diante <strong>do</strong> gran<strong>de</strong> espetáculo que se exibe no mais vasto <strong>do</strong>scená<strong>rio</strong>s, <strong>do</strong> Pará que se coloniza ao São Francisco, cujo <strong>do</strong>rso se d<strong>obras</strong>obre a quilha <strong>do</strong> vapor, não é para glória <strong>do</strong> governo que a <strong>imprensa</strong>oposicionista se humilha, patrocinan<strong>do</strong> as exigências ilegítimas daambição e da frau<strong>de</strong>?Analise o espírito da imparcialida<strong>de</strong>, se, em outras eras, dias antes <strong>de</strong>pleitos eleitorais, o país se dava a feliz tranquilida<strong>de</strong> em que retemperasuas forças e exulta, caminheiro robusteci<strong>do</strong> na fé <strong>de</strong> um venturosofuturo!Pelo que ocorre, aqui na corte, on<strong>de</strong> mais varia<strong>do</strong>s são os interesses,on<strong>de</strong> maior é o número <strong>do</strong>s lida<strong>do</strong>res, avalia-se o procedimento acerta<strong>do</strong>e exemplar <strong>do</strong> governo, não autorizan<strong>do</strong> uma queixa, não dan<strong>do</strong> lugarao menor <strong>de</strong>scontentamento! A mo<strong>de</strong>ração, a tolerância, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>concórdia, eis incontestavelmente o pensamento <strong>do</strong> sábio gabinete, cujaprudência, civismo e probida<strong>de</strong> correm incontroversas [sic].Muito há a esperar <strong>de</strong> tão feliz situação, pois que na próxima reunião<strong>do</strong> Parlamento tu<strong>do</strong> o governo envidará para que se realizem as sábiasreformas, que tem em vista, quer sobre a Guarda Nacional, quer sobre oprocesso eleitoral etc.A própria oposição reconhece que, em finanças, muito vamosmelhoran<strong>do</strong> e que isto é tu<strong>do</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que são atendi<strong>do</strong>s, além <strong>de</strong> to<strong>do</strong>sos serviços ordiná<strong>rio</strong>s, gran<strong>de</strong>s projetos, procuran<strong>do</strong>-se pela telegrafia epelas locomotivas pren<strong>de</strong>r os centros comerciais e vincular as províncias.Neste harmônico concerto <strong>de</strong> sucessos felizes, registra<strong>do</strong>s pelaprópria <strong>imprensa</strong> oposicionista, <strong>de</strong>scobre-se a mão tutelar <strong>do</strong> governo, naconfiança, que inspira, nas a<strong>de</strong>sões, que conquista, nos melhoramentos,que promove e <strong>de</strong>rrama.Sobranceiro à grita das facções, que não dizem ao que vão e <strong>de</strong>on<strong>de</strong> vêm, grato é confessar que o gabinete tem sabi<strong>do</strong> <strong>de</strong>sarmá-las,pela prudência e pelo judicioso <strong>de</strong> seus atos; é ao que se <strong>de</strong>ve atribuir osilêncio <strong>de</strong> seus órgãos em to<strong>do</strong>s os pontos <strong>de</strong> política interna. No queconcerne à política exte<strong>rio</strong>r, não é menos patriótica a linha <strong>de</strong> conduta<strong>do</strong> ministé<strong>rio</strong>, que na questão argentina sairá <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> invejável.Concluamos congratulan<strong>do</strong>-nos com o país: o melhoramento <strong>de</strong>nossas finanças, o <strong>de</strong>rramamento da educação pública, a realização <strong>de</strong>gran<strong>de</strong>s vias <strong>de</strong> comunicação, a prosperida<strong>de</strong> das artes e <strong>do</strong>s ofícios,o amor das letras e a colonização, assuntos que ocupam o po<strong>de</strong>r, que65


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOsão auxilia<strong>do</strong>s pela iniciativa particular e que nos auguram uma era <strong>de</strong>bem-estar e <strong>de</strong> engran<strong>de</strong>cimento; guia-nos a boa estrela que patrocinaos <strong>de</strong>stinos <strong>de</strong>ste abençoa<strong>do</strong> solo. As instituições firmam o futuro <strong>do</strong>spovos, e as temos libérrimas e felizes.12) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano I, número 21, sexta-feira, 26 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1872A naçãoNo nosso artigo ante<strong>rio</strong>r, <strong>de</strong>monstramos até a evidência <strong>de</strong> que osepítetos <strong>de</strong> povo inculto, bárbaro e traficante <strong>de</strong> carne humana, quepor alguns <strong>do</strong>s membros <strong>do</strong> Reichstag nos foram dirigi<strong>do</strong>s, só provam aignorância e a <strong>de</strong>senvoltura <strong>de</strong> linguagem <strong>de</strong> quem os proferiu.Não há dúvida <strong>de</strong> que pagamos bom tributo à inexperiência, emnossos primeiros ensaios <strong>de</strong> colonização; estes ressentiram-se <strong>do</strong>sefeitos que acompanham to<strong>do</strong>s os novicia<strong>do</strong>s, mas, ensina<strong>do</strong>s à nossaprópria custa, tratamos logo <strong>de</strong> remediar o mal, evitan<strong>do</strong> nossos erros efrustran<strong>do</strong> a especulação europeia.Os primeiros tentâmens <strong>de</strong> introduzir trabalha<strong>do</strong>res livres noImpé<strong>rio</strong> não correspon<strong>de</strong>ram aos sacrifícios pecuniá<strong>rio</strong>s feitos paratal fim. A <strong>de</strong>spesa realizada com esse exercício elevou-se, em poucosanos, à enorme quantia <strong>de</strong> 12 mil contos <strong>de</strong> réis (₤1.200,000) e não foicompensada como se esperava que o fosse.Duas, a nosso ver, foram as causas que contribuíram para esse mauresulta<strong>do</strong>: a má escolha <strong>de</strong> emigrantes que nos eram envia<strong>do</strong>s da Europae a escolha <strong>do</strong>s lugares para o seu estabelecimento.O fato <strong>de</strong> serem encarrega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> agenciar emigrantes na Europaindivíduos sobre os quais não pesava responsabilida<strong>de</strong> alguma e queauferiam uma remuneração pecuniária proporcional ao número <strong>de</strong>emigrantes que engajavam, <strong>de</strong>u origem ao primeiro inconveniente queapontamos. Pouco zelosos na escolha, esses comissá<strong>rio</strong>s não atendiamàs qualida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s indivíduos, só tinham em vista a quantida<strong>de</strong>, e daíproveio a remessa <strong>de</strong> centenas <strong>de</strong> imigrantes sem aptidão alguma para a66


ARTIGOS DE IMPRENSAlavoura e <strong>de</strong>, envolta com eles, indivíduos sem profissão alguma, <strong>de</strong>ssesque pululam nas tavernas e nas esquinas das ruas.No entanto, vê-se que os bons e os que foram bem coloca<strong>do</strong>sprosperaram, chegan<strong>do</strong> a ser abasta<strong>do</strong>s proprietá<strong>rio</strong>s. É disto uma provaa florescente colônia <strong>de</strong> São Leopol<strong>do</strong>, que, estabelecida à margem <strong>do</strong><strong>rio</strong> <strong>do</strong>s Sinos na província <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, tornou-se <strong>de</strong>ntro empouco tempo o celeiro da província e é hoje uma importante povoaçãocom cerca <strong>de</strong> 20 mil almas, manten<strong>do</strong> uma linha <strong>de</strong> navegação a vapordiária com a capital da província.Outro exemplo é a colônia Blumenau, na província <strong>de</strong> SantaCatarina, que conta em seu seio 6.329 almas e que, no ano último, <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> abastecer o consumo local, exportou s<strong>obras</strong> no valor <strong>de</strong> 132 contos<strong>de</strong> réis (₤132,000).A circunstância <strong>de</strong> estabelecerem-se alguns núcleos coloniais empontos distantes <strong>do</strong>s centros comerciais e priva<strong>do</strong>s <strong>de</strong> fáceis vias <strong>de</strong>comunicação prejudicou o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ssas colônias e gerougran<strong>de</strong>s queixas.Essa circunstância, porém, não autoriza a asserção <strong>de</strong> que os colonosentre nós são estabeleci<strong>do</strong>s em lugares insalubres, on<strong>de</strong> sucumbem,vítimas das moléstias que infestam essas paragens.Corramos a <strong>do</strong>cumentos oficiais, e eles darão prova <strong>do</strong> contrá<strong>rio</strong>.Na colônia Blumenau existiam, no ano <strong>de</strong> 1871, segun<strong>do</strong> relató<strong>rio</strong> <strong>do</strong>Ministé<strong>rio</strong> da Agricultura, 6.329 almas. No <strong>de</strong>curso <strong>de</strong>sse ano, faleceram50 indivíduos, o que dá uma mortalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 0,8%. Na colônia <strong>de</strong> <strong>do</strong>naFrancisca, estabelecida na mesma província, entre uma população <strong>de</strong>6.671 indivíduos, ocorreram, no <strong>de</strong>curso <strong>do</strong> mesmo ano, 88 falecimentos,número que dá uma porcentagem <strong>de</strong> 1,3%. Na colônia <strong>do</strong> Rio Novo,estabelecida na província <strong>do</strong> Espírito Santo, faleceram 13 indivíduos nocorrer <strong>do</strong> mesmo ano, e sua população é <strong>de</strong> 958 almas, o que dá o mesmoresulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1,3%. Poucas estatísticas mortuárias po<strong>de</strong>m oferecer tãolisonjeiros algarismos.Vejamos agora se é mais fundada a asserção <strong>de</strong> que no Brasilestão os colonos em piores condições <strong>do</strong> que os negros e os coolies.Já <strong>de</strong>monstramos e provamos que não éramos um povo semibárbaro,como nos pintaram alguns exalta<strong>do</strong>s membros <strong>do</strong> Parlamentoalemão, completamente <strong>de</strong>sconhece<strong>do</strong>res <strong>de</strong> nossas leis e costumes.Expliquemos-lhes, em seguida, o regímen [sic] <strong>de</strong> nossas colônias:67


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOAs colônias no Brasil acham-se sob a proteção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, masvivem inteiramente sobre si. De três em três anos, elegem seis membros,que, com o médico da colônia, sob a presidência <strong>do</strong> diretor, formam umaespécie <strong>de</strong> conselho, ao qual incumbe velar nos interesses particularesda colônia, como sejam construção e reparos <strong>do</strong>s edifícios <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s aoculto e ao ensino, abertura <strong>de</strong> estradas e caminhos coloniais, socorrose adiantamento <strong>de</strong> dinheiro aos colonos necessita<strong>do</strong>s, aquisição edistribuição <strong>de</strong> animais <strong>de</strong> boas raças, e <strong>de</strong> plantas e sementes.Já se vê que <strong>de</strong> colonos, que se governam por si e por tal forma, nãose po<strong>de</strong> dizer que são trata<strong>do</strong>s em piores condições <strong>do</strong> que os negros eos coolies.Voltan<strong>do</strong> às consi<strong>de</strong>rações com que encetamos este artigo, <strong>de</strong>vemosconsignar aqui que o governo, reconhecen<strong>do</strong> a ineficácia <strong>do</strong>s meiosemprega<strong>do</strong>s para obter trabalha<strong>do</strong>res livres, tratou <strong>de</strong> substituí-los poroutros, que nos parecem mais acerta<strong>do</strong>s.Nas regras que estabeleceu para a colonização, entre vá<strong>rio</strong>s favores,conce<strong>de</strong>u aos colonos os seguintes: o pagamento, por conta <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,em favor <strong>do</strong> emigrante, da diferença entre os preços das passagensda Europa para os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e os das passagens da Europa paraos portos <strong>do</strong> Brasil, autorizan<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo os agentes consulares <strong>de</strong>Hamburgo, Bremen, Antuérpia e Havre a satisfazer a importância <strong>de</strong>ssadiferença; uma hospedaria na capital <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>, on<strong>de</strong> os imigrantessão aloja<strong>do</strong>s e alimenta<strong>do</strong>s logo que chegam a este porto; uma agênciaoficial <strong>de</strong> colonização, da qual os emigrantes po<strong>de</strong>m obter os necessá<strong>rio</strong>sesclarecimentos para se dirigir aos pontos que preferirem; passagemgratuita <strong>de</strong>sta corte até a província ou localida<strong>de</strong> que os colonosescolherem para estabelecerem-se como agricultores, compran<strong>do</strong> terras;medição e <strong>de</strong>marcação das terras que são preferidas pelo imigrante,vendidas ao preço <strong>de</strong> um real por braça quadrada (4,356 m 2 ), incluin<strong>do</strong>nesse preço as <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> medição e <strong>de</strong>marcação <strong>do</strong>s lotes; e, aos quenão pu<strong>de</strong>rem satisfazer o pagamento das terras à vista, concessão <strong>do</strong>prazo <strong>de</strong> cinco anos, com o juro <strong>de</strong> 6% ao ano.Além das concessões mencionadas, tem o governo esforça<strong>do</strong>seconstantemente em melhorar a condição <strong>do</strong>s colonos, tanto no querespeita à administração colonial e a seus melhoramentos materiaisquanto no que diz respeito aos socorros espirituais, à educação primáriae à religiosa, respeitan<strong>do</strong> invariavelmente a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consciência68


ARTIGOS DE IMPRENSA<strong>do</strong>s colonos. Não consta que em alguma outra parte melhores condiçõessejam oferecidas aos emigrantes.Por longo tempo, ressentiu-se a colonização protestante da necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> uma legislação que regulasse os efeitos <strong>do</strong> casamento entre católicos eacatólicos; porém, a Lei n o 1.144, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1861, e o Regulamenton o 3.069, <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1863, colocaram aqueles casamentos mistos nomesmo nível <strong>do</strong>s católicos, em relação a seus efeitos civis.A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento à colonizaçãolevou o governo a celebrar, para esse fim, contratos com empresá<strong>rio</strong>s;nesses contratos, se concedia subvenção <strong>de</strong> 60$ (£6), para coadjuvar apassagem <strong>de</strong> cada indivíduo maior <strong>de</strong> 14 anos, e auxílio <strong>de</strong> 90$ (£9),para as <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> estabelecimento. Pelos menores <strong>de</strong> 14 anos se abonameta<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas quantias.Não há em tais contratos condição alguma que obrigue os emigrantesa engajarem-se como simples trabalha<strong>do</strong>res ou como proprietá<strong>rio</strong>s. Aescolha da ocupação é <strong>de</strong> sua livre-vonta<strong>de</strong>. Nem os mesmos contratosobstam a que venham para o Brasil espontaneamente emigrantes quedisponham <strong>de</strong> recursos próp<strong>rio</strong>s. Ainda nestas condições não <strong>de</strong>ixarão<strong>de</strong> receber a subvenção correspon<strong>de</strong>nte.Longe <strong>de</strong> repelir imigrantes <strong>de</strong>sta or<strong>de</strong>m, o Esta<strong>do</strong> tem, pelocontrá<strong>rio</strong>, o maior interesse em recebê-los, para aumentar a classe <strong>do</strong>spequenos proprietá<strong>rio</strong>s in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes.Conhecidas as bases sobre as quais se apoia a colonização noBrasil, por que insiste o governo alemão em manter a circular <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong>novembro? Opõe-se a opinião pública a que os emigrantes assumamobrigações que <strong>de</strong>vem ser cumpridas em países que não conhecem,quan<strong>do</strong> as contraem?Pois bem, se a petição <strong>do</strong>s alemães resi<strong>de</strong>ntes no sul <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>não fala bem alto em favor da colonização brasileira, que venham osemigrantes diretamente estabelecerem-se como julgarem mais útil aseus interesses; ou, se vierem por meio <strong>de</strong> empresá<strong>rio</strong>s, exijam <strong>de</strong>steso fiel cumprimento das obrigações que contraíram com o governo. Oshomens ativos e probos acham sempre no Brasil meios <strong>de</strong> exercer assuas faculda<strong>de</strong>s. Entre nós avulta trabalho e faltam trabalha<strong>do</strong>res.Não suponha a velha Alemanha que sejamos tão <strong>de</strong>scuida<strong>do</strong>s<strong>do</strong>s nossos próp<strong>rio</strong>s interesses, que não conheçamos que estão elesestreitamente liga<strong>do</strong>s com o progresso da colonização.69


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO13) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano I, número 24, terça-feira, 30 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1872A naçãoEntre as graves e injustas imputações a que nos fizeram carga algunsmembros <strong>do</strong> Parlamento alemão, figura a <strong>de</strong> que colonos engaja<strong>do</strong>s parao Brasil pelo sistema da parceria, apenas chega<strong>do</strong>s ao ponto <strong>de</strong> seu<strong>de</strong>stino, sofreram amarga <strong>de</strong>cepção.Esta acusação é tão infundada quanto as outras. Ten<strong>do</strong>-se reconheci<strong>do</strong>que os primeiros ensaios <strong>de</strong> colonização não correspondiam à expectativa<strong>do</strong> público, <strong>do</strong> que não fez o governo misté<strong>rio</strong>, confessan<strong>do</strong>-o até pormais <strong>de</strong> uma vez em pleno Parlamento, o sena<strong>do</strong>r Vergueiro tentouinaugurar na província <strong>de</strong> São Paulo o sistema <strong>de</strong> colonização direta,por meio <strong>de</strong> contratos <strong>de</strong> parceria.Em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses contratos, o colono, chega<strong>do</strong> ao termo <strong>de</strong> suaviagem, achava, em uma fazenda já produtora, casa, alimento, trabalhoe o direito à meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> produto líqui<strong>do</strong> <strong>do</strong>s frutos que colhesse.Como podia, pois, este sistema motivar queixas <strong>de</strong> tal or<strong>de</strong>m,que <strong>de</strong>terminassem o governo prussiano a expedir a circular <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong>novembro <strong>de</strong> 1859?Não se po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> pôr em dúvida a honra<strong>de</strong>z <strong>do</strong>s fazen<strong>de</strong>iros <strong>de</strong>São Paulo, que haviam celebra<strong>do</strong> contratos <strong>de</strong>ssa natureza comemigrantes alemães, só há uma hipótese para tais queixas: ou que malse acomodassem os colonos com os nossos hábitos e costumes ou queem seu espírito nascesse infundada <strong>de</strong>sconfiança sobre a exatidão e averacida<strong>de</strong> das contas que lhes eram feitas.Admitida a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta última hipótese. Não é menos certo que,estabelecida confiança, cessaram as queixas <strong>do</strong>s colonos da província <strong>de</strong> SãoPaulo, on<strong>de</strong> se tem <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>, vantajosamente, o sistema <strong>de</strong> parceira eque é lisonjeira a condição <strong>de</strong> quase to<strong>do</strong>s os alemães que o a<strong>do</strong>taram, comomelhor se po<strong>de</strong> ver no minucioso relató<strong>rio</strong> <strong>do</strong> <strong>do</strong>utor Carvalho Morais,encarrega<strong>do</strong> pelo governo <strong>de</strong> visitar as colônias <strong>de</strong>ssa província.Idêntico resulta<strong>do</strong> têm obti<strong>do</strong>, na província das Alagoas, os emigrantescontrata<strong>do</strong>s pelo sena<strong>do</strong>r Cansansão <strong>de</strong> Sinimbu como parceiros.70


ARTIGOS DE IMPRENSAO que, pois, po<strong>de</strong>ria originar as já mencionadas queixas, quan<strong>do</strong> talsistema estava em embrião? Talvez fosse esse sistema o mais vantajosopara o Esta<strong>do</strong>; entretanto, se o governo tem lança<strong>do</strong> mão <strong>de</strong> contratoscom empresá<strong>rio</strong>s, é no intuito <strong>de</strong> facilitar aos colonos necessita<strong>do</strong>s, além<strong>do</strong>s favores concedi<strong>do</strong>s pelo Esta<strong>do</strong>, os adiantamentos necessá<strong>rio</strong>s atéque possam viver <strong>do</strong> seu trabalho.Os contratos ultimamente celebra<strong>do</strong>s pelo governo conce<strong>de</strong>m, comojá <strong>de</strong>monstramos, suficientes subvenções e outros favores que <strong>de</strong>vemreverter em benefício aos emigrantes, quer estes venham como simplestrabalha<strong>do</strong>res, mediante salá<strong>rio</strong>, quer como proprietá<strong>rio</strong>s. A sua posição<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>do</strong>s ajustes que fizerem com os empresá<strong>rio</strong>s. O governo limitasea exigir a prova <strong>de</strong> sua aptidão e moralida<strong>de</strong>.Para melhor assegurar os interesses <strong>do</strong>s emigrantes, exige o governoque em seus contratos com os empresá<strong>rio</strong>s sejam <strong>de</strong>clara<strong>do</strong>s quaisfavores e subvenções o governo conce<strong>de</strong> aos emigrantes.Há, na forma ultimamente a<strong>do</strong>tada nos contratos, uma inovação radicalsobre o antigo sistema <strong>de</strong> colonização, mas toda no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> garantiraos emigrantes os favores que lhes são concedi<strong>do</strong>s. Só a pouca atenção àsimportantes modificações que existem entre os antigos e novos contratospo<strong>de</strong>ria equipará-los e levantar na Alemanha a celeuma que combatemos.Não é esta a primeira vez que, em razão da falta <strong>de</strong> conhecimentosexatos e completos, se originam apreciações errôneas, o queespecialmente se verifica quan<strong>do</strong> se tratam <strong>de</strong> fatos passa<strong>do</strong>s em paíseslongínquos e cujas circunstâncias são, pela mor parte, <strong>de</strong>sconhecidas.Se à opinião pública e ao governo alemão repugna a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> secontratarem os emigrantes antes <strong>de</strong> saírem <strong>de</strong> sua terra natal, há noscontratos celebra<strong>do</strong>s pelo governo <strong>do</strong> Brasil o meio <strong>de</strong> sanar essarelutância, pois é permiti<strong>do</strong> ao emigrante romper qualquer ajuste,mediante aviso prévio <strong>de</strong> três meses.Ao Brasil é preferível que o emigrante venha <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo estabelecersesobre si; para o emigrante, porém, o interesse é diverso.Quer o emigrante venha como engaja<strong>do</strong>, quer como proprietá<strong>rio</strong>,não po<strong>de</strong> prescindir <strong>de</strong> algum tirocínio da lavoura especial <strong>do</strong> país nem<strong>de</strong> conhecer as variações da atmosfera, para reger-se. Durante o temponecessá<strong>rio</strong> para adquirir estes conhecimentos, embora muito simples,o engaja<strong>do</strong> vencerá o salá<strong>rio</strong> convenciona<strong>do</strong>, mas o proprietá<strong>rio</strong> teráimpe<strong>rio</strong>samente <strong>de</strong> ocorrer a todas as suas <strong>de</strong>spesas, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>71


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOassumir o governo outra obrigação, além <strong>do</strong>s favores <strong>de</strong> que já fizemosmenção e da proteção que as leis <strong>do</strong> país garantem ao estrangeiro.Do que levamos dito, se infere que as calúnias, ecoadas noParlamento alemão, nos foram lançadas leviana e impru<strong>de</strong>ntemente,e que as apreensões que os novos contratos celebra<strong>do</strong>s suscitaram naAlemanha não têm razão <strong>de</strong> ser.Não terminaremos sem lavrar solene protesto sobre assunto que sepren<strong>de</strong> a este objeto. Preten<strong>de</strong> o governo germânico fazer <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r arevogação da circular <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> novembro da celebração <strong>de</strong> uma convençãoconsular. A revogação <strong>de</strong> um ato que <strong>de</strong>saira o Brasil em troca <strong>de</strong> um ajusteinternacional sobre assunto diverso e que <strong>de</strong>ve ser voluntá<strong>rio</strong> e regi<strong>do</strong> porbem-entendida reciprocida<strong>de</strong> seria uma exigência inadmissível.Tal não po<strong>de</strong> ser o pensamento <strong>do</strong> governo germânico. O direito,as conveniências, as práticas seguidas entre governos amigos excluemabsolutamente semelhante suposição.A circular <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> novembro e o projeto <strong>de</strong> uma convenção consularsão atos completamente diversos, sem conexão alguma, e que <strong>de</strong>vem sertrata<strong>do</strong>s in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente um <strong>do</strong> outro.O governo brasileiro já aten<strong>de</strong>u tanto às representações daConfe<strong>de</strong>ração <strong>do</strong> Norte quanto à Convenção Consular; se os ajustesfeitos no Rio <strong>de</strong> Janeiro a este respeito não foram aceitos pelo gabinete<strong>de</strong> Berlim, nada obsta a que se reatem as negociações até chegar-se a umacor<strong>do</strong> que satisfaça a ambas as partes contratantes. No entanto, repugnaà razão, à justiça e ao respeito que cada governo <strong>de</strong>ve a si próp<strong>rio</strong> e ànação que representa que o Brasil aceite como condição sine qua non darevogação da circular <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> novembro a imposição <strong>de</strong> uma ConvençãoConsular, na qual sejam atendidas as exigências da Alemanha, semconsi<strong>de</strong>rar igualmente as conveniências <strong>do</strong> Brasil.14) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano I, número 47, terça-feira, 27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1872O viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco ainda não pediu exoneração! Eis o fatoterrível, que punge e dilacera o clube <strong>de</strong> A Reforma. Eis o constante72


ARTIGOS DE IMPRENSApesa<strong>de</strong>lo <strong>do</strong>s liberais, cegos a ponto <strong>de</strong> não verem que uma alteração oumudança <strong>de</strong> gabinete em nada lhes aproveitará.Nutrisse a folha <strong>de</strong>mocrática bons <strong>de</strong>sejos pela felicida<strong>de</strong> pública eoutra seria sua linguagem, pois, em verda<strong>de</strong>, em zelo, pat<strong>rio</strong>tismo, fé <strong>de</strong>alma e força <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> nenhum ministé<strong>rio</strong> levou sobranceira ao atual. Noentanto, não é isso que convém a adversá<strong>rio</strong>s <strong>de</strong>speita<strong>do</strong>s e exigentes, aopasso que <strong>de</strong>scem aos maiores insultos, mendigam favores e...Uma vez que o veneran<strong>do</strong> senhor viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco não sepresta a transações ilícitas e que nada o faz mudar <strong>do</strong> rumo que tem sempresegui<strong>do</strong>, é natural que se torne o alvo preferi<strong>do</strong> para to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>estosmotiva<strong>do</strong>s pelos interesses contraria<strong>do</strong>s e pelas paixões em ebulição.Ambiciosos vulgares, políticos sem i<strong>de</strong>ias, homens sem crenças,os escritores <strong>do</strong> órgão liberal trabalham por sua própria ruína,<strong>de</strong>sconceituan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> mais em mais, se é possível <strong>de</strong>scer ainda além <strong>do</strong>nível em que já está A Reforma.O país não vive adstrito às conveniências <strong>do</strong>s grupos, em prejuízo <strong>do</strong>sgran<strong>de</strong>s interesses sociais: juízos temerá<strong>rio</strong>s, invectivas constantes e umaeterna jeremiada <strong>de</strong> imprecisões banais não po<strong>de</strong>m constituir as regras pelasquais <strong>de</strong>vem guiar-se povos bem-intenciona<strong>do</strong>s e <strong>de</strong>sejosos <strong>de</strong> progredir.Foi em repto formal e com a mais imponente sobranceira eesmaga<strong>do</strong>ra isenção que o preclaro senhor viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco,chamou, a 21 <strong>de</strong> maio, a dissidência ao <strong>de</strong>bate, para que fossem exibi<strong>do</strong>sos seus erros. A calúnia mor<strong>de</strong>u os lábios e permaneceu silenciosa.Igualmente na <strong>imprensa</strong>, mil vez temos pedi<strong>do</strong> que seja produzi<strong>do</strong>o libelo contra a atualida<strong>de</strong>, e por única resposta só nos atiram baldões eimpropé<strong>rio</strong>s, que bastam para caracterizar a oposição.Temos i<strong>do</strong> muito além. Tornan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os ministros solidá<strong>rio</strong>s,pedimos um só feito que possa <strong>de</strong>slustrar o gabinete, quer encara<strong>do</strong>s osnegócios sob o aspecto da probida<strong>de</strong> governamental, quer mesmo pelola<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>de</strong>sacerto administrativo.É da força, <strong>do</strong> prestígio e da elevação <strong>do</strong> ministé<strong>rio</strong> que retira AReforma suas <strong>do</strong>res e queixas, pois lhe vai mágoa funda no conceitocom que são venera<strong>do</strong>s os atuais ministros.Maquinaram-se to<strong>do</strong>s os embaraços possíveis, as maioresdificulda<strong>de</strong>s, no intento <strong>de</strong> interromper o itinerá<strong>rio</strong> vasto e luminoso <strong>do</strong>governo. Venci<strong>do</strong>s os obstáculos, reconhecem ainda uma vez os liberaisa sua impopularida<strong>de</strong> e a falta <strong>de</strong> estima, e querem agora os <strong>de</strong>salentos73


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOganhar forças para mais ousa<strong>do</strong>s tentâmens.Incomoda<strong>do</strong>s com a realida<strong>de</strong>, certos <strong>de</strong> que virá uma Câmaraque auxiliará o governo nas <strong>de</strong>sejadas reformas, antecipam-se em<strong>de</strong>sconceituá-la, dan<strong>do</strong>-a como o ponto da frau<strong>de</strong> e da intervençãoindébita da autorida<strong>de</strong>.É em tal intuito que o órgão <strong>de</strong>mocrático to<strong>do</strong>s os dias inventacompressões e forja notícias <strong>de</strong> urnas violadas e outras falsas increpaçõesque acham a repulsa pública só no fato <strong>de</strong> sua simples enunciação.Ao constar já com a facilida<strong>de</strong> com que o gabinete se completará <strong>de</strong>pois<strong>do</strong> infausto acontecimento que ontem enlutou o país, A Reforma <strong>de</strong>sespera,porque nas trevas <strong>do</strong> seu <strong>de</strong>sconforto penetra sempre a esperança que a levaa especular, ainda mesmo com um túmulo que se abre.Não duvi<strong>de</strong>m os liberais <strong>de</strong> que o nobre viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Brancoencontre <strong>de</strong> pronto um nobre caráter, que seja digno <strong>de</strong> substituir ovenera<strong>do</strong> viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Itaúna: o Parti<strong>do</strong> Conserva<strong>do</strong>r é opulento <strong>de</strong> nomesprestigiosos, e um só não recusará partilhar a fadigosa, mas grata jornada<strong>de</strong> uma situação que <strong>de</strong> mais em mais se firma no reconhecimento nacional.O pleito eleitoral, longe <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar a retirada <strong>do</strong> ministé<strong>rio</strong>,autoriza sua continuação que a vitória tem por toda a parte coroa<strong>do</strong>os amigos <strong>do</strong> governo, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> as exceções constituir regra,principalmente em fatos <strong>de</strong> soberania nacional.Resigne-se pois o órgão <strong>de</strong>mocrático: se <strong>de</strong>salenta-o a continuação<strong>do</strong> venera<strong>do</strong> viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco na presidência <strong>do</strong> Conselho, longoserá o seu sofrimento, pois honra<strong>do</strong> com a confiança da coroa e com aestima <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os homens honestos, tão eminente cidadão não <strong>de</strong>ixaráseu glo<strong>rio</strong>so posto.15) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano I, número 52, segunda-feira, 2 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1872Espírito <strong>de</strong> subversãoQuan<strong>do</strong> a reflexão nos leva a consi<strong>de</strong>rar os atos <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> [Liberal]nas diversas quadras por que temos passa<strong>do</strong>, mostra-nos sempre, nos74


ARTIGOS DE IMPRENSAhomens <strong>de</strong>sse parti<strong>do</strong>, tendências <strong>de</strong>sorganiza<strong>do</strong>ras, o verda<strong>de</strong>iroespírito <strong>de</strong> subversão.Quer no po<strong>de</strong>r, quer fora <strong>de</strong>le, não têm os nossos adversá<strong>rio</strong>s outramissão senão o transtorno <strong>de</strong> todas as normas regulares <strong>de</strong> governo.Nos dias <strong>do</strong> seu último <strong>do</strong>mínio, violaram com <strong>de</strong>sabrimento eescândalo as leis <strong>do</strong> país, ferin<strong>do</strong>-as em pontos capitais, já pela nulificaçãodas regras legais, já pela intimidação aos magistra<strong>do</strong>s, executores <strong>de</strong>las.Assim, por ocasião da crise financeira <strong>de</strong> 1868, um ministé<strong>rio</strong> liberalsuspen<strong>de</strong>u a execução das leis comerciais, impedin<strong>do</strong>, por arbitrá<strong>rio</strong>ao <strong>de</strong>creto, a aplicação das disposições <strong>do</strong> Código <strong>do</strong> Comércio sobreas falências mercantis, com a agravação <strong>do</strong>s males que inculcavampreten<strong>de</strong>r remediar ou remover.Assim, sob o pretexto <strong>de</strong> combater a corrupção, um ministroliberal arrancou da ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> juízes a vá<strong>rio</strong>s magistra<strong>do</strong>s <strong>de</strong> tribunaissupe<strong>rio</strong>res, alegan<strong>do</strong> serem corrompi<strong>do</strong>s esses magistra<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong>tão somente ficou provada a culpa <strong>do</strong> ministro, que tentou corrompera alguns <strong>de</strong>sses magistra<strong>do</strong>s, escreven<strong>do</strong>-lhes cartas em favor <strong>de</strong> parteslitigantes perante eles.Leis que o Po<strong>de</strong>r Legislativo competia alterar, suspen<strong>de</strong>r ou revogarnão tiveram vigor; magistra<strong>do</strong>s, que por sentença judicial po<strong>de</strong>riamper<strong>de</strong>r os seus lugares, foram <strong>de</strong>spoja<strong>do</strong>s <strong>de</strong> suas atribuições. Tu<strong>do</strong> porsimples ato <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Executivo, referenda<strong>do</strong> por ministros liberais,esses mesmos pat<strong>rio</strong>tas que hoje clamam pela execução das leis e pelorespeito aos alheios direitos.Homens que tais atos praticaram <strong>de</strong>veriam cobrir o rosto e,envergonha<strong>do</strong>s, fugir da presença <strong>do</strong> povo, que os conhece e os fulminacom reprovação, como o vai pratican<strong>do</strong>, <strong>de</strong>rrotan<strong>do</strong>-os no pleito ante asurnas.Sim, não há um chefe liberal que, ten<strong>do</strong> esta<strong>do</strong> no po<strong>de</strong>r, nãohaja perpetra<strong>do</strong> uma violência contra os direitos <strong>do</strong> cidadão, não hajaperverti<strong>do</strong> as nossas instituições, não nos haja causa<strong>do</strong> males supremos.Quem levantou a Guerra <strong>do</strong> Paraguai? Quem não a soube concluircom dignida<strong>de</strong> e vantagem <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>? Quem, por erros in<strong>de</strong>sculpáveis,abateu o nosso crédito financeiro? O país sabe <strong>de</strong> cor o nome <strong>do</strong>s autores<strong>de</strong> todas essas calamida<strong>de</strong>s; ele sabe que eles chamam-se Zacarias <strong>de</strong>Góis, Francisco Otaviano, Cansansão <strong>de</strong> Sinimbu e outros, que noclube <strong>de</strong> A Reforma apregoam-se como zelosos <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> direitos75


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO<strong>de</strong> que eles escarnecem, mas que só aparentam sustentar para, <strong>de</strong>pois,menosprezar.O povo vê o contraste <strong>de</strong> outros nomes, os quais, pru<strong>de</strong>ntes nosconselhos, hão sempre salva<strong>do</strong> o país nas crises provocadas pelosministros liberais. São ministros conserva<strong>do</strong>res, são os viscon<strong>de</strong>s <strong>de</strong>Itaboraí e Rio Branco, aqueles que, encontran<strong>do</strong> uma guerra sangrenta,o nosso Tesouro sem ceitil e o nosso crédito financial sem confiança,souberam terminar honrosamente essa guerra, dar recursos aos nossoscofres e restabelecer o nosso crédito.O povo viu que, em 1868, vós entregastes o Brasil em luta externa,quase <strong>de</strong>salenta<strong>do</strong>; agora, o povo o vê glo<strong>rio</strong>so e cheio <strong>de</strong> b<strong>rio</strong> pelaconquista <strong>do</strong>s seus foros <strong>de</strong> nação. O povo viu que, em 1868, entregasteso Brasil com as arcas vazias e sobrecarrega<strong>do</strong> <strong>de</strong> impostos; agora, o povovê essas mesmas arcas repletas e o comércio <strong>de</strong>safoga<strong>do</strong> e próspero. Opovo viu que, em 1868, entregastes o Brasil <strong>de</strong>sfavoreci<strong>do</strong> <strong>de</strong> crédito noexte<strong>rio</strong>r, no qual o câmbio havia <strong>de</strong>sci<strong>do</strong> a menos <strong>de</strong> 14; hoje, o povo vêque o nosso crédito é florescente, que esse câmbio <strong>de</strong>caí<strong>do</strong> já ascen<strong>de</strong> a25 e que progri<strong>de</strong> com vantagem incontestável <strong>do</strong> nosso país.Se a missão <strong>do</strong> liberalismo nesta nossa terra é confundir todas asboas regras, se o Parti<strong>do</strong> Liberal entre nós é sempre esse subvertorlegum * , <strong>de</strong> que tão acremente se queixava o enérgico e conciso censor<strong>do</strong>s maus governos, Cornélio Tácito, siga ele o seu faro. No entanto,apontemos por hoje mais uma das suas perniciosas tendências, mais um<strong>do</strong>s seus malfeitos.A disciplina militar é objeto <strong>de</strong> suma transcendência; a honra e ob<strong>rio</strong> <strong>do</strong> militar o forçam a nunca <strong>de</strong>sviar a si e aos seus subalternos<strong>do</strong> cumprimento <strong>do</strong>s seus <strong>de</strong>veres. No entanto, acabamos <strong>de</strong> ver comona presente quadra eleitoral proce<strong>de</strong>ram <strong>do</strong>is militares <strong>de</strong> cre<strong>do</strong> liberal.Aqui na corte, é o briga<strong>de</strong>iro Pinheiro Guimarães quem se apresenta emfrente <strong>de</strong> uma guarda ou escola militar e quem arenga aos solda<strong>do</strong>s paranão cumprir as or<strong>de</strong>ns da autorida<strong>de</strong> civil, à cuja disposição se achava.Este fato, confessa<strong>do</strong> pelo seu autor em correspondência publicadapela <strong>imprensa</strong>, é altamente censurável. Se o solda<strong>do</strong> vê o oficial <strong>de</strong>alta graduação levantar-se contra o preceito da autorida<strong>de</strong> civil, aquem os regulamentos militares ensinam a obe<strong>de</strong>cer, que i<strong>de</strong>ia ficará*Subversor das leis. (N. E.)76


ARTIGOS DE IMPRENSAfazen<strong>do</strong> da obediência imposta como preceito invariável pela disposiçãoconstitucional (artigo 147)?Felizmente, os solda<strong>do</strong>s na matriz <strong>de</strong> São José <strong>de</strong>sta cortecompreen<strong>de</strong>ram melhor o seu <strong>de</strong>ver <strong>do</strong> que o <strong>de</strong>stemi<strong>do</strong> general dasli<strong>de</strong>s da paz. No Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, vimos outro militar liberal esqueceros seus <strong>de</strong>veres. É o viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pelotas, que, revesti<strong>do</strong> <strong>do</strong> cargo <strong>de</strong>inspetor geral das nossas forças ali existentes, intervém para com osseus subalternos, a fim <strong>de</strong> que cabalem nas eleições, preterida assim adisciplina militar.Há neste procedimento duplo abuso: da sua influência <strong>de</strong> generalsupe<strong>rio</strong>r sobre o ânimo <strong>do</strong>s seus subordina<strong>do</strong>s e <strong>do</strong> emprego conferi<strong>do</strong>pelo governo para o bom regime das tropas.Os <strong>do</strong>is generais cegam-se pela paixão partidária e olvidamimpe<strong>rio</strong>sos <strong>de</strong>veres impostos pela lei, pelo b<strong>rio</strong> e pelo pat<strong>rio</strong>tismo.A espada <strong>do</strong> militar não é <strong>do</strong> seu parti<strong>do</strong>: pertence sem reservas aopaís. Entretanto, ambos os generais, acima nomea<strong>do</strong>s, usaram dasprerrogativas da farda contra os interesses <strong>de</strong>sse mesmo país, que nãopô<strong>de</strong> preterir a disciplina militar.Se eles prestaram serviços que o Esta<strong>do</strong> já galar<strong>do</strong>ou com títuloshonoríficos, con<strong>de</strong>corações e avultadas pensões, não intentem escureceresses serviços, violan<strong>do</strong> as leis <strong>de</strong> uma pátria tão generosa.Enquanto o Parti<strong>do</strong> Liberal seguir erra<strong>do</strong> caminho, mostran<strong>do</strong>perniciosas tendências, iremos nós cumprin<strong>do</strong> o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> cidadãosamantes das instituições juradas: profligaremos o mal e <strong>de</strong>spertaremos aopinião para opor-lhe invencível barreira.16) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano I, número 53, terça-feira, 3 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1872A Reforma atou hoje a seu poste a pessoa <strong>do</strong> veneran<strong>do</strong> senhorviscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco, preten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> dilacerar-lhe a reputação comimputações notoriamente caluniosas, pois que é a vida <strong>de</strong> sua excelênciamuito conhecida para que possa ser posta em dúvida sua lealda<strong>de</strong>, suamo<strong>de</strong>ração e sua generosida<strong>de</strong>.77


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOEsquece o órgão <strong>de</strong>mocrático a larga série <strong>de</strong> violências praticadaspelos seus, não há muito tempo, levan<strong>do</strong> ao lar das famílias a misériae até mesmo a <strong>de</strong>sonra; quadros tão aflitivos, que não <strong>de</strong>veriam jamaisser memora<strong>do</strong>s, tenta-os agora reproduzir a folha adversa, atribuin<strong>do</strong>-oscom malignida<strong>de</strong> a uma situação cujo melhor esmalte, por certo, temsi<strong>do</strong> a tolerância, o respeito a todas as opiniões.Esgrimin<strong>do</strong> o insulto, conculcan<strong>do</strong> o alto mérito <strong>de</strong> seus adversá<strong>rio</strong>s,atos pelos quais A Reforma tem sempre procura<strong>do</strong> engran<strong>de</strong>cer-se, pornão po<strong>de</strong>r se elevar até a altura <strong>de</strong> suas vítimas, trabalha por arrastá-lasaté o baixo nível <strong>de</strong> suas inconfessáveis paixões.No <strong>do</strong>mínio ligueiro, ninguém estava seguro, e a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>consciência era o mais atroz <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>litos, pois o governo entendiaque a a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s que recebiam retribuições <strong>do</strong>s cofres públicos<strong>de</strong>veria ir até a subserviência.O país não terá ainda risca<strong>do</strong> da memória as <strong>de</strong>missões e asremoções, até <strong>de</strong> empregos, como os das alfân<strong>de</strong>gas, que em tempoalgum foram consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s <strong>de</strong> confiança; os orçamentos nos arsenais,contu<strong>do</strong>, limpavam as oficinas, excluin<strong>do</strong> acintosamente os poucos queresistiam às or<strong>de</strong>ns, proce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> com a mais nobre isenção.Veio <strong>de</strong>pois a Guerra <strong>do</strong> Paraguai, a mais formidável <strong>de</strong> todasas máquinas <strong>de</strong> compressão, e então o recrutamento foi arrancar <strong>do</strong>sbraços das mães e das esposas os filhos e os mari<strong>do</strong>s, cuja <strong>de</strong>dicação eraduvi<strong>do</strong>sa. Serão estas as cenas <strong>de</strong> hoje?Não foi aos olhos <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, à luz meridiana, que emprega<strong>do</strong>s da maisíntima confiança, oficiais militares, indivíduos na mais inteira e completa<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong> governo, a<strong>de</strong>riram à oposição, fazen<strong>do</strong> disto alar<strong>de</strong> eabusan<strong>do</strong> até mesmo da influência que retiram das posições oficiais,para hostilizarem os amigos da situação? E houve já uma <strong>de</strong>missão,uma vingançazinha, <strong>de</strong>ssas que os liberais sabem exercer e exerceramem tão longa escala? Acredita alguém que o gabinete, indiferente comotem si<strong>do</strong> ao pleito eleitoral, não punin<strong>do</strong> um só emprega<strong>do</strong> público,<strong>do</strong>s muitos que ostensivamente baterão a chapa liberal, fosse castigar amo<strong>de</strong>stos operá<strong>rio</strong>s, quan<strong>do</strong> a vitória das urnas <strong>de</strong>u aos conserva<strong>do</strong>resconsi<strong>de</strong>rável maioria no eleitora<strong>do</strong>?O órgão <strong>de</strong>mocrático, pertinaz em malévolas insinuações, <strong>de</strong> quenão tem retira<strong>do</strong> o menor proveito, tinha já tempo para a<strong>do</strong>tar novosrumos em sua carreira jornalística.78


ARTIGOS DE IMPRENSATrabalhan<strong>do</strong>, já em caminho <strong>de</strong> <strong>do</strong>is anos, por <strong>de</strong>negrir a reputação,a toda prova limpa <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s brasileiros mais ilustres e beneméritos,cujo único <strong>de</strong>lito é achar-se à frente da direção <strong>do</strong>s públicos negócios, oórgão adverso não ignora que cada vez mais o tem altea<strong>do</strong> na veneraçãopública; por isso, a opinião não vive a sol<strong>do</strong> <strong>do</strong>s ódios e das paixões <strong>do</strong>sgrupos e das facções.A Reforma bem conhece quais são os espíritos que não recuam diantedas maiores adversida<strong>de</strong>s: basta compulsar a história da <strong>do</strong>minação<strong>do</strong>s seus para convencer-se <strong>de</strong> que jamais neste país houve época maisescura e hedionda. Proceda A Reforma a um tal estu<strong>do</strong> na galeria <strong>do</strong>sseus e estamos vinga<strong>do</strong>s.17) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano I, número 118, sexta-feira, 15 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1872Limites com o PeruDeixaríamos passar <strong>de</strong>sapercebi<strong>do</strong> um artigo <strong>de</strong> A Reforma <strong>de</strong>13 <strong>do</strong> corrente, como têm passa<strong>do</strong> outros relativos à Comissão <strong>de</strong>Demarcação <strong>do</strong>s Limites <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> com a República <strong>do</strong> Peru, se nelenão se preten<strong>de</strong>sse atribuir a morte <strong>do</strong> comissá<strong>rio</strong> peruano à insistência <strong>do</strong>governo imperial para que a comissão mista primeiro colocasse os marcos<strong>de</strong> limites nos <strong>rio</strong>s Japurá e Içá, ultiman<strong>do</strong>, assim, a <strong>de</strong>marcação da linha<strong>de</strong> fronteira setent<strong>rio</strong>nal, já fixada em Tabatinga pela ante<strong>rio</strong>r comissãomista <strong>de</strong> 1866, reconhecida somente pela comissão brasileira por faltar àperuana o pessoal necessá<strong>rio</strong> para concorrer à colocação <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is marcosinexistentes <strong>de</strong>ssa linha, um na margem <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Japurá, outro na <strong>do</strong> Içá.Não estan<strong>do</strong> ao alcance <strong>do</strong> autor <strong>do</strong> artigo as razões políticaspelas quais o governo imperial insistiu para que a comissão mistafosse primeiramente concluir aquela <strong>de</strong>marcação, <strong>de</strong>veria ser maiscircunspecto na porfia <strong>de</strong> mostrar-se mais entendi<strong>do</strong> neste assunto <strong>do</strong>que o próp<strong>rio</strong> governo.Se na correspondência que ele diz ter <strong>do</strong> malogra<strong>do</strong> senhor PazSoldán referiu este haver insisti<strong>do</strong> em ir a comissão primeiramente ao79


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOJavari – e não ao Japurá –, por ser então a época da enchente <strong>de</strong>ste último<strong>rio</strong> (quan<strong>do</strong> ocorrem perigosas febres palu<strong>do</strong>sas), é constante que naprolongada discussão que teve o dito comissá<strong>rio</strong> com o <strong>do</strong> Brasil, sobredar princípio aos trabalhos da <strong>de</strong>marcação pelo Javari, ou pelo Japurá,nunca o senhor Paz Soldán fundará a sua resistência em ser, então, otempo da enchente <strong>do</strong> Japurá e das consequentes febres palu<strong>do</strong>sas.Apoiou sempre essa pretensão no conhecimento que tinha adquiri<strong>do</strong>, em1866, da insalubrida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Javari, que exigia ir ali a comissão mistaenquanto tinha o vigor com que chegou ao Amazonas, e não <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> oper<strong>de</strong>r nos exames da fronteira <strong>do</strong> norte.É pois evi<strong>de</strong>nte que o senhor Paz Soldán reconhecia haver maiorrisco <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> no <strong>rio</strong> Javari <strong>do</strong> que no Japurá e no Içá, e que outros eramos motivos da preferência que alegava.18) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano I, número 120, segunda-feira, 18 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1872Limites com o Peru IIJulgávamos que as elucidações e as reticências políticas queexpusemos em 15 <strong>do</strong> corrente fossem suficientes para que o provoca<strong>do</strong>r<strong>de</strong>las, em <strong>artigos</strong> publica<strong>do</strong>s em A Reforma, se convencesse <strong>de</strong> queformou juízo erra<strong>do</strong>, atribuin<strong>do</strong> a ida da comissão mista, primeiroao Japurá e ao Içá, e não ao Javari, a uma <strong>de</strong>snecessária imposiçãocaprichosa.As razões que havia para essa preferência eram conhecidas pelosenhor Paz Soldán, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> nomea<strong>do</strong> pelo seu governo comissá<strong>rio</strong>das <strong>de</strong>marcações <strong>de</strong> limites <strong>do</strong> Peru com o Brasil. Sobre essas razõesconversou, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter chega<strong>do</strong> a esta corte, muitas vezes com osenhor Hoonholtz e com outras pessoas com quem costumava falar <strong>do</strong>saprestos da comissão e da urgência <strong>de</strong> ir o quanto antes principiar osseus trabalhos pelos <strong>rio</strong>s Japurá e Içá.Ten<strong>do</strong>, por fim, a preferência <strong>de</strong>sta marcha legalizar a comissãomista os atos que haviam si<strong>do</strong> pratica<strong>do</strong>s naqueles <strong>rio</strong>s só pela comissão80


ARTIGOS DE IMPRENSAbrasileira em 1868, os quais estavam inci<strong>de</strong>ntemente ameaça<strong>do</strong>s<strong>de</strong> <strong>de</strong>sar, não podiam ser as instruções ditadas senão pelo governoimperial, competente conhece<strong>do</strong>r da importância política resultante <strong>de</strong>se verificarem pela comissão mista as <strong>de</strong>marcações daqueles <strong>do</strong>is pontosterminais da fronteira setent<strong>rio</strong>nal <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>.Nada mais diremos porque seguimos a máxima <strong>de</strong> guardar silêncioem pen<strong>de</strong>ntes negócios internacionais, embora não seja ela respeitadapor quem escreve os <strong>artigos</strong>, interpretan<strong>do</strong>-a a seu talante. Prescindimostambém <strong>de</strong> mostrar que ele está mal-informa<strong>do</strong> <strong>do</strong> que se passa noMinisté<strong>rio</strong> <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros.Faremos igual abstenção <strong>de</strong> emitir juízo sobre as i<strong>de</strong>ias que oacrisola<strong>do</strong> pat<strong>rio</strong>tismo que ele propala em seus <strong>artigos</strong>, como própriaspara felicitar o Brasil, e <strong>de</strong> postergar as seguidas pelo governo imperial,<strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com os seus estadistas, os quais, se não são exímios em fazercálculos, conhecem melhor o que convém ao país.19) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano I, número 121, terça-feira, 19 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1872A <strong>imprensa</strong> <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da PrataÉ realmente <strong>de</strong> lamentar a constante malevolência que mostram amaior parte <strong>do</strong>s jornais platinos sempre que nos seus <strong>artigos</strong> têm <strong>de</strong>referir-se ao Brasil. Entre os últimos casos <strong>de</strong> agressão injustificada queforam longo enumerar, citaremos hoje o que praticou A Tribuna, no dia6 <strong>do</strong> corrente, em um artigo intitula<strong>do</strong> “Os b<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> Brasil”.Nesse artigo, no qual abundam bravatas, risíveis se não tivessem oinconveniente <strong>de</strong> ten<strong>de</strong>rem a provocar um conflito internacional, leemse,entre outras amabilida<strong>de</strong>s, as seguintes:Uma esquadra brasileira, com intenções hostis, navegan<strong>do</strong> no Prata, <strong>de</strong>spertaria acoragem até das próprias ondas, hoje a<strong>do</strong>rmecidas e tranquilas, amanhã terríveise turbulentas, quan<strong>do</strong> se ameaçassem os povos banha<strong>do</strong>s por elas.….............................................................................................................81


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOO Brasil [sic] po<strong>de</strong> estar arma<strong>do</strong>, po<strong>de</strong> ter esquadra po<strong>de</strong>rosa, po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejar a ruína<strong>de</strong> nosso comércio, mas contra suas armas e seus <strong>de</strong>sejos temos no Prata nossacoragem provada em Ituzaingo (!?) e nosso pat<strong>rio</strong>tismo, jamais <strong>de</strong>smenti<strong>do</strong>.Eis um <strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s pelos quais somos cotidianamente trata<strong>do</strong>s pelosórgãos da <strong>imprensa</strong> platina. Como os leitores po<strong>de</strong>m ver, nem falta,nos trechos ante<strong>rio</strong>rmente transcritos, o já muito estafa<strong>do</strong> chavão <strong>do</strong>glo<strong>rio</strong>so feito <strong>de</strong> Ituzaingo! E o que dizem os <strong>de</strong>mocratas <strong>de</strong> cá à vista<strong>de</strong>ssas impru<strong>de</strong>ntes provocações <strong>do</strong>s seus irmãos <strong>de</strong> lá?Quanto a nós, sentimos que tais diatribes se <strong>de</strong>em justamente quan<strong>do</strong>aqui se trata <strong>de</strong> firmar um acor<strong>do</strong> amigável entre o governo brasileiro eo representante da República Argentina, o digno senhor general Mitre.Na verda<strong>de</strong>, se os jornalistas platinos não se <strong>de</strong>ixassem tanto <strong>do</strong>minar<strong>de</strong> motivos menos confessáveis, <strong>de</strong>certo já teriam há muito reconheci<strong>do</strong>que estão representan<strong>do</strong> um papel indigno <strong>de</strong> órgão <strong>de</strong> povos que se têmna conta <strong>de</strong> civiliza<strong>do</strong>s.Uma cruzada igual a que eles empreen<strong>de</strong>ram não se compa<strong>de</strong>ce com osprincípios generosos da época atual, em que as nações já se convenceram<strong>de</strong> que são incomparavelmente preferíveis, entre os povos, as relaçõesbenévolas e amistosas às hostis rivalida<strong>de</strong>s que po<strong>de</strong>m produzir sangrentosconflitos, com grave prejuízo <strong>do</strong>s interesses próp<strong>rio</strong>s e estranhos.O artigo <strong>de</strong> que ante<strong>rio</strong>rmente falamos, foi escrito em resposta aoutro que publicou, nesta corte, o Anglo Brazilian Times, no qual faloua respeito das nossas questões com os governos platinos, em termosenérgicos, é certo, mas usan<strong>do</strong> <strong>do</strong> mesmo direito <strong>de</strong> que lá estão to<strong>do</strong>sos dias a abusar os seus colegas <strong>de</strong> Buenos Aires e Montevidéu.Nesta redarguição <strong>de</strong> A Tribuna, <strong>de</strong> envolta com os costuma<strong>do</strong>sferos e roncas afrontosos, até vem a asserção <strong>de</strong> que o Anglo BrazilianTimes não só recebe subvenção <strong>do</strong>s nossos cofres públicos, mas tambémsão alguns <strong>de</strong> seus <strong>artigos</strong> redigi<strong>do</strong>s nos próp<strong>rio</strong>s gabinetes <strong>do</strong>s ministrosbrasileiros!Com efeito, muito bem-informada anda A Tribuna! Sem nosfazermos cargo <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tão gratuita increpação o periódicoinglês, que sempre temos consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte entre os maisin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, apenas diremos que tais arguições, impróprias <strong>de</strong> to<strong>do</strong>aquele que presa sua própria dignida<strong>de</strong>, não são <strong>de</strong> admirar quan<strong>do</strong>partem <strong>do</strong>s senhores <strong>de</strong>mocratas e republicanos.82


ARTIGOS DE IMPRENSAInteireza, pat<strong>rio</strong>tismo, generosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentimentos e motivosconfessáveis, tu<strong>do</strong> isso é privilégio exclusivo <strong>de</strong>les e somente <strong>de</strong>les.Pois seja assim! Ao menos mostrem-se um pouco... mais pru<strong>de</strong>ntes. Sesemearem ventos, forçosamente colherão tempesta<strong>de</strong>s.20) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano I, número 125, sába<strong>do</strong>, 23 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1872O contemporâneo <strong>de</strong> O Diá<strong>rio</strong> há <strong>de</strong> permitir-nos que nos divorciemosda asserção com que exordiou seu editorial <strong>de</strong> hoje. O Paraguai, arma<strong>do</strong>como estava, era uma ameaça constante aos <strong>de</strong>mais povos platinos, e oimprevisto <strong>do</strong> assalto com que invadiu províncias nossas bem claro o<strong>de</strong>monstram.Seu esta<strong>do</strong> atual, não <strong>de</strong> completo aniquilamento, mas <strong>de</strong> salutarrestauração, não po<strong>de</strong> inspirar receio, máxime quan<strong>do</strong> aí está a lealda<strong>de</strong><strong>do</strong> nosso governo, para patrociná-lo em casos imprevistos. Não sen<strong>do</strong>verda<strong>de</strong>ira a proposição <strong>do</strong> órgão dissi<strong>de</strong>nte, falsos são também oscorolá<strong>rio</strong>s que <strong>de</strong>la <strong>de</strong>duziu.Não foi um gravíssimo erro <strong>de</strong>rrocar o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> um déspota, quenão respeitava nem a fé <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s nem dava a seu próp<strong>rio</strong> país oimpulso benéfico da civilização <strong>de</strong>ste século. Ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> Repúblicasfracas, o Paraguai era o fiel da balança platina e seu apoio romperia oequilíb<strong>rio</strong> necessá<strong>rio</strong> entre países limítrofes.Seu po<strong>de</strong><strong>rio</strong>, como nação ribeirinha, era mais uma razão para queseu <strong>de</strong>sarmamento se tornasse condição impreterível à paz <strong>do</strong>s povosalia<strong>do</strong>s. Não temos dificulda<strong>de</strong>s nem estremecimentos, pois a boa-fé <strong>do</strong>splenipotenciá<strong>rio</strong>s e as intenções <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is governos aplainaram as dificulda<strong>de</strong>sno acor<strong>do</strong> honroso, o qual vem dar <strong>de</strong>sfecho às pendências suscitadas.Se há sobre o Paraguai antigas ambições, não as nutre o Brasil,e tanto basta para que a soberania e a integrida<strong>de</strong> daquela Repúblicasejam respeitadas, como é expresso no Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Aliança. Nem é nula,como se supõe, a ação da República, que renasce, fortalecen<strong>do</strong>-se <strong>de</strong>dia em dia, para vir a ter a <strong>de</strong>vida posição, que lhe é garantida por suascondições topográficas.83


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOA guerra <strong>de</strong> 1864 teve origem diversa da que lhe assinala o escritordissi<strong>de</strong>nte: nunca po<strong>de</strong>rá ser justifica<strong>do</strong> o <strong>de</strong>sacerto com que a Flores,em esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> rebeldia, prestamos concurso manifesto e direto contrao governo legal <strong>de</strong> seu país. Se fosse aqui lugar <strong>de</strong> espraiar-nos emtais consi<strong>de</strong>rações, nosso mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> pensar liquidaria com O Diá<strong>rio</strong>a procedência daquela guerra, que po<strong>de</strong>ria ter si<strong>do</strong> evitada e que foiindubitavelmente precipitada, não estan<strong>do</strong> ainda exaustos to<strong>do</strong>s osrecursos diplomáticos.No entanto, intentada a guerra, era <strong>de</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> honra levá-la até suaglo<strong>rio</strong>sa terminação: em fatos <strong>de</strong> pun<strong>do</strong>nor nacional têm os povos osmesmos direitos que o homem b<strong>rio</strong>so que exige completa reparação dasafrontas que lhe foram irrogadas.Contu<strong>do</strong>, não se receia <strong>de</strong> que as custas da <strong>de</strong>manda <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong> serin<strong>de</strong>nizadas: o porvir <strong>do</strong>s países <strong>do</strong> sul da América tem <strong>de</strong> ser muitoopulento, se uma boa administração souber encaminhá-los para seusgran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stinos.Reconhecen<strong>do</strong> a in<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong> Paraguai, o Brasil procedialisamente, concorren<strong>do</strong> para a emancipação política <strong>de</strong> um país, que teria<strong>de</strong> ser absorvi<strong>do</strong> em <strong>de</strong>sproveito geral: a Polônia é um triste exemplo<strong>do</strong> que po<strong>de</strong> resultar da supressão <strong>de</strong> povos, que sempre constituíramuma família, uma comunhão, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da tutela <strong>de</strong> governosdiversos. Não há proveito em <strong>de</strong>ixar no abatimento e na <strong>de</strong>cadência opaís venci<strong>do</strong>: a guerra foi feita ao governo <strong>de</strong>spótico, e não à nação.Se a reparação <strong>de</strong>vida obrigou-nos a <strong>de</strong>molir Humaitá, a justiçamanda que auxilie-se hoje a reorganização <strong>de</strong> uma República aliada,que com o Impé<strong>rio</strong> tem estreitos laços <strong>de</strong> interesses recíprocos.Nem avançamos nem recuamos, nem nos obstinamos nem ce<strong>de</strong>mos,nem ameaçamos, nem transigimos. Foi nossa atitu<strong>de</strong> nesses últimostempos conveniente e digna <strong>de</strong> um povo que conhece os estímulos <strong>do</strong>amor pát<strong>rio</strong>.Quan<strong>do</strong> a <strong>imprensa</strong> <strong>de</strong> Buenos Aires e o ministro Teje<strong>do</strong>r nosinsultaram, fizemos-lhes saber que tínhamos a consciência <strong>de</strong> nossa forçae <strong>de</strong> nossos direitos: <strong>de</strong>pois, passada a exaltação espanhola, aceitamos amão que reclamava a concórdia. Decidi<strong>do</strong>s a fazermo-nos respeita<strong>do</strong>s,não houve ignomínia em aceitar a reparação, pois que não era ameaçar oasseverar que estávamos dispostos a selar direitos que nos cabiam pelaforça <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s.84


ARTIGOS DE IMPRENSADesapareceu a causa da guerra, conseguiram-se os seus fins, tiramosa <strong>de</strong>sforra com a queda <strong>de</strong> López, e o Paraguai <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser o espantalhodas nações vizinhas.Nossa diplomacia, post factum * , <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> concluída a guerra, foiirrepreensível: tentou tu<strong>do</strong> que era humanamente possível e, se houvesseencontra<strong>do</strong> sempre a boa-fé, tu<strong>do</strong> teria termina<strong>do</strong> sem recriminações eembaraços.Se houve tergiversações, manejos inconfessáveis, aspiraçõesindébitas, não foram nossas: o Trata<strong>do</strong> Cotegipe aí está comoirrefragável <strong>do</strong>cumento <strong>de</strong> que o Impé<strong>rio</strong> só queria a celebração da paz,sem imposições pesadas, sem prevalecer-se <strong>de</strong> sua ascendência sobre os<strong>de</strong>mais povos da aliança.No <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> criar embaraços à situação, O Diá<strong>rio</strong> <strong>de</strong>snatura o fatoprincipal, o único talvez que po<strong>de</strong>ria suscitar polêmica e <strong>de</strong>sagra<strong>do</strong>:A República anunciou que o Trata<strong>do</strong> Cotegipe <strong>de</strong>ixara <strong>de</strong> vigorar, oque foi peremptoriamente contesta<strong>do</strong> pelo Diá<strong>rio</strong> Oficial. Bastava istopara tranquilizar to<strong>do</strong>s os espíritos: a suspensão daquela negociaçãoimportaria reconhecimento explícito <strong>de</strong> havermos mal procedi<strong>do</strong>,celebran<strong>do</strong> isoladamente tal trata<strong>do</strong>.Ainda <strong>de</strong>sta vez não <strong>de</strong>scambará ao ocaso a estrela <strong>do</strong> ministé<strong>rio</strong>:nem percorreu ela ainda sua órbita nem o gabinete cumpriu a alta missão<strong>de</strong> que se incumbiu.21) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano I, número 126, segunda-feira, 25 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1872Fica livre ao órgão dissi<strong>de</strong>nte preferir as falsas alegações <strong>de</strong> ARepública à controvérsia que lhe foi feita pelo Diá<strong>rio</strong> Oficial, no queconcerne ao acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> 19 <strong>do</strong> andante mês.O que, porém, não lhe é lícito, é explorar tão feliz acontecimento,para invectivar e caluniar, como se um tal acontecimento pu<strong>de</strong>sseangariar prosélitos e enfraquecer o gabinete.*Depois <strong>do</strong> fato. (N. E.)85


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOO erro, por isso mesmo que existe, tem também seus sectá<strong>rio</strong>s, eassim como há cores refratárias, muitos espíritos repugnam o brilhoesplêndi<strong>do</strong> da verda<strong>de</strong>.Des<strong>de</strong> que o ministé<strong>rio</strong> observa a conveniente reserva que aConstituição previu para casos tais, não lhe era possível ir até a<strong>de</strong>monstração da falsida<strong>de</strong> alegada pela oposição; contu<strong>do</strong>, não impôs,como o diz O Diá<strong>rio</strong>, quan<strong>do</strong> emitiu juízo sobre a negociação, pois quefica a to<strong>do</strong>s o direito <strong>de</strong> aceitarem ou não suas proposições.A opinião, sim, é que não lhe recusará crédito, pela confiança quemerecem os beneméritos cidadãos que estão no po<strong>de</strong>r.Para ter-se convicção <strong>de</strong> que honroso e amigável foi o recenteajuste, basta fazer justiça aos ministros e ao Impé<strong>rio</strong>, uma vez que nãoestamos mais em esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>do</strong>brarmo-nos, quan<strong>do</strong> é intuitivo nossaprepon<strong>de</strong>rância sobre as nações limítrofes.O que nos levaria a esquecer dignida<strong>de</strong>, os b<strong>rio</strong>s e o pun<strong>do</strong>nor pát<strong>rio</strong>?Receios <strong>de</strong> uma guerra? Não. A força <strong>do</strong> direito vigora ainda mesmo nospusilânimes, e os brasileiros têm sabi<strong>do</strong> provar que são heróis.O espírito público não po<strong>de</strong> estar agita<strong>do</strong>, uma vez que não nutredúvidas <strong>do</strong> civismo <strong>do</strong> gabinete e conhece que nunca faremos um papelignominioso, nem mesmo em relação a povos mais fortes. A consciêncianacional igualmente não po<strong>de</strong> estar inquieta, porque nenhuma conjecturapo<strong>de</strong> persuadir que o Brasil <strong>de</strong>spreze sua supremacia para tornar-se oludíb<strong>rio</strong> <strong>de</strong> ambições inconfessáveis <strong>de</strong> uma República, que sempre temvivi<strong>do</strong> sob seu patrocínio.O trocadilho <strong>do</strong> Diá<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> contestar negan<strong>do</strong> e <strong>de</strong> negarcontestan<strong>do</strong> é um lugar-comum que, entretanto, aceitamos porque exprimea realida<strong>de</strong>. Contesta-se uma inexatidão, dizen<strong>do</strong>-a falsa, não existente, enega-se contestan<strong>do</strong> sua veracida<strong>de</strong>. Foi o que fez o Diá<strong>rio</strong> Oficial, muitoembora no laconismo severo da discrição e das reservas impreteríveis.Se é exato que o segre<strong>do</strong> está já <strong>de</strong>vassa<strong>do</strong> em todas as suasparticularida<strong>de</strong>s, por que O Diá<strong>rio</strong> não surge na estacada, arma<strong>do</strong>a cavaleiro, para combate leal, para a análise, e limita-se apenasa recriminações e <strong>do</strong>estos, como tem si<strong>do</strong> sempre o hábito dadissidência? Ou não há um acor<strong>do</strong> nada que <strong>de</strong>slustre o gabinete, eo órgão dissi<strong>de</strong>nte especula com o silêncio, que a diplomacia impõeocasionalmente, ou então o segre<strong>do</strong> existe ainda, e falta-se à verda<strong>de</strong>dizen<strong>do</strong>-o divulga<strong>do</strong>.86


ARTIGOS DE IMPRENSAA dissidência <strong>de</strong>ve ter já a experiência <strong>de</strong> que o gabinete Rio Branconão foge às discussões, pois que, amigo da publicida<strong>de</strong>, tem sempre embrilhantes certames emu<strong>de</strong>ci<strong>do</strong> a seus <strong>de</strong>tratores, amordaçan<strong>do</strong>-os mais<strong>de</strong> uma vez. O próp<strong>rio</strong> O Diá<strong>rio</strong> que o diga.No luminoso estádio, que vai percorren<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> diante <strong>de</strong> si umasessão <strong>de</strong> oito meses, que <strong>de</strong>ve ser abrilhantada pelos fulgores daeloquência oposicionista, a pru<strong>de</strong>nte reserva <strong>do</strong> momento não po<strong>de</strong> sero receio, quan<strong>do</strong> sabe o ministé<strong>rio</strong> que a questão será no parlamentolargamente <strong>de</strong>batida. Por parte <strong>do</strong> governo, não se antecipou um sóconceito; malevolamente argui<strong>do</strong> <strong>de</strong> quebra <strong>do</strong> <strong>de</strong>coro, limitou-se àasseveração <strong>de</strong> que honroso fora o <strong>de</strong>sfecho da questão.A políticos sinceros e estadistas que se têm sabi<strong>do</strong> fazer reverenciar pelalealda<strong>de</strong> e prudência <strong>de</strong> seus atos, não po<strong>de</strong> ser atribuí<strong>do</strong> o pensamento <strong>de</strong>iludir o país. Em poucos dias, ratifica<strong>do</strong>s os ajustes, a opinião conheceriatodas as ocorrências, e a traição que se imputa ficaria já <strong>de</strong>scoberto [sic].Imputações tais traduzem o <strong>de</strong>sespero da dissidência, ven<strong>do</strong> que se lheapaga mais uma esperança. A pendência foi suscitada pelo Trata<strong>do</strong> Cotegipe,que produziu a nota Teje<strong>do</strong>r; uma vez que tal trata<strong>do</strong> subsiste, e o governoimperial continua a pensar que lhe assistia o direito <strong>de</strong> celebrá-lo em separa<strong>do</strong>,a solução é honrosa, <strong>de</strong> harmonia e <strong>de</strong> coerência conquanto expen<strong>de</strong>u oilustra<strong>do</strong> ministro <strong>de</strong> Estrangeiros, respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> à provoca<strong>do</strong>ra nota.O vilipêndio da honra nacional e o sacrifício <strong>do</strong>s interesses pát<strong>rio</strong>sé tarefa para outros homens, para certos caracteres que o país muitoconhece: homens <strong>de</strong> bem, <strong>de</strong> vida limpa, que nunca praticaram um atoque os fizesse enrubescer, em nenhuma circunstância preteririam o que<strong>de</strong>vem a seu passa<strong>do</strong>, à sua reputação, à sua glória e a seus concidadãos.O futuro <strong>do</strong> Paraguai não será jamais comprometi<strong>do</strong> com aaquiescência <strong>do</strong> Brasil, que tem interesses imediatos na reorganizaçãodaquele país. Não quereremos nada além <strong>do</strong> que se estatuiu no Trata<strong>do</strong>da Tríplice Aliança, pois o egoísmo não é nosso característico e as outrasduas nações aliadas têm iguais direitos à reparação estipulada.Se a glória fosse como o sol, O Diá<strong>rio</strong> não teria a escuridão em quevive em relação ao gabinete, o qual tem uma brilhante auréola; a glória,to<strong>do</strong>s o sabem, e a história o diz, não fulge no zênite, sen<strong>do</strong> necessá<strong>rio</strong>reivindicá-la à pena <strong>de</strong> um Plutarco ou <strong>de</strong> um Macaulay, quan<strong>do</strong> não oreconhecimento da posterida<strong>de</strong>. O ministé<strong>rio</strong> não se escon<strong>de</strong>, aguarda aoportunida<strong>de</strong> e evita discussões intempestivas.87


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO22) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano I, número 127, terça-feira, 26 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1872O pat<strong>rio</strong>tismo <strong>de</strong> A RepúblicaA questão argentina teve um <strong>de</strong>senlace pacífico e amigável. Nãohaverá a guerra que tanto receavam os adversá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> gabinete e pelaqual já o responsabilizavam em nome <strong>do</strong>s interesses americanos.Pois bem, que agora seja o governo acusa<strong>do</strong> por ter evita<strong>do</strong> a guerrae que seja o quanto antes, embora não fosse ainda, nem possa ser,publica<strong>do</strong> o acor<strong>do</strong> internacional por não ser ato acaba<strong>do</strong> até o governoargentino não aprovar o que estipulou o seu plenipotenciá<strong>rio</strong> e até ser ogoverno oriental convida<strong>do</strong> para a<strong>de</strong>rir a esse acor<strong>do</strong> (o convite não fora<strong>de</strong>lica<strong>do</strong> sem aquela condição <strong>de</strong> reserva ou <strong>de</strong> negociação pen<strong>de</strong>nte).O acor<strong>do</strong> aceito pelo general Mitre não é provável que <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong>merecer inteira a<strong>de</strong>são <strong>do</strong> seu governo, e a República Oriental, que préviae tacitamente louvou-se no que concordassem os <strong>do</strong>is outros alia<strong>do</strong>s, nãotoman<strong>do</strong> por isso parte na negociação, não recusará a solução honrosaque meditaram os governos brasileiro e argentino e que ressalva to<strong>do</strong>sos direitos e interesses legítimos.A guerra por este la<strong>do</strong> é impossível. No entanto, ela se coadunaessencialmente com temperamento entusiástico <strong>do</strong>s nosso republicanos.Mesmo assim, A República volta-se para a Bolívia e até para o Paraguai,país que tanto carece <strong>de</strong> paz, e diz a estes <strong>do</strong>is povos vizinhos: “Alerta!que [sic] a maldita monarquia <strong>do</strong> Brasil congraçou-se com as Repúblicas<strong>do</strong> Prata, sacrifican<strong>do</strong>-vos!”Assim grita e enreda A República, quan<strong>do</strong> uma <strong>de</strong>claração oficial <strong>do</strong>governo <strong>do</strong> Brasil protesta contra as suas inexatas revelações e pe<strong>de</strong> aopúblico que aguar<strong>de</strong> a publicação <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos oficiais, publicaçãoque não se fará esperar muito tempo!Teríamos vexame <strong>do</strong> juízo que os senhores Mitre e Car<strong>do</strong>na, oprimeiro como ministro argentino, o segun<strong>do</strong> como ministro boliviano,formariam <strong>do</strong> caráter brasileiro e <strong>do</strong> espírito público da nossa <strong>imprensa</strong>se a experiência e a ilustração <strong>de</strong>sses <strong>do</strong>is personagens estrangeiros lhesnão advertissem que A República não é toda a <strong>imprensa</strong> nem to<strong>do</strong> o88


ARTIGOS DE IMPRENSABrasil, e que esse jornal fala a linguagem <strong>de</strong> uma paixão política que seenfurece contra a repulsa que suas loucas aspirações encontram to<strong>do</strong>s osdias no bom-senso e no amor <strong>do</strong>s brasileiros às suas instituições juradas.É a fábula da serpente queren<strong>do</strong> limar o ferro.O general Mitre há <strong>de</strong> lembrar-se <strong>de</strong> que no seu país também houvequem <strong>de</strong>negrisse o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Aliança e contra ele procurasse sublevaro sentimento público <strong>de</strong> nacionais e estrangeiros. O senhor Car<strong>do</strong>na há<strong>de</strong> conhecer to<strong>do</strong>s os prece<strong>de</strong>ntes leais da política <strong>de</strong>sta gran<strong>de</strong> nação,que não po<strong>de</strong> ser amesquinhada pelos <strong>de</strong>sva<strong>rio</strong>s <strong>de</strong> alguns escritoresar<strong>de</strong>ntes, e tem diante <strong>de</strong> seus olhos provas irrecusáveis <strong>de</strong> que osdireitos da Bolívia nunca foram, nem jamais serão, prejudica<strong>do</strong>s peloPacto da Tríplice Aliança e pelos acor<strong>do</strong>s que <strong>de</strong>le se <strong>de</strong>rivem. Nenhum<strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s o preten<strong>de</strong>ria, e muito menos o Brasil, que não tem interessealgum na questão <strong>do</strong> Chaco e que sempre invocou, em sua discussão como governo argentino, a ressalva feita a respeito <strong>de</strong> quaisquer reclamaçõesda Bolívia sobre o <strong>do</strong>mínio daquele tão disputa<strong>do</strong> territó<strong>rio</strong>.Pelo que respeita ao Paraguai, as insinuações antipatrióticas <strong>de</strong> ARepública não serão mais felizes porque aquele país sabe que a origem<strong>de</strong> to<strong>do</strong> o conflito com o governo argentino, cujo <strong>de</strong>senlace surpreen<strong>de</strong>u e<strong>de</strong>speitou os inimigos da situação política <strong>do</strong> Brasil, proveio <strong>do</strong>s escrúpuloscom que o governo <strong>do</strong> Brasil entendia e observava os compromissos daaliança em relação às questões <strong>de</strong> limites. O Brasil, que assim proce<strong>de</strong>u,ainda com risco <strong>de</strong> uma grave <strong>de</strong>savença com o seu alia<strong>do</strong>, cuja amiza<strong>de</strong>tanto prezava e preza, o Brasil, que tão generoso se mostrou por sua partepara com o Paraguai, não assinaria acor<strong>do</strong> algum em contradição com taisantece<strong>de</strong>ntes, não sacrificaria o Paraguai por amor a interesses estrangeiros.O Brasil aparece agora, como sempre, fiel aos seus compromissos, osquais felizmente não o constituíram mero instrumento nem a favor nemcontra algum <strong>do</strong>s seus vizinhos, amigo <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong> que é da paz com honrae <strong>do</strong> respeito recíproco a to<strong>do</strong> direito e a to<strong>do</strong>s os legítimos interesses.A República per<strong>de</strong>u o seu tempo e mais uma vez dará por si mesmaao Brasil uma prova <strong>do</strong> quão supe<strong>rio</strong>r é o regime político que nos legaramnossos maiores ao que preten<strong>de</strong>m outorgar-nos os pequenos funda<strong>do</strong>res<strong>de</strong> uma República neste abençoa<strong>do</strong> solo.Seríamos injustos se concluíssemos este artigo sem oferecer à folharepublicana, como mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> bom crité<strong>rio</strong> e <strong>de</strong> genuíno pat<strong>rio</strong>tismo, osensato artigo que em seu número 25 <strong>do</strong> corrente publicou o Correio <strong>do</strong>89


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOBrazil, com referência ao anuncia<strong>do</strong> acor<strong>do</strong>, que tirou o sono e que fezA República per<strong>de</strong>r a tramontana, in<strong>do</strong> à Bolívia e ao Paraguai procuraralia<strong>do</strong>s contra o governo <strong>do</strong> Brasil!23) A NaçãoFolha política, comercial e literáriaAno I, número 149, sába<strong>do</strong>, 21 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1872O acor<strong>do</strong> INão podia ser mais amarga a <strong>de</strong>cepção sofrida por A República no assunto<strong>do</strong> convênio Brasil-Argentina. Além <strong>do</strong> mais, ao sofrer agora o mais completo<strong>de</strong>smenti<strong>do</strong> com a publicação <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos oficiais, longe <strong>de</strong> recolher-seao silêncio, para fazer esquecer sua levianda<strong>de</strong>, aí está ela a envidar esforçospara malquistar o ministé<strong>rio</strong> com a opinião, o qual felizmente sabe dar o<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> <strong>de</strong>sconto às asserções <strong>do</strong> órgão ultra<strong>de</strong>mocrático.Asseverara este que o segre<strong>do</strong> <strong>do</strong> governo nascia da <strong>de</strong>gradação aque <strong>de</strong>scera, fazen<strong>do</strong> concessões que nos humilhavam. Des<strong>de</strong> logo nos<strong>de</strong>mos pressa em <strong>de</strong>clarar que só reservas diplomáticas impreteríveisimpunham um silêncio que não seria longo.Logo que <strong>de</strong>sapareceram tais causas com a anuência <strong>do</strong> governo <strong>de</strong>Montevidéu e com a aceitação <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> pelo governo <strong>de</strong> Buenos Aires,o gabinete veio, com a maior confiança, dar contas <strong>de</strong> si ao país e mostrar,pela simples publicação <strong>do</strong> convênio, que o Brasil mais uma vez proce<strong>de</strong>ra<strong>de</strong> mo<strong>do</strong> exemplar e digno <strong>do</strong>s louvores <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os povos cultos.A própria A Reforma, contrariada por não achar no acor<strong>do</strong> coisaalguma que nos <strong>de</strong>saire, interrogou se não existiriam protocolosresguarda<strong>do</strong>s da publicida<strong>de</strong>!Devera-se esperar a discussão, a análise calma, séria, judiciosa <strong>do</strong>acor<strong>do</strong>; no entanto, A República exordiou o <strong>de</strong>bate com qualificativostão virulentos que bastam para assinalar o rumo que ela conta seguir.A folha oficial tem sequidão habitual, e o acor<strong>do</strong> era recata<strong>do</strong>. Não hámérito nem cortesia em suscitar questiúnculas sobre pontos que tiveram jáexplicação satisfatória. O Diá<strong>rio</strong> Oficial não po<strong>de</strong> primar pela tagarelice,como os exalta<strong>do</strong>s da oposição, que são sempre uns incansáveis forja<strong>do</strong>res90


ARTIGOS DE IMPRENSA<strong>de</strong> notícias da meia-noite, tampouco po<strong>de</strong> servir <strong>de</strong> estigma o silêncioobserva<strong>do</strong> em uma negociação que não estava terminada.Estamos dispostos a acompanhar A República e quaisquer outrosórgãos da oposição na discussão que acaba <strong>de</strong> ser iniciada. Nãoduvidamos em nenhuum momento que conosco estará a boa opiniãopública, pois conosco estão a razão, a justiça e a verda<strong>de</strong>.Acha-se comprova<strong>do</strong> o solene <strong>de</strong>smenti<strong>do</strong> com que o Diá<strong>rio</strong> Oficialsaiu ao encontro das inexatidões avançadas por A República, quetendiam todas a colocar-nos em posição secundária, porquanto calavama circunstância <strong>de</strong> que a reciprocida<strong>de</strong> nivela as partes contratantes,impon<strong>do</strong> a todas os mesmos <strong>de</strong>veres e direitos, como é <strong>de</strong> direito, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>que o trata<strong>do</strong> da aliança subsiste.Que explicações tinha <strong>de</strong> fazer o órgão <strong>do</strong> governo ao publicar oacor<strong>do</strong>, se bastava a simples leitura <strong>de</strong>ste para levar a to<strong>do</strong>s os espíritos aconvicção <strong>de</strong> que a <strong>imprensa</strong> oposicionista explorara um assunto grave,no único propósito <strong>de</strong> criar embaraços ao gabinete?Uma vez que no acor<strong>do</strong> não estão as humilhações <strong>de</strong>ploráveis, opapel humilhante que dizia A República haver-nos representa<strong>do</strong> nãoficava ipso facto <strong>de</strong>smascara<strong>do</strong> o embuste <strong>do</strong>s que especulam aindacom questões internacionais, em favor e proveito <strong>de</strong> seus ódios e no<strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> seu mister <strong>de</strong> <strong>de</strong>tratores efetivos?Em nenhum espírito sisu<strong>do</strong> e imparcial po<strong>de</strong> pairar a menor dúvida<strong>de</strong> que A República faltou mui premeditadamente à verda<strong>de</strong>, no intuito<strong>de</strong> ofen<strong>de</strong>r ao governo, alvo único ao que ela atira, uma vez que sabe econhece a repulsa geral a suas i<strong>de</strong>ias, as quais jamais po<strong>de</strong>rão prevalecercontra a sensatez <strong>do</strong> povo brasileiro.Como o público viu, o texto <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> já publica<strong>do</strong> é a maisformal sustentação <strong>do</strong> quanto avançamos, apelan<strong>do</strong> para a ocasiãooportuna <strong>do</strong> <strong>de</strong>bate. Asseveramos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo que digno <strong>de</strong> nós fora oprocedimento havi<strong>do</strong>, pois ninguém po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r que or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>coisas nos levaria a <strong>de</strong>scer da boa posição que ocupamos em relaçãoaos Esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Prata.Verda<strong>de</strong> é que os acertos da folha ultra<strong>de</strong>mocrática consistem da<strong>de</strong>negação completa <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os bons princípios, na recusa formal <strong>do</strong> queaceitam os ânimos refleti<strong>do</strong>s e sãos; não admira, pois, que a singularida<strong>de</strong><strong>de</strong> suas apreciações lhe pareça a única acertada e admissível. Facilmenteacredita-se naquilo que se <strong>de</strong>seja.91


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCONo entanto, o que é certo e fora <strong>de</strong> questão é que foi A República,e não o órgão <strong>do</strong> governo, que <strong>de</strong>turpou a verda<strong>de</strong> para iludir a nação(como é hábito seu nos ataques que faz aos homens e às instituições),quan<strong>do</strong>, com a levianda<strong>de</strong> que lhe é característica, avançou proposiçõesque em prazo certo <strong>de</strong>veriam ser elucidadas, pois que a publicação <strong>do</strong>acor<strong>do</strong> teria <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar a falsida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas alegações, inteiramenteem <strong>de</strong>sarmonia conquanto se estipulara.A posição da <strong>imprensa</strong> oposicionista serve, mais uma vez, para<strong>de</strong>monstrar que não a dirige nenhum pensamento grandioso, mas sim opropósito <strong>de</strong>libera<strong>do</strong> <strong>de</strong> agredir sistematicamente a situação, tornan<strong>do</strong>em matéria <strong>de</strong> censura ainda mesmo os atos mais dignos <strong>do</strong>s cordiaisparabéns ao país.A prova <strong>de</strong> que o gabinete na gestão <strong>do</strong>s negócios públicos nãoesqueceu nunca a homenagem <strong>de</strong> vida à soberania popular está em queum só ato seu ainda não apareceu que contrariasse os legítimos interessesnacionais. Porque [sic] há <strong>de</strong> a <strong>imprensa</strong> oposicionista evitar a discussãoe limitar-se a insulsas <strong>de</strong>clamações ou à bombástica apologias <strong>do</strong>s seus?Os princípios são tu<strong>do</strong>; os homens, nada.Neste país <strong>de</strong> <strong>imprensa</strong> libérrima (a própria A República é um exemploirrefragável) po<strong>de</strong>-se, porventura, dizer que a opinião não tem meios <strong>de</strong>pronunciar-se, para fazer valer o seu <strong>de</strong>sagra<strong>do</strong> e sua reprovação? Oque valem então os muitos órgãos <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>, representan<strong>do</strong> os trêsgrupos <strong>de</strong> oposição? Qual é a <strong>imprensa</strong> livre? Diga-o A República paraque tenha resposta conveniente.Convençam-se <strong>de</strong> uma vez to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>tratores <strong>do</strong> ofício que ascan<strong>de</strong>ntes apóstrofes <strong>de</strong> adversá<strong>rio</strong>s <strong>de</strong> tal jaez não <strong>de</strong>movem o gabinete<strong>do</strong> itinerá<strong>rio</strong> que se impôs; ao contrá<strong>rio</strong>, as injustiças que pa<strong>de</strong>cem osânimos fortes acrisolam-lhes as virtu<strong>de</strong>s, retemperan<strong>do</strong>-lhes as forças.Não temos ministros nem realeza irresponsáveis em um país no qualos po<strong>de</strong>res políticos dimanam da soberania popular. A opinião aí está,mas a verda<strong>de</strong>ira opinião, e não aquela grita infrene <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontentes eambiciosos, cegos pelo egoísmo e pela paixão partidária.Os homens <strong>de</strong> bem em nenhuma circunstância afrontam a opinião enão po<strong>de</strong>m, pois, ter dissabores daquilo que não praticam. Desacreditamsesomente os que proce<strong>de</strong>m mal. Ministros honestos, justos, pat<strong>rio</strong>tas,não caem em <strong>de</strong>scrédito com as costumadas balelas <strong>de</strong> escritores que<strong>de</strong>traem <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> e a to<strong>do</strong> propósito.92


ARTIGOS DE IMPRENSAO que o país e a gratidão nacional têm <strong>de</strong> arquivar é o respeitoconstante <strong>do</strong> gabinete pelos legítimos interesses públicos, proce<strong>de</strong>n<strong>do</strong><strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que, até hoje, apesar <strong>de</strong> exorbitante <strong>de</strong>senvoltura da oposição,um só fato sé<strong>rio</strong>, uma só nó<strong>do</strong>a não veio ainda manchar a toga puríssima<strong>do</strong>s conselheiros da coroa.A A República talvez sobejem razões para chamar o povo <strong>de</strong> imbecile por <strong>de</strong>mais ingênuo; no entanto, o que é certo é que em nenhumoutro país as instituições, das quais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> o futuro da nação, seriamatacadas impunemente com as habituais verrinas <strong>do</strong> órgão <strong>de</strong> um parti<strong>do</strong>cujos princípios não po<strong>de</strong>m coadunar-se com a ín<strong>do</strong>le sensata <strong>do</strong> pov<strong>obras</strong>ileiro.Havemos <strong>de</strong> confrontar as cláusulas dadas por A República com ascláusulas reais, exaradas no acor<strong>do</strong>. Tornaremos, assim, bem evi<strong>de</strong>nte amá-fé e a <strong>de</strong>slealda<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma oposição que afronta a luz meridiana e quenão escrupuliza em embair o espírito público.Entre umas e outras, não se dão i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s nem quase coincidências:no acor<strong>do</strong> está a elevação, o crité<strong>rio</strong>, o justo, o honesto, a igualda<strong>de</strong> ea reciprocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>veres e direitos, ao passo que nas cláusulas dadaspor A República a antítese é perfeita, pois que o pensamento manifestoé propagar o juízo <strong>de</strong> que o Brasil acovar<strong>do</strong>u-se, teve me<strong>do</strong>, tremeu eaceitou um papel humilhante.O país, no acor<strong>do</strong>, tem justos títulos <strong>de</strong> que se orgulhar. A discussãotirará a limpo se o gabinete cometeu alguma falsida<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> asseverouque proce<strong>de</strong>ra <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> compatível com o <strong>de</strong>coro nacional.Feliz realida<strong>de</strong>, as questões pen<strong>de</strong>ntes estão pacificamente resolvidase os três povos alia<strong>do</strong>s abençoam a sabe<strong>do</strong>ria <strong>do</strong>s que conjuraram umatormenta, que chegou a parecer inevitável. Passemos à negociação, paraevi<strong>de</strong>nciar o papel importante e salutar que o Impé<strong>rio</strong> representou emtais conjunturas.93


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO24) A NaçãoFolha política, comercial e literáriaAno I, número 151, terça-feira, 24 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1872O acor<strong>do</strong> IINão escapará a ninguém a finíssima argúcia com que o órgãoultra<strong>de</strong>mocrático dá por averigua<strong>do</strong>s fatos controversos e que carecem<strong>de</strong> completa <strong>de</strong>monstração.Convencida <strong>de</strong> que, partin<strong>do</strong> das verda<strong>de</strong>iras causas <strong>do</strong> conflito, nãochegará jamais às <strong>de</strong>duções que <strong>de</strong>sejam, formula hipóteses gratuitas,inventa, interpreta, assevera, crian<strong>do</strong> assim os elementos <strong>de</strong> suaargumentação.Com o único intuito <strong>de</strong> dizer que o Paraguai foi sacrifica<strong>do</strong> e queforam esqueci<strong>do</strong>s os direitos da Bolívia, agarra-se ele à questão <strong>de</strong>limites, que não tem relação direta com o assunto, para po<strong>de</strong>r concluirque garantimos o Chaco ao governo argentino.Um apelo, porém, à memória e à boa-fé <strong>de</strong> nossos leitores, para quea discussão seja convenientemente encaminhada. O ministro brasileiro,celebran<strong>do</strong> com o governo <strong>do</strong> Paraguai os trata<strong>do</strong>s que motivaram a notaTeje<strong>do</strong>r, tinham inquestionavelmente usa<strong>do</strong> <strong>de</strong> um direito que o convênioacaba <strong>de</strong> reconhecer, quer porque vigora a Negociação Cotegipe, querporque as duas outras Repúblicas, que entraram na aliança, vão usar <strong>do</strong>smesmos meios.Contu<strong>do</strong>, não pensara assim o ministro Teje<strong>do</strong>r, que asseverounão po<strong>de</strong>r o Impé<strong>rio</strong> por si só celebrar trata<strong>do</strong>s, pois careciam da açãoconjunta <strong>do</strong>s governos alia<strong>do</strong>s. Esta foi a origem <strong>do</strong> conflito, e tanto assimo acreditou a própria A República que seu primeiro cuida<strong>do</strong>, ao anunciaro acor<strong>do</strong>, esteve em dar os Trata<strong>do</strong>s Cotegipe como interrompi<strong>do</strong>s.Eis o que escreveu o órgão ultra<strong>de</strong>mocrático:A Confe<strong>de</strong>ração argentina obrigou-se a reconhecer os Trata<strong>do</strong>s Cotegipe coma expressa condição <strong>de</strong> que só terão força e vigor fican<strong>do</strong> sob as garantias <strong>do</strong>Trata<strong>do</strong> da Aliança, <strong>de</strong>pois que to<strong>do</strong>s os alia<strong>do</strong>s tenham celebra<strong>do</strong> seus trata<strong>do</strong>s<strong>de</strong>finitivos com o Paraguai.94


ARTIGOS DE IMPRENSAIsso é uma falsida<strong>de</strong> que não se comenta, e só adulteran<strong>do</strong> os fatosé que se po<strong>de</strong> ver neles humilhação para nós. O que neste ponto, omais importante da questão porque foi o motivo <strong>do</strong> conflito, o acor<strong>do</strong>estipulou é inteiramente diverso, como o público reconhecerá <strong>do</strong> artigo2 o <strong>do</strong> Convênio, que o está assim dizen<strong>do</strong>:Fica também acorda<strong>do</strong> e <strong>de</strong>clara<strong>do</strong> que os Trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunção, celebra<strong>do</strong>s porparte <strong>do</strong> Brasil em 9 e em 18 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1872, continuam em seu pleno epositivo vigor.Depois que os alia<strong>do</strong>s tiverem concluí<strong>do</strong> os seus ajustes <strong>de</strong>finitivos com o Paraguai,<strong>de</strong>clarar-se-á em protocolo, ou por meio <strong>de</strong> notas reversais, se o julgarem preciso,que to<strong>do</strong>s esses ajustes ficam sob a garantia recíproca estipulada no artigo 17 <strong>do</strong>Trata<strong>do</strong> <strong>do</strong> 1 o <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1865.Não são, pois, os Trata<strong>do</strong>s Cotegipe, mas to<strong>do</strong>s os ajustes <strong>do</strong>strês povos alia<strong>do</strong>s que ficam sob a garantia recíproca <strong>do</strong>s Trata<strong>do</strong>s daAliança. Do mesmo mo<strong>do</strong>, não há no convênio uma só palavra que,explícita ou implicitamente, torne os Trata<strong>do</strong>s Cotegipe, que continuamem positivo e pleno vigor, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>do</strong>s ajustes poste<strong>rio</strong>res que asduas repúblicas da aliança têm <strong>de</strong> concluir com o Paraguai.Não po<strong>de</strong>, pois, haver maior <strong>de</strong>slealda<strong>de</strong>, mais requintada má-fé, <strong>do</strong>que na improce<strong>de</strong>nte argumentação <strong>do</strong> órgão ultra<strong>de</strong>mocrático, o qual<strong>de</strong>ve estar penitente e arrependi<strong>do</strong> (se é que alguma coisa lhe merecea opinião pública) <strong>de</strong> ter provoca<strong>do</strong> uma discussão na qual <strong>de</strong> nenhummo<strong>do</strong> lhe po<strong>de</strong> caber a vitória.Era para esta parte principal <strong>do</strong> <strong>de</strong>bate que reclamávamos a maioratenção <strong>do</strong> eleitor, pois que a análise calma, grave e conscienciosa <strong>do</strong>convênio gira sobre a aceitação, por parte <strong>do</strong> governo argentino, <strong>do</strong>sTrata<strong>do</strong>s Cotegipe, os quais haviam suscita<strong>do</strong> a nota Teje<strong>do</strong>r.Queren<strong>do</strong> humilhar-nos, <strong>de</strong>sejan<strong>do</strong> apresentar o governo comoamedronta<strong>do</strong> e esqueci<strong>do</strong> <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>veres, A República <strong>de</strong>u comosuspensa aquela negociação que só teria força e vigor <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> haveremos alia<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong> ajustes semelhantes!Bastaria a simples confrontação, que aí fica, da verda<strong>de</strong>ira cláusula<strong>do</strong> convênio com a cláusula fantasiada pelo órgão ultra<strong>de</strong>mocrático, paraque recolhêssemos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já os lauréis <strong>do</strong> triunfo. Não seremos, porém,95


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOsôfregos e continuaremos a pôr em relevo as disparatadas apreciaçõesda folha adversa.O histórico da questão nem é uma simples exposição, que possapreparar os espíritos para análise, nem foi feito com a lisura e a verda<strong>de</strong>que reclamavam fatos conheci<strong>do</strong>s <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s aqueles que não ficamestranhos aos assuntos graves <strong>de</strong> questões internacionais.O artigo 16 <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> da Aliança nada estatuiu <strong>de</strong> irrevogável emquestão <strong>de</strong> limites, e to<strong>do</strong>s sabem que a questão <strong>do</strong> Chaco ficou semprepor ser liquidada, sem que o garantíssemos nós a esta ou àquela naçãolimítrofe.Não podiam <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser salvaguarda<strong>do</strong>s os direitos <strong>de</strong> terceiro.Mesmo em relação ao Paraguai, qualquer violência que o esbulhasse<strong>de</strong> seu territó<strong>rio</strong> <strong>de</strong>smereceria a generosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma guerra feita paraa sua restauração e sua liberda<strong>de</strong>, e não para que (quem quer que fosse)se aproveitasse daquilo a que não tivesse o mais incontroverso direito.O Protocolo <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1870 é uma das páginas maisesplêndidas da diplomacia <strong>de</strong>ste século: venci<strong>do</strong> o Paraguai, não osobrecarregamos com imposições injustas. Quan<strong>do</strong> se vê a França abatidadiante das exigências da Prússia, é agradável e grato <strong>de</strong>clarar que oBrasil reconheceu no Paraguai a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pugnar por seus direitos einteresses, na questão <strong>de</strong> limites, não o dividin<strong>do</strong> como uma presa.Tocamos nesse ponto com um duplo intuito: se a retificação <strong>de</strong>limites estivesse <strong>de</strong>marcada <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> invariável no Trata<strong>do</strong> da Aliança,em primeiro lugar, o governo <strong>de</strong> Bueno Aires teria feito<strong>do</strong> ProtocoloParanhos um casus belli * ; em segun<strong>do</strong> lugar, o estipula<strong>do</strong> no protocolo<strong>de</strong>monstra o que já dissemos, isto é, que nunca garantimos a questão<strong>de</strong> limites, a qual não po<strong>de</strong> ser uma imposição, uma vez que cumpre àaliança respeitar a integrida<strong>de</strong> da nação vencida.A aceitação pelo Paraguai <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Aliança robustece nossasasserções: coloca<strong>do</strong> já <strong>de</strong> igual para igual, livre da guerra que o flagelou,aquele país não subscreveria, sem um protesto, a seu suicídio, aceitan<strong>do</strong>e reconhecen<strong>do</strong> um trata<strong>do</strong> que estipulava uma prévia linha divisória, aqual constituiu sempre o objeto <strong>de</strong> seus incessantes reclamos.*Um motivo <strong>de</strong> guerra. (N. E.)96


ARTIGOS DE IMPRENSA25) A NaçãoFolha política, comercial e literáriaAno I, número 152, quinta-feira, 26 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1872O acor<strong>do</strong> IIIA pretensão da <strong>imprensa</strong> oposicionista, dizen<strong>do</strong> <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>sno convênio <strong>do</strong>s Trata<strong>do</strong>s Cotegipe, visa a um objetivo que nunca seráatingi<strong>do</strong> graças ao civismo e à ilustração <strong>do</strong> diplomata que celebrouem Assunção os trata<strong>do</strong>s com os quais o Impé<strong>rio</strong> pagou-se <strong>do</strong>s pesa<strong>do</strong>ssacrifícios que lhe foram impostos pela Guerra <strong>do</strong> Paraguai. O veneran<strong>do</strong>senhor <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Cotegipe não proce<strong>de</strong>rá, <strong>de</strong>certo, como os nobressena<strong>do</strong>res dissi<strong>de</strong>ntes que engrossaram a patrulha liberal para a eleição<strong>do</strong> senhor conselheiro Zacarias para membro da Comissão <strong>de</strong> Respostaà Fala <strong>do</strong> Trono.O ilustre negocia<strong>do</strong>r brasileiro não quebrará, para satisfazer cálculos<strong>de</strong> terceiros, a exemplar coerência <strong>de</strong> seu procedimento, colocan<strong>do</strong>-sena atitu<strong>de</strong> em que o aplaudiu o país inteiro quan<strong>do</strong>, exaustos to<strong>do</strong>s osmeios conciliató<strong>rio</strong>s, realizou sozinho os ajustes <strong>de</strong>finitivos, aos quais sevinculavam os mais altos interesses nacionais.O Protocolo <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1870 opunha-se <strong>de</strong> frente a queo ministro brasileiro aceitasse a proposta <strong>de</strong> seu colega argentino,formulada na Conferência <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1871. À integrida<strong>de</strong><strong>do</strong> Paraguai cassava-se até o direito <strong>de</strong> pugnar por seus interesses naquestão <strong>de</strong> limites, eterno pomo <strong>de</strong> discórdia que tem sempre suscita<strong>do</strong>graves questões entre os países limítrofes.Na divergência, pois, presidiu <strong>de</strong> nossa parte o espírito <strong>de</strong> justiça eficou mais uma vez a limpo a generosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vistas com que levamosnossas armas àquela inditosa República.No entanto, para satisfazer a seus cálculos <strong>de</strong> oposição, é justamentedaí que parte o órgão ultra<strong>de</strong>mocrático, criminan<strong>do</strong> o procedimento <strong>do</strong>governo que rompeu a aliança por um ato que, aliás, a Confe<strong>de</strong>raçãoargentina acaba <strong>de</strong> reconhecer como legal, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>-o subsistir e in<strong>do</strong>,por sua vez, praticá-lo!O reclamo argentino, to<strong>do</strong>s sabem, não versou sobre as estipulações<strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s, mas sim por haver o Brasil, separadamente, chega<strong>do</strong> a um97


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOacor<strong>do</strong> sobre suas diversas pendências, dan<strong>do</strong>-lhes <strong>de</strong>finitiva solução.Se infração se houvesse da<strong>do</strong>, não estatuiria o convênio a repetição<strong>de</strong> igual procedimento, tratan<strong>do</strong> isoladamente cada uma das duasRepúblicas que conosco completaram a aliança.Como não levamos em mira escrever largos <strong>artigos</strong>, repisan<strong>do</strong>questões elucidadas, e só <strong>de</strong>sejamos provar que o acor<strong>do</strong> em nada nos<strong>de</strong>slustrou, <strong>de</strong>ixamos <strong>de</strong> acompanhar A República em muitos trechosque não têm a menor analogia com o assunto que se <strong>de</strong>bate.É assim que calaremos o conflito Teje<strong>do</strong>r, que está já julga<strong>do</strong> econ<strong>de</strong>na<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong> pensamos, uma vez que o governo <strong>de</strong> Buenos Airesanuiu a que continuassem em pleno e inteiro vigor os Trata<strong>do</strong>s Cotegipe,os quais a oposição anunciou <strong>de</strong>rroga<strong>do</strong>s.Encaremos a missão Mitre e seu <strong>de</strong>senlace, pois é a questãovertente. “Matéria <strong>de</strong> encher”, “pontos estranhos”, são todas as <strong>de</strong>maisasserções com que a folha ultra<strong>de</strong>mocrática quer aventurar juízos sobrea monarquia e sobre o governo, como se não lhe bastasse já a licençacom que discutem homens e instituições sempre reverenciadas. Aopinião pública não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser reverenciada, como costuma fazêloo gabinete <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> março, nem foram <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>radas a honra e adignida<strong>de</strong> da nação, por ministros, cujo civismo não po<strong>de</strong> ser equívoco,nem mesmo à mais apaixonada maledicência. É o que vai ver-se.O Trata<strong>do</strong> da Aliança estava em positivo e em pleno vigor, e ocontrá<strong>rio</strong> disso nunca o <strong>de</strong>claramos nós: negociamos, isoladamente, como Paraguai por parecer-nos que tínhamos direito <strong>de</strong> fazê-lo; no entanto,formalmente <strong>de</strong>claramos que em nada tínhamos viola<strong>do</strong> as condiçõesque reuniram os três povos, que, <strong>de</strong> comum acor<strong>do</strong>, puseram termo ao<strong>do</strong>mínio <strong>de</strong> López.Corrobora nossas asserções a <strong>de</strong>claração formal <strong>de</strong> nosso governo,quan<strong>do</strong> na nota <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> junho <strong>do</strong> corrente ano assim externava seupensamento:Mas não é preciso levar os propósitos da aliança além <strong>de</strong> suas positivas estipulaçõese compromissos para afirmar que foi ela <strong>de</strong>terminada por uma causa <strong>de</strong> honra epor interesses essenciais às três partes contratantes. A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s sacrifíciosou das vantagens não dá mais direitos nem isenta das obrigações contraídas anenhum <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s.98


ARTIGOS DE IMPRENSAEssa <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, senhor ministro, que não foi <strong>de</strong>certo a favor <strong>do</strong> Brasil, nãoinfluirá hoje, como nunca influiu em sua fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao Pacto da Aliança. O Brasilcumprirá sempre seus empenhos <strong>de</strong> alia<strong>do</strong> com a boa-fé e cavalheirismo <strong>de</strong> que<strong>de</strong>u provas durante a guerra. Se, porém, o governo imperial sabe quanto <strong>de</strong>ve àhonra <strong>de</strong> sua palavra, à paz e à amiza<strong>de</strong> que interessa a to<strong>do</strong>s os alia<strong>do</strong>s, não émenos vivo o sentimento <strong>de</strong> sua dignida<strong>de</strong>; e a consciência íntima lhe asseguraque não é causa das dificulda<strong>de</strong>s que está encontran<strong>do</strong> a execução <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong>1 o <strong>de</strong> maio, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> venci<strong>do</strong> o gran<strong>de</strong> obstáculo <strong>do</strong> inimigo comum.Se essa glo<strong>rio</strong>sa aliança viesse a romper, o que não se <strong>de</strong>ve esperar da sabe<strong>do</strong>ria<strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s, a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse ato e <strong>de</strong> suas consequências não recairiasobre o governo imperial: ce<strong>do</strong> ou tar<strong>de</strong> o juízo imparcial das outras naçõese a própria República Argentina fariam justiça plena ao direito, à lealda<strong>de</strong> e àprudência <strong>do</strong> Brasil.O que era, pois, para quem nutria tão amistosas disposições, a <strong>de</strong>claração<strong>do</strong> artigo 1 o <strong>do</strong> convênio agora impugna<strong>do</strong>? Se <strong>de</strong>claramos sempre queguardávamos com inteira lealda<strong>de</strong> o Pacto da Aliança, porque [sic] vacilarem dizê-lo <strong>de</strong> pé com to<strong>do</strong>s os seus compromissos e vantagens recentes?Na efervescência da questão Teje<strong>do</strong>r, assegurávamos, há um tempo,que vigorava o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Aliança e que não convinha rompê-lo. Como,pois, na calma, no júbilo <strong>de</strong> uma solução tão pacífica quanto honrosaquebrar a coerência para não afirmá-lo igualmente?O que acordamos, ultimamente, é a asseveração oficial <strong>do</strong> que pensousempre o governo, que não viu nos Trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunção motivos sé<strong>rio</strong>spara que esfriassem nossas boas relações com a República Argentina.Como inferir daí um libelo para o gabinete, que acaba <strong>de</strong> versanciona<strong>do</strong> o seu procedimento, com a aceitação das duas Repúblicasda mesma cláusula, isto é, da negociação em separa<strong>do</strong>?Os que opinam <strong>de</strong> outro mo<strong>do</strong> fazem <strong>de</strong> um grave erro os alicerces<strong>de</strong> sua improce<strong>de</strong>nte argumentação. A <strong>de</strong>speito da formal e constante<strong>de</strong>claração <strong>do</strong> governo, <strong>de</strong>scobrem na Negociação Cotegipe a violação<strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Aliança e o dizem só agora, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> convêniorestabeleci<strong>do</strong>.No entanto, o erro dissipou-se. Uma vez que o acor<strong>do</strong> reconheceem vigor os Trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunção, importa isso a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> quetinha o Brasil o direito <strong>de</strong> celebrá-los. Portanto, no reconhecimento <strong>de</strong>99


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOcompromissos, aos quais nunca nos recusamos, nem houve humilhaçãonem esquecimento das conveniências nacionais.26) A NaçãoFolha política, comercial e literáriaAno I, número 153, sexta-feira, 27 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1872O acor<strong>do</strong> IVNão alongaremos a presente discussão além <strong>do</strong>s estreitos limitesque lhe traçou a pálida controvérsia feita por A República ao últimoconvênio. Exausta a matéria pelo prematuro <strong>de</strong>bate que houve, andaagora a <strong>imprensa</strong> oposicionista a chover no molha<strong>do</strong>, sem que uma únicaasserção tenha produzi<strong>do</strong> que possa acalorar um pleito que se anunciararenhi<strong>do</strong> e vigoroso. É mais uma prova <strong>de</strong> que naufragam nas más causasos melhores talentos: as paixões são perigosos parcéis em que os maisavelhanta<strong>do</strong>s palinuros soçobram.A leitura calma <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>cumentos relativos às questões platinas,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Pacto da Aliança, põe em evidência um ponto <strong>de</strong> alta importância:jamais o Brasil anuiu terminantemente à questão <strong>de</strong> limites, que consi<strong>de</strong>rousempre grave e que afeta interesses <strong>de</strong> diversas nacionalida<strong>de</strong>s.A própria A República confessa que <strong>de</strong>clinamos da solidarieda<strong>de</strong> noque é atinente ao Chaco, a cuja posse a Bolívia alega direitos que nãonos cumpria averiguar, uma vez que não tínhamos pretensões sobre talterritó<strong>rio</strong>.Na ressalva <strong>do</strong>s justos reclamos da Bolívia, implicitamente segarantia também o bom direito <strong>de</strong> quem quer que fosse, uma vez que sechegasse ao conhecimento da verda<strong>de</strong>.O Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Aliança, como to<strong>do</strong>s sabem, tinha cláusulas transitóriasque se referiam ao perío<strong>do</strong> da guerra e outras <strong>de</strong> caráter permanente quesubsistiram sempre para nós, pelo respeito constante com que temosobserva<strong>do</strong> quanto foi estipula<strong>do</strong>.Se no que era transitó<strong>rio</strong>, <strong>de</strong> interesse momentâneo, mas <strong>de</strong> altaresponsabilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> gravíssimos efeitos, o Brasil levou a lealda<strong>de</strong> aoúltimo apuro, toman<strong>do</strong> muitas vezes sobre si, somente, o que <strong>de</strong>veria100


ARTIGOS DE IMPRENSAser esforço combina<strong>do</strong> <strong>do</strong>s três povos alia<strong>do</strong>s, o que nos po<strong>de</strong>riaaconselhar a quebra <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> nas disposições permanentes, em que areciprocida<strong>de</strong> era tão completa que, em nenhuma hipótese, po<strong>de</strong>ríamosser prejudica<strong>do</strong>s, com a fiel observância <strong>de</strong> quanto se acordara?A execução coletiva das cláusulas que só po<strong>de</strong>riam ser resolvidasdurante a guerra nunca passou <strong>de</strong> um sofisma <strong>do</strong> ministro Teje<strong>do</strong>r,no intuito <strong>de</strong> provar que nenhum <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>ria negociarseparadamente. O próp<strong>rio</strong> senhor Mitre, no convênio, acaba <strong>de</strong> provarque po<strong>de</strong> cada um <strong>do</strong>s governos entrar isoladamente em ajustes, semque por isso se consi<strong>de</strong>re roto o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> maio.Basta o espírito <strong>do</strong>s <strong>artigos</strong> 8 o e 9 o <strong>de</strong>ste trata<strong>do</strong> para <strong>de</strong>ixarincontroverso que na obrigação em que ficaram os três governos <strong>de</strong>respeitar a in<strong>de</strong>pendência, a soberania e a integrida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Paraguai ia umobstáculo, a <strong>de</strong>marcação prévia <strong>de</strong> limites, que <strong>de</strong> longa data constituíauma questão pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> maior dificulda<strong>de</strong> pelas sérias contestações<strong>do</strong>s três povos que alegam direitos sobre o Chaco.No artigo 12, assentou-se que a paz seria garantida no Paraguai, nãopo<strong>de</strong>n<strong>do</strong> compreen<strong>de</strong>r como uma extorsão po<strong>de</strong>ria ser elemento para tãofeliz acontecimento. Não se confunda propositalmente coisas diversas:para evitar as dissensões e as guerras, que trazem sempre as questões<strong>de</strong> limites, os alia<strong>do</strong>s tinham e têm o direito <strong>de</strong> exigir que o Paraguaicelebre trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong>finitivos <strong>de</strong> limites; no entanto, isso não importa aviolência, a imposição <strong>de</strong> uma linha arbitrária e o capricho <strong>de</strong> qualquer<strong>do</strong>s povos da aliança. Basta este artigo (o 16) para evi<strong>de</strong>nciar que ostrata<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>riam ser celebra<strong>do</strong>s em separa<strong>do</strong>, como acaba <strong>de</strong> acordarseno próp<strong>rio</strong> convênio que <strong>de</strong>clara em pleno vigor o Pacto da Aliança.A nota <strong>do</strong> governo brasileiro <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> fevereiro <strong>do</strong> corrente anoeluci<strong>do</strong>u brilhantemente esta questão, mostran<strong>do</strong> que a questão <strong>de</strong>limites tinha <strong>de</strong> ser negociação isolada.Ir <strong>de</strong> encontro a esses fatos não é mais <strong>do</strong> que fazer reviver a questãoTeje<strong>do</strong>r, com to<strong>do</strong>s os seus embustes e suas <strong>de</strong>sarrazoadas pretensões:não nos prestamos à réplica <strong>de</strong> um assunto que por conveniência <strong>do</strong>s<strong>do</strong>is povos <strong>de</strong>ve ficar no mais completo esquecimento. É tempo <strong>de</strong>concluirmos, pelo menos até que se produza, por parte da <strong>imprensa</strong>oposicionista, controvérsia suculenta que <strong>de</strong> novo nos traga à estacada.A razão e a justiça guiaram-nos sempre na questão <strong>de</strong> limites, poisem fatos <strong>de</strong> direito territorial nada po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>libera<strong>do</strong> sem a audiência101


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO<strong>do</strong>s países interessa<strong>do</strong>s. O governo brasileiro respeitou sempre o Pactoda Aliança e está disposto a continuar a fazê-lo, quer no que diz respeitoao Paraguai, quer nos compromissos para com os governos das duasRepúblicas que figuraram na aliança.O convênio em nada afronta a Negociação Cotegipe, que mereceue merece <strong>do</strong> gabinete a maior a<strong>de</strong>são por haver si<strong>do</strong> feita <strong>de</strong> acor<strong>do</strong>com as instruções recebidas. O Brasil não se <strong>de</strong>s<strong>do</strong>uraria em repararinjustiças: poupou-o, porém, <strong>de</strong>sse grato <strong>de</strong>ver o procedimento que tevesempre, guian<strong>do</strong>-se pelos bons princípios da lealda<strong>de</strong> e das legítimasconveniências públicas.27) A NaçãoFolha política, comercial e literáriaAno I, número 154, sába<strong>do</strong>, 28 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1872Limites com o PeruIO autor da epopeia publicada no jornal A Reforma, sob esta epígrafe,longe <strong>de</strong> favorecer o herói a quem preten<strong>de</strong> exaltar, atribuin<strong>do</strong>-lhe qualida<strong>de</strong>stalentosas e cívicas só por ele possuídas, o expõe à pública irrisão; além<strong>do</strong> mais, falta à verda<strong>de</strong>, asseveran<strong>do</strong> que foram aprova<strong>do</strong>s pelo governoimperial atos que, <strong>de</strong> motu prop<strong>rio</strong> * e in<strong>de</strong>vidamente, praticou.As razões <strong>de</strong> política internacional e o respeito ao costume <strong>de</strong>não manifestar a marcha, e os inci<strong>de</strong>ntes das negociações antes <strong>de</strong>estarem concluídas aconselhavam preferir-se guardar silêncio a fazerinconvenientes e extemporâneas manifestações; porém, a pertinácia comque se busca persuadir o público <strong>de</strong> que o silêncio guarda<strong>do</strong> pelo governoimperial mostra que são fundadas as acusações que se lhe faz, a saber,<strong>de</strong> ter causa<strong>do</strong> a morte <strong>do</strong> comissá<strong>rio</strong> peruano por ditar aos trabalhosda <strong>de</strong>marcação marcha imprópria e <strong>de</strong>snecessária, torna urgente violara regra <strong>de</strong> abstenção. Portanto, resumimos o andamento que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> oprincípio foi <strong>de</strong>signa<strong>do</strong> pelo governo imperial à comissão incumbida*Por iniciativa própria. (N. E.)102


ARTIGOS DE IMPRENSAdas <strong>de</strong>marcações da fronteira <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> com o Peru, os gastos por largotempo feitos com ela sem se empregar nos trabalhos a que era <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>e manifestar as ocorrências inci<strong>de</strong>ntes que exigiram persistir o governoimperial em que a atual comissão executasse os arágrafos 2 o , 3 o , 4 o , 5 o ,6 o , 7 o , 8 o e 10 das instruções que tinha da<strong>do</strong> à ante<strong>rio</strong>r para ir primeiro<strong>de</strong>marcar a fronteira da linha reta tirada <strong>de</strong> Tabatinga à foz <strong>do</strong> Apapóris.Por <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1861, foi nomea<strong>do</strong> comissá<strong>rio</strong> das<strong>de</strong>marcações <strong>de</strong> limites <strong>do</strong> Brasil com o Peru o senhor capitão-tenenteJosé da Costa Azeve<strong>do</strong>; na data <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> outubro seguinte, <strong>de</strong>ram-se-lheas seguintes instruções:§ 2 o Reuni<strong>do</strong>s os comissá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> Brasil e <strong>do</strong> Peru em Tabatinga, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>conferirem entre si, convém que comece a comissão os seus trabalhos por fixar aposição astronômica da fortaleza, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve partir a reta que há <strong>de</strong> terminar nafoz <strong>do</strong> Apapóris, na forma estipulada no artigo 7 o <strong>do</strong> trata<strong>do</strong>.§ 3 o Determinada a posição da fortaleza, passará a comissão a <strong>de</strong>marcar o terrenonecessá<strong>rio</strong> à servidão da fortaleza e ao logra<strong>do</strong>uro da povoação. A base <strong>de</strong>sta<strong>de</strong>marcação <strong>de</strong>ve ser a foz <strong>do</strong> igarapé que os peruanos consi<strong>de</strong>ram como raiada República com o Impé<strong>rio</strong>, o qual parece que é <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> igarapé <strong>de</strong> SantoAntônio, e, reconhecida a sua foz, <strong>de</strong>ve-se proce<strong>de</strong>r ao reconhecimento da direção<strong>do</strong> mesmo igarapé, a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar-se a linha da fronteira.§ 4º Se este igarapé vier <strong>do</strong> leste, pertencerá ao Peru a sua margem direita, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>a sua foz no Amazonas até on<strong>de</strong> vier a cruzá-lo a reta tirada <strong>do</strong> Tabatinga aoApapóris. Se correr <strong>do</strong> norte a pouca distância a oeste <strong>de</strong>sta linha, seguirá afronteira por ele até a nascente principal, on<strong>de</strong> se assentará um marco, e daí poruma paralela ao Equa<strong>do</strong>r, tirada daquela nascente para leste a encontrar a reta <strong>de</strong>Tabatinga ao Apapóris; no ponto em que estas linhas se encontrarem outro marcoterá <strong>de</strong> ser assenta<strong>do</strong>. Se trouxer direção <strong>de</strong> oeste, servirá o igarapé <strong>de</strong> raia até umadistância razoável que proporcione a Tabatinga terreno suficiente para logra<strong>do</strong>uropúblico.§ 5 o Ten<strong>do</strong> nesta última hipótese concorda<strong>do</strong> os comissá<strong>rio</strong>s até on<strong>de</strong> se esten<strong>de</strong>este logra<strong>do</strong>uro, colocar-se-á um marco junto ao igarapé, e outro <strong>de</strong>verá serlevanta<strong>do</strong> <strong>de</strong>pois no ponto em que se ajustar, que vá terminar uma reta tiradadali a encontrar a linha <strong>de</strong> Tabatinga ao Apapóris. Seja qual for a hipótese que103


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOse realizar, colocar-se-á um marco na margem esquerda <strong>do</strong> dito igarapé, junto asua foz, para indicar que chega ali a fronteira <strong>do</strong> Brasil pelo litoral <strong>do</strong> Amazonas.§ 6 o Termina<strong>do</strong>s os referi<strong>do</strong>s exames, feita a <strong>de</strong>marcação em que concordar acomissão, e ajusta<strong>do</strong> o que se <strong>de</strong>verá fazer, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada a direção dalinha <strong>de</strong> Tabatinga ao Apapóris, baixarão os comissá<strong>rio</strong>s pelo <strong>rio</strong> Amazonas abuscar o primeiro canal ou boca <strong>do</strong> Japurá e subirão este <strong>rio</strong> até a foz <strong>do</strong> Apapóris,que <strong>de</strong>ságua pela sua margem esquerda.§ 7 o Depois <strong>de</strong> reconhecerem aquela foz e <strong>de</strong> haverem <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> a posiçãoastronômica <strong>do</strong> ponto que lhe fica fronteiro na margem direita <strong>do</strong> Japurá, oscomissá<strong>rio</strong>s levantarão aí um marco.§ 8 o Concluí<strong>do</strong> este trabalho, se não for praticável atravessar dali para o <strong>rio</strong> Içá,regressará a comissão pelo Japurá ao Amazonas para seguir por ele a buscar a foz<strong>do</strong> <strong>rio</strong> Içá ou Putumaio, e subirá por este <strong>rio</strong> a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar o ponto em queele é atravessa<strong>do</strong> pela reta tirada entre os <strong>do</strong>is extremos <strong>de</strong> Tabatinga ao Apapóris.§ 10 De volta a Tabatinga, a comissão completará a <strong>de</strong>marcação da servidão e <strong>do</strong>logra<strong>do</strong>uro <strong>de</strong> que se tratam nos §§ 2 o , 3 o , e 4 o <strong>de</strong>stas instruções. Concluí<strong>do</strong>s estestrabalhos, procurará a comissão o <strong>rio</strong> Javari e subirá por ele exploran<strong>do</strong>-o até alatitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> 10º sul.Na data <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1861, escreve <strong>do</strong> Pará o senhorcomissá<strong>rio</strong> Costa <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> ao senhor conselheiro Azambuja, entãooficial-maior da Secretaria <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros, pedin<strong>do</strong> quelhe mandasse vá<strong>rio</strong>s mapas geográficos e o hidrográfico <strong>do</strong> Amazonas,organiza<strong>do</strong> no arquivo militar pelo senhor conselheiro Duarte da PonteRibeiro com o capitão Izaltino.Em ofício <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1862, participa partir naquele dia paraManaus, no vapor Jacuí, tencionan<strong>do</strong> empreen<strong>de</strong>r ali os trabalhos dacomissão, que po<strong>de</strong>riam ser feitos só por ele e pelo primeiro-tenenteJoão Soares Pinto, em benefício da <strong>de</strong>marcação futura <strong>do</strong>s limites <strong>do</strong>Impé<strong>rio</strong> com o Peru.Em oficio <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1862, acusa a recepção <strong>de</strong> <strong>de</strong>spachos nasdatas <strong>de</strong> 5 e 7 <strong>de</strong> abril, os quais incluíam as instruções práticas organizadaspelo conselheiro Bellegar<strong>de</strong> e a memória <strong>do</strong> engenheiro Liais; participa104


ARTIGOS DE IMPRENSAque estava fazen<strong>do</strong> cálculos para fixar a posição <strong>do</strong>s pontos em que tocouna subida pelo Amazonas, trabalhos pratica<strong>do</strong>s ali pela primeira vez, àexceção <strong>do</strong>s feitos em 1844 e em 1845 por Tardy <strong>de</strong> Montravel e porCosta Azeve<strong>do</strong> em 1858, 1859 e 1860.Semelhante asserção pressupõe que são ignoradas as operaçõescientíficas praticadas em 1781 no <strong>rio</strong> Branco pelo insigne astrônomo<strong>do</strong>utor Antônio Pires da Silva Pontes e pelo engenheiro Ricar<strong>do</strong> Franco<strong>de</strong> Almeida Serra e as realizadas no <strong>rio</strong> Negro pelo igualmente insigneastrônomo <strong>do</strong>utor Francisco José <strong>de</strong> Lacerda e pelo engenheiro JoaquimJosé Ferreira, to<strong>do</strong>s quatro da Comissão das Demarcações <strong>de</strong> Limites,que no mesmo ano subiu pelo Ma<strong>de</strong>ira em direção ao Mato Grosso eque levantou em gran<strong>de</strong> escala o exatíssimo plano que temos <strong>de</strong>ste <strong>rio</strong>.Esses trabalhos <strong>de</strong>scritos nos relató<strong>rio</strong>s têm si<strong>do</strong> publica<strong>do</strong>s na Revista <strong>do</strong>Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e em um folheto por manda<strong>do</strong>da legislatura da província <strong>de</strong> São Paulo. Supõe também <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>s osplanos topográficos e mapas geográficos, corretamente elabora<strong>do</strong>s pelos<strong>do</strong>utores em Matemáticas José Simões <strong>de</strong> Carvalho, Pedro AlexandrinoPinto <strong>de</strong> Souza, José Joaquim Vitó<strong>rio</strong> da Costa e pelos engenheirosTeodósio Constantino <strong>de</strong> Chermont, Henrique João Wilkens, EusébioAntônio <strong>de</strong> Ribeiros e Manoel da Gama Lobo da Almada. Aí está o mapa<strong>do</strong> <strong>rio</strong> Branco, assina<strong>do</strong> por Silva Pontes e Ricar<strong>do</strong> Franco; o <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Negro,firma<strong>do</strong> por Lacerda e Ferreira; os da costa <strong>do</strong> norte, <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Calçoene aoAraguari, com a série <strong>de</strong> lagos <strong>do</strong> Amapá, da ilha Marajó e <strong>do</strong>s baixos daTijoca, <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Branco, <strong>do</strong> Tacutu, <strong>do</strong> Pirara e <strong>do</strong> Rupununi, to<strong>do</strong>s assina<strong>do</strong>spelo <strong>do</strong>utor Simões; o mapa hidrográfico <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Araguari, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a suanascente, em 2º 10’ norte, levanta<strong>do</strong> por Pinto <strong>de</strong> Souza em seis folhas <strong>de</strong>gran<strong>de</strong> escala e em uma carta na qual fez redução daquelas; o plano <strong>do</strong><strong>rio</strong> Amazonas, da foz <strong>do</strong> Tapajós até a foz <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Negro, em oito cartas <strong>de</strong>gran<strong>de</strong> escala, levanta<strong>do</strong> em 1797 pelo <strong>do</strong>utor em Matemática Vitó<strong>rio</strong> daCosta; os mapas <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Japurá; um até a segunda cachoeira gran<strong>de</strong>, emduas folhas, levanta<strong>do</strong> pelos engenheiros que lá foram, em 1781, Wilkens,Simões <strong>de</strong> Carvalho e Pinto <strong>de</strong> Souza; outro em três folhas até o <strong>rio</strong> <strong>do</strong>sEnganos ou Cumiari, levanta<strong>do</strong> pela comissão luso-castelhana, que subiuaté aí em 1782; mapa <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Apapóris até a al<strong>de</strong>ia <strong>do</strong>s Curutus, por Vitó<strong>rio</strong>da Costa; o <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Amazonas <strong>de</strong> Tefé a Tabatinga por toda a comissão das<strong>de</strong>marcações; e o topográfico <strong>de</strong> Tabatinga e foz <strong>do</strong> Javari, nitidamentefeito e assina<strong>do</strong> pelo engenheiro Eusébio <strong>de</strong> Ribeiros.105


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOEsqueceu também o mapa da foz <strong>do</strong> Caciporé, cabo <strong>de</strong> Orange, <strong>rio</strong>Uaçá até 15 léguas (cerca <strong>de</strong> 99 km) da sua foz, e <strong>do</strong> Oiapoque até quatro(cerca <strong>de</strong> 26,4 km), que, por or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> capitão-general <strong>do</strong>m Francisco <strong>de</strong>Souza Coutinho, foi levanta<strong>do</strong> pelo piloto (<strong>de</strong>pois chefe <strong>de</strong> divisão) JoséLopes <strong>do</strong>s Santos, cuja exatidão é confirmada por outros iguais que temsi<strong>do</strong> publica<strong>do</strong>s recentemente.Em ofício <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1872, participou o senhor CostaAzeve<strong>do</strong> que ia para Tabatinga <strong>de</strong> passagem no vapor Inca, com o fim<strong>de</strong> transportar a hora e acertar com a <strong>de</strong> Manaus a hora <strong>do</strong>s cronômetros.Saiu <strong>de</strong> Manaus no dia 10 <strong>de</strong> agosto para Tabatinga e, em ofício <strong>de</strong>25, dizia estar <strong>de</strong> volta sem completar o trabalho a que se propunha,por circunstâncias alheias a sua vonta<strong>de</strong>; no entanto, ainda assim tinhacomeça<strong>do</strong> as observações e adiou o trabalho por ter morri<strong>do</strong> o ajudantecom quem contava, o capitão Pedro Lino <strong>de</strong> Barros Reis.Em <strong>de</strong>spacho <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1864, or<strong>de</strong>nou o senhor ministro <strong>do</strong>sNegócios Estrangeiros ao comissá<strong>rio</strong> senhor Costa Azeve<strong>do</strong> que, ten<strong>do</strong>se retira<strong>do</strong> o comissá<strong>rio</strong> peruano Mariátegui antes <strong>de</strong> começar a <strong>de</strong>marcara fronteira com a comissão brasileira e sen<strong>do</strong> improvável o começoda <strong>de</strong>marcação, dispensasse <strong>do</strong>s trabalhos da comissão o engenheirosenhor Vicente Pereira e as 30 praças <strong>de</strong> pré que estavam a bor<strong>do</strong> <strong>do</strong>vapor Ibicuí; or<strong>de</strong>nou também que ficasse o comissá<strong>rio</strong> em Manauscom o seu ajudante Soares Pinto, perceben<strong>do</strong> todas as vantagens, paracontinuar nos estu<strong>do</strong>s geográficos. Or<strong>de</strong>nou-lhe mais neste <strong>de</strong>spachoque mandasse o quanto antes o mapa completo <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Amazonas e ostrabalhos que <strong>de</strong>vem <strong>de</strong>terminar geograficamente as fronteiras, paraassim justificar a continuação da comissão que lhe estava encarregada.Em ofício <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1864, comunica que no dia 15 haviamchega<strong>do</strong> a Manaus, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> três meses e um dia <strong>de</strong> ausência, <strong>de</strong> volta <strong>do</strong>Japurá, os seus ajudantes João Soares Pinto e Vicente Pereira Dias. Diz queSoares Pinto foi muito além da foz <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Apapóris, exploran<strong>do</strong> este <strong>rio</strong> atéa primeira cachoeira (dista da foz uma légua, cerca <strong>de</strong> 6,6 km) e que foi oúnico que regressou <strong>de</strong> pé. Que o vapor Jacuí só pô<strong>de</strong> navegar até abaixoda foz <strong>do</strong> Apapóris e que o mandaram regressar para foz <strong>do</strong> Avateporana,150 milhas geográficas distante (cerca <strong>de</strong> 278,25 km), fican<strong>do</strong> SoaresPinto em uma canoa. Que este subira as duas cachoeiras pequena e gran<strong>de</strong>Cupati para <strong>de</strong>terminar não só a importante posição geográfica <strong>do</strong> <strong>rio</strong>Meriti, que entra no Japurá acima da cachoeira pela margem esquerda,106


ARTIGOS DE IMPRENSAna qual trabalharam as comissões <strong>de</strong> 1781 e 1782, segun<strong>do</strong> lhe informouum índio velho centená<strong>rio</strong> que <strong>de</strong>ve ter presencia<strong>do</strong> estes trabalhos, mastambém a posição da foz <strong>do</strong> Apapóris, pontos sobre os quais, segun<strong>do</strong>os índios, mais questionaram as comissões. Esta averiguação diz CostaAzeve<strong>do</strong> ser a que mais recomen<strong>do</strong>u a Soares Pinto. Essas observaçõeshão <strong>de</strong> fixar as coor<strong>de</strong>nadas geográficas <strong>de</strong>ssas fozes e das cachoeiras <strong>do</strong>Japurá e <strong>de</strong> mais trinta e tantos pontos da zona explorada.Trata-se agora [diz ele] da redução <strong>do</strong>s cálculos para se po<strong>de</strong>r também construir acarta geográfica <strong>do</strong> Japurá nas 500 a 600 milhas (cerca <strong>de</strong> 927,5 km a 1.113 km)que acabam <strong>de</strong> ser exploradas.Infelizmente, a gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho que temos não alcançará ficarpronto e a limpo em menos <strong>de</strong> três meses, por me faltar o auxílio <strong>do</strong> senhor Diasno <strong>de</strong>senho e construções.Por ora, acerca <strong>do</strong>s serviços que têm <strong>de</strong> ser executa<strong>do</strong>s, nada posso mais adiantar:<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> feitos os cálculos e os <strong>de</strong>senhos, fixarei precisamente a direção da linha<strong>de</strong> fronteira <strong>de</strong> Tabatinga ao Apapóris a fim <strong>de</strong> servir à futura <strong>de</strong>marcação <strong>de</strong>la.É este o fim principal da exploração que acabo <strong>de</strong> alcançar pelo zelo e perícia <strong>do</strong>senhor Soares Pinto.Em ofício <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1864, disse o senhor Costa Azeve<strong>do</strong>,acusan<strong>do</strong> a recepção daquele <strong>de</strong>spacho:Em resposta, tenho a satisfação <strong>de</strong> assegurar a vossa excelência que nada mais me éda<strong>do</strong> fazer aqui para adiantar os trabalhos preparató<strong>rio</strong>s da <strong>de</strong>marcação, sem o auxílioindispensável <strong>de</strong> um vapor que me conduza ao <strong>rio</strong> Javari, a fim <strong>de</strong> estudar qual <strong>do</strong>sgalhos em que ele se divi<strong>de</strong> é o verda<strong>de</strong>iro <strong>rio</strong>, única questão que <strong>de</strong>ixo <strong>de</strong> resolver,porquanto a importância da verda<strong>de</strong>ira diretriz da linha <strong>do</strong> Tabatinga ao Japurá e dasrelações <strong>do</strong>s meridianos da fronteira estão resolvidas com os trabalhos feitos, nos quaistomou maior parte o inteligente e zeloso meu ajudante, o capitão-tenente Soares Pinto.Em tais circunstâncias, e sen<strong>do</strong> mais econômico retirar-me para o Rio <strong>de</strong> Janeirocom os senhores Soares Pinto e Vicente Pereira Dias <strong>do</strong> que aqui esperar ulte<strong>rio</strong>resor<strong>de</strong>ns <strong>do</strong> governo imperial, resolvo seguir no primeiro paquete <strong>de</strong> junho, que <strong>de</strong>Belém segue para aí. Em viagem, traçarei uma exposição <strong>do</strong> que fizemos durante107


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOa estada nesta e na província <strong>do</strong> Pará, para que vossa excelência compreendamelhor que alguma utilida<strong>de</strong> tirou o país e que tanto mais que o serviço <strong>do</strong>levantamento da carta <strong>do</strong> Amazonas, já construída, não foi nos or<strong>de</strong>na<strong>do</strong> nem se<strong>de</strong>spen<strong>de</strong>u soma alguma com o trabalho empreendi<strong>do</strong>; porquanto aproveitamonosdas viagens <strong>do</strong> Ibicuí, duas em serviços alheios à comissão, e outras duasnas <strong>de</strong>le, que tiveram por fim, somente, fixar alguns pontos notáveis da linha <strong>de</strong>fronteira, para sujeitar os trabalhos futuros da <strong>de</strong>marcação <strong>de</strong> limites.E pela consciência que temos <strong>de</strong> que com isto prestamos o serviço real, corre-noso <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> apresentar o mais breve possível essa carta, que tantos ciúmes levantou<strong>do</strong> pessoal pouco inteligente da Companhia <strong>do</strong> Comércio <strong>do</strong> Amazonas e dasque <strong>de</strong>la precisam para interesse próp<strong>rio</strong>. Se não pu<strong>de</strong> ainda alcançar terminálaé porque este serviço pesa muito somente para três emprega<strong>do</strong>s. Exige eleque vossa excelência se digne conce<strong>de</strong>r a continuação <strong>do</strong>s serviços <strong>do</strong> senhorVicente Pereira Dias, aí na corte, pois lhe falta a escrituração nos nomes <strong>de</strong> todasas circunstâncias da faixa <strong>de</strong> Manaus a Tefé: tu<strong>do</strong> o mais está pronto.Temos também to<strong>do</strong>s os apontamentos para traçar a carta <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Japurá no cursonavegável, abaixo das cachoeiras na zona explorada por esta comissão.Por <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1864, foi exonerada a comissão queesteve no Amazonas <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1861 até maio <strong>de</strong> 1864, <strong>do</strong>is anos esete meses. Fez, durante este tempo, apontamentos <strong>de</strong> alguns <strong>do</strong>s lugaresque tocou na subida pelo Amazonas, para fixar <strong>de</strong>pois as posições <strong>de</strong>stes(ofício <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1862). Foi o senhor Costa Azeve<strong>do</strong> <strong>de</strong> Manaus aTabatinga, <strong>de</strong> passagem em um vapor da Companhia <strong>do</strong> Comércio, com ofim <strong>de</strong> regular cronômetros, mas voltou sem completar esse trabalho, porter faleci<strong>do</strong> o ajudante com quem contava (ofício <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1862).Empregou-se oficiosamente na construção <strong>do</strong> mapa <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Amazonas,bastan<strong>do</strong>-lhe para isso duas viagens <strong>do</strong> vapor Jacuí em serviços alheios àcomissão, e duas no <strong>de</strong>la (ofício <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1864).É <strong>de</strong> crer que aos reconhecimentos pratica<strong>do</strong>s durante as quatroviagens, e sobretu<strong>do</strong> nas duas primeiras, se acrescentassem os<strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>s no pedi<strong>do</strong> mapa <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Amazonas (ofício <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong>novembro), organiza<strong>do</strong> no Arquivo Militar pelo senhor conselheiroDuarte da Ponte Ribeiro com o major Izaltino, à vista das <strong>de</strong>rrotas e<strong>do</strong>s esboços hidrográficos <strong>do</strong>s senhores Paraibuna e Catrambi, que108


ARTIGOS DE IMPRENSAcomandavam vapores da Companhia da Navegação <strong>do</strong> Amazonas – oprimeiro havia 11 anos e o segun<strong>do</strong>, sete, assistin<strong>do</strong> este à organizaçãoquan<strong>do</strong> eram necessárias algumas explicações; mapa em que, se háerros <strong>de</strong> latitu<strong>de</strong> e <strong>de</strong> longitu<strong>de</strong>, por causa <strong>de</strong>les não irão os barcos quenavegam os <strong>rio</strong>s varar a terra, nem encalhar nos bancos.A recordação <strong>de</strong>ssas circunstâncias, longe <strong>de</strong> prejudicar, <strong>de</strong>põe emfavor <strong>do</strong> mapa publica<strong>do</strong> pelos senhores Costa Azeve<strong>do</strong> e Soares Pinto.Foram ao Japurá os <strong>do</strong>is membros da comissão, Soares Pinto e PereiraDias, subin<strong>do</strong> até a cachoeira gran<strong>de</strong> Cupati (ofício <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1864),os quais, sem dúvida, encontraram as exatas posições <strong>de</strong>ssa cachoeira, dafoz <strong>do</strong> Apapóris e <strong>de</strong> outros pontos notáveis <strong>do</strong> Japurá, as quais já tinhamsi<strong>do</strong> fixadas em 1862 pela comissão mista luso-castelhana, como consta<strong>do</strong>s seus diá<strong>rio</strong>s e mostram os respectivos mapas.28) A NaçãoFolha política, comercial e literáriaAno I, número 156, terça-feira, 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1872Um <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> cortesia, que não preterimos nunca, nem mesmo paracom os contemporâneos mais <strong>de</strong>sarrazoa<strong>do</strong>s e odientos, chama-nos <strong>de</strong>novo à discussão <strong>de</strong> um assunto que, aliás, reputamos já suficientementeelucida<strong>do</strong>.Trabalha-nos o espírito a prévia convicção <strong>de</strong> que nada aduziremos acontento <strong>de</strong> A República, nem <strong>do</strong>s outros órgãos oposicionistas, por haveremto<strong>do</strong>s <strong>de</strong>libera<strong>do</strong> que só com eles estão a verda<strong>de</strong>, a razão e a justiça.Acima, porém, <strong>de</strong> seus conceitos apaixona<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> suas asserçõessem crité<strong>rio</strong>, <strong>de</strong> seus libelos inaceitáveis, está a verda<strong>de</strong>ira opinião,Têmis incorruptível que ouve, mas não vê, julgan<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s com a maisestrita neutralida<strong>de</strong> e profun<strong>do</strong> discernimento.Não nos apavoram, pois, os juízos insidiosos <strong>do</strong>s que só miram aconflagração <strong>do</strong>s ânimos, arrastan<strong>do</strong> incautos aos <strong>de</strong>spenha<strong>de</strong>iros da<strong>de</strong>magogia. O bom-senso <strong>de</strong> nossos compat<strong>rio</strong>tas é broquel no qual acalúnia não po<strong>de</strong> penetrar.A que visa A República, tornan<strong>do</strong> à discussão <strong>do</strong> convênio? Haveráespírito imparcial que possa partilhar a versão <strong>de</strong> que nos humilhamos109


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOdiante <strong>do</strong> governo <strong>de</strong> Buenos Aires? Difícil tarefa será, por certo,convencer-nos A República <strong>de</strong> que a incoerência se tenha torna<strong>do</strong> umcaracterístico da situação, quan<strong>do</strong> a mais completa solidarieda<strong>de</strong> enlaçato<strong>do</strong>s os ministros, trabalhan<strong>do</strong> cada um <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que possa conquistara mais leal a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> seus nobres companheiros.Não nos faremos cargo <strong>de</strong> refutar o propósito <strong>de</strong> A República emfazer passar os membros <strong>do</strong> gabinete, exceção <strong>do</strong> veneran<strong>do</strong> senhorviscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco, por figuras secundárias e sem imputabilida<strong>de</strong>,dizen<strong>do</strong>-se figuras que se movem à vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong> diretor da cena. Vaigrave injustiça e maior incivilida<strong>de</strong> na qualificação apaixonada <strong>do</strong>órgão ultra<strong>de</strong>mocrático, o que aliás não admira, pois que a oposiçãomonopolizou tu<strong>do</strong>, não nos <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> sete homens com os predica<strong>do</strong>snecessá<strong>rio</strong>s para o nobre mister <strong>de</strong> conselheiros da coroa.Se a<strong>do</strong>tássemos o plano das recriminações, fácil seria passar emrevista os ministé<strong>rio</strong>s ligueiros. Respeitosos, to<strong>do</strong>s se <strong>do</strong>brariam diante<strong>do</strong>s vultos épicos daquela nefasta situação.Para a <strong>imprensa</strong> oposicionista, porém, cidadãos respeitáveis quejá presidiram províncias, que são <strong>de</strong>sembarga<strong>do</strong>res e outros que emmuitas legislaturas têm si<strong>do</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s provinciais, não passam <strong>de</strong><strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>s sem importância, ao passo que são engran<strong>de</strong>ci<strong>do</strong>s osliberais, cuja aptidão foi sempre, e continua a ser, ignorada.Tornemos, porém, ao assunto <strong>de</strong> que nos ia <strong>de</strong>svian<strong>do</strong> a justa indignaçãoque nos assoberba ao ver a <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhosa ironia com que são invectiva<strong>do</strong>shomens <strong>de</strong> bens, os quais tanto na vida pública quanto na particular jamaisofereceram em tempo algum motivo para tão injusta <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração.Alega A República que suas cláusulas ficaram <strong>de</strong> pé, conquanto fossenosso primeiro empenho <strong>de</strong>struí-las. Os piores cegos são justamenteaqueles que não querem ver, pois para eles não há remédio, sen<strong>do</strong> suastrevas mais <strong>de</strong>nsas que as <strong>de</strong> Tobias, que conseguiu curar-se.Acreditávamos nós que ficara bem saliente a nenhuma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>entre as cláusulas estipuladas no convênio e as que foram fantasiadaspela A República: chegamos mesmo a estabelecer o confronto <strong>de</strong> queresultou a aleivosia com que o órgão ultra<strong>de</strong>mocrático se houve nadiscussão prematura <strong>do</strong> assunto. No entanto, o pirronismo nunca seconvence.Uma vez que a evidência <strong>do</strong>s fatos é coisa arbitrária e a caprichoda folha republicana, não há remédio senão receber as antíteses como110


ARTIGOS DE IMPRENSAa expressão fiel <strong>do</strong>s pensamentos que elas contrariam: ambos osconten<strong>do</strong>res dizem-se fortaleci<strong>do</strong>s pela razão, una e indivisível, e, assim,o recurso está no apelo para melhores juízos.Pelo que po<strong>de</strong>mos recolher <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> e da análise <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os<strong>do</strong>cumentos oficiais relativos às questões platinas, formou-se em nossoespírito a convicção já enunciada <strong>de</strong> que não se <strong>de</strong>u incoerência noministé<strong>rio</strong> tampouco <strong>de</strong>ixou jamais <strong>de</strong> vigorar o Trata<strong>do</strong> da TrípliceAliança, dan<strong>do</strong>-se o mesmo em relação ao <strong>de</strong> Assunção.O gabinete tem da<strong>do</strong> provas irrefragáveis <strong>de</strong> que não receia adiscussão <strong>de</strong> seus atos, e, ainda na sessão <strong>de</strong> 27, atirava o nobre presi<strong>de</strong>nte<strong>do</strong> Conselho repto solene ao ilustra<strong>do</strong> senhor <strong>do</strong>utor Gaspar Martins,para que viesse ao <strong>de</strong>bate das questões diplomáticas.Não há, pois, conveniência no governo em mistificar o público,<strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> <strong>de</strong> aprofundar a discussão <strong>do</strong> convênio. A prova está no fato <strong>de</strong>que tornamos ao assunto, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> que A República o repise a seu contento,fazen<strong>do</strong> novas edições <strong>de</strong> quanto já estampou sem o menor sucesso.Não somos órgão <strong>de</strong> ministros, mas sim <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> parti<strong>do</strong>, cujaban<strong>de</strong>ira é geralmente conhecida; não é o fetichismo a nossa religiãopolítica, e os homens só po<strong>de</strong>m valer diante <strong>de</strong> nós pelas i<strong>de</strong>ias querepresentam. Os princípios são tu<strong>do</strong>. Uma i<strong>de</strong>ia po<strong>de</strong> ser o centro <strong>de</strong>um sistema; o homem nunca passará <strong>de</strong> um satélite, e sua órbita está<strong>de</strong>marcada nas elipses que servem <strong>de</strong> rota aos gran<strong>de</strong>s pensamentos aque eles a<strong>de</strong>rem. Os homens constelações são <strong>de</strong> A Reforma.É, pois, em nome <strong>do</strong> gran<strong>de</strong> Parti<strong>do</strong> Conserva<strong>do</strong>r, em nome da escolaconstitucional, e não como órgão <strong>do</strong> primeiro-ministro, que militamosna <strong>imprensa</strong>, que não <strong>de</strong>snaturamos nem rebaixamos aos apo<strong>do</strong>s einvectivas que constituem o vocabulá<strong>rio</strong> <strong>do</strong> jornalismo oposicionista.Dan<strong>do</strong> este cavaco, necessá<strong>rio</strong> para <strong>de</strong>struir a malignida<strong>de</strong> daimputação, aceitamos o <strong>de</strong>bate <strong>do</strong> convênio no terreno em que ARepública o quiser colocar; com a lógica inexorável <strong>do</strong>s fatos, nãoduvidamos que nos caberá a vitória.Estimamos que a folha ultra<strong>de</strong>mocrática tenha formula<strong>do</strong> quesitos <strong>de</strong>mo<strong>do</strong> a precisar a questão, que, entretanto, afiançamo-lo já, será la<strong>de</strong>adapor nosso conten<strong>do</strong>r, sempre que a ofensiva que vai ocupar tornar-sedifícil e embaraçosa. Um pouco <strong>de</strong> fôlego e, <strong>de</strong>pois, começaremos asjustas a que somos chama<strong>do</strong>s.111


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO29) A NaçãoFolha política, comercial e literáriaAno II, número 1, quinta-feira, 2 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1873A primeira questão formulada por A República no intuito <strong>de</strong> <strong>de</strong>sataros vínculos <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> que existem entre o gabinete e o nobre senhor<strong>barão</strong> <strong>de</strong> Cotegipe na questão <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunção foi a seguinte: “OTrata<strong>do</strong> da Aliança foi interrompi<strong>do</strong> em seu vigor pelos Trata<strong>do</strong>s Cotegipe?”Respon<strong>de</strong>mos-lhe <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> mais peremptó<strong>rio</strong> e preciso que não. O fato <strong>de</strong>haver o ministro brasileiro trata<strong>do</strong> separadamente com o Paraguai, usan<strong>do</strong><strong>de</strong> um direito que os outros alia<strong>do</strong>s reconheceram legítimo, in<strong>do</strong> por sua vezexercê-lo, não prova a interrupção <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> da Aliança.Continuaram as boas relações entre os respectivos governos, ten<strong>do</strong>cada um <strong>de</strong>les seus representantes nas capitais <strong>do</strong>s países alia<strong>do</strong>s, oque não suce<strong>de</strong>ria com o casus belli da violação <strong>de</strong> um trata<strong>do</strong>, que, naatualida<strong>de</strong>, é o resumo perfeito <strong>do</strong>s mais altos interesses <strong>do</strong>s três povos,que levaram suas armas até o Aquidabã.A simples inteligência <strong>do</strong> ministro Teje<strong>do</strong>r, dizen<strong>do</strong>-nos inibi<strong>do</strong>s<strong>de</strong> uma negociação distinta e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da ação coletiva, não bastapara autorizar a asserção <strong>de</strong> que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> vigorar o Trata<strong>do</strong> da Aliança.Ao contrá<strong>rio</strong>, contra as infundadas alegações <strong>do</strong> ministro argentino, ogoverno brasileiro pronunciava-se assim:A falsa luz sob a qual os atos <strong>do</strong> governo imperial têm si<strong>do</strong> vistos e aprecia<strong>do</strong>s naRepública Argentina não tem produzi<strong>do</strong> outro efeito senão por em maior relevo aboa-fé e a legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um procedimento <strong>do</strong> Brasil.O senhor Teje<strong>do</strong>r pensa que houve violação <strong>do</strong>s <strong>artigos</strong> 14 e 15 <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1 o<strong>de</strong> maio porque o Brasil estipulou por si só a in<strong>de</strong>nização que lhe compete pelosgastos da guerra, pelos danos e prejuízos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e <strong>do</strong>s particulares.A evidência <strong>do</strong> contrá<strong>rio</strong> ressalta <strong>do</strong>s mesmos <strong>artigos</strong>, <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> prévio <strong>do</strong>salia<strong>do</strong>s e <strong>do</strong> que se estipulou entre o Brasil e o Paraguai.Em controvérsia, pois, o governo imperial nunca consi<strong>de</strong>rou roto oTrata<strong>do</strong> da Aliança, o qual, <strong>de</strong> fato, vigorou sempre pelas outras razões,que como provas vamos produzir.112


ARTIGOS DE IMPRENSARegulan<strong>do</strong> o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> maio os meios para a realização <strong>do</strong>sajustes <strong>de</strong>finitivos, não há mister <strong>de</strong> nenhuma referência, uma vez quenenhuma exigência tenha si<strong>do</strong> feita além <strong>do</strong> que estava estipula<strong>do</strong>. Se oTrata<strong>do</strong> da Aliança não obrigava o Paraguai, como teria essa República<strong>de</strong> assentar seus Trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Paz no que se acordava contra ela? Aalegação <strong>de</strong> A República <strong>de</strong> que a interrupção <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> da Aliança,na falta <strong>de</strong> menção <strong>de</strong> suas cláusulas, as quais eram meras atalaias <strong>do</strong>procedimento poste<strong>rio</strong>r <strong>do</strong>s governos alia<strong>do</strong>s, é, portanto, banal.A menção feita no que atinente à in<strong>de</strong>pendência, à soberania e àintegrida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Paraguai, sim, tinha o maior cabimento, pois se refere aum proveito transcen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> país venci<strong>do</strong>, que tinha naquela ocasião odireito <strong>de</strong> exigir o respeito <strong>de</strong> uma cláusula, sem a qual nenhum país <strong>do</strong>mun<strong>do</strong> civiliza<strong>do</strong> teria fica<strong>do</strong> neutral na luta travada.Não proce<strong>de</strong> tampouco a terceira razão dada por A República comocausa da interrupção <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1865. Em uma negociaçãoem separa<strong>do</strong>, seria uma improprieda<strong>de</strong> qualquer referência à ação coletiva<strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s, os quais teriam <strong>de</strong> celebrar os seus ajustes <strong>de</strong>finitivos.Nesse ponto, na questão <strong>de</strong> limites, que é o cavalo <strong>de</strong> batalha e amaior máquina <strong>de</strong> guerra da <strong>imprensa</strong> oposicionista, tu<strong>do</strong> está, e esteve,sempre liquida<strong>do</strong> para to<strong>do</strong>s aqueles as regras da boa hermenêutica nãotêm, como Jano, duas faces.Imitan<strong>do</strong> o ministro Teje<strong>do</strong>r, que suscitou o conflito só pela questão<strong>de</strong> limites, forçan<strong>do</strong> para isso o espírito e a letra <strong>do</strong> artigo 16 <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong><strong>do</strong> 1 o <strong>de</strong> maio, A República também não enca<strong>de</strong>ia <strong>do</strong>is raciocínios nemestabelece o nexo entre <strong>do</strong>is perío<strong>do</strong>s sem procurar apoio na pretendidaviolação <strong>do</strong> artigo, que converteu em mole estupenda <strong>de</strong> sua argumentação.A leitura, porém, <strong>do</strong> Protocolo n o 7 das Conferências <strong>de</strong> BuenosAires basta para elucidar a questão principal, pois <strong>de</strong> tal <strong>do</strong>cumentoressalta o pensamento <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s em tal assunto.Os homens imparciais que procurem na leitura <strong>de</strong>sse importante<strong>do</strong>cumento a opinião <strong>do</strong>s três plenipotenciá<strong>rio</strong>s, convencer-se-ão <strong>de</strong> quenunca passou como direito perfeito a <strong>de</strong>marcação <strong>do</strong>s limites, <strong>do</strong> mo<strong>do</strong>pelo qual está ela formulada no artigo 16 <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>do</strong> 1 o <strong>de</strong> maio.O próp<strong>rio</strong> governo argentino também pensava igualmente, quan<strong>do</strong>,em 27 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1870, o ministro das Relações Exte<strong>rio</strong>res diziaem uma nota ao representante <strong>do</strong> Brasil:113


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOO governo argentino, que tem indisputáveis direitos ao Chaco, aprovou plenamenteo procedimento <strong>do</strong> general em chefe <strong>do</strong> exército, sem que essa aprovação importeuma recusa <strong>de</strong> tratar oportunamente da questão <strong>de</strong> direito com o governo<strong>de</strong>finitivo <strong>do</strong> Paraguai.Reivindican<strong>do</strong> este territó<strong>rio</strong> pela vitória das Armas aliadas, foi a sua ocupação umfato material e lógico, e retroce<strong>de</strong>r hoje seria pôr em dúvida nossos legítimos direitos.Todavia, o governo argentino sustentou há muito pouco tempo, em discussões com orepresentante <strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong> o impera<strong>do</strong>r, que a vitória não dá às nações aliadaso direito para <strong>de</strong>clararem, por si, limites seus aqueles que o trata<strong>do</strong> assinala.Crê o meu governo, hoje, como então, que os limites <strong>de</strong>vem ser discuti<strong>do</strong>s com ogoverno que se estabelecer no Paraguai e que a sua fixação será feita, nos trata<strong>do</strong>sque se celebrarem, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> exibi<strong>do</strong>s pelas partes contratantes os títulos em quecada uma se funda.Assim, ao ocupar o Chaco, a República Argentina não resolve a questão <strong>de</strong> limites;toma pelo direito da vitória o que crê ser seu, disposta a <strong>de</strong>volvê-lo se o Paraguaiapresentar provas, que vençam as nossas, quan<strong>do</strong> se tratar <strong>de</strong> questão <strong>de</strong> direito.Seria esta, perguntamos aos caracteres leais e <strong>de</strong> boa-fé, a linguagem<strong>do</strong> governo argentino se o Trata<strong>do</strong> da Tríplice Aliança lhe houvessegaranti<strong>do</strong> o Chaco? Demais, quem não sabe que pelo artigo 2 o <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong>Preliminar <strong>de</strong> Paz <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1870 reconheceu-se ao Paraguai odireito <strong>de</strong> propor modificações ao Trata<strong>do</strong> <strong>do</strong> 1 o <strong>de</strong> maio (modificaçõesque eram relativas à questão <strong>do</strong> Chaco, conforme está explica<strong>do</strong> nosrespectivos protocolos)?Futilíssimo é o quarto motivo exibi<strong>do</strong> por A República como causada interrupção <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Aliança. O fato <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar o artigo 1 o <strong>do</strong>convênio que o Trata<strong>do</strong> da Aliança continua em vigor não implica ai<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que houvesse ele <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> <strong>de</strong> vigorar. É, ao contrá<strong>rio</strong>, <strong>de</strong> praxe,em toda e qualquer resolução, a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> que só ficam revogadas asdisposições em contrá<strong>rio</strong> daquilo sobre o que tem <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberar-se.Que o Brasil respeitou sempre o que foi estipula<strong>do</strong> no Trata<strong>do</strong> daAliança não resta a menor dúvida, pois o próp<strong>rio</strong> governo argentino oacaba <strong>de</strong> reconhecer, aceitan<strong>do</strong> para si a negociação em separa<strong>do</strong>, que foi114


ARTIGOS DE IMPRENSAobjeto <strong>de</strong> seu único reclamo. No entanto, A República enten<strong>de</strong> que, noconvênio, não po<strong>de</strong> haver uma <strong>de</strong>claração que pareça ociosa, enquanto<strong>de</strong>scobre, no artigo 2 o <strong>do</strong> convênio, uma simples concessão <strong>de</strong> palavrasao amor próp<strong>rio</strong> <strong>do</strong> gabinete!Refuta<strong>do</strong>s assim os quatro pontos ofereci<strong>do</strong>s por A República comoprova <strong>de</strong> interrupção <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> da Aliança, encararemos <strong>de</strong> frente asegunda questão proposta pelo órgão ultra<strong>de</strong>mocrático. Faremo-lo coma mesma lisura com que proce<strong>de</strong>mos sempre em honra da <strong>imprensa</strong>sensata, crite<strong>rio</strong>sa e livre, que por nobres convicções a<strong>de</strong>re à atualida<strong>de</strong>política <strong>do</strong> país.Para fecho das consi<strong>de</strong>rações que aí ficam, corroboramos a nossanegativa sobre a interrupção <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Aliança com o expressivotrecho da nota <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> junho <strong>do</strong> nobre ministro <strong>de</strong> Estrangeiros,respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> à <strong>do</strong> ministro Teje<strong>do</strong>r: “O Brasil não violou ponto algumda aliança. O país mantém os seus compromissos e estará sempre prontoa enten<strong>de</strong>r-se com seus alia<strong>do</strong>s para a inteira execução <strong>do</strong>s empenhoscomuns.”Se antes da missão <strong>de</strong> Mitre nutríamos tais disposições, o que foi noúltimo convênio uma humilhação?30) A NaçãoFolha política, comercial e literáriaAno II, número 2, sexta-feira, 3 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1873A segunda questão formulada por A República, aceita também porA Reforma, que intima ao gabinete manda<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejo, foi esta: “OsTrata<strong>do</strong>s Cotegipe continuam em vigor?” Sim, sem a menor dúvida,respon<strong>de</strong>mos, bastan<strong>do</strong> oferecer a nosso arguente o artigo 2 o <strong>do</strong>convênio, que é assim concebi<strong>do</strong>: “Fica também <strong>de</strong>clara<strong>do</strong> e acorda<strong>do</strong>que os Trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunção, celebra<strong>do</strong>s por parte <strong>do</strong> Brasil em 9 e 18<strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1872, continuam em seu positivo e pleno vigor etc.”Hão <strong>de</strong> dizer-nos que tal cláusula nada mais é <strong>do</strong> que uma simplesconcessão <strong>de</strong> palavras ao amor próp<strong>rio</strong> <strong>do</strong> gabinete; é tão repugnante,porém, a tangente por que se esgueira a <strong>imprensa</strong> oposicionista queninguém <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> crer na realida<strong>de</strong>, no que foi acorda<strong>do</strong>, para admitir115


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOa negação <strong>de</strong> um ponto sobremaneira líqui<strong>do</strong>.O que importa que no Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunção não esteja explícitaa garantia coletiva, se foi ela preceituada no Trata<strong>do</strong> <strong>do</strong> 1 o <strong>de</strong> maioe, implicitamente, a <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> <strong>do</strong>s ajustes <strong>de</strong>finitivos, a qual, porsua vez, terá cada país <strong>de</strong> levar a efeito? Por que, em uma discussãoséria, transcen<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong> interesse internacional, preterir a lisura, alógica, a lealda<strong>de</strong>? Como o Brasil, negocian<strong>do</strong> separadamente, porsi só, po<strong>de</strong>ria falar em garantia coletiva, obrigan<strong>do</strong> outros países queteriam oportunamente <strong>de</strong> tomar sobre si tal ônus? Realiza<strong>do</strong>s os ajustes<strong>de</strong>finitivos por parte <strong>do</strong>s três povos alia<strong>do</strong>s, prefixada a garantia a quese obriga cada um <strong>de</strong>les, não teremos em resumo a garantia coletiva?Cabia ao Impé<strong>rio</strong>, porventura, em seus trata<strong>do</strong>s, asseverar, coisa aliás,já sabida, que os governos <strong>de</strong> Buenos Aires e <strong>de</strong> Montevidéu garantiamtambém ao Paraguai as diversas concessões que lhe eram asseguradas?A República, colocada em <strong>de</strong>clive muito pronuncia<strong>do</strong>, procura oequilíb<strong>rio</strong> nos <strong>de</strong>talhes, pon<strong>do</strong> à parte o assunto capital, que seguramenteé a questão <strong>de</strong> limites, fonte única da nota Teje<strong>do</strong>r.As regras que <strong>de</strong>vem ser observadas, em relação aos empenhos <strong>do</strong>Paraguai com os povos que restauraram à custa <strong>do</strong>s mais penosos sacrifícios,estavam prefixadas muito antes <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunção e, no fun<strong>do</strong>, nadasofreram, pois ficou discrimina<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> que po<strong>de</strong>ria dar lugar às in<strong>de</strong>nizações.Na execução <strong>de</strong> todas as leis, é <strong>de</strong> praxe estabelecer regulamentos;a<strong>de</strong>mais, questões <strong>de</strong> forma não po<strong>de</strong>m ter a importância que <strong>de</strong> casopensa<strong>do</strong> se lhes quer atribuir.O fato <strong>de</strong> prévio aviso para a liquidação só revela o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> que, <strong>de</strong>uma só vez, sejam solvi<strong>do</strong>s pontos, que são idênticos para as potênciasque celebraram o trata<strong>do</strong> da aliança. Isso nem altera a in<strong>de</strong>nização,nos justos limites estatuí<strong>do</strong>s, nem põe nenhum <strong>do</strong>s três governos na<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> outro.Excita-nos estranheza e pasmo a direção que se tem pretendi<strong>do</strong>imprimir em um ponto, que nos parece o mais razoável, além <strong>de</strong> muitosproveitos que traz para o nosso país.A permanência das forças <strong>do</strong> Brasil no Paraguai era aconselhadapor conveniências ocasionais, <strong>do</strong> momento, e conhecem to<strong>do</strong>s que suaretirada não po<strong>de</strong> causar-nos o menor dano.Constituí<strong>do</strong> o governo legítimo daquela República, celebra<strong>do</strong>s osnossos ajustes, o que significaria a ocupação militar, por forças nossas116


ARTIGOS DE IMPRENSA<strong>do</strong> país venci<strong>do</strong>? E a retirada das forças não é comum, não se esten<strong>de</strong> ato<strong>do</strong>s os povos da aliança?Dá-se o mesmo em relação à ilha <strong>do</strong> Atajo. Por que a conservaríamosnós, que sobre ela não temos nem direitos, nem pretensões, que aocupamos por meras conveniências estratégicas? Se <strong>de</strong>la carecíamospara arsenais e <strong>de</strong>pósitos, terminada a guerra, por que guardar o alheiose não somos conquista<strong>do</strong>res, se <strong>de</strong>la mais não carecemos? Pois, se osTrata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunção não se referem à ilha <strong>do</strong> Atajo, como o <strong>de</strong>clarou aprópria A República, como se <strong>de</strong>scobre a violação <strong>de</strong> suas cláusulas, suainterrupção no fato da <strong>de</strong>socupação <strong>de</strong>sta ilha?Entra por to<strong>do</strong>s os olhos que a <strong>imprensa</strong> oposicionista carece <strong>de</strong> razãoquan<strong>do</strong> se apoia em argumentos tão improducentes, pois só se po<strong>de</strong>riadizer interrompi<strong>do</strong> o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Cotegipe se o convênio estabelecessecláusulas diametralmente opostas ao que nele se houvesse estipula<strong>do</strong>.Da terceira e última questão nos ocuparemos em artigo subsequente,que será o último, até porque a <strong>imprensa</strong> oposicionista já manifestou seu<strong>de</strong>salento ao preten<strong>de</strong>r ferir o ilustre negocia<strong>do</strong>r, que não lhe fez o gosto<strong>de</strong> vir engrossar as rarefeitas fileiras da dissidência.Os políticos sinceros e que se inspiram, antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, nas legítimasconveniências públicas, têm sempre um itinerá<strong>rio</strong> <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> e evitam oslabirintos e as tortuosida<strong>de</strong>s das posições equívocas e ocasionais.31) A NaçãoFolha política, comercial e literáriaAno II, número 2, sexta-feira, 3 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1873Limites com o Peru IIPor <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1865, foi novamente nomea<strong>do</strong> osenhor Costa Azeve<strong>do</strong> comissá<strong>rio</strong> das <strong>de</strong>marcações <strong>de</strong> limites <strong>do</strong> Brasilcom o Peru.Por aviso <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> agosto, <strong>de</strong>clarou-se-lhe que, não haven<strong>do</strong>necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alterar as instruções que lhe foram dadas duranteo primeiro perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua comissão, <strong>de</strong>veriam ser estas fielmenteexecutadas.117


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOEm ofício <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1865, participou haver-lhe anuncia<strong>do</strong>o coronel Carrasco, comissá<strong>rio</strong> peruano, estar pronto para dar princípioaos trabalhos da comissão.Em ofício <strong>de</strong> 15 <strong>do</strong> mesmo mês, incluiu cópia da resposta <strong>do</strong>coronel Carrasco, ace<strong>de</strong>n<strong>do</strong> à proposta <strong>de</strong> se fazerem as conferênciasnos principais edifícios das povoações on<strong>de</strong> se achasse a comissão, e,em <strong>de</strong>spovoa<strong>do</strong>, no acampamento <strong>do</strong> comissá<strong>rio</strong> que a solicitasse.Nos ofícios <strong>de</strong> 6, 11 e 16 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1865, incluiu a ata da 1 aconferência; participou ter cruza<strong>do</strong> cópias da sua cre<strong>de</strong>ncial e das suasinstruções; disse que tinha discorri<strong>do</strong> com o comissá<strong>rio</strong> peruano sobre anecessida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>marcação e as vantagens que <strong>de</strong>la haviam <strong>de</strong> resultar.Em ofício <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> novembro, remeteu a ata da 2 a conferência.Em ofício <strong>de</strong> 16 <strong>do</strong> dito mês, pon<strong>de</strong>rou “que o bom resulta<strong>do</strong>da fixação da fronteira <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da harmonia entre as autorida<strong>de</strong>sconfinantes, mas que o comandante <strong>de</strong> Tabatinga, oficial da GuardaNacional, não procedia <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a obter-se aquele resulta<strong>do</strong>”.Em ofício <strong>de</strong> 29 <strong>do</strong> mesmo mês <strong>de</strong> novembro, incluiu cópia da atada 3 a conferência e participou haver-lhe <strong>de</strong>clara<strong>do</strong> o comissá<strong>rio</strong> peruanoque estaria pelo plano que ele, Costa Azeve<strong>do</strong>, propusesse para principiara <strong>de</strong>marcação <strong>de</strong> Tabatinga.Em ofício <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1865, ocupou-se largamente comas instruções que o governo peruano tinha da<strong>do</strong> ao seu comissá<strong>rio</strong>Mariátegui.Em ofício <strong>de</strong> 23 <strong>do</strong> dito mês, incluiu ata da 4 a conferência.Em ofício <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1866, tratou da remessa <strong>do</strong> plano hidrográfico<strong>do</strong> <strong>rio</strong> Japurá, levanta<strong>do</strong> em 1864 por Soares Pinto e Pereira Dias.Em ofício <strong>de</strong> 20, remeteu ata da 5 a conferência.Em ofício <strong>de</strong> 24 <strong>do</strong> dito mês, repetiu, como tinha referi<strong>do</strong> nosante<strong>rio</strong>res, relativamente às instruções dadas pelo governo <strong>do</strong> Peru aoseu comissá<strong>rio</strong> Mariátegui, e pon<strong>de</strong>rou que foram concebidas no senti<strong>do</strong><strong>do</strong>s antigos Trata<strong>do</strong>s da Espanha com Portugal, enquanto as que foramditadas <strong>de</strong>pois, por or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> mesmo governo pelo seu ministro nestacorte, em 20 parágrafos mandavam:§ 14 Nas instruções dadas ao senhor contra-almirante Mariátegui e passadas avossa senhoria, previniu-se-lhe que tivesse presente o trata<strong>do</strong> hispano-português<strong>do</strong> ano <strong>de</strong> 1777; porém, como ao mesmo tempo se lhe or<strong>de</strong>na proce<strong>de</strong>r em118


ARTIGOS DE IMPRENSAconformida<strong>de</strong> com a convenção celebrada entre o Peru e o Brasil em 1851, éuma regra <strong>de</strong> direito que as leis poste<strong>rio</strong>res <strong>de</strong>rrogam as ante<strong>rio</strong>res que lhes sãocontrárias e interpretam as duvi<strong>do</strong>sas; vossa senhoria terá presente aquele trata<strong>do</strong><strong>de</strong> 1777, no que não contrarie o estipula<strong>do</strong> no artigo 7 o da expressada convenção.§15 Não sen<strong>do</strong> mais que projeto os acor<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s comissá<strong>rio</strong>s, darão estesconhecimentos <strong>de</strong> por que fizerem algum, a fim <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r o governo dar po<strong>de</strong>resao seu plenipotenciá<strong>rio</strong> para reduzi-los a trata<strong>do</strong>.Nos ofícios <strong>de</strong> 13 e 14 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1866, participou que o comissá<strong>rio</strong>peruano havia recebi<strong>do</strong> novas instruções para fazer a <strong>de</strong>marcação, queestava pronto para entrar em conferências e que partiriam para Tabatingano dia 29 <strong>de</strong> abril.Em ofício <strong>de</strong> 23 <strong>do</strong> mesmo março, referiu a discussão que tinha ti<strong>do</strong>com o seu colega sobre o artigo 9 o das novas instruções, as quais dizem quea fronteira <strong>de</strong>ve ser estabelecida no ponto em que o <strong>rio</strong> Apapóris <strong>de</strong>ságuano Japurá e as quais mandam colocar na margem direita daquele <strong>rio</strong> umnovo marco; ten<strong>do</strong>-lhe observa<strong>do</strong> que havia <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> com o trata<strong>do</strong> queestipulou estabelecer a fronteira na margem direita <strong>do</strong> Japurá, <strong>de</strong>fronte afoz <strong>do</strong> Apapóris, e não na margem direita <strong>de</strong>ste <strong>rio</strong>, on<strong>de</strong> o Peru não tem<strong>do</strong>mínio, respon<strong>de</strong>ra “que não lhe cabia o direito <strong>de</strong> analisar o acor<strong>do</strong>e emitir juízo acerca <strong>do</strong> proce<strong>de</strong>r <strong>do</strong> seu governo e que fincaria o novomarco on<strong>de</strong> mandavam as instruções, <strong>de</strong>sse por on<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse”.Esse propósito <strong>do</strong> comissá<strong>rio</strong> motivou solicitar-se <strong>do</strong> governo peruanoa necessária alteração, como fez, fican<strong>do</strong> subentendi<strong>do</strong> que o <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong>provinha <strong>de</strong> ser escrito no dito artigo 9 o aquele, em vez <strong>de</strong>ste <strong>rio</strong>.Em ofício <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1866, remeteu a ata da 6 a conferência.Em ofício <strong>de</strong> 21 <strong>do</strong> mesmo abril, comunicou ter chega<strong>do</strong> a Manaus,levan<strong>do</strong> em sua companhia, a bor<strong>do</strong> <strong>do</strong> vapor Ibicuí, o comissá<strong>rio</strong>peruano e mais <strong>do</strong>is indivíduos da comissão.Em ofício <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1866, participou que chegou a Tabatingae que o comissá<strong>rio</strong> peruano não encontrara ali notícia da nova organizaçãoda sua comissão, a qual só tinha <strong>do</strong>is emprega<strong>do</strong>s, que eram os vin<strong>do</strong>scom ele <strong>do</strong> Pará, nem achara, como contava, o vapor Napo; por isso,escusava-se <strong>de</strong> ir começar os trabalhos. Informou também que, em vez<strong>do</strong> alojamento que se tinha manda<strong>do</strong> preparar para receber a comissãoperuana, só achou o comissá<strong>rio</strong> uma miserável casa, na qual não havia119


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOnem carvão nem lenha para combustível, sen<strong>do</strong>, por isso, obriga<strong>do</strong> a irbuscar lenha ao Loreto. Comunicou, a<strong>de</strong>mais, que nessa viagem tinha acomissão levanta<strong>do</strong> o plano <strong>do</strong> Amazonas na zona <strong>de</strong> Tabatinga ao Loreto.Em ofício <strong>de</strong> 15, disse que, não obstante a falta <strong>de</strong> pessoal da comissãoperuana, concordara com o comissá<strong>rio</strong>, à vista das instruções <strong>de</strong> ambos,que acaba<strong>do</strong>s os trabalhos da <strong>de</strong>marcação <strong>de</strong> Tabatinga, passariam aoJavari, para irem, <strong>de</strong>pois, ao Japurá, e que mandaria <strong>de</strong>marcar as margens<strong>do</strong> Içá cortadas pela linha reta <strong>de</strong> fronteira e, por aí, os marcos.Em oficio <strong>de</strong> 18 mesmo mês <strong>de</strong> julho, participou ter da<strong>do</strong> princípio à<strong>de</strong>marcação da zona <strong>do</strong> igarapé Santo Antonio ao Javari e que lhe dariaimpulso logo que chegasse o vapor peruano Napo.Em ofício <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1866, remeteu cópia <strong>do</strong> auto que tinhafirma<strong>do</strong> nesse dia com o comissá<strong>rio</strong> peruano, da fronteira pelo igarapéSanto Antonio, feito em solene cerimônia, a que assistira o senhorWilkens <strong>de</strong> Mattos, cônsul <strong>do</strong> Brasil no Loreto.Esses epílogos <strong>do</strong>s ofícios <strong>do</strong> senhor Costa Azeve<strong>do</strong> têm por fim dara conhecer os trabalhos da comissão, pratica<strong>do</strong>s por ele durante os 11meses <strong>de</strong>corri<strong>do</strong>s <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1865 a julho <strong>de</strong> 1866.Teve seis conferências com o comissá<strong>rio</strong> peruano, assinou asrespectivas atas e cruzou alguma correspondência; remeteu o planohidrográfico <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Japurá, levanta<strong>do</strong> em 1864 por Soares Pinto e PereiraDias (ofício <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1866); levantou o plano <strong>do</strong> Amazonasna zona <strong>de</strong> Tabatinga ao Loreto, na viagem que fez a fim <strong>de</strong> buscarlenha para combustível (ofício <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1866); <strong>de</strong>u princípio à<strong>de</strong>marcação na zona <strong>do</strong> igarapé Santo Antonio ao Javari (ofício <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong>julho <strong>de</strong> 1866); e concluiu a <strong>de</strong>marcação da fronteira <strong>do</strong> igarapé SantoAntonio (ofício <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1866).Ocupou-se, pois, <strong>do</strong>s trabalhos da <strong>de</strong>marcação <strong>de</strong> 18 a 28 <strong>de</strong> julho,percorren<strong>do</strong> nesses 10 dias curta extensão territorial sem risco nem dificulda<strong>de</strong>.Errata: no primeiro artigo sob este título, publica<strong>do</strong> no n o 154 d’ANação, na página 1, coluna 3, linha 36, em vez da data 7 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong>1872, <strong>de</strong>ve-se ler a <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1862 * .*Artigo publica<strong>do</strong> nas páginas 102-109, sob o n o 27. (N. E.)120


ARTIGOS DE IMPRENSA32) A NaçãoFolha política, comercial e literáriaAno II, número 3, sába<strong>do</strong>, 4 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1873Um pouco mais <strong>de</strong> paciência e estaremos <strong>de</strong>sonera<strong>do</strong>s <strong>de</strong> uma tarefa quea própria <strong>imprensa</strong> oposicionista já não discute, na convicção <strong>do</strong> muito malque an<strong>do</strong>u em assunto, aliás, digno <strong>do</strong>s maiores encômios, pelo completo<strong>de</strong>sempenho que soube dar-lhe o patriótico governo <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> março.A questão argentina, por um acaso feliz, tinha <strong>de</strong> ter satisfatóriasolução na quadra auspiciosa em que presi<strong>de</strong> ao Conselho <strong>de</strong> Ministroso mesmo diplomata que tantas vezes, na República <strong>do</strong> Prata, temmanifesta<strong>do</strong> alto crité<strong>rio</strong> e civismo com que se ocupa das questõesinternacionais.O Parti<strong>do</strong> Conserva<strong>do</strong>r não esqueceu ainda, e nem o país há <strong>de</strong>esquecer nunca, o mo<strong>do</strong> enérgico e sobranceiro com que o viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong>Rio Branco, no Sena<strong>do</strong>, liqui<strong>do</strong>u suas contas com os liberais, no que eraatinente à sua missão extraordinária, tão caluniada quanto fecunda emacontecimentos importantes para a nossa política externa.Encaran<strong>do</strong> hoje o oitavo ponto <strong>do</strong> libelo ou interrogató<strong>rio</strong> feito porA República, não <strong>de</strong>veríamos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> pôr saliente o fato expressivo<strong>de</strong> haver o nobre presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Conselho adquiri<strong>do</strong> os mais honrososprece<strong>de</strong>ntes em nossas pendências com os países limítrofes: tantas láureascustosamente adquiridas não seriam facilmente fanadas em um convênio,em que a solidarieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> ilustre parlamentar não po<strong>de</strong> ser equívoca.Interroga-nos o órgão ultra<strong>de</strong>mocrático, para saber se os atos <strong>do</strong>ministro Cotegipe foram reprova<strong>do</strong>s, assim como reprova<strong>do</strong>s estão osatos <strong>do</strong> ministé<strong>rio</strong> Paranhos, ratifica<strong>do</strong>s, como aqueles, pelo próp<strong>rio</strong>ministé<strong>rio</strong> Paranhos.Há duas questões distintas, cuja elucidação será também emsepara<strong>do</strong>. Versa a primeira sobre os atos <strong>do</strong> ministro Cotegipe. A ninguémescapa o alvo a que se atira a <strong>imprensa</strong> republicana, repercutin<strong>do</strong> o ecoda oposição liberal: são seus pensamentos capitais a intriga e discórdia;dividir para po<strong>de</strong>r triunfar.Balda<strong>do</strong> o esforço, pueril tentativa pela qual políticos como o nobre<strong>barão</strong> <strong>de</strong> Cotegipe não se <strong>de</strong>ixam engodar, satisfazen<strong>do</strong> cálculos que estãoao alcance <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, e exploradas sem proveito todas as minas e o gasto121


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOo material <strong>de</strong> guerra com que a oposição atacava a situação, resolveu elaprovocar suscetibilida<strong>de</strong>s, espalhan<strong>do</strong> que no último acor<strong>do</strong> contrariaraseo procedimento <strong>do</strong> ilustra<strong>do</strong> negocia<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s Trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunção.Esqueciam, porém, to<strong>do</strong>s os que miravam tal objetivo que oimpreterível <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> coerência, que era também ato <strong>de</strong> consciência,obrigava o gabinete a respeitar atos que sempre lhe mereceram a maisespontânea a<strong>de</strong>são.Eis como, na controvérsia da nota Teje<strong>do</strong>r, o gabinete pronunciava-sepelos lábios <strong>do</strong> ministro a quem competia tal tarefa: “O plenipotenciári<strong>obras</strong>ileiro manteve-se no terreno <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Buenos Aires, confirman<strong>do</strong>,em nome <strong>do</strong> Brasil, a sua <strong>do</strong>utrina e o seu pru<strong>de</strong>nte aviso.”Infere-se <strong>de</strong> tal <strong>de</strong>claração o que to<strong>do</strong>s já sabem: que o gabinete <strong>de</strong>7 <strong>de</strong> março aprovou to<strong>do</strong>s os atos <strong>do</strong> ilustra<strong>do</strong> senhor <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Cotegipe,<strong>de</strong>claran<strong>do</strong> até que proce<strong>de</strong>ra ele sempre <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as instruçõesrecebidas.Diz A República que a sua terceira questão não carece <strong>de</strong><strong>de</strong>monstração, uma vez que tenham si<strong>do</strong> provadas as duas primeirasque formulara. Deu-se, porém, o fato contrá<strong>rio</strong>: <strong>de</strong>monstramos que nãoexistia a menor veracida<strong>de</strong> nas duas primeiras asserções, mas nem porisso <strong>de</strong>ixaremos <strong>de</strong> pôr em relevo a completa inexatidão <strong>do</strong> pensamentoa que quer A República dar curso força<strong>do</strong>.A pretendida contradição entre <strong>do</strong>is atos principais <strong>do</strong> gabinete nãoexiste, gratuita como é a hipótese <strong>de</strong> uma violação que não se <strong>de</strong>u e queé fantasiada com o fim expresso <strong>de</strong> guerrear a situação. São argumentosque trazem sobrescrito, formula<strong>do</strong>s com intenção maligna, e que nãoretiram força nem da lógica nem da verda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s fatos.A outra questão em que se subdividiu o terceiro ponto <strong>do</strong> órgãoultra<strong>de</strong>mocrático consiste em dizer altera<strong>do</strong>s pelo convênio os atosque o gabinete ratificou ao aprovar os Trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunção. Líqui<strong>do</strong>,porém, como já está que a Negociação Cotegipe subsiste, infere-se queo quanto ratificou o gabinete vigora ainda, como aliás está expresso noartigo 2 o <strong>do</strong> convênio.Além <strong>do</strong> mais, se não se <strong>de</strong>u a contradição, se <strong>de</strong> pé, vigoran<strong>do</strong>,estão os Trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunção, é corolá<strong>rio</strong> necessá<strong>rio</strong> que os interessesnacionais foram sempre igualmente atendi<strong>do</strong>s, pois proce<strong>de</strong>u o ministé<strong>rio</strong>coerentemente, não revogan<strong>do</strong> por atos poste<strong>rio</strong>res aquilo que aceitaraantes.122


ARTIGOS DE IMPRENSANo entanto, se o acor<strong>do</strong> não <strong>de</strong>sautora a Negociação Cotegipe, naqual foi <strong>de</strong>sacatada a dignida<strong>de</strong> nacional, por que calculadamente oassoalha A República, no intuito <strong>de</strong> vigorar a escassa propaganda quefaz o seu mister e a sua glória, segun<strong>do</strong> ela mesma assevera? Nem ogabinete nem a nação receberam <strong>de</strong>sar no convênio, que é antes umpadrão <strong>de</strong> glória pelo acerto e pelo pat<strong>rio</strong>tismo <strong>de</strong> suas estipulações.A nação brasileira tem conquista<strong>do</strong> palmo a palmo uma reputaçãoque não po<strong>de</strong> ser abalada à mercê <strong>do</strong>s <strong>de</strong>sejos <strong>do</strong>s díscolos; o gabinete,por sua vez, tem no estádio percorri<strong>do</strong> marcos glo<strong>rio</strong>sos, os quais,<strong>de</strong>finin<strong>do</strong> o seu itinerá<strong>rio</strong>, assinalam também o término <strong>de</strong> sua glo<strong>rio</strong>sajornada. Razões <strong>de</strong> nenhuma or<strong>de</strong>m po<strong>de</strong>riam obrigá-lo a esquecer oque <strong>de</strong>ve cada ministro à sua própria consciência e, antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, aopaís e à confiança da coroa.“A razão estava no la<strong>do</strong> <strong>do</strong> Brasil”, o acor<strong>do</strong> o diz. O ministroTeje<strong>do</strong>r asseverava que a negociação <strong>de</strong>veria ser coletiva, mas agoravem o governo argentino celebrar sozinho seus ajustes, continuan<strong>do</strong> empleno vigor o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunção, que motivara o reclamo. Nada maisclaro e terminante. Acreditamos ter da<strong>do</strong> a A República a explicaçãopedida; portanto, como outros assuntos nos obrigam e não costumamoseternizar as questões, colocamos <strong>de</strong> uma vez por todas ponto-final nadiscussão sobre o convênio.33) A NaçãoFolha política, comercial e literáriaAno II, número 4, terça-feira, 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1873Limites com o Peru IIIA tenaz ameaça que se faz <strong>de</strong> serem publica<strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentoscomprovantes das acusações dirigidas ao governo torna necessá<strong>rio</strong> quese dê publicida<strong>de</strong> à aludida correspondência trocada entre comissá<strong>rio</strong>das <strong>de</strong>marcações <strong>de</strong> limites <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> com o Peru, o senhor José daCosta Azeve<strong>do</strong>, e a Secretaria <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros.Conheça-se a verda<strong>de</strong> inteira. No ofício <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1866, n o46, o senhor Costa Azeve<strong>do</strong> remeteu as:123


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOInstruções para verificar a exploração <strong>do</strong> Javari, afluente <strong>do</strong> Amazonas, cujotrabalho é encarrega<strong>do</strong> aos senhores <strong>do</strong>m Manuel Román y Paz Soldán, secretá<strong>rio</strong>interino da Comissão <strong>de</strong> Limites <strong>do</strong> Peru, e João Soares Pinto, capitão-tenente daArmada Imperial e secretá<strong>rio</strong> da Comissão <strong>de</strong> Limites <strong>do</strong> Brasil.A primeira parte da exploração será até a latitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> 5º 10’ suldistante da boca <strong>do</strong> Javari. Aí, o <strong>rio</strong> se bifurca em <strong>do</strong>is braços, um quevem <strong>do</strong> sul, com águas turvas, e outro que proce<strong>de</strong> <strong>do</strong> su<strong>de</strong>ste, comáguas claras. Então, há <strong>de</strong> se resolver qual <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is braços referi<strong>do</strong>sé a continuação <strong>do</strong> Javari até a sua natural origem e <strong>de</strong> ver se existemalgumas outras bifurcações. Obten<strong>do</strong> este acor<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ve seguir-se afronteira pelo braço aceito até o paralelo <strong>de</strong> 9º 30’ sul, conforme o mapageral e oficial <strong>do</strong> Peru, a qual correspon<strong>de</strong> à linha leste-oeste <strong>do</strong> artigo11 <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1777. Na margem direita, nesse paralelo, se colocará omarco <strong>de</strong> limites. Em caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong>, é preciso explorar os braços emque se divi<strong>de</strong> o Javari, na latitu<strong>de</strong> assinalada <strong>de</strong> 5º 10’ sul, até encontraraquele que, chega<strong>do</strong> à latitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> 9º 30’ sul, ofereça por esta o limiteque se <strong>de</strong>seja fixar. Não é possível admitir que os braços que tenham adireção oeste <strong>de</strong>em o ponto que se solicita, para <strong>de</strong>terminar a fronteira.O mesmo suce<strong>de</strong> com os que seguem seu curso para leste. No entanto,se nenhum <strong>do</strong>s braços que seguirem pelo la<strong>do</strong> <strong>do</strong> sul chegar à latitu<strong>de</strong><strong>de</strong> 9º 30’ sul, indicada no § 3 o , aquele que chegar, em suas vertentes,mais proximamente ao menciona<strong>do</strong> paralelo será preferi<strong>do</strong>. Nesse caso,essa vertente é o ponto on<strong>de</strong> há <strong>de</strong> situar o limite. Se no curso <strong>do</strong> Javarihouver ilhas, as compensações terão lugar segun<strong>do</strong> os princípios geraisreconheci<strong>do</strong>s pela ciência. Estabeleci<strong>do</strong>s os fundamentos ante<strong>rio</strong>res,cumpre aos senhores encarrega<strong>do</strong>s da exploração <strong>do</strong> Javari observarfielmente estas disposições:1 o Tomar a direção da vertente <strong>do</strong> Javari, fixan<strong>do</strong> as posições dasbocas <strong>do</strong>s afluentes que encontrarem para nelas <strong>de</strong>terminar ocurso <strong>do</strong> dito <strong>rio</strong>, cuja planta será levantada hidrograficamente.2 o Sempre que houver bifurcações, tratarão <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver todas assuas circunstâncias e as razões <strong>de</strong> preferência que possam haverentre umas e outras.3 o Nesses pontos, escolherão aqueles em que, mais tar<strong>de</strong>, terão <strong>de</strong>colocar-se os marcos que assinalem a direção da fronteira.124


ARTIGOS DE IMPRENSA4 o In<strong>do</strong> em embarcações menores os explora<strong>do</strong>res aos quaispertencem a presente instrução, convém muito que distribuamos trabalhos <strong>de</strong> maneira que não possam escassear os víveres;porém, se isso suce<strong>de</strong>r, mandarão uma das ditas embarcações aesta fronteira <strong>de</strong> Tabatinga em busca <strong>do</strong>s precisos, para que <strong>de</strong>uma só vez levem a termo a sua comissão.5 o No ponto mais ao sul <strong>do</strong> Javari a que chegaram, ou aos 9º 30’sul, farão limpar a margem direita e nela levantarão o marco <strong>de</strong>ma<strong>de</strong>ira provisó<strong>rio</strong>, para conhecimento futuro <strong>de</strong> como <strong>de</strong>verãodistinguir-se os limites por essa parte.6 o Se vier o vapor Napo para prestar serviços na comissão mista,será imediatamente <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> à exploração <strong>do</strong> Javari, para queos encarrega<strong>do</strong>s <strong>de</strong>la possam empregá-lo convenientemente.7 o Concluídas todas as operações consignadas nesta instrução, oscomissiona<strong>do</strong>s, para levá-la a cabo, voltarão a esta fronteira enela encontrarão oficialmente preveni<strong>do</strong> o <strong>de</strong>stino poste<strong>rio</strong>r.Nos casos não previstos nas instruções prece<strong>de</strong>ntes, os senhorescomissiona<strong>do</strong>s proce<strong>de</strong>rão <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com os princípios daciência, consultan<strong>do</strong> sempre não só os interesses respectivos, mastambém a harmonia <strong>do</strong>s povos, cujos direitos vão estabelecer, na parterecomendada, a sua distinguida inteligência, com a justa e merecidaconfiança que neles <strong>de</strong>positam os comissá<strong>rio</strong>s Francisco Carrasco eJosé da Costa Azeve<strong>do</strong>.O senhor Costa Azeve<strong>do</strong> afastou-se das instruções, resolven<strong>do</strong> irantes ao Javari, e não ao Japurá e ao Iça, como foi or<strong>de</strong>na<strong>do</strong> nos §§ 3 o a 10,publica<strong>do</strong>s no artigo ante<strong>rio</strong>r. Não se po<strong>de</strong> dizer que o fez por instâncias<strong>do</strong> comissá<strong>rio</strong> peruano, pois também as instruções <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>terminavamprincipiar as <strong>de</strong>marcações pela fronteira <strong>do</strong> norte, da maneira seguinte:Artigo 2 o Reuni<strong>do</strong> vossa senhoria com o comissá<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Brasil, proce<strong>de</strong>rá a fixar,previamente às conferências necessárias, o extremo da linha que correspon<strong>de</strong> àpovoação <strong>de</strong> Tabatinga e que <strong>de</strong>ve terminar na confluência <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Apapóris com o<strong>rio</strong> Japurá, segun<strong>do</strong> o estipula<strong>do</strong> no artigo 7 o <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1851.Artigo 8 o Para <strong>de</strong>terminar o extremo setent<strong>rio</strong>nal da linha <strong>de</strong> fronteira correspon<strong>de</strong>nteao <strong>rio</strong> Apapóris, vossa senhoria <strong>de</strong>scerá pelo <strong>rio</strong> Amazonas até uma das bocas <strong>do</strong> <strong>rio</strong>125


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOJapurá, por cujas águas subirá vossa senhoria até a <strong>de</strong>sembocadura <strong>do</strong> Apapóris.Artigo 9 o Por meio <strong>de</strong> repetidas observações astronômicas, <strong>de</strong>terminará vossasenhoria o ponto em que o <strong>rio</strong> Apapóris <strong>de</strong>ságua no Japurá e colocará na margemdireita daquele <strong>rio</strong> um novo marco.Artigo 10 Determina<strong>do</strong>s os extremos da linha tirada <strong>de</strong> Tabatinga à confluência<strong>do</strong> Apapóris com o Japurá, vossa senhoria <strong>de</strong>terminará geograficamente os pontosintermédios e os indicará com os correspon<strong>de</strong>ntes marcos.Artigo 11 Como a linha <strong>de</strong> que fala o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1851 corta o <strong>rio</strong> Içá ou Putumaio,será indispensável que vossa senhoria <strong>de</strong>termine, <strong>de</strong> uma maneira precisa, o ponto<strong>de</strong> interseção e coloque nele um marco.Essas instruções <strong>do</strong> governo peruano estão perfeitamente acor<strong>de</strong>scom as <strong>do</strong> governo imperial, pois ambos tinham o mesmo pensamentoda urgência política <strong>de</strong> <strong>de</strong>marcar-se primeiro a fronteira <strong>do</strong> norte.Para <strong>de</strong>marcar a fronteira <strong>de</strong> Tabatinga para o sul, or<strong>de</strong>nou-se aocomissá<strong>rio</strong> brasileiro cingir-se ao Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1851, basea<strong>do</strong> no utipossi<strong>de</strong>tis. Omitiu-se <strong>de</strong>clarar o extremo <strong>de</strong>ssa fronteira, pela incertezada extensão <strong>do</strong> Javari, mas se advertiu que a linha divisória <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong>entre os <strong>rio</strong>s Ma<strong>de</strong>ira e Javari corre pelo paralelo <strong>de</strong> 10º 20’ sul, a partirda confluência <strong>do</strong> Mamoré com o Beni para oeste, como se teve presentequan<strong>do</strong> se estipulou o trata<strong>do</strong>. Não se man<strong>do</strong>u tomar em consi<strong>de</strong>raçãoas disposições iniciadas no nulo Trata<strong>do</strong> Preliminar <strong>de</strong> 1777, que foramatendidas nas instruções dadas pelos comissá<strong>rio</strong>s aos encarrega<strong>do</strong>s da<strong>de</strong>marcação da fronteira <strong>do</strong> Javari.A julgar por essas instruções, po<strong>de</strong>ria supor-se que o senhor CostaAzeve<strong>do</strong> não entendia as que lhe <strong>de</strong>u o governo imperial, dúvida que resultada comparação <strong>de</strong> umas com outras, a [ilegível] que julgou mais apropriadas.Nas instruções reservadas, se disse que a linha <strong>de</strong> fronteira não po<strong>de</strong>vir mais ao norte <strong>de</strong> 7º 30’ sul, por haver quase certeza <strong>de</strong> que o Javari nãopassa <strong>de</strong>sse paralelo para o sul, cujas nascentes <strong>de</strong>vem ser precisamenteencontradas pela linha tirada da confluência <strong>do</strong> Mamoré com o Beni,obliquamente para o norte, seja qual for a latitu<strong>de</strong> em que estiverem.Não se disse, nem nessas instruções nem nas ostensivas, o absur<strong>do</strong> <strong>de</strong>ter si<strong>do</strong> esse ponto <strong>de</strong> 10º sul consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> distância média entre a foz <strong>do</strong>126


ARTIGOS DE IMPRENSAMa<strong>de</strong>ira e o seu começo. Os cálculos feitos pela Comissão Demarca<strong>do</strong>ra<strong>de</strong> Limites que subiu para Mato Grosso em 1781 aí estão assina<strong>do</strong>spelos célebres <strong>do</strong>utores em Matemática Antônio Pires da Silva Pontes eFrancisco José <strong>de</strong> Lacerda e pelo engenheiro Ricar<strong>do</strong> Franco <strong>de</strong> AlmeidaSerra, mostran<strong>do</strong> ser na latitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> 7º 41’ sul a meia distância <strong>do</strong> <strong>rio</strong> queaté então se chamava <strong>de</strong> Ma<strong>de</strong>ira. No entanto, pon<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> eles que esseponto não oferecia as solicitadas circunstâncias que apresentava o daconfluência <strong>de</strong> Mamoré com o Beni, para ser preferi<strong>do</strong>, como foi, pelogoverno português, visto carecer <strong>de</strong> averiguações a indicação feita notrata<strong>do</strong> preliminar para ter valor <strong>de</strong>finitivo.(continua)34) A NaçãoFolha política, comercial e literáriaAno II, número 6, quinta-feira, 9 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1873Limites com o Peru IVAs seguintes cópias <strong>do</strong>s <strong>de</strong>spachos expedi<strong>do</strong>s ao comissá<strong>rio</strong> das<strong>de</strong>marcações <strong>de</strong> limites <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> com a República <strong>do</strong> Peru, senhor Joséda Costa Azeve<strong>do</strong>, mostraram evi<strong>de</strong>ntemente que o governo imperialnão aprovou as instruções concordadas por ele com o comissá<strong>rio</strong>peruano para afixar o marco na latitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> 9º 30’ sul como terminaçãoda fronteira estipulada <strong>de</strong> Tabatinga para o sul pelo <strong>rio</strong> Javari.Ministé<strong>rio</strong> <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros. Nº 8. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 25 <strong>de</strong>junho <strong>de</strong> 1867.Foram recebi<strong>do</strong>s em <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> tempo os ofícios <strong>de</strong> vossa senhoriamarca<strong>do</strong>s com os n os 43, 45, 46, 49 e 50, to<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ano passa<strong>do</strong>. No relató<strong>rio</strong>que apresentei à Assembleia Geral, <strong>do</strong> qual vossa senhoria receberá <strong>do</strong>isexemplares, <strong>de</strong>i conta <strong>do</strong>s trabalhos da <strong>de</strong>marcação <strong>de</strong> nossos limitescom o Peru e da inauguração da fronteira <strong>de</strong> Tabatinga. Deu-me isso aagradável ocasião <strong>de</strong> fazer justiça ao zelo e à inteligência com que vossasenhoria se tem <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> ao <strong>de</strong>sempenho da importante comissão que127


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOlhe foi confiada. Estão, portanto, aprova<strong>do</strong>s os seus trabalhos. Renovo avossa senhoria as seguranças da minha perfeita estima e consi<strong>de</strong>ração.Antônio Coelho <strong>de</strong> Sá e Albuquerque. Ao senhor capitão <strong>de</strong> fragata Joséda Costa Azeve<strong>do</strong>.***Confi<strong>de</strong>ncial n o 1. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 21 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1867. Acusan<strong>do</strong>o recebimento da Confi<strong>de</strong>ncial n o 7, <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> junho, limito-me, por falta<strong>de</strong> tempo, a dizer a vossa senhoria o seguinte: vossa senhoria ajustar como comissá<strong>rio</strong> peruano que o marco <strong>do</strong> Javari se colocasse no paralelo <strong>de</strong>9º 30’ sul. A nossa fronteira com a Bolívia por esse la<strong>do</strong> será como seestipula no recente trata<strong>do</strong>, uma reta que, partin<strong>do</strong> da junção <strong>do</strong> Beni como Mamoré, vá buscar as nascentes <strong>do</strong> Javari. Este <strong>rio</strong>, segun<strong>do</strong> a opinião<strong>do</strong>s seus explora<strong>do</strong>res, não chega a 8º sul. Isso mostra a vossa senhoriaque não convém manter a indicação <strong>do</strong> paralelo <strong>de</strong> 9º 30’ sul. Procedavossa senhoria <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com esta minha <strong>de</strong>claração. Peloprimeiro paquete, tratarei <strong>de</strong> novo <strong>de</strong>ste assunto. Reitero a vossa senhoriaas expressões da minha estima e consi<strong>de</strong>ração. Antônio Coelho <strong>de</strong> Sá eAlbuquerque. Ao senhor capitão <strong>de</strong> fragata José da Costa Azeve<strong>do</strong>.***Confi<strong>de</strong>ncial n o 2. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 21 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1867. No meu<strong>de</strong>spacho confi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> 24 <strong>do</strong> mês próximo passa<strong>do</strong>, eu disse quenão convém que o marco da fronteira <strong>do</strong> Javari seja coloca<strong>do</strong> aos 9º30’ sul, como vossa mercê convencionou com o comissá<strong>rio</strong> peruano,e prometi voltar a este assunto. Isto faço agora. Não há dúvida <strong>de</strong> quese colocan<strong>do</strong> o marco, isto é, levan<strong>do</strong>-se até esse ponto a fronteira <strong>do</strong>Impé<strong>rio</strong>, a este ficaria pertencen<strong>do</strong> maior extensão <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> <strong>do</strong> quea que resultará das instruções reservadas que vossa mercê recebeu. Há,porém, consi<strong>de</strong>rações a que o governo <strong>de</strong>ve aten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> preferência eque o induzem a não conservar a vantagem territorial que vossa mercêprocurou obter. O Brasil acaba <strong>de</strong> celebrar com a Bolívia um trata<strong>do</strong>,ratifica<strong>do</strong> por ambas as partes e cujas ratificações <strong>de</strong>vem estar trocadas.Nesse trata<strong>do</strong>, é a fronteira <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is países <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong> Amazonas ajustada<strong>do</strong> seguinte mo<strong>do</strong>:128


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOJá vossa mercê notou, e com razão, que, não chegan<strong>do</strong> esse <strong>rio</strong> à latitu<strong>de</strong><strong>de</strong> 9º 30’ sul, seria necessá<strong>rio</strong> tirar uma reta que o alcançasse, o que nãoseria conforme com o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1851, que só fala <strong>do</strong> curso <strong>do</strong> Javari.O governo peruano ainda não se pronunciou na matéria e é provável,como eu já disse, que não se conforme com o ato <strong>do</strong> seu comissá<strong>rio</strong>,porque tem quase certeza <strong>de</strong> que o Javari não chega a 8º sul e porque jánão ignora que a latitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> 9º 30’ sul não correspon<strong>de</strong> à linha <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong><strong>de</strong> 1777. Demais, talvez o trata<strong>do</strong> com a Bolívia já ali esteja publica<strong>do</strong>, eo que ele estipula a respeito <strong>de</strong> limites há <strong>de</strong> atrair a atenção.Queira vossa mercê enten<strong>de</strong>r-se com o seu colega, ten<strong>do</strong> em vista oparágrafo 14 das suas instruções ostensivas, as quais, prevenin<strong>do</strong> a hipótese<strong>de</strong> não chegar o Javari ao paralelo <strong>de</strong> 10º sul, manda colocar o marco junto àsua primeira nascente. Vossa mercê ajustou com o senhor Carrasco que serão<strong>de</strong>finitivos os atos que praticar, mas isto não <strong>de</strong>ve causar embaraços; <strong>de</strong>mais,o governo imperial julga conveniente que esses atos sejam submeti<strong>do</strong>s àaprovação <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is governos e neste senti<strong>do</strong> há <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r.Reitero a vossa mercê os protestos da minha estima e consi<strong>de</strong>ração.Antônio Coelho <strong>de</strong> Sá e Albuquerque. Ao senhor capitão <strong>de</strong> fragata Joséda Costa Azeve<strong>do</strong>.***Confi<strong>de</strong>ncial n o 16. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 24 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1867. Em<strong>de</strong>spacho <strong>de</strong> 24 <strong>do</strong> mês próximo passa<strong>do</strong>, <strong>de</strong>clarei apressadamente avossa mercê que o marco da fronteira <strong>do</strong> Javari não <strong>de</strong>ve ser coloca<strong>do</strong>aos 9º 30’ sul, como vossa mercê ajustou com o comissá<strong>rio</strong> peruano,conforme esta <strong>de</strong>claração. Quan<strong>do</strong> vossa mercê fez aquele ajuste,não se conhecia a verda<strong>de</strong>ira latitu<strong>de</strong> da nascente <strong>do</strong> <strong>rio</strong>. Ainda hojenão é ela conhecida, mas os trabalhos da exploração que logo <strong>de</strong>poisse empreen<strong>de</strong>ram, não obstante terem si<strong>do</strong> interrompi<strong>do</strong>s, dão quasecerteza <strong>de</strong> que a referida nascente não alcança 8º sul.Se, pois, o marco fosse coloca<strong>do</strong> na convencionada latitu<strong>de</strong>, não serialiteralmente executa<strong>do</strong> o artigo 7 o <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> limites, segun<strong>do</strong> o quala raia, <strong>de</strong> Tabatinga para o sul, é pelo meio <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Javari <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a suaconfluência com o Amazonas. Para que seja perfeita a execução <strong>do</strong> quese assim estipulou, é necessá<strong>rio</strong> que se ponha o marco junto da principalnascente, como dizem as instruções que vossa mercê recebeu <strong>de</strong> seu130


ARTIGOS DE IMPRENSAgoverno para o <strong>de</strong>sempenho da sua comissão. Recomen<strong>do</strong>-lhe, portanto,que neste senti<strong>do</strong> se ponha <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o comissá<strong>rio</strong> peruano, o qualnão <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> reconhecer o <strong>de</strong>sinteresse com que proce<strong>de</strong> o governoimperial. Vossa mercê também convencionou que os atos <strong>do</strong>s comissá<strong>rio</strong>sseriam <strong>de</strong>finitivos. Sem <strong>de</strong>sconhecer que algumas razões <strong>de</strong> mútuaconveniência se po<strong>de</strong>m apresentar em apoio <strong>de</strong>sse convênio, <strong>de</strong>vo dizera vossa mercê que o governo <strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong> acha preferível que sejamaqueles atos submeti<strong>do</strong>s à aprovação <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is governos.Reitero a vossa mercê os protestos <strong>de</strong> minha estima e consi<strong>de</strong>ração.Antônio Coelho <strong>de</strong> Sá e Albuquerque. Ao senhor capitão <strong>de</strong> fragata Joséda Costa Azeve<strong>do</strong>.***Comissão Demarca<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s Limites <strong>do</strong> Brasil com o Peru. Belém,22 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1867. Confi<strong>de</strong>ncial n o 80. Ilustríssimo e excelentíssimosenhor. Acabo <strong>de</strong> receber o <strong>de</strong>spacho confi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> vossa excelência <strong>de</strong>24 <strong>de</strong> agosto, or<strong>de</strong>nan<strong>do</strong>-me que tenha presente no limite <strong>do</strong> Javari o queacabou <strong>de</strong> ser estipula<strong>do</strong> ultimamente entre o governo imperial e o da Bolíviaacerca da linha <strong>de</strong> fronteira <strong>do</strong> Ma<strong>de</strong>ira àquele <strong>rio</strong>. Segun<strong>do</strong> o novo trata<strong>do</strong>,a fronteira por aquela banda é uma reta que, partin<strong>do</strong> da foz <strong>do</strong> Beni noMa<strong>de</strong>ira, termina na vertente <strong>do</strong> Javari. Como vossa excelência prometeuainda tratar <strong>de</strong>ste assunto para orientar-me, <strong>de</strong>ixo <strong>de</strong> aqui expen<strong>de</strong>r o quepenso acerca <strong>do</strong> limite pelo la<strong>do</strong> <strong>do</strong> Javari; em to<strong>do</strong> o caso, como está fora <strong>de</strong>dúvida que a vertente não chega aos 9º 30’ sul e que até esse paralelo tinhao direito <strong>de</strong> ir, segun<strong>do</strong> convencionei com o senhor Carrasco, comissá<strong>rio</strong><strong>de</strong> limites <strong>do</strong> Peru, nenhuma contrarieda<strong>de</strong> nos traz este acor<strong>do</strong>, porquantorecuan<strong>do</strong> para o norte, não contrariamos interesse da República.Até isso fiz ser previsto no acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> agosto <strong>do</strong> ano finda<strong>do</strong>, dan<strong>do</strong>as instruções com que subiu a expedição ao Javari. Dizem elas: “E senenhum <strong>do</strong>s braços [<strong>do</strong> Javari] que fazem pelo sul chegar à latitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> 9º30’ sul, que se indica no § 3 o , aquele que chegar em suas vertentes maisproximamente ao menciona<strong>do</strong> paralelo será preferi<strong>do</strong>; nesse caso, essavertente é o ponto on<strong>de</strong> há <strong>de</strong> situar o limite.”Ora, achamos a foz <strong>do</strong> Beni mais ao sul <strong>do</strong> paralelo <strong>de</strong> 10º; segueseque, em to<strong>do</strong>s os casos, a fronteira tomará uma direção <strong>de</strong> oeste paranorte, ainda que as vertentes <strong>do</strong> Javari cheguem aos 9º 30’ sul.131


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOÉ o que por ora tenho a dizer, renovan<strong>do</strong> a vossa excelência osmeus sentimentos <strong>de</strong> profunda consi<strong>de</strong>ração. A sua excelência o senhorConselheiro Antônio Coelho <strong>de</strong> Sá e Albuquerque. O comissá<strong>rio</strong> <strong>do</strong>Brasil, José da Costa Azeve<strong>do</strong>.(continua)35) A NaçãoFolha política, comercial e literáriaAno II, número 7, sexta-feira, 10 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1873Limites com o Peru IV [sic]Comissão Demarca<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s Limites <strong>do</strong> Brasil com o Peru. Belém,9 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1867. Confi<strong>de</strong>ncial n o 84. Ilustríssimo e excelentíssimosenhor. Ontem, recebi <strong>de</strong>spacho oficial <strong>de</strong> vossa excelência <strong>de</strong> 24 <strong>do</strong>mês finda<strong>do</strong>, n o 2. É o que foi prometi<strong>do</strong> pelo <strong>de</strong> 24 <strong>do</strong> mês ante<strong>rio</strong>r, cujorecebimento acusei em 22 <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>.Fico inteira<strong>do</strong> <strong>do</strong> que vossa excelência me or<strong>de</strong>na acerca <strong>do</strong>assentamento <strong>do</strong> marco <strong>do</strong> Javari, em cuja margem direita termina,pelo acor<strong>do</strong> com a Bolívia, sua fronteira com o Impé<strong>rio</strong> na província <strong>do</strong>Amazonas, partin<strong>do</strong> da foz <strong>do</strong> Beni, on<strong>de</strong> começa o <strong>rio</strong> Ma<strong>de</strong>ira.Vossa excelência crê que a esta hora já em Lima se tenha publica<strong>do</strong>tal acor<strong>do</strong> que terá chama<strong>do</strong> a atenção <strong>do</strong> governo peruano. Receio,senhor ministro, que se levantem dificulda<strong>de</strong>s novas, em consequênciada opinião <strong>do</strong>s homens daquela República acerca <strong>do</strong> direito que tem ela<strong>de</strong> ser lin<strong>de</strong>ira com o Impé<strong>rio</strong>, ainda em parte da linha divisória, quevin<strong>do</strong> <strong>do</strong> Ma<strong>de</strong>ira termina na margem <strong>do</strong> Javari.Chamo a atenção <strong>de</strong> vossa excelência para este fato, no qual toqueiligeiramente, sondan<strong>do</strong> o ânimo <strong>do</strong> senhor Carrasco, na 4 a conferência,<strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1865.Era preciso então saber se tinha o meu colega o pensamento quemanifestara o senhor contra-almirante Mariátegui, na nota <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> janeiro<strong>de</strong> 1863, da qual teve o conhecimento o governo imperial, e contra a qualme pronunciei. Nunca pu<strong>de</strong> saber qual a sua opinião a respeito.132


ARTIGOS DE IMPRENSAO ato da comissão mista, porém, <strong>de</strong> nada dizer <strong>de</strong>ssa linha nasinstruções que levou a expedição <strong>do</strong> Javari, para fincar o marco extremoda fronteira sul, po<strong>de</strong> servir <strong>de</strong> base à sustentação <strong>de</strong> nosso direitoestipula<strong>do</strong> com a Bolívia àquela fronteira em toda a sua extensão.O atual ministro da Fazenda <strong>do</strong> governo peruano, irmão <strong>do</strong> <strong>do</strong>utorPaz Soldán, que escreveu a notável obra Geografia <strong>de</strong>l Perú, não <strong>de</strong>ixará<strong>de</strong> sustentar a opinião enunciada a respeito daquela linha. Em to<strong>do</strong> caso,foi assenta<strong>do</strong> pela comissão mista:1) Que o direito <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> até o paralelo <strong>de</strong> 9º 30’ sul no curso <strong>do</strong>Javari é reconheci<strong>do</strong> por aquela obra consi<strong>de</strong>rada <strong>do</strong>cumento oficial.2) Que, se não tiver dilata<strong>do</strong> curso para o sul, terminará a fronteiranaquela <strong>de</strong> suas vertentes que mais se conchegar àquele extremomeridional.Hoje, está fora <strong>de</strong> questão que ali não chega o Javari. Além disso,como disse já a vossa excelência, resolvi com este acor<strong>do</strong> a nossa linhada Bolívia até o Ma<strong>de</strong>ira, fazen<strong>do</strong> a seguinte <strong>de</strong>claração que ele assinou:“Não é possível admitir que os braços que tenham a direção oeste <strong>de</strong>emo ponto que se solicita, para <strong>de</strong>terminar a fronteira. O mesmo suce<strong>de</strong>com os que seguem seu curso para leste.”A primeira parte foi exigida por meu colega quan<strong>do</strong> lhe apresenteia segunda. Este parágrafo também traduzi<strong>do</strong> por ele mesmo para oespanhol e está nas instruções em ambos os idiomas. Vossa excelênciavê que <strong>de</strong>le se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> que o Peru não po<strong>de</strong> ir a oriente da margem<strong>do</strong> Javari; o governo imperial, acaban<strong>do</strong> <strong>de</strong> estipular com o da Bolívia alinha fronteira oriental <strong>do</strong> Javari, sancionou o acor<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu comissá<strong>rio</strong>com o <strong>do</strong> Peru.Folgo portanto <strong>de</strong> convencer-me <strong>de</strong> que, <strong>do</strong> que fiz, salvei por to<strong>do</strong>sos mo<strong>do</strong>s os interesses <strong>do</strong> país, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o governo imperial acharseembaraça<strong>do</strong> pelo meu procedimento.Por último, no <strong>de</strong>spacho <strong>de</strong> vossa excelência a que respon<strong>do</strong>, vejoque pensa o governo não tratar como <strong>de</strong>finitivos os atos que praticara comissão mista, como, vencen<strong>do</strong> dificulda<strong>de</strong>s, pu<strong>de</strong> conseguir aaquiescência <strong>do</strong> meu colega.Faça-me vossa excelência o favor <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r-me <strong>de</strong>clarar que talacor<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve prevalecer, sob pena <strong>de</strong> ser interminável o trabalho da comissão.Jamais o comissá<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Brasil anuirá a qualquer ajuste que não nosseja favorável. Se assim não houvéssemos acorda<strong>do</strong>, ainda não teríamos133


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOconsegui<strong>do</strong> a <strong>de</strong>finitiva fixação da fronteira <strong>de</strong> Tabatinga. É o que <strong>de</strong>voinformar a vossa excelência, a quem renovo as maiores seguranças <strong>do</strong>meu respeito. A sua excelência o senhor conselheiro Antônio Coelho <strong>de</strong>Sá e Albuquerque. O comissá<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Brasil José da Costa Azeve<strong>do</strong>.***Ministé<strong>rio</strong> <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 30 <strong>de</strong><strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1867. N o 18. Manifesta vossa mercê, em seus ofícios, gran<strong>de</strong>receio <strong>de</strong> novas dificulda<strong>de</strong>s na marcha da <strong>de</strong>marcação <strong>de</strong> limites como Peru, por não ter o governo imperial aprova<strong>do</strong> o acor<strong>do</strong> celebra<strong>do</strong>entre vossa mercê e o comissá<strong>rio</strong> Carrasco, para a colocação <strong>de</strong> ummarco divisó<strong>rio</strong> da fronteira a 9º 30’ sul, lugar on<strong>de</strong>, segun<strong>do</strong> ambosasseveram, não alcançam as nascentes <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Javari. Eu, longe <strong>de</strong> teresse receio, espero que a explícita <strong>de</strong>claração <strong>do</strong>s motivos pelos quaisnão foi aprova<strong>do</strong>, isto é, motivos pelos quais o governo <strong>do</strong> Brasil nãoquer territó<strong>rio</strong> a que não tenha direito, há <strong>de</strong> ser bem recebida.O direito em que o Brasil apoia a sua pretensão à fronteira meridional<strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> compreendi<strong>do</strong> entre os <strong>rio</strong>s Ma<strong>de</strong>ira e Javari tem por baseo princípio da linha <strong>de</strong> fronteira em um <strong>rio</strong> e o término no outro, comoextremos mais ou menos conheci<strong>do</strong>s.Esta foi a intenção da Espanha e <strong>de</strong> Portugal quan<strong>do</strong> reconheceramesse recíproco direito nos Trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Limites <strong>de</strong> 1750 e 1777.Os mal-<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s extremos <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Ma<strong>de</strong>ira, <strong>do</strong> meio <strong>do</strong>s quais <strong>de</strong>veriapartir para oeste até o Javari a linha reta ajustada para servir <strong>de</strong> fronteira,foi objeto <strong>de</strong> repetidas discussões. Preten<strong>de</strong>u-se primeiro marcar meta<strong>de</strong><strong>do</strong> comprimento <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Ma<strong>de</strong>ira. Provaram que a distância média eraacima das primeiras cachoeiras e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, preten<strong>de</strong>u Portugal quea reta fosse lançada <strong>do</strong> ponto em que confluem os <strong>rio</strong>s Mamoré e Benie em que principia o Ma<strong>de</strong>ira, partin<strong>do</strong> da margem oci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong>ste <strong>rio</strong>.Estas pretensões, que Portugal sustentou contra a Espanha, forama<strong>do</strong>tadas e seguidas pelo governo imperial nas questões <strong>de</strong> limites comas duas Repúblicas, hoje possui<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> que fica ao sul dareta aludida. Foi neste conceito, há tantos anos manifesto e sustenta<strong>do</strong>,que concor<strong>do</strong>u com o governo peruano, em 1851, seguir a fronteira<strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> com aquela República pelo <strong>rio</strong> Javari, sem indicar até quelatitu<strong>de</strong>, por ficar entendi<strong>do</strong> que se prolongava até a sustentação da linha134


ARTIGOS DE IMPRENSApelo paralelo 10º 20’ sul, se o <strong>rio</strong> lá chegasse, ou até on<strong>de</strong> ele tivesse assuas nascentes, visto que a fronteira entre os <strong>do</strong>is <strong>rio</strong>s não po<strong>de</strong> ir alémda reta tirada <strong>de</strong> um ao outro.No mesmo senti<strong>do</strong>, celebrou o governo imperial em 27 <strong>de</strong> março<strong>de</strong>ste ano um trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> limites com a República da Bolívia, <strong>de</strong>claran<strong>do</strong>que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aquela confluência seguiriam a fronteira pelo dito paralelo<strong>de</strong> 10º 20’ sul até o Javari; no entanto, se este <strong>rio</strong> não chegasse a essalatitu<strong>de</strong>, se tiraria <strong>do</strong> mesmo ponto <strong>de</strong> partida na margem oci<strong>de</strong>ntal <strong>do</strong>Ma<strong>de</strong>ira uma reta, a fim <strong>de</strong> buscar as suas nascentes.Deve, pois, a linha da fronteira entre estes <strong>do</strong>is <strong>rio</strong>s principiar noMa<strong>de</strong>ira e acabar no Javari, o que não suce<strong>de</strong>ria se fosse aprova<strong>do</strong> oacor<strong>do</strong> arbitrá<strong>rio</strong> que vossa mercê celebrou com o comissá<strong>rio</strong> Carrasco.Portanto, ou o <strong>rio</strong> Javari se esten<strong>de</strong> para o sul até o paralelo <strong>de</strong> 10º20’ sul e <strong>de</strong>ve a fronteira seguir por este paralelo, ou há <strong>de</strong> ser por umareta tirada da confluência <strong>do</strong> Beni com o Mamoré às nascentes <strong>do</strong> Javari,on<strong>de</strong> se acharem.Com a leitura <strong>do</strong> que ante<strong>rio</strong>rmente vai referi<strong>do</strong>, se convencerávossa mercê <strong>de</strong> que o governo imperial, longe <strong>de</strong> sancionar o acor<strong>do</strong>com as estipulações <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> que fez com a Bolívia, reconheceu estesdireitos, que seriam viola<strong>do</strong>s com a aprovação <strong>do</strong> mesmo acor<strong>do</strong>.Não se pratica serem <strong>de</strong>finitivos os atos <strong>do</strong>s comissá<strong>rio</strong>s que não estãona órbita das suas instruções, sobretu<strong>do</strong> os da transcendência <strong>de</strong>ste acor<strong>do</strong>.Não me parece que possa ser <strong>de</strong> vantagem a <strong>de</strong>claração que vossamercê diz ter feito relativamente aos braços <strong>de</strong> <strong>rio</strong>s que tenham o seucurso para oeste ou para leste, quan<strong>do</strong> se trata <strong>do</strong> Javari, porque <strong>do</strong>s seusafluentes que forem corta<strong>do</strong>s pela linha <strong>de</strong> fronteira que vai acabar nele,ficará ao Brasil a parte que estiver ao norte <strong>de</strong>la e, pertencen<strong>do</strong> ao Peru,ou à Bolívia, a parte que ficar ao sul. Para que os trabalhos <strong>de</strong>ssa comissãonão se sejam intermináveis, como vossa mercê receia, recomen<strong>do</strong>-lheque se evitem discussões sobre inci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> pouco valor, nas quais segasta tempo, sem resultar proveito. O governo imperial está certo <strong>de</strong> quevossa mercê continuará, como diz, a não anuir a qualquer ajuste que nãoseja favorável ao Brasil. Queira vossa mercê aceitar etc. João Lustosa daCunha Paranaguá. Ao senhor capitão <strong>de</strong> fragata José da Costa Azeve<strong>do</strong>.(continua)135


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO36) A NaçãoFolha política, comercial e literáriaAno II, número 18, sexta-feira, 24 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1873Limites com o Peru VO Despacho n o 1, <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1867, que acusou a recepção <strong>do</strong>sofícios <strong>do</strong> senhor Costa Azeve<strong>do</strong>, <strong>do</strong> ano ante<strong>rio</strong>r, indica<strong>do</strong>s pela respectivanumeração, compreendia o <strong>de</strong> n o 46, com data <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> agosto, em quecomunicou o acor<strong>do</strong> feito com o comissá<strong>rio</strong> peruano, para colocar nalatitu<strong>de</strong> sul 9º 30’ sul o marco <strong>do</strong> extremo austral da fronteira pelo <strong>rio</strong> Javari.Depois <strong>de</strong> elogiar neste <strong>de</strong>spacho o zelo e a inteligência com que osenhor Costa Azeve<strong>do</strong> praticou os trabalhos da inauguração <strong>do</strong>s marcosda fronteira <strong>de</strong> Tabatinga, já comunica<strong>do</strong>s no relató<strong>rio</strong> à AssembleiaGeral, concluiu: “Estão portanto aprova<strong>do</strong>s os seus trabalhos.”Refere-se, pois, aos trabalhos da inauguração <strong>do</strong>s marcos dafronteira <strong>de</strong> Tabatinga, e não ao projeto <strong>de</strong> assentar na latitu<strong>de</strong> 9º 30 sulo marco terminal da fronteira pelo Javari. Tanto assim é que não se falou<strong>de</strong> semelhante acor<strong>do</strong> no relató<strong>rio</strong> apresenta<strong>do</strong> às Câmaras Legislativas,e que apressadamente se preveniu pelo Despacho Confi<strong>de</strong>ncial n o 1,com data <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> agosto, já publica<strong>do</strong>, “que não convinha manter aindicação <strong>do</strong> paralelo <strong>de</strong> 9º 30’ sul, que proce<strong>de</strong>sse o comissá<strong>rio</strong> nessaconformida<strong>de</strong> e que <strong>de</strong> novo se trataria <strong>de</strong>ste assunto pelo primeiropaquete”, como foi explicitamente trata<strong>do</strong> no Despacho Confi<strong>de</strong>ncial n o2, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> setembro.Retiraram-se <strong>de</strong> Tabatinga os <strong>do</strong>is comissá<strong>rio</strong>s <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> concordaremir explorar os <strong>rio</strong>s Içá e Japurá. No entanto, em razão <strong>de</strong> terem ocorri<strong>do</strong>,no caminho, <strong>de</strong>savenças e inci<strong>de</strong>ntes, extensamente narra<strong>do</strong>s emofícios, que seria <strong>de</strong>mais repetir aqui, essas ocorrências motivaram ficaro comissá<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Peru em São Paulo <strong>de</strong> Olivença, e ir somente o <strong>do</strong> Brasilexplorar o <strong>rio</strong> Içá até 40 ou 48 milhas <strong>de</strong> navegação (cerca <strong>de</strong> 74,2 kma 89 km). Contu<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> a<strong>do</strong>eci<strong>do</strong> o comissá<strong>rio</strong> <strong>do</strong> vapor Ibicuí, parasalvá-lo, resolveu o senhor Costa Azeve<strong>do</strong> sair daquele <strong>rio</strong>. Levantou eremeteu o plano hidrográfico da zona que tinha percorri<strong>do</strong>.A continuação <strong>do</strong>s motivos pelos quais não se tenha realiza<strong>do</strong>competentemente a exploração <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Içá até on<strong>de</strong> é cruza<strong>do</strong> pela136


ARTIGOS DE IMPRENSAlinha <strong>de</strong> fronteira <strong>de</strong> Tabatinga à foz <strong>do</strong> Apapóris, malogrou também aprojetada ida ao Japurá.Chegan<strong>do</strong> a notícia <strong>do</strong> funesto resulta<strong>do</strong> que teve a expediçãomandada ao Javari, seguiu-se a correspondência concernente a essaexpedição, que já foi publicada.Convin<strong>do</strong> que a comissão se conservasse no Amazonas, esperan<strong>do</strong> quechegasse a que fosse novamente nomeada pelo governo peruano, resolveu ogoverno imperial que, enquanto não vinha aquela, fosse a sua ao Japurá e aoIçá reconhecer e assinalar os pontos em que <strong>de</strong>vessem colocar-se os marcoscom prontidão, quan<strong>do</strong> ali fosse a comissão mista verificar a certeza <strong>de</strong>ssespontos, para nele se levantarem os marcos com as competentes formalida<strong>de</strong>s.Queren<strong>do</strong> o governo imperial que os exames recomenda<strong>do</strong>s a suacomissão merecessem inteira confiança, or<strong>de</strong>nou que fossem feitos pelopróp<strong>rio</strong> comissá<strong>rio</strong>.Em Despacho n o 2 reserva<strong>do</strong>, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1868, foi o senhorCosta Azeve<strong>do</strong> unicamente autoriza<strong>do</strong> para explorar o <strong>rio</strong> Içá e assinalaros pontos para os marcos, e outrossim para subir o <strong>rio</strong> Japurá até a foz<strong>do</strong> Apapóris, com o fim <strong>de</strong> somente assinalar o lugar para um marcona margem direita <strong>do</strong> dito <strong>rio</strong> Japurá, diante da foz <strong>do</strong> Apapóris, e fazeroutros assinalamentos que julgasse convenientes.Em Despacho n o 3, <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> fevereiro, foi-lhe terminantementeor<strong>de</strong>na<strong>do</strong> que, a respeito <strong>do</strong>s assinalamentos recomenda<strong>do</strong>s nos <strong>de</strong>spachosante<strong>rio</strong>res, não se plantassem marcos, porque <strong>de</strong>veriam estas operaçõesserem feitas conjuntamente com o comissá<strong>rio</strong> da outra parte interessada.Continha este <strong>de</strong>spacho instruções concebidas nos termos seguintes:Que fosse ele, o comissá<strong>rio</strong>, às sobreditas localida<strong>de</strong>s para observarastronomicamente e assinalar os pontos <strong>de</strong>signa<strong>do</strong>s no Despacho n o 2 e noOstensivo n o 18, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1867, e quaisquer outros pontos on<strong>de</strong>enten<strong>de</strong>sse que <strong>de</strong>vem também colocar-se marcos.Acrescentou-se, no mesmo <strong>de</strong>spacho:Além <strong>do</strong> assinalamento e cálculos astronômicos (que é o essencial), <strong>de</strong>verá vossamercê especificar, no seu relató<strong>rio</strong>, os pontos <strong>de</strong>signa<strong>do</strong>s, fazen<strong>do</strong> <strong>de</strong>scriçãocaracterística e notan<strong>do</strong> quaisquer sinais naturais ou artificiais que possam supriros marcos enquanto estes não são coloca<strong>do</strong>s.137


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOO senhor Costa Azeve<strong>do</strong> ainda hoje persiste na opinião, que muitasvezes repetiu e sustentou em seus ofícios, <strong>de</strong> que se levassem a efeito ostrabalhos da <strong>de</strong>marcações, mesmo na ausência da comissão peruana, eque se <strong>de</strong>sse cópia <strong>de</strong>les ao governo da República, para que os aceitasseou mandasse examiná-los, para que se tivessem por <strong>de</strong>marcadas asfronteiras.Custa a crer que uma pessoa inteligente como senhor Costa Azeve<strong>do</strong>,que tem si<strong>do</strong> encarrega<strong>do</strong> <strong>de</strong> importantes comissões <strong>de</strong> confiança,<strong>de</strong>sconheça as regras e os costumes mais comezinhos. A comissãoimperial não fez, nem <strong>de</strong>via praticar, senão o que lhe foi or<strong>de</strong>na<strong>do</strong>.Em <strong>de</strong>spacho nº. 2, reserva<strong>do</strong>, com data <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1868, foio comissá<strong>rio</strong> autoriza<strong>do</strong> unicamente para explorar o <strong>rio</strong> Içá e assinalaros pontos para os marcos: e outrossim para subir o <strong>rio</strong> Japurá até a foz<strong>do</strong> Apapóris com o fim <strong>de</strong> assinalar somente o lugar para um marco namargem direita <strong>do</strong> dito <strong>rio</strong> Japurá, <strong>de</strong>fronte da foz <strong>do</strong> Apapóris, e outrosassinalamentos que julgassem convenientes.Em <strong>de</strong>spacho nº. 3, reserva<strong>do</strong>, com data <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> fevereiro, <strong>de</strong>clarouseterminantemente que a respeito <strong>do</strong>s assinalamentos recomenda<strong>do</strong>s nos<strong>de</strong>spachos ante<strong>rio</strong>res, não plantassem marcos, porque <strong>de</strong>via ser feito estaoperação conjuntamente com o comissá<strong>rio</strong> da outra parte interessada.Continha esse <strong>de</strong>spacho instruções concebidas nestes termos:“Que fosse o comissá<strong>rio</strong> às sobreditas localida<strong>de</strong>s para observarastronomicamente e assinalar os pontos <strong>de</strong>signa<strong>do</strong>s no <strong>de</strong>spachoreserva<strong>do</strong> nº. 2, e ostensivo nº. 18, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1867, equaisquer outros pontos on<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>ssem que <strong>de</strong>vem também colocarsemarcos”.Acrescentou-se no mesmo <strong>de</strong>spacho, “além <strong>do</strong> assinalamento ecálculo astronômico (que é o essencial) <strong>de</strong>verá vossa mercê especificarno seu relató<strong>rio</strong> os pontos <strong>de</strong>signa<strong>do</strong>s, fazen<strong>do</strong> <strong>de</strong>scrição característica,e notan<strong>do</strong> quaisquer sinais naturais, ou artificiais que possam suprir osmarcos enquanto estes não são coloca<strong>do</strong>s”.Portanto, não podia o governo imperial julgar concluída a<strong>de</strong>marcação <strong>do</strong> Japurá e <strong>do</strong> Içá enquanto não fosse pratica<strong>do</strong>, nesses<strong>do</strong>is pontos, pela comissão mista, operações científicas iguais às quefixaram <strong>de</strong>finitivamente a fronteira <strong>de</strong> Tabatinga pelo igarapé <strong>de</strong> SantoAntônio. Foi o perito senhor Paz Soldán quem veio justificar a regra <strong>de</strong>compararem os comissá<strong>rio</strong>s os seus cálculos e convirem no resulta<strong>do</strong>138


ARTIGOS DE IMPRENSA<strong>de</strong>les antes <strong>de</strong> serem coloca<strong>do</strong>s os marcos.Ten<strong>do</strong> o governo <strong>do</strong> Peru conhecimento <strong>do</strong> plano <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Içá, levanta<strong>do</strong>pela comissão brasileira, que mostra ser duas vezes atravessa<strong>do</strong> pelalinha reta <strong>de</strong> fronteira tirada <strong>de</strong> Tabatinga à foz <strong>do</strong> Apapóris, propôsque seguisse a raia pelo álveo <strong>do</strong> <strong>rio</strong> na curva que faz para leste, nointervalo <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is pontos em que a reta o atravessa, a fim <strong>de</strong> evitar queficassem entre este e o <strong>rio</strong> uma insignificante porção <strong>de</strong> terreno, quepo<strong>de</strong>ria arrastar futuras complicações.Fosse ou não, por este motivo, é certo ter o senhor Paz Soldánproposto ao senhor Hoonholtz, comissá<strong>rio</strong> brasileiro, calcularemantecipadamente a direção daquela reta, a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> os mesmos da<strong>do</strong>s emque o senhor Costa Azeve<strong>do</strong> baseou os seus cálculos.Enviou o senhor Paz Soldán ao senhor Hoonholtz, com data <strong>de</strong> 25<strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1871, uma prolixa e extensa <strong>de</strong>monstração científicaque conclui:Está claro, portanto, que o senhor Costa Azeve<strong>do</strong> colocou o marco 1º 48’ maisa leste e que sua verda<strong>de</strong>ira posição naquele paralelo estará 1º 47’ 00” distanteda foz <strong>do</strong> Putumaio ou Içá, forman<strong>do</strong> um ângulo <strong>de</strong> 7’ 55” com a primitiva linhaindicada. Essa nova posição evita a dificulda<strong>de</strong> que se suscitou no artigo 6 o da 1 aconferência, pois aqui o <strong>rio</strong> não faz uma curva, e a linha <strong>de</strong> <strong>de</strong>marcação só o cortauma vez. Po<strong>de</strong>ria variá-la segun<strong>do</strong> a exatidão das observações, mas não a posiçãorespectiva <strong>de</strong> seus meridianos, porque as observações <strong>de</strong> latitu<strong>de</strong> são mais fáceisque as <strong>de</strong> longitu<strong>de</strong> e se po<strong>de</strong> chegar a uma precisão maior.Po<strong>de</strong>-se, portanto, dizer sem temor que a linha divisória entre o Peru e o Brasil,que parte da nascente <strong>do</strong> igarapé Santo Antônio e que chega à confluência <strong>do</strong>Japurá com o Apapóris, segun<strong>do</strong> se conveio no Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1851, corta o paralelo<strong>de</strong> 2º 55” sul, 13’ 55”, 8 a leste <strong>do</strong> meridiano que passa pela nascente <strong>do</strong> SantoAntônio.Incluo um esboço <strong>de</strong> mapa, para mostrar que a curva <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Içá éduas vezes cortada, segun<strong>do</strong> o cálculo <strong>do</strong> senhor Costa Azeve<strong>do</strong>, e umasó, pelo cálculo <strong>de</strong> Paz Soldán.139


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO37) A NaçãoFolha política, comercial e literáriaAno II, número 19, sába<strong>do</strong>, 25 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1873Limites com o Peru VIEm consequência <strong>de</strong> ter o governo imperial or<strong>de</strong>na<strong>do</strong> por DespachosReserva<strong>do</strong>s n os 2 e 3, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> janeiro e <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1868,respectivamente, que fosse a comissão aos <strong>rio</strong>s Içá e Japurá assinalarsomente os lugares em que hão <strong>de</strong> ser postos os marcos, fazen<strong>do</strong>, “além<strong>do</strong> assinalamento, o cálculo astronômico (que é o essencial), <strong>de</strong>ven<strong>do</strong>especificar no seu relató<strong>rio</strong> a <strong>de</strong>scrição característica <strong>do</strong>s pontos<strong>de</strong>signa<strong>do</strong>s e notar quaisquer sinais naturais ou artificiais que possamsuprir os marcos enquanto estes não são coloca<strong>do</strong>s”, foi o senhor CostaAzeve<strong>do</strong> primeiro ao Içá e, <strong>de</strong>pois, ao Japurá, como se lhe or<strong>de</strong>nou.Em Ofício n o 94, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> abril, participou que partiu no dia seguintepara a fronteira, no vapor Pará, com os engenheiros senhores Pimentele Coelho; no Ofício n o 95, <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> maio, disse que acabara <strong>de</strong> chegar<strong>do</strong> Içá e <strong>do</strong> Japurá, ten<strong>do</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>, no primeiro, o curso da linhadivisória, e, no segun<strong>do</strong>, o termo <strong>de</strong>la.Neste último ofício, <strong>de</strong>clarou que não foi ao Javari por não ter ovapor os víveres necessá<strong>rio</strong>s, nem haver água naquele <strong>rio</strong> para navegaro vapor Pará, senão em novembro e <strong>de</strong>zembro; disse que julgava nãomerecer a recomendação que se lhe fez <strong>de</strong> ir ele em pessoa explorar oJavari; queixa-se <strong>de</strong> que é injustamente maltrata<strong>do</strong> pelo governo e pe<strong>de</strong>para ser exonera<strong>do</strong> da comissão.Observa que os trabalhos feitos em canoas em 1864, para reconhecero <strong>rio</strong> Japurá, não bastavam e que, por isso, <strong>de</strong>veria ele ir primeiro ali.Em ofício data<strong>do</strong> <strong>de</strong> Manaus a 8 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1868, diz o senhorCosta Azeve<strong>do</strong>:Contan<strong>do</strong>-me pela gazeta oficial que estou <strong>de</strong>miti<strong>do</strong> <strong>do</strong> cargo <strong>de</strong> chefe daComissão <strong>de</strong> Limites, cargo que exercia por or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> governo imperial, entregohoje mesmo ao senhor Oliveira Pimentel, membro da comissão, um relató<strong>rio</strong> <strong>de</strong>seus trabalhos e papéis precisos, bem como os instrumentos a ela pertencentes,para que tu<strong>do</strong> seja posto em presença <strong>do</strong> cavalheiro meu sucessor.140


ARTIGOS DE IMPRENSATerminan<strong>do</strong>, pois, a tarefa que me trouxe a esta província, preparo para seguir oquanto antes à corte.Ao chegar à corte, participou, na data <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> julho, haver recebi<strong>do</strong>o <strong>de</strong>spacho que incluía a cópia <strong>do</strong> <strong>de</strong>creto da exoneração e queixou-seacremente <strong>de</strong> não terem si<strong>do</strong> atendi<strong>do</strong>s os seus serviços. Acabou aqui acorrespondência <strong>do</strong> comissá<strong>rio</strong> senhor Costa Azeve<strong>do</strong> com o Ministé<strong>rio</strong><strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros.Em ofício com data <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1868, participou o senhorJoaquim Xavier <strong>do</strong> Oliveira Pimentel que, ao ver transcrita no, Jornal<strong>do</strong> Commercio, a exoneração <strong>do</strong> senhor Costa Azeve<strong>do</strong> <strong>do</strong> cargo <strong>de</strong>comissá<strong>rio</strong>, chamou-o como o oficial mais gradua<strong>do</strong> da comissão,para receber o relató<strong>rio</strong> em que ele passava a responsabilida<strong>de</strong>, osinstrumentos e mais pertences ao seu sucessor; incumbiu, assim, a ele,Pimentel, e ao senhor Joaquim Leovigil<strong>do</strong> <strong>de</strong> Souza Coelho continuaros trabalhos da comissão até ulte<strong>rio</strong>res or<strong>de</strong>ns <strong>do</strong> governo imperial:“Seguiu o senhor Costa Azeve<strong>do</strong> <strong>de</strong> Manaus para Belém, no vapor Pará,que servia à comissão e que era proprieda<strong>de</strong> da província <strong>do</strong> Pará, on<strong>de</strong>o entregou e seguiu para a corte.”Depois da retirada <strong>do</strong> senhor Costa Azeve<strong>do</strong>, ocuparam-se os senhoresPimentel e Coelho em construir as cartas hidrográficas <strong>do</strong> Içá, <strong>do</strong> Avatiparanáe <strong>do</strong> trecho <strong>do</strong> Japurá fronteiro à foz <strong>do</strong> Apapóris, em conformida<strong>de</strong> com odiá<strong>rio</strong> e as observações rubricadas pelo senhor Costa Azeve<strong>do</strong>.Em ofício <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1868, remeteu o senhor Pimentel umacópia <strong>do</strong> relató<strong>rio</strong> que o ex-comissá<strong>rio</strong> <strong>de</strong>ixou para ser entregue ao seusucessor e cópias das atas das conferências com o comissá<strong>rio</strong> peruanoe <strong>do</strong>s termos que tinham si<strong>do</strong> lavra<strong>do</strong>s no Içá e no Japurá, <strong>de</strong>claran<strong>do</strong>quan<strong>do</strong>, como e on<strong>de</strong> haviam si<strong>do</strong> postos os marcos provisó<strong>rio</strong>s. Faltouenviar as cartas hidrográficas <strong>do</strong> Içá, <strong>do</strong> Japurá e <strong>do</strong> Avatiparaná, por nãohaver papel para as <strong>de</strong>senhar e também por ter o senhor Costa Azeve<strong>do</strong>leva<strong>do</strong> as cópias <strong>de</strong>ssas cartas <strong>de</strong>senhadas em limpo.O governo imperial não teve conhecimento <strong>de</strong>ssas cartas. Foi o novocomissá<strong>rio</strong> senhor <strong>do</strong>utor Pitanga que, toman<strong>do</strong> conta da comissão,man<strong>do</strong>u <strong>de</strong>senhar as <strong>do</strong> Javari e <strong>do</strong> Içá, por or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> Ministé<strong>rio</strong> <strong>do</strong>sNegócios Estrangeiros litografadas no arquivo militar.Precisan<strong>do</strong> <strong>de</strong> retificações a <strong>do</strong> Japurá, como disse o senhor CostaAzeve<strong>do</strong> em seu Ofício n o 95 <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1868, não foi ela141


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOlitografada, mas entregue ao comissá<strong>rio</strong> senhor Hoonholtz, para retificála,como praticou, segun<strong>do</strong> consta <strong>do</strong> seu ofício <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong>1872, no qual, tratan<strong>do</strong> da planta hidrográfica <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Japurá, disse:Nesta planta, que foi aceita pelo senhor Paz Soldán, traçou-se a linha <strong>do</strong>s 10º20’ 30’’, 2 su<strong>do</strong>este verda<strong>de</strong>iro a partir <strong>do</strong> meio da foz <strong>do</strong> Apapóris, a fim <strong>de</strong>encontrar-se a posição <strong>do</strong> marco atual 500 metros acima <strong>do</strong> antigo, isto é, emfrente ao meio da ilha <strong>do</strong> Vea<strong>do</strong>; aí, portanto, o plantamos na latitu<strong>de</strong> 1º 31’ 29’’, 5sul, e longitu<strong>de</strong> 26º 16’ 54’’, 9 oeste <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, ou 69º 24’ 55’’, 5 oeste <strong>de</strong>Greenwich; ganhou, pois, o Impé<strong>rio</strong> a ilha <strong>do</strong> Vea<strong>do</strong>, próxima à margem direita, aqual, na planta apresentada pelo senhor Costa Azeve<strong>do</strong>, <strong>de</strong>veria ser adjudicadaao Peru, visto que já não seria pequena a concessão da República em recuar até omeio <strong>do</strong> <strong>rio</strong> a sua divisória, que na referida planta passa por cima da ilha Paxiúbae corta até um bom pedaço da margem esquerda <strong>do</strong> Japurá.Teremos, pois, à vista mais uma prova <strong>de</strong> que é justa e necessária aregra <strong>de</strong> concordarem os <strong>do</strong>is comissá<strong>rio</strong>s previamente em que pontoshão <strong>de</strong> ser os marcos coloca<strong>do</strong>s, e que é estultícia chamar esbanjamento<strong>do</strong>s cofres públicos a <strong>de</strong>spesa com a nova comissão brasileira que foicom a peruana concluir <strong>de</strong>finitiva e competentemente a <strong>de</strong>marcação dafronteira <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> com a República.38) A NaçãoFolha política, comercial e literáriaAno II, número 20, segunda, 27 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1873Limites com o Peru VIIA publicação que fizeram os jornais <strong>de</strong> Bogotá da or<strong>de</strong>m expedidapelo governo <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s da Colômbia para serem <strong>de</strong>struí<strong>do</strong>sos marcos (aliás assinalamentos) postos nos <strong>rio</strong>s Içá pela comissã<strong>obras</strong>ileira tornou urgente ir o quanto antes a comissão mista àquele <strong>rio</strong>e ao Japurá para fazer a <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong>marcação, como se tinha efetua<strong>do</strong>em Tabatinga. Para isso se realizar, recomen<strong>do</strong>u-se ao representante <strong>do</strong>Brasil no Peru que solicitasse <strong>do</strong> governo da República a nomeação <strong>do</strong>142


ARTIGOS DE IMPRENSAseu novo comissá<strong>rio</strong>, afim <strong>de</strong> ser continuada e concluída a <strong>de</strong>marcaçãoda linha da fronteira <strong>de</strong> Tabatinga ao Japurá em frente à foz <strong>do</strong> Apapóris.Com data <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1870, comunicou aquele representante:No dia 20 <strong>do</strong> corrente, foi nomea<strong>do</strong> o senhor Manuel Román y Paz Soldáncomissá<strong>rio</strong>, para continuar e concluir com o comissá<strong>rio</strong> brasileiro a <strong>de</strong>marcaçãoda fronteira da República com o Impé<strong>rio</strong>. Ele <strong>de</strong>ve partir brevemente e vaiinteira<strong>do</strong> das ocorrências que urgem começar os seus trabalhos pelo acabamentoda fixação <strong>de</strong>finitiva <strong>do</strong>s marcos na linha da fronteira, das cabeceiras <strong>do</strong> igarapéSanto Antônio, em Tabatinga, até o Japurá, em frente à foz <strong>do</strong> Apapóris.Resulta, pois, que o novo comissá<strong>rio</strong> partiu <strong>de</strong> Lima ciente <strong>de</strong> que <strong>de</strong>veriair antes ao Içá e ao Japurá, não ao Javari; ao chegar a esta corte, foi informa<strong>do</strong><strong>de</strong> ter o governo imperial manda<strong>do</strong> aprontar o vapor, para levar a sua comissãoao Amazonas, e ofereci<strong>do</strong> transportar nele a comissão peruana.Saiu o senhor Paz Soldán saben<strong>do</strong> que o governo imperial tinhaprovi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong> ser Tefé o ponto <strong>de</strong> partida da comissão para o <strong>rio</strong>Japurá e que <strong>de</strong>ste local seguiria para o Içá, construin<strong>do</strong>-se entretantoembarcações próprias para a comissão ir ao Javari.Nas instruções dadas ao senhor Hoonholtz, trocadas com o seucolega, datada a 24 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1871, se disse:A ante<strong>rio</strong>r comissão mista <strong>de</strong>marcou <strong>de</strong>finitivamente a parte extrema oci<strong>de</strong>ntal dafronteira <strong>do</strong> norte, a qual se principia em Tabatinga e acaba na margem direita <strong>do</strong>Japurá, <strong>de</strong>fronte da foz <strong>do</strong> Apapóris. Portanto, é escusa<strong>do</strong> que a atual comissãová ali retificar os marcos que foram solenemente assenta<strong>do</strong>s na margem esquerda<strong>do</strong> arroio Santo Antônio, um junto à foz <strong>do</strong> Amazonas, outro no ponto <strong>do</strong> mesmoarroio on<strong>de</strong> termina a área <strong>do</strong> forte <strong>de</strong> Tabatinga e começa a linha reta estipuladano referi<strong>do</strong> trata<strong>do</strong>.Pela comissão brasileira, já foi assinala<strong>do</strong>, na margem direita <strong>do</strong> Japurá, o lugarem que termina a linha da fronteira tirada <strong>de</strong> Tabatinga à foz <strong>do</strong> Apapóris, como foiestipula<strong>do</strong> no Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1851. Também se acham assinala<strong>do</strong>s por ela os pontosem que a mesma linha <strong>de</strong> fronteira cruza as duas margens <strong>do</strong> Içá. No entanto,faltam ser estes três pontos retifica<strong>do</strong>s pela comissão mista e colocar neles osmarcos permanentes. É este o primeiro trabalho <strong>de</strong> que ela <strong>de</strong>ve ocupar-se.143


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOFican<strong>do</strong> assim <strong>de</strong>marca<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>is extremos e o centro da fronteira, tornar-se-á<strong>de</strong>snecessá<strong>rio</strong> que os comissá<strong>rio</strong>s percorram tão gran<strong>de</strong> extensão <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> edarão por concluída a sua <strong>de</strong>marcação.1 o Reunida a comissão mista em Tefé, irá daí ao <strong>rio</strong> Japurá, o subirá até a foz <strong>do</strong>Apapóris e retificará, na fronteira da margem meridional <strong>do</strong> primeiro, o pontoon<strong>de</strong> vem terminar a linha reta <strong>de</strong> Tabatinga à boca <strong>do</strong> segun<strong>do</strong>, que marca afronteira <strong>do</strong> Brasil com o Peru.O adjunto mapa n o 1 e a cópia A mostram o lugar que foi assinala<strong>do</strong> pela comissã<strong>obras</strong>ileira.Depois <strong>de</strong> concluir essa retificação e quaisquer outros trabalhos que julgarconveniente, para que fique clara e solidamente fixada a fronteira, e para quepossam outros comissiona<strong>do</strong>s construir <strong>de</strong>pois os marcos, regressará a comissãomista a Tefé, a fim <strong>de</strong> prover-se <strong>do</strong> necessá<strong>rio</strong> para subir o Amazonas e ir ao <strong>rio</strong> Içá.2 o Deste <strong>rio</strong> já temos uma carta hidrográfica levantada pela comissão brasileiraque ali foi assinalar o ponto por on<strong>de</strong> passa a fronteira <strong>do</strong> Brasil; além disso,existe também o diá<strong>rio</strong> <strong>do</strong>s trabalhos científicos a que ela proce<strong>de</strong>u.O mapa n o 2 e a cópia B estão juntos a essas instruções e mostram os trabalhoshidrográficos e astronômicos já antecipa<strong>do</strong>s no <strong>rio</strong> Içá pela comissão brasileira.No entanto, ten<strong>do</strong> a comissão, como se vê <strong>de</strong>stes mapas e cópias, assinala<strong>do</strong>unicamente o ponto em que a linha <strong>de</strong> fronteira cruza a margem meridional <strong>do</strong><strong>rio</strong>, o qual faz <strong>de</strong>pois uma gran<strong>de</strong> curva para leste e vai ser novamente atravessa<strong>do</strong>pela mesma linha, cumpre que a comissão mista assinale também na margemboreal o lugar em que há <strong>de</strong> colocar-se o marco correspon<strong>de</strong> ao da austral.3 o Do <strong>rio</strong> Içá seguirá a comissão mista para São Paulo <strong>de</strong> Olivença, ou paraTabatinga, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o que ela tiver como mais a propósito para preparar-separa subir o Javari.Vê-se, pois, que o governo imperial, ao repetir ao novo comissá<strong>rio</strong>as instruções que havia da<strong>do</strong> ao antecessor (ir primeiro ao Japurá, e nãoao Javari), foi coerente na política <strong>de</strong> <strong>de</strong>marcar primeiro a fronteira <strong>do</strong>144


ARTIGOS DE IMPRENSAnorte, preferência exigida por circunstâncias cada dia mais atendíveis.A censura feita ao governo imperial, <strong>de</strong> haver assim resolvi<strong>do</strong> poralheias e incompetentes inspirações, revela ter a vaida<strong>de</strong> ofusca<strong>do</strong>a inteligência <strong>do</strong> censor. As instruções não fixaram a época em quea comissão <strong>de</strong>veria explorar os <strong>rio</strong>s; <strong>de</strong>ixaram-lhe a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> irexplorá-los durante a estação própria.A lamentável morte <strong>do</strong> senhor Paz Soldán po<strong>de</strong>ria ter aconteci<strong>do</strong> emquaisquer <strong>rio</strong>s, cuja insalubrida<strong>de</strong> é conhecida pelos explora<strong>do</strong>res, osquais, para resistir a ela, levam os meios necessá<strong>rio</strong>s.Com quanto já <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>, não será <strong>de</strong>mais repetir que a comissãoante<strong>rio</strong>r, durante a primeira nomeação, <strong>do</strong>is anos e sete meses, não fezmais que regular os cronômetros e mandar alguns <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>ssubirem o <strong>rio</strong> Japurá em canoas até a foz <strong>do</strong> Apapóris e a cachoeiraCupati.Na segunda, <strong>de</strong>corrida <strong>de</strong> 1865 a 1868, <strong>do</strong>is anos e <strong>de</strong>z meses, fezcom a comissão peruana a <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong>marcação da fronteira, da foz<strong>do</strong> arroio Santo Antônio até on<strong>de</strong> ele é atravessa<strong>do</strong> pela reta tirada <strong>de</strong>Tabatinga à foz <strong>do</strong> Apapóris, trabalhos circunscritos na distância <strong>de</strong> umalégua (cerca <strong>de</strong> 6,6 km).Emprega<strong>do</strong>s da comissão brasileira foram com os da peruana ao<strong>rio</strong> Javari e levantaram a planta <strong>de</strong> uma parte <strong>de</strong>ste <strong>rio</strong>, malogran<strong>do</strong>a conclusão <strong>de</strong> sua exploração pela imprevidência <strong>de</strong> garantir osexplora<strong>do</strong>res contra os ataques <strong>do</strong>s selvagens, <strong>do</strong>s quais resultou a morte<strong>do</strong> digno e ilustra<strong>do</strong> capitão-tenente Soares Pinto e nos quais per<strong>de</strong>uo <strong>do</strong>utor Paz Soldán uma perna. Levantou o senhor Costa Azeve<strong>do</strong> aplanta hidrográfica <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Içá e a da parte <strong>do</strong> Japurá fronteira à foz <strong>do</strong>Apapóris, trabalhos que ficaram <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong> serem ratifica<strong>do</strong>s pelacomissão peruana.O senhor Costa Azeve<strong>do</strong> pôs termo a sua primeira comissão,retiran<strong>do</strong>-se para a corte quan<strong>do</strong> recebeu or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> governo imperialpara se conservar em Manaus, e aban<strong>do</strong>nou a segunda comissão quan<strong>do</strong>soube, pelos jornais, que estava <strong>de</strong>miti<strong>do</strong>.145


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO39) A NaçãoFolha política, comercial e literáriaAno II, número 93, quinta-feira, 19 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1873Limites com o Peru *Em um artigo publica<strong>do</strong> no periódico A Reforma, em 22 <strong>de</strong> abril,chamou o senhor capitão <strong>de</strong> mar e guerra José da Costa Azeve<strong>do</strong> paraa arena o jornal A Nação, por haver publica<strong>do</strong>, em <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> governoimperial, alguns <strong>do</strong>cumentos concernentes às <strong>de</strong>marcações da fronteira<strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> com a República <strong>do</strong> Peru, para provar que ele fora injusta einsolitamente acusa<strong>do</strong> ante o público pelo senhor Costa Azeve<strong>do</strong>.Viu-se, pois, A Nação, obrigada a sair ainda à frente para esclarecer algunse repelir outros <strong>do</strong>s tópicos daquele artigo, no qual se repetiram as fantasiadascensuras aos atos <strong>do</strong> governo, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> à parte a questão científica, a que oautor era chama<strong>do</strong> pelo senhor capitão <strong>de</strong> fragata Hoonholtz.Principia-se o artigo com a seguinte citação <strong>do</strong> já dito em outro:“Segun<strong>do</strong> o incluso plano geográfico <strong>do</strong> Japurá, levanta<strong>do</strong> pelacomissão brasileira em 1868, existem entre a margem direita <strong>de</strong>ste<strong>rio</strong> e a boca <strong>do</strong> Apapóris ilhas que <strong>de</strong>vem ser adjudicadas na forma <strong>do</strong>costume.”Sobre este artigo das instruções <strong>do</strong> senhor Hoonholtz, apresenta-seuma moxinifada <strong>de</strong> argumentos, para relevá-lo <strong>de</strong> havê-las executa<strong>do</strong> eacusar a quem lhes <strong>de</strong>u, por afetarem a integrida<strong>de</strong> <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>.Diz-se:Que elas são contrárias ao trata<strong>do</strong> e aos nossos direitos reconheci<strong>do</strong>s pelaRepública e que, para prová-lo, oporá o senhor Costa Azeve<strong>do</strong> à opinião atual<strong>do</strong> Ministé<strong>rio</strong> <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros, que vigorou até agora, a opinião <strong>do</strong>governo limenho em <strong>de</strong>svantagem própria.Para comprovar esta asserção, cita o que disse em <strong>artigos</strong> <strong>de</strong> AReforma, nos quais <strong>de</strong>clarou que sabia quase oficialmente que o Trata<strong>do</strong>*Quan<strong>do</strong> este artigo estava no prelo, resolveu-se suspen<strong>de</strong>r a sua publicação até aparecer outro que aReforma prometia vir em acrescentamento àqueles; porém, ten<strong>do</strong> ela publica<strong>do</strong> alguns quase estranhosao contexto <strong>de</strong>ste, a que A Nação se propôs respon<strong>de</strong>r, vai agora a lume.146


ARTIGOS DE IMPRENSA<strong>de</strong> 1851, entre o Brasil e o Peru, acabava <strong>de</strong> ser altera<strong>do</strong> com ofensa aosdireitos <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>, reconheci<strong>do</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito.Lembra ter dito A Nação em um <strong>do</strong>s seus <strong>artigos</strong> que os trabalhosexecuta<strong>do</strong>s em 1868 evitaram ser adjudicada ao Peru a ilha <strong>do</strong> Vea<strong>do</strong>,visto que já não seria pequena a concessão da República recuar até omeio <strong>do</strong> <strong>rio</strong> a sua divisória, que ia passar pela Paxiúba, cortan<strong>do</strong> até umaporção da margem esquerda <strong>de</strong>sse <strong>rio</strong>.Esta citação parece ter si<strong>do</strong> feita no intuito <strong>de</strong> mostrar que a linha <strong>de</strong>fronteira norte-sul pelo meio <strong>do</strong> <strong>rio</strong>, assinalada no plano levanta<strong>do</strong> pelacomissão <strong>de</strong> 1868, foi obtida por concessões <strong>do</strong> Peru; conceito errôneo,pois a República não foi ouvida nem teve parte nesse plano.Para comprovar que semelhante linha divisória não foi obtida porconcessões, aí está o outro plano levanta<strong>do</strong> pela comissão mista em1872, mostran<strong>do</strong> que a República recuou ainda mais com a correçãoque se fez da exata diretriz da linha reta <strong>de</strong> Tabatinga à foz <strong>do</strong> Apapóris.Para os leitores <strong>de</strong> A Reforma saberem que nestes lugares não po<strong>de</strong>mser aplicadas ao Japurá as comezinhas regras <strong>do</strong>s <strong>rio</strong>s, alegadas pelosenhor Costa Azeve<strong>do</strong>, vamos <strong>de</strong>screver a sua configuração.No ponto em que a linha reta, tirada <strong>de</strong> Tabatinga à foz <strong>do</strong> Apapóris,vai atravessar a margem direita <strong>do</strong> Japurá, <strong>de</strong>ixa este <strong>rio</strong> a direção lesteoeste,que trazia até ali, e segue na <strong>de</strong> sul a norte por bastante espaçoaté perto <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Apapóris, on<strong>de</strong> torna a voltar para oeste, estan<strong>do</strong> noprincípio <strong>de</strong>sta curva a foz <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> <strong>rio</strong>. Portanto, a linha <strong>de</strong> fronteira,em vez <strong>de</strong> atravessar o <strong>rio</strong> na sua largura, segue pelo prolongamento<strong>de</strong>le para o norte até encontrar a foz <strong>do</strong> Apapóris, que serve <strong>de</strong> diretrizpara que se coloque o marco na margem <strong>do</strong> Japurá.Consequentemente, as ilhas que ficassem a leste <strong>de</strong>ssa linha<strong>de</strong>veriam ser adjudicadas ao Brasil; ao Peru, as que estivessem a oeste.Foi isto o que praticou competentemente a comissão mista, em1872; ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> esses atos aprova<strong>do</strong>s pelos <strong>do</strong>is governos, é ociosoquerer persuadir que a primeira comissão an<strong>do</strong>u mais acertada <strong>do</strong> que asduas conjuntamente.Sen<strong>do</strong> <strong>do</strong> Peru a margem direita <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Japurá, <strong>do</strong> marco divisó<strong>rio</strong>para o norte, e <strong>do</strong> Brasil toda margem esquerda até o <strong>rio</strong> Apapóris, éevi<strong>de</strong>nte que as ilhas encontradas nesse espaço, <strong>do</strong> Japurá até <strong>de</strong>fronteda foz <strong>do</strong> Apapóris, <strong>de</strong>verão ser adjudicadas entre os <strong>do</strong>is confrontantes,como se pratica em to<strong>do</strong>s os <strong>rio</strong>s que correm entre diferentes Esta<strong>do</strong>s.147


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOO direito <strong>do</strong> Peru, <strong>de</strong> ter parte naquelas águas que banham o seulitoral, só po<strong>de</strong>rá ser duvi<strong>do</strong>so para quem não enten<strong>de</strong>r a questão vertente,ou ser nega<strong>do</strong> por imaginações mórbidas, a ponto <strong>de</strong> não distinguir arazão que to<strong>do</strong>s os mais reconhecem. O Peru nunca preten<strong>de</strong>u esten<strong>de</strong>ro seu <strong>do</strong>mínio territorial à margem esquerda <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Japurá.Essa longa história referida no artigo <strong>de</strong> A Reforma, das discussõesocorridas entre os <strong>do</strong>is comissá<strong>rio</strong>s, causadas pela discordância dasinstruções <strong>do</strong> coronel Carrasco com a letra <strong>do</strong> trata<strong>do</strong>, teve origem no fato<strong>de</strong> se ter escrito nelas o pronome aquele em vez <strong>do</strong> este. Dizia o artigo9 o das instruções dadas ao comissá<strong>rio</strong> Carrasco: “Por meio <strong>de</strong> repetidasobservações astronômicas, vossa senhoria <strong>de</strong>terminará o ponto em que oApapóris <strong>de</strong>ságua no Japurá e colocará, na margem direita daquele [sic].”Sabe<strong>do</strong>r o governo peruano das discussões havidas, por querero seu comissá<strong>rio</strong> colocar o marco na margem direita <strong>do</strong> Apapóris, eten<strong>do</strong> reconheci<strong>do</strong> o erro <strong>de</strong> escrita que os motivou, dispôs que o seucomissá<strong>rio</strong> enten<strong>de</strong>sse que se lhe mandava colocar o marco na margemdireita <strong>do</strong> Japurá, como manda o trata<strong>do</strong>, e não na direita <strong>do</strong> Apapóris.É inoportuna, incompetente e eivada <strong>de</strong> inexatidões históricas adivagação que faz o senhor Costa Azeve<strong>do</strong> sobre trata<strong>do</strong>s e limites <strong>do</strong>Impé<strong>rio</strong> com as Repúblicas, a qual vai concitar <strong>de</strong>sconfianças <strong>de</strong> que háno Brasil projetos <strong>de</strong> aquisições territoriais.Foi o senhor Costa Azeve<strong>do</strong> burla<strong>do</strong> por quem lhe disse que tinha si<strong>do</strong>altera<strong>do</strong> o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1851, pois ele continua em vigor e religiosamenteobserva<strong>do</strong> por ambos os governos que o estipularam.É <strong>de</strong> se lamentar que o senhor ex-comissá<strong>rio</strong> não refletisse sobrea transcendência que po<strong>de</strong>ria ter a sua <strong>de</strong>claração, <strong>de</strong> que sabia quaseoficialmente que acabava <strong>de</strong> alterar-se aquele trata<strong>do</strong>.40) A NaçãoJornal político e comercialAno II, Número 136, sexta-feira, 11 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1873As forças brasileiras no ParaguaiDifícil posição é a <strong>do</strong> gabinete diante das hostes <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadas <strong>do</strong>liberalismo. Se numa questão grave o ministé<strong>rio</strong> caminha <strong>de</strong> perfeito148


ARTIGOS DE IMPRENSAacor<strong>do</strong> com alguns chefes <strong>do</strong> parti<strong>do</strong> adverso, conforman<strong>do</strong>-se com oseu parecer e com o seu voto, surgem imediatamente das mesmas fileiras<strong>de</strong>sse parti<strong>do</strong> outros chefes gradua<strong>do</strong>s, que, quase sempre, mais em ódioaos seus colegas e correligioná<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> que aos ministros conserva<strong>do</strong>res,combatem a resolução que se tomou ou o plano político que se seguiu.Uma prova conclu<strong>de</strong>ntíssima das rivalida<strong>de</strong>s que existem entre oschefes liberais e da divergência profunda que os separa, sempre quese trata <strong>de</strong> qualquer assunto <strong>de</strong> política ou <strong>de</strong> administração, tivemo-laainda há dias, ao resolver-se o conflito municipal, na sanha com que ossenhores Zacarias, Silveira Lobo e Bezerra <strong>de</strong> Menezes atiraram-se aoparecer <strong>do</strong>s senhores Souza Franco e Nabuco <strong>de</strong> Araújo.Outro fato veio agora tornar ainda uma vez patente, que nem mesmoem assuntos que se pren<strong>de</strong>m à política externa existe nesse agrega<strong>do</strong><strong>de</strong> homens <strong>de</strong> todas as procedências e <strong>de</strong> todas as i<strong>de</strong>ias, o acor<strong>do</strong>necessá<strong>rio</strong>, a uniformida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento que <strong>de</strong>ve existir nos parti<strong>do</strong>sfortes e bem constituí<strong>do</strong>s.Enquanto A Reforma, proclaman<strong>do</strong> a política aconselhada pelossena<strong>do</strong>res liberais em relação à República <strong>do</strong> Paraguai, censura ogoverno, como ainda ontem o fez, por conservar nesse país uma pequenadivisão <strong>do</strong> nosso exército, o senhor sena<strong>do</strong>r Paranaguá, ex-ministro daGuerra, e uma das sumida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> parti<strong>do</strong> liberal, levanta-se no Sena<strong>do</strong>e faz acres censuras ao gabinete por haver retira<strong>do</strong> ultimamente <strong>do</strong>ispequenos batalhões que se achavam em Humaitá.Não há assunto, por mais grave, ou por mais insignificante que seja,em que se não revelem a falta <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento e a <strong>de</strong>sarmonia<strong>do</strong>s oráculos <strong>do</strong> liberalismo.Na questão que as últimas notícias <strong>do</strong> Paraguai vieram trazer <strong>de</strong>novo à tela da discussão, nem o ilustre ex-ministro da Guerra, nem AReforma, órgão <strong>do</strong> parti<strong>do</strong> a que sua excelência pertence, têm razão nascensuras encontradas que fizeram.Os <strong>do</strong>is batalhões <strong>de</strong> infantaria, retira<strong>do</strong>s da República vizinhavoltaram ao país por necessida<strong>de</strong>s urgentes <strong>do</strong> serviço interno, sem quepor isso sofresse gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sfalque a divisão <strong>do</strong> exército imperial queainda ocupa Assunção. O esta<strong>do</strong> efetivo <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>sses corpos, queprecisavam ser prontamente reorganiza<strong>do</strong>s, mal chegava a 300 homens.Ao contrá<strong>rio</strong> <strong>do</strong> que sustentou anteontem no Sena<strong>do</strong> o senhorconselheiro Paranaguá, pensa A Reforma que cometemos um grave erro149


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOem não evacuar completamente o Paraguai, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que foi resolvida aquestão <strong>de</strong> limites.Semelhante censura, mais infundada ainda, <strong>de</strong>monstra a altasabe<strong>do</strong>ria <strong>do</strong>s publicistas liberais.Não basta resolver em um trata<strong>do</strong> a questão <strong>de</strong> limites; é misterque estes sejam <strong>de</strong>marca<strong>do</strong>s para que o ajuste concluí<strong>do</strong> se torne umarealida<strong>de</strong>. Temos além disso outros ajustes importantes, cuja execuçãointeressa altamente ao Brasil. E se a conservação ou a retirada das nossasforças estão reguladas pelos trata<strong>do</strong>s feitos com o Paraguai e pelo últimoacor<strong>do</strong> com a República Argentina, como há <strong>de</strong> o governo imperial, quealiás tem por vezes <strong>de</strong>clara<strong>do</strong> <strong>de</strong>sejar mais <strong>do</strong> que ninguém a retirada<strong>de</strong>ssas tropas, <strong>de</strong>terminar que ela se realize já e já, sem <strong>de</strong>sacautelarinteresses importantes e essenciais, e sem faltar às estipulações <strong>do</strong>sajustes a que nos referimos?A política da imprevidência e <strong>do</strong> aban<strong>do</strong>no po<strong>de</strong> ser sublime e muitopatriótica, mas só os Metternichs <strong>do</strong> A Reforma a po<strong>de</strong>m empreen<strong>de</strong>re levar a efeito. Cuida<strong>do</strong>, porém, que lhes não suceda o mesmo quesuce<strong>de</strong>u ao infeliz coronel Carneiro <strong>de</strong> Campos, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> haver prega<strong>do</strong>no parlamento, como ainda o fez há dias o senhor Martinho Campos, anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reduzir as forças militares <strong>do</strong> Brasil.A pergunta feita por A Reforma, no final <strong>do</strong> artigo <strong>de</strong> ontem, estárespondida pelos últimos ajustes em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong>s quais os alia<strong>do</strong>s <strong>de</strong>vemprestar seu apoio moral e material ao governo <strong>do</strong> Paraguai, pela formaque julgarem conveniente, e quan<strong>do</strong> o entendam necessá<strong>rio</strong> e oportuno.As instruções, portanto, a que obe<strong>de</strong>cem as nossas forças <strong>de</strong> ocupaçãosão as que recebem <strong>do</strong> representante <strong>do</strong> Brasil, e que se <strong>de</strong>rivam <strong>de</strong>ssestrata<strong>do</strong>s.Mas A Reforma não quer discutir... Deve ter para isto boas razões.***150


ARTIGOS DE IMPRENSA41) A NaçãoJornal político e comercialAno II, número 211, quinta-feira, 9 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1873A nação“A República” e as notícias <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da PrataMais <strong>de</strong> um grave reparo são <strong>de</strong> suscitar as reflexões que, ontem ehoje, consagrou A República às relações <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> com o governo <strong>de</strong>Buenos Aires.Dissera-se que o órgão republicano, em se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> interesses <strong>do</strong>Brasil, e toda vez que algum acontecimento <strong>de</strong> mais ou menos gravida<strong>de</strong>os põe em jogo ou <strong>de</strong> algum mo<strong>do</strong> os perturba e ameaça, nenhum meioevita trazer-lhes comprometimento, e folga e banqueteia-se com o que sepo<strong>de</strong>ria dizer a <strong>de</strong>sgraça da pátria, que outra coisa não é uma permanenteatitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> arma ao ombro.Perante o conflito alemão, pôs A República manifesto esforçoem irritar os ânimos, exploran<strong>do</strong> a indignação popular e chegan<strong>do</strong> apedir a guerra a altos bra<strong>do</strong>s. Nos negócios <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da Prata a invariávelpolítica <strong>do</strong> órgão ultra<strong>de</strong>mocrático tem si<strong>do</strong> avivar preconceitos <strong>do</strong>snossos inquietos e suspeitosos vizinhos, alimentar vaníssimos terrorese fomentar uma injusta rivalida<strong>de</strong> que não tem entra<strong>do</strong> por pouco nasdificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> nossa política diplomática com os esta<strong>do</strong>s platinos, eé causa <strong>de</strong> verem-nos com <strong>de</strong>sconfiança povos que <strong>de</strong>vem ser nossosamigos e a cujos legítimos interesses nunca o Impé<strong>rio</strong> pôs estorvo.Dan<strong>do</strong> corpo a infunda<strong>do</strong>s boatos, exageran<strong>do</strong>-os e abrin<strong>do</strong>-lhescirculação, A República <strong>de</strong>sserve evi<strong>de</strong>ntemente o seu país para afagarintuitos e traças <strong>de</strong> uma política trêfega e inconsi<strong>de</strong>rada.Po<strong>de</strong> não ser este o secreto <strong>de</strong>sígnio <strong>do</strong> órgão republicano.Provavelmente não é. Mas, ciente ou inscientemente,[sic] ten<strong>de</strong>m osseus comentá<strong>rio</strong>s a suscitar entre estranhos justas razões <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfiançacontra a política <strong>do</strong> Brasil e fazê-la suspeitosa.Assim é que, <strong>do</strong> simples fato <strong>de</strong> ter si<strong>do</strong> recomenda<strong>do</strong> na fala <strong>do</strong> tronocom que foi aberta a segunda sessão da atual legislatura a oportunida<strong>de</strong>da construção <strong>de</strong> uma linha férrea no Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, em que se151


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOconciliem os interesses <strong>do</strong> comércio com os da segurança e <strong>de</strong>fesa dasnossas fronteiras, concluiu sem maior indagação o órgão republicanoque uma tal <strong>de</strong>claração pela voz direta <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r implica um cartel<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio que, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser lança<strong>do</strong> a um pequeno esta<strong>do</strong> como aRepública Oriental <strong>do</strong> Uruguai com as suas 850.000 almas, e <strong>de</strong>ven<strong>do</strong>ser aliás combinada com a constante ingerência da diplomacia brasileiranos negócios platinos, evi<strong>de</strong>ntemente se dirige à República Argentina.Neste ato da política imperial viu A República nada menos que uma“fanfarronada” ao mesmo tempo em que “uma ameaça real e muitograve” que “coinci<strong>de</strong> tristemente com os gran<strong>de</strong>s preparativos belicosos<strong>do</strong> Brasil” e, entre eles, “a aquisição <strong>de</strong> um enorme navio encouraça<strong>do</strong>que será um <strong>do</strong>s mais po<strong>de</strong>rosos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>”, “com as complicações <strong>do</strong>Paraguai, a insurreição <strong>do</strong> caudilho López Jordán, a remessa <strong>de</strong> armaspara Uruguaiana e as pouco amistosas relações <strong>do</strong> nosso ministroplenipotenciá<strong>rio</strong>, <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Araguaia, com o general Bartolomeu Mitre”.E enquanto estes fatos traduzem ao ver <strong>do</strong> órgão ultra<strong>de</strong>mocráticoa intenção por parte <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> <strong>de</strong> lançar o país em “alguma horrorosahecatombe” - “luta <strong>de</strong> astúcia a República Argentina, já se arman<strong>do</strong>por sua vez, já promoven<strong>do</strong> a retirada das nossas forças <strong>do</strong> Paraguai, jáauxilian<strong>do</strong> a colocação <strong>de</strong> um amigo à frente <strong>do</strong> governo <strong>de</strong>sse Esta<strong>do</strong>”,e daí tira a gazeta que nos referimos, “a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma aliançacontra o Impé<strong>rio</strong>”.É raro ver reuni<strong>do</strong>s tão estranhos conceitos!Por nenhum ato como por nenhuma palavra manifestou o governo<strong>do</strong> Brasil a intenção ou o receio <strong>de</strong> uma guerra com a república vizinha.Sem comprometimento da dignida<strong>de</strong> nacional, e <strong>de</strong> legítimos interesses<strong>do</strong> país, que não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar sob a ameaça <strong>de</strong> arrogantes pretensões,o governo imperial mantém inalterável o mais firme <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vercoroa<strong>do</strong>s pelos triunfos da paz os seus incessantes esforços <strong>de</strong> evitarto<strong>do</strong> pretexto a <strong>de</strong>sinteligências internacionais.Nem as nossas relações com os esta<strong>do</strong>s platinos se afiguram emsituação que <strong>de</strong>va inspirar justo motivo a receio <strong>de</strong> perturbação.A suposta <strong>de</strong>sinteligência entre o representante <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> e ogeneral Mitre é inteiramente fantasiosa. Proce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> em amistoso acor<strong>do</strong>com o ministro brasileiro, o ilustre general Mitre obtivera <strong>do</strong> governo <strong>do</strong>Paraguai um trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> limites que <strong>de</strong>via satisfazer as bem entendidasaspirações <strong>do</strong> governo e <strong>do</strong> povo argentino.152


ARTIGOS DE IMPRENSAPor esse trata<strong>do</strong>, diz-se, ce<strong>de</strong>u o Paraguai ao nosso alia<strong>do</strong> imensosterritó<strong>rio</strong>s em cuja posse sempre esteve; assim – todas as Missõessituadas entre o Paraná e o Uruguai, to<strong>do</strong> o Chaco até a margem direita<strong>do</strong> Pilcomayo, que <strong>de</strong>ságua em frente a Assunção, e a importantíssimailha <strong>do</strong> Cerrito.Que melhor <strong>de</strong>spojo da vitória podia em boa razão preten<strong>de</strong>r aRepública Argentina? Dominan<strong>do</strong> ao norte a navegação <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Paraguaie alto Paraná pela ocupação da ilha <strong>do</strong> Cerrito, como ao sul <strong>do</strong>mina anavegação <strong>do</strong> Paraná e Uruguai, pela ocupação <strong>de</strong> Martín García, osargentinos teriam assim obti<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma guerra, sustentada quase queexclusivamente pelo Brasil, vantajosos resulta<strong>do</strong>s que lhe permitiriamlegítima influência na política <strong>do</strong> Prata.Acredita-se, entretanto, que este acor<strong>do</strong> não mereceu aprovação aossenhores Sarmiento e Teje<strong>do</strong>r, que preten<strong>de</strong>riam a imediata entrega <strong>de</strong>to<strong>do</strong> o vasto territó<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Chaco <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Pilcomayo até Mato Grosso,inadvertin<strong>do</strong> [sic] que se trata nada menos que <strong>de</strong> um territó<strong>rio</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong>longo tempo cobiça<strong>do</strong> e disputa<strong>do</strong> pela Bolívia.Não é, portanto, entre o senhor <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Araguaia e o ilustre generalMitre que se suscitou <strong>de</strong>sinteligência, mas entre este e o seu governo.Neste pé em que se acha a questão o que se quereria ou se quereráque façamos? Quer A República que o Brasil intervenha para obrigaro Paraguai, por meio das armas, a entregar aos argentinos o terrenoquestiona<strong>do</strong>? Cumpre-nos tomar para nós a cumplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma tãoestranha exigência?É seguramente esta a política que nada aconselha ao Impé<strong>rio</strong>.Que o governo <strong>de</strong> Buenos Aires arranque ao presi<strong>de</strong>nte Jovellanose ao congresso paraguaio estas ou quejandas concessões; que o nossogeneroso alia<strong>do</strong> se engran<strong>de</strong>ça à custa <strong>do</strong> infeliz Paraguai, <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>Oriental, da Bolívia ou <strong>do</strong> Chile; que o faça por seus próp<strong>rio</strong>s esforços,e por sua própria conta, não tem que ver com isto o Impé<strong>rio</strong>. Mas quetente converter-nos em instrumentos <strong>de</strong> sua ambiciosa política, e levara efeito as suas conquistas territoriais com o apoio, e o prestígio e aintervenção <strong>do</strong> Brasil; não po<strong>de</strong> a isto prestar-se um governo patrióticoque tem por primeiro <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>veres manterem ilesa a dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong>uma gran<strong>de</strong> nação.Se qualquer rompimento, tão improvável quanto triste, viesseimpor-nos a <strong>do</strong>lorosa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer vingar pelas armas o que não153


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOpu<strong>de</strong>sse obter a discussão calma e refletida, não seria senão com a maisviva repugnância que poríamos ainda em contribuição esses recursosmilitares <strong>de</strong> que nenhum Esta<strong>do</strong> po<strong>de</strong> prescindir no interesse <strong>de</strong> sua<strong>de</strong>fesa.E nem se po<strong>de</strong>rá dizer <strong>do</strong> Brasil que provocará ensanguenta<strong>do</strong><strong>de</strong>sfecho. Contra este estranho juízo protestaria a história, e protestariamos fatos com igual energia. A guerra que movemos a Rosas e Oribe, aque mantivemos em seis anos contra Aguirre e López, mostram pelasua origem e pelo seus resulta<strong>do</strong>s, que tampouco tem si<strong>do</strong> o Impé<strong>rio</strong> aprovocar a solução das armas como a aproveitar <strong>de</strong>spojos da vitória.A política <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> tem si<strong>do</strong> invariavelmente <strong>de</strong>sambiciosa <strong>de</strong>conquistas como <strong>de</strong> indébita influência nos negócios <strong>de</strong> Prata. É <strong>de</strong>outro la<strong>do</strong> da fronteira sul que se alinha a conhecida política que sonhacom reconstrução <strong>do</strong> antigo vice-reino <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da Prata; tal foi a sabidapreocupação <strong>de</strong> Rosas e é ainda hoje a <strong>de</strong> quase to<strong>do</strong>s os estadistasargentinos.Como quer que seja, uma é a verda<strong>de</strong>. Se o governo <strong>de</strong> Buenos Airesvê com maus olhos a política <strong>do</strong> Brasil, e tenta alianças que o habilitema mover-nos guerra em momento oportuno, não é porque possa atribuirnosa insensata ambição <strong>de</strong> conquista ou <strong>de</strong> indébita ingerência nos seusnegócios mas só e somente porque não nos temos presta<strong>do</strong>, e não noshavemos prestar a intervir para auxiliá-la na sua política <strong>de</strong> absorção.Impressiona-se A República com o que chama “os nossos preparativosbélicos,” e entre eles a construção <strong>de</strong> “um enorme e po<strong>de</strong>roso vaso <strong>de</strong>guerra”, não advertin<strong>do</strong> que, se <strong>de</strong> algum fato po<strong>de</strong> resultar <strong>de</strong>sconfiançaao governo argentino, é seguramente <strong>de</strong> tais impensa<strong>do</strong>s exageros <strong>de</strong>uma certa parte da <strong>imprensa</strong> brasileira. O que se tem feito em matéria <strong>de</strong>armamentos, data <strong>de</strong> muito tempo; não é um fato novo o da encomenda<strong>de</strong> um encouraça<strong>do</strong>, e <strong>de</strong> transportes, e o <strong>de</strong> fuzis e munições.Nem o fato é <strong>de</strong> causar estranheza. Também a República Argentinarecebe frequentes remessas <strong>de</strong> armas, encomenda encouraça<strong>do</strong>s,engaja em Londres fabricantes <strong>de</strong> torpe<strong>do</strong>s, e trata agora segun<strong>do</strong> sediz, <strong>de</strong> levantar um exército <strong>de</strong> 50.000 homens, sem que estes fatosnos <strong>de</strong>spertem inquietação. Arma-se, naturalmente, para vencer LópezJordán, para sufocar as revoluções da Rioja e <strong>de</strong> Men<strong>do</strong>za, para <strong>do</strong>mar osselvagens da Patagônia, e talvez para liquidar as suas questões <strong>de</strong> limitescom o Chile, a Bolívia e o Paraguai. O foco revolucioná<strong>rio</strong> organiza<strong>do</strong>154


ARTIGOS DE IMPRENSAem Corrientes, <strong>do</strong>n<strong>de</strong> partem as invasões contra o Paraguai, não temconsegui<strong>do</strong> <strong>de</strong>struir o governo legal <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>sgraça<strong>do</strong> país. Caballerotem si<strong>do</strong> sempre bati<strong>do</strong> pelos pat<strong>rio</strong>tas paraguaios.Talvez a República Argentina queira pacificar o Paraguai e obrigálopelas armas a fazer maiores concessões que as <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> celebra<strong>do</strong>pelo general Mitre.Tu<strong>do</strong> isso po<strong>de</strong> explicar os preparativos bélicos <strong>do</strong> nosso alia<strong>do</strong>.Des<strong>de</strong>, porém, que as nossas relações internacionais não dãomotivo a apreensões <strong>de</strong> guerra, não po<strong>de</strong>ríamos e não po<strong>de</strong>mos ver com<strong>de</strong>sconfiança os armamentos da vizinha república.Se houvessem eles, entretanto, <strong>de</strong> um dia voltar-se contra nós, aprevidência <strong>do</strong> governo não nos tranquilizaria menos que o prova<strong>do</strong>valor e disciplina <strong>do</strong>s nossos solda<strong>do</strong>s e a excelência <strong>do</strong>s nossos meios<strong>de</strong> guerra.Houve inépcia em autorizar a construção <strong>de</strong> uma linha férrea no RioGran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, ou em <strong>de</strong>clará-la estratégica?Inepta seria a censura que daí tirasse argumento.A construção da viação estratégica no sul era necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> hámuito reconhecida e proclamada por <strong>do</strong>lorosa experiência. A invasãoda nossa província <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> em 1827 e 1828 pelos argentinos, eem 1865 pelos paraguaios, era <strong>de</strong> pôr-nos <strong>de</strong> sobreaviso. O que é bementendida providência, não po<strong>de</strong> ser visto como cartel <strong>de</strong> <strong>de</strong>safio.Também em Mato Grosso proce<strong>de</strong>-se a estu<strong>do</strong>s para uma linhaférrea, e <strong>de</strong>ste fato ninguém colherá em boa razão que há aí um eminenteinteresse militar a ser empreendi<strong>do</strong>.Longe <strong>de</strong> inspirar-se em vãos terrores, <strong>de</strong> excitar infantil <strong>de</strong>sconfiançaa quem quer que seja, o que cumpre ao governo é prosseguir ativamenteem dispor elementos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> que carece este vasto Impé<strong>rio</strong>. Assimcomo melhoramos as nossas fortificações <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, e cuidamosem estradas estratégicas no Rio Gran<strong>de</strong>, no Paraná e em Mato Grosso,convém não esquecer que a importante ilha <strong>de</strong> Santa Catarina, expostaaos insultos <strong>de</strong> qualquer potência marítima, não <strong>de</strong>ve continuar noesta<strong>do</strong> em que a acharam os espanhóis dirigi<strong>do</strong>s por Ceballos em 1777.É assunto este que está a pedir a atenção <strong>do</strong> governo; e o indicamos àsua sabe<strong>do</strong>ria e pat<strong>rio</strong>tismo.Tampouco censurável é que se tenha na fala <strong>do</strong> trono indica<strong>do</strong> aoportunida<strong>de</strong> da construção da questionada linha férrea, como que se155


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOtenha dito que ela é estratégica ao mesmo tempo em que comercial.Pois, tão imbecis julga A República os estadistas platinos queprecisassem da autenticida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma semelhante <strong>de</strong>claração? Demandaseuma gran<strong>de</strong> previsão para entrever o fim estratégico <strong>de</strong> um traça<strong>do</strong>?É em segre<strong>do</strong> que um Esta<strong>do</strong> po<strong>de</strong> construir centenas <strong>de</strong> quilômetros <strong>de</strong>viação férrea?Tranquilize-se A República.As nossas relações com a República Argentina não encerramseguramente o perigo <strong>de</strong> próximo ou remoto conflito. Nenhum fatoautoriza as vãs suspeitas que uns certos interessa<strong>do</strong>s não cessam <strong>de</strong>fomentar, escreven<strong>do</strong> para os jornais <strong>do</strong> Prata notícias tão falsas eaterra<strong>do</strong>ras como a da compra <strong>de</strong> vá<strong>rio</strong>s encouraça<strong>do</strong>s pelo governo <strong>do</strong>Brasil, <strong>de</strong> formidáveis armamentos e munições <strong>de</strong> guerra, da organização<strong>de</strong> um exército <strong>de</strong> 40.000 homens no Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, e a <strong>de</strong> achar-senomea<strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte e comandante das armas <strong>de</strong>ssa província o ilustremarechal duque <strong>de</strong> Caxias.Atento pelos legítimos interesses <strong>de</strong> uma política honrada,<strong>de</strong>sambiciosa e sinceramente empenhada em manter e estreitar cordiaisrelações internacionais, o governo <strong>do</strong> Brasil não <strong>de</strong>scura os meios <strong>de</strong>assegurar ao país as condições <strong>de</strong> uma paz durável e paz honrosa.Não estamos à véspera <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> campanha: - esteja disto certaA República. Esta não é pela menos a intenção, que presi<strong>de</strong> os atos taiscomo a construção da via férrea <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul.Há, sim, vitórias cuja <strong>do</strong>irada perspectiva <strong>de</strong>slumbra o governo e otrás <strong>de</strong> frequente preocupa<strong>do</strong>: mas são as vitórias da paz, essas que realizao caminho <strong>de</strong> ferro, a navegação, o telégrafo, a indústria, o comércio, aarte, a ciência e, <strong>do</strong>minan<strong>do</strong> a tu<strong>do</strong>, o culto sincero da liberda<strong>de</strong> pacífica,indust<strong>rio</strong>sa, inteligente e honrada que não se confun<strong>de</strong> com os <strong>de</strong>sgarrosbrutais da licença.***156


ARTIGOS DE IMPRENSA42) A NaçãoJornal político e comercialAno II, número 212, sexta-feira, 10 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1873A paz ou a guerra?Sob esta inquieta<strong>do</strong>ra epígrafe, tem-se no A República algumas linhasque, por mais <strong>de</strong> uma razão, não po<strong>de</strong>riam passar-nos <strong>de</strong>spercebidas.Prece<strong>de</strong>m elas, e fazem-lhe honroso cortejo, a um artigo em que osenhor Aristi<strong>de</strong>s Lobo, entre conceitos muito injustos, muito incabi<strong>do</strong>s[sic] e inteiramente estranhos às circunstâncias <strong>do</strong> Brasil tenta assinalarà <strong>imprensa</strong> ultra<strong>de</strong>mocrática o invariável programa a que <strong>de</strong>ve meterombros perante a exagerada situação das relações diplomáticas <strong>do</strong>Impé<strong>rio</strong> com a República Argentina.Pleitear a causa da paz, e pleiteá-la com ar<strong>do</strong>r: - tal é a palavra<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m que o senhor Aristi<strong>de</strong>s Lobo transmite, resoluto e toma<strong>do</strong><strong>de</strong> convicção que po<strong>de</strong> não ser insincera, a essa mesma <strong>imprensa</strong> que,anuncian<strong>do</strong> ainda ontem ao país a organização <strong>de</strong> um exército argentino<strong>de</strong> 50.000 homens, e ven<strong>do</strong> nossa extraordinária medida a perfeitajustificação <strong>de</strong> outras que pu<strong>de</strong>ssem tomar <strong>de</strong> igual natureza e em igualproporção, indicara ao governo a urgente necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seguir para avia férrea <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul o exemplo <strong>do</strong>s americanos construin<strong>do</strong>por dia milha e meia da gigante linha <strong>do</strong> Pacífico, e <strong>de</strong> par com estaoutras providências que, como a nomeação <strong>do</strong> ilustre marquês <strong>do</strong>Herval para presi<strong>de</strong>nte comandante <strong>de</strong> armas na província limítrofe, e<strong>do</strong> <strong>barão</strong> <strong>de</strong> São Borja para o coman<strong>do</strong> da praça <strong>de</strong> São Gabriel, e maissignificativa que as prece<strong>de</strong>ntes a encomenda imediata <strong>de</strong> material e olevantamento <strong>de</strong> um empréstimo <strong>de</strong> 10 mil contos por conta <strong>de</strong> 40 mil<strong>de</strong>creta<strong>do</strong>s, manifestariam aos nossos vizinhos uma respeitável atitu<strong>de</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa que os po<strong>de</strong>ria conter em ataques impensa<strong>do</strong>s a dignida<strong>de</strong>nacional e a honra <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>.Bem diversa posição, ajuíza o senhor Aristi<strong>de</strong>s Lobo, é a queconvém a amigos <strong>do</strong> povo. Praz-lhe mais o sono <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> que assuas inquieta<strong>do</strong>ras vigílias. Ponha o impera<strong>do</strong>r em ação os elementos daforça <strong>de</strong> que dispõe; ganhe batalhas ou sofra revezes; são somente suasas glórias e ignomínias. Entre o influxo civiliza<strong>do</strong>r e a nobre emulação157


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOque experimentaria na presença da florescente <strong>de</strong>mocracia argentina eos planos <strong>de</strong> mesquinha e ignóbil ambição que medita pren<strong>de</strong>r os povosmo<strong>de</strong>rnos aos passos lentos das instituições monárquicas, não hesitariao país a escolher.É por este mo<strong>do</strong> que o senhor Aristi<strong>de</strong>s Lobo advoga em seu nome acausa da paz e quereria, pretensão estranha! Que a advogasse a <strong>imprensa</strong>republicana como se, antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, não fora ela <strong>imprensa</strong> brasileira, enão <strong>de</strong>vesse sentir os sentimentos da pátria, e fazer sua a honra <strong>do</strong> país!Como se, em se tratan<strong>do</strong> da dignida<strong>de</strong> da nação, <strong>do</strong>s seus foros <strong>de</strong>nação livre, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e soberana, pu<strong>de</strong>sse haver aí uma <strong>imprensa</strong>que, acima das questões <strong>de</strong> organização política, não colocasse ossupremos interesses <strong>do</strong> Brasil!Evi<strong>de</strong>ntemente, antepõe o senhor Aristi<strong>de</strong>s Lobo o que julga serinteresse <strong>do</strong> seu parti<strong>do</strong> a reclamos impe<strong>rio</strong>sos <strong>do</strong>s b<strong>rio</strong>s nacionais.Por sedutora que seja a perspectiva da paz, há uma condiçãoimprescindível sem a qual não seria a paz <strong>de</strong>sejável. É que ela não seja ahumilhação, o aviltamento, menosprezo da soberania nacional.Essa não a quereríamos, nem a po<strong>de</strong> querer a <strong>imprensa</strong> republicana.Essa não a quer por nenhum preço o chefe augusto <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, não aquer o seu governo, não a quer o país.Seja embora indiferente ao apreensivo espírito <strong>do</strong> senhor Aristi<strong>de</strong>sLobo que o impera<strong>do</strong>r ganhe batalhas ou sofra reveses, não o po<strong>de</strong>ser a nenhum outro brasileiro. Glórias e ignomínias que <strong>de</strong> uma lutacom estranhos pu<strong>de</strong>ssem advir ao impera<strong>do</strong>r, tão suas seriam como<strong>do</strong> país. Elevada personificação <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>, e seu primeirorepresentante, o impera<strong>do</strong>r não é só o gran<strong>de</strong> cidadão e eminentebrasileiro que faz suas todas as paixões nacionais; é antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> ainstituição, o princípio, a i<strong>de</strong>ia.Se ele ama a paz, tanto como a paz merece ser amada, se ele a quer comoa quer o país, não a po<strong>de</strong> amar nem querer com quebra da honra nacional.São estes os nossos e <strong>de</strong>vem ser os votos <strong>de</strong> toda a <strong>imprensa</strong>.Vem aí uma triste necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pôr a arma ao ombro, e impera<strong>do</strong>r, egoverno, e país sentir-se-ão presos pela mais honrosa das solidarieda<strong>de</strong>s.Nem se dirá que essa cruel necessida<strong>de</strong>, tão improvável como nós ajulgamos, a tenha provoca<strong>do</strong> o Brasil.Aceitá-la-emos, sim, com a consciência <strong>de</strong> nossa força, confiantesem nossos recursos, fortes pelas armas como pela justiça <strong>de</strong> nossa158


ARTIGOS DE IMPRENSAcausa, mas resigna<strong>do</strong>s à triste exigência <strong>de</strong> uma solução que nãopreparamos, não aparelhamos, não concertamos. Como em 1851,como em 1865, teremos si<strong>do</strong> nós os provoca<strong>do</strong>s, não os provoca<strong>do</strong>res.A política <strong>de</strong>sambiciosa <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> não se terá eclipsa<strong>do</strong> em seusgenerosos intuitos; ficar-lhe-á antes o direito <strong>de</strong> registrar o fato comonovo atesta<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua imparcialíssima atitu<strong>de</strong> nas complicações <strong>do</strong>sesta<strong>do</strong>s platinos.Mas, não se exagere a situação. Reflita-se que a nossa <strong>imprensa</strong>tem atentos ouvi<strong>do</strong>s no <strong>rio</strong> da Prata, e nada é mais inconveniente queperturbar com vãos terrores, assoalhan<strong>do</strong>-os e encarecen<strong>do</strong>-os as gratasharmonias da paz.A paz ou a guerra? Por patriótica que seja a preocupação que nestapergunta se traduz, <strong>de</strong> nenhum mo<strong>do</strong> a autoriza o esta<strong>do</strong> das nossasrelações com a República Argentina.Tranquilize-se o país. É em plena paz que <strong>de</strong>vemos sentir-nos;nenhum acontecimento, nenhuma presunção, nenhuma <strong>de</strong>sinteligência,po<strong>de</strong> prenunciar ao mais previ<strong>de</strong>nte espírito futuras complicações comos nossos vizinhos.Os armamentos <strong>de</strong> que sabidamente se premune a RepúblicaArgentina não são indícios <strong>de</strong> guerra contra o Brasil. Provocam-nosprovavelmente as frequentes rebeldias provinciais, as tão frequentesrevoluções <strong>de</strong> Entre Rios, Rioja e Men<strong>do</strong>za, os ajustes <strong>de</strong> limites com oChile, a Bolívia e o Paraguai e outras necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> que não po<strong>de</strong>mosser os juízes.Tampouco seria justo entrever na construção <strong>de</strong> linhas estratégicascomo na encomenda <strong>de</strong> material <strong>de</strong> guerra, a intenção oculta ou ostensivapor parte <strong>do</strong> governo <strong>do</strong> Brasil <strong>de</strong> lançar-se na aventura <strong>de</strong> uma guerraque seria sem objeto.Que motivo far-nos-ia <strong>de</strong>sembainhar a espada ou à RepúblicaArgentina?Quanto a nós, amamos e queremos a paz em nome <strong>do</strong>s maissagra<strong>do</strong>s interesses da socieda<strong>de</strong> brasileira. Mas queremo-la como a queo impera<strong>do</strong>r, como a quer o governo e a quer o país: - paz durável,paz honrada, paz digna <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> povo que, a hora <strong>do</strong>s sacrifíciossupremos, não indaga da cor política <strong>do</strong> governo que lhos pe<strong>de</strong>.Por menos que as circunstâncias nos <strong>de</strong>vam inspirar <strong>de</strong>sconfiançasobre os armamentos da República Argentina, e por mais que <strong>de</strong>vamos159


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOconfiar na supe<strong>rio</strong>rida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s nossos prova<strong>do</strong>s recursos militares, cumprenão <strong>de</strong>saproveitar as lições <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>.O governo <strong>do</strong> Brasil não é nem <strong>de</strong>ve ser estranho aos avisos <strong>de</strong> bementendida previsão.Em 1825 a República Argentina armou-se em segre<strong>do</strong>. E... sabe-seo resto.A nenhuma gran<strong>de</strong> nação po<strong>de</strong>m ser indiferentes os armamentos <strong>de</strong>Esta<strong>do</strong>s vizinhos.De não provocar a guerra, <strong>de</strong> evitá-la tanto quanto o possa permitir adignida<strong>de</strong> <strong>do</strong> país, não se segue que o governo <strong>de</strong>va expor-se aos azaresda surpresa.Não seria uma inépcia; seria um crime. De inépcia como <strong>de</strong> crimenão po<strong>de</strong> ser suspeita<strong>do</strong>, e nisto confiamos, um governo esclareci<strong>do</strong> egoverno patriótico.Vamos nisto em acor<strong>do</strong> com A República. Se não julgamospertinentes todas quantas providências ela aconselha, a um fun<strong>do</strong> <strong>de</strong>verda<strong>de</strong> em suas provisões que não é para <strong>de</strong>sprezar.Procure o governo cultivar as boas relações <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> com os esta<strong>do</strong>splatinos; guar<strong>de</strong> entre eles a serena imparcialida<strong>de</strong> e isenção que <strong>de</strong>vemser característicos <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong>sambiciosa <strong>de</strong> conquistas como <strong>de</strong>indébita influência; mas que os nossos vizinhos, ou o mais po<strong>de</strong>roso <strong>de</strong>entre eles não ouse subordinar-nos ao vil papel <strong>de</strong> instrumentos <strong>de</strong> umapolítica insidiosa e nutrida por injusta ambição.O gabinete <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> março mostrar-se-á inalterável, na altura <strong>de</strong> suagran<strong>de</strong> missão.Todas as con<strong>de</strong>scendências, todas as generosida<strong>de</strong>s, sim, mas quenenhuma <strong>de</strong>las envolva quebra da dignida<strong>de</strong> nacional.Em volta <strong>de</strong>ste generoso mas resoluto programa, o gabinete <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong>março não nos encontrará somente a nós mas a toda a <strong>imprensa</strong> e a to<strong>do</strong>país.***160


ARTIGOS DE IMPRENSA43) A NaçãoJornal político e comercialAno II, número 214 segunda-feira, 13 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1873Paz ou guerra? IIDissera-se, ao ler o último artigo <strong>do</strong> senhor Aristi<strong>de</strong>s Lobo, que,novo Henry Richard, eleva-se o ilustre propagandista acima da realida<strong>de</strong>amarga <strong>do</strong>s fatos, ou, <strong>de</strong> indústria, os esquece para extasiar-se ante a<strong>do</strong>urada perspectiva da paz universal.E quem há que não ame a paz? Quem a não quer como a condição <strong>de</strong>to<strong>do</strong>s os progressos e <strong>de</strong> todas as nobres conquistas <strong>do</strong> espírito humano?Mas, <strong>de</strong> outro la<strong>do</strong>, que sincero brasileiro há aí que, em amor aosbenefícios da paz, se resigne a vê-la repousada em transações humilhantespara os b<strong>rio</strong>s nacionais, resultan<strong>do</strong> <strong>de</strong> monstruoso acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> interessesem que ao país possa caber o triste papel <strong>de</strong> instrumento ignóbil <strong>de</strong> umapolítica estranha?É sim uma tremenda questão a que nesta impaciente pergunta seencerra: paz ou guerra?Compreen<strong>de</strong>mos-lhe valor e alcance que não exageramos, mastambém não disfarçamos.Já o dissemos em artigo ante<strong>rio</strong>r: nenhum conflito diplomático existeentre o Impé<strong>rio</strong> e a República Argentina; não há motivos para que receemosum rompimento entre os <strong>do</strong>is governos; mas se as apreensões e tristesvaticínios <strong>do</strong>s nossos republicanos se realizarem, se a guerra surgir, quemterá si<strong>do</strong>, neste caso, a comprometer a paz, e retardan<strong>do</strong> o engran<strong>de</strong>cimento<strong>de</strong> <strong>do</strong>is povos que habitam o mesmo continente, e sentem-se liga<strong>do</strong>s pelacomunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s interesses? Quem terá si<strong>do</strong> a quebrantar cordiaisrelações tão esmeradamente cultivadas por nós no remanso da paz, e entre assuas harmonias, como ao estron<strong>do</strong> <strong>do</strong> canhão nos campos <strong>do</strong> Paraguai? Quemterá si<strong>do</strong> a romper essa aliança, sagrada pelo sangue e coroada pela vitória?O governo <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r, respon<strong>de</strong> imperturbável o senhor Aristi<strong>de</strong>sLobo: é o governo <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r que acaricia o secreto pensamento <strong>de</strong>,para fim ignoto, aniquilar uma república vizinha!Crer-se-á no <strong>rio</strong> da Prata, on<strong>de</strong> isto vai ser li<strong>do</strong>, explora<strong>do</strong> e,provavelmente, comenta<strong>do</strong> por mil mo<strong>do</strong>s, que o tenham escrito no161


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOBrasil? Eles, os argentinos, que amam o seu país, que amam as suastradições glo<strong>rio</strong>sas, que não conhecem parti<strong>do</strong>s em se tratan<strong>do</strong> da pátria,o que vão julgar da política <strong>do</strong> Brasil perante a pasmosa afirmação <strong>do</strong>escritor brasileiro?Em que fatos fundam, entretanto, o senhor Aristi<strong>de</strong>s Lobo tãotemerária segurança? Que móvel o podia induzir a lançar à conta <strong>do</strong>governo <strong>do</strong> seu país, e <strong>do</strong> chefe supremo da nação, tão con<strong>de</strong>náveisintenções?Está aí a história <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os tempos a protestar pela isenção elealda<strong>de</strong> <strong>do</strong> governo imperial. Um só fato não recolheu ainda ela queempreste o mais ligeiro fundamento a tais conceitos, evi<strong>de</strong>ntemente<strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s a tentar fortuna no <strong>rio</strong> da Prata e a armar contra nós inquietassuscetibilida<strong>de</strong>s.Que fruto recolhemos nós da longa e sanguinolenta guerra <strong>do</strong> Paraguai?Que exigimos da República Oriental diante <strong>do</strong>s muros <strong>de</strong> Montevidéu em1865? Que resulta<strong>do</strong>s colhemos da vitória <strong>de</strong> Caseros em 1852?Sabe o bem o senhor Aristi<strong>de</strong>s Lobo. Vingada a honra nacional, osnossos solda<strong>do</strong>s recolheram à pátria sem nada exigir <strong>do</strong>s venci<strong>do</strong>s e,coisa estranha para os republicanos <strong>do</strong> Brasil! As vitórias <strong>de</strong>ste Impé<strong>rio</strong>assinalaram sempre nas regiões <strong>do</strong> Prata alguma nova conquista dacivilização e da liberda<strong>de</strong>.Cabe aqui uma recordação em que não entram aliás preocupações<strong>de</strong> parti<strong>do</strong>.A intervenção <strong>de</strong> 1864, que trouxe-nos a guerra com a Banda Orientale, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> curto intervalo, a guerra com o governo <strong>do</strong> Paraguai, nãopo<strong>de</strong> correr nem corre à conta <strong>do</strong> parti<strong>do</strong> conserva<strong>do</strong>r. Essa enérgicapolítica que levou-nos ao recurso das represálias contra o governo <strong>de</strong>Aguirre, e das represálias à sanguinolenta luta <strong>do</strong> Paraguai, foi obra <strong>de</strong>um gabinete liberal a que o senhor Aristi<strong>de</strong>s Lobo prestou na Câmara<strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s o mais caloroso e esforça<strong>do</strong> apoio.Era então o republicano <strong>de</strong> hoje, era com ele e seus amigos,partidá<strong>rio</strong>s <strong>de</strong>clara<strong>do</strong>s e inquietos <strong>do</strong> recurso às armas, enquanto nós,conserva<strong>do</strong>res, advogávamos convenci<strong>do</strong>s, como advogamos aindahoje, os interesses da paz, mas <strong>de</strong> uma paz bem entendida, paz sincera,paz dura<strong>do</strong>ura, paz honrosa.Tal política não a <strong>de</strong>smentimos por nenhum ato no governo. Aprudência com que sempre se houveram os gabinetes saí<strong>do</strong>s <strong>do</strong> parti<strong>do</strong>162


ARTIGOS DE IMPRENSAa que pertencemos, os louváveis esforços com que se tem consagra<strong>do</strong>a estreitar as boas relações que <strong>de</strong>vemos e <strong>de</strong>sejamos manter com osnossos vizinhos, estão na consciência <strong>do</strong> país.Pesa-nos dizer, - mas antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> somos brasileiros -, essa prudênciae essa longanimida<strong>de</strong>, a que se referiu o distinto senhor <strong>do</strong>utor TavaresBastos, analisan<strong>do</strong> nas páginas <strong>do</strong> Correio <strong>do</strong> Brazil a célebre nota <strong>do</strong>ministro Teje<strong>do</strong>r, - têm por vezes ultrapassa<strong>do</strong> justos limites, dan<strong>do</strong>lugar a que os nossos arrogantes e provoca<strong>do</strong>res vizinhos da margemdireita <strong>do</strong> Prata confundam com a timi<strong>de</strong>z e a fraqueza, sentimentos muidiversos.A intervenção <strong>de</strong> 1851, embora reclamada pelas mais impe<strong>rio</strong>sasexigências da honra e da segurança <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>, não veio a efetuar-sesenão <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sucessivas provocações e esgota<strong>do</strong>s, durante anos, osmeios e tentativas que, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser vistos como repugnantes àdignida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> povo, podiam trazer em resulta<strong>do</strong> as condições<strong>de</strong> uma paz honrada.Ao mesmo tempo em que tentávamos evitar a guerra, não nos<strong>de</strong>ixávamos <strong>de</strong>sapercebi<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s meios <strong>de</strong> realizá-la. A solução pelasarmas não nos encontrou <strong>de</strong>spreveni<strong>do</strong>s como em 1864. Quan<strong>do</strong> foipreciso operar tínhamos alia<strong>do</strong>s, tínhamos na fronteira um po<strong>de</strong>rosoexército e uma respeitável esquadra nas águas <strong>do</strong> Prata. Dentro em mesesbaquearam os heróis <strong>de</strong> Palermo e <strong>do</strong> Miguelete, e as tropas imperiaisregressaram <strong>do</strong>s campos <strong>de</strong> combate entre as bênçãos <strong>de</strong> <strong>do</strong>is povos.De mo<strong>do</strong> bem diverso passaram-se as coisas em 1864, quan<strong>do</strong> osenhor Aristi<strong>de</strong>s Lobo era monarquista e <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> ministerial; e bom érecordar que o republicano <strong>de</strong> 1873 foi <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> governista <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1863até a dissolução <strong>de</strong> 1868.Dir-se-ia que, no seio <strong>de</strong>sse parti<strong>do</strong> a que se <strong>de</strong>u por uma quaseepigrama o nome <strong>de</strong> progressista respirava-se, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as fanfarronadas daquestão inglesa, uma atmosfera <strong>de</strong> guerra. O brilho das glórias militaresseduzia. Frouxa, imprevi<strong>de</strong>nte e até criminosa se reputava nos círculos,na <strong>imprensa</strong> e na tribuna a política que os conserva<strong>do</strong>res tinham segui<strong>do</strong>nas relações <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> com as repúblicas vizinhas.Talvez veio daí a<strong>do</strong>tar-se em relação à República Oriental, agitadapela guerra civil, o que se chamou política enérgica. E foi a essa política<strong>de</strong> intervenção e <strong>de</strong> ameaças que o senhor Aristi<strong>de</strong>s Lobo, o advoga<strong>do</strong>da paz, prestou ininterrupto apoio.163


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOE fez-se tu<strong>do</strong> isso inconsi<strong>de</strong>radamente, é preciso dizer a verda<strong>de</strong>, -com infantil açodamento, quan<strong>do</strong> não tínhamos um solda<strong>do</strong> na fronteirae tanto que, repeli<strong>do</strong> o ultimato Saraiva em agosto <strong>de</strong> 1864, só em<strong>de</strong>zembro, isto é meses <strong>de</strong>pois, po<strong>de</strong> penetrar no Esta<strong>do</strong> vizinho umpequeno exército <strong>de</strong> 5.000 homens!O previ<strong>de</strong>nte acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> fevereiro, celebra<strong>do</strong> por um eminentecidadão, o nobre viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco, esse gran<strong>de</strong> ato <strong>de</strong> patrióticaprevisão e louvável generosida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>u ao Impé<strong>rio</strong> mais umalia<strong>do</strong>, poupan<strong>do</strong> inútil <strong>de</strong>rramamento <strong>de</strong> sangue e ao mesmo tempoconsagran<strong>do</strong> a satisfação <strong>de</strong> todas as reclamações <strong>do</strong> ultimato <strong>de</strong> agosto,que nos haviam <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> a empunhar as armas, ah! Esse ato foi vistopor <strong>de</strong>ficiente, incompleto e ineficaz pela belicosa política <strong>de</strong> então que,a um acor<strong>do</strong> assenta<strong>do</strong> nas bases da justiça, da honra e da dignida<strong>de</strong>,preferia o espetáculo <strong>de</strong> uma importante praça comercial tomada <strong>de</strong>assalto, com o sacrifício, talvez, <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> brasileiros!Foram adiante os amigos <strong>do</strong> senhor Aristi<strong>de</strong>s Lobo. Excita<strong>do</strong>s pela<strong>imprensa</strong> <strong>de</strong> Buenos Aires, e pelo hábil governo <strong>do</strong> general BartolomeuMitre, con<strong>de</strong>naram o Impé<strong>rio</strong> (e como é triste recordá-lo!) a <strong>de</strong>sbravaro caminho para tão cobiçada construção <strong>do</strong> vice-reino espanhol <strong>do</strong> <strong>rio</strong>da Prata.O Paraguai, cuja in<strong>de</strong>pendência fora reconhecida a esforços <strong>do</strong> Brasil,e lhe merecera sempre o apoio <strong>de</strong> seu prestígio e influência perante asameaças <strong>do</strong> dita<strong>do</strong>r argentino venci<strong>do</strong> em Caseros, o Paraguai <strong>de</strong> SolanoLópez era incômo<strong>do</strong> e perigoso vizinho para a República Argentina. Paralevar a efeito a tradicional política que tem em mira a anexação da BandaOriental e <strong>do</strong> Paraguai, era-lhe o po<strong>de</strong>r militar <strong>do</strong> último representante <strong>do</strong>governo <strong>de</strong> Francia a primeira dificulda<strong>de</strong> a vencer.Foi o artifício <strong>de</strong>sta política que nos impeliu a essa guerra <strong>de</strong> seisanos, <strong>de</strong> que ainda não somamos to<strong>do</strong>s os enormes sacrifícios.Que fizeram os correligioná<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> senhor Aristi<strong>de</strong>s Lobo para evitarum rompimento com o Paraguai?Cruzaram os braços ou, menos que isto, julgaram azada a ocasiãopara ostentar os recursos militares <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>. Afigurou-se-lhes coisabem simples, - talvez um passeio militar a Berlim -, levara até Assunçãoas armas triunfantes <strong>do</strong> Brasil.A guerra <strong>do</strong> Paraguai, é tempo <strong>de</strong> dizê-lo ao país, po<strong>de</strong>ria ter si<strong>do</strong>evitada, - <strong>de</strong>veria tê-lo si<strong>do</strong>. É já hoje uma revelação preciosa da história,164


ARTIGOS DE IMPRENSAque os armamentos <strong>do</strong> Paraguai não se aprestavam a combater contra oBrasil, mas contra a ambiciosa república vizinha, a implacável ingimia[sic] <strong>do</strong> equilíb<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Prata.O homem que afagava o projeto <strong>de</strong> colocar em sua fronte umacoroa, não podia <strong>de</strong>sejar, nem <strong>de</strong>sejava lutar com a única monarquia daAmérica.Quan<strong>do</strong> começaram as represálias contra o governo <strong>de</strong> Aguirre,e quan<strong>do</strong> toda a <strong>imprensa</strong> argentina nos incitava a uma luta com oParaguai, - aplaudin<strong>do</strong> a nossa intervenção na Banda Oriental, porqueela significava o triunfo <strong>de</strong> uma revolução preparada em BuenosAires, como hoje são preparadas em Corrientes e na Vila Oci<strong>de</strong>ntal asrevoluções paraguaias, - chegou Assunção o ministro oriental <strong>do</strong>utorCarreras.Sabe-se hoje pelas revelações <strong>de</strong> seu secretá<strong>rio</strong> <strong>do</strong>utor VazquezSagastume que missão realizou esse plenipotenciá<strong>rio</strong>. Procuran<strong>do</strong> obtera aliança <strong>de</strong> López, o ministro Carreras tentou persuadir ao dita<strong>do</strong>r queos intuitos da política brasileira eram a conquista da Banda Oriental e<strong>de</strong> parte <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> paraguaio, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> caber equivalente <strong>de</strong>spojo àRepública Argentina. Para levar por diante o seu <strong>de</strong>sígnio, não duvi<strong>do</strong>uCarreras exibir a falsa cópia <strong>de</strong> um trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> aliança, que disse ser secreto,entre o governo imperial e o <strong>de</strong> Buenos Aires. Não teve outra origem aconhecida nota <strong>do</strong> dita<strong>do</strong>r em que manifestou receios pela in<strong>de</strong>pendênciada República Oriental diante da atitu<strong>de</strong> assumida pelo Impé<strong>rio</strong>.Que <strong>de</strong>via fazer um governo pru<strong>de</strong>nte ao receber essa nota, equan<strong>do</strong> se sabia que um chefe <strong>do</strong> parti<strong>do</strong> blanco conspirava ativamenteem Assunção contra o Brasil? Não era <strong>de</strong> bom conselho que procurassetranquilizar o dita<strong>do</strong>r, asseguran<strong>do</strong>-lhe a isenção das vistas <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>que <strong>de</strong> nenhum mo<strong>do</strong> se encaminhavam a aniquilar a in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong>um esta<strong>do</strong> vizinho? Não cumpria fazer certo que o único fim <strong>de</strong> nossaintervenção era exigir a possível reparação <strong>de</strong> atenta<strong>do</strong>s cometi<strong>do</strong>s naBanda Oriental contra súditos brasileiros e garantias que os pusessem aabrigo <strong>de</strong> novas violências?Mas não proce<strong>de</strong>ram assim os correligioná<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> senhor Aristi<strong>de</strong>sLobo, e ao que diziam ser a política frouxa e tímida <strong>do</strong>s conserva<strong>do</strong>rescontrapuseram a enérgica política <strong>de</strong> que o país conhece os frutos.Aos inimigos <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> que ativamente se esforçavam em Assunçãopor arrastar o Paraguai a uma guerra contra o Brasil, à <strong>imprensa</strong> argentina165


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOque por sua parte nos acenava ao amor próp<strong>rio</strong>, nada se opôs que lhescontaminasse o insidioso plano.Quan<strong>do</strong> o dita<strong>do</strong>r, envolvi<strong>do</strong> nas malhas da hábil política, nosatribuía o pensamento <strong>de</strong> atentar contra a in<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>Oriental, calava-se o nosso governo e respondia-lhe com verda<strong>de</strong>iro<strong>de</strong>sprezo, pois tanto vale o silêncio.Em caso tão grave era, entretanto, o silêncio a quase confissão <strong>do</strong>splanos que nos imputavam implacáveis inimigos.Daí, e das fantasias e esforços <strong>de</strong> Carreras, concluiu o dita<strong>do</strong>r, e nemoutra coisa era <strong>de</strong> concluir, que o dia imediato ao da conquista <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>Oriental presenciaria o atenta<strong>do</strong> contra a in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> sua pátria.Não se <strong>de</strong>morou a guerra.Ainda que a esse tempo em oposição, o país sabe que em torno daban<strong>de</strong>ira da pátria nos agrupamos to<strong>do</strong>s nós conserva<strong>do</strong>res, prestan<strong>do</strong>sincero concurso ao irrefleti<strong>do</strong> e imprevi<strong>de</strong>nte governo.Nunca <strong>de</strong> nossas fileiras um grito <strong>de</strong> <strong>de</strong>sânimo! Nunca uma palavra<strong>de</strong> dúvida sobre os nobres intuitos <strong>do</strong> governo! Nunca daí surgiu umavoz a aconselhar ao povo que visse com indiferença as vitórias ou osrevezes das armas imperiais, as suas glórias ou as suas ignomínias!Estava reserva<strong>do</strong> ao ministerialista <strong>de</strong> 1863 a 1868, ao senhorAristi<strong>de</strong>s Lobo, soltar pela primeira vez no Brasil tão estranhogrito, ditan<strong>do</strong>, como bem advertiu A República, a covardia aos seusconcidadãos, e constituin<strong>do</strong>-se, não o advoga<strong>do</strong> da paz, e <strong>de</strong> uma pazhonrosa, mas sim o advoga<strong>do</strong> <strong>do</strong>s interesses e da insensata ambição <strong>de</strong>um governo estrangeiro contra os interesses e a honra e a dignida<strong>de</strong> daterra em que nasceu!Clama a altos bra<strong>do</strong>s o ilustre <strong>de</strong>mocrata contra a indébita ingerência<strong>do</strong> Brasil nos negócios <strong>do</strong> Prata, e apregoa-se <strong>de</strong>fensor da paz e amigos dasrepúblicas vizinhas, sem se lembrar que o Paraguai também é uma república,e <strong>de</strong>ve, por isso, inspirar-lhe hoje não só simpatia mas até compaixão.Mas o que se infere, entretanto, <strong>do</strong>s seus <strong>artigos</strong>? Por que censuraele o governo imperial? Censura-o justamente porque este não se prestaa coagir o <strong>de</strong>sventura<strong>do</strong> Paraguai a entregar-se inteiramente à mercê datrêfega política argentina.Quereria o senhor Aristi<strong>de</strong>s Lobo, que, na contenda travada entreduas potências limítrofes, <strong>de</strong>ixasse o Brasil cair em uma das conchasda balança o peso da sua espada, impon<strong>do</strong> pela força ao Paraguai, uma166


ARTIGOS DE IMPRENSAsolução que isto julga inaceitável e a que tem resisti<strong>do</strong> com louvávelpat<strong>rio</strong>tismo?O trata<strong>do</strong> da tríplice aliança não resolveu, como acreditam oszelosos <strong>de</strong>fensores da República Argentina, a questão <strong>de</strong> limites; aí ficouapenas fixa<strong>do</strong> o máximo das pretensões <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s. Por esta inteligênciapronunciou-se em várias <strong>de</strong>clarações o governo argentino e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u-ana tribuna <strong>do</strong> sena<strong>do</strong> o ilustre negocia<strong>do</strong>r brasileiro. A redação daRepública, que mais <strong>de</strong> uma vez tem invoca<strong>do</strong> os compromissosda aliança e as cláusulas <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong>ve conhecer as<strong>de</strong>clarações, a que nos referimos, <strong>do</strong> governo argentino ao fazer ocuparpor suas tropas a Vila Oci<strong>de</strong>ntal <strong>do</strong> Chaco.Pelo órgão sem dúvida muito competente <strong>do</strong> seu ministro dasRelações Exte<strong>rio</strong>res, <strong>do</strong>utor Mariano Varela, o governo <strong>de</strong> BuenosAires anunciou que não ocupava o territó<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Chaco pelo direito davitória, reservan<strong>do</strong>-se a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> abrir discussão em tempo oportunocom o governo <strong>do</strong> Paraguai e asseguran<strong>do</strong> que o territó<strong>rio</strong> questiona<strong>do</strong>pertenceria a quem melhores títulos exibisse para reclamar-lhe a posse.Mas o senhor Aristi<strong>de</strong>s Lobo, em prova <strong>do</strong> seu amor pelos pobresrepublicanos invoca ostentosamente o direito e a justiça das pretensões<strong>do</strong> governo <strong>de</strong> Buenos Aires sem aten<strong>de</strong>r que antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> cumpre-lheprovar que a política argentina inspira-se em tais sentimentos e não emmesquinhos cálculos <strong>de</strong> ambição, que é pela força <strong>do</strong> direito e não pelodireito da força que tenta meter-se na posse <strong>do</strong>s terrenos disputa<strong>do</strong>s.É esta prometida discussão que acaba <strong>de</strong> verificar-se. E o Paraguai,não convenci<strong>do</strong> mas ce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> à pressão das circunstâncias, o Paraguaiabati<strong>do</strong>, fraco, extenua<strong>do</strong> por uma luta sem par na história da Américameridional consente por pru<strong>de</strong>ntes esforços <strong>do</strong> Brasil, em entregar aonosso alia<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o Chaco até a margem esquerda <strong>do</strong> Pilcomayo, aimportantíssima ilha <strong>do</strong> Cerrito e as Missões <strong>do</strong> Paraná.Desses territó<strong>rio</strong>s que o Paraguai venci<strong>do</strong> ce<strong>de</strong> hoje à repúblicavence<strong>do</strong>ra, nem <strong>de</strong> um palmo esteve nunca <strong>de</strong> posse o nosso alia<strong>do</strong>.Reclama-os porque pertenceram ao vice-reino espanhol <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da Prata;mas por igual título po<strong>de</strong>ria reclamar o Paraguai inteiro, que to<strong>do</strong> elepertenceu ao antigo vice-reino!Nem há quem o ignore. Des<strong>de</strong> a emancipação <strong>do</strong> Paraguai, repelidasas pretensões portenhas e venci<strong>do</strong> o exército <strong>de</strong> Belgrano, o Chaco,as Missões e a ilha <strong>do</strong> Cerrito fizeram parte integrante <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong>167


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOparaguaio. Em toda extensão <strong>de</strong>stes terrenos mantinha o governo <strong>de</strong>Assunção <strong>de</strong>stacamento e guardas. Sua posse fora efetiva e constante.São estes, entretanto, os territó<strong>rio</strong>s que o governo <strong>do</strong> Paraguai estádisposto a ce<strong>de</strong>r nos termos <strong>do</strong> último acor<strong>do</strong> ad referendum celebra<strong>do</strong>pelo general Bartolomeu Mitre. Em tão importantes concessõesinfluíram, como é notó<strong>rio</strong> os bons ofícios, os esforços e conselhos <strong>do</strong>governo imperial no louvável intuito <strong>de</strong> poupar <strong>de</strong>sinteligências entre asduas repúblicas vizinhas.Sem o apoio moral e a influência <strong>de</strong>ste Impé<strong>rio</strong>, que o senhorAristi<strong>de</strong>s Lobo se compraz em apresentar como inimigo da RepúblicaArgentina, dan<strong>do</strong> assim corpos aos injustificáveis preconceitos <strong>de</strong> quesomos vítimas no <strong>rio</strong> da Prata; sem o apoio moral, os conselhos e ainfluência <strong>do</strong> Brasil provavelmente não teriam os paraguaios cedi<strong>do</strong>uma só nesga <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> reclama<strong>do</strong> pela República Argentina.Cumprimos à risca, e com inteira lealda<strong>de</strong>, o pacto da aliança e oacor<strong>do</strong> <strong>de</strong> 90. A República Argentina solicitou o apoio moral <strong>do</strong> Brasilna solução da sua contenda sobre limites. Prestamo-lo com inteira boafé. Resolveu mandar a Assunção, como plenipotenciá<strong>rio</strong>, o generalMitre, mas quis que ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong>ste estivesse um representante <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>.Mandamos ao Paraguai o nosso ministro em Buenos Aires, o ilustre<strong>barão</strong> <strong>de</strong> Araguaia.O resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta negociação em que interviemos sim, mas ainstâncias <strong>do</strong> governo argentino, foi o acor<strong>do</strong>, que, segun<strong>do</strong> se diz, e nãosabemos com que fundamento, acaba <strong>de</strong> ser rejeita<strong>do</strong> pelo presi<strong>de</strong>nteSarmiento.Tal ajuste, vantajosíssimo à República Argentina, <strong>de</strong>vera satisfazersua ambição. Se no entanto são funda<strong>do</strong>s os boatos que faz circular a<strong>imprensa</strong> platina, <strong>de</strong>vemos crer que o governo <strong>do</strong> senhor Sarmiento nãose satisfaz com a solução, e exige que o presi<strong>de</strong>nte Jovellanos <strong>de</strong>sista<strong>de</strong>s<strong>de</strong> já da margem direita <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Paraguai, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Pilcomayo até afronteira brasileira <strong>de</strong> Mato Grosso.Esta nova concessão só pela força a po<strong>de</strong>rão os argentinos arrancar aoParaguai, e este é o plano que o senhor Aristi<strong>de</strong>s Lobo, hoje inimigo dasguerras e das intervenções armadas, aconselharia ao governo <strong>do</strong> seu país!Singular coerência! O senhor Aristi<strong>de</strong>s Lobo que <strong>de</strong>saprova todaintervenção aconselhada pelos interesses <strong>de</strong> seu país, a quereria emnome <strong>de</strong> inconfessável motivo e para sustentar e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r em todas as168


ARTIGOS DE IMPRENSAsuas exagerações a insensata e ambiciosa política <strong>de</strong> estranhos!Tal é o papel que um brasileiro assinala à sua pátria: o constituir-seinstrumento da política argentina, subscreven<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> quanto esta queiraexigir em proveito próp<strong>rio</strong> e em <strong>de</strong>trimento das repúblicas vizinhas!Falso pat<strong>rio</strong>tismo o <strong>do</strong> senhor Aristi<strong>de</strong>s Lobo! Acima da dignida<strong>de</strong>da honra da sua pátria, coloca o que supõe ser o interesse <strong>do</strong> parti<strong>do</strong> aque se filiou, e as conveniências e pretensões <strong>do</strong>s seus correligioná<strong>rio</strong>spolíticos <strong>de</strong> Buenos Aires.Daí vem ao guerreiro <strong>de</strong> outros tempos cantar hoje a palinódia, e,sonhan<strong>do</strong> com a iminência <strong>de</strong> um conflito internacional, repetir to<strong>do</strong>s oslugares comuns e todas as falsida<strong>de</strong>s que a respeito <strong>do</strong> governo <strong>do</strong> Brasilpublica e repete até à sacieda<strong>de</strong> a <strong>imprensa</strong> exaltada das duas margens<strong>do</strong> Prata.É por tal arte que se há <strong>de</strong> estreitar a amiza<strong>de</strong> entre <strong>do</strong>is povos quenenhuma razão impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> se olharem sem <strong>de</strong>sconfiança e sem ódio?É <strong>de</strong>spertan<strong>do</strong> receios infunda<strong>do</strong>s, assolan<strong>do</strong> rancores irracionais,fomentan<strong>do</strong> rivalida<strong>de</strong>s injustificáveis, propalan<strong>do</strong> falsas notícias, queo senhor Aristi<strong>de</strong>s Lobo supõe prestar um assinala<strong>do</strong> serviço à causa dapaz e da fraternida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s povos?O ilustre escritor faz grave justiça ao bom senso <strong>do</strong>s seus concidadãosem supor que trechos triviais sobre as excelências da paz, sobre a aliançaestreita <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os republicanos <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is mun<strong>do</strong>s, po<strong>de</strong>m causar algumaimpressão entre nós. Suas pampanadas republicanas, acredite o nossoconten<strong>do</strong>r, não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> causar estranheza até mesmo aos seuscorreligioná<strong>rio</strong>s <strong>de</strong> Buenos Aires, que tanta se esforçou por lisonjear.Que tem que ver a forma <strong>de</strong> governo <strong>do</strong> nosso país com as questõesexternas? Quan<strong>do</strong> atentamos nós contra a existência política dasrepúblicas que nos cercam?Os inimigos <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> no <strong>rio</strong> da Prata, quan<strong>do</strong> reproduzem as suas<strong>de</strong>clamações <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os dias, só po<strong>de</strong>m argumentar, e assim mesmofazen<strong>do</strong>-nos gravíssima injustiça, com alguns fatos <strong>do</strong> Primeiro Reina<strong>do</strong>quan<strong>do</strong>, apenas emancipa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio português, obe<strong>de</strong>cíamos ainda<strong>do</strong> impulso da velha política colonial.Que tem os povos <strong>de</strong> embaraçar-se com as instituições alheias? NaAmérica <strong>do</strong> Norte existe essa po<strong>de</strong>rosa <strong>de</strong>mocracia <strong>de</strong> cujos progressos eglórias nos falam sempre os liberais <strong>do</strong> Brasil. Pois bem! As instituições<strong>de</strong>sse país não o impe<strong>de</strong>m <strong>de</strong> viver, como vive na mais estreita amiza<strong>de</strong>169


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOe aliança com o gran<strong>de</strong> Impé<strong>rio</strong> da Rússia.Só nesta América <strong>do</strong> Sul é que alguns visioná<strong>rio</strong>s <strong>de</strong>mocratas vãocombaten<strong>do</strong> pela quixotesca i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> formar uma Santa Aliança dasrepúblicas contra o “pérfi<strong>do</strong> e ambicioso Impé<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Brasil”. Política <strong>de</strong>Monroe, dizem, mas política que os sensatos compat<strong>rio</strong>tas <strong>de</strong>sse ilustrerepublicano con<strong>de</strong>naram sempre!E que mal tem feito até hoje o maquiavélico governo <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>ràs repúblicas limítrofes?É ele quem procura querelas belicosas por amor <strong>de</strong> mais alguns palmos<strong>de</strong> terra? É ele quem ameaça a existência política <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s vizinhos?O nosso passa<strong>do</strong> po<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r eloquentemente a essasinterrogações.Foi sempre o Brasil o <strong>de</strong>fensor da in<strong>de</strong>pendência da Banda Oriental e<strong>do</strong> Paraguai, ameaçada por vezes pelo governo <strong>de</strong> Buenos Aires. Foi essaa sábia política inaugurada pelo ilustre viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Uruguai, <strong>de</strong> sau<strong>do</strong>samemória, e invariavelmente seguida pelos gabinetes conserva<strong>do</strong>res.Se alimentássemos projetos sinistros contra as repúblicas <strong>do</strong> Prata, emnenhuma ocasião po<strong>de</strong>ríamos mais facilmente levá-los por diante <strong>do</strong> queapós a guerra <strong>do</strong> Paraguai. Qual foi a aquisição territorial que fizemos?Nenhuma! Resolvemos a nossa questão <strong>de</strong> limites, receben<strong>do</strong> menos <strong>do</strong>que aquilo a que tínhamos incontestável direito, menos <strong>do</strong> que o primeiroLópez esteve em outros tempos disposto a ce<strong>de</strong>r-nos, menos <strong>do</strong> que estavaestatuí<strong>do</strong> no trata<strong>do</strong> da tríplice aliança. Po<strong>de</strong>ríamos por esse trata<strong>do</strong> reclamara linha <strong>do</strong> Igureí, e, vence<strong>do</strong>res, contentamo-nos com a linha <strong>do</strong> Iguatemi.A nossa questão <strong>de</strong> limites resolveu-se pacificamente, semresistências, sem dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer gênero.Não suce<strong>de</strong> o mesmo com a gran<strong>de</strong> e generosa República Argentina,que aliás, recolheu to<strong>do</strong> o proveito das nossas vitórias, fazen<strong>do</strong> apenasum insignificante sacrifício <strong>de</strong> sangue e <strong>de</strong> dinheiro, largamentecompensa<strong>do</strong> pela ativida<strong>de</strong> comercial e pelo po<strong>de</strong>roso impulso que aguerra <strong>de</strong>u ao seu progresso.Qual será a solução da sua contenda sobre limites se o acor<strong>do</strong> Mitrenão a satisfazer?É o que não nos é da<strong>do</strong> prever, mas o que nos parece é que o governoimperial não po<strong>de</strong> nem <strong>de</strong>ve prestar-se ao humilhante papel que se lhequer impor.A República Argentina está aumentan<strong>do</strong> o seu exército compran<strong>do</strong>170


ARTIGOS DE IMPRENSAencouraça<strong>do</strong>s e contratan<strong>do</strong> fabricantes <strong>de</strong> torpe<strong>do</strong>. Ponham em campoto<strong>do</strong>s esses elementos que acumula e <strong>de</strong>ixe cair a máscara. Esmagueo Paraguai, se o quer e se o po<strong>de</strong> fazer, mas consinta que vivamostranquilos, em nossa casa e não queira transformar-nos em cúmplices<strong>de</strong>ssa obra <strong>de</strong> iniquida<strong>de</strong>.O governo imperial tem cumpri<strong>do</strong> e cumprirá lealmente, os seuscompromissos, e, nem sequer há motivo para recear que se reproduzaquestão tão luminosa e com tanta prudência quanto a dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong>batidapor parte <strong>do</strong> Brasil, <strong>do</strong> alcance que tem para os alia<strong>do</strong>s entre si, asestipulações <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> <strong>do</strong> 1º <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1865 quanto a limites.Toda essa celeuma que se levanta contra o governo não tem razão <strong>de</strong>ser e só po<strong>de</strong> explicar-se pelo <strong>de</strong>sejo que alguns bons brasileiros têm <strong>de</strong>fazer coro com os gratuitos inimigos da sua pátria, assoalhan<strong>do</strong> boatosaterra<strong>do</strong>res e injustíssimos conceitos.A <strong>de</strong>sinteligência que existe sobre a questão <strong>do</strong>s limites argentinoscom o Paraguai, já o dissemos há dias, não versa, como se preten<strong>de</strong>fazer acreditar, entre o representante <strong>do</strong> Brasil e o general Mitre, massim entre este e o governo <strong>do</strong> seu país. E não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> causarassombro ao ilustre general que haja entre nós quem se mostre maisargentino e mais zeloso <strong>de</strong>fensor <strong>do</strong>s direitos e interesses da sua pátria<strong>do</strong> que ele próp<strong>rio</strong>!As notícias que nos chegam da República Argentina sobre gran<strong>de</strong>sarmamentos que faz encerrariam mais <strong>de</strong> um útil aviso se as lições <strong>do</strong>passa<strong>do</strong> nos não <strong>de</strong>vessem ter persuadi<strong>do</strong> <strong>de</strong> que insidiosa política conspiraem segre<strong>do</strong> à margem direita <strong>do</strong> Prata contra os interesses <strong>do</strong> Brasil.Saiba o governo <strong>de</strong>ste gran<strong>de</strong> país cumprir o seu <strong>de</strong>ver; previna-se,e assim po<strong>de</strong>rá evitar a triste emergência <strong>de</strong> uma guerra.Neste acor<strong>do</strong>, nós o acreditamos, o governo não encontraráresistência em nenhum <strong>de</strong> nossos parti<strong>do</strong>s.À hora <strong>do</strong> perigo somos to<strong>do</strong>s, e antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, brasileiros.O país compreen<strong>de</strong>rá que prevenir a guerra não é provocá-la. Elefará justiça às nobres e patrióticas intenções da política imperial.O que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já folgamos <strong>de</strong> registrar, é que o órgão republicanotenha si<strong>do</strong> o primeiro a protestar contra o programa que tentou imporlheo senhor Aristi<strong>de</strong>s Lobo.Ainda bem! A luta <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s não chega até on<strong>de</strong> vai empenhadaa honra <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> nação.171


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO44) A NaçãoJornal político e comercialAno II, número 216, quarta-feira, 15 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1873A Reforma justifican<strong>do</strong>-seA coluna <strong>de</strong> honra <strong>do</strong> órgão liberal quebrou por fim o silêncio que atéhoje guardara sobre as relações <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> com a República Argentina.Cabia <strong>de</strong> direito, e <strong>de</strong> fato coube ao senhor Afonso Celso assinalara atitu<strong>de</strong> que tomaria o órgão <strong>de</strong>mocrático perante a triste e improváveleventualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma guerra em que o Impé<strong>rio</strong> pu<strong>de</strong>sse sentir-se envolvi<strong>do</strong>.Não o fez, entretanto, o ilustre escritor nos termos expressos em queo espírito público tem o direito a exigir da <strong>imprensa</strong> que se manifeste <strong>de</strong>maneira a influir com o seu conselho nos conselhos <strong>do</strong> governo.Da atitu<strong>de</strong>, são palavras <strong>do</strong> senhor Afonso Celso, que assumiria aReforma na emergência que Deus afaste <strong>de</strong> uma guerra estrangeira, nãopodíamos duvidar. Nos não era preciso pedir e obter arras <strong>de</strong> pat<strong>rio</strong>tismoa quem, em mais <strong>de</strong> uma conjuntura difícil, nos assegurara não inquirir<strong>do</strong>s nomes <strong>do</strong>s governantes ou <strong>de</strong> sua procedência para que, por comunsesforços, mantivéssemos ilesa a honra da nação.Nem o silêncio <strong>de</strong> A Reforma pareceu-nos indicar outras vistas, eoutros sentimentos e outra política.O em que fizemos reparo, e está ainda por ser satisfeita a nossa justaimpaciência, é que o órgão liberal se trancasse em sombria reserva perantea questão que durante dias ocupou ativamente a <strong>imprensa</strong> política.O que <strong>de</strong>sejáramos e <strong>de</strong>sejamos saber, é o pensamento <strong>do</strong> ilustreórgão <strong>do</strong> parti<strong>do</strong> liberal sobre a política que ao Impé<strong>rio</strong> po<strong>de</strong> convirante a dificulda<strong>de</strong> improvável mas possível da <strong>de</strong>saprovação <strong>do</strong> trata<strong>do</strong>celebra<strong>do</strong> ad referendum pelo general <strong>do</strong>m Bartolomeu Mitre.Não há no esta<strong>do</strong> tranquilo das nossas relações com a RepúblicaArgentina assunto à meditação e ao exame?Os armamentos da República, coincidin<strong>do</strong> com a sessão secreta <strong>do</strong>Congresso e tão secreta que <strong>de</strong>bal<strong>de</strong> inquieta a cu<strong>rio</strong>sida<strong>de</strong> da <strong>imprensa</strong> platinae dá motivo a um sem número <strong>de</strong> conjecturas, não são acaso um acontecimentodigno pelo menos <strong>de</strong> nota nas preocupações da política internacional?Não é, portanto, sem objeto a discussão que não provocamos mas aceitamos.172


ARTIGOS DE IMPRENSANem há dizer que por aí se dê razão a novos pretextos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfiançae prevenção contra o Brasil. É antes <strong>de</strong> bom aviso que, discutin<strong>do</strong> comcalma e sem recriminações que as circunstâncias não justifiquem,provemos os nossos vizinhos que, se amamos a paz como a paz <strong>de</strong>ve seramada, se a nossa política se inspira antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> no amor da justiça eno conselho <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s interesses da civilização e <strong>do</strong> progresso, nãosacrificaríamos a nenhuma outra consi<strong>de</strong>ração que entendam com ahonra nacional.Definir a largos traços a nossa política, <strong>de</strong> maneira que a vejam <strong>de</strong>perto e informadamente ainda os espíritos menos afeitos ao exame <strong>de</strong>stesassuntos, po<strong>de</strong> ser e <strong>de</strong>ve <strong>de</strong> ser um verda<strong>de</strong>iro passo para tranquilizarsuscetibilida<strong>de</strong>s que uma certa parte da <strong>imprensa</strong> argentina não cessa <strong>de</strong>fomentar e explorar.A política <strong>de</strong>sambiciosa e bem intencionada <strong>do</strong> Brasil tem tu<strong>do</strong> aganhar em que os nossos vizinhos possam conhecer os móveis que ainspiram.Se não está no interesse <strong>do</strong> gabinete Rio Branco agitar o espíritopúblico <strong>de</strong> <strong>do</strong>is países, incutin<strong>do</strong>-lhe o receio <strong>de</strong> uma luta que não serámenos prejudicial ao vence<strong>do</strong>r que ao venci<strong>do</strong>, não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>um <strong>de</strong>sserviço ao país trazê-lo informa<strong>do</strong> <strong>do</strong> curso que levam os negóciosexternos e ao correr <strong>do</strong>s possíveis perigos que um dia po<strong>de</strong>m salteá-lo.Nos países representativos a publicida<strong>de</strong> é um elemento <strong>de</strong> triunfopara todas as nobres causas.Pouco aliás nos preocupamos <strong>do</strong> que ao gabinete Rio Branco possaparecer da direção que leva a <strong>imprensa</strong>. O apoio que a esse gabineteprestamos não nos impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> tomar perante as circunstâncias a atitu<strong>de</strong>que patrióticos reclamos hajam <strong>de</strong> exigir-nos.Eleva<strong>do</strong> intérprete <strong>do</strong> sentimento nacional, o gabinete Rio Branconão po<strong>de</strong> ter senão uma política; e é a que lhe aconselha a opinião.Cumpre, pois, que antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> diga-se ao país toda a verda<strong>de</strong>.Ele quer sabê-la e <strong>de</strong>ve sabê-la.173


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO45) A NaçãoJornal político e comercialAno II, número 218, sexta-feira, 17 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1873Ao senhor Afonso CelsoMereceram reparo ao principal redator <strong>de</strong> A Reforma algumasobservações que expendêramos sobre a intervenção <strong>de</strong> 1864.Não é à conta <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Conserva<strong>do</strong>r, tínhamos escrito, que a históriaatribuirá com as responsabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa intervenção as da sanguinolentaguerra que se seguiu. Hábil e previ<strong>de</strong>nte política, que melhor consultasseos legítimos interesses <strong>do</strong> país, pu<strong>de</strong>ra poupar-nos sem quebra da honranacional, e imaculada a dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> povo, os enormessacrifícios ainda mal soma<strong>do</strong>s que nos custou a queda <strong>do</strong> dita<strong>do</strong>r.Nem nos limitamos a afirmá-lo. Pedin<strong>do</strong> aos fatos a sua inquestionávelautorida<strong>de</strong>, procuramos que ficasse no mais claro relevo o patente erro<strong>de</strong> uma política mal avisada que, sem dar tempo à reflexão e ao discretoemprego <strong>do</strong>s meios diplomáticos, empenhara o país <strong>de</strong> um dia paraoutro na mais tremenda luta que já se pelejou na América Meridional.Acudiu a respon<strong>de</strong>r-nos o ilustre <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> ministerial <strong>de</strong> 1864 e1865 e ex-ministro <strong>do</strong> gabinete <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> agosto; mas como o fez?Discutiu os fatos? Não. Justificou <strong>de</strong> qualquer mo<strong>do</strong> essa belicosaintervenção que <strong>de</strong>via ser a causa ocasional <strong>de</strong> um sem número<strong>de</strong> sacrifícios? Não. Deixou em evidência que o gabinete Furta<strong>do</strong><strong>de</strong>spen<strong>de</strong>sse o necessá<strong>rio</strong> <strong>de</strong> esforços por evitar com honra as calamida<strong>de</strong>sda guerra com o dita<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Paraguai? Não.Recriminações, com que a história não tem que ver, pareceram aosenhor Afonso Celso o expediente mais fácil para tirar <strong>de</strong> sobre seuparti<strong>do</strong> a grave responsabilida<strong>de</strong> que é juste atribuir-lhe.Essa intervenção <strong>de</strong> 1864, diz o senhor Afonso Celso, aconselhou-aum vosso correligioná<strong>rio</strong>, o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Evaristo da Veiga, em um notáveldiscurso que o atual senhor ministro da Marinha aplaudiu e apoiou.Enquanto na tribuna da câmara temporária partia <strong>de</strong> um conserva<strong>do</strong>r ogrito <strong>de</strong> guerra, assinalava-se nessa cruzada patriótica o mais importanteórgão <strong>de</strong> jornalismo conserva<strong>do</strong>r <strong>de</strong>sse tempo, o Especta<strong>do</strong>r da América<strong>do</strong> Sul. Desse ministé<strong>rio</strong> <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> agosto, que acusais <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar-se pren<strong>de</strong>r174


ARTIGOS DE IMPRENSAnas malhas da astuta política <strong>do</strong> governo <strong>de</strong> Buenos Aires, confirman<strong>do</strong>por in<strong>de</strong>sculpável silêncio as insidiosas traças <strong>do</strong> diplomata blanco junto aogoverno <strong>de</strong> Assunção, fazia parte o honra<strong>do</strong> senhor viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Caravelas,o ministro <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros no gabinete <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> março.Uma questão <strong>de</strong> nomes próp<strong>rio</strong>s ao fim <strong>de</strong> contas! Outro meio nãoacudiu ao senhor Afonso Celso <strong>de</strong> diminuir o valor e o alcance dasnossas reflexões!Não ajuíze o ilustre redator <strong>do</strong> órgão liberal, que vão ser-nos umembaraço os nomes próp<strong>rio</strong>s. Não po<strong>de</strong> ser parte o respeito que lhestributamos para <strong>de</strong>sviar o juízo severo e imparcial da história.Fora <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r como então estava, não cabe ao Parti<strong>do</strong> Conserva<strong>do</strong>r aresponsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atos que não provocou, não aconselhou e não dirigiu.Que importa que houvesse pertenci<strong>do</strong> ao gabinete <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> agostoo venerável ministro <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros <strong>do</strong> gabinete <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong>março? Além <strong>de</strong> que o voto <strong>do</strong> ilustre viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Caravelas, entãoministro da Fazenda, não podia ter <strong>de</strong>cisiva influência nos conselhos <strong>do</strong>governo, sabe <strong>de</strong> ciência certa o senhor conselheiro Afonso Celso que osacontecimentos políticos tinham <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> àquele distinto estadistauma atitu<strong>de</strong> que não era a nossa.De que um <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> conserva<strong>do</strong>r, o senhor Evaristo da Veiga,ce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a impulsos <strong>de</strong> seu eleva<strong>do</strong> espírito, houvesse aconselha<strong>do</strong> aogabinete <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> janeiro a intervenção na Banda Oriental, certo não é<strong>de</strong> concluir que tal fosse o pensamento <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Conserva<strong>do</strong>r. Qual<strong>do</strong>s nossos chefes pronunciou-se por tal política?Tampouco podia o senhor Evaristo da Veiga ser reputa<strong>do</strong> o órgão<strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Conserva<strong>do</strong>r na tribuna parlamentar como na <strong>imprensa</strong> oEspecta<strong>do</strong>r da América <strong>do</strong> Sul. Redigi<strong>do</strong> pelo conselheiro José Maria<strong>do</strong> Amaral, o Especta<strong>do</strong>r não se filiou nunca ao Parti<strong>do</strong> Conserva<strong>do</strong>r<strong>de</strong> maneira a constituir-se o seu órgão na <strong>imprensa</strong>. Antes manteveinvariavelmente uma atitu<strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, e isenta a interessespartidá<strong>rio</strong>s, exprimin<strong>do</strong> as i<strong>de</strong>ias e as vistas <strong>do</strong> seu único e ilustra<strong>do</strong>redator que nunca foi nosso correligioná<strong>rio</strong> político.A cada qual a sua parte <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, que a indivíduos comoa parti<strong>do</strong>s não é <strong>de</strong>cente evitar.Estadistas que as circunstâncias chamaram a dirigir o país não sãolivres <strong>de</strong> ren<strong>de</strong>r-se à impressão <strong>de</strong> um discurso, por mais notável queseja, para bater caminho diverso <strong>do</strong> que lhes é indica<strong>do</strong> pelos fatos e175


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOpelos <strong>de</strong>sígnios <strong>de</strong> sua própria política. Se são convenci<strong>do</strong>s <strong>de</strong> erro, <strong>de</strong>apreciação menos conforme aos conselhos da opinião, um e único é oseu <strong>de</strong>ver; e este lhes é traça<strong>do</strong> pelo pun<strong>do</strong>nor político que não permiteaos governos serem no po<strong>de</strong>r o intérprete <strong>de</strong> alheio pensamento.Em que hoje pese ao senhor conselheiro Afonso Celso, não é poristo menos certo que <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Liberal é toda a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssapolítica exte<strong>rio</strong>r inaugurada em 1864 que <strong>de</strong>via levar-nos até on<strong>de</strong>sabemos e por <strong>do</strong>lorosa experiência.O que se po<strong>de</strong> chamar a propaganda guerreira <strong>de</strong>sse tempo veiosabidamente da <strong>imprensa</strong> liberal; e o confirma o senhor Afonso Celso aodizer-nos ainda hoje que a <strong>imprensa</strong> <strong>de</strong> então foi uníssona a pronunciarsecontra a política <strong>de</strong> contemplações.E pois que veio ao caso falar em política <strong>de</strong> contemplações, é <strong>de</strong> nossalealda<strong>de</strong> dizer tão claro o nosso pensamento que o saiba o país <strong>de</strong> umavez por todas. Essa política <strong>de</strong> vãs con<strong>de</strong>scendências, que acha sempreuma palavra <strong>de</strong> tolerância para as pretensões e exigências estrangeiras,temo-la combati<strong>do</strong> e combatemos com esforço como a primeira causada atitu<strong>de</strong> inquieta e por vezes provoca<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s nossos vizinhos.A história não é a simples aglomeração <strong>de</strong> fatos e suas relações. Bempouco valeria conhecê-la, se não <strong>de</strong>vêssemos aproveitar-lhe as lições eavisos. Ora, lições e avisos da história <strong>de</strong> nossas relações com os Esta<strong>do</strong>splatinos nos indicam distintamente que, em nossa política externa, tem<strong>do</strong>mina<strong>do</strong> um espírito <strong>de</strong> excessiva tolerância que <strong>de</strong> nenhum proveitotem si<strong>do</strong> ao Impé<strong>rio</strong>.Releia o senhor Afonso Celso com <strong>de</strong>morada atenção o artigo a quetentou respon<strong>de</strong>r, e convencer-se-á que não con<strong>de</strong>namos a intervenção <strong>de</strong>1864. O que dissemos, e nisto insistimos, é que a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssaintervenção armada corre toda ela à conta <strong>de</strong>sses mesmos homens que,acusan<strong>do</strong>-nos há poucos anos <strong>de</strong> manter uma política frouxa e tímida,fingem hoje inquietar-se e tentam excitar injustos terrores ao atribuirnoso <strong>de</strong>libera<strong>do</strong> intuito <strong>de</strong> provocar uma conflagração no <strong>rio</strong> da Prata.O que <strong>de</strong> passagem censuramos, e sem disto fazer gran<strong>de</strong> cabedal, é queo gabinete <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> janeiro não duvidasse fazer apresentar o conheci<strong>do</strong>ultimato quan<strong>do</strong> não tinha acumula<strong>do</strong>s na fronteira os elementosindispensáveis para fazê-lo apoiar pelas armas.Nem foi senão <strong>de</strong> uma leitura <strong>de</strong>satenta que o senhor conselheiroAfonso Celso concluiu por dizer-nos impressiona<strong>do</strong>s <strong>do</strong> espírito176


ARTIGOS DE IMPRENSAsistemático <strong>de</strong> parti<strong>do</strong>. Prova irrecusável que a interesses <strong>de</strong>sta naturezasabemos antepor o que nos parece ser o reclamo da honra nacional, éque não hesitamos quebrar a nossa solidarieda<strong>de</strong> com a prudência elonganimida<strong>de</strong> não poucas vezes levadas por governos conserva<strong>do</strong>resalém <strong>de</strong> justos e razoa<strong>do</strong>s limites.Não é a intervenção que con<strong>de</strong>namos, mas a imprevidência <strong>de</strong> que<strong>de</strong>u primeiramente prova o gabinete <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> janeiro e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le, énomeadamente, o <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> agosto.A guerra <strong>do</strong> Paraguai, dissemos entretanto, pu<strong>de</strong>ra ter si<strong>do</strong> evitada,<strong>de</strong>veria tê-lo si<strong>do</strong>. Nada é mais ilógico <strong>do</strong> que induzir daí o senhorAfonso Celso que justificamos por aquele severo conceito a selváticaagressão <strong>de</strong> López.Cumpre não confundir juízos que são distintos.Em censurar o governo <strong>de</strong> então por não ter sequer diligencia<strong>do</strong>contraminar as insidiosas man<strong>obras</strong> <strong>do</strong> <strong>do</strong>utor Carreras, um emissá<strong>rio</strong>blanco, junto ao dita<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Paraguai, não vai a justificação da atitu<strong>de</strong>que assumiu Solano López.Houve, é certo, por parte <strong>do</strong> tirano da infeliz república, tão digna<strong>de</strong> melhor sorte, criminosa precipitação, e tanto mais criminosa que,reconhecen<strong>do</strong>, bem que um pouco tar<strong>de</strong>, o artifício <strong>de</strong> Carreras efazen<strong>do</strong>-lhe pagar com uma morte cruel, perseverou ainda assim no erroaté levar a sua pátria a um verda<strong>de</strong>iro abismo.Que brasileiro há aí que não tenha con<strong>de</strong>na<strong>do</strong> a insólita agressãoque nos fez correr às armas? Quem po<strong>de</strong>rá dizer <strong>do</strong> governo <strong>de</strong> entãoque não cumpriu o seu <strong>de</strong>ver ao repelir a invasão inimiga?Evi<strong>de</strong>ntemente, o senhor Afonso Celso tentou com uma certahabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sviar a dificulda<strong>de</strong> mas não a resolveu.O que censuramos nós? A precipitação, a imprevidência, a sobranceriae <strong>de</strong>sprezo com que então proce<strong>de</strong>mos a respeito <strong>do</strong> Paraguai, nós quecom relação à República Argentina, cujas intenções não nos é permiti<strong>do</strong><strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> entrever, temos manti<strong>do</strong> em todas as situações e sob to<strong>do</strong>s osgovernos uma política nimiamente con<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte, generosa e tolerante.Único país da América <strong>do</strong> Sul que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> longo tempo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>o governo <strong>de</strong> Francia, mantivera com o Brasil estreita aliança, nãoconhecia o Paraguai preconceitos e ódios que outros vizinhos alimentama exploram para conheci<strong>do</strong>s fins <strong>de</strong> uma política sagaz, é certo, mastrêfega e ambiciosa.177


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOO que se fez, entretanto, por conjurar a tempesta<strong>de</strong> <strong>de</strong> que <strong>de</strong>u sinalo horizonte político? Que esforço se tentou pela paz e por <strong>de</strong>stecer astramas e manejos <strong>do</strong> envia<strong>do</strong> blanco?Nenhum passo, nenhuma tentativa ao menos. A essa famosa nota <strong>de</strong> 30<strong>de</strong> agosto não se <strong>de</strong>u uma qualquer resposta que, sem comprometimentoda honra nacional, pu<strong>de</strong>sse apartar vãs <strong>de</strong>sconfianças que inimigos <strong>do</strong>Impé<strong>rio</strong> tinham consegui<strong>do</strong> insinuar no ânimo <strong>de</strong> Solano López.Não é o primeiro <strong>de</strong>ver <strong>do</strong>s governos salvaguardar a paz? O que sefez neste eleva<strong>do</strong> intuito?Tão apartada das boas normas an<strong>do</strong>u a mal avisada política que as armas<strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> já se feriam com as armas <strong>do</strong> dita<strong>do</strong>r antes que, por um manifestoou qualquer outro <strong>do</strong>cumento diplomático, fizéssemos saber aos paísesestrangeiros quais reclamos da honra nacional nos tinha movi<strong>do</strong> a invadirestranho territó<strong>rio</strong>. Podíamos ter e tínhamos com efeito, fazen<strong>do</strong>-o, as maisretas e <strong>de</strong>sinteressadas intenções; mas o mun<strong>do</strong> tinha o direito <strong>de</strong> ignorá-lo.E, <strong>de</strong>starte, alienávamos esse apoio moral que é <strong>de</strong> tanto preço aoempreen<strong>de</strong>r uma guerra.Só em janeiro <strong>de</strong> 1865 veio a lume um <strong>do</strong>cumento brasileiro que seencarregou <strong>de</strong> explicar e justificar o nosso procedimento. Essa circularmanifestoque, na frase <strong>do</strong> senhor conselheiro Zacarias <strong>de</strong> Vasconcelos,nos valera nada menos que um exército, não foi, aliás, obra <strong>do</strong> governomas <strong>do</strong> envia<strong>do</strong> <strong>do</strong> Brasil no <strong>rio</strong> da Prata, o ilustre viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> RioBranco.Desta imprevidência <strong>de</strong>ra prova não menos equívoca o governo,cruzan<strong>do</strong> os braços, <strong>de</strong>spercebi<strong>do</strong> ou indiferente, enquanto o envia<strong>do</strong>blanco tentava obter a aliança <strong>de</strong> López.O que se fez, interrogamos uma vez ainda, diante das insídias emaquinações <strong>do</strong> emissá<strong>rio</strong> oriental?O mesmo provavelmente que se fizera quan<strong>do</strong> López, ce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> àpressão <strong>de</strong> Carreras, atribuíra ao Impé<strong>rio</strong> o pensamento <strong>de</strong> aniquilar ain<strong>de</strong>pendência da Banda Oriental.Vê o senhor conselheiro Afonso Celso que, sem con<strong>de</strong>nar aintervenção <strong>de</strong> 1864, temos boas razões para não aceitar a solidarieda<strong>de</strong><strong>de</strong>ssa política <strong>de</strong> imprevidência que foi característica da última situação.O tempo se encarregará ainda <strong>de</strong> mostrar to<strong>do</strong>s os funestos erros<strong>de</strong>ssa política que, mutilan<strong>do</strong> o territó<strong>rio</strong> paraguaio, serviu talvez sem opreten<strong>de</strong>r a inconfessáveis interesses <strong>de</strong> ambiciosos vizinhos.178


ARTIGOS DE IMPRENSADeus queira, e são estes os nossos votos e os votos <strong>do</strong> país, que nãotenhamos <strong>de</strong> reparar com os sacrifícios, que são o cortejo <strong>de</strong> todas asguerras, os erros <strong>de</strong> 1864 e 1865.46) A NaçãoJornal político e comercial***Ano II, número 223, quinta-feira, 23 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1873Negócios <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da Prata ITerminaram os <strong>artigos</strong> <strong>do</strong> senhor conselheiro Afonso Celso, redatorprincipal <strong>de</strong> A Reforma, sobre as questões brasileiro-platinas. Antes <strong>de</strong>ren<strong>de</strong>rmos a sua excelência a resposta final que tem direito a esperar <strong>de</strong>nós, releva pôr adiante e bem saliente este pensamento que <strong>do</strong>minou to<strong>do</strong>sos nossos <strong>artigos</strong>: não somos partidá<strong>rio</strong>s da guerra, não a provocamos,não a <strong>de</strong>sejamos, esperamos mesmo que os erros <strong>de</strong> uns, as ambições<strong>de</strong> outros e a malevolência <strong>de</strong> muitos, não acarretem aos <strong>do</strong>is países tãogran<strong>de</strong> calamida<strong>de</strong>, cuja causa e cujos fins não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>scobrir.A República Argentina não tem o menor motivo legítimo, nãodiremos para tornar-se hostil ao Impé<strong>rio</strong>, mas para mostrar-se queixosa<strong>do</strong> governo imperial. A guerra <strong>do</strong> Paraguai correu a seu contento, ecom imensa vantagem material e moral para a sua nacionalida<strong>de</strong>. Ficou<strong>de</strong>sassombrada e para sempre <strong>do</strong> seu perigoso inimigo, o governo <strong>do</strong>sLópez. Conseguiu-o com muito menor sacrifício <strong>do</strong> que o Brasil, e,todavia, teve as honras <strong>do</strong> coman<strong>do</strong> em chefe <strong>do</strong>s exércitos alia<strong>do</strong>s, atéque, retira<strong>do</strong> o general Mitre, e tornan<strong>do</strong>-se muito sensível o contrasteentre os elementos <strong>de</strong> força que o Impé<strong>rio</strong> conservava em campo contrao inimigo comum e o muito reduzi<strong>do</strong> exército argentino, <strong>de</strong> fato e comodireito natural, que fora até ridículo contestar, passou o coman<strong>do</strong> para ogeneral brasileiro.Tu<strong>do</strong> foi igual nessa aliança, menos os sacrifícios <strong>do</strong> Brasil e asvantagens <strong>do</strong> nosso alia<strong>do</strong> <strong>de</strong> Buenos Aires. Não recordamos com<strong>de</strong>sgosto, mas somente para que a <strong>imprensa</strong> argentina não grite <strong>de</strong> vezem quan<strong>do</strong> que a monarquia brasileira iludiu as repúblicas <strong>do</strong> Prata,179


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOserviu-se <strong>de</strong>las como instrumento e agora lhes nega até o que é <strong>de</strong> seudireito perfeito. O Brasil <strong>de</strong>u esquadra, <strong>de</strong>u maior exército, que manteveaté ao fim em pé respeitável, prestou subsídios, e não quis para si umpalmo <strong>de</strong> terra que não houvesse reclama<strong>do</strong> antes da guerra, e <strong>de</strong> queo Paraguai tivesse, sequer, posse ilegítima. Os <strong>de</strong>spojos <strong>do</strong> inimigo nósos ce<strong>de</strong>mos ou emprestamos, sem juro e sem prazo, ao venci<strong>do</strong>, paraajudá-lo a reerguer-se <strong>do</strong> extremo abatimento a que o egoísmo e fereza<strong>de</strong> López o reduziram.Para com os nossos alia<strong>do</strong>s, além daquelas condições tão honrosase só <strong>de</strong>siguais contra o Brasil, no <strong>de</strong>curso da guerra, antes e <strong>de</strong>pois,fomos sempre atenciosos, pru<strong>de</strong>ntes e não poucas vezes tolerantes. Anada faltamos e nada pedíamos <strong>de</strong>mais.A <strong>de</strong>sinteligência ocorrida na celebração <strong>do</strong>s ajustes <strong>de</strong>finitivosnão tem sua causa em má vonta<strong>de</strong> ou ambição <strong>do</strong> Brasil. Achamonosem tu<strong>do</strong> <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o governo argentino, menos quan<strong>do</strong> ele,retroce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> espantosamente <strong>de</strong> suas solenes <strong>de</strong>clarações oficiais, <strong>de</strong>que os limites não <strong>de</strong>viam ser impostos pela força ao venci<strong>do</strong>, <strong>de</strong> quea vitória não era o título que os <strong>de</strong>via <strong>de</strong>marcar, mas o bom direitoante bellum, começou a querer que o seu título peremptó<strong>rio</strong> fosseprecisamente o pacto da aliança, em que não fora parte o Paraguai, eno qual se estipulou expressamente que não havia conquista territorial.Recusamos semelhante <strong>do</strong>utrina, e recusamo-la com tanto maiorsupe<strong>rio</strong>rida<strong>de</strong> moral, quanto não o fazíamos porque o venci<strong>do</strong> inspirasseainda receio aos alia<strong>do</strong>s, mas por amor da justiça que <strong>de</strong>ve ser a lei invariável<strong>de</strong> todas as relações internacionais, por nossa honra e pela <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s, queassim <strong>de</strong>smentiriam seus solenes protestos ante a Europa e a América.Fomos por isso injuria<strong>do</strong>s e ameaça<strong>do</strong>s <strong>de</strong> que as ondas <strong>do</strong> Prata,tantas vezes sulcadas por nossas naves, e em duas épocas memoráveisem <strong>de</strong>fesa da liberda<strong>de</strong> e da civilização, se levantassem para tragá-lase submergir to<strong>do</strong> este Impé<strong>rio</strong>. Não só a <strong>imprensa</strong> apaixonada e semresponsabilida<strong>de</strong> real, mas o próp<strong>rio</strong> governo argentino dirigiu-nosnotas provoca<strong>do</strong>ras, e se a tu<strong>do</strong> isso respon<strong>de</strong>mos com dignida<strong>de</strong> efirmeza, também é certo que não saímos <strong>do</strong>s limites da prudência e damais legítima <strong>de</strong>fesa. O pampeiro passou, serenou o tempo, clareou aatmosfera, e tivemos a satisfação <strong>de</strong> ver entre nós, não como arauto <strong>de</strong>guerra, mas advoga<strong>do</strong> da paz, o general Mitre, o presi<strong>de</strong>nte que celebraraa aliança <strong>de</strong> 1865, um <strong>do</strong>s diplomatas que elaboraram o trata<strong>do</strong> <strong>do</strong> 1º <strong>de</strong>180


ARTIGOS DE IMPRENSAmaio, o primeiro general em chefe <strong>do</strong>s exércitos alia<strong>do</strong>s, e inegavelmenteo estadista argentino mais versa<strong>do</strong> em todas as questões da aliança.O acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> novembro, resulta<strong>do</strong> da missão Mitre, <strong>de</strong>u-nosesplêndida justificação. Concor<strong>do</strong>u-se que os trata<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Brasil nãoeram uma ofensa à República Argentina; que se harmonizavam com osda aliança; que <strong>de</strong>viam subsistir e ser respeita<strong>do</strong>s; que era possível, lícitoe conveniente que também à República Argentina, só ou conjuntamentecom o Esta<strong>do</strong> Oriental, fosse celebrar seus ajustes <strong>de</strong>finitivos com oParaguai; que a questão <strong>de</strong> limites da República Argentina não <strong>de</strong>veraser <strong>de</strong>cidida entre os alia<strong>do</strong>s, mas discutida entre as partes interessadas.Não era isso o que repetimos, até à sacieda<strong>de</strong>, que se <strong>de</strong>vera terfeito <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a negociação conjunta foi malograda pelas veleida<strong>de</strong>sbelicosas <strong>do</strong> senhor <strong>do</strong>utor Quintana?Asseguramos então, como antes, o nosso concurso moral a bem dasnegociações <strong>do</strong>s nossos alia<strong>do</strong>s: cumprimos cavalheiramente essa palavra,mandan<strong>do</strong> um envia<strong>do</strong> extraordiná<strong>rio</strong> a Assunção para acompanhar eauxiliar a nova missão Mitre; e a história, por irrecusáveis <strong>do</strong>cumentos,pela voz <strong>do</strong>s insuspeitos paraguaios, dirá que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o estabelecimento<strong>do</strong> governo provisó<strong>rio</strong> em Assunção o governo imperial procurou influirpara que o Paraguai <strong>de</strong>sistisse <strong>de</strong> suas pretensões extremas e chegasse auma solução aceitável pela República Argentina.Os esforços <strong>do</strong> general Mitre e os <strong>do</strong> Brasil não foram ineficazes.Bem que a seu pesar, o governo paraguaio ce<strong>de</strong>u o territó<strong>rio</strong> <strong>de</strong> Missões,ce<strong>de</strong>u a ilha <strong>do</strong> Cerrito, ce<strong>de</strong>u o Chaco até ao Pilcomayo, o que importalevar o <strong>do</strong>mínio argentino até em frente <strong>de</strong> Assunção. Isto pareceubastante ao general Mitre; ao que dizem os jornais paraguaios; mas oseu governo hesita em aceitar, e, segun<strong>do</strong> consta, por causa da ocupaçãoda Vila Oci<strong>de</strong>ntal, que consi<strong>de</strong>ra um ponto <strong>de</strong> honra para os argentinos,sem consi<strong>de</strong>rar que, ao <strong>de</strong>terminar essa ocupação, o mesmo governoargentino <strong>de</strong>clarou que ela não resolvia a questão <strong>de</strong> limites, e que <strong>de</strong>bom gra<strong>do</strong> se retiraria daí, caso os ajustes <strong>de</strong>finitivos assim o <strong>de</strong>cidissem!É culpa <strong>do</strong> Brasil, se a questão <strong>do</strong> Chaco continua a embaraçaros ajustes <strong>de</strong>finitivos <strong>do</strong> nosso alia<strong>do</strong>, conservan<strong>do</strong> o Paraguai sob aameaça constante <strong>de</strong> novas hostilida<strong>de</strong>s, que cada vez mais o <strong>de</strong>bilitam,e servin<strong>do</strong> <strong>de</strong> animação e fomento às empresas revolucionárias que temsua base <strong>de</strong> operações em Corrientes, e <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> argentino recebemgente, dinheiro e armas?181


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOVoltaremos a discutir se o Brasil está obriga<strong>do</strong> a constituir-sesolda<strong>do</strong> da República Argentina para forçar o Paraguai a ce<strong>de</strong>r tu<strong>do</strong>quanto exigir o governo <strong>de</strong> Buenos Aires além <strong>do</strong> que for justo a juízo<strong>do</strong>s outros alia<strong>do</strong>s, além <strong>do</strong> que a ilustração e extremo pat<strong>rio</strong>tismo <strong>do</strong>general Mitre julgou aceitável?Se o governo argentino não honrar os raros talentos <strong>de</strong> seuplenipotenciá<strong>rio</strong>, sua supe<strong>rio</strong>r competência nos assuntos em questão eseu altivo pat<strong>rio</strong>tismo; em uma palavra, se o governo argentino, queren<strong>do</strong><strong>de</strong> boa fé, como <strong>de</strong>vemos crer, procurar a essa questão um <strong>de</strong>senlacepacífico e honroso, não obstante <strong>de</strong>sprezar o lau<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu negocia<strong>do</strong>r,<strong>de</strong>verá submeter-se ao que foi estipula<strong>do</strong> no artigo 5º <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong>novembro último, assina<strong>do</strong> nesta corte.Não vemos, pois, causa para apreensões <strong>de</strong> guerra na tão protraídaquestão <strong>de</strong> limites <strong>do</strong> governo argentino com o Paraguai; seria precisoadmitir um propósito treslouca<strong>do</strong> da parte <strong>do</strong> nosso alia<strong>do</strong>, paraacreditar que ele se prepara para tão injusta, quanto <strong>de</strong>sgraçada empresa,esquecen<strong>do</strong> o que <strong>de</strong>ve a si, aos vizinhos e ao mun<strong>do</strong> civiliza<strong>do</strong>.Nem mesmo como meio <strong>de</strong> calar dissensões internas, po<strong>de</strong>mosaceitar como verossímeis semelhantes intentos; mas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que asaparências contradizem os votos <strong>do</strong> bom senso e das razões <strong>de</strong> esta<strong>do</strong>,uma vez que o nosso vizinho se arma e a sua <strong>imprensa</strong> não cessa <strong>de</strong>avisar-nos, cumpre que nos preparemos também, sem abrigar o maisremoto pensamento <strong>de</strong> uma agressão não provocada, cumpre que nosarmemos para garantia da paz e para <strong>de</strong>fesa em to<strong>do</strong> caso <strong>de</strong> nossadignida<strong>de</strong> e segurança.***182


ARTIGOS DE IMPRENSA47) A NaçãoJornal político e comercialAno II, número 224, sexta-feira, 24 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1873Negócios <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da Prata IIDemonstramos em nosso artigo <strong>de</strong> ontem que não há causa dadapelo Brasil para que se receie um rompimento entre nós e a RepúblicaArgentina. Esses boatos <strong>de</strong>rivam <strong>do</strong>s armamentos que têm encomenda<strong>do</strong>o governo <strong>de</strong> Buenos Aires, <strong>do</strong>s especula<strong>do</strong>res que gostam da guerra,porque anima o comércio, ou são <strong>de</strong> indústria diplomática espalha<strong>do</strong>sno intuito <strong>de</strong> intimidar-nos e levar o Brasil a reboque <strong>de</strong> uma políticainjusta, impru<strong>de</strong>nte e funesta.Seja como for, o governo <strong>do</strong> Brasil não teria justificação possível,se respon<strong>de</strong>sse a tais <strong>de</strong>monstrações e a tantos avisos com o riso <strong>de</strong>uma confiança orgulhosa, ou com a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma indiferençainerte; <strong>de</strong>vemos propen<strong>de</strong>r sempre para a paz, trabalhar por mantê-la econsolidá-la, mas sem expor o país à <strong>de</strong>cepção tão penosa como foi a <strong>de</strong>1864 e 1865.Vem aqui a pelo examinar se a última guerra podia ser prevista, ese o <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser; se podia ser evitada, e quem <strong>de</strong>ixou que sobreviessetamanha calamida<strong>de</strong>, que custou <strong>rio</strong>s <strong>de</strong> sangue e dinheiro, até reduzirao esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> cadáver um povo vizinho, que tinha si<strong>do</strong> e <strong>de</strong>vera ser nossoamigo. Tal será o objeto <strong>de</strong>ste artigo, no qual daremos por saldadasnossas contas com o escritor <strong>de</strong> A Reforma, o senhor conselheiro AfonsoCelso, que tão cavalheiramente tratou <strong>de</strong>ste tema histórico.O nosso contraditor sustenta que as intenções <strong>do</strong> governo <strong>do</strong>s Lópezeram <strong>de</strong> há muito tempo um propósito bem assenta<strong>do</strong> <strong>de</strong> guerra contrao Brasil, e, como é natural, lança à responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s ministé<strong>rio</strong>sconserva<strong>do</strong>res, que se suce<strong>de</strong>ram <strong>de</strong> 1855 a 1862, o não ter-se arma<strong>do</strong>Mato Grosso e a fronteira <strong>do</strong> Uruguai, para repelirem os invasores <strong>de</strong>1864 e 1865, o não estar apresta<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o Impé<strong>rio</strong> para a tremendacampanha que se abriu no Esta<strong>do</strong> Oriental e foi acabar, seis anos <strong>de</strong>pois,nos <strong>de</strong>sertos <strong>de</strong> Cerro Corá. Será exato este juízo, em qualquer <strong>do</strong>s seus<strong>do</strong>is assertos?183


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOA sanha <strong>do</strong>s López (pai e filho) contra o Brasil, no conceito <strong>do</strong> redator<strong>de</strong> A Reforma, era a questão <strong>de</strong> limites; esta questão valia tu<strong>do</strong> para nós,e para eles. O primeiro erro <strong>do</strong> ilustra<strong>do</strong> senhor Afonso Celso está em daràquela questão mais importância intrínseca e <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> <strong>do</strong> que elarealmente tinha.Nunca para o Brasil foi ela o principal embaraço em suas relaçõesnaturais e amigáveis com o Paraguai; em mais <strong>de</strong> um <strong>do</strong>cumentodissemos que a in<strong>de</strong>cisão das fronteiras <strong>de</strong>sertas não impedia a paz,nem a cultura <strong>do</strong>s interesses imediatos e positivos <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is países;víamos até no adiamento <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>marcação <strong>de</strong>finitiva uma condiçãonecessária para trazer pacificamente aquele <strong>de</strong>sconfia<strong>do</strong> vizinho à razão,persuadin<strong>do</strong>-o <strong>de</strong> que não nutrimos contra ele projetos ambiciosos, nemprecisaríamos para esse fim da ilha <strong>do</strong> Pão <strong>de</strong> Açúcar, nem <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong><strong>de</strong>spovoa<strong>do</strong> que margeia o Apa.A questão vital para o Brasil, que teria <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> um rompimentoformal em 1855, como em 1858, era a <strong>do</strong> livre trânsito fluvial até MatoGrosso, e esta nossa exigência foi satisfeita até ao ponto <strong>de</strong> se abrir o <strong>rio</strong>Paraguai e o Paraná a todas as ban<strong>de</strong>iras mercantes, sem ônus <strong>de</strong> impostosnem <strong>de</strong> escalas forçadas. A única limitação foi quanto ao número <strong>do</strong>snavios <strong>de</strong> guerra, limitação autorizada pelo direito internacional, quetirava exemplo <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um trata<strong>do</strong> europeu, e que tínhamos por umaparte prescrito no <strong>rio</strong> Amazonas.Dom Carlos Antonio López não era guerreiro; falava às vezes comoAlexandre no seu Semana<strong>rio</strong>, mas seu fito era a paz, e seu pesa<strong>de</strong>lo umaagressão <strong>do</strong>s vizinhos” [sic] principalmente da República Argentina, cujaquestão <strong>de</strong> limites era <strong>do</strong> maior alcance para o Paraguai, e cuja políticanunca renunciara francamente à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> reconstrução <strong>do</strong> antigo vicereina<strong>do</strong>espanhol, o que López conhecia mais a fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> que nós. Do Brasilele queixava-se, mas porque não se <strong>de</strong>clarava alia<strong>do</strong> <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong> <strong>do</strong> Paraguai.López armava-se, é certo, to<strong>do</strong>s o viam, mas não para a guerraofensiva, que sempre evitara, e <strong>de</strong> que fizera triste ensaio quan<strong>do</strong>man<strong>do</strong>u a Corrientes uma força auxiliar da revolução <strong>do</strong> general Pazcontra Rosas. López armava-se, e até lhe foram <strong>do</strong> Brasil os primeiroscanhões e os primeiros instrutores, por bons ofícios <strong>do</strong> nosso governo;mas o seu pesa<strong>de</strong>lo não era o Impé<strong>rio</strong>, cuja organização política e sorteele invejava, mas a República Argentina, e por sua vez a Bolívia, quetambém lhe disputava o Chaco.184


ARTIGOS DE IMPRENSAÉ tradição bem conhecida que, no leito <strong>de</strong> morte, Carlos López diziaao ministro <strong>do</strong> Brasil em Assunção que “morria com espinha atravessadana garganta, porque não <strong>de</strong>ixava estabelecida a aliança <strong>do</strong> Paraguai como Impé<strong>rio</strong>”. Era nosso ministro o senhor Carvalho Borges.Estes eram os sentimentos <strong>do</strong> sucessor <strong>de</strong> Francia ainda muito tempo<strong>de</strong>pois da queda <strong>de</strong> Rosas, durante o segun<strong>do</strong> perío<strong>do</strong> que o senhorAfonso Celso assinalou como o <strong>de</strong> transição para planos intencional e<strong>de</strong>liberadamente hostis ao Brasil. Mais avisa<strong>do</strong> andaria sua excelência,se observasse que havia gran<strong>de</strong> diferença entre a ín<strong>do</strong>le e as vistaspolíticas <strong>do</strong> pai e <strong>do</strong> filho.O primeiro armava-se para a <strong>de</strong>fesa, temia-se <strong>do</strong> contato exte<strong>rio</strong>r,que a custo ia admitin<strong>do</strong>; respeitava a tradição <strong>de</strong> Francia a respeito <strong>do</strong>Brasil, que lhe servia por largos anos <strong>de</strong> intermediá<strong>rio</strong>, através <strong>de</strong>sseterritó<strong>rio</strong> <strong>de</strong> Missões, que está hoje em po<strong>de</strong>r <strong>do</strong>s argentinos, para omun<strong>do</strong> civiliza<strong>do</strong>. López filho era inexperiente, sem o bom senso nema leitura <strong>de</strong> seu pai, fátuo e ambicioso; ampliava os elementos militaresque achou organiza<strong>do</strong>s, com aspirações a fazer <strong>do</strong> Paraguai uma potênciamilitar, ten<strong>do</strong> voto respeita<strong>do</strong>, senão prepon<strong>de</strong>rante, nas questões <strong>do</strong>Prata. E não admira que concebesse essa ambição, quan<strong>do</strong> corre impressoque ainda em 1863 o general Mitre, presi<strong>de</strong>nte da República Argentina,em confidências muito lisonjeiras, lhe indicava que ele Solano Lópezpodia ser o rei Leopol<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta parte da América.O <strong>de</strong>sgraça<strong>do</strong> marechal López queria ser impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Paraguai, e,pois, não podia votar inimiza<strong>de</strong> figadal à única monarquia existente naAmérica, à nação que sempre se mostrara amiga <strong>do</strong> Paraguai, à naçãoque a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> Rosas respeitara e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ra a in<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong> povoparaguaio. Leva<strong>do</strong> pelo orgulho, pela ambição e pela ignorância <strong>do</strong>shomens e das coisas <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da Prata e <strong>do</strong> Brasil, planejou assumir o papel<strong>de</strong> media<strong>do</strong>r necessá<strong>rio</strong> entre os seus vizinhos; preten<strong>de</strong>u nomeada einfluência que lhe servisse <strong>de</strong> títulos a proclamar-se novo Iturbi<strong>de</strong>.Com efeito, na primeira fase da questão oriental, quan<strong>do</strong> o generalFlores se arrojava <strong>de</strong> Buenos Aires, com alguns poucos companheirospara levantar o brandão da guerra civil no solo pát<strong>rio</strong>, o que dizia eque fez López? Reprovava o apoio que a revolução oriental tirava <strong>de</strong>territó<strong>rio</strong> argentino, e inculcava se disposto a intervir a favor <strong>do</strong> governolegal, se o apoio externo se tornasse mais franco e eficaz. Até entãonenhuma palavra, nada que indicasse intento hostil ao Brasil.185


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOInfelizmente foi nessa crítica conjuntura que o ministé<strong>rio</strong> <strong>de</strong> 15<strong>de</strong> janeiro teve <strong>de</strong> fazer uma justa e grave reclamação ao governo <strong>de</strong>Montevidéu, e enten<strong>de</strong>u que a <strong>de</strong>via ligar com fatos muito ante<strong>rio</strong>res,e dar-lhe tal aparato bélico, que ambos se alucinaram, Solano Lópeze Aguirre, este excita<strong>do</strong> pelos impru<strong>de</strong>ntes chefes <strong>do</strong> parti<strong>do</strong> blancoaquele pelos emissá<strong>rio</strong>s Carreras e Sagastume.Solano López, que até contava intervir com o Brasil em favor <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> Oriental, que retraíra a sua ação por muito tempo, respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong>às instigações <strong>de</strong> Montevidéu - “que já tinha feito muito e que o Brasilmais interessa<strong>do</strong>, conservava-se silencioso”; Solano López começoua acreditar na trama <strong>do</strong>s blancos, e para sondar as nossas intençõese satisfazer a sua ambição <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> potenta<strong>do</strong>, ofereceu-se comomedia<strong>do</strong>r no conflito <strong>do</strong> Brasil.Não rompera ainda conosco, note-se bem, queria apenas ombrearcom o governo imperial, prestar-nos bons ofícios e salvar o governolegal <strong>de</strong> Aguirre.O governo <strong>do</strong> Brasil lhe agra<strong>de</strong>ceu o oferecimento, mas como quemo tinha em pouca conta; disse que não tinha ainda perdi<strong>do</strong> a esperança<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r-se com o governo oriental, e esqueceu logo aquela iniciativae a sua resposta. Caminhan<strong>do</strong> o conflito para um <strong>de</strong>senlace <strong>de</strong>sastroso,circulan<strong>do</strong> que se aprestavam forças <strong>de</strong> invasão na província <strong>do</strong> RioGran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, López caiu em cheio nas re<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s blancos: acreditouque o Brasil estava feito com Flores e o general Mitre, para <strong>de</strong>rribarem<strong>do</strong> po<strong>de</strong>r o alia<strong>do</strong> natural <strong>do</strong> Paraguai e irem <strong>de</strong>pois haver-se com ele.Ainda assim Solano López não foi tão temerá<strong>rio</strong> nem tão ambiciosoque não se arreceasse <strong>de</strong> uma luta com o Brasil; não se precipitou logo,preparou-se e, entretanto, <strong>de</strong>clarou-se disposto a tomar parte na contenda,se visse a República Oriental ameaçada em sua in<strong>de</strong>pendência por forçasestrangeiras. A sua linguagem foi arrogante, nos diz o jovem ex-ministroda Marinha <strong>do</strong> gabinete <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> agosto; e não era compatível com adignida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Brasil entrar em muitas explicações <strong>do</strong> seu procedimentocom quem assim o ameaçava e requeria embargar o uso <strong>de</strong> um direitolegítimo.Aqui se revela toda a imprevidência que havíamos nota<strong>do</strong> e que oilustre <strong>de</strong>fensor <strong>do</strong>s créditos liberais se propôs contestar. Não há comosair <strong>de</strong>ste dilema: ou sabíeis que López estava <strong>de</strong> longa data prepara<strong>do</strong>para a guerra, que tinha a sua disposição po<strong>de</strong>rosos elementos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e186


ARTIGOS DE IMPRENSAataque, e que só procurava um pretexto para romper; ou não acreditáveisno po<strong>de</strong>r militar <strong>do</strong> Paraguai, e López era para vós um governicho tãofraco ou pouco mais forte <strong>do</strong> que o <strong>de</strong> Aguirre em Montevidéu.No primeiro caso, a humanida<strong>de</strong> e os preciosos interesses da pazexigiam que, com prudência e sem quebra <strong>de</strong> nossa dignida<strong>de</strong>, nãomenosprezásseis a mal pensada e funesta provocação, que procurásseis<strong>de</strong>sfazer as tramas <strong>de</strong> nossos inimigos que mostrásseis a ilusão que iaper<strong>de</strong>r o Paraguai, por tantos títulos chama<strong>do</strong> a ser amigo <strong>do</strong> Brasil, eassim tentásseis dignamente evitar ao Impé<strong>rio</strong> uma calamitosa guerra.No segun<strong>do</strong> caso, se o Paraguai, a nossos olhos, um pequeno<strong>de</strong>safian<strong>do</strong> a um gigante, em que se ofendia a dignida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Brasil,abrin<strong>do</strong> os olhos ao fraco para ver o abismo a que o impelia a paixão e ointeresse <strong>do</strong> parti<strong>do</strong> blanco no Esta<strong>do</strong> Oriental?Não prece<strong>de</strong>stes com a pru<strong>de</strong>nte dignida<strong>de</strong> <strong>do</strong> forte, nem tivestesconsciência <strong>do</strong>s perigos que corria o Brasil, e <strong>do</strong>s males consi<strong>de</strong>ráveisque iam cair sobre esta parte da América. Iniciastes a guerra contra oEsta<strong>do</strong> Oriental sem bastantes meios <strong>de</strong> segura agressão, <strong>de</strong>sprezastes oParaguai e lhe entregastes inerme e <strong>de</strong>scuida<strong>do</strong> o infeliz e hábil militarque, como se quisesses dar mais corpo às suspeitas <strong>de</strong> López, enviastesnaqueles momentos para assumir a presidência e o coman<strong>do</strong> das armas<strong>de</strong> Mato Grosso.A <strong>imprensa</strong> argentina escarnecia, como vós, das ameaças <strong>de</strong> López,explorava o orgulho <strong>do</strong> marechal dita<strong>do</strong>r, repetin<strong>do</strong>-lhe a miú<strong>do</strong> que“saísse da crisálida”. Assim como López cegou-se por fim, supon<strong>do</strong> queia fazer um passeio militar, e que breve terminaria o conflito, voltan<strong>do</strong>ele a Assunção por entre arcos <strong>de</strong> triunfo para ser aclama<strong>do</strong> príncipesoberano; assim vós pensastes que o parti<strong>do</strong> liberal daria uma fácil lição<strong>de</strong> temerida<strong>de</strong> aos conserva<strong>do</strong>res, e <strong>de</strong>ssa sua imprudência colheria aperpetuida<strong>de</strong> <strong>do</strong> seu <strong>do</strong>mínio.To<strong>do</strong>s os cálculos falharam, porque nenhum <strong>de</strong>les assentava naverda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s fatos e na imparcial e refletida apreciação <strong>do</strong>s interessespúblicos.Também as coisas não correram para a República Argentina comoesperava o seu governo, que impeliu-nos e a Flores para diante, absten<strong>do</strong>sesempre <strong>do</strong> menor compromisso. Esperava ver touros <strong>de</strong> palanque, ecomo nos tinha nega<strong>do</strong> (em pé <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> com López) o atravessarpor Corrientes, ainda que só pisássemos o territó<strong>rio</strong> ocupa<strong>do</strong> pelos187


ARTIGOS DE IMPRENSA48) A NaçãoJornal político e comercialAno II, número 225, sába<strong>do</strong>, 25 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1873Negócios <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da Prata IIINo artigo publica<strong>do</strong> ontem escaparam os seguintes erros:1ª coluna.• No segun<strong>do</strong> §, 5ª linha: on<strong>de</strong> se lê – com a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>uma indiferença inerte, - leia-se impassibilida<strong>de</strong>, etc.2ª coluna.• No 2º §, penúltima linha: on<strong>de</strong> se lê – por uma parte prescrito, -leia-se – por nossa parte prescrito;• No 3º §, 4ª linha: on<strong>de</strong> se lê - uma agressão <strong>do</strong>s vizinhos” - leiase– uma agressão <strong>do</strong>s vizinhos;• No mesmo §, 9ª linha: on<strong>de</strong> se lê - vice-reinato, - leia-se – vice-reina<strong>do</strong>.3ª coluna.• Último parágrafo, 6ª linha: on<strong>de</strong> se lê – e que fez López? - leiase– e o que fez López?4ª coluna.• No final <strong>do</strong> 1º §: on<strong>de</strong> se lê – pelos emissá<strong>rio</strong>s Carreras eSagastume, - leia-se pelo emissá<strong>rio</strong> Sagastume.• No § 2º: on<strong>de</strong> se lê: começou acreditar, - leia-se – começou a acreditar.5ª coluna.• No 3º §: on<strong>de</strong> se lê – era um pequeno <strong>de</strong>safian<strong>do</strong>, - leia-se – eraum pigmeu <strong>de</strong>safian<strong>do</strong>.189


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO1ª coluna da p. 2No § 1º, 2ª linha: on<strong>de</strong> se lê – fez alguns sacrifícios – leia-se – masfez alguns sacrifícios.No último §, substitua-se o ponto final que há <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> –necessárias precauções, - por – ponto e vírgula.Há outros pequenos erros, sobretu<strong>do</strong> <strong>de</strong> pontuação, que terásupri<strong>do</strong> o leitor inteligente.49) A NaçãoJornal político e comercial***Ano III, número 8, segunda-feira, 12 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1874Ao senhor Francisco CunhaO redator <strong>de</strong> A República a que o senhor Francisco Cunha alu<strong>de</strong> emseu artigo <strong>de</strong> ontem, passa por ser o proprietá<strong>rio</strong> <strong>de</strong>ssa folha, e, portanto,o principal responsável <strong>do</strong> que ela se escreve. É além disso o únicoe conheci<strong>do</strong> autor <strong>de</strong> várias invectivas que nos têm si<strong>do</strong> dirigidas, e,particularmente, das inqualificáveis injúrias publicadas no A República<strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> janeiro <strong>do</strong> ano passa<strong>do</strong>.Daqui a preferência que A Nação lhe tem da<strong>do</strong> em certas ocasiões.Sentimos que tal preferência tenha por vezes coloca<strong>do</strong> em penosasituação o senhor Cunha, cavalheiro que nunca abusou da sua posiçãona <strong>imprensa</strong> para agredir-nos injusta e pessoalmente; mas nem por issopo<strong>de</strong> a Nação prometer-lhe a renúncia <strong>do</strong> exercício <strong>de</strong> um direito, que,quan<strong>do</strong> muito, po<strong>de</strong>rá consi<strong>de</strong>rar-se uma pequena retaliação.Não são os redatores <strong>do</strong> A Nação que gostam <strong>de</strong>ssas polêmicaspessoas e <strong>de</strong> convícios, em vez da discussão que a to<strong>do</strong>s honra.Silva Paranhos190


ARTIGOS DE IMPRENSAInteresses da colonizaçãoUma certa parte da <strong>imprensa</strong> política aplaudiu conosco ainauguração <strong>do</strong> novo sistema, que cremos resolvi<strong>do</strong> pelo governoimperial, <strong>de</strong> fundar à margem das nossas estradas <strong>de</strong> ferro núcleos<strong>de</strong> colonização em que os imigrantes recém-chega<strong>do</strong>s encontremterras <strong>de</strong>sbravadas, <strong>de</strong>limitadas e <strong>de</strong> fácil acesso, cujos produtospossam <strong>de</strong>mandar com segurança e rapi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> transporte os centroscomerciais.A aquisição da fazenda <strong>de</strong> Porto Real parece pren<strong>de</strong>r-se a essesistema que, vigorosamente aplica<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ve <strong>de</strong> trazer ao país resulta<strong>do</strong>s<strong>de</strong> um valor inestimável.Este único ato <strong>do</strong> senhor ministro da Agricultura seria <strong>de</strong> si só um<strong>do</strong>cumento <strong>de</strong> seu zelo pelos interesses da colonização, se o movimento,que se opera em nossas colônias, os trabalhos que nelas se prosseguemcom <strong>de</strong>susada ativida<strong>de</strong>, o número <strong>de</strong> colonos que nos últimos mesestemos visto importa<strong>do</strong>s, não estivessem atestan<strong>do</strong> que é uma faseverda<strong>de</strong>iramente nova a que se abre a este serviço.Não é sem um certo fun<strong>do</strong> <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> que esta significativa palavra– corrente <strong>de</strong> emigração – fez sua entrada na linguagem <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s ospaíses que sentem superabundância ou carência <strong>de</strong> braços.On<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>ssas correntes se estabelece, tão difícil é contê-la comodifícil seria criá-la. Mas, diz um escritor, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que os <strong>rio</strong>ssão governáveis, obten<strong>do</strong>-se <strong>de</strong>sviar-lhes a direção que a natureza raravez se obstina em impor-lhes, assim o segre<strong>do</strong> da colonização <strong>de</strong> umpaís está em <strong>de</strong>simpedir as dificulda<strong>de</strong>s que se possam opor a essascaprichosas correntes humanas, e <strong>de</strong> certo mo<strong>do</strong> cavar-lhes o leito.Penetra<strong>do</strong> <strong>de</strong>ste pensamento, o governo imperial não <strong>de</strong>ve limitar osseus esforços a obter a introdução <strong>de</strong> imigrantes. O que antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong><strong>de</strong>ve chamar a sua atenção, é que os recém-chega<strong>do</strong>s venham encontrardispostas a reunidas as <strong>de</strong>sejáveis condições <strong>de</strong> trabalho, evitan<strong>do</strong>, comum cuida<strong>do</strong> to<strong>do</strong> particular, o <strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong> tempo no estabelecimento<strong>do</strong>s colonos.O ensaio <strong>de</strong> Porto Real nos há <strong>de</strong> convencer quanto <strong>de</strong> preciososrecursos temos inutilmente <strong>de</strong>spendi<strong>do</strong> nesta gran<strong>de</strong> obra da colonização.O núcleo colonial que vai surgir à margem da estrada D. Pedro II, po<strong>de</strong>e <strong>de</strong>ve ter um gran<strong>de</strong> alcance.191


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOQuan<strong>do</strong> este fato repercutir nas <strong>imprensa</strong>s <strong>de</strong> velho continente,muitas resistências <strong>de</strong>vem <strong>de</strong>saparecer, que atuam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito tempono espírito europeu <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>sfavorável à imigração para o Brasil.Este problema da colonização tem um la<strong>do</strong> cu<strong>rio</strong>so. A corrente<strong>de</strong> emigração, se obe<strong>de</strong>ce a um certo número <strong>de</strong> leis, tem por vezestendências fatais, dir-se-iam verda<strong>de</strong>iros caprichos.Temos um exemplo perto <strong>de</strong> nós. Os 20.000 italianos que anualmente<strong>de</strong>mandam a República Argentina, não saberiam explicar razoavelmenteo que para ali os atrai. Nem as condições econômicas, nem as <strong>de</strong>segurança, nem outras <strong>de</strong> igual natureza dão a razão <strong>de</strong>ste fenômeno.Eles obe<strong>de</strong>cem ao impulso <strong>de</strong> uma corrente; e eis aí tu<strong>do</strong>.Sem tentar explicar o fato, não nos limitaremos a assinalá-lo.Reclaman<strong>do</strong> para este ponto a atenção <strong>do</strong> governo, fazemo-lo tantomais confiadamente quanto <strong>de</strong> boa fonte somos informa<strong>do</strong>s que 300lombar<strong>do</strong>s <strong>de</strong>vem proximamente chegar ao nosso porto por conta <strong>do</strong>governo.A emigração italiana po<strong>de</strong>ria com muito proveito ser atraída parao Brasil. Inteligentes, indust<strong>rio</strong>sos e moraliza<strong>do</strong>s, os italianos têm umapropensão natural para emigrar, verda<strong>de</strong>iros hábitos <strong>de</strong> emigração <strong>de</strong>que os portos <strong>de</strong> Gênova e Nápoles dão frequentes testemunhos.A assimilação <strong>do</strong>s italianos com os brasileiros seria com certeza maisfácil que a <strong>do</strong>s alemães. Os que conhecem as nossas colônias alemãs, se seimpressionam agradavelmente com os hábitos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, <strong>de</strong> economia etrabalho que aí po<strong>de</strong>m ser observa<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>vem ter verifica<strong>do</strong> com um certopesar que o trabalho da assimilação vai nelas um caminho muito lento.Em compensação a imigração italiana <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da Prata, oferece sobeste aspecto, um caráter muito diverso.Se não é esta uma razão para aban<strong>do</strong>nar a colonização alemã, <strong>de</strong>ve serparte para que procuremos atrair essa corrente que vemos encaminhada<strong>do</strong> país clássico das artes para uma certa parte da América <strong>do</strong> Sul.A facilida<strong>de</strong> com que o italiano emigra vem juntar-se a outrasconsi<strong>de</strong>rações para que essa imigração <strong>de</strong>va ser vista como utilíssimaao Brasil.A Lombardia prima na agricultura. Os seus habitantes dão-se <strong>de</strong>preferência à cultura como a sua profissão predileta.Gênova e Nápoles distinguem-se pelo gênio indust<strong>rio</strong>so <strong>de</strong> suaspopulações e pelo seu pronuncia<strong>do</strong> pen<strong>do</strong>r para as artes.192


ARTIGOS DE IMPRENSALombar<strong>do</strong>s, como genoveses e napolitanos, insistimos neste ponto,emigram sem gran<strong>de</strong> custo.Por que não se tentaria a experiência?O senhor ministro da Agricultura, que já fez contratar 300 lombar<strong>do</strong>s,pensa naturalmente conosco que cumpre ensaiar em uma certa escala aimigração italiana. Procure sua excelência que os primeiros colonos <strong>de</strong>staprocedência encontrem facilida<strong>de</strong>s no primeiro estabelecimento, e nãoé impossível que um dia tenhamos da Itália uma imigração espontânea.Neste louvável intuito po<strong>de</strong> sua excelência encontrar um verda<strong>de</strong>iroauxiliar no ilustre cavalheiro que está à frente da legação italiana nestacorte. Amigo como é <strong>do</strong> Brasil, e fazen<strong>do</strong> justiça à excelência <strong>de</strong> suasinstituições, e aos seus costumes, o honra<strong>do</strong> senhor <strong>barão</strong> Cavalchinipo<strong>de</strong> exercer uma legítima influência sobre o ânimo <strong>de</strong> seus compat<strong>rio</strong>tas<strong>de</strong> maneira a coadjuvar o empenho <strong>do</strong> governo.50) A NaçãoJornal político e comercial***Ano III, número 11 quinta-feira, 15 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1874O anúncio <strong>do</strong> senhor cônsul inglêsO senhor cônsul da Inglaterra fez ontem publicar no Jornal <strong>do</strong>Comércio o seguinte anúncio:“Consula<strong>do</strong> Britânico – Rio, 14 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1874.Chegaram a esta corte no dia 8 <strong>do</strong> corrente, 46 colonos ingleses,vin<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunguy, e anuncia-se que na próxima terça-feira outros 55<strong>de</strong>vem sair <strong>do</strong> asilo <strong>de</strong> imigrantes.Acham-se estes indivíduos em esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> miséria, estan<strong>do</strong> enfermosalguns <strong>do</strong>s que chegaram por último, e gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> crianças ten<strong>do</strong>as pernas em <strong>de</strong>plorável esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> mor<strong>de</strong>dura <strong>de</strong> insetos.Hoje 14 <strong>do</strong> corrente, às 14h, terá lugar neste consula<strong>do</strong> uma reuniãopara a qual se pe<strong>de</strong> encarecidamente o comparecimento <strong>do</strong>s resi<strong>de</strong>ntesbritânicos a fim <strong>de</strong> provi<strong>de</strong>nciar-se <strong>de</strong> maneira a evitar que estes193


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOindivíduos morram <strong>de</strong> fome nas ruas <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro. – G. LennonHunt, cônsul.”Como era natural, a <strong>imprensa</strong> da manhã comentou o acontecimento.Jamais tão grave afronta, disse A Reforma, foi atirada à nossacarida<strong>de</strong>! Se algumas cartas individuais, partidas <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>, e escritaspor imigrantes, têm eco profun<strong>do</strong> na Europa, imagine-se a força que nãoterá um <strong>do</strong>cumento oficial, lavra<strong>do</strong> por um cônsul.Ontem, diz por sua vez A República, era o consula<strong>do</strong> alemão quese via atulha<strong>do</strong> <strong>de</strong> pobres <strong>de</strong>sgraça<strong>do</strong>s a quem se iludiu e maltratou<strong>de</strong>spejan<strong>do</strong>-os finalmente <strong>do</strong> asilo <strong>de</strong> imigrantes! Hoje é o consula<strong>do</strong>inglês que faz um apelo à carida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s resi<strong>de</strong>ntes britânicos para queseus compat<strong>rio</strong>tas não morram à fome nas ruas <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro!Cabe-nos agora a palavra.O anúncio <strong>do</strong> senhor cônsul inglês presta-se a duas or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong>consi<strong>de</strong>rações. Pren<strong>de</strong>-se uma aos interesses da colonização e outra aosnossos costumes tão injustamente julga<strong>do</strong>s.A Reforma, ven<strong>do</strong> a questão sob este último aspecto, protestoucom uma nobre energia contra a insinuação que encerram as últimaslinhas <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento transcrito. Acompanhamo-la neste protesto. Nasruas <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro ninguém ainda morreu <strong>de</strong> fome; estamos nestaparte, preciso é que o senhor cônsul faça justiça à simplicida<strong>de</strong> <strong>do</strong>snossos costumes, muito a per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista da gran<strong>de</strong> capital da soberbaAlbion. Se nos faltam gigantescos hospitais, ostentosamente <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s, enumerosas casas <strong>de</strong> asilo, que mostrem ao estrangeiro to<strong>do</strong> um sistemato<strong>do</strong> um sistema <strong>de</strong> carida<strong>de</strong> severamente organiza<strong>do</strong> e disciplina<strong>do</strong>,temos em compensação um gênio nimiamente hospitaleiro que até aquinos poupou o espetáculo da morte pela fome.Que o senhor cônsul reunisse os seus compat<strong>rio</strong>tas para socorreros recém-chega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunguy, nada seria mais natural nem maislouvável. Dizer, porém, que a reunião anunciada tem por fim evitar queos 46 colonos <strong>de</strong> Assunguy morram <strong>de</strong> fome nas ruas <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro,é <strong>de</strong> certo mo<strong>do</strong> injuriar o caráter brasileiro.Só há um fundamento para o terror que o senhor cônsul se revelapossuí<strong>do</strong>. O senhor Lennon Hunt está habitua<strong>do</strong> a ver nas estatísticasmortuárias <strong>de</strong> alguns países esta hedionda rubrica – morte pela fome -;não é muito, pois, que tema vê-la transplantada para as estatísticas <strong>do</strong>Brasil.194


ARTIGOS DE IMPRENSAFolgamos que o senhor cônsul não tenha feito balda<strong>do</strong> apelo aosseus compat<strong>rio</strong>tas. Não conhecen<strong>do</strong> o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa reunião, tu<strong>do</strong> nosinduz a crer que a filantropia <strong>do</strong>s súditos britânicos resi<strong>de</strong>ntes nesta cortenão será limitada a alguma subscrição vulgar, a alguma parca esmolaque torne em ridículo o aparato da convocação.Trata-se em to<strong>do</strong> caso <strong>de</strong> súditos ingleses que se acham reduzi<strong>do</strong>sa esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> miséria, e, ou os reduzissem a este esta<strong>do</strong> as más condiçõesque no Brasil esperam os colonos, ou os próp<strong>rio</strong>s vícios e <strong>de</strong>samor aotrabalho, à carida<strong>de</strong> que tem aí em que fazer obra.Mas, não tanto pelo senhor cônsul como por honra ao Brasil, e seugoverno, cumpre ver um pouco <strong>de</strong> perto o outro la<strong>do</strong> da questão.Os colonos ingleses recém-chega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunguy, ali estabeleci<strong>do</strong>shá cerca <strong>de</strong> um ano, receberam com excelentes prazos <strong>de</strong> terras to<strong>do</strong>s osauxílios prometi<strong>do</strong>s aos imigrantes. Muitos outros colonos <strong>de</strong> diferentesnacionalida<strong>de</strong>s, talvez em número supe<strong>rio</strong>r a 1.500, lavram com proveitoas terras <strong>do</strong> Assunguy e ali vivem felizes e satisfeitos.O agente oficial da colonização, há pouco chega<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunguy, confirmapor testemunho ocular o que consta <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos, relató<strong>rio</strong>s e outras peçasoficiais; e é que a colônia <strong>de</strong> Assunguy vai bom caminho <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong> ereúne todas as condições <strong>de</strong> uma vida pacífica, labo<strong>rio</strong>sa e cômoda.Um imigrante não é por via <strong>de</strong> regra um homem morigera<strong>do</strong> eaplica<strong>do</strong> ao trabalho; e nem to<strong>do</strong>s os ingleses se distinguem por hábitos<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m e economia,Não acrescentaremos que os 46 imigrantes em questão <strong>de</strong>ixarammal nome na colônia, sen<strong>do</strong> vistos em geral como ociosos e alguns atéturbulentos.Um fato parece, entretanto, explicar a resolução <strong>de</strong>sses tais colonos.Não há muitos dias que circulou em Assunguy um papel que se disseescrito pelo senhor ministro <strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong> britânica, em que seanunciava <strong>de</strong> parte <strong>de</strong>ste ilustre cavalheiro estar no porto <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong>Janeiro um vapor <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> ao transporte gratuito <strong>do</strong>s colonos que<strong>de</strong>sejassem repatriar-se. Este grosseiro ardil, que inspirou ao honra<strong>do</strong>senhor ministro inglês tanto mais justa indignação quanto se abusara <strong>de</strong>seu nome foi provavelmente a causa da ocasião que lamentamos.Nem to<strong>do</strong>s os imigrantes formam exata i<strong>de</strong>ia <strong>do</strong>s recursos naturaisno Brasil. Muitos há que, ao emigrar <strong>de</strong> sua pátria sonham encontrarriquezas espontâneas que bastaria colher à flor <strong>do</strong> solo; a estes não195


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOseduzem a fertilida<strong>de</strong> da terra, a varieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s nossos produtos, asoportunida<strong>de</strong>s reais <strong>de</strong> nossa natureza. Eles quereriam mais, mesmomuito mais.Em uma leva <strong>de</strong> imigrantes há <strong>de</strong> ordiná<strong>rio</strong> um certo número quenão veem realiza<strong>do</strong>s os seus sonhos.São provavelmente <strong>de</strong>ste número que os 46 colonos que se acolhemà filantropia <strong>do</strong>s súditos ingleses resi<strong>de</strong>ntes na corte.Cumprin<strong>do</strong> lealmente as suas promessas a respeito <strong>do</strong>s colonos <strong>de</strong>qualquer procedência, o que o governo não po<strong>de</strong> fazer é tomar a si aobrigação <strong>de</strong> sustentá-los e repatriar, assim que o queiram.A sincerida<strong>de</strong> com que o governo <strong>do</strong> Brasil promove e fomenta acolonização já é um fato fora <strong>de</strong> toda dúvida séria.40.000 imigrantes viven<strong>do</strong> felizes no Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, 20.000 emSanta Catarina, 6.000 no Espírito Santo, oferecem um vivo contrastecom alguns ingleses e alguns polacos que insistem em repatriar-se.O fato é digno <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>plora<strong>do</strong>, e tanto mais quanto recentes publicaçõesparecem <strong>de</strong>scobrir uma propaganda empenhada em <strong>de</strong>sviar <strong>do</strong> Brasil aimigração inglesa para atraí-la às colônias <strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong> britânica.Outras não foram as vistas a inspirar esse cu<strong>rio</strong>so panfleto <strong>de</strong> Jacaré-Assu e análogas publicações em uma das quais se chegou a escrever queimigrantes ingleses tinham si<strong>do</strong> obriga<strong>do</strong>s a ven<strong>de</strong>r seus filhos.O que nos tranquiliza até um certo ponto,é que o espírito públicoda Inglaterra não aferirá das intenções <strong>do</strong> governo <strong>do</strong> Brasil porinformações <strong>de</strong> um padre Giebeler e outras <strong>de</strong> igual procedência. Osagentes <strong>do</strong> governo britânico nesta corte são aliás muito discretos, emuito inteligentes, para que liguem a tais informações um valor que nãomerecem.No momento em que a alta administração <strong>do</strong> Brasil compra terrasubérrimas à margem da estrada <strong>de</strong> ferro, e consagra às colônias os maissolícitos <strong>de</strong>svelos, fazen<strong>do</strong> <strong>de</strong>marcar prazos, <strong>de</strong>sbravar terrenos e rasgarestradas, não serão as queixas <strong>de</strong> um punha<strong>do</strong> <strong>de</strong> imigrantes que po<strong>de</strong>mexercer influência nos centros <strong>de</strong> população europeia.Agora mesmo está a ser publica<strong>do</strong> um consciencioso relató<strong>rio</strong> <strong>do</strong>senhor conselheiro Azambuja, que o senhor cônsul inglês ganharia em ler.Vá<strong>rio</strong>s jornais que se começaram a publicar nesta corte em francês,inglês e alemão, não têm recusa<strong>do</strong> justiça ao governo imperial.É nestas fontes que os injustos censores <strong>do</strong> governo <strong>do</strong> Brasil,196


ARTIGOS DE IMPRENSAe o senhor cônsul inglês não é seguramente <strong>de</strong>ste número, <strong>de</strong>veriaminspirar-se.Prossiga o diligente senhor ministro da Agricultura, Comércio eObras Públicas no labo<strong>rio</strong>so empenho a que o vemos consagra<strong>do</strong>, e fatoscomo o que hoje lamentamos não terão a influência <strong>de</strong> entorpecer omovimento coloniza<strong>do</strong>r.51) A NaçãoJornal político e comercial***Ano III, número 13, sába<strong>do</strong>, 17 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1874Colonos ingleses <strong>de</strong> AssunguySabe-se que 46 imigrantes ingleses, aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> os prazos <strong>de</strong>terras que, há cerca <strong>de</strong> um ano, lhes haviam si<strong>do</strong> distribuí<strong>do</strong>s na colônia<strong>de</strong> Assunguy, manifestaram ao senhor cônsul <strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong> britânicaa intenção <strong>de</strong> repatriar-se.Provavelmente antes <strong>de</strong> ter recolhi<strong>do</strong> as necessárias informaçõessobre o mo<strong>do</strong> pelo qual o governo imperial se tem <strong>de</strong>sempenha<strong>do</strong>das promessas com que procura atrair a emigração, e sobre o carátere hábitos <strong>de</strong>sses indivíduos, o senhor Lennon Hunt enten<strong>de</strong>u oportunoconvocar por anúncio os seus compat<strong>rio</strong>tas resi<strong>de</strong>ntes na corte, parao fim, <strong>de</strong>clara<strong>do</strong> nesse <strong>do</strong>cumento oficial, <strong>de</strong> evitar que os 46 súditosingleses recém-vin<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunguy morressem <strong>de</strong> fome nas ruas <strong>do</strong> Rio<strong>de</strong> Janeiro.Devidamente consulta<strong>do</strong>s os interesses <strong>de</strong>sses imigrantes, nãoduvidamos acreditar que melhor os acautelaria o senhor cônsul se,persuadin<strong>do</strong> os seus infelizes compat<strong>rio</strong>tas a não aban<strong>do</strong>narem um paísque tão hospitaleiramente os recebeu, fizesse sentir ao governo imperialas queixas, fundadas ou não, <strong>de</strong>sses imigrantes que, certamente, nãoseriam <strong>de</strong>satendidas no que parecessem razoáveis.Nem somente <strong>de</strong>viam influir sobre o ânimo <strong>do</strong> senhor cônsul as boasintenções, <strong>de</strong> que lhe não era lícito duvidar, <strong>do</strong> governo imperial e talvezo próp<strong>rio</strong> interesse <strong>de</strong> seus compat<strong>rio</strong>tas para quem não po<strong>de</strong> ser lisonjeira197


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOperspectiva a repatriação para um país <strong>de</strong> que, há um ano, julgaramconveniente apartar-se em <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> novas condições <strong>de</strong> existência.Razões <strong>de</strong> outra or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>viam ser parte para que o senhor LennonHunt, evitan<strong>do</strong> uma odiosa e pouco verda<strong>de</strong>ira referência aos nossoscostumes, procurasse numa ação combinada com o governo o remédioadapta<strong>do</strong> à situação <strong>de</strong> seus infelizes compat<strong>rio</strong>tas.O fato <strong>de</strong> haver-se espalha<strong>do</strong> há menos <strong>de</strong> um mês na colônia <strong>de</strong>Assunguy um falso edital com a assinatura <strong>do</strong> honra<strong>do</strong> senhor BuckleyMatthew tanto menos <strong>de</strong>via ser indiferente ao senhor cônsul no momento<strong>de</strong> resolver-se a convocar os seus compat<strong>rio</strong>tas, quanto o ilustre ministro<strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong> britânica, protestan<strong>do</strong> honradamente contra essa torpefalsificação, reclamou <strong>do</strong> governo imperial a punição <strong>de</strong> quem por ela seachasse em culpa. Des<strong>de</strong> que nesse edital apócrifo se afirmava, <strong>de</strong> parte<strong>de</strong> um eleva<strong>do</strong> agente <strong>do</strong> governo inglês, estar no ancora<strong>do</strong>uro <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong>Janeiro um vapor <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> ao transporte gratuito <strong>do</strong>s colonos inglesesque <strong>de</strong>sejassem repatriar-se, e outros auxílios lhe eram assegura<strong>do</strong>s, justoescrúpulo <strong>de</strong>via aconselhar o senhor cônsul a não praticar um ato que,a espíritos menos refleti<strong>do</strong>s, pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>nunciar alguma ligação <strong>de</strong>stecom aquele acontecimento. Razão era esta tanto mais digna <strong>de</strong> não ser<strong>de</strong>sprezada quanto o aban<strong>do</strong>no da colônia pelos 46 imigrantes em questãofoi manifestamente <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> pelo falso rumor espalha<strong>do</strong> em Assunguyon<strong>de</strong>, entretanto, um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> ingleses, aí estabeleci<strong>do</strong>s aomesmo tempo em que aqueles, vivem felizes e satisfeitos.O aviso <strong>do</strong> senhor cônsul po<strong>de</strong> ainda ter outro alcance que,seguramente, não está em sua intenção. A coincidência <strong>de</strong>ste fato como da publicação <strong>de</strong> apaixona<strong>do</strong>s panfletos e outros escritos, que se têmvisto circular na <strong>imprensa</strong> europeia, e em que se procura <strong>de</strong>sviar <strong>do</strong>Brasil a imigração inglesa para atraí-la às colônias britânicas, po<strong>de</strong>revelar uma certa cumplicida<strong>de</strong> nessa injustificável propaganda que nãorecua diante <strong>de</strong> nenhum meio para expor-nos aos olhos da Europa comoum país em que colonos têm si<strong>do</strong> obriga<strong>do</strong>s a ven<strong>de</strong>r os filhos, em que,como diz Jacaré-Assu, a casa <strong>do</strong> cidadão não é um asilo inviolável e ocrime, segun<strong>do</strong> os speechs of senator Pompeu, é no maior número <strong>de</strong>casos acoroçoa<strong>do</strong> pela autorida<strong>de</strong>.Viven<strong>do</strong> entre nós, e ten<strong>do</strong> provavelmente aprendi<strong>do</strong> a fazer-nos ajustiça que nos recusam alguns <strong>de</strong> seus compat<strong>rio</strong>tas, o senhor LennonHunt não se prestará, nós o cremos, a servir a uma tal propaganda.198


ARTIGOS DE IMPRENSAO ato <strong>do</strong> senhor cônsul é ainda por outro la<strong>do</strong> inconveniente.Não ten<strong>do</strong> instruções <strong>de</strong> seu governo para promover a repatriação <strong>de</strong>compat<strong>rio</strong>tas que, com razão ou sem ela, <strong>de</strong>sejam aban<strong>do</strong>nar as nossascolônias, e não a po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> exigir <strong>do</strong> governo imperial que a isto nãose sentiria obriga<strong>do</strong> por nenhuma razão, o senhor Lennon Hunt tentafirmar um prece<strong>de</strong>nte que po<strong>de</strong> ter <strong>de</strong>sagradáveis consequências, dan<strong>do</strong>azo a que súditos ingleses em iguais condições, isto é, colonos ociosose pouco morigera<strong>do</strong>s, se julguem no direito <strong>de</strong> exigir <strong>do</strong>s agentes <strong>de</strong> suamajesta<strong>de</strong> britânica os meios <strong>de</strong> repatriação logo que a pretendam.Há aliás nesta corte um representante <strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong> britânicaacredita<strong>do</strong> junto ao governo imperial. A iniciativa que tomou o senhorcônsul, provavelmente sem consulta <strong>do</strong> honra<strong>do</strong> senhor BuckleyMatthew, envolve uma certa <strong>de</strong>scortesia para com aquele primeiroagente <strong>do</strong> governo britânico.O caráter oficial <strong>do</strong> aviso <strong>do</strong> senhor cônsul imprime a esse <strong>do</strong>cumentouma importância que lhe não atribuiríamos se o senhor Lennon Huntse houvera limita<strong>do</strong> a invocar a filantropia <strong>de</strong> seus compat<strong>rio</strong>tas emfavor <strong>do</strong>s infelizes imigrantes. A colônia portuguesa <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiromantém hospitais e numerosas associações humanitárias, sem que estenaturalíssimo fato nos pareça ofensivo ao Brasil. Alemães, italianos,franceses e até ingleses mantém instituições <strong>de</strong> igual natureza, e ninguémainda viu nelas alguma coisa <strong>de</strong>sfavorável ao caráter brasileiro.Mas o senhor Lennon Hunt não apelou somente para a filantropia<strong>de</strong> seus concidadãos; fê-lo em caráter oficial, datan<strong>do</strong> o seu anúncio <strong>do</strong>consula<strong>do</strong> britânico, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então assumiu uma certa responsabilida<strong>de</strong>quer perante o governo <strong>do</strong> Brasil quer perante o ministro <strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong>britânica a quem não <strong>de</strong>via antecipar-se.Isto compreen<strong>de</strong>ram bem os ilustres convida<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>putan<strong>do</strong> <strong>de</strong> seuseio uma comissão, segun<strong>do</strong> nos <strong>de</strong>claram em anúncio hoje publica<strong>do</strong>no Jornal <strong>do</strong> Commercio, para consultar o honra<strong>do</strong> ministro <strong>de</strong> suamajesta<strong>de</strong> britânica sobre os meios <strong>de</strong> prover as futuras necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>igual natureza.Ainda sabemos pelo mesmo anúncio que, com o fim <strong>de</strong> proporcionaraos imigrantes em questão, a suas mulheres e filhos, passagem para aInglaterra, ficam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já abertas listas <strong>de</strong> subscrição em cada um <strong>do</strong>sbancos ingleses estabeleci<strong>do</strong>s nesta cida<strong>de</strong>.Este ato ou estes atos po<strong>de</strong>m ser vistos sob <strong>do</strong>is aspectos.199


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOComo rasgo filantrópico não há senão que aplaudi-lo, e os nossosvotos mais ar<strong>de</strong>ntes juntam-se aos <strong>do</strong>s honra<strong>do</strong>s autores <strong>do</strong> novo anúnciopara que o resulta<strong>do</strong> da subscrição corresponda ao aparato com que vaisen<strong>do</strong> promovida.Trate-se embora <strong>de</strong> súditos ingleses que buscam na repatriação nãoo remédio a verda<strong>de</strong>iros males mas um novo meio <strong>de</strong> tentar fortuna aque não fizeram direito pelos hábitos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, economia e trabalho, afilantropia não é menos um louvável sentimento.Se, porém, há neste ato a intenção <strong>de</strong> elevar um protesto contrao governo <strong>do</strong> Brasil, e o mo<strong>do</strong> pelo qual se <strong>de</strong>sempenha <strong>do</strong>s seuscompromissos em fato <strong>de</strong> colonização, nada é mais injusto.Sem recordar que aos imigrantes em questão se proporcionouterras bem situadas, e com elas to<strong>do</strong>s os auxílios indispensáveis aoprimeiro estabelecimento <strong>de</strong> colonos; sem recordar que muitos <strong>de</strong>seus companheiros estão em Assunguy assiduamente emprega<strong>do</strong>s emdiversos misteres, e mostran<strong>do</strong>-se satisfeitos; sem recordar que essepunha<strong>do</strong> <strong>de</strong> imigrantes <strong>de</strong>ixou na colônia, um fato este bem averigua<strong>do</strong>,a mais triste reputação; cumpre insistir num ponto <strong>de</strong> maneira a apartartodas as dúvidas.O governo <strong>do</strong> Brasil não somente não se comprometeu por nenhumato a fazer repatriar imigrantes, como nenhuma obrigação tem <strong>de</strong> fazê-lo.Em um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> contratos, e provavelmente nos queassinaram os imigrantes em questão, está esta cláusula claramente<strong>de</strong>finida.É certo que o governo tem dispensa<strong>do</strong> aos imigrantes <strong>de</strong> todas asprocedências favores a que se não obrigou. Assim é que, permitin<strong>do</strong> aosimigrantes, e a alguns já estabeleci<strong>do</strong>s, o fixar-se por uma livre escolhaem qualquer das colônias <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>, facilitan<strong>do</strong>-lhes transporte eministran<strong>do</strong>-lhes habitação, alimento, vestuá<strong>rio</strong> e cuida<strong>do</strong>s médicosdurante os intervalos da remoção <strong>de</strong> um para outro estabelecimentocolonial, o governo tem feito mais, talvez muito mais, <strong>do</strong> que <strong>de</strong>vera.Atento às queixas e reclamações <strong>do</strong>s colonos com um cuida<strong>do</strong> to<strong>do</strong>particular, o governo os tem como sob generosa tutela.Aqui mesmo na corte <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> há uma hospedaria, que o senhorcônsul inglês não per<strong>de</strong>ria em visitar, on<strong>de</strong> os imigrantes em trânsito sãoaloja<strong>do</strong>s e alimenta<strong>do</strong>s por conta <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> até que tenham <strong>de</strong>stino paraa colônia que preferem.200


ARTIGOS DE IMPRENSAOs recém-chega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunguy aí encontrariam, e ainda po<strong>de</strong>mencontrar, todas as necessárias acomodações e conforto indispensável àvida, se não se obstinassem em buscar na repatriação o que lhes parece serremédio a males que eles próp<strong>rio</strong>s procuraram, aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> o trabalho.Num país em que 40.000 imigrantes vivem felizes no Rio Gran<strong>de</strong><strong>do</strong> Sul, 20.000 em Santa Catarina, não po<strong>de</strong> faltar trabalho na vastaextensão <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> para 46 ingleses a quem se <strong>de</strong>ixa a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>escolher qualquer <strong>de</strong> nossas colônias para aí fundar residência.No dia em que estes 46 imigrantes anunciassem a sua intenção <strong>de</strong>transportar-se para algum ponto <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> em <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> trabalho, nãose sentiriam aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s da solicitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> governo. Dar-lhes-ia o que anenhum outro já se recusou; a saber, alojamento, roupa, alimentação, ecuida<strong>do</strong>s médicos!O que <strong>de</strong>bal<strong>de</strong> se preten<strong>de</strong>ria, é que o governo dispensasse taisfavores a um grupo mais ou menos numeroso <strong>de</strong> imigrantes que insistempela repatriação.Se a colônia <strong>de</strong> Assunguy para que foram manda<strong>do</strong>s, há cerca <strong>de</strong>um ano, não lhes parece oferecer as <strong>de</strong>sejáveis condições <strong>de</strong> trabalho,e <strong>de</strong> vida pacífica, regular e labo<strong>rio</strong>sa, impossível é admitir que as nãoencontrem em alguma outra colônia <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> on<strong>de</strong> há antiguíssimas[sic], prósperas e produzin<strong>do</strong> os melhores resulta<strong>do</strong>s.Esta mesma colônia <strong>de</strong> Assunguy, que o senhor cônsul Lennon Huntseguramente não conhece, reúne tais condições.Não se diga pois, nem se ajuíze entre estranhos que a filantropia<strong>do</strong>s súditos britânicos resi<strong>de</strong>ntes na corte <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> teve necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> substituir-se aos <strong>de</strong>svelos até paternais que o governo imperial,distribuin<strong>do</strong> aos imigrantes morigera<strong>do</strong>s e labo<strong>rio</strong>sos, não po<strong>de</strong>riadispensar a um grupo <strong>de</strong> turbulentos e ociosos sem <strong>de</strong>sviar <strong>de</strong> seu natural<strong>de</strong>stino as verbas <strong>de</strong>cretadas ao serviço da colonização.A vagabundagem, sen<strong>do</strong> um crime pela legislação <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>, nãopo<strong>de</strong>ria encontrar um certo mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> cumplicida<strong>de</strong> no governo <strong>do</strong> país.Nós temos carida<strong>de</strong> oficial organizada, é certo; mas ela é submetidaa regras, à disciplina, e não po<strong>de</strong> ser indistintamente aplicada a homensvigorosos que não têm pão porque recusam trabalho.***201


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO52) A NaçãoJornal político e comercialAno III, número 14, segunda-feira, 19 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1874ColonizaçãoPor melhores intenções que presidam ao serviço da colonização,é humanamente impossível evitar que, <strong>de</strong>ntre milheiros <strong>de</strong> colonos <strong>de</strong>diferentes nacionalida<strong>de</strong>s e classes, alguns não se encontrem que, aocabo <strong>de</strong> uma longa ou curta experiência, <strong>de</strong>sejem repatriação.Nenhum fato é o mais explicável.Um colono não é invariavelmente um homem labo<strong>rio</strong>so, pacífico eresigna<strong>do</strong>. Toda a solicitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> um governo bem intenciona<strong>do</strong> não seriabastante para converter em indivíduos úteis os que atrai para o país atítulo <strong>de</strong> colonos. Se os há, e <strong>de</strong>stes é o maior número, que se ligam àterra que se lhes distribui, e pe<strong>de</strong>m ao trabalho e aos hábitos <strong>de</strong> economiaas condições <strong>de</strong> bem-estar a que po<strong>de</strong>m legitimamente aspirar, não sãoraros os que, <strong>de</strong>siludi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> encontrar por toda parte veias <strong>de</strong> ouro, e<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> má ín<strong>do</strong>le ou perverti<strong>do</strong>s pelos vícios, dão o triste exemplo<strong>de</strong> tentar com a repatriação uma fortuna que lhes é avara.Este naturalíssimo fenômeno não po<strong>de</strong> parecer estranho aos queprocuram tirar <strong>de</strong> fatos <strong>de</strong> igual natureza algum possível argumentocontra a imigração para o Brasil.O que a estes restaria indagar, se nisto andassem <strong>de</strong> boa fé, é se osistema a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pelos governos para fixar os imigrantes correspon<strong>de</strong> ounão às promessas com que se os procura atrair.Agrupar fatos isola<strong>do</strong>s, que por nenhuma relação se pren<strong>de</strong>m entresi e a nenhuma causa geral po<strong>de</strong>m ser atribuí<strong>do</strong>s, para <strong>de</strong>les concluircontra um sistema <strong>de</strong> colonização, é um grosseiro processo que não fariahonra a espíritos práticos.Em toda parte on<strong>de</strong> a colonização se opera em uma certa escala,fatos mais ou menos lamentáveis têm si<strong>do</strong> observa<strong>do</strong>s.Há quem, aqui como na Europa, tente estabelecer uma injustapreferência sobre o Brasil em favor <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s platinos, como a regiãoda América <strong>do</strong> Sul on<strong>de</strong> a imigração europeia encontra mais facilida<strong>de</strong>s.Estas facilida<strong>de</strong>s a tal ponto tem si<strong>do</strong> exageradas que, não há ainda202


ARTIGOS DE IMPRENSAmuitos dias, o correspon<strong>de</strong>nte especial <strong>de</strong> Roma para o Times nãoduvi<strong>do</strong>u escrever que, em gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à ascendência que sobreas raças infe<strong>rio</strong>res da Espanha e da América Espanhola exerceram estesprimeiros precursores da imigração italiana que se chamavam Garibaldi,Fauti, Cialdini e outras vítimas das perseguições políticas da primeiraparte <strong>do</strong> século. Uruguai e Buenos Aires quase po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>radascolônias da Itália. Nem só o comércio e a indústria <strong>de</strong>ssa parte daAmérica, acrescenta o correspon<strong>de</strong>nte, são italianos; até a políticadaqueles Esta<strong>do</strong>s foi monopolizada in great measure por antigos colonositalianos entre os quais os recém-chega<strong>do</strong>s vão encontrar hábitos, i<strong>de</strong>ias,interesses e aspirações idênticas.Os que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m esta preferência não tardarão a invocar como umnovo argumento o número <strong>de</strong> imigrantes entra<strong>do</strong>s em 1873 nos portosdas duas repúblicas que, segun<strong>do</strong> La Nación <strong>de</strong> 6 <strong>do</strong> corrente, foi <strong>de</strong>48.382 no <strong>de</strong> Buenos Aires e <strong>de</strong> 27.850 por via <strong>de</strong> Montevidéu.Eis aí um país, a República Argentina, dir-se-á, que por tais resulta<strong>do</strong>sfirma a sua supe<strong>rio</strong>rida<strong>de</strong> em fato <strong>de</strong> colonização sobre o Brasil.Não sen<strong>do</strong> o nosso fim explicar neste momento um tal fenômeno,contentamo-nos em recordar que, se as repúblicas <strong>do</strong> Prata têmconsegui<strong>do</strong> atrair uma tal corrente <strong>de</strong> imigrantes, a história <strong>de</strong> suacolonização não é isenta das supostas máculas que se anda aí a explorarcontra o Brasil.Contra os 27.850 imigrantes entra<strong>do</strong>s em 1873 no territó<strong>rio</strong> daConfe<strong>de</strong>ração por via <strong>de</strong> Montevidéu, saíram no mesmo perío<strong>do</strong> 18.236,fican<strong>do</strong> apenas 9.614.Os últimos jornais platinos que temos à vista clamam contra o rigorquarentená<strong>rio</strong> exerci<strong>do</strong> a respeito <strong>de</strong> imigrantes recém-chega<strong>do</strong>s, aquem o governo tem recusa<strong>do</strong> até a alimentação durante os dias em quesão obriga<strong>do</strong>s, por força maior, a ficarem priva<strong>do</strong>s <strong>de</strong> trabalho.A este respeito, escreve o Siglo <strong>de</strong> 4 <strong>do</strong> corrente as seguintes<strong>do</strong>lorosas reflexões:É sabi<strong>do</strong> que a gran<strong>de</strong> maioria da imigração europeia que aporta às nossas plagascompõe-se <strong>de</strong> gente <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> fortuna e <strong>de</strong> recursos. A carência <strong>de</strong> meios <strong>de</strong>subsistência e o natural e legítimo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> melhorar <strong>de</strong> sorte pelo trabalho, sãoas causas que induzem os imigrantes a aban<strong>do</strong>nar a terra em que <strong>de</strong>scansam osossos <strong>de</strong> seus pais e em que viram correr os dias risonhos <strong>de</strong> sua infância.203


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOAs cartas <strong>de</strong> seus parentes e amigos lhes dizem que há aqui uma terra on<strong>de</strong> aconcorrência, relativamente reduzida <strong>de</strong> braços, obriga o capital a ser mais liberalno pagamento <strong>do</strong> salá<strong>rio</strong>.Chegam aqui; e se no país <strong>de</strong> sua procedência grassava alguma enfermida<strong>de</strong>epidêmica, ou se durante a travessia tocam no Brasil, on<strong>de</strong> são tão frequentes,conduzem-nos ao lazareto e aí ficam sujeitos a observação por um certo número<strong>de</strong> dias.Porém, durante esses dias, os quarentená<strong>rio</strong>s têm que pagar a importância <strong>de</strong> seusustento e hospedagem; e a maior parte não os po<strong>de</strong> pagar.Enquanto uns pu<strong>de</strong>ram com gran<strong>de</strong> custo obter a importância <strong>de</strong> sua passagem,outros há a quem foi preciso adiantá-la e estes contam com o trabalho para resgataresta dívida.Entretanto, o prove<strong>do</strong>r <strong>do</strong> lazareto não po<strong>de</strong> eximir-se a cobrar <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s osquarentená<strong>rio</strong>s o pagamento <strong>de</strong> sua hospedagem.O que resulta da absoluta impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pagar em que muitos se veem é umalastimosa consequência; a saber, o embargo das miseráveis bagagens <strong>do</strong>s pobresquarentená<strong>rio</strong>s.Causa profunda compaixão ver <strong>de</strong>sembarcar esses infelizes, com seus vesti<strong>do</strong>ssujos e maltrata<strong>do</strong>s, e sem po<strong>de</strong>r substituí-los por se lhes ter embarga<strong>do</strong> o baú emque trazem a pobre e escassa roupa.Tais são os fatos que frequentemente presenciamos.Porém já que <strong>de</strong>sgraçadamente aparecem nestas regiões epi<strong>de</strong>mias outrora<strong>de</strong>sconhecidas, procuremos que o imigrante não encontre um acolhimentoinospitaleiro e <strong>de</strong>sconsola<strong>do</strong>r que o faça pisar em <strong>de</strong>salento a terra em que contavamelhorar <strong>de</strong> condição.Não são razões <strong>de</strong> estrita justiça e <strong>de</strong> direito as que invocamos para pedir ao governoque in<strong>de</strong>nize as <strong>de</strong>spesas que fazem no lazareto os quarentená<strong>rio</strong>s que não têm meios<strong>de</strong> pagá-las, mas sim consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> conveniência pública.204


ARTIGOS DE IMPRENSASe o governo não pu<strong>de</strong>sse acudir a estas <strong>de</strong>spesas, não vacilaríamos em recomendara execução <strong>do</strong> pensamento, que ouvimos ao diretor <strong>do</strong> Telégrafo Marítimo, e é o<strong>de</strong> uma subscrição promovida entre to<strong>do</strong>s sem distinção <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>s, comque se pu<strong>de</strong>sse aten<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>spesa que indicamos.Sem o propósito <strong>de</strong> comentar o lamentável fato que estas nobrespalavras suscitou ao Siglo, não po<strong>de</strong>mos eximir-nos a observar queas não leriam <strong>de</strong>bal<strong>de</strong> os que tentam expor-nos aos olhos da Europa,como um país que não oferece à imigração todas as precisas vantagense auxílios.Ainda durante a última epi<strong>de</strong>mia que afligiu o Rio <strong>de</strong> Janeiro, fun<strong>do</strong>uo governo um excelente alojamento fora da cida<strong>de</strong> para receber osimigrantes em trânsito, conseguin<strong>do</strong>-se <strong>de</strong>sta arte, com gran<strong>de</strong> proveito,preservá-los <strong>do</strong> contato epidêmico.Enquanto os imigrantes recém-chega<strong>do</strong>s aos portos platinos veemsereduzi<strong>do</strong>s à situação que o Siglo <strong>de</strong>screve, os que chegam ao Brasilsão recolhi<strong>do</strong>s a aposentos cômo<strong>do</strong>s, alimenta<strong>do</strong>s e vesti<strong>do</strong>s à custa <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong>, ministran<strong>do</strong>-se-lhes transporte gratuito para a colônia em que<strong>de</strong>sejam fixar-se, e on<strong>de</strong> vão encontrar terras <strong>de</strong>marcadas, instrumentos<strong>de</strong> trabalho e os meios <strong>de</strong> vida indispensáveis aos que os não têm.Não ven<strong>do</strong> um perigo para o Brasil na imigração que corre parao Prata, ainda recordaremos que, sob o governo <strong>do</strong> senhor Sarmiento,o encarrega<strong>do</strong> <strong>de</strong> negócios da Grã-Bretanha na República Argentinateve <strong>de</strong> manter com o governo <strong>de</strong> Buenos Aires uma <strong>de</strong>sagradabilíssimadiscussão sobre interesses, que se diziam ofendi<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> imigrantesingleses.Estes, e um sem número <strong>de</strong> fatos que po<strong>de</strong>ríamos invocar, provamexuberantemente que nada é mais iníquo <strong>do</strong> que essa propaganda queprocura <strong>de</strong>sacreditar a história da colonização brasileira.O que se dá entre nós, dá-se em toda parte.É averigua<strong>do</strong>, entretanto, que o governo <strong>do</strong> Brasil por nenhum outrose <strong>de</strong>ixou ainda exce<strong>de</strong>r na sincerida<strong>de</strong> <strong>do</strong> empenho com que procuraatrair a imigração e nos favores que lhe conce<strong>de</strong>.Não há mesmo um país em que o colono recém-chega<strong>do</strong> se sintaro<strong>de</strong>a<strong>do</strong> <strong>de</strong> melhores condições <strong>de</strong> existência.Po<strong>de</strong> causar uma certa impressão a subscrição que está aberta nosbancos ingleses para dar passagem a 46 colonos envia<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunguy.205


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOArgumentar-se-á tanto mais com este fato quanto houve uma <strong>imprensa</strong>brasileira que não duvi<strong>do</strong>u recordar, ao ser conheci<strong>do</strong> o edital <strong>do</strong> senhorLennon Hunt, que, dias antes, um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> imigrantes alemãestinha si<strong>do</strong> vistos à porta <strong>do</strong> consula<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta nacionalida<strong>de</strong> no esta<strong>do</strong>mais <strong>de</strong>plorável <strong>de</strong> miséria.O que, porém, não se sabe ou finge-se ignorar é que, a estes como aaqueles imigrantes, a polacos como a ingleses, foram concedi<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>squantos favores são <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r a tais hóspe<strong>de</strong>s.Os 46 recém-vin<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunguy aban<strong>do</strong>naram terras situadasem uma colônia próspera on<strong>de</strong> 1.550 imigrantes, franceses, ingleses,alemães, belgas, suíços e brasileiros, empregam-se na cultura da cana,<strong>do</strong> milho, feijão, araruta, fumo e café, fabricam aguar<strong>de</strong>nte, açúcar efarinha e, se o preferem, são chama<strong>do</strong>s segun<strong>do</strong> sua aptidão ao serviçoda abertura <strong>de</strong> estradas e ao exercício <strong>de</strong> artes.A colônia <strong>de</strong> Assunguy, ten<strong>do</strong> 35 casas além <strong>de</strong> outras em construçãoadiantada, mantém <strong>do</strong>is hotéis, 2 padarias e 4 casas <strong>de</strong> negócio bemsortidas. Além da habitação <strong>de</strong>stinada ao diretor, há na colônia 1 igreja,1 espaçoso armazém recentemente construí<strong>do</strong>, 1 gran<strong>de</strong> galpão com 12e outro com 4 salas, <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s ambos a dar agasalho aos imigrantesrecém-chega<strong>do</strong>s, 1 olaria, 1 farmácia, 1 enfermaria, 2 escolas públicas<strong>de</strong> língua nacional e 1 <strong>de</strong> língua alemã.A <strong>de</strong>spesa realizada com a colônia elevou-se <strong>de</strong> agosto a <strong>de</strong>zembro<strong>do</strong> último ano a 84:307$778.Boa parte <strong>de</strong>sta soma foi <strong>de</strong>spendida na alimentação <strong>de</strong> colonos que,em geral, são manti<strong>do</strong>s por conta <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> durante seis e mais meses,ou enquanto não po<strong>de</strong>m viver pelo fruto <strong>de</strong> seu trabalho. Deste númeroeram em <strong>de</strong>zembro último 242 ingleses a quem se distribui dia por diaalimentação regular.Depen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> em gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> estradas o futuro da colônia, temsi<strong>do</strong> este nos últimos tempos o objeto <strong>do</strong>s assíduos cuida<strong>do</strong>s <strong>do</strong> diligentediretor. Um caminho <strong>de</strong> 16 quilômetros comunica já a colônia com abarra <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Turvo <strong>de</strong> on<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ramificar-se para Castro e Jaguariaíva,por excelentes terras ainda <strong>de</strong>sertas; e tais facilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vem resultar<strong>de</strong>sta nova estrada que fazen<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> Jaguariaíva oferecem-se a fazera sua custa 44 quilômetros, <strong>de</strong> maneira a ligar no mais curto prazo essaimportante localida<strong>de</strong>, que tem uma população <strong>de</strong> 12.000 almas, àestrada <strong>de</strong> rodagem já principiada.206


ARTIGOS DE IMPRENSASó o Assunguy, diz um relató<strong>rio</strong> ainda ontem publica<strong>do</strong> no Diá<strong>rio</strong>Oficial, po<strong>de</strong>rá fazer muitas colônias, que para isto em boas e bastantesterras; oxalá viessem bons colonos e trabalha<strong>do</strong>res; o clima é excelente.Tal é, entretanto, a colônia <strong>de</strong> on<strong>de</strong> chegam pedin<strong>do</strong> a repatriação os46 súditos ingleses que o senhor Lennon Hunt teme ver morrer <strong>de</strong> fomenas ruas <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, e em favor <strong>do</strong>s quais se abre em cada umbanco uma lista <strong>de</strong> subscrição.Não tardará, é bem <strong>de</strong> crer, que uma certa parte da <strong>imprensa</strong> europeiase aposse <strong>de</strong>ste fato para o comentar a seu mol<strong>de</strong>.Não vimos, ainda há pouco, escrever-se na Inglaterra achar-sereduzida à escravidão a numerosa família <strong>de</strong> um certo George Bond,faleci<strong>do</strong> <strong>de</strong> febre tifói<strong>de</strong> em Voturevava a 16 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1873?E, todavia, averigua<strong>do</strong> que, faleci<strong>do</strong> George Bond e <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>na orfanda<strong>de</strong> vá<strong>rio</strong>s filhos menores, o presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> São Paulo <strong>de</strong>uimediatamente conhecimento <strong>do</strong> fato ao juiz <strong>de</strong> órfãos, e este, dan<strong>do</strong>lhestutela nas pessoas <strong>de</strong> respeitáveis cidadãos, lhes entregou para osfins da educação.Num sensato jornal que se publica em Londres, the Brazil and RiverPlata Mail <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, fez-se justiça a esta caluniosa versãocom que se tentou <strong>de</strong>sonrar-nos aos olhos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.É uma igual justiça que temos direito a esperar, assim <strong>do</strong> senhorLennon Hunt, como e principalmente <strong>do</strong> honra<strong>do</strong> senhor BuckleyMatthew.Cumpre, entretanto, que o ilustre senhor ministro da Agriculturaprocure fazer dissipar pelos meios da publicida<strong>de</strong> a má impressão que ofato da subscrição po<strong>de</strong> causar na Europa, envian<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já aos nossosagentes uma exposição <strong>do</strong> acontecimento, e habilitan<strong>do</strong>-os a fazê-lacircular na <strong>imprensa</strong>.Nós confiamos <strong>do</strong> zelo <strong>de</strong> sua excelência que os nossos créditos nãosofram na Europa por um fato que não po<strong>de</strong> em boa razão ser invoca<strong>do</strong>contra a colonização brasileira.***207


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO53) A NaçãoJornal político e comercialAno III, número 17 quarta-feira, 21 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1874Imigração“Temos uma liga consular contra o impé<strong>rio</strong>; é um verda<strong>de</strong>irobloqueio moral que, pelo <strong>de</strong>scrito e pela humilhação, fecha os portos <strong>do</strong>nosso país à imigração estrangeira.”Tais foram as primeiras palavras com que um <strong>do</strong>s órgãos da <strong>imprensa</strong>diária <strong>de</strong>sta corte fez acompanhar a transcrição <strong>do</strong> seguinte anúncio queo senhor cônsul <strong>do</strong> impé<strong>rio</strong> alemão publicou pelo Jornal <strong>do</strong> Commercio:Consula<strong>do</strong> <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> AlemãoConvida-se encarecidamente os alemães estabeleci<strong>do</strong>s no Rio <strong>de</strong> Janeiro acomparecerem no salão da “Germânia”, segunda-feira 19 <strong>de</strong> janeiro, ao meiodia,a fim <strong>de</strong> se <strong>de</strong>liberar e resolver sobre os meios <strong>de</strong> se proteger os imigrantesalemães que se acham no Rio <strong>de</strong> Janeiro sem teto e famintos.Rio <strong>de</strong> Janeiro, 18 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1874 - Hermann Haupt, cônsul.Não há, com efeito, uma gran<strong>de</strong> diferença entre o anúncio <strong>do</strong> senhorLennon Hunt; somente o <strong>do</strong> senhor Hermann Haupt não parece tomar-se<strong>do</strong> terror <strong>de</strong> ver os seus compat<strong>rio</strong>tas morrerem <strong>de</strong> fome nas ruas <strong>do</strong> Rio<strong>de</strong> Janeiro.Se não é, portanto, uma liga consular que se forma contra o Impé<strong>rio</strong>,eis aí pelo menos acontecimentos que não po<strong>de</strong>m ser vistos sem pesar.Exagera<strong>do</strong> como é o dizer-se que estes anúncios constituem um bloqueiomoral com o alcance previsto pelo órgão ultra<strong>de</strong>mocrático, é justo nãolhes recusar uma certa influência, que po<strong>de</strong> ser até um certo ponto fatalaos interesses da colonização brasileira.Vê se que, se não encaremos, também não disfarçamos a gravida<strong>de</strong><strong>de</strong>stes <strong>do</strong>is fatos.Nem porque tais acontecimentos se nos afiguram explicáveis pelaor<strong>de</strong>m natural das coisas, os lamentamos menos profundamente.208


ARTIGOS DE IMPRENSANo momento em que o governo <strong>do</strong> país revela a mais ativa e sincerapreocupação por este ramo <strong>do</strong> serviço, é verda<strong>de</strong>iramente <strong>do</strong>loroso assistira essas reuniões convocadas pelos consula<strong>do</strong>s, às quais evi<strong>de</strong>ntementepresi<strong>de</strong> um pensamento <strong>de</strong>sfavorável ao nosso sistema <strong>de</strong> colonização.Porém mais <strong>do</strong>loroso é ainda que um jornal que se publica noBrasil, ao mesmo tempo em que invectiva outro órgão da <strong>imprensa</strong> porter entrega<strong>do</strong> à circulação os avisos consulares, lhes tenha ajunta<strong>do</strong>reflexões como estas:Ao país causa-se um gran<strong>de</strong> prejuízo; mas não supomos que se lhe inflija a mínimaofensa, pela razão muito simples <strong>de</strong> que o povo brasileiro não tem a obrigação <strong>de</strong>sustentar os colonos ou imigrantes engaja<strong>do</strong>s pelo governo, sob a fé <strong>de</strong> contratossolenes a que o mesmo governo falta com tanta <strong>de</strong>sumanida<strong>de</strong> quanto inépcia.Enquanto vigorar no Brasil o regime monárquico não há mais esperança <strong>de</strong>imigração!Eis o que dizem eloquentemente os anúncios afrontosos <strong>do</strong>s senhores cônsulesestrangeiros!O Brasil <strong>de</strong>ve refletir sobre isto.O que esses anúncios <strong>de</strong>nunciam é a incapacida<strong>de</strong> e a má fé <strong>do</strong> governo imperial.O jornal, que estas impensadas linhas escreveu, tinha dias antesdirigi<strong>do</strong> a um ministro <strong>de</strong>sse mesmo regime, sob o qual não há maisesperança <strong>de</strong> imigração, palavras <strong>de</strong> ar<strong>de</strong>nte louvor pela i<strong>de</strong>ia, iniciadasob este mesmo governo incapaz e inepto, <strong>de</strong> constituir núcleos coloniaisà margem das nossas estradas <strong>de</strong> ferro!Aon<strong>de</strong> vai a coerência <strong>de</strong>sse órgão da <strong>imprensa</strong>!Mas, o que é digno <strong>de</strong> ser nota<strong>do</strong>! Des<strong>de</strong> o momento em que <strong>do</strong>isagentes <strong>de</strong> governos estrangeiros se mostram em uma atitu<strong>de</strong> até certo pontoofensiva ao Brasil e aos seus costumes, esse jornal <strong>de</strong>leita-se em escreverque <strong>de</strong> muito tempo acreditam os brasileiros haver <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong> empenho oficialem afastar toda e qualquer imigração que não seja a portuguesa.As colônias que vemos fundadas e mantidas pelo Esta<strong>do</strong> à custa<strong>de</strong> incessantes sacrifícios; os contratos celebra<strong>do</strong>s com prêmios mais209


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOou menos vantajosos; as <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> mil contos que este serviço nostêm custa<strong>do</strong>; nada disto calou no espírito <strong>de</strong>sse órgão <strong>de</strong> todas as máspaixões, que entre estranhos se agitam contra o Brasil, para conter-lhe apena ao escrever aquelas linhas.É por amor da imigração portuguesa que tu<strong>do</strong> isto temos feito! Éa portugueses que o Esta<strong>do</strong> veste, alimenta e cura durante seis e maismeses, antes que possam viver <strong>do</strong> fruto <strong>do</strong> seu trabalho! É por amor<strong>de</strong>ssa espontânea e utilíssima imigração portuguesa que <strong>de</strong>rramamos naEuropa livros, notícias, informações!Mas, como se tanto não bastara, ainda o mesmo jornal brasileiroacrescentou:Ah! Quão diferente é o espetáculo que nos oferecem, sob este ponto<strong>de</strong> vista, as republiquetas <strong>do</strong> sul!Bem diferente espetáculo, é certo enquanto <strong>do</strong>is cônsulesestrangeiros promovem no Brasil uma subscrição para mitigar a sorte <strong>de</strong>um grupo <strong>de</strong> compat<strong>rio</strong>tas, que o governo brasileiro não po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rarpensionistas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>; <strong>de</strong>sfilam pelas ruas <strong>de</strong> Montevidéu, segun<strong>do</strong> oSiglo, numerosos imigrantes cobertos <strong>de</strong> andrajos a quem se fez penhorarno lazareto a escassa roupa para in<strong>de</strong>nização das <strong>de</strong>spesas que aí foramobriga<strong>do</strong>s a fazer durante os dias <strong>de</strong> observação!Aqui se promove uma subscrição para favorecer a imigrantes querecusam trabalho e obstinam-se em não escolher na vasta extensão <strong>de</strong>nosso territó<strong>rio</strong> um ponto em que se fixem; ali é a <strong>imprensa</strong> que se colocaà frente <strong>de</strong> uma subscrição sem distinção <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>s para pouparaos imigrantes um acolhimento inospitaleiro.Enquanto os imigrantes recém-chega<strong>do</strong>s ao Brasil são recolhi<strong>do</strong>sa uma hospedaria, on<strong>de</strong> nada lhes falta <strong>do</strong> que é indispensável aoconforto da vida, e interna<strong>do</strong>s em nossas colônias são aí mantidaspor conta <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> até que possam viver <strong>de</strong> seu trabalho, receben<strong>do</strong>terras, instrumentos <strong>de</strong> trabalho e o mais que é necessá<strong>rio</strong> aoprimeiro estabelecimento, os imigrantes que chegam ao <strong>rio</strong> daPrata pagam com a sua bagagem, ou com as últimas moedas quelhes não consumiu a viagem, a impertinente observação a que sãosubmeti<strong>do</strong>s!Ainda hoje refere a correspondência <strong>de</strong> Buenos Aires para oJornal <strong>do</strong> Commercio que, cansada <strong>de</strong> representar contra os abusos eirregularida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s lazaretos quarentená<strong>rio</strong>s, a comissão argentina <strong>de</strong>210


ARTIGOS DE IMPRENSAimigração resolveu pedir <strong>de</strong>missão para to<strong>do</strong>s os seus membros que, dizo correspon<strong>de</strong>nte, não podiam resignar-se a ver assassinar imigrantes.Bem notável diferença, com efeito!Mas a nossa intenção não é ajustar preferências. Houvéramos atépor melhor aconselha<strong>do</strong> não respon<strong>de</strong>r a uma certa or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> reflexões,a que a consciência publica tem-se habitua<strong>do</strong> a fazer a justiça que elasmerecem, se entre elas não sobressaísse uma que, versan<strong>do</strong> sobre fatos,consagra a mais injustificável inexatidão.Leu-se nesse jornal que o governo <strong>do</strong> Brasil falta à fé <strong>do</strong>s contratossolenes, e o faz com tanta <strong>de</strong>sumanida<strong>de</strong> quanta inépcia.Guarda<strong>do</strong>s os convenientes respeitos, que <strong>do</strong>cumentos oficiaisexigem, não tem si<strong>do</strong> outro o pensamento a inspirar as várias reclamações<strong>do</strong>s senhores agentes consulares ao governo imperial.Recusan<strong>do</strong> fé a informações oficiais para atribuí-la com umacomplacente ingenuida<strong>de</strong> a um grupo <strong>de</strong> imigrantes que, aqui mesmo nacorte, <strong>de</strong>u prova <strong>de</strong> seu gênio turbulento, e maus hábitos, pelo espancamento<strong>de</strong> mulheres e pela provocação <strong>de</strong> um conflito dificilmente reprimi<strong>do</strong>o senhor Hermann Haupt acaba <strong>de</strong> ver as suas injustas reclamaçõesconfirmadas por um órgão da <strong>imprensa</strong> publica<strong>do</strong> no Brasil.Nós já recordaremos ao senhor cônsul interino <strong>do</strong> impé<strong>rio</strong> alemão, ea esse jornal brasileiro, que os imigrantes em questão, não contentes <strong>de</strong>recusarem trabalhos que lhes foi ofereci<strong>do</strong> por particulares, recusaramestabelecer-se na colônia <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> que escolhessem, sen<strong>do</strong>-lhesproporciona<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>s auxílios.Parte <strong>de</strong>sses imigrantes vieram da colônia Moniz que acaba <strong>de</strong> servisitada por um comissá<strong>rio</strong> <strong>do</strong> governo, o honra<strong>do</strong> senhor conselheiroAzambuja. O relató<strong>rio</strong> que este ilustre funcioná<strong>rio</strong> está a publicar<strong>de</strong>smente por fatos a falsa narrativa que o senhor Haupt não duvi<strong>do</strong>uacolher tão benevolamente.A colônia Moniz é uma colônia particular. Ainda quan<strong>do</strong> aempresa, que a tem a sua conta, não se <strong>de</strong>sempenhasse com a <strong>de</strong>vidapontualida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s compromissos contraí<strong>do</strong>s para com os imigrantesem questão, fato este contra que protestam as informações <strong>do</strong> senhorconselheiro Azambuja e a existência <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 2.000 imigrantes nessae outras colônias da empresa, muito é explícita é a 4ª cláusula das queacompanham o <strong>de</strong>creto nº 5117 <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1872 para que aogoverno se tente imputar qualquer sorte <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>.211


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOOs imigrantes da colônia Moniz tinham contraí<strong>do</strong> na Europa,mediante contrato, a obrigação que <strong>de</strong>corre da seguinte cláusula:Antes <strong>de</strong> embarcarem, os imigrantes assinarão perante o agente <strong>do</strong> consulad<strong>obras</strong>ileiro, e na sua falta perante a autorida<strong>de</strong> local, <strong>de</strong>claração em duplicata <strong>de</strong>terem conhecimento das condições <strong>do</strong> contrato que celebrarem com os empresá<strong>rio</strong>spara a sua importação no Impé<strong>rio</strong> com cláusula expressa <strong>de</strong> não virem porconta <strong>do</strong> governo imperial, <strong>do</strong> qual, em tempo algum e sob qualquer pretexto,nada po<strong>de</strong>rão reclamar além da proteção que as leis garantem aos estrangeiroslabo<strong>rio</strong>sos e morigena<strong>do</strong>s.É irrecusável que, perante a letra expressa <strong>do</strong> contrato por este mo<strong>do</strong> autentica<strong>do</strong>perante o consula<strong>do</strong> brasileiro, o governo <strong>do</strong> Brasil não houvera falta<strong>do</strong> à fé <strong>de</strong>um pacto solene, entregan<strong>do</strong> os imigrantes a sua própria sorte, tivessem ou nãofundamento as suas reclamações.O governo não lhes <strong>de</strong>via senão a proteção das leis, e essa lhes cumpria invocarnos termos <strong>de</strong> direito, se fosse o caso <strong>de</strong> implorá-la.Mas, embora essas reclamações se houvessem mostra<strong>do</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong> pontoimproce<strong>de</strong>ntes, e por nenhuma obrigação jurídica ou moral <strong>de</strong>vesse prestar auxílioa esses imigrantes, não duvi<strong>do</strong>u o governo fazê-los recolher à hospedaria da Saú<strong>de</strong>e oferecer-lhes estabelecimento em qualquer das colônias <strong>de</strong> Santa Catarina, ouna <strong>de</strong> Santa Maria da Soleda<strong>de</strong>, <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, província on<strong>de</strong> vive feliz eaplicada ao trabalho uma população alemã estimada em 40.000 almas.A este oferecimento respon<strong>de</strong>ram os imigrantes com a mais formal recusa,anuncian<strong>do</strong> a irrevogável intenção <strong>de</strong> repatriarem-se.Todavia, mediante a intervenção <strong>do</strong> senhor Haupt, não duvi<strong>do</strong>u o governocontinuar a alimentá-los por mais alguns dias com a cláusula <strong>de</strong> entregá-los àprópria sorte, se insistirem em não aceitar as propostas da administração.Durante esse novo prazo, teve-se <strong>de</strong> lamentar um <strong>de</strong>sagradável conflito nahospedaria, que começou por espancamentos <strong>de</strong> mulheres e crianças. O governolimitou-se, entretanto, como única medida <strong>de</strong> rigor, a expelir da hospedaria osconheci<strong>do</strong>s cabeças <strong>do</strong> motim.212


ARTIGOS DE IMPRENSARenovaram-se <strong>de</strong>bal<strong>de</strong> oferecimentos por parte <strong>de</strong> pessoas respeitáveis <strong>do</strong>Paraná, da socieda<strong>de</strong> administra<strong>do</strong>ra da colônia <strong>do</strong>na Francisca, e <strong>de</strong> SabinoTripoti, empresá<strong>rio</strong> da colônia “Alexandra” no Paraná, que vai caminhan<strong>do</strong> <strong>de</strong>prosperida<strong>de</strong>, prestan<strong>do</strong>-se o governo a contribuir com valiosos auxílios.Estes oferecimentos encontraram a mesma invariável resposta <strong>de</strong> parte <strong>do</strong>simigrantes entre os quais se dizia, sem reserva, ora que um navio <strong>de</strong> guerra alemãonão tardaria a chegar para repatriar, ora que o senhor Haupt repreen<strong>de</strong>ra o cônsulalemão na Bahia por ter presta<strong>do</strong> uma informação favorável sobre as colônias daempresa Moniz.Este esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> coisas não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> continuar, o governo fez ainda uma tentativa,anuncian<strong>do</strong> aos imigrantes a irrevogável <strong>de</strong>liberação <strong>de</strong> aban<strong>do</strong>ná-los a sua sorte,se recusassem estabelecer-se entre 40.000 <strong>de</strong> seus compat<strong>rio</strong>tas na província <strong>do</strong>Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul.Sabe-se o resulta<strong>do</strong>. Podia o governo proce<strong>de</strong>r <strong>de</strong> outro mo<strong>do</strong>? Corria-lhe qualquerobrigação <strong>de</strong> fornecer meios <strong>de</strong> repatriação a esse punha<strong>do</strong> <strong>de</strong> imigrantes que insistemem recusar trabalho nas melhores condições em que o Esta<strong>do</strong> o po<strong>de</strong> oferecer?Pelo que diz respeito aos imigrantes da colônia Moniz, fica por este mo<strong>do</strong> emevidência que não somente o governo imperial não faltou à fé <strong>de</strong> contratossolenes, como esgotou to<strong>do</strong>s os meios <strong>de</strong> prudência que uma sã política po<strong>de</strong>riaaconselhar-lhe.Quantos aos imigrantes polacos, chega<strong>do</strong>s em maio <strong>de</strong> 1873 à colônia <strong>de</strong> SantaLeopoldina, na província <strong>do</strong> Espírito Santo, aí receberam com os seus 900companheiros os prometi<strong>do</strong>s prazos coloniais. Houve é certo alguma <strong>de</strong>mora nopreparo <strong>de</strong>sses prazos, por isso que a vinda <strong>do</strong>s referi<strong>do</strong>s imigrantes não foraanunciada com a precisa antecedência pelo agente consular que os contratou naEuropa. O governo, porém acudiu com prontas evidências, envian<strong>do</strong> logo umcomissá<strong>rio</strong>, escolhi<strong>do</strong> <strong>de</strong> entre os altos funcioná<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> ministé<strong>rio</strong> da Agricultura,o conselheiro Pinto Cerqueira, aumentan<strong>do</strong> o número <strong>de</strong> agricultores que alitrabalhavam e fornecen<strong>do</strong> dinheiro.Os imigrantes <strong>de</strong> outras procedências lá estão a cultivar as terras que lhesforam distribuídas, e não revelam a intenção <strong>de</strong> aban<strong>do</strong>ná-las. Mas os polacos,213


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOprovocan<strong>do</strong> incessantes conflitos com os imigrantes <strong>de</strong> outra origem, e tão gravesque um <strong>de</strong>les fez-se precisa a intervenção enérgica <strong>do</strong> chefe <strong>de</strong> polícia, fizeram-seimpossíveis na colônia, e o governo não duvi<strong>do</strong>u ace<strong>de</strong>r ao <strong>de</strong>sejo que exprimiam<strong>de</strong> fixar nova residência em outro núcleo colonial, proporcionan<strong>do</strong>-lhes para estefim transporte gratuito para esta corte, on<strong>de</strong> foram agasalha<strong>do</strong>s na hospedaria,vesti<strong>do</strong>s e alimenta<strong>do</strong>s, até que em Santa Maria da Soleda<strong>de</strong> estivessem dispostastodas as condições para que fossem bem recebi<strong>do</strong>s.Prepara<strong>do</strong>s e <strong>de</strong>marca<strong>do</strong>s os lotes coloniais necessá<strong>rio</strong>s, foi-lhes anuncia<strong>do</strong> umprazo <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> qual <strong>de</strong>veriam partir para aquela, ou para outra colônia <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,sob a pena <strong>de</strong> cessar a hospedagem.As circunstâncias que se seguiram são inteiramente análogas às que ficam referidassobre os imigrantes da colônia Moniz.Agora que o fato é conheci<strong>do</strong> em suas particularida<strong>de</strong>s, o espírito público julgaráse o governo rompeu pactos solenes, como aí escreveu, ou se revelou <strong>de</strong> qualquermo<strong>do</strong> a intenção <strong>de</strong> banir <strong>de</strong> nossas plagas esse punha<strong>do</strong> <strong>de</strong> estrangeiros.54) A NaçãoJornal político e comercial***Ano III, número 16, quinta-feira, 22 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1874Missão Pene<strong>do</strong>Um telegrama expedi<strong>do</strong> em 29 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> Roma para Parisanunciou ter si<strong>do</strong> bem sucedi<strong>do</strong> o senhor <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Pene<strong>do</strong> na missão especialjunto ao santo padre, <strong>de</strong> que fora encarrega<strong>do</strong> pelo governo <strong>do</strong> Brasil.Não sen<strong>do</strong> até hoje conheci<strong>do</strong> qualquer ato pontifício, que a SantaSé se reservaria naturalmente o direito <strong>de</strong> fazer chegar ao conhecimento<strong>do</strong> episcopa<strong>do</strong> brasileiro ao mesmo tempo em que ao <strong>do</strong> governo <strong>do</strong>Brasil, inclinamo-nos a crer que aquela notícia, transmitida à últimahora, não terá si<strong>do</strong> acompanhada <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os necessá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong>cumentosque <strong>de</strong>vem conter o resulta<strong>do</strong> daquela missão.214


ARTIGOS DE IMPRENSAAssegurou-nos, entretanto, um ilustre cavalheiro que o senhor<strong>barão</strong> <strong>de</strong> Pene<strong>do</strong> conseguira da Santa Sé uma solução honrosa e noesta<strong>do</strong> atual das coisas satisfatória, ten<strong>do</strong> causa<strong>do</strong> uma justa mágoa aochefe da igreja católica que, mal interpreta<strong>do</strong> o pensamento <strong>do</strong> breveQuamquam Dolores, pu<strong>de</strong>ssem alguns prela<strong>do</strong>s brasileiros ter exerci<strong>do</strong>injustificáveis severida<strong>de</strong>s a respeito <strong>de</strong> institutos religiosos que tantotêm concorri<strong>do</strong> para o esplen<strong>do</strong>r da fé e majesta<strong>de</strong> <strong>do</strong> culto.Perante as reservas que pon<strong>de</strong>rosas circunstâncias naturalmenteimpõem ao governo imperial, começam a surgir conjecturas, mais oumenos fundadas algumas, e outras <strong>de</strong> to<strong>do</strong> ponto inaceitáveis, sobre oêxito <strong>de</strong>ssa missão em que espíritos exalta<strong>do</strong>s ainda insistem em veruma tentativa inútil, uma trivialida<strong>de</strong> diplomática sem provável alcancepara o <strong>de</strong>senlace da questão religiosa.Quan<strong>do</strong> a missão Pene<strong>do</strong> não pu<strong>de</strong>sse ter nenhum outro resulta<strong>do</strong>sobre as relações <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r civil com o po<strong>de</strong>r eclesiástico, ela teria si<strong>do</strong>no esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssas relações uma pru<strong>de</strong>nte e sábia medida <strong>de</strong> incontestávelefeito moral e político. Des<strong>de</strong> que uma certa parte da <strong>imprensa</strong> <strong>do</strong> Brasilcomeçou a distinguir católicos <strong>de</strong> católicos, e a suspeitar a políticareligiosa <strong>do</strong> governo <strong>de</strong> inspirar-se no pensamento <strong>de</strong> uma guerra aocatolicismo, cumpria que, aos protestos mais <strong>de</strong> uma vez afirma<strong>do</strong>sna tribuna e na <strong>imprensa</strong>, juntasse o governo imperial uma provainequívoca, soleníssima, <strong>de</strong> que, não recuan<strong>do</strong> diante <strong>do</strong> emprego <strong>do</strong>smeios legais por manter e salvaguardar os direitos imprescritíveis dasoberania nacional, não era e não podia ser a sua intenção colocar-sena vanguarda <strong>de</strong> algum movimento reator que, como última <strong>de</strong> suasaspirações, po<strong>de</strong>ria chegar à fórmula que Cavour fez célebre: A Igrejalivre no Esta<strong>do</strong> livre.Num país em que a lei fundamental consagra uma religião <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong>, e essa religião é a da gran<strong>de</strong> maioria da nação; num país que, naunida<strong>de</strong> da fé, tem um penhor <strong>de</strong> integrida<strong>de</strong>; não po<strong>de</strong>ria um governosinceramente <strong>de</strong>vota<strong>do</strong> ao bem público, um governo da opinião,conspirar surdamente ou ostensivamente contra os interesses recíprocos<strong>de</strong> <strong>do</strong>is po<strong>de</strong>res que, <strong>do</strong> mútuo respeito e harmonia, só têm a ganhar emforça e em legítima influência.Se outro efeito não fora <strong>de</strong> atribuir-lhe, a missão Pene<strong>do</strong> seria <strong>de</strong>si só um valioso atesta<strong>do</strong> <strong>de</strong> que não é o catolicismo que está em causano Brasil. Não duvidan<strong>do</strong> fazer-se representar por uma missão especial215


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOjunto à corte <strong>de</strong> Roma, o governo <strong>de</strong>ixou no mais distinto relevo opensamento que o tem guia<strong>do</strong> nessa luta em que, tão a seu pesar, sesentiu envolvi<strong>do</strong>.O que foi fazer em Roma, tem-se pergunta<strong>do</strong> com impaciência, osenhor <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Pene<strong>do</strong>? Com mais impaciência pergunta-se hoje: -Qual foi o êxito <strong>de</strong>ssa missão especial?Entre as conjecturas, que menos apartadas nos parecem da verda<strong>de</strong>,sobressai a que tira argumento da inflexibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s princípios<strong>de</strong>fendi<strong>do</strong>s pela Santa Sé para ajuizar que o representante <strong>do</strong> Brasil nãopo<strong>de</strong>ria preten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Sua Santida<strong>de</strong> aquilo mesmo que uma série <strong>de</strong>pontífices, e Pio IX por mais <strong>de</strong> um ato, têm invariavelmente sustenta<strong>do</strong>.A missão Pene<strong>do</strong> não podia versar sobre exclusivos interesses daor<strong>de</strong>m espiritual; o seu objeto não foi certamente questionar <strong>de</strong> bulas,<strong>de</strong> <strong>de</strong>cretos pontifícios, <strong>de</strong> letras apostólicas, <strong>do</strong> <strong>do</strong>gma, da <strong>do</strong>utrina, <strong>de</strong>tu<strong>do</strong> isto em que a igreja tem juízo irrevogavelmente <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>.Seria preten<strong>de</strong>r o impossível.O que o senhor <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Pene<strong>do</strong> teve naturalmente por primeiro <strong>de</strong>seus fins, foi informar o santo padre <strong>do</strong>s verda<strong>de</strong>iros termos da questãoreligiosa <strong>do</strong> Brasil, fazen<strong>do</strong>-o convencer da imprudência com que algunsprela<strong>do</strong>s usaram e abusaram <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong>s cujo exercício é subordina<strong>do</strong>pela nossa legislação a um certo número <strong>de</strong> regras e preceitos.Os que esperassem <strong>do</strong>s termos <strong>de</strong> um acor<strong>do</strong> com a Santa Sé umanova <strong>do</strong>utrina sobre pontos, em que ela nunca transigiu nem po<strong>de</strong>riatransigir, preten<strong>de</strong>riam nada menos <strong>do</strong> que a mais formal contradiçãoentre o santo padre <strong>do</strong>utrinan<strong>do</strong> para a América e o santo padre<strong>do</strong>utrinan<strong>do</strong> para o resto <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.Esta esperança não entrou seguramente nos conselhos que<strong>de</strong>terminaram a missão Pene<strong>do</strong>.Nem o governo podia pedir ao chefe <strong>do</strong> catolicismo que viesseem apoio <strong>de</strong> nossa legislação fundamental e orgânica, ameaçada pelaresistência <strong>do</strong> episcopa<strong>do</strong>, instituin<strong>do</strong>-se por este mo<strong>do</strong> o árbitro <strong>de</strong>direitos da soberania nacional.Seria uma soberania julgan<strong>do</strong> outra, um po<strong>de</strong>r julgan<strong>do</strong> outro po<strong>de</strong>r.A dignida<strong>de</strong> nacional teria sofri<strong>do</strong> um profun<strong>do</strong> golpe no momento emque um possível acor<strong>do</strong> versasse sobre pontos regula<strong>do</strong>s pela lei civil, esobre os quais tão pouco a Igreja ce<strong>de</strong>ria <strong>de</strong> sua <strong>do</strong>utrina como o Esta<strong>do</strong><strong>de</strong> seus direitos. Estes estavam e estão a salvo <strong>de</strong> toda intervenção que216


ARTIGOS DE IMPRENSAnão for ditada pela vonta<strong>de</strong> nacional, legitimamente manifestada elegitimamente exercida.O que podia, pois, preten<strong>de</strong>r a missão Pene<strong>do</strong> ou, antes, o que elaobteve?Tanto quanto nos é da<strong>do</strong> saber, a missão Pene<strong>do</strong> obteve da SantaSé a <strong>de</strong>saprovação das severida<strong>de</strong>s a que se <strong>de</strong>ixou levar uma parte <strong>do</strong>episcopa<strong>do</strong> por um zelo mal entendi<strong>do</strong>.O Brasil viveu muito tempo aparta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s perigos e perturbações<strong>de</strong> lutas religiosas. Uma série ilustre <strong>de</strong> bispos, preclaríssimos alguns eto<strong>do</strong>s fiéis à <strong>do</strong>utrina católica, viu <strong>de</strong>senvolver-se e florescer a fé sob estamesma legislação com que o episcopa<strong>do</strong> se sente hoje em dia oprimi<strong>do</strong>,no meio <strong>de</strong>stes mesmos costumes que são os <strong>de</strong> hoje e foram os <strong>de</strong> to<strong>do</strong>sos tempos, na presença <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s estes elementos sociais em que somenteagora se suspeita um imaginá<strong>rio</strong> perigo.O que faziam os bispos <strong>de</strong> então, é provavelmente o que a Santa Sémanda aos bispos <strong>de</strong> hoje que façam.On<strong>de</strong> aqueles entreviam um perigo mediato ou imediato, combatiamnocom as armas naturais <strong>de</strong> persuasão religiosa; combatiam-nono púlpito, no confessioná<strong>rio</strong>, por to<strong>do</strong>s esses meios próp<strong>rio</strong>s <strong>de</strong> umverda<strong>de</strong>iro apostola<strong>do</strong>. Combatiam-no até na <strong>imprensa</strong>; mas numa<strong>imprensa</strong> altamente moralizada, evangeliza<strong>do</strong>ra, uma nobre <strong>imprensa</strong>,sábia, erudita, uma verda<strong>de</strong>ira <strong>imprensa</strong> religiosa que nunca <strong>de</strong>sceu atéo nível <strong>de</strong>sses imoralíssimos e irritantes papéis que aí andam a explorartodas as ruins paixões, a lançar na socieda<strong>de</strong> toda sorte <strong>de</strong> germes <strong>de</strong>perturbação, a insultar a tu<strong>do</strong> e a to<strong>do</strong>s em nome <strong>do</strong> episcopa<strong>do</strong>, a daro mais hedion<strong>do</strong> exemplo <strong>de</strong> uma <strong>imprensa</strong> <strong>de</strong>sgarrada das normas dasabe<strong>do</strong>ria, da razão e da justiça.Eram bispos os <strong>de</strong> outrora. Mas nunca <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>ceram a or<strong>de</strong>nslegais; nunca <strong>de</strong>sconheceram recursos; nunca se travaram <strong>de</strong> luta como po<strong>de</strong>r civil. Se protestavam em seus mandamentos pastorais, ou empublicações <strong>de</strong> outra natureza, contra o que lhes parecia ser uma invasãoda jurisdição espiritual, faziam-no com extrema mo<strong>de</strong>ração, paciente eresigna<strong>do</strong>s, como bispos que eram, e bispos pie<strong>do</strong>sos que, na propagaçãoda fé, punham to<strong>do</strong> o seu empenho.Estes viveram sob o placet, como Roma sempre viveu com ospaíses católicos que consagraram em sua legislação. Combatiam-no,mas respeitavam-no.217


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOEstes não julgavam menos a maçonaria uma instituição fulminadapor uma série <strong>de</strong> Pontífices. Mas não se conta <strong>de</strong> um só membro <strong>de</strong>ssaassociação que, sob o velho regime episcopal <strong>do</strong> Brasil, fosse <strong>de</strong>clara<strong>do</strong>fora <strong>do</strong> grêmio da Igreja Católica.Estes tinham iguais faculda<strong>de</strong>s aos <strong>de</strong> hoje. Mas, antes <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong>1873, não registram os anais eclesiásticos <strong>do</strong> Brasil uma só interdiçãolançada a uma irmanda<strong>de</strong> ou a uma confraria, como não registram umasó resistência ao po<strong>de</strong>r civil, um só ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>sobediência por parte <strong>de</strong> umbispo a esse po<strong>de</strong>r <strong>do</strong> qual está dito: - per me reges regnant. *A <strong>do</strong>utrina católica não mu<strong>do</strong>u, entretanto, ou pelo menos não <strong>de</strong>veter muda<strong>do</strong>.É a esta antiga situação das relações da Igreja com o Esta<strong>do</strong> que PioIX terá queri<strong>do</strong> voltar.Provocar <strong>de</strong> parte da Santa Sé um ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>saprovação à série <strong>de</strong>medidas violentas com que o episcopa<strong>do</strong> brasileiro julgou <strong>de</strong>ver ferir, nointeresse da fé religiosa, a um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> institutos: era empenhodigno <strong>de</strong> um governo católico.Este fim cremos ter si<strong>do</strong> consegui<strong>do</strong> pelo senhor <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Pene<strong>do</strong>.55) A NaçãoJornal político e comercial***Ano III, número 19 segunda-feira, 26 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1874Nova faseÉ a epígrafe <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> <strong>artigos</strong> que A Reforma vai continuan<strong>do</strong>,e que não podíamos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> tomar na consi<strong>de</strong>ração que merecem,assim pelo assunto como pelo lugar <strong>de</strong> honra que ocupam.A missão Pene<strong>do</strong> afigura-se ao escritor uma tentativa inútil,incompleta e ineficaz.Pensava-se, diz A Reforma, que alguma coisa séria ia o governo tentarjunto ao santo padre; ajuizava-se que, católico e cidadão, ia o emissá<strong>rio</strong>*Por mim, os reis reinam. (N.E.)218


ARTIGOS DE IMPRENSAbrasileiro protestar, em nome da religião e em nome <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong>, contra os ataques veementes e calcula<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Roma; impor emtermos convenientes as justas condições <strong>de</strong> um modus vivendi; <strong>de</strong>clarar,em suma, <strong>de</strong> uma formal, digna e conforme a direito, a suspensão dasrelações entre os <strong>do</strong>is po<strong>de</strong>res, se o invasor não se contivesse no planoinclina<strong>do</strong> <strong>de</strong> suas correrias e atenta<strong>do</strong>s.Engano! O órgão íntimo <strong>do</strong> governo enten<strong>de</strong> que a Igreja não po<strong>de</strong>ce<strong>de</strong>r <strong>de</strong> sua <strong>do</strong>utrina, assim como não po<strong>de</strong> o Esta<strong>do</strong> ce<strong>de</strong>r <strong>de</strong> seus direitos.O que foi, pois, fazer a Roma o plenipotenciá<strong>rio</strong> brasileiro?Nós tínhamos dito:“Tanto e quanto nos é da<strong>do</strong> saber, a missão Pene<strong>do</strong> obteve da SantaSé a <strong>de</strong>saprovação das severida<strong>de</strong>s a que se <strong>de</strong>ixou levar uma parte <strong>do</strong>episcopa<strong>do</strong> por um zelo mal entendi<strong>do</strong>.”Mas é apenas, pergunta A Reforma, contra as severida<strong>de</strong>s que umzelo mal entendi<strong>do</strong> tenha aconselha<strong>do</strong> a uma parte <strong>do</strong> episcopa<strong>do</strong>, que agran<strong>de</strong> maioria da nação, e com ela o governo, protesta e clama contraos bispos e contra o papa?É por uma simples severida<strong>de</strong> que frei Vital está encarcera<strong>do</strong> e o seualtana<strong>do</strong> colega <strong>do</strong> Pará e tantos outros se sentem em véspera <strong>de</strong> sê-lo?O governo, conclui A Reforma, ar<strong>de</strong> no <strong>de</strong>lí<strong>rio</strong> <strong>de</strong> alguma febre, ousupõe que o Brasil não passa <strong>de</strong> um punha<strong>do</strong> <strong>de</strong> idiotas.Por mais que toda discussão sobre o resulta<strong>do</strong> da missão Pene<strong>do</strong>,e sua provável influência na questão religiosa, nos pareça antecipadaenquanto o não conhecemos particularmente, é justo não <strong>de</strong>ixar semimediato reparo as reflexões <strong>de</strong> A Reforma.É certo que a questão religiosa não resi<strong>de</strong> inteira no fato da interdição<strong>de</strong> várias irmanda<strong>de</strong>s. Não o é menos que o senhor <strong>do</strong>m Vital não seacha encarcera<strong>do</strong> por que se <strong>de</strong>ixasse levar ao emprego <strong>de</strong> bem ou malaconselhadas severida<strong>de</strong>s.Mas podia a missão Pene<strong>do</strong> tentar resolver, pela súplica ou pelaameaça, a questão religiosa <strong>do</strong> Brasil em todas as suas faces?A súplica seria nada menos que uma implícita retratação <strong>de</strong> <strong>do</strong>utrinas,sobre as quais o governo não é livre <strong>de</strong> transigir.A ameaça seria uma frívola ostentação, uma verda<strong>de</strong>ira trivialida<strong>de</strong>,um expediente até ridículo.219


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOApartamos por impraticável, a primeira hipótese. O governo queousasse pedir a intervenção <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r estranho para assegurar opacífico exercício <strong>de</strong> inalienáveis direitos da soberania, houvera traí<strong>do</strong> asua missão <strong>de</strong> executor <strong>de</strong> leis.A ameaça seria, além <strong>de</strong> perturba<strong>do</strong>ra da harmonia <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is po<strong>de</strong>res,inteiramente ineficaz.Toda ameaça envolve o protesto <strong>de</strong> um mal futuro. Que mal seriainfringi<strong>do</strong> a Santa para obrigá-la ao que se chamaria um modus vivendi!A separação da Igreja <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>? Mas ainda quan<strong>do</strong> esta bruscasolução não fosse uma gran<strong>de</strong> calamida<strong>de</strong> social no esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> nossacivilização, e é uma frase <strong>do</strong> ilustre senhor conselheiro Nabuco <strong>de</strong>Araújo que repetimos, não cabia nas atribuições <strong>do</strong> governo nem nas<strong>de</strong> uma legislatura ordinária realizar a ameaça. Ora, uma ameaça não écoisa séria quan<strong>do</strong>, quem a faz, não po<strong>de</strong> realizar o mal que a constitui.Suspensão <strong>de</strong> relações diplomáticas com a corte <strong>de</strong> Roma nãodaria no fim <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> outro imediato resulta<strong>do</strong> senão a retirada <strong>do</strong>splenipotenciá<strong>rio</strong>s das duas cortes.Roma, que não transigiu com a Alemanha, não transigiu com aSuíça, não transigiria com o Brasil em pontos sobre os quais ela nuncaadmitiu transação com nenhum po<strong>de</strong>r humano.Querer-se-ia que o Papa Infalível firmasse em algum possível <strong>do</strong>cumentoum modus vivendi em que reconhecesse a orto<strong>do</strong>xia <strong>do</strong> placet, <strong>do</strong> recurso àcoroa, <strong>do</strong> casamento civil, e <strong>de</strong> iguais direitos da soberania temporal?Um governo sensato podia pretendê-lo?Houve alguém no Brasil que tais esperanças fundasse na missão Pene<strong>do</strong>?Ninguém há que o creia.Se tal fosse o fim da missão Pene<strong>do</strong>, ela não teria chega<strong>do</strong> senão aeste resulta<strong>do</strong> extremo e inevitável: - rompimento com a Santa Sé.Mas avaliou bem A Reforma que o governo <strong>do</strong> país é governo <strong>de</strong>um país eminentemente católico? Não seria este um novo motivo, egravíssimo, <strong>de</strong> toda or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> perturbações para as consciências católicas?E, por outro la<strong>do</strong>, o que tinha inova<strong>do</strong> a Santa Sé nas suas relaçõescom o Brasil para que tivéssemos o direito <strong>de</strong> protestar contra o modusvivendi, que em to<strong>do</strong>s os tempos foi a regra tácita <strong>de</strong>ssas relações?Des<strong>de</strong> que o santo padre não or<strong>de</strong>nou nem autorizou, por qualquerato ou palavra, a resistência <strong>do</strong> episcopa<strong>do</strong> ao cumprimento <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nslegais, não havia mesmo o direito <strong>de</strong> uma reclamação diplomática.220


ARTIGOS DE IMPRENSAO breve <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> maio, e uma fugaz referência à América na encíclica<strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> novembro, é tu<strong>do</strong> quanto a corte <strong>de</strong> Roma tem adianta<strong>do</strong> sobrea questão religiosa <strong>do</strong> Brasil. Mas, nem por esse breve nem por essareferência, se animou ou ativou a resistência ao po<strong>de</strong>r civil.Ir a Roma impor um modus vivendi, segun<strong>do</strong> é o pensamentoda Reforma, seria mais que baldada tentativa; não haveria possívelqualificação para semelhante ato <strong>do</strong> governo. Ele arriscaria com umaperigosa levianda<strong>de</strong> preciosas relações nunca estremecidas, e das quaiso Brasil católico não po<strong>de</strong> recear-se.No <strong>de</strong>lí<strong>rio</strong> <strong>de</strong> sua sintomática febre, A Reforma esquece que o santopadre é a cabeça visível <strong>de</strong>ssa religião que a constituição política <strong>do</strong>Brasil a<strong>do</strong>tou como religião <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.O resulta<strong>do</strong> da missão Pene<strong>do</strong> será <strong>de</strong>ntro em pouco conheci<strong>do</strong>; eserá então a ocasião oportuna <strong>de</strong> verificar se ela obteve ou não a soluçãoque as circunstâncias aconselhavam e exigiam.Far-se-á então plena justiça ao patriótico pensamento que inspirouo gabinete <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> março ao enviar a Roma o senhor <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Pene<strong>do</strong>.Que este pensamento era próp<strong>rio</strong> <strong>de</strong> um governo sinceramente eprofundamente católico, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já o po<strong>de</strong>mos assegurar.56) A NaçãoJornal político e comercial***Ano III, número 19, segunda-feira, 26 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1874Ao senhor J. P. MassonHaven<strong>do</strong> eu perdi<strong>do</strong> na noite <strong>de</strong> sába<strong>do</strong> uma joia a que ligavao mais subi<strong>do</strong> apreço, tive hoje a satisfação <strong>de</strong> recebê-la das mãos <strong>do</strong>honra<strong>do</strong> senhor J. P. Masson, estabeleci<strong>do</strong> com casa <strong>de</strong> relojoaria ecâmbio à Rua Primeiro <strong>de</strong> Março nº 4 A.Cumpro um <strong>de</strong>ver dan<strong>do</strong> a esse distinto cavalheiro um públicotestemunho <strong>do</strong> meu mais profun<strong>do</strong> reconhecimento.J. M. da Silva Paranhos221


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO57) A NaçãoJornal político e comercialAno III, número 21, quarta-feira, 28 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1874Revista políticaLê-se hoje em um diá<strong>rio</strong> <strong>de</strong>sta capital:“Algumas folhas <strong>de</strong> Montevidéu esperam o ataque <strong>de</strong> Assunção como o sinal <strong>de</strong>um rompimento entre o Brasil e a República Argentina, e anunciam estar próximoeste ataque, pois os rebel<strong>de</strong>s iam obten<strong>do</strong> gran<strong>de</strong>s vantagens.”Não há motivo para acreditar em um rompimento entre o Impé<strong>rio</strong> ea República Argentina por motivo da revolução paraguaia.O governo argentino não ignora que as forças imperiais no Paraguaitêm instruções para prestar to<strong>do</strong> apoio que esteja ao seu alcance ao governolegal <strong>de</strong>ssa República, e o mesmo farão as tropas argentinas em Assunção,segun<strong>do</strong> <strong>de</strong>clarou o coronel Fre<strong>de</strong>rico Mitre ao presi<strong>de</strong>nte Jovellanos.Em nossa seção <strong>do</strong> Eco <strong>do</strong>s Jornais transcrevemos em perío<strong>do</strong> <strong>do</strong>Nacional <strong>de</strong> Buenos Aires, em que se dá a lamentável notícia da morte<strong>de</strong> 16 imigrantes, alguns <strong>do</strong>s quais sucumbiram à fome na ilha a que osman<strong>do</strong>u arrojar o governo <strong>de</strong> Santa Fé.Causava horror, escreve o Nacional, ver estes infelizes com águapela cintura, viven<strong>do</strong> entre o lo<strong>do</strong> da ilha, ao relento e sem provisões!Há aí, entretanto, um jornal nimiamente brasileiro que, ao transcreverhá dias o conheci<strong>do</strong> edital <strong>do</strong> consula<strong>do</strong> britânico, pôs condigno remateàs suas acerbas reflexões com palavras como estas:Ah! Quão diferente espetáculo nos oferecem sob esta relação asrepubliquetas sul-americanas!Bem diferente espetáculo na verda<strong>de</strong>!Nós temos também atravessa<strong>do</strong> graves crises epidêmicas, temossi<strong>do</strong> visita<strong>do</strong>s em várias épocas pelo cólera, pela febre, por todas estascruéis variantes da morte. Mas não se conta que um governo <strong>do</strong> Brasiltenha atira<strong>do</strong> um punha<strong>do</strong> <strong>de</strong> imigrantes a uma ilha aban<strong>do</strong>nada em quea fome complete a obra <strong>do</strong> lo<strong>do</strong>.222


ARTIGOS DE IMPRENSAQuan<strong>do</strong>, há um ano a esta parte, a febre amarela dizimava a população<strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>, chegou ao nosso porto uma leva <strong>de</strong> imigrantes ou mais <strong>de</strong>uma. Mas o governo lhes tinha prepara<strong>do</strong> serra acima uma hospedariacom todas as necessárias acomodações, com um serviço médico<strong>de</strong>vidamente organiza<strong>do</strong>, e tais foram as suas oportunas providências,que nenhum <strong>de</strong>sses caros hóspe<strong>de</strong>s sentiu o contato <strong>do</strong> mal.***58) A NaçãoJornal político e comercialAno III, número 22, quinta-feira, 29 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1874ImigraçãoO conceituoso artigo que sobre este assunto escreveu hoje o <strong>de</strong>canoda nossa <strong>imprensa</strong> nos suscita algumas reflexões que a estreiteza <strong>do</strong>tempo nos obriga a expor quase a correr.Fazen<strong>do</strong> inteiramente nossas as palavras com que o Diá<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Rio julgouoportuno protestar contra a ofensa, intencional ou não, que aos nossos costumes<strong>de</strong> povo civiliza<strong>do</strong> foi dirigida pelos conheci<strong>do</strong>s anúncios <strong>do</strong>s senhorescônsules da Inglaterra e da Alemanha, julgamos suficientemente explica<strong>do</strong>sos fatos que lhes <strong>de</strong>ram origem para que nos <strong>de</strong>tenhamos a comentá-los.Evi<strong>de</strong>ntemente, não cabe ao governo nenhuma responsabilida<strong>de</strong> poresse lamentável acontecimento.Os colonos em questão tinham recebi<strong>do</strong> em prósperosestabelecimentos to<strong>do</strong>s os favores e auxílios que são <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r aimigrantes labo<strong>rio</strong>sos.Prazos <strong>de</strong> terras; instrumentos <strong>de</strong> trabalho; alimentação, alojamentoe cuida<strong>do</strong>s médicos; tu<strong>do</strong> lhes fora concedi<strong>do</strong> com uma liberalida<strong>de</strong> quepaís nenhum exce<strong>de</strong>u para com imigrantes.Os que se anuncia estarem neste momento na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Paranaguáem número supe<strong>rio</strong>r a 100, e esmolan<strong>do</strong> aí a carida<strong>de</strong> pública, estão nasmesmas circunstâncias que os recém-chega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Assunguy, que tãoterna simpatia inspiraram ao senhor Lennon Hunt.223


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOAssunguy é uma colônia <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> futuro, rica <strong>de</strong> elementosnaturais, e em que centenas <strong>de</strong> imigrantes <strong>de</strong> várias nacionalida<strong>de</strong>svivem felizes, tranquilos e satisfeitos. A abreviada notícia que, não háainda muitos dias, extratamos <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos oficiais, e vimos <strong>de</strong> certomo<strong>do</strong> confirmada pelo Deutsche Zeitung, segun<strong>do</strong> informação <strong>de</strong> umsúdito alemão ali resi<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>ixa em evidência o progresso <strong>de</strong> últimorealiza<strong>do</strong> naquela colônia.Que causa, pois, está afastan<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assunguy e <strong>de</strong> Santa Leopoldinacolonos ingleses e alemães?Estes fatos começam a suce<strong>de</strong>r-se a intervalos muito curtos para queos <strong>de</strong>vamos ter por fatos isola<strong>do</strong>s.Em uma <strong>de</strong>stas colônias <strong>de</strong>rramou-se, não há muito, a falsa notíciada próxima chegada <strong>de</strong> um paquete alemão para proporcionar os meios<strong>de</strong> repatriação aos imigrantes <strong>de</strong>sta nacionalida<strong>de</strong>. Não se meteu muitotempo até que o senhor Hermann Haupt, seguin<strong>do</strong> o exemplo <strong>do</strong> senhorLennon Hunt, buscasse reunir os seus compat<strong>rio</strong>tas para o fim <strong>de</strong> ofereceraos recém-chega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Santa Leopoldina meios <strong>de</strong> regressar à pátria.Esta agitação, que nenhum fato recente ou remoto justifica,coinci<strong>de</strong> com o pronuncia<strong>do</strong> movimento da <strong>imprensa</strong> europeia contraa emigração, não especialmente contra a emigração para o Brasil, mascontra a emigração para qualquer parte <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.A Alemanha, ten<strong>do</strong> cria<strong>do</strong> para si a <strong>do</strong>lorosa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter àmão formidáveis reservas, não precisa menos <strong>de</strong> homens para algumaguerra possível <strong>do</strong> que para os labores da paz. Ela tem entra<strong>do</strong> com boaparte <strong>de</strong> cotização nessa corrente <strong>de</strong> emigração para os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s,que em 1873 se elevou a 400.000 homens, para que comece a ver nestefenômeno um problema inquieta<strong>do</strong>r.A Itália fornece <strong>de</strong>s<strong>de</strong> algum tempo 20 a 25.000 homens, por ano, àsrepúblicas <strong>do</strong> Prata; e isto já a preocupa. Ainda no mês <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro oTimes fazia-se eco <strong>do</strong>s interesses da Itália una para estudar a razão <strong>de</strong>ssescarregamentos sucessivos <strong>de</strong> homens pelos portos <strong>de</strong> Gênova e Nápoles.Os italianos, escreveu o Times, possuem, sem querer confessá-lo,uma monarquia sofrivelmente livre, mas sorri-lhes uma república <strong>de</strong>Garibaldi, república on<strong>de</strong> ninguém manda e ninguém obe<strong>de</strong>ce, on<strong>de</strong> ohomem não é sujeito ao serviço militar, on<strong>de</strong> cada um está pronto acortar a cabeça <strong>de</strong> seu semelhante, on<strong>de</strong> não há Papa-Rei, mas on<strong>de</strong> cadapadre, monge ou jesuíta é rei.224


ARTIGOS DE IMPRENSADefen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que <strong>de</strong>ve haver comércio livre em homens como em qualqueroutra merca<strong>do</strong>ria, o Times recorda o velho anexim chi sta bene non si muovapara perguntar pela razão que o parece ter bani<strong>do</strong> <strong>do</strong> espírito italiano.É, porém, particularmente na Inglaterra que esta cruzada contra aemigração se acentua em relação ao Brasil.Quan<strong>do</strong> o Canadá pe<strong>de</strong> braços à metrópole, ela não po<strong>de</strong> ver comindiferença que um país fertilíssimo como o nosso ensaie resolutamentea colonização inglesa.Daí, fácil é entrevê-lo, a verda<strong>de</strong>ira propaganda posta em ação pela<strong>imprensa</strong> inglesa contra a emigração para o Brasil.O Novo Mun<strong>do</strong> que, fazen<strong>do</strong> justiça ao Brasil e seu governo, revelaseinfenso à colonização inglesa, dá conta nestas palavras da recenteagitação da <strong>imprensa</strong> britânica contra a emigração para o Brasil:As folhas quotidianas <strong>de</strong> Londres, as folhas provenientes, os principais semaná<strong>rio</strong>sincluin<strong>do</strong> o Specta<strong>do</strong>r e até o Athenaeum, jornal exclusivo <strong>de</strong> literatura e belasartes,to<strong>do</strong>s lamentam a tristíssima sorte <strong>do</strong>s pobres ingleses embaça<strong>do</strong>s pelasgran<strong>de</strong>s promessas <strong>do</strong> governo <strong>do</strong> Brasil.Um jornal <strong>de</strong> Londres, o Christian World, chegou a recomendarque a diatribe <strong>de</strong> Jacaré-Assu tivesse um lugar em cada biblioteca <strong>do</strong>soperá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> país!Ultimamente, um certo senhor Phipps, vigá<strong>rio</strong> <strong>de</strong> Warwickshire,insistiu com o con<strong>de</strong> Granville para exigir <strong>do</strong> governo brasileiropagamento <strong>de</strong> danos por to<strong>do</strong>s os sofrimentos e perdas causa<strong>do</strong>s pelamaquinação escandalosa para <strong>de</strong>fraudar os trabalha<strong>do</strong>res agrícolasingleses e suas famílias.“Pelo que se conhece <strong>de</strong> seus antece<strong>de</strong>ntes”, acrescentou em Londresum jornal <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> circulação e influência, segun<strong>do</strong> nos consta peloNovo Mun<strong>do</strong>, “o Brasil não <strong>de</strong>vera ter si<strong>do</strong> convida<strong>do</strong> para nomear umárbitro para Genebra”.Não levaremos adiante <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> tal natureza.Vê-se que a <strong>imprensa</strong> inglesa não recua diante <strong>de</strong> nenhum meioignóbil para apartar <strong>do</strong> Brasil a corrente <strong>de</strong> emigração que ele convida eprocura atrair com tanto <strong>de</strong>svelo.Pren<strong>de</strong>m-se a esta propaganda os recentes fatos que to<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ploramos,e aos quais ainda julgamos estranhos as legações britânica e alemã?225


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOSe é lícito supô-lo, as circunstâncias nos levam a aconselhar ao governoimperial uma política bem diferente da que lhe aconselha o Diá<strong>rio</strong>.Quan<strong>do</strong> a Europa embaraça a emigração por to<strong>do</strong>s os meios, e semfazer questão <strong>do</strong> país a que ela se dirige, seria confiar muito <strong>do</strong> acasoesperar a imigração espontânea.O que nos parece <strong>de</strong> to<strong>do</strong> ponto adapta<strong>do</strong> às circunstâncias, écombater essa propaganda por to<strong>do</strong>s os meios <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>, fazerconheci<strong>do</strong> o Brasil tal como ele é, auxiliar com to<strong>do</strong> o empenho aimigração promovida pela iniciativa particular, <strong>de</strong>senvolver as nossascolônias, instituir núcleos coloniais, à margem das nossas estradas <strong>de</strong>ferro, prosseguir em uma palavra <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> ativo e resoluto no sistemaque acreditamos <strong>de</strong>finitivamente inicia<strong>do</strong> sob a atual administração.A medida enérgica que as circunstâncias estão reclaman<strong>do</strong>, é que,peremptoriamente recusa<strong>do</strong>s os meios <strong>de</strong> repatriação a que o governo<strong>de</strong> nenhum mo<strong>do</strong> se obrigou, seja reservada a hospedaria da Saú<strong>de</strong> areceber os imigrantes importa<strong>do</strong>s antes que se dirijam a seus <strong>de</strong>stinos,recusan<strong>do</strong>-se formalmente a entrada nesse estabelecimento aos queaban<strong>do</strong>narem as colônias.A hospedaria da Saú<strong>de</strong> não é uma casa <strong>de</strong> carida<strong>de</strong> a que se recolhamvagabun<strong>do</strong>s e mendigos em busca <strong>de</strong> pão, que recusam, recusan<strong>do</strong> otrabalho.59) A NaçãoJornal político e comercial***Ano III, número 23, sexta-feira, 30 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1874Missão Pene<strong>do</strong>O Apóstolo procura <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já dispor o terreno em que <strong>de</strong>ve assestaras suas baterias <strong>de</strong> combate perante o novo esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> coisas que,naturalmente, provirá da solução obtida da Santa Sé pela missão especialconfiada ao nosso ministro em Londres.No emprego <strong>de</strong>ste meio diplomático, não quis O Apóstolo ver oclaro indício, que é, <strong>de</strong> que o governo só a contragosto se sentiu na226


ARTIGOS DE IMPRENSA<strong>do</strong>lorosa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apelar para os tribunais para submeter à sançãopenal a criminosa resistência <strong>de</strong> uma parte <strong>do</strong> episcopa<strong>do</strong> à execução<strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns legais. Não quis ver mais que esta louvável <strong>de</strong>liberação <strong>do</strong>governo imperial, cujo manifesto pensamento foi a um tempo apartar asdificulda<strong>de</strong>s futuras e tranquilizar no presente as consciências católicas,<strong>de</strong>corria natural da política que nunca interrompera, qual era e é fazerguardar e cumprir o direito constituí<strong>do</strong>, e com o qual a Igreja nuncase <strong>de</strong>clarara incompatível no Brasil, não aceitan<strong>do</strong>, e nem ao menosparecen<strong>do</strong> aceitar uma luta religiosa. Não quis ver que, na sincera<strong>de</strong>claração que fez ao parlamento, <strong>de</strong> não precisar <strong>de</strong> leis <strong>de</strong> exceçãopara fazer cumprir as leis gerais que garantem a soberania nacional, ogoverno <strong>de</strong>ixou bem acentuada a intenção <strong>de</strong> não preten<strong>de</strong>r lançar-se emuma luta, <strong>de</strong> que não seria e ainda não é fácil avaliar as consequências.Não quis ver finalmente que, ao governo <strong>de</strong> um país católico, não podiair bem armar-se com medidas <strong>de</strong> ocasião, quan<strong>do</strong> lhe estava o direitoescrito oferecen<strong>do</strong> os meios necessá<strong>rio</strong>s para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r e resguardar asprerrogativas da socieda<strong>de</strong> civil.O que levou a Roma o senhor <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Pene<strong>do</strong> não foi certamenteimplorar apoio moral <strong>do</strong> chefe da Igreja ao direito constitucional e orgânico<strong>do</strong> Brasil. Nada mesmo se pediu ao Vaticano. Nas atuais circunstâncias,to<strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> intervenção importaria, como indispensável condiçãopara obtê-la, uma trégua obrigada no emprego <strong>do</strong>s meios legais postosem ação contra membros <strong>do</strong> episcopa<strong>do</strong>.Des<strong>de</strong> que o governo não se comprometeu e não podia comprometersea sustar o procedimento judicial intenta<strong>do</strong> contra os bispos; <strong>de</strong>s<strong>de</strong>que por nenhum ato anunciou a intenção <strong>de</strong> modificar as suas <strong>de</strong>cisões;nada é mais insustentável <strong>do</strong> que se dizer que a missão Pene<strong>do</strong> em si,e qualquer que fosse seu resulta<strong>do</strong>, é valente prova <strong>de</strong> ter o governoimperial aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> o terreno em que se colocara na <strong>de</strong>nominadaquestão religiosa.Qual foi ou qual tem si<strong>do</strong> a política <strong>do</strong> governo?Nada inovan<strong>do</strong> nas regras que regulam as relações da Igreja com oEsta<strong>do</strong>, o governo julgou fazer quanto em sua competência cabia, e ascircunstâncias exigiam, provocan<strong>do</strong> a ação <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r judiciá<strong>rio</strong>.Esta política é ainda hoje a que o nobre senhor ministro <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>anunciou ao parlamento <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira ocasião em que foi provoca<strong>do</strong>a explicar o pensamento <strong>do</strong> governo.227


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOA nomeação <strong>de</strong> um plenipotenciá<strong>rio</strong> na constância <strong>do</strong> conflito nãorevela interrupção <strong>de</strong>ssa política que, qualquer que seja a modificaçãoproduzida no esta<strong>do</strong> das coisas pela <strong>de</strong>cisão da Santa Sé, não será<strong>de</strong>scontinuada ou aban<strong>do</strong>nada.Muito agradável <strong>de</strong>ve ser ao governo imperial que, antes <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>à paternal influência <strong>do</strong> santo padre <strong>do</strong> que ao emprego <strong>de</strong> justasseverida<strong>de</strong>s legais, reentre o episcopa<strong>do</strong> em si e, reconsi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>, no queestá feito, as suas <strong>de</strong>liberações, evite para o futuro a repetição <strong>de</strong> fatos<strong>de</strong> igual natureza.Isto, entretanto, não quer dizer nem que o governo tenha muda<strong>do</strong> <strong>de</strong>opinião quanto à eficácia das leis para conter os excessos <strong>de</strong> jurisdiçãoespiritual, nem que interrompa a política posta a caminho <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que semanifestou a questão religiosa.Duas proposições <strong>de</strong>correm, a juízo <strong>de</strong> O Apóstolo, da nomeação<strong>do</strong> plenipotenciá<strong>rio</strong> na constância <strong>do</strong> conflito. Formula-as assim o órgãoepiscopal:A primeira proposição é que não tem ele (o governo) em nossas leis meios <strong>de</strong>compelir os bispos a executar or<strong>de</strong>ns que consi<strong>de</strong>rem ilegais por versarem sobrematerial espiritual.A segunda proposição é que em Roma existe uma autorida<strong>de</strong> (que os papéis <strong>do</strong>governo chamam <strong>de</strong> estrangeira), a qual é competente para conhecer os atos <strong>do</strong>sbispos, confirmá-los ou emendá-los.”Da primeira já dissemos quanto po<strong>de</strong>rá bastar para <strong>de</strong>ixar patentesua improcedência.Acrescentaremos, entretanto, que, tanto quanto as legislações po<strong>de</strong>mcompelir o cidadão a executar or<strong>de</strong>ns, as nossas leis po<strong>de</strong>m compelir osbispos a cumpri-las.O que o direito não tem certamente a virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer, é impedircidadãos ou bispos <strong>de</strong> incorrer na sanção penal. Armasse-se o governocom a mais severa legislação <strong>de</strong> guerra ao catolicismo e, ainda assim,não po<strong>de</strong>ria em um certo senti<strong>do</strong> compelir o episcopa<strong>do</strong> a isto ou àquilo.Os mártires <strong>de</strong> todas as perseguições religiosas estão aí protestan<strong>do</strong>contra a eficácia <strong>de</strong> legislação <strong>do</strong>s homens para compelir em matéria <strong>de</strong>crenças.228


ARTIGOS DE IMPRENSAMas, quan<strong>do</strong> se fala em compelir os bispos a cumprir os <strong>de</strong>sejostemporais, fala-se evi<strong>de</strong>ntemente uma linguagem jurídica; e por esta seenten<strong>de</strong> compeli<strong>do</strong> o cidadão a obe<strong>de</strong>cer à lei, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a garante umasanção penal.Quan<strong>do</strong> o governo afirmou em pleno parlamento, o que equivale adizer em pleno país, ter nos direitos constituí<strong>do</strong>s os meios <strong>de</strong> resolvero conflito, não quis dizer, e ninguém assim enten<strong>de</strong>u, que tinha meio<strong>de</strong> fechar a porta ao martí<strong>rio</strong> a que algum bispo quisesse resignar, nestetempo em que os mártires disputam cômo<strong>do</strong>s e conforto e em que,portanto, a coroa <strong>do</strong> martí<strong>rio</strong> po<strong>de</strong> figurar na mais composta cabeça.Isto não se conseguiria o próp<strong>rio</strong> parlamento ainda que, imitan<strong>do</strong>o da Alemanha, fabricasse leis para alguma possível guerra religiosacomo a fábrica <strong>de</strong> Essen fabricou Krupps para a guerra à França.Po<strong>de</strong>r humano não vai até aí.O parlamento italiano fez a famosa lei sobre as prerrogativas <strong>do</strong>soberano pontífice, conhecida pelo nome contemporiza<strong>do</strong>r <strong>de</strong> lei dasgarantias. Não a fez certamente <strong>de</strong>bal<strong>de</strong>, pois que apenas uma dasdisposições, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser cumprida sem a cooperação <strong>do</strong> santopadre, <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> sê-lo. Mas, no fim <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, Pio IX não é menos ou nãose diz menos prisioneiro <strong>do</strong> Vaticano.Nada é, portanto, mais verda<strong>de</strong> <strong>do</strong> que afirmar-se, como fez o governo,que há em nosso direito escrito os meios <strong>de</strong> compelir o episcopa<strong>do</strong> àexecução <strong>do</strong>s <strong>de</strong>cretos da soberania civil. Afirman<strong>do</strong>-o, o governo nãoquis dizer que os bispos não pu<strong>de</strong>ssem oferecer-lhes resistência.Seria preten<strong>de</strong>r o que nenhum po<strong>de</strong>r humano preten<strong>de</strong>ria.A segunda posição <strong>do</strong> O Apóstolo não po<strong>de</strong> ser invocada contra ogoverno, que nunca a combateu nem a podia ter combati<strong>do</strong>, fincan<strong>do</strong> umgoverno católico.Que há em Roma uma autorida<strong>de</strong> competente para conhecer <strong>do</strong>satos <strong>do</strong>s bispos, confirmá-los ou emendá-los, ninguém o pôs em dúvida.Quem o negasse, teria nega<strong>do</strong> com a autorida<strong>de</strong> <strong>do</strong> chefe da Igreja oprima<strong>do</strong> que compete ao bispo <strong>de</strong> Roma; não seria mesmo um católicoromano, e a religião reconhecida pela constituição política <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>como a da gran<strong>de</strong> maioria <strong>do</strong>s brasileiros é católica, apostólica, romana.Não é à autorida<strong>de</strong> <strong>do</strong> bispo <strong>de</strong> Roma que, to<strong>do</strong>s os dias, recorremos brasileiros a impetrar, com permissão <strong>do</strong> governo dispensas <strong>de</strong>impedimentos e outros atos reserva<strong>do</strong>s ao bispo <strong>do</strong>s bispos?229


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOO que o governo tem <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong>, é que essa autorida<strong>de</strong> não po<strong>de</strong>ser exercida a respeito <strong>do</strong> Brasil senão pelo mo<strong>do</strong> previsto na leifundamental <strong>do</strong> país; é que essa autorida<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> ser invocada contrao direito pát<strong>rio</strong>.Tu<strong>do</strong> é que o bispo <strong>de</strong> Roma não coloque sua autorida<strong>de</strong> em colisãocom interesses <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, e impedi-lo é o fim <strong>do</strong> placet. O que neste pontotem o governo <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong>, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ram-no to<strong>do</strong>s os governos <strong>do</strong> Brasil.O ilustre senhor conselheiro Zacarias <strong>de</strong> Góis e Vasconcelos, quedisse-nos não ser estranho ao artigo que temos aos olhos, foi chefe <strong>do</strong>governo, e, então como hoje, o cidadão brasileiro não foi livre <strong>de</strong> recorrerao santo padre para impetração <strong>de</strong> graças espirituais sem permissão<strong>do</strong> po<strong>de</strong>r executivo, como não se <strong>de</strong>u a execução à menos importantedispensa <strong>de</strong> um qualquer impedimento matrimonial, <strong>do</strong>s que a Romacompetem julgar, sem o beneplácito <strong>do</strong> governo imperial.O Sumo Pontífice não foi, portanto, menos estrangeiro então <strong>do</strong> queé hoje.60) A NaçãoJornal político e comercial***Ano III, número 26, quarta-feira, 4 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1874O resulta<strong>do</strong> da missão Pene<strong>do</strong>IQue não faltariam os mais acerbos comentá<strong>rio</strong>s sobre o resulta<strong>do</strong><strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>licada missão, <strong>de</strong> que com tão raro fortúnio acaba <strong>de</strong><strong>de</strong>sempenhar-se o senhor <strong>barão</strong> <strong>do</strong> Pene<strong>do</strong>; e isto, qualquer que fossea solução obtida da Santa Sé e quaisquer que fossem também os meiosemprega<strong>do</strong>s por obtê-la; que esta solução haveria parecer <strong>de</strong>ficiente,incompleta, inútil, e para um certo número <strong>de</strong> espíritos raquítica e atérepugnante; que se <strong>de</strong>sejaria mais, muito mais, <strong>do</strong> que se houvesseobti<strong>do</strong>; - nós o esperávamos, e esperava-o também o governo.Os que tinham começa<strong>do</strong> por dizer <strong>de</strong>ssa missão que não passaria<strong>de</strong> uma trivialida<strong>de</strong> diplomática, sob pena <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar comprometida em230


ARTIGOS DE IMPRENSAalgum possível acor<strong>do</strong> a dignida<strong>de</strong> nacional, preven<strong>do</strong> em ar <strong>de</strong> triunfoque o plenipotenciá<strong>rio</strong> brasileiro retirar-se-ia <strong>do</strong> Vaticano, ten<strong>do</strong> beija<strong>do</strong>inutilmente o pé <strong>de</strong> Sua Santida<strong>de</strong>; os que não cessavam <strong>de</strong> invocar ainflexibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s princípios da Santa Sé como formidável objeção emque se quebrariam impotentes os mais hábeis manejos <strong>do</strong> representante<strong>do</strong> governo brasileiro; não podiam julgar <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa missãosenão pelo mo<strong>do</strong> por que o vão fazen<strong>do</strong>.Não tinham eles, com uma significativa antecipação, con<strong>de</strong>na<strong>do</strong> porum traço <strong>de</strong> pena a missão Pene<strong>do</strong> como medida altamente impolítica,compromete<strong>do</strong>ra e ineficaz? Que muito que é, falhada a sinistra previsão,tentem agora diminuir a importância <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> obti<strong>do</strong>?O país, que sabe elevar-se acima <strong>de</strong> apreciações que vêm<strong>de</strong>nuncian<strong>do</strong> a inconfessável origem, raciocinará por sua vez que, tantoquanto podia ser obti<strong>do</strong> <strong>do</strong> chefe da Igreja, tanto como era <strong>de</strong> exigir-lhenas atuais circunstâncias, e tanto como o permitiam as leis <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> eas atribuições <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r executivo, a missão Pene<strong>do</strong> o obteve sem quebrada dignida<strong>de</strong> nacional e sem compromisso <strong>de</strong> qualquer natureza.O fim único <strong>de</strong>ssa missão está mais que <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> nas instruçõesque a presidiram, e em que A Reforma conhece num tom cu<strong>rio</strong>samentesentencioso uma certa dignida<strong>de</strong> e certos lampejos <strong>de</strong> boa inspiração.A missão Pene<strong>do</strong> correspon<strong>de</strong>u ou não a essas instruções?Tal é a questão única que A Reforma levanta.Já o órgão liberal não se preocupa com a inoportunida<strong>de</strong> da missãoa Roma, com a ineficácia <strong>de</strong>ste manejo diplomático, com tu<strong>do</strong> isto quelhe fez ver na missão Pene<strong>do</strong> uma frívola tentativa, alguma coisa quecumpria não tomar ao sé<strong>rio</strong>.Já A Reforma reconhece por um juízo a poste<strong>rio</strong>ri que podia nãoser tempo perdi<strong>do</strong> fazer conheci<strong>do</strong>s da Santa Sé o verda<strong>de</strong>iro esta<strong>do</strong>da questão religiosa no Brasil, as causas que lhe <strong>de</strong>ram origem e asprováveis consequências a que po<strong>de</strong>ria chegar.Como a verda<strong>de</strong> tem seduções irresistíveis! Os que ainda ontemanunciavam como coisa inevitável o completo malogro <strong>de</strong>ssa missão,julgam agora que ela po<strong>de</strong>ria ter obti<strong>do</strong> <strong>do</strong> chefe da Igreja a modificação<strong>de</strong> princípios em que a Santa Sé nunca admitiu e nem po<strong>de</strong>ria admitirtransação!Mas, vai além A Reforma. Ela já reconhece, e não é pouco sabêlo<strong>de</strong> intransigentes adversá<strong>rio</strong>s, que as instruções transmitidas ao231


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOsenhor <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Pene<strong>do</strong> revelam uma certa dignida<strong>de</strong> e lampejos <strong>de</strong> boainspiração.O que impressiona neste momento o órgão liberal é, segun<strong>do</strong> assuas próprias palavras, a revelação quase infantil da incapacida<strong>de</strong> <strong>do</strong>negocia<strong>do</strong>r e a levianda<strong>de</strong> com que o governo anuncia ao país a boanova.Vejamos, antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, em que o governo foi leviano ao anunciara boa nova.A missão Pene<strong>do</strong> não houvera por fim, nos termos das instruções<strong>do</strong> nobre senhor ministro <strong>do</strong>s Estrangeiros, senão expor ao car<strong>de</strong>alsecretá<strong>rio</strong> e mui particularmente a sua santida<strong>de</strong> tu<strong>do</strong> quanto ocorrerano Brasil, apontar os males que podiam resultar <strong>de</strong> atos tão irregularese ilegais, e procurar obter que o Papa <strong>de</strong>ixasse <strong>de</strong> animar os bispos nasua <strong>de</strong>sobediência e, ao contrá<strong>rio</strong>, lhes aconselhasse toda conformida<strong>de</strong>com os preceitos da constituição e das leis e com as regras que têm si<strong>do</strong>sempre atendidas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos mais remotos nas relações da Igrejacom o Esta<strong>do</strong>.Evi<strong>de</strong>ntemente, não se tratava <strong>de</strong> discutir <strong>do</strong> placet, <strong>do</strong> recurso àcoroa, <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os outros direitos que a soberania temporal se reservacomo meios <strong>de</strong> impedir possíveis excessos da jurisdição espiritual.Em tais pontos não seria mesmo lícito ao governo invocar aautorida<strong>de</strong> e o apoio <strong>do</strong> chefe da Igreja. Governo, que o tentasse, teriada<strong>do</strong> um profun<strong>do</strong> golpe nas instituições.Des<strong>de</strong> que alguns bispos se julgaram ampara<strong>do</strong>s na autorida<strong>de</strong> <strong>do</strong>chefe da igreja para injustificáveis excessos <strong>de</strong> jurisdição espiritual, era<strong>de</strong> to<strong>do</strong> ponto conveniente e oportuno provocar <strong>de</strong> parte da Santa Séuma explícita <strong>de</strong>saprovação <strong>de</strong>ste insólito proce<strong>de</strong>r.Ora, este resulta<strong>do</strong> obteve o incontestavelmente a missão Pene<strong>do</strong>,obten<strong>do</strong> que a Santa Sé estranhasse aos bispos o uso <strong>de</strong> severida<strong>de</strong>smal aconselhadas, e lhes or<strong>de</strong>nasse voltar ao antigo esta<strong>do</strong>: ad pristinumstatum. *Que fato tinha provoca<strong>do</strong> o conflito que to<strong>do</strong>s lamentamos, ou queto<strong>do</strong>s <strong>de</strong>vemos lamentar?A Igreja e o Esta<strong>do</strong> viviam no Brasil no mais perfeito acor<strong>do</strong>,que nada ameaçava quebrantar. O que trouxe a perturbação atual, foi*Ao esta<strong>do</strong> original. (N.E.)232


ARTIGOS DE IMPRENSAsabidamente a interdição lançada a uma irmanda<strong>de</strong> e a muitas outras ematos sucessivos. Daí, como <strong>de</strong> uma causa mediata, irrompeu o conflitoem que, muito a seu contragosto, sentiu-se o governo envolvi<strong>do</strong>.No meio disto, e quan<strong>do</strong> os acontecimentos já levavam um cursoadianta<strong>do</strong>, fez-se público o breve pontifício <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> maio que tão malinterpreta<strong>do</strong> <strong>de</strong>via <strong>de</strong> ser por uma parte <strong>do</strong> episcopa<strong>do</strong>.Em tais circunstâncias o que cumpria ao governo?Não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> resignar-se a esperar da Santa Sé a solução <strong>do</strong> conflito,que as leis o habilitavam a resolver, o governo julgou oportuno fazersentir ao chefe da Igreja o verda<strong>de</strong>iro esta<strong>do</strong> da questão, e obter <strong>de</strong>le que<strong>de</strong>ixasse <strong>de</strong> animar os bispos na sua <strong>de</strong>sobediência.Ora, pelo que nos é da<strong>do</strong> saber da carta expedida ao senhor bispo <strong>de</strong>Olinda, o santo padre não somente lhe estranha as severida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> queusou, como lhe manda que reponha as coisas no seu primitivo esta<strong>do</strong>.Quer-se mais brilhante <strong>de</strong>senlace da dificulda<strong>de</strong>?É evi<strong>de</strong>nte que se os bispos, prestan<strong>do</strong> à palavra da Santa Sé aobediência que não lhe po<strong>de</strong>riam recusar, fican<strong>do</strong> bispos católicos,restituírem às irmanda<strong>de</strong>s interditas a plenitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> exercício <strong>de</strong> suasfunções, <strong>de</strong>saparecerá a primeira causa <strong>do</strong> conflito e com ela a origem<strong>de</strong> futuras perturbações.É certo, entretanto, que não cessa por isto o conflito, se este nomeconvém à ação <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r judicial contra o procedimento criminoso <strong>do</strong>episcopa<strong>do</strong>.Mas po<strong>de</strong>ria o governo ter dispensa<strong>do</strong> na lei? Dever-se-ia suster oprocedimento intenta<strong>do</strong>?Então as leis não seriam leis. O po<strong>de</strong>r judiciá<strong>rio</strong> não seria mais umpo<strong>de</strong>r in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. A or<strong>de</strong>m das jurisdições estaria invertida. Nãoviveríamos mais em uma socieda<strong>de</strong> organizada.Os que censuram por <strong>de</strong>ficiente o resulta<strong>do</strong> da missão Pene<strong>do</strong>,começam por não compreen<strong>de</strong>r o pensamento que a inspirou.Essa missão não tinha que ver com a questão religiosa senão na parteem que a Santa Sé po<strong>de</strong>ria influir sobre ela sem ofensa à soberania nacional.Não se foi pedir ao Papa que homologasse a constituição política <strong>do</strong>Brasil e as suas leis orgânicas, ou que as <strong>de</strong>clarasse conformadas com osinteresses <strong>do</strong> catolicismo e com os direitos da Igreja.Nem <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa missão fez o governo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r o emprego<strong>do</strong>s meios legais para conter o episcopa<strong>do</strong> nos limites <strong>de</strong> sua jurisdição.233


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOTanto assim é que, nas instruções comunicadas ao senhor <strong>barão</strong> <strong>do</strong>Pene<strong>do</strong>, o governo fez-lhe saber que a or<strong>de</strong>m para o processo <strong>do</strong> senhorbispo <strong>de</strong> Olinda não se faria <strong>de</strong>morar, e no memoran<strong>do</strong> submeti<strong>do</strong> àSanta Sé, pela nota <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> outubro, o plenipotenciá<strong>rio</strong> brasileiro fala<strong>do</strong>s meios que nas leis <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> tem o governo imperial para manterilesos os direitos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.Vê-se bem claro que não foi uma transação o fim da missão Pene<strong>do</strong>.Ela obteve, entretanto, que o santo padre interpusesse a suaautorida<strong>de</strong> moral no conflito trava<strong>do</strong> entre o po<strong>de</strong>r eclesiástico e o po<strong>de</strong>rcivil, evitan<strong>do</strong> a reprodução <strong>de</strong> atos que po<strong>de</strong>riam ser a ocasião <strong>de</strong>futuras perturbações.Não era este um resulta<strong>do</strong> que o governo <strong>de</strong>vesse anunciar com satisfação?Quisesse A Reforma julgar da missão Pene<strong>do</strong>, e da solução que elaobteve, colocan<strong>do</strong>-se no verda<strong>de</strong>iro terreno <strong>de</strong> que o governo não po<strong>de</strong>riaapartar-se sem exce<strong>de</strong>r o círculo das atribuições que lhe são cometidas,e certamente não houvera escrito que o espírito recusa acreditar o que osolhos leem entre os <strong>do</strong>cumentos publica<strong>do</strong>s.Do mo<strong>do</strong> pelo qual o plenipotenciá<strong>rio</strong> brasileiro se houve no<strong>de</strong>sempenho da missão que o levou a Roma, ocupar-nos-emos no artigoimediato.61) A NaçãoJornal político e comercial***Ano III, número 60, quarta-feira, 19 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1874As ocorrências <strong>do</strong> ParaguaiFomentada ou não por estranhos, ponto este que não seria oportunoventilar, o governo <strong>do</strong> Paraguai sentiu elevar-se uma revolução contra aautorida<strong>de</strong> constituída.Ou porque escasseassem ao governo os meios <strong>de</strong> resistência, ouporque ministros ou agentes seus se encarregassem <strong>de</strong> traí-lo, o certoé que, batidas as forças <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte Jovellanos, a revolução ficouvence<strong>do</strong>ra no campo <strong>de</strong> combate.234


ARTIGOS DE IMPRENSANeste pé estavam as coisas quan<strong>do</strong>, solicitada a intervenção <strong>do</strong>ministro brasileiro, enten<strong>de</strong>u este não <strong>de</strong>ver opor-se à reconciliação<strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s, prestan<strong>do</strong>-lhes uma mediação que, sem nenhumcomprometimento para o Brasil, indiretamente concorria para importermo a uma luta que o governo da República sentia não po<strong>de</strong>r prolongar.Era bom ofício <strong>de</strong> amigo que, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser recusa<strong>do</strong> sem exporo Brasil a justas <strong>de</strong>sconfianças <strong>de</strong> parte <strong>do</strong>s chefes revolucioná<strong>rio</strong>s como<strong>de</strong> parte <strong>do</strong> governo, tanto menos <strong>de</strong>via sê-lo quanto a primeira intenção,manifestada por aqueles e por esta aceita, era respeitar a autorida<strong>de</strong>legalmente constituída.Três eram os alvitres que, nestas circunstâncias, se ofereciam aodiplomata brasileiro: - 1° apoiar por uma intervenção direta a autorida<strong>de</strong><strong>de</strong> Jovellanos, substituin<strong>do</strong>-se ao governo da República e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-o aseu contragosto; - 2° recusar toda mediação e <strong>de</strong>ixar que a reconciliação<strong>do</strong> governo com a revolução se operasse por si mesma, se isto lhe fossepossível; - 3° não recusar a mediação e prestá-la nos termos em que o fez.Não cremos que A Reforma, ten<strong>do</strong> <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong> com raro esforço apolítica <strong>de</strong> não intervenção, se <strong>de</strong>clare pelo primeiro daqueles alvitres.Quan<strong>do</strong> o próp<strong>rio</strong> chefe <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, dispersa<strong>do</strong>s os seus meios <strong>de</strong>resistência, julgara <strong>de</strong>ver transigir com a revolução, seria <strong>de</strong> to<strong>do</strong> pontoinjustificável que as baionetas brasileiras interviessem com um apoiomaterial a sustentar uma autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong>liberada a ce<strong>de</strong>r. Des<strong>de</strong> essemomento não seria a questão entre forças <strong>do</strong> general Caballero e as<strong>do</strong> senhor presi<strong>de</strong>nte Jovellanos; sob a aparência <strong>de</strong> uma guerra civilestaria a guerra externa mais ou menos disfarçada. Não mais Jovellanos,porém o Brasil achar-se-ia em causa. Vencida a revolução, o que seriacertissimamente a questão <strong>de</strong> um encontro das nossas armas com as <strong>de</strong>Caballero, tu<strong>do</strong> o mais quanto se seguisse seria a obra <strong>do</strong> Brasil, e só porsua conta correria.Este alvitre era, portanto, muito digno <strong>de</strong> ser aparta<strong>do</strong>.Dois outros se ofereciam: - recusar a mediação ou prestá-la. A recusa,começan<strong>do</strong> por ser um protesto contra os nossos amigáveis e <strong>de</strong>sambiciosossentimentos com relação ao Paraguai, trar-nos-ia a <strong>de</strong>sconfiança <strong>do</strong> atual efuturo governo da República como um natural resulta<strong>do</strong>.O que teríamos nós a ganhar em apartar-nos <strong>do</strong>s usos universalmenteadmiti<strong>do</strong>s para recusar bons ofícios a quem no-los pedia no interesse dapacificação <strong>de</strong> um país amigo?235


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOVejamo-lo.Recusada a nossa mediação seria, ou não, ajusta<strong>do</strong> o acor<strong>do</strong> entre osenhor Jovellanos e o general Caballero.No primeiro caso, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> esse acor<strong>do</strong> em vista dascircunstâncias ser mais favorável ao governo da República <strong>do</strong> que o foio ajuste celebra<strong>do</strong> com a mediação <strong>do</strong> agente brasileiro, nada se houveraganha<strong>do</strong> no tocante às condições, e a revolução triunfante ver-nos-iacom razão com uma certa <strong>de</strong>sconfiança.No segun<strong>do</strong> caso seríamos vistos como os responsáveis morais pelaprolongação da luta, se ao senhor Jovellanos restassem energias paramantê-la, ou, <strong>de</strong>rriba<strong>do</strong> o governo legal, êxito natural da revolução, oque o houvesse <strong>de</strong> substituir teria to<strong>do</strong> fundamento para ver em nossarecusa uma cumplicida<strong>de</strong> com o governo <strong>de</strong>caí<strong>do</strong>. Nesse dia nos teriaevi<strong>de</strong>ntemente cabi<strong>do</strong> uma parte <strong>de</strong> venci<strong>do</strong>s.Vê se que a recusa <strong>de</strong> nossa mediação expunha a mais <strong>de</strong> uminconveniente, sen<strong>do</strong> o primeiro e <strong>do</strong>s mais graves <strong>de</strong>ixar supor queàs nossas forças está reserva<strong>do</strong> em Assunção o papel <strong>de</strong> sustentar umparti<strong>do</strong>, apear outro, e assim tomar parte nas evoluções da políticainte<strong>rio</strong>r <strong>do</strong> país. Daí a um protetora<strong>do</strong>, apenas sem o nome, não iriamuita distância.Não sen<strong>do</strong> esta a nossa intenção ao manter no Paraguai uma certaforça, a <strong>de</strong>missão imediata <strong>de</strong> nosso ministro era ato inoportuno,impolítico e inconvenientíssimo.No fim <strong>de</strong> contas <strong>de</strong>stinar-nos-ia esse seria um ato a humilhanteposição <strong>de</strong> venci<strong>do</strong>s perante uma revolução.O efeito natural <strong>de</strong> uma tal <strong>de</strong>missão, não há mesmo quem o nãoentreveja. Em cada um ministro da<strong>do</strong> pela revolução a Jovellanos,surgiria um inimigo <strong>do</strong> Brasil. Ora, não é <strong>de</strong> boa política animar inimigos.É sem nenhuma razão que A Reforma em duas hipóteses quefigura, presente reservada ao Brasil ou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manter coma sua garantia moral um esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> coisas infenso aos seus interesses efavorável aos <strong>de</strong> terceiros, ou <strong>de</strong> combater com grave dano das finançasa inimigos <strong>do</strong> atual governo <strong>do</strong> Paraguai.A posição que os trata<strong>do</strong>s nos <strong>de</strong>stinam perante o novo governo<strong>de</strong> Assunção é a mesma que mantínhamos perante o governo <strong>de</strong>caí<strong>do</strong>.São os mesmos os nossos direitos, os nossos interesses e a nossaresponsabilida<strong>de</strong>.236


ARTIGOS DE IMPRENSANão se esqueça, entretanto, que pelo conheci<strong>do</strong> acor<strong>do</strong> ficousalvo o princípio da autorida<strong>de</strong>, estipulan<strong>do</strong>-se no primeiro artigo oreconhecimento <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r legalmente constituí<strong>do</strong>.Cercan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> ministros <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os parti<strong>do</strong>s o senhor Jovellanosfê-lo para assegurar a paz interna, impon<strong>do</strong> fim à guerra civil, e nistoconsultan<strong>do</strong> o que lhe pareceu ser o legítimo interesse <strong>do</strong> seu país.O que tínhamos nós a ver com uma recomposição ministerial noParaguai?O que nos tinha si<strong>do</strong> pedi<strong>do</strong>, foi que protegêssemos a capital da república,on<strong>de</strong> temos aliás os nossos quartéis, <strong>de</strong>pósitos e hospitais, contra um assalto àmão armada. Isto fizemos nós e é bem <strong>de</strong> presumir que, se não fosse o apoiomaterial que nós tínhamos comprometi<strong>do</strong> a prestar ao governo para a <strong>de</strong>fesa<strong>de</strong> Assunção, as forças <strong>do</strong> exército vence<strong>do</strong>r teriam aí penetra<strong>do</strong>.Mas, além <strong>de</strong> que a nossa intervenção a mão armada não foisolicitada, ela não po<strong>de</strong>ria ir além da <strong>de</strong>fesa da capital; e esta se sabeque não foi atacada.São argentinos os novos ministros? Vão eles entregar o Paraguai aoestrangeiro? Não o cremos, nem em boa razão o po<strong>de</strong>ríamos presumir.Se eles o tentassem, na autorida<strong>de</strong> legal <strong>do</strong> senhor Jovellanosencontrariam a resistência que os interesses <strong>do</strong> país pu<strong>de</strong>ssem aconselhar.Do fato <strong>de</strong> se haver obriga<strong>do</strong> a chamar um ministé<strong>rio</strong> <strong>de</strong> conciliação,não se po<strong>de</strong> concluir que o senhor Jovellanos <strong>de</strong>va julgar <strong>de</strong> qualquersorte empenhada a sua palavra em manter um ministé<strong>rio</strong> conspira<strong>do</strong>rcontra os direitos da nação.Ce<strong>de</strong>rá também o senhor Jovellanos ou po<strong>de</strong>-se recear que ascircunstâncias lhe imponham uma <strong>do</strong>lorosa cumplicida<strong>de</strong> na obraantipatriótica <strong>do</strong> governo paraguaio?Que o faça, uma vez que respeite o Brasil e os seus direitos. Nosso fimnão é guerrear a República Argentina, ou combater as suas influências,mas sim zelar e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r as garantias da paz com o Paraguai.O Brasil, que não armou nem fomentou essa revolução, não tem<strong>de</strong> que arrecear-se pela pacificação <strong>do</strong> Paraguai. Os principais motores<strong>de</strong>ssas convulsões da infeliz República é que terão afinal <strong>de</strong> conhecerque proveito po<strong>de</strong>m dar empresas <strong>de</strong> tal natureza.Ten<strong>do</strong> por si a boa fé, a lealda<strong>de</strong> e o direito, o Brasil tem os meios<strong>de</strong> se fazer respeitar; e será respeita<strong>do</strong> em sua dignida<strong>de</strong>, como em seuslegítimos interesses.237


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOFique, porém, muito claramente assinala<strong>do</strong> que são os nossosadversá<strong>rio</strong>s que insinuam ao governo uma política <strong>de</strong> ativa intervençãoem um Esta<strong>do</strong> soberano e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.62)A NaçãoJornal político e comercial***Ano III, número 62, sába<strong>do</strong>, 21 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1874O que queriam que fizéssemos?Não pareceu bem ao A Reforma que, ao recordar os recentesacontecimentos da República <strong>do</strong> Paraguai, houvéssemos escrito que asnossas forças não estão em territó<strong>rio</strong> estranho para levantar parti<strong>do</strong>s,apean<strong>do</strong> outros, e fomentar e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r à mão armada grupos contra grupos.Daqui concluiu o órgão liberal que andara bem avisa<strong>do</strong> em <strong>de</strong>nunciarno governo imperial o primeiro responsável da política inqualificável <strong>do</strong>nosso ministro em Assunção.Sem recordar fatos mais remotos, tomaremos a questão <strong>do</strong> pontoem que a tomou A Reforma, isto é, da invasão armada <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> daRepública por cidadãos paraguaios que, meses antes, tinham leva<strong>do</strong> aoseu país à guerra civil.Nessa ocasião, e em resposta ao senhor presi<strong>de</strong>nte Jovellanos, oministro <strong>do</strong> Brasil afirmou por este mo<strong>do</strong> ao governo da República asintenções <strong>do</strong> governo <strong>do</strong> Brasil:Legação <strong>do</strong> Brasil no Paraguai – Assunção, 8 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1874. – SenhorMinistro – Pela nota datada <strong>de</strong> ontem dignou-se vossa excelência comunicar-me,em nome <strong>do</strong> governo da República, que, infelizmente contra os po<strong>de</strong>res legais<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, acaba <strong>de</strong> realizar-se uma nova invasão armada a cuja frente se achamos mesmos cidadãos paraguaios, que há poucos meses trouxeram a guerra civil aesta República.Manifestan<strong>do</strong> a vossa excelência, em resposta a sua precitada comunicação, osincero e profun<strong>do</strong> sentimento que, como representante <strong>de</strong> um governo amigo,238


ARTIGOS DE IMPRENSAexperimento ao ver uma luta sanguinolenta quase a travar-se novamente entreparaguaios, e fazen<strong>do</strong> os mais ar<strong>de</strong>ntes votos para que, quanto antes, se restabeleçaa tranquilida<strong>de</strong> e a confiança neste país, que tanto necessita <strong>de</strong> ambos estes bensinestimáveis como condição primeira e indispensável <strong>de</strong> sua reorganizaçãopolítica e social, cumpre-me ao mesmo tempo <strong>de</strong>clarar a vossa excelência que asforças brasileiras aqui estacionadas cooperarão, em caso necessá<strong>rio</strong>, para garantira or<strong>de</strong>m, as vidas e proprieda<strong>de</strong>s no distrito da capital, não permitin<strong>do</strong> que esta seconverta em campo <strong>de</strong> batalha.Esperan<strong>do</strong> ter assim satisfeitos os <strong>de</strong>sejos <strong>do</strong> governo da República manifesta<strong>do</strong>sno seu ofício dirigi<strong>do</strong> a esta legação, aproveito a oportunida<strong>de</strong> para renovar a vossaexcelência as seguranças da minha particular estima e mui distinta consi<strong>de</strong>ração –Antonio José Duarte <strong>de</strong> Araújo Gondim - A sua excelência o senhor <strong>do</strong>m José <strong>de</strong>lRosá<strong>rio</strong> Miranda, ministro das Relações Exte<strong>rio</strong>res.O comandante <strong>de</strong> nossas forças, por sua parte, o bravo <strong>barão</strong><strong>de</strong> Jaguarão, dirigiu-se nos seguintes termos ao senhor presi<strong>de</strong>nteJovellanos:Coman<strong>do</strong> da Divisão Brasileira no Paraguai – Quartel-general em Assunção,8 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1874. – Ilustríssimo e excelentíssimo senhor – Em nota datada<strong>de</strong> ontem, dignou-se vossa excelência comunicar-me que uma rebelião armada,dirigida pelos mesmos paraguaios que se rebelaram contra os po<strong>de</strong>res constituí<strong>do</strong>s,invadiu <strong>de</strong> novo o territó<strong>rio</strong> da República e que o estan<strong>do</strong> o governo <strong>de</strong> vossaexcelência no firme propósito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r aqueles po<strong>de</strong>res, e manter a or<strong>de</strong>mpública, pe<strong>de</strong>, em caso <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>, o apoio moral e material das forças que seacham <strong>de</strong>baixo <strong>do</strong> coman<strong>do</strong>.Em resposta, tenho a honra <strong>de</strong> dizer ao senhor ministro que, no caso <strong>de</strong> acometeremos revoltosos esta capital, po<strong>de</strong> contar com o apoio pedi<strong>do</strong> a fim <strong>de</strong> ser mantidaa or<strong>de</strong>m e a segurança pública e garantida a vida e os bens <strong>do</strong>s habitantes. Deusguar<strong>de</strong> a vossa excelência (assina<strong>do</strong>) <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Jaguarão, marechal <strong>de</strong> campo.Ilustríssimo e excelentíssimo senhor <strong>do</strong>m José <strong>de</strong>l R. Miranda, ministro das R. E.Como por estes <strong>do</strong>cumentos se vê, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s rebel<strong>de</strong>s osrevolucioná<strong>rio</strong>s, as forças <strong>do</strong> Brasil cooperariam em caso <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>para garantir a or<strong>de</strong>m, a vida e as proprieda<strong>de</strong>s no distrito da capital.239


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOMas, batidas as forças <strong>de</strong> Jovellanos em uma refrega na campanha,o mesmo senhor Jovellanos, que solicitara o apoio das forças <strong>do</strong> Brasilpara resguardar a capital contra um golpe <strong>de</strong> mão, pediu a intervenção<strong>do</strong> ministro brasileiro para um acor<strong>do</strong> com os revolucioná<strong>rio</strong>s. Estes<strong>de</strong> sua parte aceitaram essa intervenção, e <strong>do</strong> mútuo acor<strong>do</strong> resultou oajuste <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> fevereiro, firma<strong>do</strong> na legação <strong>do</strong> Brasil, sob a mediaçãoe garantia moral <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>.Não nos <strong>de</strong>moraremos em indagar <strong>do</strong>s motivos, aliás óbvios, que talresolução inspiraram ao presi<strong>de</strong>nte da República. O único fim <strong>de</strong> poupar aum país extenua<strong>do</strong> a perda <strong>de</strong> sangue, e a um tesouro exauri<strong>do</strong> custosíssimossacrifícios, teria entre esses motivos uma assinalada influência.Era <strong>de</strong> ser recusada a nossa intervenção quan<strong>do</strong> nos era pedida porum governo amigo, e <strong>de</strong>la talvez em boa parte <strong>de</strong>pendia a pacificação<strong>do</strong> país?Diz A Reforma que, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as instruções naturalmenterecebidas <strong>do</strong> governo imperial, e <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com o que haviaprometi<strong>do</strong> ao governo da República, <strong>de</strong>via o nosso ministro <strong>de</strong>ixarem completa neutralida<strong>de</strong> que os acontecimentos fora <strong>de</strong> Assunção secumprissem totalmente.Mas isto foi, nem mais nem menos, o que fez o ministro brasileiroO acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> fevereiro, celebra<strong>do</strong> na legação <strong>do</strong> Brasil, se pôstermo a esses acontecimentos, e foi influencia<strong>do</strong> pela vitória alcançadapela revolução, está longe <strong>de</strong> ser um ato <strong>de</strong> intervenção espontânea oucalculada para dar ou retirar influência a este ou aquele parti<strong>do</strong>.Ainda A Reforma observa que, ou Jovellanos nos traiu, ou per<strong>de</strong>ua fé em nossos elementos <strong>de</strong> força, e <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> ou <strong>de</strong> outro a nossaintervenção foi inoportuna.Quan<strong>do</strong> se reflete que o senhor Jovellanos não ce<strong>de</strong>u à proposição<strong>de</strong> paz senão <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> empenhar as suas forças contra as <strong>do</strong> inimigo,e se aten<strong>de</strong> a que a primeira cláusula <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> fevereiroconsagra o acatamento <strong>do</strong>s altos po<strong>de</strong>res <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, entrevê-se que nãofoi um intento ignóbil o que <strong>de</strong>terminou o presi<strong>de</strong>nte da república ao atopara que solicitou a nossa intervenção.Recusada que ela fosse, o que se daria? Avaliemos as circunstânciaspelo que elas valem.Celebrar-se-ia ou não o acor<strong>do</strong>. No primeiro caso teríamos <strong>de</strong> assistirindiferentemente à celebração <strong>do</strong> ajuste que, sem a garantia moral <strong>de</strong> um240


ARTIGOS DE IMPRENSAgoverno amigo, naturalmente importaria em um verda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>spojo <strong>do</strong>svenci<strong>do</strong>s no campo <strong>de</strong> batalha. No segun<strong>do</strong> caso correria toda a nossaconta, e só por ela, o sangue que viesse a ser <strong>de</strong>rrama<strong>do</strong>. Des<strong>de</strong> essemomento a guerra civil houvera perdi<strong>do</strong> esse caráter para tomar, sobuma frívola aparência, o <strong>de</strong> guerra externa.Falou A Reforma em quebra <strong>de</strong> nossa dignida<strong>de</strong> nesse acontecimentoque ela chama miseran<strong>do</strong>.Não advertiremos no efeito que tais palavras vão prestar-se entre osnossos vizinhos <strong>do</strong> Prata. Esta cruel expressão, e tão cruel como injusta,nós a teremos <strong>de</strong>ntro em pouco <strong>de</strong> torna-viagem acompanhada <strong>do</strong>scomentá<strong>rio</strong>s à que a <strong>imprensa</strong> argentina nos tem habitua<strong>do</strong>.On<strong>de</strong> está, entretanto, a quebra <strong>de</strong> nossa dignida<strong>de</strong>? Estávamos nósem causa entre Jovellanos e Caballero? Feria-se entre eles uma questã<strong>obras</strong>ileira?Esse acor<strong>do</strong>, celebra<strong>do</strong> sob a nossa garantia moral, firman<strong>do</strong>o reconhecimento <strong>do</strong>s po<strong>de</strong>res constituí<strong>do</strong>s, salva o princípio <strong>de</strong>autorida<strong>de</strong>. Ora, tal era o fim com que prometêramos a Jovellanos onosso apoio material.Com os novos e com os antigos ministros <strong>do</strong> governo paraguaio, osnossos interesses são os mesmos, e é a mesma a nossa posição.Se os novos ministros, como aliás não supomos, tentarem entregaro Paraguai <strong>de</strong> pés e mãos atadas à influência argentina, consigam-no ounão, temos pouco a ver com isto uma vez que os nossos direitos sejamrespeita<strong>do</strong>s.Estes o serão em to<strong>do</strong> caso.Concluímos repetin<strong>do</strong> ao órgão liberal: - A missão das nossas forçasno Paraguai não é criar parti<strong>do</strong>s ou fomentar divisões. No triunfo ousemi-triunfo da revolução, não fomos vence<strong>do</strong>res nem venci<strong>do</strong>s. Nemas nossas armas nem a nossa diplomacia estavam em causa.***241


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO63) A NaçãoJornal político e comercialAno III, número 83, sába<strong>do</strong>, 18 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1874Revista PolíticaO Diá<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Rio publicou hoje um artigo anônimo em que apareceo nome <strong>do</strong> jornal que redigimos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> certo tempo.A insinuação que nesse artigo se contém é clara, e sen<strong>do</strong> os abaixoassina<strong>do</strong>s, como se sabe, os redatores <strong>de</strong> A Nação, é fácil compreen<strong>de</strong>ra quem é dirigida a gratuita imputação que aí se lê. Atribui-se a nós(talvez porque somos amigos <strong>do</strong> senhor <strong>do</strong>utor Luiz Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Gouvêae <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos nas colunas <strong>de</strong>sta folha as concessões ultimamentefeitas pelo governo), atribui-se a algum <strong>de</strong> nós, ou a ambos nós [sic],participação na empresa <strong>de</strong>sse cavalheiro.Cumpre-nos, pois, protestar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já contra tão infundada e inju<strong>rio</strong>sasuspeita.Nada absolutamente temos com a empresa <strong>do</strong> senhor Ban<strong>de</strong>ira, enunca recomendamos ao senhor ministro da Agricultura, nem aos seuscolegas, essa ou outra qualquer pretensão <strong>do</strong> mesmo gênero.Apenas uma vez conversamos com sua excelência sobre o assunto, efoi para pedir-lhe informações que nos habilitasse a respon<strong>de</strong>r a algumasperguntas feitas por A Reforma relativamente a um suposto conchavoentre o nobre ministro e a câmara municipal, entre as quais se <strong>de</strong>ixavaperceber os princípios que ante<strong>rio</strong>rmente sustentara quan<strong>do</strong> se <strong>de</strong>u oconflito municipal <strong>do</strong> ano passa<strong>do</strong>.Não autorizamos, pois, por fato algum a suspeita <strong>do</strong> articulista emquestão.Em questões <strong>de</strong> uma certa natureza, ainda que se trate <strong>de</strong> artigoanônimo <strong>de</strong> uma vaga referência, é bom <strong>de</strong>ixar os pontos nos ii.***J. M. da Silva ParanhosF. L. <strong>de</strong> Gusmão Lobo242


ARTIGOS DE IMPRENSA64) A NaçãoJornal político e comercialAno III, número 103, terça-feira, 12 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1874Não há aindaNão há ainda notícias oficiais sobre o combate ou encontro quetiveram as tropas brasileiras e as <strong>do</strong> governo <strong>do</strong> Paraguai com os rebel<strong>de</strong>s<strong>de</strong>sse país, dirigi<strong>do</strong>s pelos majores Molas e Ávalos.Pouco po<strong>de</strong>mos acrescentar às notícias que publicamos ontem e quenão sabemos até que ponto são exatas.Em outras folhas <strong>de</strong> Buenos Aires e <strong>de</strong> Montevidéu, que recebemoshoje, os fatos são narra<strong>do</strong>s <strong>do</strong> seguinte mo<strong>do</strong>:Os rebel<strong>de</strong>s, dirigi<strong>do</strong>s pelos majores Molas e Ávalos, reuniram-se emParaguari, apo<strong>de</strong>raram-se <strong>de</strong> um trem <strong>do</strong> caminho <strong>de</strong> ferro e espalharam pelasvizinhanças da capital o susto e a <strong>de</strong>solação, rouban<strong>do</strong> as casas <strong>de</strong> campo eassassinan<strong>do</strong> os mora<strong>do</strong>res que se recusavam a alistar-se em suas fileiras.Não representavam um parti<strong>do</strong> político: formavam apenas umban<strong>do</strong> <strong>de</strong> saltea<strong>do</strong>res e solda<strong>do</strong>s indisciplina<strong>do</strong>s, dirigi<strong>do</strong>s por <strong>do</strong>ischefes sem prestígio, cujos nomes aparecem pela primeira vez na cenapolítica daquele país.O presi<strong>de</strong>nte Jovellanos fez sair da capital uma força <strong>de</strong> 300 homense 2 canhões krupp , ao man<strong>do</strong> <strong>do</strong> ministro da Guerra, general Serrano.Essa tropa acampou sem as <strong>de</strong>vidas precauções junto a Trinidad,a algumas léguas <strong>de</strong> Assunção, e foi surpreendida e <strong>de</strong>sbaratada pelosfacciosos na madrugada <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> abril.Os <strong>do</strong>is canhões e quase to<strong>do</strong> o armamento caíram em po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>Molas. As tropas <strong>do</strong> governo tiveram apenas 2 oficiais e 3 solda<strong>do</strong>smortos, mas muitos ficaram prisioneiros.Os rebel<strong>de</strong>s ameaçaram então a capital, roubaram cavalos e boispertencentes à divisão brasileira, e saquearam muitas casas <strong>do</strong>s subúrbios.Sua força chegaria a uns 500 homens.O governo paraguaio pediu que as nossas tropas interviessem parasalvar a capital e manter a or<strong>de</strong>m.A <strong>imprensa</strong> <strong>de</strong> Buenos Aires mostrava-se irritada por ver que opróp<strong>rio</strong> general Caballero i<strong>de</strong>ntificava-se nesta questão com o presi<strong>de</strong>nte243


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOJovellanos e com seus colegas <strong>de</strong> ministé<strong>rio</strong>, invocan<strong>do</strong> o apoio dasarmas brasileiras.Saíram as nossas tropas e com elas um contingente paraguaio.Segun<strong>do</strong> as notícias que publicamos ontem o senhor marechal <strong>de</strong>campo <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Jaguarão pôs-se à frente das forças que saíram. Segun<strong>do</strong>uma folha argentina que vimos hoje, quem coman<strong>do</strong>u as tropas emcampanha foi o senhor briga<strong>de</strong>iro Mesquita.O general Serrano comandava o contingente paraguaio queacompanhava a divisão brasileira.Os rebel<strong>de</strong>s puseram-se logo em retirada, sustentan<strong>do</strong> um pequenotiroteio <strong>de</strong> guerrilhas, e fizeram alto junto à Loma <strong>de</strong> Luque, on<strong>de</strong>formaram em batalha.Diz uma folha argentina que correu muito sangue, mas todas asoutras dizem que apenas a nossa cavalaria lançou-se à carga contrauma das alas <strong>do</strong>s facciosos, dispersaram-se estes, sen<strong>do</strong> ativamentepersegui<strong>do</strong>s, e largan<strong>do</strong> no campo to<strong>do</strong> o seu armamento e artilharia.Asseguram mais que nem os brasileiros nem os paraguaios <strong>de</strong> Serranosofreram perdas.A or<strong>de</strong>m fica restabelecida completamente.O próximo paquete nos dirá a verda<strong>de</strong> sobre esses acontecimentos.65) A NaçãoJornal político e comercial***Ano III, número 106, sába<strong>do</strong>, 16 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1874Os acontecimentos <strong>do</strong> ParaguaiPo<strong>de</strong>mos hoje confirmar as notícias que nos trouxe nosso últimopaquete.Os bandi<strong>do</strong>s dirigi<strong>do</strong>s por Molas, Ávalos, Aveiro e Goiburú,ameaçaram a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assunção e enviaram uma insolente intimaçãoao senhor marechal <strong>de</strong> campo <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Jaguarão, para que <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>de</strong>zminutos fizesse retirar da Praça <strong>de</strong> São Francisco as tropas brasileiras,que aí se achavam a pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> governo paraguaio.244


ARTIGOS DE IMPRENSAA resposta foi a or<strong>de</strong>m imediata <strong>de</strong> avançar. O briga<strong>de</strong>iro Mesquitaadiantou-se, in<strong>do</strong> com ele uma força paraguaia ao man<strong>do</strong> <strong>do</strong> generalSerrano.Apenas avançou o 2º regimento <strong>de</strong> cavalaria, espalhan<strong>do</strong>-se emguerrilhas, puseram-se em precipitada retirada os rebel<strong>de</strong>s. Em Luquefez alto a coluna <strong>de</strong> Molas, composta <strong>de</strong> pouco mais <strong>de</strong> 400 homens,com 2 canhões krupp, e esperou as nossas forças e as <strong>de</strong> Serrano, mas,quan<strong>do</strong> o 2º regimento brasileiro e a cavalaria paraguaia lançaram-seà carga, fugiram em confusão os inimigos, aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> a artilharia,muito armamento e 1 ban<strong>de</strong>ira, que foi tomada por um solda<strong>do</strong> nosso, eentregue <strong>de</strong>pois ao presi<strong>de</strong>nte Jovellanos.O encontro <strong>de</strong> Luque não foi um combate, foi uma dispersão paraos rebel<strong>de</strong>s.Não sofremos prejuízo algum.Toda a população paraguaia, sem distinção <strong>de</strong> parti<strong>do</strong>s, aplaudiu aatitu<strong>de</strong> que tomamos nessa emergência.Os bandi<strong>do</strong>s que seguiam o cabecilha Molas não representavamum parti<strong>do</strong> político, e mancharam-se às portas da capital com os maishorrorosos crimes.O redator <strong>do</strong> jornal La Patria, Francisco Martinez, que se achavaem Trinidad com o general Serrano, caiu em po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Molas e foibarbaramente assassina<strong>do</strong>.Pela seguinte carta escrita por um <strong>do</strong>s rebel<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>-se fazer i<strong>de</strong>ia<strong>do</strong>s projetos <strong>de</strong>sta gente:Estamos <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong>s a atear fogo em toda a República, até que morra o últimosolda<strong>do</strong> <strong>do</strong>s nossos.Correremos o país com fachos incendiá<strong>rio</strong>s, e não respeitaremos nem os quartéis,nem os hospitais brasileiros.Temos or<strong>de</strong>ns <strong>do</strong>s chefes da revolução para não matar os prisioneiros, que e, seestes forem brasileiros, nos limitemos a castigá-los.Esta or<strong>de</strong>m já foi cumprida com um certo Daniel Loizaga, o qual, segun<strong>do</strong> dizem,está muito maltrata<strong>do</strong>.245


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOIgual sorte terão os estrangeiros que tomarem armas a favor <strong>do</strong>s invasores.O secretá<strong>rio</strong> <strong>do</strong> coronel Serrano caiu prisioneiro e o esquartejamos no campo <strong>de</strong>batalha.Redigia uma folha em Assunção, era espanhol, e se chamava Martinez.A <strong>imprensa</strong> argentina mostrava-se irritada por ver que to<strong>do</strong>s osparaguaios, sem excetuar os ministros Caballero, Escobar, e seusa<strong>de</strong>rentes, haviam recorri<strong>do</strong> à intervenção <strong>do</strong> Brasil.É que os próp<strong>rio</strong>s chefes da revolução que partiu <strong>de</strong> Corrientes, ecujo triunfo em Campo Gran<strong>de</strong> foi tão aplaudi<strong>do</strong> pelos argentinos, estãoconvenci<strong>do</strong>s hoje <strong>de</strong> que o Brasil é um amigo sincero e <strong>de</strong>sinteressa<strong>do</strong><strong>do</strong> Paraguai.Não queremos <strong>de</strong>smembrar violentamente nem um só palmo <strong>do</strong> seuterritó<strong>rio</strong>, e nunca fomentamos a anarquia nesse <strong>de</strong>sgraça<strong>do</strong> país.Os que recorrem a tais meios arrepen<strong>de</strong>m-se sempre <strong>de</strong> os haveremprega<strong>do</strong>.Quantas esperanças <strong>de</strong>positavam os argentinos em Caballero e nosvence<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Campo Gran<strong>de</strong>! Hoje mostram-se <strong>de</strong>speita<strong>do</strong>s porquereconhecem que esse chefe e seus partidá<strong>rio</strong>s são antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> paraguaios.E porque Caballero e seus amigos são pat<strong>rio</strong>tas, e não se prestam a serinstrumentos <strong>de</strong> um ambicioso vizinho, começa a <strong>imprensa</strong> <strong>de</strong> BuenosAires a agredi-lo e a simpatizar com um ban<strong>do</strong> <strong>de</strong> assassinos dirigi<strong>do</strong>spor homens obscuros, repeli<strong>do</strong>s por toda a população paraguaia, pelos<strong>do</strong>is gran<strong>de</strong>s parti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> país, hoje representa<strong>do</strong>s no governo!O Nacional <strong>de</strong> Buenos Aires esse chega até a dizer que foi o Brasilquem promoveu a revolta <strong>de</strong> Molas para <strong>de</strong>pois ter o prazer <strong>de</strong> sufocá-la.É confiar muito na ingenuida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s seus leitores!***246


ARTIGOS DE IMPRENSA66) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano III, número 110, quinta-feira, 21 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1874Da República ArgentinaDa República Argentina recebemos <strong>do</strong>is importantes <strong>do</strong>cumentos:a mensagem <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte senhor Sarmiento, e o relató<strong>rio</strong> <strong>do</strong> senhorTeje<strong>do</strong>r.Em outro lugar <strong>de</strong>sta folha, encontrarão os nossos leitores os trechosque mais nos interessam.Os sentimentos pacíficos que o senhor Sarmiento manifesta em suamensagem têm o cunho da sincerida<strong>de</strong>, sen<strong>do</strong> para lamentar que taispalavras não fossem proferidas antes.O imenso material <strong>de</strong> guerra que sua excelência, leva<strong>do</strong> das melhoresintenções, tem acumula<strong>do</strong>, não po<strong>de</strong> entretanto receber outra aplicaçãoda parte <strong>do</strong> seu sucessor?O senhor Avellaneda, eleva<strong>do</strong> ao po<strong>de</strong>r pelos alsinistas, estaráanima<strong>do</strong> <strong>do</strong>s mesmos sentimentos pacíficos?É o que o tempo se encarrega a <strong>de</strong>monstrar.Quanto às negociações com o Paraguai, o relató<strong>rio</strong> <strong>do</strong> senhorTeje<strong>do</strong>r manifesta o propósito <strong>de</strong> seguir uma política <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com ossentimentos <strong>do</strong> chefe <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, mas não expõe a questão <strong>de</strong> direito,pelo que respeita ao Brasil, em sua verda<strong>de</strong>ira luz.O relató<strong>rio</strong> <strong>do</strong> honra<strong>do</strong> viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Caravelas esclarece to<strong>do</strong>sos pontos, e mostra que as conjecturas <strong>do</strong> senhor Teje<strong>do</strong>r po<strong>de</strong>m servoltadas contra o governo <strong>de</strong> Buenos Aires.Há, porém, no relató<strong>rio</strong> <strong>do</strong> ministro argentino uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong>imensa importância; o governo <strong>de</strong> Buenos Aires aceita o arbitramentocomo o propôs o Brasil.Se assim é, porque tanta celeuma, e porque não trata o senhorTeje<strong>do</strong>r <strong>de</strong> realizar esse pensamento?Talvez tema que o infeliz Paraguai se mostre altivo!...***247


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO67) A NaçãoJornal político e comercialAno III, número 115, quarta-feira, 27 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1874O senhor viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio BrancoComeçou hoje na câmara temporária a discussão <strong>do</strong> voto <strong>de</strong> graças.Numerosa multidão enchia as galerias, antessalas e corre<strong>do</strong>res. Nãohavia espaço para um ouvinte <strong>de</strong>mais.No recinto <strong>do</strong> salão os senhores presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Conselho, e ministrosda Guerra, da Marinha e <strong>do</strong>s Estrangeiros, ocupavam os seus lugares. Os<strong>de</strong>mais ministros ocupavam as suas ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s.Rompeu o <strong>de</strong>bate o senhor conselheiro Paulino <strong>de</strong> Souza.Visivelmente inquieta<strong>do</strong> pela gran<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> que sentia aosombros, receoso <strong>de</strong> cavar abismos entre os seus próp<strong>rio</strong>s amigos, suaexcelência consagrou a maior parte <strong>de</strong> seu longo discurso a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r acoerência <strong>de</strong> seu procedimento, como se <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os la<strong>do</strong>s, e até <strong>do</strong> seio<strong>de</strong> seus novos amigos, lhe surgissem interrogações fulminantes.Nessa parte <strong>de</strong> seu discurso, que se po<strong>de</strong> dizer a parte histórica, suaexcelência buscou <strong>de</strong>bal<strong>de</strong> justificar a dissidência conserva<strong>do</strong>ra pelo motivo,confutadíssimo, <strong>de</strong> ausência da confiança pessoal nos atuais ministros.O parlamento ouviu <strong>do</strong>s lábios <strong>do</strong> senhor conselheiro Paulino <strong>de</strong>Souza esta formal <strong>de</strong>claração: - Não são as i<strong>de</strong>ias que nos separam; onosso programa é comum. Por que nos não unimos? Porque entre nós evós eleva-se uma objeção, uma objeção formidável, o <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong>maio <strong>de</strong> 1872!É assim que o senhor conselheiro Paulino <strong>de</strong> Souza se encarregou,ele próp<strong>rio</strong>, num <strong>de</strong>sses momentos <strong>de</strong> expansão a que nenhum ora<strong>do</strong>rpo<strong>de</strong> eximir-se, <strong>de</strong> confirmar <strong>do</strong> alto da tribuna, o que tantas vezestemos sustenta<strong>do</strong>: - e é que a dissidência, que rasga os seios <strong>do</strong> parti<strong>do</strong>conserva<strong>do</strong>r, ten<strong>do</strong> origem em um preito <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias, per<strong>de</strong>u daí em diantetoda a razão <strong>de</strong> ser.Venha aí qualquer outro ministé<strong>rio</strong>, acrescentou o ora<strong>do</strong>r, e não lherecusaremos o apoio que <strong>de</strong>vemos a um governo conserva<strong>do</strong>r.Não se podia dizer mais claro que não é por uma questão <strong>de</strong>princípios que conserva<strong>do</strong>res se elevam contra conserva<strong>do</strong>res.248


ARTIGOS DE IMPRENSAA dissidência tinha si<strong>do</strong> julgada pelo seu ilustre chefe.Feita esta primeira revelação, o senhor conselheiro Paulino <strong>de</strong> Souzaenten<strong>de</strong>u oportuno referir-se em rápida análise aos graves assuntos dasrelações exte<strong>rio</strong>res, finanças e questão religiosa.No tocante às relações internacionais <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>, sua excelênciarecor<strong>do</strong>u que, enquanto em 1852 o nome <strong>do</strong> Brasil era respeita<strong>do</strong> entre osnossos vizinhos <strong>do</strong> Prata, em 1874 bem diversa se mostrava a situação.Tanto dinheiro <strong>de</strong>spendi<strong>do</strong>, disse o ora<strong>do</strong>r, por arrasar asfortificações <strong>de</strong> Humaitá, tantas preciosas vidas por garantir a liberda<strong>de</strong>da comunicação fluvial com Mato Grosso, e, no fim <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, a RepúblicaArgentina po<strong>de</strong> a seu bel-prazer fortificar Martín García e terá assim achave <strong>do</strong> Paraná e Uruguai!Na parte relativa às finanças o ora<strong>do</strong>r limitou-se a pon<strong>de</strong>rar que <strong>de</strong>1871 a 1874, tinha a <strong>de</strong>spesa cresci<strong>do</strong>, anuncian<strong>do</strong>-se sal<strong>do</strong>s enquanto otesouro pe<strong>de</strong> dinheiro a prêmio a juro <strong>de</strong> 6%, pagos adianta<strong>do</strong>s.A questão religiosa foi para sua excelência um verda<strong>de</strong>iro leito <strong>de</strong>Procusto.Sua excelência, combaten<strong>do</strong> com vigor o procedimento judicialintenta<strong>do</strong> contra os bispos <strong>de</strong> Olinda e <strong>do</strong> Pará, <strong>de</strong>clara-se todaviacatólico, apostólico, romano, nos termos da constituição política <strong>do</strong>Impé<strong>rio</strong>.O placet e o recurso à coroa, são para o ora<strong>do</strong>r instituiçõesconstitucionais a que se <strong>de</strong>ve preito e homenagem.O ora<strong>do</strong>r foi adiante: - De um perío<strong>do</strong> em que falou nos direitos <strong>de</strong>família, concluiu o auditó<strong>rio</strong> que sua excelência vai até a reclamar ocasamento civil, como medida aconselhada pelas circunstâncias.No momento em que o senhor Paulino <strong>de</strong> Souza afirmava a suaobediência aos preceitos da Igreja, e se <strong>de</strong>clarava com ênfase católico,apostólico, romano, vivos apartes interrompiam o ora<strong>do</strong>r, pedin<strong>do</strong>lheque se <strong>de</strong>finisse sem frívolos ro<strong>de</strong>ios. Debal<strong>de</strong> o tentavam: suaexcelência., censuran<strong>do</strong> o procedimento judicial instaura<strong>do</strong> aos bispos,<strong>de</strong>fendia ao mesmo tempo o recurso à coroa e o beneplácito.O ora<strong>do</strong>r tinha <strong>de</strong>bal<strong>de</strong> gesticula<strong>do</strong> com uma <strong>de</strong>susada vivacida<strong>de</strong>;<strong>de</strong>bal<strong>de</strong> buscava pelo entono da voz anunciar com uma certa solenida<strong>de</strong> assuas convicções. Sua excelência tinha <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> a questão no mesmo pé, comto<strong>do</strong> o seu cortejo <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s. Nem uma i<strong>de</strong>ia nova. Nem ultramontanos,nem regalistas revelavam confiança no arauto da conciliação.249


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCONo meio <strong>de</strong>sse profun<strong>do</strong> silêncio, que anuncia a presença <strong>de</strong> umgran<strong>de</strong> ora<strong>do</strong>r na tribuna, ergueu-se o senhor viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco.Acompanhan<strong>do</strong> a par e passo o ora<strong>do</strong>r que o prece<strong>de</strong>ra, o ilustrepresi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Conselho começou recordan<strong>do</strong> as circunstâncias que<strong>de</strong>terminaram a dissolução <strong>de</strong> 1872, <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong>, por uma rápidaapreciação, que outro não podia ser o <strong>de</strong>senlace constitucional da criseentão manifestada.Nesta parte <strong>de</strong> seu discurso, o ora<strong>do</strong>r, vivamente interrompi<strong>do</strong> porsignificativas mostras <strong>de</strong> aplauso, <strong>de</strong>ixou patente que não é em nome <strong>de</strong>i<strong>de</strong>ias e princípios que as mantém uma dissidência no seio <strong>do</strong> parti<strong>do</strong>conserva<strong>do</strong>r.Deixemos, disse o ora<strong>do</strong>r, vãs recriminações que a ninguémaproveitam. Se temos cometi<strong>do</strong> erros, apontai-os; dizei como po<strong>de</strong>ríeister a fortuna <strong>de</strong> os ter evita<strong>do</strong>: anunciai-nos, e ao país. Essa políticamiraculosa que tu<strong>do</strong> reporia em seu lugar, tu<strong>do</strong> restauraria, no momentoem que vos caíssem aos ombros estas fardas bordadas.Entran<strong>do</strong> no assunto das relações exte<strong>rio</strong>res, o festeja<strong>do</strong> ora<strong>do</strong>rexprimiu-se com a reserva e <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za que a matéria <strong>de</strong>manda.É certo, disse o senhor viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco, que as nossasrelações com as Repúblicas platinas não são hoje em dia as <strong>de</strong> 1852. Maspo<strong>de</strong> alguém suprimir uma guerra <strong>de</strong> cinco anos, e com ela to<strong>do</strong> o curso<strong>de</strong> acontecimentos que encheram esse perío<strong>do</strong>? Fomos nós que fizemosessa guerra, que celebramos o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> maio, que <strong>de</strong>mos causae origem a <strong>de</strong>sconfianças que o tempo e uma política <strong>de</strong>sambiciosa <strong>de</strong>ilegítima influência conseguirão tranquilizar?Fortifican<strong>do</strong> Martín García, a República Argentina julga usar <strong>de</strong> umdireito, como julga <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r outro, reclaman<strong>do</strong> toda a posse <strong>do</strong> Chacoaté a Bahia Negra. No esta<strong>do</strong> em que estas questões se acham, o ora<strong>do</strong>rreputaria altamente inconveniente instituir sobre tal assunto um largo<strong>de</strong>bate.Sem faltar à fé <strong>do</strong>s contratos, o governo imperial tem feito quanto<strong>de</strong>ve por não <strong>de</strong>ixar comprometi<strong>do</strong>s os seus legítimos interesses.Depois <strong>de</strong> outras pon<strong>de</strong>rosas reflexões sobre este grave assunto, oora<strong>do</strong>r interroga ao seu ilustre adversá<strong>rio</strong> se seria possível criar novosserviços, <strong>de</strong>senvolver outras, renovar o material <strong>do</strong> exército e armada,prolongar vias férreas, esten<strong>de</strong>r a navegação, fomentar a colonização,etc., sem aumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesa.250


ARTIGOS DE IMPRENSASe os sal<strong>do</strong>s <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>s no relató<strong>rio</strong>, já presente ao parlamento,são ou não são reais, é questão que se <strong>de</strong>ve apreciar <strong>de</strong>tidamente,mediante o paciente exame <strong>de</strong> algarismos, e o ora<strong>do</strong>r não se recusará acontestar quantas objeções se suscitem aí contra as suas previsões.Não aceita somente discussão; provoca-a.A elevação <strong>do</strong> prêmio <strong>do</strong>s bilhetes <strong>do</strong> tesouro não atesta urgências<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.É o meio <strong>de</strong> realizar, tão <strong>de</strong> pronto como convém e foi autoriza<strong>do</strong>,uma operação indispensável à marcha regular <strong>do</strong> serviço.Na questão religiosa o ilustre senhor viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Brancorevelou, em frase tão vigorosa como animada, as profundas convicções<strong>de</strong> que tem si<strong>do</strong> intérprete no governo.Prezan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> ser tão bom católico como os melhores, nutrin<strong>do</strong> amais firme esperança <strong>de</strong> morrer no seio <strong>de</strong>ssa religião em que foi educa<strong>do</strong>,e não recusan<strong>do</strong> à autorida<strong>de</strong> <strong>do</strong>cente da Igreja a sua incontestávelinfluência, o ora<strong>do</strong>r é ao mesmo tempo cidadão, chefe <strong>de</strong> um gabinete, eem um e em outro caráter <strong>de</strong>ve a mais plena obediência aos preceitos daconstituição política <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>.As interdições lançadas a várias irmanda<strong>de</strong>s pelos bispos <strong>de</strong> Olindae <strong>do</strong> Pará, constituin<strong>do</strong> verda<strong>de</strong>iros e lamentáveis excessos <strong>de</strong> jurisdiçãoespiritual, foram assim julgadas pelo Conselho <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>, mediante orecurso pré-estabeleci<strong>do</strong> pela lei.Nada ten<strong>do</strong> inova<strong>do</strong> nas leis, o governo se tem limita<strong>do</strong> a cumprilas,tão inteiramente como nelas se contém.Certo como está o ora<strong>do</strong>r <strong>de</strong> que nenhum outro governo exce<strong>de</strong>ria oatual em prudência e em mo<strong>de</strong>ração, lamenta profundamente o conflito;tem a grata esperança <strong>de</strong> o ver termina<strong>do</strong>; mas saberá resguardar asoberania nacional contra impensa<strong>do</strong>s e irrefleti<strong>do</strong>s ataques.Nesta parte <strong>de</strong> seu notável discurso, talvez o mais importante, ogran<strong>de</strong> ora<strong>do</strong>r exce<strong>de</strong>u-se a si mesmo.Ao <strong>de</strong>ixar a tribuna, o ilustre senhor viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco foivivamente aplaudi<strong>do</strong> por <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s e especta<strong>do</strong>res. Inúmeros cidadãos,e muitos homens <strong>do</strong> povo entre eles, o vieram saudar.Os <strong>do</strong>is discursos, <strong>de</strong> que temos da<strong>do</strong> um esboço tão rápi<strong>do</strong> comoincompleto, tinham enchi<strong>do</strong> toda a sessão.O dia <strong>de</strong> hoje foi <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iro e incontesta<strong>do</strong> triunfo para o gabinete<strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> março.251


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO68) A NaçãoJornal político e comercialAno III, número 224, quarta-feira, 07 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1874Os nossos armamentosAplaudimo-nos por ver que o Diá<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Rio tirou-se <strong>de</strong> seu habitualsilêncio para vir tomar posição nos <strong>de</strong>bates da <strong>imprensa</strong>. De algunsdias a esta parte, coincidin<strong>do</strong> com os folhetins <strong>do</strong> senhor PinheiroChagas, nos tem da<strong>do</strong> o <strong>de</strong>cano <strong>de</strong> nossa <strong>imprensa</strong> a íntima satisfação<strong>de</strong> anunciar sobre vá<strong>rio</strong>s assuntos o seu pensamento que, até um certotempo, balda<strong>do</strong> era interrogar.Em boa hora o fez. Na luta pacífica das i<strong>de</strong>ias, servida por essacuida<strong>do</strong>sa mo<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> linguagem <strong>de</strong> que o Diá<strong>rio</strong> possui o segre<strong>do</strong>, oespírito público tem tu<strong>do</strong> a ganhar, nada a per<strong>de</strong>r. Ainda por outro la<strong>do</strong>presta o Diá<strong>rio</strong> um serviço, e é o <strong>de</strong> mostrar por atos que a oposição maissuspeitosa, a mais intransigente e irreconciliável, não precisa, para ir aseu fim, <strong>de</strong> uns quantos arremetimentos e energias <strong>de</strong> palavras suprem amuitos o vigor da dialética e a segurida<strong>de</strong> das convicções.Não sabemos quais previsões <strong>do</strong> Diá<strong>rio</strong> tenham si<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhadas pelogoverno, nem que esforços tenha feito o contemporâneo em <strong>de</strong>fesa da pazcontra a torrente das paixões em ebulição sob a impressão <strong>de</strong> supostas ameaças.A paz, essa a queremos tão sinceramente como o Diá<strong>rio</strong>, e nemoutro tem si<strong>do</strong> o invariável pensamento a inspirar a política externa<strong>do</strong> governo imperial. Paz honrada, subenten<strong>de</strong>-se, digna <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong>povo que a to<strong>do</strong>s os mais interesses antepõe a honra nacional.Nos trata<strong>do</strong>s, acor<strong>do</strong>s, missões, em tu<strong>do</strong> está <strong>de</strong> tal mo<strong>do</strong> patenteo ar<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> cultivar e estreitar as boas relações <strong>de</strong> nação anação,que não seria mesmo uma coisa séria atribuir ao governo <strong>do</strong>Brasil tendências belicosas. A convicção pública está neste ponto tãorepousada que escusa<strong>do</strong> é ainda mais tranquilizá-la.É certo que, se não refizemos totalmente o material <strong>de</strong> nosso exércitoe armada, fez-se quanto era preciso, e convinha, para manter ao Brasil asua antiga posição <strong>de</strong> supe<strong>rio</strong>rida<strong>de</strong> militar na América <strong>do</strong> Sul.Finda a guerra <strong>do</strong> Paraguai, o material <strong>do</strong> exército e armada ficoumuito aquém <strong>do</strong> que pediam as estritas necessida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> serviço. Os mais252


ARTIGOS DE IMPRENSAurgentes e indispensáveis reparos eram ainda assim custosos, e foi <strong>de</strong>mister or<strong>de</strong>ná-los.A experiência da guerra nos tinha aliás convenci<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a maiorou menor duração <strong>de</strong> uma campanha, e o seu êxito, mais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong>boas armas que <strong>de</strong> muitos braços. Se é bom economizar dinheiro, muitomelhor é economizar tempo e o sangue <strong>do</strong>s <strong>de</strong>fensores da pátria.O último tiro dispara<strong>do</strong> em Aquidabã pon<strong>do</strong> termo à guerra militar,anunciava naturalmente a guerra diplomática. Por melhores e mais<strong>de</strong>sambiciosas que fossem as intenções <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s, o novo esta<strong>do</strong><strong>de</strong> coisas nos impunha responsabilida<strong>de</strong>s e apreensões por firmar embase sólida, direitos e interesses que tínhamos reivindica<strong>do</strong> a po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>sacrifícios.Ainda não havíamos chega<strong>do</strong> ao termo das negociações quan<strong>do</strong>, <strong>de</strong>improviso, viu-se a República Argentina, habilitada com o produto <strong>de</strong>um empréstimo, reparar às carreiras o seu material <strong>de</strong> guerra, fazen<strong>do</strong>assentar nos estaleiros as quilhas <strong>de</strong> <strong>do</strong>is monitores, importan<strong>do</strong>gran<strong>de</strong> porção <strong>de</strong> armamento Remington e baterias <strong>de</strong> diferentestipos <strong>de</strong> artilharia, arman<strong>do</strong> Martín García, experimentan<strong>do</strong> torpe<strong>do</strong>s,construin<strong>do</strong> o arsenal <strong>de</strong> Zárate, celebran<strong>do</strong> sessões secretas em seucongresso, e o mais e mais <strong>de</strong> que os jornais <strong>de</strong>ram conta.Pedimos e obtivemos explicações, mas ninguém acreditou no Brasile no Prata que toda essa ativida<strong>de</strong> militar se preocupasse <strong>do</strong>s índios daPatagônia, <strong>de</strong> questões <strong>de</strong> limites ou <strong>de</strong> algum possível López Jordán,para quem bastaria a bravura <strong>de</strong> qualquer Gainza.Jornais <strong>do</strong> Prata estranharam ao senhor Sarmiento esse belicosoaparato, enquanto os <strong>do</strong> Brasil, quase à uma, intimaram o governoimperial a mostrar-se digno <strong>de</strong> sua elevada responsabilida<strong>de</strong>, nãopermitin<strong>do</strong> que a eventualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma guerra nos surpreen<strong>de</strong>sse<strong>de</strong>sapercebi<strong>do</strong>s. De passo observaremos que jornal houve no Brasil,órgão <strong>de</strong> um grupo radical, que, com sacrifício <strong>de</strong> naturais simpatias,em extensa série <strong>de</strong> bem lança<strong>do</strong>s <strong>artigos</strong> ditou ao pacífico governo nadamenos que um plano <strong>de</strong> campanha com to<strong>do</strong>s os seus <strong>de</strong>talhes, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> afortificação até o nome <strong>do</strong> general. Foi a República.As correspondências <strong>de</strong> Buenos Aires e Montevidéu para o Jornal<strong>do</strong> Commercio, Diá<strong>rio</strong> <strong>de</strong> Pernambuco, e outros órgãos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>circulação, não faziam misté<strong>rio</strong> <strong>de</strong> suas apreensões que o tom da<strong>imprensa</strong> platina confirmava.253


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCONo meio <strong>de</strong>sta verda<strong>de</strong>ira ou falsa agitação, só o governo <strong>do</strong> Brasilparecia guardar imperturbável calma. Nas discussões <strong>do</strong> parlamentocomo em <strong>do</strong>cumentos oficiais, a sua linguagem era tranquiliza<strong>do</strong>ra. Nãofaltava mesmo quem visse nisto um requinte <strong>de</strong> circunspecção.Todavia o governo procurava melhorar e refazer o material militar,e o fazia sem misté<strong>rio</strong>, mas também sem estrépito.Exce<strong>de</strong>ram estes armamentos à justa medida que as necessida<strong>de</strong>saconselhavam?É uma questão esta <strong>de</strong> administração que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s eexames, em que nem nós nem o Diá<strong>rio</strong> po<strong>de</strong>mos instituir-nos juízes. Osrelató<strong>rio</strong>s das repartições da guerra aí estão, e, reven<strong>do</strong>-os, po<strong>de</strong> o Diá<strong>rio</strong>dizer-nos on<strong>de</strong> se autorizou <strong>de</strong>spesa excessiva ou se fez melhoramentodispensável.Não basta com efeito falar vagamente em enormes créditossuplementares e extraordiná<strong>rio</strong>s, ou mesmo somá-los. Esses créditosreferem-se a vá<strong>rio</strong>s exercícios, e nem to<strong>do</strong>s se aplicaram a <strong>de</strong>spesasextraordinárias com preparativos militares. Entre eles os há <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>sao serviço <strong>do</strong> prolongamento <strong>de</strong> estradas <strong>de</strong> ferro, a suprir verbas<strong>de</strong>ficientes, etc., e não é justo lançar à conta <strong>de</strong> armamentos o que elesnão motivaram <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesa.À frente <strong>do</strong> Diá<strong>rio</strong> sabemos estar coloca<strong>do</strong> um espírito investiga<strong>do</strong>re analítico, e isto nos afiança que o <strong>de</strong>cano <strong>de</strong> nossa <strong>imprensa</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nharápor sua vez as generalida<strong>de</strong>s para apalpar a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s fatos.Aquilo <strong>de</strong> dizer o Diá<strong>rio</strong> que a revolução em campo na RepúblicaArgentina romperá <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o véu das ilusões, pon<strong>do</strong> a <strong>de</strong>scoberto osrecursos militares <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> vizinho, não é argumento que prove contra abem entendida previsão em que se aconselhou o governo imperial, não paraarmar-se contra vizinhos e alia<strong>do</strong>s, com os quais nunca teve a intenção <strong>de</strong>interromper cordiais relações, mas para prevenir que possíveis conflitos,viessem <strong>de</strong> on<strong>de</strong> viessem, o surpreen<strong>de</strong>ssem <strong>de</strong>sacautela<strong>do</strong>.Este assunto impõe-nos reservas que o Diá<strong>rio</strong> parece ter esqueci<strong>do</strong>ao dizer, em uma linguagem um tanto ru<strong>de</strong> para as conveniênciasinternacionais, que os elementos <strong>de</strong> guerra da República Argentina,não bastan<strong>do</strong> para manter a or<strong>de</strong>m no inte<strong>rio</strong>r, nos <strong>de</strong>ixavam <strong>de</strong>cisivasupe<strong>rio</strong>rida<strong>de</strong> ao tempo das ameaças.Sem entrar neste estu<strong>do</strong> comparativo <strong>do</strong>s recursos militares <strong>do</strong>s<strong>do</strong>is países, para o que nos faltam elementos e nos sobra discrição,254


ARTIGOS DE IMPRENSAobservaremos <strong>de</strong> passagem ao contemporâneo que a força militar <strong>de</strong>um país não se me<strong>de</strong> pelos caprichos e surpresas <strong>de</strong> uma guerra civil,mormente se ela se esten<strong>de</strong> a uma gran<strong>de</strong> porção <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> e conseguedividir os elementos <strong>de</strong> agressão e <strong>de</strong>fesa.O governo <strong>do</strong> senhor Sarmiento po<strong>de</strong> ser fraco, até impotente, para<strong>do</strong>minar uma revolução <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Bartolomeu Mitre, mas o povo argentino,em um possível conflito com o Brasil que todas as probabilida<strong>de</strong>s trazemaparta<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>ria fazer-nos pagar caro a infe<strong>rio</strong>rida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossos meios<strong>de</strong> guerra.Se esta hipótese se houvesse realiza<strong>do</strong>, e aos monitores argentinos, eaos seus canhões krupp, e a sua arma Remington, não pudéssemos opormeios supe<strong>rio</strong>res <strong>de</strong> guerra, não faltaria quem acusasse o governo por ter<strong>de</strong>saproveita<strong>do</strong> as lições amargas da última campanha. Governo que nãoprevê, dir-se-ia, não merece o nome <strong>de</strong> governo.Nem sabemos <strong>de</strong> on<strong>de</strong> foi o Diá<strong>rio</strong> colher, por entre as confusase contraditórias notícias que possuímos sobre a revolução <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong>setembro, que os recursos militares <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> vizinho são estes ouaqueles.Esta questão <strong>de</strong> armamentos <strong>do</strong> Brasil é aliás uma questão julgadapor quem a podia julgar, isto é, o parlamento. Entre as censuras sobreeste assunto dirigidas ao governo, e das quais ele se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u com asmelhores razões, nenhuma versou sobre o valor <strong>do</strong>s armamentos e suainoportunida<strong>de</strong>. O governo foi censura<strong>do</strong> por ter usa<strong>do</strong> <strong>do</strong> meio <strong>de</strong>créditos extraordiná<strong>rio</strong>s, mas não pelo <strong>de</strong>stino que <strong>de</strong>u às verbas poreste mo<strong>do</strong> pedidas ao tesouro.O senhor Silveira Martins, por parte da oposição liberal, disseexpressamente na câmara que, nesta questão <strong>de</strong> armamentos, não tinhaque censurar o governo por ter-se apercebi<strong>do</strong> <strong>de</strong> meios <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa paraa eventualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma guerra, mas sim pela forma por que o fizera,preferin<strong>do</strong> acudir-se ao recurso <strong>de</strong> meios extraordiná<strong>rio</strong>s quan<strong>do</strong> oparlamento não lhe recusaria ordiná<strong>rio</strong>s.A profunda e silenciosa vênia que o Diá<strong>rio</strong> dirige ao senhorSarmiento, e ao seu gênio diplomático, é no fim <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> uma pungenteironia lançada ao ilustre argentino, que tão <strong>de</strong>safortunadamente vêterminar-se o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua suprema magistratura, ten<strong>do</strong> recebi<strong>do</strong> umanação em caminho <strong>de</strong> toda sorte <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong> e entregan<strong>do</strong>-a a seuproblemático sucessor no esta<strong>do</strong> em que felizmente a vemos.255


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOO senhor Sarmiento compreen<strong>de</strong>rá a fina mas pouco generosa ironia<strong>do</strong> redator <strong>do</strong> Diá<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Rio.69) A NaçãoJornal político e comercial***Ano III, número 262, quarta-feira, 25 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1874Seção HistóricaO Rio-Gran<strong>de</strong>nse <strong>de</strong> Porto Alegre começou a publicar uma traduçãoda excelente obra <strong>de</strong>scrita em alemão pelo conselheiro áulico L.Schnei<strong>de</strong>r, sobre a guerra que sustentamos com o Esta<strong>do</strong> Oriental, aprincípio, e com o Paraguai, <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong> 1864 até 1870.Os <strong>do</strong>is primeiros volumes da obra que tem por título – Der Krieg <strong>de</strong>rTriple Allianz gegen die Regierung <strong>de</strong>r Republik Paraguay -, terminamna queda <strong>de</strong> Humaitá, em 1868.Os acontecimentos que se seguiram a esse, isto é, as brilhantescampanhas <strong>do</strong> duque <strong>de</strong> Caxias e <strong>do</strong> príncipe con<strong>de</strong> d’Eu, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1868até 1870, <strong>de</strong>vem proporcionar assunto para mais um ou <strong>do</strong>is volumes,atento o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong>s primeiros já expostos à venda.As cartas e plantas coloridas que acompanham a obra <strong>do</strong> senhorSchnei<strong>de</strong>r são <strong>de</strong> uma perfeição admirável.Eis as palavras com que O Rio-Gran<strong>de</strong>nse faz prece<strong>de</strong>r a sua tradução:Seção Histórica – Abrimos hoje esta nova seção em nossa folha, na qualpublicaremos integralmente a tradução da história da nossa guerra contra oParaguai, escrita pelo conselheiro áulico Luís Schnei<strong>de</strong>r.É um gran<strong>de</strong> sacrifício <strong>de</strong> espaço e trabalho que faremos ao público, mas temosconvicção que será compensa<strong>do</strong> pela satisfação <strong>do</strong>s leitores, porque a obra é <strong>de</strong>última importância e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> interesse, especialmente para essa província.É ela escrita com suma imparcialida<strong>de</strong> e faz plena justiça à política, à diplomaciae às armas brasileiras.256


ARTIGOS DE IMPRENSAÉ uma brilhante justificação da conduta <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> em relação ao <strong>rio</strong> da Prata, <strong>de</strong>1824 até hoje.Acompanharemos a tradução com as notas que julgarmos necessárias, quer paramelhor esclarecimento aos leitores, quer para a retificação <strong>de</strong> um ou outro enganoem que haja incorri<strong>do</strong> o autor.Cumpre aqui, embora nos julgue parciais, fazer justiça à conscienciosida<strong>de</strong> [sic] ea pertinácia da ciência alemã, que vai além <strong>do</strong> oceano estudar os <strong>de</strong>stinos <strong>de</strong> outrospovos e estudar-lhes a história, quan<strong>do</strong> eles próp<strong>rio</strong>s <strong>de</strong>scuram <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>ver.Não só <strong>de</strong>vemos a um alemão a mais minuciosa história <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> (W. V. Eschwege),não só <strong>de</strong>vemos a outro sábio <strong>de</strong>ssa nacionalida<strong>de</strong>, o nosso veneran<strong>do</strong> amigo <strong>do</strong>utorWappaeus, a melhor e mais completa geografia e corografia <strong>do</strong> Brasil, se não tambémagora ao conselheiro Luís Schnei<strong>de</strong>r a única história da guerra <strong>do</strong> Paraguai. *Vem a pelo dizer aos leitores quem é o Conselheiro Schnei<strong>de</strong>r.Luís Schnei<strong>de</strong>r, hoje homem supe<strong>rio</strong>r a 70 anos, é amigo íntimo e <strong>de</strong> infância nãosó <strong>do</strong> atual impera<strong>do</strong>r Guilherme da Alemanha, mas também o foi <strong>do</strong> fina<strong>do</strong> reiFre<strong>de</strong>rico Guilherme IV (irmão mais velho <strong>de</strong> Guilherme I), junto ao qual exerciao cargo confi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> leitor.Homem <strong>de</strong> eminente talento, escritor elegante e historia<strong>do</strong>r <strong>de</strong> mérito, facilitoulhea sua proeminente posição na corte prussiana relações íntimas com a maiorparte <strong>do</strong>s príncipes e <strong>do</strong>s estadistas da Europa.Era sobretu<strong>do</strong> o czar Nicolau da Rússia, que o honrava com particular estima,tanto que ainda hoje conserva o conselheiro Schnei<strong>de</strong>r, um lenço com que aaugusta esposa <strong>do</strong> czar enxugou o suor da morte ao mari<strong>do</strong> moribun<strong>do</strong> e <strong>de</strong> que<strong>de</strong>pois fez presente, como recordação preciosa, ao amigo íntimo <strong>do</strong> fina<strong>do</strong>.Em posição tal, foi fácil ao conselheiro Schnei<strong>de</strong>r reunir da<strong>do</strong>s, que não estão aoalcance <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s e ele os utilizou, quer em <strong>obras</strong> científicas, que em romanceshistóricos, que publicou com o pseudônimo <strong>de</strong> João Radcliff e que fazemimportantíssimas revelações sobre a diplomacia europeia nos últimos três <strong>de</strong>cênios.*Também foi um alemão, Wolff, o autor da primeira obra sobre a literatura brasileira. (N.E.)257


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOAlém <strong>do</strong> mais, é Luís Schnei<strong>de</strong>r um verda<strong>de</strong>iro poliglota e um <strong>do</strong>s poucos alemãesque são senhores absolutos <strong>do</strong> idioma português. Foi nessa qualida<strong>de</strong> que oconselheiro Schnei<strong>de</strong>r foi encarrega<strong>do</strong> da tradução e redação das notícias sobre aguerra <strong>do</strong> Paraguai, na Gazeta da Cruz, em Berlim.Esse trabalho o levou a confeccionar a obra que atualmente traduzimos. As razõesque a isso o moveram, especifica-as ele no prefácio <strong>do</strong> livro da forma seguinte:O estranho aparecimento <strong>de</strong> uma guerra, pelejada em gran<strong>de</strong> escala, a primeirana América <strong>do</strong> Sul; a circunstância <strong>de</strong> haver si<strong>do</strong> ela si<strong>do</strong> a pedra <strong>de</strong> toque parao princípio monárquico <strong>do</strong> Brasil porque foi sustentada contra uma república eem aliança com outras repúblicas; a longa duração da guerra; as extraordináriasque tiveram que vencer os beligerantes; os elementos políticos que intervierampró e contra a continuação da luta; os caracteres e individualida<strong>de</strong>s que estavamem luta e finalmente a nova fase em que to<strong>do</strong> o continente sul-americano entrouem virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa gigantesca guerra, me levaram a um estu<strong>do</strong> mais sé<strong>rio</strong> e <strong>de</strong>ti<strong>do</strong><strong>do</strong> teatro da guerra, <strong>do</strong> pessoal e material das forças beligerantes e das influênciasdiplomáticas que intervieram, <strong>de</strong> sorte que em vez <strong>de</strong> um efêmero trabalho, resolviescrever uma obra séria.É essa a origem <strong>do</strong> importante livro que traduzimos e que ganhaainda importância pelos magníficos mapas e planos que o acompanham.Como é natural, começa a obra por um golpe <strong>de</strong> vista retrospectivosobre a política <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da Prata <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1811.É a parte que hoje começamos a publicar.O tradutor <strong>de</strong>ssa obra é o senhor Carlos von Koseritz, talentosojornalista e principal redator <strong>do</strong> Rio-Gran<strong>de</strong>nse.Reproduzin<strong>do</strong> em nossas colunas a tradução da obra <strong>do</strong> senhorSchnei<strong>de</strong>r, retificaremos em nota algumas proposições <strong>do</strong> texto.258


ARTIGOS DE IMPRENSA_____________Guerra da Tríplice Aliança(Impé<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Brasil, República Argentina eRepública Oriental <strong>do</strong> Uruguai)contrao Governo da República <strong>do</strong> ParaguaiporL. Schnei<strong>de</strong>r(Tradução <strong>do</strong> senhor C. Koseritz e anotações <strong>de</strong> ***)________Primeiro VolumeCapítulo IAs causas da Guerra <strong>do</strong> ParaguaiQuan<strong>do</strong>, em outubro <strong>de</strong> 1864, em consequência da entrada <strong>de</strong>uma divisão <strong>de</strong> tropas brasileiras no territó<strong>rio</strong> da Banda Oriental <strong>do</strong>Uruguai, com o fim <strong>de</strong> apoiar com pressão militar justas exigências <strong>de</strong>in<strong>de</strong>nização, apareceu repentinamente a República <strong>do</strong> Paraguai comuma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> guerra contra o Brasil, não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> haver surpresae admiração – não só na América <strong>do</strong> Sul, mas também na Europa -,por ver-se esse pequeno Esta<strong>do</strong>, até então essencialmente pacífico,ocupa<strong>do</strong> com seus negócios próp<strong>rio</strong>s, livre <strong>de</strong> dívidas, e <strong>de</strong> existênciahermeticamente reclusa, <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> mão a sua já tradicional política; masainda assim não se ligou extraordinária importância à ameaça, julgan<strong>do</strong>seque seria uma daquelas fanfarronadas que são frequentes na históriadas repúblicas sul-americanas. Tanto o Brasil, como a Confe<strong>de</strong>raçãoArgentina e o próp<strong>rio</strong> governo blanco <strong>do</strong> Uruguai julgavam que osatos não seguiriam as palavras, e toda a <strong>imprensa</strong> política <strong>do</strong> Rio da259


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOPrata tratou com a maior indiferença <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>claração <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte darepública <strong>do</strong> Paraguai. Só vozes isoladas diziam que Francisco SolanoLópez, <strong>de</strong>pois que suce<strong>de</strong>ra a seu pai, Carlos López na presidência <strong>do</strong>Paraguai, ocupava-se zelosamente com o aumento e o melhoramento<strong>do</strong> seu exército, com a fortificação <strong>de</strong> algumas praças, acumulação <strong>de</strong>material <strong>de</strong> guerra, aumento <strong>de</strong> sua marinha e fabricação <strong>de</strong> armas, o quetu<strong>do</strong> bem po<strong>de</strong>ria ser efeito <strong>de</strong> um plano ou ao menos dar causa a que oParaguai tentasse sair <strong>do</strong> isolamento em que até então fora conserva<strong>do</strong>,para conseguir uma transformação no grupo <strong>de</strong> repúblicas platinas, cujo<strong>do</strong>mínio talvez julgasse competir-lhe. Tais vozes, porém, não foramouvidas. Aquilo que o presi<strong>de</strong>nte Solano López mais tar<strong>de</strong> quis fazerpassar por uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> guerra, para <strong>de</strong>sculpar os atos <strong>de</strong> violênciaque praticou e que não admitiam mais outra solução senão a guerra, nãopassou na realida<strong>de</strong> da ameaça <strong>de</strong> não mais querer tolerar a continuaçãoda intervenção brasileira no Esta<strong>do</strong> Oriental, porque esta punha em riscoo equilíb<strong>rio</strong> <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s sul-americanos. E essa ameaça foi tão vaga, tãoinverossímil a sua manutenção séria por parte <strong>do</strong> Paraguai, que o próp<strong>rio</strong>ministro resi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Brasil em Assunção, o senhor Viana <strong>de</strong> Lima 1 , um<strong>do</strong>s mais experimenta<strong>do</strong>s diplomatas brasileiros, não lhe ligou maiorimportância, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-a simplesmente como non avenue, tantomais quanto naquela época já parecia solvida a questão oriental pelasorte das armas, haven<strong>do</strong> esperança <strong>de</strong> próximo e satisfató<strong>rio</strong> arranjo<strong>de</strong>finitivo.Em breve porém não ficou mais dúvida <strong>de</strong> que o pequeno Paraguaitratava seriamente <strong>de</strong> executar a sua ameaça, porque um ato <strong>de</strong> violênciaincrível contra um navio brasileiro e altos funcioná<strong>rio</strong>s imperiais, assimcomo a invasão <strong>de</strong> uma província <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> transformou a guerra contraum parti<strong>do</strong> da República <strong>do</strong> Uruguai em guerra exclusiva contra o dita<strong>do</strong>r<strong>do</strong> Paraguai, que não só mostrou-se muito bem prepara<strong>do</strong>, mas tambémprovocou, por novas violências, contrárias ao direito internacional, aRepública Argentina. Desafiou assim to<strong>do</strong>s os seus vizinhos. Foi este oprincípio <strong>de</strong>ssa longa e tenaz guerra que fez a Tríplice Aliança contra oParaguai, até então injustamente consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> sem significação política.Tratemos agora em primeiro lugar <strong>do</strong> prólogo - a intervençã<strong>obras</strong>ileira na guerra civil da Banda Oriental <strong>do</strong> Uruguai.1O senhor conselheiro César Sauvan Viana <strong>de</strong> Lima, <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Jauru, e atualmente envia<strong>do</strong> extraordiná<strong>rio</strong>e ministro plenipotenciá<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Brasil em Berlim.260


ARTIGOS DE IMPRENSASen<strong>do</strong> até 1811 uma província <strong>do</strong> vice-reina<strong>do</strong> espanhol <strong>do</strong> Rioda Prata, cuja enorme extensão compreendia quase toda a América <strong>do</strong>Sul, com única exceção <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> brasileiro, começou o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>Uruguai sua vida autonômica, sen<strong>do</strong> frequentemente perturba<strong>do</strong> emseu <strong>de</strong>senvolvimento por Buenos Aires e pelo governo colonial <strong>do</strong>Brasil. Enquanto o Uruguai fez parte <strong>do</strong> vice-reina<strong>do</strong> <strong>de</strong> Buenos Aires,era esse belo e rico, mas pouco populoso país, trata<strong>do</strong> como entea<strong>do</strong>pelo governo <strong>de</strong> Buenos Aires, somente por ciúmes, porque sua capital,Montevidéu, possui melhor porto que Buenos Aires e está mais próximoà praia <strong>do</strong> mar, parecen<strong>do</strong> por isso <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a ser empó<strong>rio</strong> comercial<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os países <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da Prata. Libertan<strong>do</strong>-se Buenos Aires em 1811<strong>do</strong> jugo da metrópole 2 , julgavam os liberais, cabeças <strong>do</strong> movimento,que todas as províncias <strong>do</strong> antigo vice-reina<strong>do</strong> espanhol reconheceriama hegemonia <strong>de</strong> Buenos Aires, contentan<strong>do</strong>-se em ter um governoliberal, em vez <strong>de</strong> um autocrático, mas em breve reconheceram queessa suposição era falsa, tanto em relação ao Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Uruguai quantoao <strong>do</strong> Paraguai. A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Montevidéu, e com ela toda a província,com a única exceção <strong>do</strong> norte, on<strong>de</strong> a proprieda<strong>de</strong> territorial se achavanas mãos <strong>de</strong> fazen<strong>de</strong>iros portugueses da Província brasileira <strong>do</strong> RioGran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, compreen<strong>de</strong>u que nunca chegaria ao conveniente grau<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, enquanto <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>sse das outras repúblicas <strong>do</strong>Prata e principalmente <strong>de</strong> Buenos Aires. É assim que ainda hoje o traçocaracterístico da política <strong>do</strong> Uruguai é o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> rivalizar com BuenosAires e <strong>de</strong> não receber em caso algum or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> sua rival. Quan<strong>do</strong> em1811 3 rebentou a revolução em Buenos Aires, era Artigas governa<strong>do</strong>r <strong>de</strong>Montevidéu 4 , para cujo cargo fora nomea<strong>do</strong> pelo governo espanhol, que2A revolução da in<strong>de</strong>pendência ocorreu em 25 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1810, e não <strong>de</strong> 1811. Des<strong>de</strong> 1810, Buenos Airesficou livre <strong>do</strong> jugo da metrópole. Os espanhóis ficaram reduzi<strong>do</strong>s à praça <strong>de</strong> Montevidéu e ao territó<strong>rio</strong>da Banda Oriental.3Em 1810, como já ficou dito.4O autor se equivoca. Governava Montevidéu o general espanhol Elio em luta com a Junta Governativa<strong>de</strong> Buenos Aires, criada pela revolução <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> maio. Os orientais, e com eles José Gervásio Artigas,reconheciam ainda a autorida<strong>de</strong> <strong>do</strong> governa<strong>do</strong>r espanhol. Artigas era nesse tempo capitão ao serviçoda Espanha. Desaveio-se com o chefe <strong>do</strong> seu corpo e fugiu para Buenos Aires on<strong>de</strong> os revolucioná<strong>rio</strong>spreparavam uma expedição contra os espanhóis da Banda Oriental, e outra contra o Paraguai, que nãoa<strong>de</strong>rira à revolução <strong>de</strong> maio. Em sua ausência, o coronel Pedro Vieira, brasileiro estabeleci<strong>do</strong> na BandaOriental, apo<strong>de</strong>rou-se <strong>de</strong> Merce<strong>de</strong>s, reconhecen<strong>do</strong>, assim como um comandante Benevi<strong>de</strong>s, a autorida<strong>de</strong><strong>do</strong> governo <strong>de</strong> Buenos Aires. Deste mo<strong>do</strong>, começou a revolução <strong>do</strong>s orientais contra a metrópole. Artigasobteve auxílios em Buenos Aires, foi eleva<strong>do</strong> a coronel, e tomou a direção das forças revolucionárias.Depois, o general Ron<strong>de</strong>au, à frente das tropas argentinas, uniu-se ao caudilho oriental e sitiou em 1811os espanhóis em Montevidéu. Elio pediu socorros ao governo <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, e <strong>do</strong>m João VI, então261


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOse esforçava pela extinção <strong>do</strong> contraban<strong>do</strong> que, proveniente <strong>do</strong> Brasil,prejudicava os interesses <strong>de</strong> Buenos Aires, permitin<strong>do</strong>, porém, rápi<strong>do</strong>progresso a Montevidéu. Artigas <strong>de</strong>clarou-se em favor da in<strong>de</strong>pendênciae <strong>de</strong>rrotou as tropas espanholas que vinham refrear o movimento, aomesmo tempo, porém, estatuiu perante o governo revolucioná<strong>rio</strong> <strong>de</strong>Buenos Aires a absoluta in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> Montevidéu. Essa revoluçãofoi tão inesperada para os novos dita<strong>do</strong>res em Buenos Aires, como aidêntica feita pelo Paraguai, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então nunca renunciou BuenosAires – fossem quais fossem as suas várias relações com a Confe<strong>de</strong>raçãoArgentina – aos direitos que se arroga sobre a República <strong>do</strong> Uruguai,embora jamais pu<strong>de</strong>sse apoiar sua exigência com a necessária força 5 .Essas dissidências internas foram aproveitadas pelo governocolonial (português) <strong>do</strong> Brasil para intervir nos negócios <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da Prata 6 .Hoje chama<strong>do</strong> por diversas facções, repeli<strong>do</strong> amanhã por outras,príncipe-regente, recean<strong>do</strong> que a insurreição <strong>do</strong>s <strong>do</strong>mínios espanhóis se esten<strong>de</strong>sse à fronteira <strong>do</strong> Brasil,e influí<strong>do</strong> por sua mulher, a princesa espanhola, <strong>de</strong>pois rainha, <strong>do</strong>na Carlota, or<strong>de</strong>nou ao governa<strong>do</strong>r ecapitão-general <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong>, <strong>do</strong>m Diogo <strong>de</strong> Sousa, que invadisse a Banda Oriental. Este general o fezem julho <strong>de</strong> 1811 e, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> em Missões o coronel Chagas Santos, no Quaraí e em São Diogo os coronéisTomás da Costa e Mena Barreto, penetrou na Banda Oriental à frente <strong>de</strong> 3.000 brasileiros (formavamduas divisões às or<strong>de</strong>ns <strong>do</strong>s coronéis Marques <strong>de</strong> Sousa e Cura<strong>do</strong>), apo<strong>de</strong>rou-se <strong>de</strong> Santa Teresa e, aochegar a Mal<strong>do</strong>nal<strong>do</strong>, soube que Elio concluíra um armistício com os in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. As tropas argentinasretiraram-se para Buenos Aires, e Artigas, à frente <strong>do</strong>s orientais, colocou-se <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong> Uruguai.Este caudilho, porém, sem respeitar o armistício, rompeu as hostilida<strong>de</strong>s, e <strong>do</strong>m Diogo <strong>de</strong> Sousa marchoucontra ele, atravessan<strong>do</strong> a campanha até Paissandu. Por toda parte foram vito<strong>rio</strong>sas as nossas tropas, emPaissandu, Mandisovi, Curuzu Cuatiá, Capilla Nueva (Merce<strong>de</strong>s), Arroio <strong>de</strong> la China, Arapeí, Daimán,Tapebi, Passo d’Alcorta, Yapeyu, Calera <strong>de</strong> Vellez, Averías (nas vizinhanças <strong>de</strong> Cerro Largo), Santo Tomée Laureles. Em meio <strong>de</strong>sses triunfos, foi <strong>do</strong>m Diogo <strong>de</strong> Sousa surpreendi<strong>do</strong> pelo armistício celebra<strong>do</strong> emmaio <strong>de</strong> 1812 pelo envia<strong>do</strong> Ra<strong>de</strong>maker. O governo inglês conseguiu modificar a política <strong>de</strong> intervenção<strong>do</strong> governo <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro. Retiraram-se nossas tropas para a fronteira: os in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes tornarama passar o Uruguai, sitiaram <strong>de</strong> novo Montevidéu e em 1813 apo<strong>de</strong>raram-se da praça por meio <strong>de</strong> umacapitulação que o general Alvear, comandante <strong>do</strong> exército sitia<strong>do</strong>r, violou. Foi durante esse sítio queArtigas rompeu <strong>de</strong>finitivamente com o governo <strong>de</strong> Buenos Aires e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma guerra encarniçada,expulsou da Banda Oriental as forças argentinas, fican<strong>do</strong> senhor absoluto <strong>de</strong>ssa província e das <strong>de</strong> EntreRios e Corrientes, e esten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> sua influência até mesmo além <strong>do</strong> Paraná, sobre Santa Fé e Cór<strong>do</strong>ba.5É certo. As tropas <strong>de</strong> Buenos Aires foram constantemente <strong>de</strong>rrotadas por Artigas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1813 até 1815, emesmo <strong>de</strong>pois. O governo argentino tentou por vezes chegar a acor<strong>do</strong> com o caudilho oriental, mas esterompeu sempre as negociações. No Paraguai não foram mais felizes os argentinos.A expedição confiadaa Belgrano foi, como se sabe, <strong>de</strong>rrotada, <strong>de</strong> sorte que, logo após a in<strong>de</strong>pendência, o vice-reina<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>rio</strong>da Prata ficou dividi<strong>do</strong>. O Paraguai separou-se, isolan<strong>do</strong>-se completamente <strong>do</strong>s povos vizinhos sob aditadura <strong>do</strong> <strong>do</strong>utor Gaspar Francia, e a Banda Oriental, Entre Rios e Corrientes formaram uma confe<strong>de</strong>raçãoin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dirigida pelo general José Artigas, que a<strong>do</strong>tou o cu<strong>rio</strong>so título <strong>de</strong> “Chefe <strong>do</strong>s Orientais eProtetor <strong>do</strong>s Povos Livres”.6 “Governo Colonial (Português) <strong>do</strong> Brasil” - A expressão não é apropriada. A corte portuguesa achava-seno Rio <strong>de</strong> Janeiro quan<strong>do</strong> se <strong>de</strong>u a intervenção armada <strong>de</strong> 1816. O governo colonial cessou no Brasil em1808, com a chegada da família real. O principa<strong>do</strong> <strong>do</strong> Brasil foi eleva<strong>do</strong> à categoria <strong>de</strong> Reino por carta<strong>de</strong> lei <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1815, toman<strong>do</strong> a monarquia portuguesa o título <strong>de</strong> Reino Uni<strong>do</strong> <strong>de</strong> Portugal,Brasil e Algarves.262


ARTIGOS DE IMPRENSAocupou o general português Lecór em 19 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1817 a praça<strong>de</strong> Montevidéu 7 , sem que conseguisse por termo às lutas internas nacampanha, on<strong>de</strong> Artigas resistiu até 1820, ano em que foi bati<strong>do</strong> poroutro caudilho <strong>de</strong> nome Ramírez, refugian<strong>do</strong>-se no Paraguai, on<strong>de</strong> odita<strong>do</strong>r <strong>do</strong>utor Francia o recebeu com seus companheiros, to<strong>do</strong>s gaúchose flibusteiros, mas lhes fez curto processo, mandan<strong>do</strong> fuzilar a maiorparte <strong>de</strong>les e <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> morrer Artigas na maior miséria e totalmenteesqueci<strong>do</strong> 8 . Não obstante os enérgicos protestos da República Argentina,anexou o governo português em 1821 o territó<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Uruguai a sua7Em 20 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1817, ocupou o General Lecór a praça <strong>de</strong> Montevidéu, à frente <strong>de</strong> 4.550 portuguesese <strong>de</strong> 921 brasileiros. O grosso das forças brasileiras (2.500 homens às or<strong>de</strong>ns <strong>do</strong> general Cura<strong>do</strong> e 600 àsor<strong>de</strong>ns <strong>do</strong> general Chagas) <strong>de</strong>fendiam [sic] as fronteiras <strong>de</strong> Missões e <strong>do</strong> Quaraí. A intervenção <strong>de</strong> 1816teve por fim ocupar a Banda Oriental e <strong>de</strong>struir o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Artigas, que se tornara um vizinho perigoso.To<strong>do</strong>s os bandi<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong>, das províncias argentinas e <strong>do</strong> Paraguai corriam a alistar-se sob asban<strong>de</strong>iras <strong>de</strong>sse caudilho turbulento, cujos solda<strong>do</strong>s indisciplina<strong>do</strong>s penetravam em nosso territó<strong>rio</strong> esaqueavam as estâncias próximas à linha divisória, rouban<strong>do</strong> ga<strong>do</strong>, assassinan<strong>do</strong> os habitantes inermese protegen<strong>do</strong> a fuga <strong>de</strong> escravos, <strong>de</strong>sertores e criminosos. Lecór só entrou em Montevidéu <strong>de</strong>pois dasvitórias alcançadas pelas tropas brasileiras em São Borja, Ibiraocaí, Carumbé, Arapeí e Catalán, que foia batalha mais renhida, e na qual o marquês <strong>de</strong> Alegrete e Cura<strong>do</strong>, à frente <strong>de</strong> 2.500 homens, <strong>de</strong>rrotaram8.400 artiguenhos dirigi<strong>do</strong>s por Latorre (4 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1817). Nesses e em outros combates peleja<strong>do</strong>snas fronteiras <strong>do</strong> Quaraí e <strong>de</strong> Missões, que foram atacadas por 7.000 homens (orientais, entrerrianos,corrientinos e guaranis), às or<strong>de</strong>ns <strong>do</strong>s coronéis José Antonio Berdun e André Artigas, as tropas brasileiras<strong>de</strong>sbarataram, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1816 até janeiro <strong>de</strong> 1817, a flor das tropas artiguenhas, causan<strong>do</strong>-lhes umprejuízo <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 2.500 mortos e 521 prisioneiros (sem contar os que o general Chagas fez nas missões<strong>de</strong> além-Uruguai), toman<strong>do</strong>-lhes 1 ban<strong>de</strong>ira, 2 estandartes, 6 canhões, 1.600 espingardas, um númeroconsi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> lanças, espadas, pistolas e cavalos. A perda sofrida pelos brasileiros foi <strong>de</strong> 207 mortos,348 feri<strong>do</strong>s e 3 prisioneiros. Ao exército <strong>de</strong> Lecór, que foi o que invadiu, opuseram-se pelas fronteiras <strong>de</strong>Santa Teresa e <strong>de</strong> Cerro Largo os coronéis Fructuoso Rivera com 2.000 homens, e Fernan<strong>do</strong> Otorguez,com 1.500. Rivera foi completamente <strong>de</strong>rrota<strong>do</strong> em India Muerta (19 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1816) e Otorgueznem sequer ousou fazer frente à coluna que invadiu por Cerro Largo. Até sua entrada em Montevidéu(20 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1817), o exército <strong>de</strong> Lecór causou a esses <strong>do</strong>is chefes o prejuízo <strong>de</strong> 369 mortos, 140prisioneiros, 1 canhão e muito armamento, ten<strong>do</strong> nós uns 270 homens fora <strong>de</strong> combate. Em Montevidéu,evacuada pelas tropas <strong>do</strong> governa<strong>do</strong>r Barreiro, encontramos 292 canhões e gran<strong>de</strong> cópia <strong>de</strong> munições. Aguerra prolongou-se até 1820, porque Artigas continuava a <strong>do</strong>minar a campanha e recebia pelo Uruguairecursos que lhe eram envia<strong>do</strong>s por especula<strong>do</strong>res ingleses e norte-americanos. Em 1818, as forças <strong>de</strong>ocupação foram aumentadas; Cura<strong>do</strong> penetrou pelo Quaraí até Paissandu com 2.600 brasileiros, SebastiãoPinto com 1.000 e tantos pela fronteira <strong>de</strong> Jaguarão e novos combates se travaram nesse ano e em 1819,tanto na Banda Oriental como em Entre Rios, Corrientes e no Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul. Afinal, em 22 <strong>de</strong> janeiro<strong>de</strong> 1820, Artigas foi completamente <strong>de</strong>rrota<strong>do</strong> na batalha <strong>de</strong> Taquarembó pelas tropas brasileiras dirigidaspelos generais con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Figueira, José <strong>de</strong> Abreu e Corrêa da Câmara, sen<strong>do</strong> lança<strong>do</strong> em Entre Rios. ABanda Oriental ficou completamente pacificada. Em Entre Rios, o general Ramírez, criatura <strong>de</strong> Artigas,revoltou-se contra ele, e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> três meses <strong>de</strong> luta, <strong>de</strong>rrotou-o em Tunas, a 18 léguas (quase 120 km)<strong>de</strong> Mandisoví, obrigan<strong>do</strong>-o a refugiar-se no Paraguai, on<strong>de</strong> foi preso pelo dita<strong>do</strong>r Francia e, passa<strong>do</strong>smuitos anos, morreu.8O general Artigas faleceu em Assunção em 23 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1850. Nascera em 1764 na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Montevidéu.263


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOcolônia <strong>do</strong> Brasil, dan<strong>do</strong>-lhe o nome <strong>de</strong> Província Cisplatina 9 . Daquelaépoca em diante <strong>do</strong>miciliaram-se ainda mais fazen<strong>de</strong>iros brasileirosno norte da Província Cisplatina, on<strong>de</strong> com seus capatazes, peõese agrega<strong>do</strong>s, formaram verda<strong>de</strong>iros clãs, que por sua vez concebiami<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência e autonomia.Mas quan<strong>do</strong> em 1822, o Brasil também fez sua in<strong>de</strong>pendência dametrópole, conservou-se a guarnição portuguesa <strong>de</strong> Montevidéu fiel àcoroa, e muito tempo levou, até o Brasil conseguir sujeitar Montevidéu,o que jamais teria ti<strong>do</strong> lugar sem o auxílio <strong>do</strong>s fazen<strong>de</strong>iros <strong>do</strong> norte,porque os habitantes <strong>do</strong> sul da campanha eram absolutamente infensosà incorporação <strong>do</strong> seu territó<strong>rio</strong> ao Brasil, ten<strong>do</strong> até invoca<strong>do</strong> a proteção<strong>de</strong> Buenos Aires. O novo monarca <strong>do</strong> Brasil, <strong>do</strong>m Pedro I, compreen<strong>de</strong>uperfeitamente que não podia começar o seu reina<strong>do</strong> e a autonomia<strong>do</strong> jovem Impé<strong>rio</strong> com a <strong>de</strong>volução <strong>de</strong> uma província anexada pelogoverno colonial, e por isso tratou com toda a energia da conquista <strong>do</strong>Uruguai. Sen<strong>do</strong> ocupada a praça <strong>de</strong> Montevidéu em fins <strong>de</strong> 1823, baixouum <strong>de</strong>creto imperial incorporan<strong>do</strong> a Província Cisplatina para sempreao Impé<strong>rio</strong> 10 . Buenos Aires teve que limitar-se a não reconhecer <strong>do</strong>mPedro I como impera<strong>do</strong>r, tornan<strong>do</strong> esse reconhecimento <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte daeventual restituição da Cisplatina e principalmente <strong>de</strong> Montevidéu àsRepúblicas <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da Prata.Dom Pedro I <strong>de</strong>sprezou esse protesto, e com tanto mais facilida<strong>de</strong>9Em 16 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1821 reuniu-se em Montevidéu um congresso <strong>de</strong> <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> discutira conveniência <strong>de</strong> unirem-se os orientais a um Esta<strong>do</strong> po<strong>de</strong>roso, ou se constituírem in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes,<strong>de</strong>liberaram, em 31 <strong>do</strong> mesmo mês, fazer parte da monarquia portuguesa, incorporan<strong>do</strong>-se ao Reino Uni<strong>do</strong><strong>de</strong> Portugal, Brasil e Algarves <strong>de</strong>baixo da <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> Cisplatino.10O autor não expõe com suficiente clareza esses fatos. Em 1822, proclamada a in<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong> Brasilsepararam-se as tropas brasileiras das portuguesas. Lecór à frente <strong>do</strong> exército brasileiro sitiou Montevidéu,on<strong>de</strong> se achavam os portugueses comanda<strong>do</strong>s pelo general <strong>do</strong>m Álvaro <strong>de</strong> Mace<strong>do</strong>. Uma divisão naval, àsor<strong>de</strong>ns <strong>do</strong> vice-almirante Pedro Antonio Nunes, composta da corveta Liberal, 2 brigues e 2 escunas, partiu<strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro para bloquear o porto <strong>de</strong>ssa cida<strong>de</strong>, e repeliu, em 23 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1823, a esquadrilhaportuguesa, composta <strong>de</strong> 2 corvetas, 1 brigue e 1 escuna. Por terra, houve pequenas escaramuças e umchoque mais renhi<strong>do</strong> no dia 17 <strong>de</strong> março nas Pontas <strong>de</strong> Tole<strong>do</strong>, em que os sitia<strong>do</strong>s foram repeli<strong>do</strong>s epersegui<strong>do</strong>s até a praça pelos imperiais. Durante essa luta militaram ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s portugueses muitosorientais partidá<strong>rio</strong>s da união com Buenos Aires Outros, a<strong>de</strong>ptos da união com o Brasil, serviram às or<strong>de</strong>ns<strong>de</strong> Lécor. Entre os primeiros figurava Manoel Oribe e entre os segun<strong>do</strong>s, Fructuoso Rivera. Aperta<strong>do</strong> porterra e por água pelas forças imperiais e saben<strong>do</strong> que as tropas portuguesas já haviam evacua<strong>do</strong> os pontosque ocupavam no Brasil, o general <strong>do</strong>m Álvaro <strong>de</strong> Mace<strong>do</strong> resolveu entrar em convenção no dia 18 <strong>de</strong>novembro <strong>de</strong> 1823., embarcan<strong>do</strong> suas tropas para Portugal. Lécor à frente <strong>do</strong> exército brasileiro fez suaentrada em Montevidéu no dia 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1824. Dom Pedro I já tinha si<strong>do</strong> aclama<strong>do</strong> impera<strong>do</strong>rpelos povos da campanha oriental e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então ficou a Banda Oriental forman<strong>do</strong> uma das 19 províncias<strong>do</strong> novo Impé<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Brasil sob a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> Província Cisplatina.264


ARTIGOS DE IMPRENSAquanto o Uruguai começava a reconciliar-se com o <strong>do</strong>mínio brasileiro.Em 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1824 dirigiu a municipalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Montevidéuuma felicitação ao impera<strong>do</strong>r e <strong>de</strong>le recebeu seu retrato.No inte<strong>rio</strong>r, continuavam as simpatias pelo elemento espanhol 11 ,mas não chegavam à resistência armada, <strong>de</strong> sorte que o impera<strong>do</strong>rpodia dizer em 1824 a Buenos Aires: “O Uruguai acaba <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar-seespontaneamente em favor da incorporação ao Brasil e portanto me éimpossível tomar em consi<strong>de</strong>ração representações <strong>de</strong> outras potências” 12Essa linguagem firme e enérgica provocou gran<strong>de</strong> indignação eagitação nas Repúblicas <strong>do</strong> Prata, e o presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Sena<strong>do</strong> argentino,Grego<strong>rio</strong> <strong>de</strong> las Heras, qualificou em plena câmara a incorporação como“uma usurpação conseguida por artifícios fraudulentos e mal encobertacom algumas aparências <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong>”.Entretanto ficou tu<strong>do</strong> nessa tirada parlamentar, porque o presi<strong>de</strong>nteda Confe<strong>de</strong>ração 13 , Rivadavia, sabia muito bem que o impera<strong>do</strong>rempenharia todas as forças <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> na conservação da ProvínciaCisplatina. Basta, aliás, um golpe <strong>de</strong> vista ao mapa para compreen<strong>de</strong>rseque todas as consi<strong>de</strong>rações geográficas, comerciais e econômicastornariam absolutamente natural a conservação da Província Cisplatinacomo parte integrante <strong>do</strong> Brasil, se o elemento natural não ameaçasse talarrojo com contínua resistência e conflitos.O que é certo é que as palavras <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is governos não foram seguidas<strong>de</strong> feitos.Parece que ambos os conten<strong>do</strong>res com razão temiam atear umincêndio geral que pu<strong>de</strong>sse provocar uma intervenção qualquer <strong>de</strong>potências europeias. Parecia, pois, que a questão teria solução pacífica,tornan<strong>do</strong>-se fato consuma<strong>do</strong> a nova distribuição <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>.(continua)11Ou antes as aspirações <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência.12O governo <strong>de</strong> Buenos Aires enviou ao Rio <strong>de</strong> Janeiro o ministro Valentín Gómez para reclamar a restituiçãoda Banda Oriental (1823). Em 6 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1824, o ministro <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros, Carvalho eMello (viscon<strong>de</strong> da Cachoeira), respon<strong>de</strong>u ao memoran<strong>do</strong> <strong>de</strong> Valentín Gómez, <strong>de</strong>claran<strong>do</strong> que o governoimperial estava <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong> a manter a incorporação <strong>de</strong>sse territó<strong>rio</strong>.13Então não se conhecia ainda o título <strong>de</strong> Confe<strong>de</strong>ração Argentina. Províncias Unidas <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da Prata eraa <strong>de</strong>nominação da atual República Argentina.265


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO70) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 368, pp; 18 e 19, 16 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1875A falta <strong>de</strong> telegramas – mais ou menos verídicos, mais ou menosassusta<strong>do</strong>res e mais ou menos à feição das i<strong>de</strong>ias representadas pelasfolhas que os publicam – leva-nos a crer que as coisas <strong>do</strong> norte vãono bom caminho e que o gosto pela quebra <strong>do</strong>s quilos vai, felizmente,<strong>de</strong>saparecen<strong>do</strong>.O Apóstolo não há <strong>de</strong> gostar lá muito <strong>de</strong>sta falta <strong>de</strong> telegramas.A invasão <strong>de</strong> qualquer vila, o auto <strong>de</strong> fé <strong>de</strong> qualquer arquivo e outrasbernardas com seus visos <strong>de</strong> bernardice... sabiam-lhe tão bem... iam tão<strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as suas i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> paz e <strong>de</strong> mansidão evangélica!Falta-lhe agora assunto para acusar o governo e atribuir a sedição àimpieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> março e aos impostos vexató<strong>rio</strong>s, que... embora emcircunstâncias anormais, nos foram postos ao cachaço por um <strong>do</strong>s maisconspícuos membros da Católica! (é bom não esquecer esta circunstância).Entretanto – a prevalecer mesmo a questão <strong>do</strong>s impostos –, queparti<strong>do</strong> tem o atual governo tira<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa fonte inexaurível? Nenhum.Conservou os que estavam, mostran<strong>do</strong> que nesse ponto é conserva<strong>do</strong>ràs direitas, mas não lançou mão <strong>de</strong> outros, embora por aí haja muitacoisa no caso <strong>de</strong> pagar imposto.Fala-se <strong>de</strong> empréstimos, fala-se <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> rendas, fala-se no mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>levar à prática melhoramentos <strong>de</strong> que o país carece em vista <strong>do</strong> acréscimo <strong>de</strong>sua população e <strong>do</strong> aumento <strong>de</strong> suas necessida<strong>de</strong>s; apesar <strong>de</strong> tantos falató<strong>rio</strong>s,nada se faz, nenhuma lei se promulga, nenhum imposto se <strong>de</strong>creta!***A Vida Fluminense, perante tal situação, não po<strong>de</strong> esquivar-se ao<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> auxiliar o governo com as suas luzes (luzes <strong>de</strong>la) em tãomelindroso assunto.Aí vão, pois, algumas mal-alinhavadas consi<strong>de</strong>rações em forma <strong>de</strong>projeto que, esperamo-lo, sejam bem aceitas por governantes e governa<strong>do</strong>s.Como se verá, são elas fruto <strong>de</strong> um aturadíssimo estu<strong>do</strong> não só <strong>do</strong>coração humano, mas também <strong>do</strong> coração <strong>do</strong>s potenta<strong>do</strong>s políticos, <strong>do</strong>s266


ARTIGOS DE IMPRENSApoetas impolíticos e <strong>de</strong> muitas outras classes mais ou menos politiqueiras.Se bem que, profun<strong>do</strong> na forma e grandioso no fun<strong>do</strong>, o projeto é <strong>de</strong> tãosimples intuição que se po<strong>de</strong> reduzir à expressão a seguir:1) Imposto sobre cada promessa <strong>de</strong> candidato que não for cumpridapelo <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>......................................................................$5002) Imposto sobre cada mentira posta em circulação pelos órgãos daopinião pública....................................................................$8003) Imposto sobre cada verso <strong>de</strong> pé-coxo que se publicar .........$2404) Imposto sobre erros <strong>de</strong> gramática cometi<strong>do</strong>s pelos sapientíssimosescritores públicos – por erro...............................................$0205) Imposto sobre cada plagiato que for da<strong>do</strong> à estampa............$0806) Imposto sobre cada apoia<strong>do</strong> <strong>de</strong> encomenda que for proferi<strong>do</strong> naCâmara temporária ou no Sena<strong>do</strong>........................................$010Destarte, se arrecadarão por ano alguns milhões, e os cofres públicosse acharão sempre prontos a fornecer meios para levar à realida<strong>de</strong> todasas necessida<strong>de</strong>s e melhoramentos.***É justamente por causa das necessida<strong>de</strong>s e <strong>do</strong>s melhoramentos quea Espanha acaba <strong>de</strong> eleger um rei... embora menino. Entretanto, chegoua notícia, falou-se <strong>de</strong>la em todas as lojas e sobra<strong>do</strong>s, salas e gabinetes,cozinhas e alcovas e... nem só um foguete subiu ao ar, nem a músicaalemã saiu <strong>de</strong> casa, nem o senhor Clímaco assinou a<strong>de</strong>sões, nem osmonarquistas fizeram discursos, nem o povo comprou cebolas, nem asban<strong>de</strong>iras saíram <strong>do</strong>s armá<strong>rio</strong>s, nem o capitão Sobrinho ficou fora <strong>de</strong> seusé<strong>rio</strong> como o senhor Domingos, nem os permanentes a pé ou a cavalosaíram <strong>do</strong> quartel, nem o senhor Hudson provou que às oito já se haviaretira<strong>do</strong>, nem as loterias <strong>de</strong>ram sinal <strong>de</strong> si!Decididamente, se houve republicanos <strong>de</strong> conta, é força confessarque não há monarquistas <strong>de</strong> peso, nem entusiastas <strong>de</strong> medida... quan<strong>do</strong>se trata <strong>do</strong> país on<strong>de</strong> a castanhola tem culto... e o leque <strong>do</strong>mina.***267


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOCom a elevação <strong>do</strong> menino rei ao trono ibérico, sofre notável<strong>de</strong>sconto o septenato <strong>de</strong> Mac-Mahon. Os franceses querem também ummenino e, meninos como são na escolha <strong>de</strong> qualquer forma <strong>de</strong> governo,começam agora a achar que na meninice reinante repousa o futuro daFrança. Está a Europa na época <strong>do</strong>s meninos. Cá pela América... por ora,só pre<strong>do</strong>minam os meninos... bonitos.***Ao número <strong>do</strong>s quais não pertencem, por certo, os sócioscarnavalescos, encarrega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> tocar zabumba ao <strong>do</strong>mingo, nos salõesdas respectivas socieda<strong>de</strong>s... fazem uma bulha, os endiabra<strong>do</strong>s!Não seria mais razoável substituir aquele atroa<strong>do</strong>r instrumento... <strong>de</strong> martí<strong>rio</strong>para os ouvi<strong>do</strong>s, por outro qualquer menos retumbante e mais melodioso?Anunciar a época <strong>do</strong>s folgue<strong>do</strong>s e da loucura é justo – tanto maisque, <strong>do</strong>s 365 dias <strong>de</strong> cada ano, a folhinha só nos conce<strong>de</strong> três para opago<strong>de</strong> grosso –, mas proce<strong>de</strong>r ao anúncio por forma menos barulhentatambém nos parece coisa digna <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ração. Os ouvi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 50 anosdificilmente suportam o que tão bem sabe aos <strong>de</strong> 25.Enfim, com bulha ou sem ela, divirtam-se os rapazes, que <strong>de</strong>les éo tempo; apresentem-nos um carnaval folgazão e anima<strong>do</strong> – emboraprovoquem as iras <strong>de</strong> O Apóstolo – e mostrem ao mun<strong>do</strong> que nesta terra<strong>do</strong> ananás, da banana, <strong>do</strong> queijo <strong>de</strong> Minas e da feijoada com pertencesainda há espírito fino e gosto apura<strong>do</strong>.Assim seja para anual consolação das lojas <strong>de</strong> fazendas, <strong>do</strong>sempresá<strong>rio</strong>s <strong>de</strong> bailes, das modistas e das carruagens fluminenses.Nemo71) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, n o 369, p. 26, 23 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1875“Tolus est qui prestat fe<strong>de</strong> parolas mias * ”Não sei por que... mas acho que esta oração em latim cá <strong>de</strong> casa*Tolo é quem acredita nas minhas palavras. (N. E.)268


ARTIGOS DE IMPRENSAsubstitui vantajosamente as tais orationes pro episcopis in captivitateet contra persecutores * , <strong>de</strong> que O Apóstolo lança mão para lamentar asorte <strong>do</strong>s Atanásios engaiola<strong>do</strong>s e pedir a grelha para os que têm a poucavergonha <strong>de</strong> perseguir tão... obedientes cavalheiros.***Ainda bem que só às tais orationes compete agora a tarja negra queoutrora circunscrevia O Apóstolo, quan<strong>do</strong> heb<strong>do</strong>madá<strong>rio</strong> e <strong>de</strong> menorformato. Se a tarja negra continuasse agora... que ele a grandi sem serespanhol, o dinheiro <strong>do</strong>s fiéis seria pouco para fios... tipográficos.Se, para esta economia da tarja negra, não prevaleceu a questão<strong>do</strong> meio luto, é fora <strong>de</strong> dúvida que houve então conselho <strong>do</strong> chefe <strong>do</strong>sbombeiros, homem <strong>de</strong> indisputável capacida<strong>de</strong>... quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong>circunscrever... em pequena escala.***Pela sua parte, o público vai também circunscreven<strong>do</strong> os <strong>do</strong>nativospara o santo padre.De 1 o a 13 <strong>do</strong> corrente, com <strong>de</strong>stino a Roma, só entraram no cofreapostólico romano 35.500 réis!“Ah! [bem o diz Calchas] Es dieux s’en vont ** !”É por isso que o cônego da rua Nova (belo título para um romance,não?) só fala em prepotências, atenta<strong>do</strong>s e violências à liberda<strong>de</strong> <strong>do</strong>cidadão, em ataques e assaltos à soberania da Igreja – e transcreveda Boa Nova <strong>de</strong> Pernambuco a notícia da morte <strong>do</strong> senhor Boldrini,atribuída por aquela santíssima folha à vingança <strong>de</strong> Deus sobre ohomem que, representan<strong>do</strong> o drama Galileu, tivera o arrojo <strong>de</strong> insultar areligião, maldizen<strong>do</strong> os padres e pon<strong>do</strong> bem em relevo a sua crassíssimaignorância!Ah, cônego da minha alma!Se amanhã, após lauta ceia <strong>de</strong> camarões, a tua monumental pança<strong>de</strong>r um estouro... haverá nisso castigo <strong>de</strong> Deus? Ou prêmio <strong>de</strong> tuasvirtu<strong>de</strong>s chaman<strong>do</strong> a sua presença à tua alminha gorda?*Orações em favor <strong>do</strong>s bispos presos e contra os persegui<strong>do</strong>res. (N.E.)**Os <strong>de</strong>uses se vão. (N.E.)269


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOUm Deus vingativo... um Deus que mata para castigar... hoje, que apena <strong>de</strong> morte se acha abolida em quase to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>!***Se um fogueteiro morre queima<strong>do</strong> pelos foguetes atira<strong>do</strong>s em honra<strong>de</strong> um bispo (lembras-te?), é mercê <strong>de</strong> Deus. Se um ator morre <strong>de</strong> febreamarela, após a representação <strong>de</strong> um drama no qual se estigmatiza aignorância <strong>do</strong> clero, é vingança <strong>de</strong> Deus! Que lógica, que religião e,sobretu<strong>do</strong>, que coerência <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias!***Também... que coerência <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias po<strong>de</strong> ter O Apóstolo, quan<strong>do</strong>,para <strong>de</strong>smentir as suas negras apreensões, a Inglaterra nos emprestacinco milhões <strong>de</strong> libras esterlinas, sem que os fun<strong>do</strong>s brasileiros soframa menor alteração <strong>de</strong> valor no merca<strong>do</strong> inglês!Ter-se-ia realiza<strong>do</strong> o empréstimo se o governo brasileiro, pelas suasi<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> progresso, não gozasse na Europa <strong>do</strong> crédito necessá<strong>rio</strong> às operaçõespecuniárias? Esse crédito, <strong>do</strong>n<strong>de</strong> vem? Da lei <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> setembro, primeiro; <strong>do</strong>mo<strong>do</strong> por que o gabinete <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> março tem combati<strong>do</strong> o jesuitismo, <strong>de</strong>pois.A Europa vê que o Brasil quer progredir, quer pôr-se ao la<strong>do</strong> das nações maisadiantadas <strong>do</strong> novo e <strong>do</strong> velho mun<strong>do</strong> e auxilia-o em tão louvável empenho.Se nada se tivesse feito em favor <strong>do</strong>s escravos; se a sotaina negraestivesse <strong>de</strong> posse da tal soberania que é o seu í<strong>do</strong>lo queri<strong>do</strong> – a apostarque a Europa nem um cobre nos emprestava! E que, em lugar <strong>de</strong> estradas<strong>de</strong> ferro, teríamos ainda os célebres atoleiros e cal<strong>de</strong>irões d’illo tempore * !***Passan<strong>do</strong> das coisas sérias àquelas que <strong>de</strong>leitam os olhos, vouterminar a crônica anuncian<strong>do</strong> ao leitor a próxima e última exposição<strong>do</strong>s quadros feitos ultimamente pelo pintor De Martino.A abordagem <strong>do</strong> encouraça<strong>do</strong> Barroso (<strong>de</strong>fronte <strong>do</strong> Tagi) pelas canoasparaguaias, na noite <strong>de</strong> 9 e 10 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1868, a passagem da esquadraimperial pelo Tonelero, em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1831, o bombar<strong>de</strong>amento <strong>do</strong>*Daquele tempo! (N. E.)270


ARTIGOS DE IMPRENSACuruzu, a corveta Bertioga aprisionan<strong>do</strong> a corveta argentina Goberna<strong>do</strong>rDorrego, em 24 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1828, e a baía <strong>de</strong> Montevidéu, tomada <strong>do</strong>forte São José (o trabalho mais artístico da exposição): eis o título <strong>do</strong>squadros que o público terá em breve ocasião <strong>de</strong> admirar.Nemo72) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 371, p. 74, 6 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1875O que por aí se dizia <strong>do</strong> péssimo esta<strong>do</strong> da nossa primeira via férrea levouo conselheiro Costa Pereira a ir pessoalmente examiná-la em quase toda a suaextensão. Embora à frente da direção daquela estrada se ache hoje um homemhábil e exato cumpri<strong>do</strong>r <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>veres, a presença <strong>do</strong> ministro, nesses casos, ésempre útil, sempre necessária, sempre digna <strong>de</strong> louvor. Mais prontas resoluçõessão tomadas, mais <strong>de</strong>pressa se reme<strong>de</strong>ia o mal, quan<strong>do</strong> o ministro, à vista <strong>do</strong>sfatos, autoriza o diretor a tomar as providências que a prática aconselha.Se os antecessores <strong>do</strong> conselheiro Costa Pereira tivessem por vezesfeito o que sua excelência acaba <strong>de</strong> fazer, talvez a nossa primeira viaférrea não oferecesse hoje motivos para censuras e reclamações.***Respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a O Apóstolo, A Nação <strong>de</strong>u um melzinho aos beiçosao senhor <strong>do</strong>m Lacerda (Pedro). O tal melzinho, porém, <strong>de</strong>sagra<strong>do</strong>u afolha clerical.“Por quê?”, pergunto eu. Será preciso a qualquer bispo <strong>de</strong>ixar atanaziarsepara estar nas boas graças <strong>do</strong> órgão da rua Nova? Será preciso quepublique in continenti os Breves <strong>de</strong> Roma para não incorrer em censura?***E quem mais <strong>do</strong> que O Apóstolo incorre em censura, quan<strong>do</strong>,intitulan<strong>do</strong>-se órgão da religião (da religião que tanta humilda<strong>de</strong> e271


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOresignação aconselha), nos atira diariamente à face com <strong>de</strong>stampató<strong>rio</strong>,mentira, ignorância, má-fé, especulação, ganância, lama das ruas eoutras palavrinhas ejus<strong>de</strong>m furfuris * ?***A nova lei <strong>do</strong> recrutamento, atirada à publicida<strong>de</strong> pelo ministro daGuerra, é, como nos diz o Jornal <strong>do</strong> Commercio, mais um serviço queo país <strong>de</strong>ve ao conselheiro Junqueira. Assim, as autorida<strong>de</strong>s saibamcumpri-la, e as cenas repugnantes que por aí presenciávamos, sempreque era mister proce<strong>de</strong>r a recrutamento, <strong>de</strong>saparecerão <strong>de</strong> vez.Nemo73) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 372, pp. 50 e 51, 13 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1875Dar conta minuciosa das ocorrências mais notáveis <strong>do</strong> carnaval,tal é o <strong>de</strong>ver <strong>do</strong> cronista nesta semana da carne... e <strong>do</strong> peixe. Vamos evenhamos, é gran<strong>de</strong> a estopada ** porque, a não serem as folias <strong>de</strong> terçafeira,o que por aí houve no <strong>do</strong>mingo... não foi lá essas coisas.Gente não faltava pelas ruas: coretos, iluminações, ban<strong>de</strong>irolas comalusões espirituosas, havia-as a esmo nos principais quarteirões da cida<strong>de</strong>. Afeição típica <strong>do</strong> carnaval, isto é, a máscara, nem era abundante nem ofereciaao <strong>de</strong>us Momo o contingente <strong>de</strong> espírito e a loucura a que ele tem direito.Foi brilhante o passeio das socieda<strong>de</strong>s, não há por que o negar; quasetodas foram vitoriadas pelo povo na sua passagem. Tu<strong>do</strong>, porém, ficounisso. Entusiasmo, vivacida<strong>de</strong>, loucura, foram, no <strong>do</strong>mingo, palavrassem significação. Nos teatros, a coisa também não esquentou muito.No Lírico, muita bulha, muito empuxão, muito calor, muito princêsdisfarça<strong>do</strong>, muita luz, poucas pernadas... e pouquíssimo espírito.*Do mesmo farelo. (N. E.)**“Estopada” significa perda <strong>de</strong> tempo (Cf. VIOTTI, Manuel. Novo dicioná<strong>rio</strong> da gíria brasileira. São Paulo:Ind. Gráfica Bentivegna, 1956). (N. E.)272


ARTIGOS DE IMPRENSASe excetuarmos um maganão que fazia discursos em italiano lá dasua lavra, um rapazio que trazia em contínuo re<strong>de</strong>moinho <strong>de</strong> espírito...o salão da segunda or<strong>de</strong>m, e uma elegante máscara que, trajan<strong>do</strong> vesti<strong>do</strong><strong>de</strong> velu<strong>do</strong> preto, camargo <strong>de</strong> rendas pretas, esmeraldas nos cabelos eluvas <strong>de</strong> pelica branca, foi o ponto on<strong>de</strong> se fixou a admiração <strong>de</strong> to<strong>do</strong>squantos a viram, tu<strong>do</strong> o mais valeu... pouco.As socieda<strong>de</strong>s fizeram, é verda<strong>de</strong>, o quanto era humanamente possívelpara alegrar a situação. Conseguiram-no até certo ponto, <strong>do</strong>minaram por vezesa sensaboria, mas em geral pre<strong>do</strong>minou o indiferentismo e, à 1h, a músicateve <strong>de</strong> calar-se porque o número <strong>do</strong>s dançarinos ficara reduzi<strong>do</strong> a... zero.No Dom Pedro II, houve gran<strong>de</strong> profusão <strong>de</strong> flores, <strong>de</strong> ban<strong>de</strong>irase <strong>de</strong> espelhos; calor insuportável, costumes sem gran<strong>de</strong> novida<strong>de</strong>,algumas pernadas e... espírito evapora<strong>do</strong>. Os foliões das socieda<strong>de</strong>sentraram galhardamente ao som das respectivas bandas <strong>de</strong> música,animaram o baile até certa hora; no entanto, <strong>de</strong>pois, extenua<strong>do</strong>s pelocalor ou resolvi<strong>do</strong>s a guardar para a terça-feira a melhor das espadas,retiraram-se a quartéis, sem darem à festa aquele caráter <strong>de</strong> loucura, tãoreclama<strong>do</strong> pelo <strong>de</strong>us Momo.Na terça-feira, felizmente, tu<strong>do</strong> mu<strong>do</strong>u <strong>de</strong> face. As ruas estavaminundadas <strong>de</strong> povo, o prazer mostrava-se em to<strong>do</strong>s os rostos e associeda<strong>de</strong>s, prontas a entrar na liça, aguardavam com impaciência omomento <strong>de</strong> expor à vista <strong>do</strong>s cu<strong>rio</strong>sos muita coisa bonita, rica e chistosa.Efetivamente, <strong>de</strong> boas i<strong>de</strong>ias, <strong>de</strong>stas que fazem andar aos tombos comriso sem ofen<strong>de</strong>r quem quer que seja, havia sofrível <strong>do</strong>se.A Passagem <strong>de</strong> Vênus, apresentada pelos Tenentes; a Lancha <strong>do</strong>Lazareto, <strong>do</strong>s Democráticos; os Joga<strong>do</strong>res Surpreendi<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>s Fenianos; oEspírito Engarrafa<strong>do</strong>, <strong>do</strong>s Pingas; a Circunscrição <strong>do</strong>s Incêndios, <strong>do</strong> NovoX; o Astrólogo, <strong>do</strong>s Esponjas; e o Ajardinamento <strong>do</strong> Campo, <strong>do</strong> Velho Xagradaram geralmente e <strong>de</strong>ram causa, alguns, à gargalhada estrepitosa.Em número chique e elegante, distinguiram-se os Tenentes, osFenianos e os Democráticos, procuran<strong>do</strong> não lhes ficar atrás os <strong>do</strong>isClubs X, os Inimitáveis (que traziam na cabeça o chapéu predileto<strong>de</strong> O Apóstolo), a Internacional, os Estudantes, os Pingas e o ZéPereira Ilustra<strong>do</strong>. Outras socieda<strong>de</strong>s ainda, cujo nome não me ocorre,abrilhantaram o passeio <strong>de</strong> terça-feira.De noite, nos teatros, a festança foi luzidíssima. Era extraordiná<strong>rio</strong>o número <strong>de</strong> pessoas que enchia a sala <strong>do</strong> Pedro II e <strong>do</strong> Lírico.273


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCODançava-se a custo e, mesmo para passear, pouco espaço sobrava. Comoera natural, houve sopapo, leques quebra<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>smaios, ataques <strong>de</strong> nervose outros episódios mais ou menos sé<strong>rio</strong>s, mais ou menos burlescos.Às 3h, o carnaval <strong>de</strong> 1875 estorcia-se nas ânsias da morte e, aoraiar da aurora <strong>de</strong> quarta-feira, expirava nos hotéis, entre os vapores<strong>do</strong> champagne, para ce<strong>de</strong>r o campo... aos 40 dias <strong>do</strong> senhor bispo.Nemo74) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 373, p. 58, 20 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1875O Apóstolo, em um <strong>do</strong>s seus passa<strong>do</strong>s noticiá<strong>rio</strong>s, diz-nos que oitaliano Petrucelli <strong>de</strong>lla Gattina, autor <strong>de</strong> muitos escritos inju<strong>rio</strong>soscontra a Igreja, foi ataca<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma paralisia.É inútil acrescentar que a folha clerical atribui a moléstia ao castigodivino <strong>de</strong> que não po<strong>de</strong>m fugir os que, longe <strong>de</strong> atacar a verda<strong>de</strong>irareligião <strong>do</strong> crucifica<strong>do</strong>, atacam o po<strong>de</strong>r temporal e a religião romana!***É velha mania <strong>de</strong> O Apóstolo encontrar em cada <strong>do</strong>ença e em cadaóbito uma graça ou um castigo. No entanto, se religiosamente a coisa éassim, a gota <strong>de</strong> que sofre Pio IX será graça ou castigo? Escreveria suasantida<strong>de</strong> coisas inju<strong>rio</strong>sas contra a Igreja? Mandar-lhe-ia o govern<strong>obras</strong>ileiro a moléstia <strong>de</strong> presente pelo telégrafo elétrico? Leria algumavez em voz alta o Galileu? Atacaria foguetes à chegada <strong>de</strong> algum bispo?***E eu cá... que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Carnaval trago às costas a mais bela constipação<strong>de</strong>ste mun<strong>do</strong>? Graça ou castigo? E o meu colega João Bernar<strong>de</strong>s, que <strong>de</strong> hátempos a esta parte anda <strong>de</strong>rrea<strong>do</strong> e <strong>de</strong> espáduas à bolina? Graça ou castigo?***274


ARTIGOS DE IMPRENSAVerda<strong>de</strong>ira graça, na opinião geral, é o mo<strong>do</strong> por que a imigraçãoespontânea vai afluin<strong>do</strong> às nossas praias. Nada mais, nada menos que540 imigrantes italianos, 1.080 braços <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s à fecundação <strong>de</strong>stesolo abençoa<strong>do</strong>, nos entraram a 18 pela porta a<strong>de</strong>ntro.Graças ao mo<strong>do</strong> por que foram acolhi<strong>do</strong>s por sua excelência daAgricultura e graças também à diligência empregada pelo <strong>do</strong>utor GusmãoLobo para que nada faltasse aos novos hóspe<strong>de</strong>s, toda essa gente <strong>de</strong>sembarcourisonha e satisfeita e, como lhe foram agradáveis as primeiras impressões,é <strong>de</strong> se esperar que, em breve, novos grupos <strong>de</strong> colonos italianos venhamreforçar os que já por aí se acham estabeleci<strong>do</strong>s no Impé<strong>rio</strong>.***A Itália é, talvez, o país que maior número <strong>de</strong> imigrantes po<strong>de</strong>oferecer ao Brasil, se o conselheiro Costa Pereira, tão solícitoem tu<strong>do</strong> quanto se refere à colonização, fizer o que por lá fazemas Repúblicas <strong>do</strong> Prata, isto é, cimentar a amiza<strong>de</strong> entre os <strong>do</strong>ispovos, pôr bem patentes, por meio da <strong>imprensa</strong>, as vantagens queo colono po<strong>de</strong> auferir entre nós, <strong>de</strong>screver as belezas naturais <strong>do</strong>Brasil, a prodigiosa fecundida<strong>de</strong> <strong>do</strong> seu torrão e outras muitas coisasnecessárias para atrair a imigração.***As Repúblicas <strong>do</strong> Prata, além <strong>de</strong> várias publicações feitas quasesemanalmente nos jornais italianos, têm na Itália um po<strong>de</strong>rosíssimoauxiliar na pessoa <strong>do</strong> gran<strong>de</strong> publicista Hector Varella. Em um jornal,<strong>de</strong> sua proprieda<strong>de</strong>, escrito em várias línguas, é incansável esse homemnos louvores dispensa<strong>do</strong>s à uberda<strong>de</strong> <strong>do</strong> solo platense, à extraordináriaamenida<strong>de</strong> <strong>do</strong> seu clima e às vantagens que as Repúblicas oferecem aoimigrante labo<strong>rio</strong>so.***Entretanto, é força dizê-lo aqui, nem toda a colonização italianaserve para o Brasil. Os piemonteses, os lombar<strong>do</strong>s, os florentinos e osvenezianos são trabalha<strong>do</strong>res inteligentes e ótimos para fazer parte <strong>de</strong>275


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOqualquer socieda<strong>de</strong> civilizada. Deus nos livre, porém, <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> quantoficou amesquinha<strong>do</strong> pelo po<strong>de</strong>r da sotaina preta ou pela influência fatal<strong>do</strong>s barretes vermelhos... da Itália romana, enfim! O ócio, a gatunice, oroubo na estrada, o assassinato às escuras, eis as principais divisas <strong>de</strong>ssagente, que só po<strong>de</strong>rá regenerar-se nas gerações vin<strong>do</strong>uras, se o rei VítorManuel e o governo italiano não afrouxarem, na obra <strong>de</strong> regeneração, ainteligente empreendida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a Itália se tornou una e libera!Tu<strong>do</strong> quanto aí fica dito são impressões <strong>de</strong> quem já viu <strong>de</strong> perto epor <strong>de</strong>mora<strong>do</strong> tempo, as glórias e as misérias <strong>de</strong>ssa gran<strong>de</strong> nação, on<strong>de</strong>as belas-artes nas suas mais esplêndidas manifestações contam aindalegítimos representantes.Aproveite-as, se quiser, o conselheiro Costa Pereira e, lançan<strong>do</strong> mão dapropaganda <strong>de</strong>stinada a tornar bem conheci<strong>do</strong> o Brasil na Itália, verá quantosbraços robustos e inteligentes virão pedir trabalho à terra <strong>de</strong> Santa Cruz.Nemo75) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 374, pp. 66 e 67, 27 <strong>de</strong> fevereiro<strong>de</strong> 1875Se O Apóstolo lê os jornais milaneses, <strong>de</strong>ve estar fu<strong>rio</strong>so! Nem é paramenos. O homem que tanta coisa feia dissera da Igreja e a quem Deuscastigara a língua... paralisan<strong>do</strong>-lhe o corpo em um volver <strong>de</strong> olhos; o homemque só via, como vê ainda, no po<strong>de</strong>r temporal e nas <strong>do</strong>utrinas romanas, umtropeço constante anteposto à liberda<strong>de</strong>, à consciência, ao progresso e à razão;o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Petrucelli <strong>de</strong>lla Gattina, enfim, acha-se quase cura<strong>do</strong> da paralisiae <strong>de</strong>ve apresentar-se no Parlamento italiano no correr <strong>do</strong> presente mês!Não me daria hoje ao trabalho <strong>de</strong> transcrever e traduzir aqui o tópicoda Gazeta di Milano <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> janeiro se não temesse que amanhã OApóstolo viesse atirar-me ao rosto com certos adjetivos, pouco religiososna verda<strong>de</strong>, mas muito em voga no dicioná<strong>rio</strong> daquela asseada folha.Para não correr o risco <strong>de</strong> <strong>de</strong>volver-lhos to<strong>do</strong>s inteirinhos, aí vai atranscrição e a tradução literal:276


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOAgora, uma resposta ao senhor Di Martinho Vinco, que, por intermédiodas Publicações a pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> Jornal <strong>de</strong> 24, teve a bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> nos dirigiralgumas linhas. Segun<strong>do</strong> o que disseram as folhas diárias, os colonositalianos chega<strong>do</strong>s há dias são lombar<strong>do</strong>s. Sen<strong>do</strong> mesmo <strong>do</strong> antigo reino dasDuas Sicílias (<strong>do</strong>s Abruzzos, enfim), não quer isso dizer que seja má gente.Não há canto no mun<strong>do</strong> on<strong>de</strong> não se encontre gente honesta e trabalha<strong>do</strong>ra.Em relação, porém, à Itália, <strong>de</strong>ve sua senhoria concordar em umacoisa, que o norte da Itália, se não mentem as crônicas nem as estatísticas,leva gran<strong>de</strong> vantagem sobre o sul; não sou eu, são os próp<strong>rio</strong>s jornais <strong>de</strong>Turim, Milão e Roma que classificam <strong>de</strong> Itália romana (andarão tambématrasa<strong>do</strong>s em geografia os jornais italianos?) to<strong>do</strong>s os lugares on<strong>de</strong> as<strong>do</strong>utrinas clericais – abafan<strong>do</strong> a instrução, o progresso e a liberda<strong>de</strong>,para alimentarem o ócio e a ignorância e, portanto, to<strong>do</strong>s os crimes <strong>de</strong>que é capaz o ignorante e o ocioso – acharam mais eco.Está o Sul da Itália, mais que o Norte, nesse caso? A julgar pelo quepor lá vi, parece-me que sim.Quan<strong>do</strong> o governo <strong>do</strong> rei Vítor Manuel conseguir a extinção <strong>de</strong>ssesban<strong>do</strong>s <strong>de</strong> briganti * , que infestam a baixa Itália; quan<strong>do</strong> a instrução tivertrazi<strong>do</strong> ao caminho <strong>do</strong> trabalho e da indústria os pigroni ** , <strong>de</strong> que háinfelizmente uma certa abundância nas províncias <strong>do</strong> sul italiano, sereieu, como o serão to<strong>do</strong>s, um <strong>do</strong>s que mais <strong>de</strong>pressa louvará a regeneração<strong>de</strong>ssas províncias.Até lá, permita-me o senhor Di Martinho Vinco que eu continuea preferir, em relação ao Brasil, a colonização que po<strong>de</strong> fornecer-nosa alta Itália, a que nos po<strong>de</strong> vir <strong>do</strong>s pontos on<strong>de</strong> a sotaina preta e osbarretes vermelhos ainda pre<strong>do</strong>minam – infelizmente –, o que nãoquer por certo dizer que os nove milhões <strong>de</strong> italianos resi<strong>de</strong>ntes nabaixa Itália sejam exclusivamente compostos <strong>de</strong> ladrões, assassinos,ociosos e gatunos.***A crônica vai terminar por coisas tristes! Nem sempre é <strong>de</strong>scabidaa lágrima na face habituada ao riso. Quan<strong>do</strong> o sentimento a <strong>de</strong>ssora,quan<strong>do</strong> ela emana da alma, <strong>de</strong>ve fazer-se o silêncio em torno.*Ladrões. (N. E.)**Preguiçosos. (N. E.)278


ARTIGOS DE IMPRENSAPor isso abrimos aqui um parêntese, para juntar uma gota <strong>de</strong> prantoao pranto que chora a pátria pela perda <strong>de</strong> um <strong>de</strong> seus mais portentososfilhos. Carece dizer que essa lágrima é <strong>de</strong>rramada sobre a cova apenasfechada <strong>de</strong> Fagun<strong>de</strong>s Varela?Chorar-lhe a morte não envergonha: era um louco, mas era um poetae, sobretu<strong>do</strong>, um poeta cristão. Quan<strong>do</strong> um vulto como aquele apagasena tela da existência, abre-se um vácuo enorme, que só po<strong>de</strong> e quesó <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong> novo enchi<strong>do</strong> pelas lágrimas da pátria, a quem cumpre<strong>de</strong>svanecer-se <strong>de</strong> legítimo orgulho por lhe haver si<strong>do</strong> o berço.Corra, pois, o nosso pranto <strong>de</strong> mistura com o daqueles que sabemsentir e avaliar a perda que o país acaba <strong>de</strong> sofrer.Nemo76) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 375, pp. 42 e 43, 6 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1875A O ApóstoloTranscrevemos em seguida as preciosida<strong>de</strong>s com que a folha clericalnos mimoseou no seu número <strong>de</strong> <strong>do</strong>mingo passa<strong>do</strong>. Às reflexões <strong>de</strong> OApóstolo, respon<strong>de</strong>remos com a serieda<strong>de</strong> pedida pelo caso, procuran<strong>do</strong>convencê-lo tão somente <strong>de</strong> que, se não somos jesuítas nem andamos <strong>de</strong>cócoras perante o po<strong>de</strong>r temporal, não <strong>de</strong>ixamos, por isso, <strong>de</strong> ser cristãos.Eis a transcrição:Vida Fluminense – Este jornal trouxe ontem uma caricatura representan<strong>do</strong> o senhorviscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santa Cruz com a coroa sobre a cabeça, simulan<strong>do</strong> uma coroa <strong>de</strong> espinhos,e crava<strong>do</strong> na cruz, ten<strong>do</strong> <strong>do</strong>s la<strong>do</strong>s e como guardas o ministro da Justiça e o <strong>de</strong> Portugal.Reprovan<strong>do</strong> como temos reprova<strong>do</strong> essas imundas caricaturas, que penetramimpunemente no seio das famílias e que são o alimento <strong>do</strong>s amigos <strong>de</strong> escândalos,jamais nos ofen<strong>de</strong>mos com as que nos são <strong>de</strong>dicadas especialmente, além <strong>do</strong> mais,porque <strong>de</strong> certo mo<strong>do</strong> concorremos para que alguns esfaima<strong>do</strong>s tenham um meio279


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO<strong>de</strong> vida consoante à sua indústria; no entanto, tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> ridicularizar a paixãoe a morte <strong>do</strong> re<strong>de</strong>ntor <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> em um papel em que se reproduzem figuras asmais in<strong>de</strong>centes, não po<strong>de</strong>mos conter a nossa indignação, protestan<strong>do</strong> contra essaliberda<strong>de</strong> absoluta que têm quaisquer ganha<strong>do</strong>res <strong>de</strong> ridicularizar o que há <strong>de</strong> maissanto no céu, inclusive a pessoa <strong>do</strong> próp<strong>rio</strong> Jesus Cristo, com espanto geral <strong>do</strong>shomens honra<strong>do</strong>s e imparciais.Faça a Vida Fluminense o seu negócio, corrompa os costumes, <strong>de</strong>senhe in<strong>de</strong>cências,zombe <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> e <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, mas respeite ao menos o filho <strong>de</strong> Deus, o salva<strong>do</strong>r <strong>do</strong>mun<strong>do</strong>. Não é muito o que lhe pedimos.A opinião <strong>de</strong> O Apóstolo sobre a imundície <strong>de</strong> nossas caricaturasdói-nos pouco... ou, para melhor dizer, nada. Na questão entre o po<strong>de</strong>rcivil e a seita ultramontana, seguimos à risca os passos da <strong>imprensa</strong>ilustrada europeia. Desejávamos ver com que nariz ficaria O Apóstolose lançasse os olhos sobre o que se publica na Alemanha, na Itália, naInglaterra e até na própria Espanha (falamos da Espanha cristã, e nãoda Espanha católica) acerca <strong>de</strong> semelhante assunto. Ainda por lá, comopor cá também, nenhuma família se queixou <strong>de</strong> que lhe pervertemos osentimento religioso satirizan<strong>do</strong> o jesuitismo.Que O Apóstolo não se ofenda com os <strong>de</strong>senhos que lhe tocam pelaporta, concorren<strong>do</strong> assim para que alguns esfaima<strong>do</strong>s (não é só suasanta reverendíssima que tem pança; cá por casa, também, há sofríveisbarriguinhas que protestam contra o cari<strong>do</strong>so epíteto) tenham um mo<strong>do</strong><strong>de</strong> vida consoante a sua indústria, é justo.Seria cu<strong>rio</strong>so que ele se ofen<strong>de</strong>sse ten<strong>do</strong> na própria redação quem,esfaima<strong>do</strong> talvez, já buscou na <strong>imprensa</strong> ilustrada paulistana o talalimento que nutre os amigos <strong>de</strong> escândalos, publican<strong>do</strong> ou permitin<strong>do</strong>que se publicasse um quadro no qual o Brasil, crucifica<strong>do</strong> pelo ministé<strong>rio</strong><strong>do</strong> senhor Zacarias, simbolizava a situação política daquele tempo.Vamos, porém, ao mais interessante, ao que é mais sé<strong>rio</strong> e que porisso mesmo merece mais cabal resposta. Apresentar um personagemcrucifica<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> <strong>do</strong>s la<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is guardas, não é por forma algumaridicularizar a paixão e morte <strong>do</strong> re<strong>de</strong>ntor <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Antes <strong>de</strong> proferirsemelhante blasfêmia, <strong>de</strong>veria O Apóstolo reparar na forma da cruz quese vê no <strong>de</strong>senho. É o lenho sacrossanto <strong>de</strong> que reza a história sagrada?Além disso, foi Cristo o único a quem se infligiu a pena da cruz? Não era280


ARTIGOS DE IMPRENSAa crucificação o suplício daqueles tempos? Ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> Jesus Cristo nãofiguraram os <strong>do</strong>is ladrões, igualmente crucifica<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> que reza a história?Protesta, então, O Apóstolo contra essa liberda<strong>de</strong> absoluta quetêm quaisquer ganha<strong>do</strong>res (<strong>de</strong>volvemos-lhe a frase toda inteirinha) <strong>de</strong>ridicularizar o que há <strong>de</strong> mais santo no céu, com espanto geral <strong>do</strong>shomens honra<strong>do</strong>s, sem motivo, pois procura tão somente sofismar o<strong>de</strong>senho em questão, atribuin<strong>do</strong>-lhe heresias que ele não tem.Para terminar: faça O Apóstolo o seu negócio, corrompa a civilização,publique sandices (a <strong>do</strong> fogueteiro morren<strong>do</strong> por graça <strong>de</strong> Deus e a <strong>do</strong>senhor Boldrini morren<strong>do</strong> por graça... <strong>do</strong> diabo, por exemplo), zombe àsocapa da credulida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s parvos, mas respeite ao menos o bom-sensoe <strong>de</strong>ixe em paz a religião como no-la pregou o filho <strong>de</strong> Deus, o salva<strong>do</strong>r<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, porque essa, se a enten<strong>de</strong>, finge não entendê-la. Não é muitoo que lhe pedimos.Nemo77) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 376, p. 82, 13 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1875Mais algumas horas e o Parlamento brasileiro abrirá as suas portas àcu<strong>rio</strong>sida<strong>de</strong> pública. A sessão vai ser animada porque importantíssimossão os assuntos ofereci<strong>do</strong>s ao <strong>de</strong>bate. Avultam, <strong>de</strong>ntre eles, a reformaeleitoral e a questão religiosa.***Sobre a primeira, tem A Reforma publica<strong>do</strong> uma série <strong>de</strong> <strong>artigos</strong>mostran<strong>do</strong> as vantagens da eleição direta. Não quero contrariar AReforma nas suas justas aspirações. Permita-me, porém, a ilustrematrona da rua Sete <strong>de</strong> Setembro que eu, por ora, as ache temporãs.Está o país prepara<strong>do</strong> para a realização da i<strong>de</strong>ia que é o “Ai, Jesus” <strong>de</strong> AReforma? Parece-me que não.***281


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOO gabinete presidi<strong>do</strong> pelo senhor viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco tem semea<strong>do</strong>largamente no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong>, um dia, colher, como fruto, a eleição direta. Alei <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> setembro, o ato mais civiliza<strong>do</strong>r <strong>de</strong> que entre nós há notícia, eo <strong>de</strong>senvolvimento da instrução pública em razão <strong>do</strong>s incessantes esforços<strong>do</strong> senhor conselheiro João Alfre<strong>do</strong> são provas exuberantes disso.***No entanto, antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, é necessá<strong>rio</strong> <strong>de</strong>ixar enraizar essas sementes, esperarque os frutos se apresentem, para então outorgar ao povo o direito <strong>de</strong> escolherdiretamente os cidadãos que têm <strong>de</strong> representá-lo na Assembleia Legislativa. Votar<strong>de</strong>s<strong>de</strong> já pela eleição direta, quan<strong>do</strong> o país ainda não está completamente prepara<strong>do</strong>para ela, seria erro gravíssimo, cujas consequências não é lícito prever. Esperemosmais algum tempo. Longe <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r, com a espera, muito lucrará a nação.***A questão religiosa, segun<strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> que a Assembleia tem <strong>de</strong>ocupar-se, apresenta dificulda<strong>de</strong>s sérias. O calcula<strong>do</strong> fanatismo <strong>de</strong>alguns <strong>do</strong>s principais membros <strong>do</strong> nosso clero e a atitu<strong>de</strong> hostil da CúriaRomana – a qual, inteiramente <strong>de</strong>smoralizada em quase toda a Europa,procura enraizar na América as <strong>do</strong>utrinas que por lá não têm mais eco –são escolhos nos quais a energia da Assembleia não <strong>de</strong>ve naufragar, seela, sobretu<strong>do</strong>, se lembrar <strong>de</strong> que o progresso é a alma <strong>do</strong>s países novos.Não haja, pois, contemporizações. Corte-se o mal pela raiz. Lembre-sea Assembleia <strong>de</strong> que o mais figadal inimigo <strong>do</strong> progresso é... o jesuitismo.***Mudan<strong>do</strong> <strong>de</strong> rumo, terminarei a crônica recomendan<strong>do</strong> ao públicoo novo estabelecimento que, sob o título <strong>de</strong> Linda Brasileira, acaba <strong>de</strong>abrir, na rua <strong>do</strong> Ouvi<strong>do</strong>r, 90. A julgar pelo que lá vi, a convite <strong>do</strong> senhorGeorges, o problema <strong>do</strong> da falta <strong>de</strong> bom-gosto, alia<strong>do</strong> à mais completamodicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preços, acha-se resolvi<strong>do</strong>.Nemo282


ARTIGOS DE IMPRENSA78) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 377, p.90, 20 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1875Às censuras da oposição respon<strong>de</strong> o senhor ministro <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>com fatos <strong>de</strong> incontestável utilida<strong>de</strong>. Bem haja ele. Acusa<strong>do</strong> por vezes<strong>de</strong> não cuidar da instrução pública, o conselheiro João Alfre<strong>do</strong>, quehá mais <strong>de</strong> cinco anos dirige a pasta <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> com pat<strong>rio</strong>tismo não<strong>de</strong>smenti<strong>do</strong>, esmaga a acusação inauguran<strong>do</strong>, a 14 <strong>do</strong> corrente, o Asiloda Infância Desvalida.***Desta vez, não foi só da instrução que ele cui<strong>do</strong>u. À essa nobrei<strong>de</strong>ia – que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua entrada para o po<strong>de</strong>r ele acariciou sempre com<strong>de</strong>svela<strong>do</strong> carinho – aliou sua excelência outra i<strong>de</strong>ia não menos nobre,não menos grata aos homens <strong>de</strong> coração – a da carida<strong>de</strong>.***A infância <strong>de</strong>svalida, graças à iniciativa <strong>do</strong> conselheiro João Alfre<strong>do</strong>,tem hoje um lugar <strong>de</strong> abrigo on<strong>de</strong>, a par <strong>de</strong> todas as precauções aconselhadaspela higiene, se encontra a instrução <strong>do</strong> espírito, que <strong>de</strong>seja <strong>de</strong>senvolver-se,e a educação <strong>do</strong>s braços, que mais aptidão mostram para as artes mecânicas.Bem haja, pois, o senhor ministro <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>.***No mesmo dia em que se inaugurava o Asilo da Infância Desvalida, aCompanhia <strong>de</strong> Navegação Paulista, representada pela sua digna direção,procedia à experiência <strong>do</strong> vapor América. Ao visitar aquele excelentenavio – o primeiro da nossa navegação costeira em velocida<strong>de</strong>, elegânciae comodida<strong>de</strong>s –, não é possível <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> dirigir um voto <strong>de</strong> louvor àdigna diretoria e, outro a seu hábil gerente, o senhor Jayme Esnaty, aquem se <strong>de</strong>ve, em parte, o próspero esta<strong>do</strong> da Navegação Paulista.***283


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCODo elogio à censura não vai gran<strong>de</strong> distância. Elogiei até aqui, censurareiagora. Ainda não conseguiu o senhor Plínio <strong>do</strong>s Correios tapar a boca <strong>do</strong>squeixosos mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Santa Teresa. O mau serviço das diligências continua econtinuará enquanto o governo fechar os ouvi<strong>do</strong>s ao clamor geral, e o senhor chefe<strong>de</strong> polícia fechar os olhos à acumulação <strong>de</strong> gente nas diligências, para as quais...não há lotação. Também o senhor Plínio já está acostuma<strong>do</strong> a estes fechamentos<strong>de</strong> olhos e <strong>de</strong> ouvi<strong>do</strong>s. É verda<strong>de</strong> que o provérbio diz: “Quem não tem ouvi<strong>do</strong>sto<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> é seu”; o mun<strong>do</strong> lá <strong>de</strong> Santa Teresa é to<strong>do</strong> <strong>do</strong> senhor Plínio.Nemo79) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 378, pp. 98 e 99, 27 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1875O relató<strong>rio</strong> <strong>do</strong> chefe <strong>de</strong> polícia da Paraíba sobre os acontecimentos<strong>do</strong> norte, publica<strong>do</strong> em A Nação <strong>de</strong> 23, veio abrir completamenteos olhos a quem ainda teimava em conservá-los fecha<strong>do</strong>s. Aquele<strong>do</strong>cumento mostra a evidência <strong>de</strong> que o principal agente das façanhasquebra-quiloenses foi o jesuitismo! (Este ponto <strong>de</strong> admiração vai aquipara os outros. Cá por mim, dispensava-o.)***O pior é que <strong>do</strong> tal <strong>do</strong>cumento também se vê <strong>de</strong> quanta influênciagozam ainda sobre o espírito <strong>do</strong> povo os sectá<strong>rio</strong>s <strong>de</strong> Loyola (<strong>de</strong>s<strong>de</strong>Calixto, da Campina Gran<strong>de</strong>, até Ibiapina, <strong>de</strong> qualquer outra... campina).***Essa influência, embora limitada às classes menos instruídas, éprova cabal da inoportunida<strong>de</strong> da eleição direta em um país on<strong>de</strong> faltamelementos para a realização <strong>de</strong>sse justo <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato.***284


ARTIGOS DE IMPRENSAConverta-se em lei a eleição direta, tenha o povo o direito <strong>de</strong> elegerdiretamente os seus representantes, e o jesuitismo erguerá a cabeça... e OApóstolo rirá à socapa... e A Católica, hoje dissolvida – mais por causadas contribuições congruentes <strong>do</strong> que pelo pretendi<strong>do</strong> veto <strong>do</strong> governo– se constituirá novamente... para ir mais tar<strong>de</strong> assentar barracas... nopalácio da Assembleia Legislativa! (Não dispenso estes três pontos <strong>de</strong>admiração – <strong>do</strong>is para os outros e um para mim.)***Pio IX exultará; os car<strong>de</strong>ais dançarão um minueto requebra<strong>do</strong>; OApóstolo rebentará <strong>de</strong> indigestão (tal será o prazer... e a mesa); o senhorTarquínio provará que não é só em Roma que há romanos; o senhorFerreira Viana terá ocasião <strong>de</strong> pôr na cabeça mais três coroas (duas <strong>de</strong>flores... e uma feita à navalha); as côngruas da padralhada serão elevadasao duplo; o <strong>do</strong>utor Reyes, secretá<strong>rio</strong> particular <strong>do</strong> órgão apostólico,<strong>de</strong>itará sermões edificantes na praça pública; e frei Caetano <strong>de</strong> Mezinhaaconselhará às moças a substituição da chave pelo cantochão e a <strong>do</strong>sóleos perfuma<strong>do</strong>s <strong>do</strong> senhor William Louis pela banha <strong>de</strong> porco aunaturel (manteca di porco).***No entanto, o país imitará os caranguejos; a ignorância voltará; alei <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> setembro, mantida pelo direito será <strong>de</strong> fato letra morta; aemigração mandará à tábua este solo, embora mais abençoa<strong>do</strong> então<strong>do</strong> que hoje; a lavoura <strong>de</strong>finhará; o progresso, acossa<strong>do</strong> por sombrasimplacáveis, baterá a linda plumagem; e a civilização, corrida <strong>de</strong>vergonha, procurará em outras paragens o lugar <strong>de</strong> honra, que, à custa <strong>de</strong>tantos sacrifícios, conquistara nesta. Há <strong>de</strong> ser bem bonito, não acham?***Tão bonito quanto a or<strong>de</strong>m que obriga os artistas dramáticos a jejuar (eque jejum!) 11 dias a fio, ou o requerimento <strong>do</strong> reveren<strong>do</strong> Pinto <strong>de</strong> Campos,pedin<strong>do</strong> o encerramento da sessão legislativa na época em que o país maiscarece das luzes <strong>de</strong> seus representantes.285


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOEu sei que o reveren<strong>do</strong> Pinto <strong>de</strong> Campos, é liberalão às direitas, emborase diga conserva<strong>do</strong>r; contu<strong>do</strong>, pedir e obter o fechamento das portasparlamentares em tempo <strong>de</strong> tanto trabalho pelo simples fato <strong>de</strong> estarmos naSemana Santa... cheira-me a ultramontanismo disfarça<strong>do</strong>... por me repugnara i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> passar aqui a sua excelência um diploma <strong>de</strong>... mandrião.***Alguns senhores <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ram solene cavaco com o fechamento.Têm razão os <strong>de</strong> fora, especialmente, porque não têm por lá assembleias<strong>de</strong> dia... nem alcázares <strong>de</strong> noite.***Um conselho: como estamos quase na Páscoa, façam o que OApóstolo está provavelmente fazen<strong>do</strong> à hora em que escrevo. Comamlhebem, bebam-lhe melhor, mas... convi<strong>de</strong>m-me. Até mesmo porque soutalvez o primeiro a <strong>de</strong>sejar-lhes as boas festas, não só a suas excelências,mas também a to<strong>do</strong>s os assinantes que me honram com a sua confiançae não <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nham <strong>de</strong> lançar olhos sobre as crônicas <strong>de</strong>Nemo80) A NaçãoJornal político e comercialAno IV, número 68, terça-feira, 6 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1875Parte ineditorialO Impé<strong>rio</strong> e as Repúblicas <strong>do</strong> PrataChegou o momento solene em que <strong>de</strong>vem tomar a palavra os homens queconhecem e habitam esta parte <strong>do</strong> continente sul-americano e que, por seusprincípios realmente liberais, conservam igual consi<strong>de</strong>ração e respeito portodas as socieda<strong>de</strong>s que constituem as nações brasileira, argentina e uruguaia.I286


ARTIGOS DE IMPRENSAAs questões <strong>de</strong> hoje não são as mesmas questões <strong>de</strong> sempre. Há,na situação atual da existência <strong>de</strong> todas estas socieda<strong>de</strong>s, alguma coisa<strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>ntal a resolver, <strong>de</strong> forma que assegure no porvir uma pazpermanente e o progresso das socieda<strong>de</strong>s, que só po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem aspiraràs lutas da indústria – e aos combates da inteligência e <strong>do</strong> trabalhohumano –, únicas guerras em que nem vence<strong>do</strong>r nem venci<strong>do</strong> jamaiscontam vítimas que lamentar.Preparar o terreno, em senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> recolher tão benéficos frutos,é uma tarefa bastante difícil na prática, visto que nem os governos,os quais, à sua vonta<strong>de</strong>, dirigem os <strong>de</strong>stinos <strong>do</strong>s povos, têm o valorcívico <strong>de</strong> sacrificar sua vaida<strong>de</strong> ao interesse comum da humanida<strong>de</strong>,e tampouco os povos são ilustra<strong>do</strong>s suficientemente para que associeda<strong>de</strong>s compreendam bem o que lhes convém e possam organizarsua força coletiva nas condições <strong>de</strong> impor seu voto na direção da políticainternacional que se <strong>de</strong>ve seguir entre os Esta<strong>do</strong>s limítrofes.Essa impotência da coletivida<strong>de</strong> social exige que ao menos a opiniãopública ilustrada por seu órgão, a <strong>imprensa</strong>, venha influir para que o maldas guerras, quan<strong>do</strong> estas são impossíveis <strong>de</strong> se evitar, não venham aomenos com o caráter <strong>de</strong> perpetuar mais e mais os ódios mesquinhosentre os povos <strong>de</strong> uma mesma origem e cujos exércitos, mais <strong>de</strong> umavez, foram alia<strong>do</strong> para <strong>de</strong>rribar a tiranos como Rosas e Solano López.Se é inevitável uma guerra entre os <strong>do</strong>is gran<strong>de</strong>s Esta<strong>do</strong>s, que esten<strong>de</strong>mseus <strong>do</strong>mínios até os confluentes <strong>do</strong> Prata, sofra-se mais esse terrível flagelo;porém, sirva por última vez o sangue que se <strong>de</strong>rramar para dar a existênciafeliz a que aspiram quantos buscam, no honesto trabalho da indústria e <strong>do</strong>comércio, o engran<strong>de</strong>cimento moral e material <strong>de</strong>stas regiões.Já que hoje a <strong>imprensa</strong> <strong>do</strong> prata não goza das prerrogativas que,à custa <strong>de</strong> tantos sacrifícios, conquistaram os funda<strong>do</strong>res <strong>de</strong>stes novosEsta<strong>do</strong>s, tomamos a palavra em outro idioma e recorremos à <strong>imprensa</strong><strong>de</strong>sse Impé<strong>rio</strong> livre, on<strong>de</strong> a expansão <strong>do</strong>s íntimos sentimentos da almasão para to<strong>do</strong>s um direito individual e um <strong>de</strong>ver, quan<strong>do</strong> se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> osgran<strong>de</strong>s interesses da humanida<strong>de</strong>.Já passaram os tempos em que a sorte <strong>do</strong>s povos estava exclusivamenteconfiada aos caprichos da diplomacia e à força bruta <strong>do</strong>s exércitos. Hoje,II287


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOa coletivida<strong>de</strong> social – por seu órgão, a <strong>imprensa</strong> – discute a marchada política que os governos <strong>de</strong>vem seguir, nas <strong>de</strong>sinteligências quecostumam manifestar-se nas relações oficiais <strong>de</strong> um Esta<strong>do</strong> com outros.É pela solidarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> interesses no bem-estar da humanida<strong>de</strong>, entreto<strong>do</strong>s os povos que constituem a comunida<strong>de</strong> das nações civilizadas,que nos casos graves são chama<strong>do</strong>s os publicistas a dar seu voto ou seusconselhos sobre os pontos que dão causa às ameaças <strong>de</strong> guerras.O respeito que merece a opinião pública, o dizem eloquentementeos manifestos que se creem obriga<strong>do</strong>s a dar, à luz da publicida<strong>de</strong>, to<strong>do</strong>sos governos que se <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m a fazer uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> guerra.Os interesses <strong>do</strong>s povos, pela multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas relaçõesindustriais e comerciais, estão <strong>de</strong> tal forma uni<strong>do</strong>s que seria afronta paratodas as socieda<strong>de</strong>s provocar a guerra sem antes justificar a causa quearrastou qualquer governo a recorrer a tão extremo recurso.Antes que se aceda a essa gravíssima responsabilida<strong>de</strong> – ou a honradas nações se julgue comprometida por um fato qualquer – os homens,que se preocupam com os estu<strong>do</strong>s que esclarecem os povos, <strong>de</strong>vem tomara palavra no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> evitar gran<strong>de</strong>s males ou, pelo menos, impedirque os sacrifícios exigi<strong>do</strong>s não fiquem improdutivos para o porvir.Des<strong>de</strong> longo tempo que sinistros rumores fazem inquietar a existência<strong>de</strong> quantos têm seus capitais, seu crédito comercial e sua ativida<strong>de</strong>empenha<strong>do</strong>s no progresso moral e material <strong>de</strong>stas jovens socieda<strong>de</strong>s.Os rumores <strong>de</strong> uma guerra entre o Brasil e a República Argentina hoje,mais que nunca, se apresentam com caráter sé<strong>rio</strong>.Não examinaremos <strong>de</strong> que parte está a razão para um rompimento;bastará que indiquemos as causas, que são <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s conhecidas.A questão <strong>de</strong> limites entre o Paraguai e a República Argentina temservi<strong>do</strong> <strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> partida ou base das primeiras <strong>de</strong>sinteligências entreos homens da Casa Rosada e o governo brasileiro. Sobre esta base,Sarmiento, para fins <strong>de</strong> sua impru<strong>de</strong>nte política interna, proce<strong>de</strong>u como gabinete <strong>de</strong> São Cristóvão pelo mo<strong>do</strong> mais inconveniente. O senhor<strong>de</strong> Carapachay, só para contrariar as opiniões <strong>do</strong> general Mitre, c<strong>rio</strong>unovas e mais complicadas dificulda<strong>de</strong>s nos arranjos com o Paraguai. Suamania <strong>de</strong> guerreiro o levou a preparar-se para combater o parti<strong>do</strong> queIII288


ARTIGOS DE IMPRENSAlhe faz a oposição e, por sua vez, armar-se <strong>de</strong> maneira que o Impé<strong>rio</strong> oconsi<strong>de</strong>rasse como um rival po<strong>de</strong>roso.Enfim, o armamento <strong>de</strong> Martín García e os anúncios <strong>de</strong> novosreforços para a esquadra argentina vêm dizer que o sucessor ou oher<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> Sarmiento <strong>de</strong>seja ensaiar o seu po<strong>de</strong>r militar.Os velhos ódios entre argentinos e brasileiros, que se diziam haverapaga<strong>do</strong> nos campos <strong>de</strong> Caseros, voltaram a ser recorda<strong>do</strong>s para que ogoverno <strong>de</strong> Avellaneda se sustenha no po<strong>de</strong>r, ampara<strong>do</strong> pelo prestígio dachusma ignorante e <strong>do</strong>s especula<strong>do</strong>res políticos, a quem as guerras sãoo meio mais fácil <strong>de</strong> satisfazer suas cobiças <strong>de</strong> ouro.Os estadistas brasileiros que têm segui<strong>do</strong>, passo a passo, as evoluçõesda República Argentina – antes que lhes suceda serem con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s comoimprevi<strong>de</strong>ntes, como lhes suce<strong>de</strong>u quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> rompimento com o Paraguai– também se têm prepara<strong>do</strong> para a guerra, com to<strong>do</strong>s os elementos <strong>de</strong> quepo<strong>de</strong> dispor uma nação que possui os gran<strong>de</strong>s recursos <strong>do</strong> crédito, os bemorganiza<strong>do</strong>s arsenais e que conta com o apoio <strong>de</strong> um povo que se engran<strong>de</strong>ceuem largos anos <strong>de</strong> paz e que se educou para amar com extremo a sua pátria.Não será necessá<strong>rio</strong> para os que habitam estas regiões sul-americanasfazer longas dissertações, em uma revista retrospectiva da situação geral <strong>de</strong>cada país, para formar uma quase segura i<strong>de</strong>ia <strong>do</strong> <strong>de</strong>senlace da luta que se agita.Entretanto, alguma coisa diremos que sirva para justificar nossas conclusões.O governo <strong>do</strong> <strong>do</strong>utor Avellaneda, pelos elementos que lhe <strong>de</strong>ram ascensãoao po<strong>de</strong>r e que o sustentam, não está habilita<strong>do</strong> para incitar o pat<strong>rio</strong>tismo <strong>de</strong>seus concidadãos com o vigor <strong>de</strong> que se necessitaria para sustentar, aindamesmo na <strong>de</strong>fensiva, uma guerra contra o Impé<strong>rio</strong>. Os mais prestigiososchefes militares da República se encontram nos cárceres e expatria<strong>do</strong>s.A intransigente política, a<strong>do</strong>tada por Sarmiento e <strong>de</strong>pois seguida porAvellaneda, impossibilitou seus adversá<strong>rio</strong>s políticos – que constituemuma parte po<strong>de</strong>rosa em dinheiro e em influência na socieda<strong>de</strong> argentina–, sem a mais aviltante indignida<strong>de</strong> pessoal, <strong>de</strong> alistar-se nas filas cujavoz <strong>de</strong> man<strong>do</strong> seja a <strong>de</strong> homens que <strong>do</strong>minam a presente situação.Então, quan<strong>do</strong> fosse possível obter a cooperação <strong>do</strong>s persegui<strong>do</strong>s e aobediência <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s eles a um chama<strong>do</strong> às armas para a <strong>de</strong>fesa da pátria,o povo <strong>de</strong> Buenos Aires iria sim; no entanto, um momento antes <strong>de</strong>IV289


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOmarchar contra o inimigo, <strong>de</strong>stituiria os chefes <strong>de</strong>signa<strong>do</strong>s oficialmentepelo governo para escolher aqueles <strong>de</strong> suas simpatias e confiança.Em uma hipótese, pois, o governo <strong>de</strong> Avellaneda fracos elementospo<strong>de</strong>rá reunir para fazer a guerra ao Brasil; na outra hipótese, correriao risco <strong>de</strong> ser força<strong>do</strong> a <strong>de</strong>ixar a outro cidadão sua suprema autorida<strong>de</strong>.Avellaneda e Alsina <strong>de</strong>masia<strong>do</strong> têm <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> sua ambição <strong>de</strong>man<strong>do</strong> para que ninguém os suponha tão sonsos que façam por sua pátriao sacrifício <strong>de</strong> correr o risco <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r suas posições oficiais. Quanto aosestrangeiros, que constituem em Buenos Aires uma forte e importanteforça moral da povoação, o que se po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>les esperar, quan<strong>do</strong> muitossofreram abusos da autorida<strong>de</strong> pública e quan<strong>do</strong> a política <strong>de</strong> Sarmientoe Avellaneda têm arrasta<strong>do</strong> aquele país a todas as calamida<strong>de</strong>s quesurgem <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong>ra crise econômica?Nas províncias <strong>do</strong> inte<strong>rio</strong>r e <strong>do</strong> litoral, quiçá fosse hoje em alguma<strong>de</strong>las tão difícil, senão mais que em Buenos Aires, reunir to<strong>do</strong>s osseus elementos para a guerra que se intentasse. Duas das províncias daConfe<strong>de</strong>ração argentina (Entre Rios e Corrientes), se compreen<strong>de</strong>ssemque a guerra lhes po<strong>de</strong> assegurar, sem gran<strong>de</strong> custo, sua completaautonomia <strong>de</strong> nação, não seria <strong>de</strong> estranhar que pelo próp<strong>rio</strong> interesseaté se fossem aliar aos exércitos invasores.Pelos fatos que se patenteiam, tu<strong>do</strong> isso foi esqueci<strong>do</strong>. Hoje, talvez,seja tar<strong>de</strong> para impedir as tristes consequências <strong>do</strong>s caprichos <strong>do</strong>s homensque a seu talante têm governa<strong>do</strong> nos últimos anos aquele <strong>de</strong>sgraça<strong>do</strong> país.Não será por certo aventura<strong>do</strong> dizer que ao governo <strong>de</strong> Avellaneda sórestam <strong>do</strong>is caminhos: fazer a guerra ou humilhar-se perante as exigênciasque o Brasil julgar convenientes para assegurar a paz.O gabinete <strong>de</strong> San Cristóbal, minuciosamente informa<strong>do</strong> da situaçãodas Repúblicas <strong>do</strong> Prata, protegi<strong>do</strong> pelas vitórias alcançadas no Paraguai,dispon<strong>do</strong> <strong>de</strong> um exército forte e bem-municia<strong>do</strong>, <strong>de</strong> uma marinha nascondições <strong>de</strong> estabelecer bloqueios e <strong>de</strong> proteger os movimentos <strong>de</strong> seusexércitos <strong>de</strong> terra, ten<strong>do</strong> a segurida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obter novos triunfos e, enfim(como já dissemos), ten<strong>do</strong> a opinião pública em seu favor, a qual a gritos<strong>de</strong>clara que sustentar uma paz com as armas permanentemente na mãoé mil vezes pior que a guerra, que diligências se <strong>de</strong>ve supor que fará oV290


ARTIGOS DE IMPRENSAgabinete <strong>de</strong> San Cristóbal no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> evitar a guerra? Nenhumas.To<strong>do</strong>s os interesses <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> estão em pôr-se <strong>de</strong> contas clarascom seus vizinhos, <strong>de</strong> maneira a impor-lhes respeito. Habilitar-se paradiminuir seus fabulosos gastos pelo orçamento das repartições <strong>de</strong> Guerrae <strong>de</strong> Marinha, aplican<strong>do</strong> o mais que possa <strong>de</strong> suas rendas aos progressos<strong>de</strong> suas nascentes indústrias.Se temos em consi<strong>de</strong>ração o tino que presi<strong>de</strong> aos atos <strong>do</strong> governoimperial, no caso que se <strong>de</strong>clare a guerra, <strong>de</strong>vemos esperar que eleaproveitará to<strong>do</strong>s os elementos que inconscientemente seus inimigoslhe têm ofereci<strong>do</strong> para fazer menos difícil a conclusão da luta e, umavez mais, reunir suas conveniências <strong>de</strong> nação em benefício <strong>de</strong> algunspovos que aspirem a ter sua mais completa in<strong>de</strong>pendência e a existênciatranquila <strong>de</strong> governos regulares.Na atualida<strong>de</strong>, especialmente, o Brasil não necessita fazer guerras <strong>de</strong>conquista. Seu imenso territó<strong>rio</strong> chega para manter em feliz abundância 10vezes mais povoações <strong>do</strong> que aquela com que conta na atualida<strong>de</strong> já aliresi<strong>de</strong>nciada. Demais, os estadistas brasileiros bem sabem que esten<strong>de</strong>r suasfronteiras, para admitir <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> sua jurisdição novos centros <strong>de</strong> povoaçãoplatense, seria chamar a si elementos <strong>de</strong> perturbação para lutas intestinas.Se, como supomos, o Brasil só tem em vista assegurar uma pazdura<strong>do</strong>ura quan<strong>do</strong> aceita a guerra, buscan<strong>do</strong> por isso dar-lhe to<strong>do</strong> o caráter<strong>de</strong> uma necessida<strong>de</strong> apremiante e, bem assim, reconhecen<strong>do</strong> que não são ospovos <strong>do</strong> Prata os responsáveis <strong>do</strong>s caprichos <strong>de</strong> pequenos círculos, que seapo<strong>de</strong>raram das altas posições da governação pública e que sustentam seupo<strong>de</strong>r pela força <strong>de</strong> uma chusma <strong>de</strong> mercená<strong>rio</strong>s; se é a guerra civilizadaaquela que po<strong>de</strong> influir para sacudir o férreo jugo <strong>do</strong>s rosistas, que se creemcom o privilégio <strong>de</strong> impor sua arbitrária vonta<strong>de</strong> às povoações pacíficas,progressistas e livres que habitam as margens <strong>do</strong> Prata. Em tais casos, sefaça, e sem mais <strong>de</strong>mora, a invasão <strong>do</strong>s exércitos brasileiros!Para as cruzadas <strong>do</strong> bem-estar da humanida<strong>de</strong>, os povos não guardamsuas fronteiras; antes, correm, pressurosos, para engrossar as filas <strong>do</strong>smissioneiros da civilização. O fim da guerra <strong>de</strong>ve ser explica<strong>do</strong> com amaior clarida<strong>de</strong> pelos estadistas e diplomáticos brasileiros. Uma naçãopo<strong>de</strong>rosa como o Brasil e educada no amor à humanida<strong>de</strong> só po<strong>de</strong>rácontar com triunfos sempre que preste serviços à civilização <strong>do</strong>s povos.(continua)291


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO81) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano IV, número 69, quarta-feira , 7 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1875Parte ineditorialO Impé<strong>rio</strong> e as Repúblicas <strong>do</strong> PrataEm consequência da posição geográfica da República Oriental e,mais que tu<strong>do</strong>, <strong>do</strong> seu inconstitucional governo e <strong>do</strong>s seus atenta<strong>do</strong>scontra a fortuna <strong>de</strong> quantos habitam esse <strong>de</strong>sgraça<strong>do</strong> país, se faz forçosoque alguma coisa nos chegue da luta brasileiro-argentina.Assim, pois, apresentar a largos traços uma breve resenha da atualsituação social <strong>de</strong>ste país será uma necessida<strong>de</strong> não só para esclareceràqueles que se preocupam com os negócios políticos <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da Prata, mastambém para justificar as conclusões que nos permitiremos apresentar.O atual governo da República Oriental, nasci<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma revoluçãomilitar e composto <strong>de</strong> ambiciosos vulgares, os quais a nada mais sepreparam que a satisfazer vinganças pessoais e saciar sua cobiça; o atualgoverno oriental, que só impon<strong>do</strong> a força <strong>do</strong> terror tem a esperança <strong>de</strong>se sustentar no posto e <strong>de</strong> dirigir os negócios públicos, não po<strong>de</strong>rá evitarao país gran<strong>de</strong>s perigos e <strong>de</strong>sgraças se sua autorida<strong>de</strong> for a única que sefaça ouvir no caso <strong>de</strong> um rompimento <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong>s entre o Impé<strong>rio</strong> ea República Argentina.Um governo que, no curto prazo <strong>de</strong> <strong>do</strong>is meses, tem viola<strong>do</strong> aConstituição em tu<strong>do</strong> o que ela estabeleceu para salvaguardar os direitose os interesses <strong>do</strong>s que habitassem o territó<strong>rio</strong> da República; que com omais audaz <strong>de</strong>scaro e cinismo projeta leis para <strong>de</strong>spojar aos particulares<strong>de</strong> seus bens; que chama <strong>de</strong> alarifes e estafa<strong>do</strong>res aos capitalistas quena melhor boa-fé invertem seus capitais em créditos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e que,algumas vezes, em horas bem aflitivas para a nação, como foi a compra<strong>do</strong>s valores emiti<strong>do</strong>s para fazer a paz <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1872; um governo, enfim,que <strong>de</strong>clara o Esta<strong>do</strong> em bancarrota e que manda um <strong>do</strong>s seus membrosinsultar, <strong>do</strong> alto da tribuna parlamentar, to<strong>do</strong> o corpo diplomático porqueeste lhe enviara uma nota coletiva protestan<strong>do</strong> contra os cínicos projetosVI292


ARTIGOS DE IMPRENSAda Fazenda e que, com ele, preten<strong>de</strong> negar o pagamento <strong>do</strong>s capitais e<strong>do</strong>s interesses da dívida pública não po<strong>de</strong> ser um governo que representea socieda<strong>de</strong> oriental ante as vistas <strong>de</strong> nenhuma nação civilizada.Se a tu<strong>do</strong> isto se agregar que esta socieda<strong>de</strong> se compõe <strong>de</strong> mais<strong>de</strong> meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> estrangeiros e que estes formam a maioria <strong>do</strong> total dasfortunas particulares, como se acaba <strong>de</strong> reconhecer pela averiguaçãofeita sobre os possui<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s títulos da dívida pública oriental, menosainda po<strong>de</strong>rá o atual governo ser o representante legítimo da dita nação.Quatro quintas partes <strong>do</strong>s cre<strong>do</strong>res por títulos <strong>de</strong> dívidas internas <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> são estrangeiras resi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>ntro e fora <strong>do</strong> país!Os projetos, pois, <strong>do</strong> governo são um saqueio aos estrangeiros,que sempre se têm <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> ao honesto trabalho <strong>do</strong> comércio e dasindústrias, um trabalho que tem produzi<strong>do</strong> uma imensa parte <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>quanto se vê na República – construções majestosas, vias férreas,engran<strong>de</strong>cimento da navegação costeira e transatlântica, fortunas queno país existem –, tu<strong>do</strong> que constitui a riqueza que expressa o inventá<strong>rio</strong>geral da nação oriental. São também um saqueio das fortunas nacionaisporque nenhum filho <strong>do</strong> país, digno <strong>de</strong> respeito e consi<strong>de</strong>ração, dá suaaprovação a tão inqualificável proce<strong>de</strong>r <strong>de</strong> um governo imposto pelaforça <strong>do</strong>s mercená<strong>rio</strong>s.Em tais condições, pois, o Brasil, que conta resi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong>s no Esta<strong>do</strong>Oriental 40 mil <strong>de</strong> seus concidadãos, que tem interesses <strong>de</strong> valiosasfortunas que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r e que, bem assim, um gran<strong>de</strong> interesse em seuforte comércio <strong>de</strong> permutas; o governo brasileiro <strong>de</strong>ve, pois, meditarcom reflexiva calma o proce<strong>de</strong>r <strong>de</strong> sua política em relação a este país.Os governos ilustra<strong>do</strong>s e progressistas <strong>do</strong> Novo Mun<strong>do</strong> que,mesmo quan<strong>do</strong> regi<strong>do</strong>s pelo sistema <strong>de</strong> monarquia constitucionalrecebem um manda<strong>do</strong> pela suprema vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong> povo, para suster comto<strong>do</strong> o seu esplen<strong>do</strong>r os santos princípios da liberda<strong>de</strong>, nem em suasrelações internacionais po<strong>de</strong>m esquecer-se <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>veres para com ahumanida<strong>de</strong>.A nação que, à força <strong>de</strong> suas armadas <strong>de</strong> mar e terra po<strong>de</strong> reunira força inquebrantável <strong>do</strong> respeito <strong>de</strong> outros povos, será sempre umagran<strong>de</strong> nação.O povo oriental – ou, melhor dito, todas as classes sociais, semdistinção <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>s, a que realmente se po<strong>de</strong> chamar “o povo”na política <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da Prata – não aspira a consagrar to<strong>do</strong> o respeito pelas293


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO<strong>de</strong>mais nações e entregar-se aos gozos <strong>de</strong> uma paz assegurada paragarantir o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sua nascente indústria e a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>suas relações com as <strong>de</strong>mais socieda<strong>de</strong>s civilizadas <strong>do</strong> globo.As continuadas lutas civis que têm ensanguenta<strong>do</strong> o solo oriental esua escassa povoação, e o fato <strong>de</strong> ser ali um ren<strong>de</strong>z-vous <strong>de</strong> missioneiros<strong>do</strong> progresso não dão também a esta socieda<strong>de</strong> o direito <strong>de</strong> preten<strong>de</strong>rtomar uma parte ativa nas lutas da política internacional.Se, atualmente, na República Oriental houvesse à frente <strong>do</strong> man<strong>do</strong>da nação um governo que estivesse à altura <strong>de</strong> representar os interesses<strong>de</strong>sta socieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r as nobres aspirações <strong>de</strong>la, sua missãoseria evitar tanto quanto possível a guerra que nos ameaça, empregan<strong>do</strong>to<strong>do</strong>s esforços <strong>de</strong> governo amigo e imparcial entre os das naçõesbrasileira e argentina.Infelizmente, com um governo como o que conta a RepúblicaOriental não é possível esperar que o aten<strong>de</strong>ssem os governos oriental[sic]e brasileiro, quan<strong>do</strong> na pessoa <strong>de</strong> seus representantes ambos governosjá foram <strong>de</strong>srespeita<strong>do</strong>s e em um ato solene e público, como fosse a<strong>de</strong>claração feita pelo ministro <strong>de</strong> Relações Exte<strong>rio</strong>res em sessão dacâmara <strong>de</strong> representantes.Dita a <strong>de</strong>claração e a questão pen<strong>de</strong>nte sobre o <strong>de</strong>spojo <strong>de</strong> bens<strong>do</strong>s estrangeiros, o mais certo será que levem o governo a inferir asconsequências <strong>de</strong> justas imposições estrangeiras.VII (conclusão)Conhecida a situação especial <strong>de</strong> cada um <strong>do</strong>s três países que<strong>do</strong>minam as margens <strong>do</strong> Prata e <strong>do</strong>s maiores <strong>do</strong>s seus <strong>rio</strong>s confluentes,não é difícil dar uma opinião sobre a política mais conveniente que ogoverno imperial <strong>de</strong>ve seguir para alcançar seus gran<strong>de</strong>s interesses, suasamistosas relações com os povos <strong>do</strong> Prata e, diremos por último, umapolítica que mais aplauso receba <strong>do</strong> juízo imparcial <strong>de</strong> todas as nações,as quais têm o direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir sobre todas as questões que perturbemas boas relações entre qualquer governo.Se o Impé<strong>rio</strong> – como o têm dito seus estadistas, como o temrepeti<strong>do</strong> a <strong>imprensa</strong> brasileira, sem distinção <strong>de</strong> parti<strong>do</strong>s – só ambicionaestabelecer uma dura<strong>do</strong>ura paz no <strong>rio</strong> da Prata para que suas rendas, hojeinvestidas na manutenção <strong>de</strong> fortes exércitos e marinha, se <strong>de</strong>stinem ao294


ARTIGOS DE IMPRENSAprogresso <strong>de</strong> suas indústrias e ao maior <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> aceleradasvias <strong>de</strong> comunicação, não <strong>de</strong>ve intentar uma guerra na qual se <strong>de</strong>rrameo sangue inocente <strong>de</strong> povos que não <strong>de</strong>sejam responsabilizar-se por atosarbitrá<strong>rio</strong>s, os quais se adiantaram a con<strong>de</strong>nar pelos meios <strong>de</strong> que cadaum <strong>de</strong>les tem podi<strong>do</strong> dispor, em vista da opressão <strong>do</strong>s seus déspotas.Os homens pensa<strong>do</strong>res e sinceros amigos da liberda<strong>de</strong> veem comtristeza que os últimos governos da República Argentina renegaram ossãos princípios que possibilitaram a que suas províncias constituíssem,pela forma produtiva, uma importante nação. Por uma parte, o governonacional da Confe<strong>de</strong>ração tem milhares <strong>de</strong> vezes menospreza<strong>do</strong> ossolenes pactos que <strong>de</strong>ram autonomia e particular in<strong>de</strong>pendência a cadauma das províncias que constituem a nação argentina. Por outra parte,está <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> que essa união produtiva das províncias tem servi<strong>do</strong>quase exclusivamente para que os estadistas <strong>de</strong>sse país <strong>de</strong>cidam imporseus caprichos a to<strong>do</strong>s os Esta<strong>do</strong>s limítrofes.No Novo Mun<strong>do</strong> e ainda sobre as regiões da República, é intolerávelque exista uma nação que pretenda impor-se como único árbitro <strong>do</strong>s<strong>de</strong>stinos <strong>de</strong> todas as socieda<strong>de</strong>s in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes simplesmente porqueelas estão situadas junto aos limites <strong>de</strong> suas extensas fronteiras.Para que a Confe<strong>de</strong>ração argentina fosse rica, feliz e respeitada, nãonecessitaria, por certo, mais que <strong>de</strong>stinar suas rendas às melhorias públicasque constituem o progresso das indústrias. Pelo sistema governativo <strong>de</strong>provocar lutas civis e conflitos internacionais não po<strong>de</strong>rá a nação argentinaser rica, nem feliz, nem respeitada. O armamento <strong>de</strong> Martín García, territó<strong>rio</strong>usurpa<strong>do</strong> pela força ao Esta<strong>do</strong> Oriental e que, <strong>de</strong>mais, serve <strong>de</strong> chave ànavegação <strong>do</strong>s <strong>rio</strong>s confluentes <strong>do</strong> Prata, é um proce<strong>de</strong>r tão iníquo e tãoofensivo aos interesses <strong>do</strong> Brasil que não ficará sem reparação imediata.Nem as crises econômicas que suporta aquele país têm servi<strong>do</strong><strong>de</strong> embaraço aos preparativos bélicos <strong>de</strong> mar e terra, nos quais ogoverno argentino inverteu os capitais pedi<strong>do</strong>s ao crédito <strong>do</strong>s merca<strong>do</strong>sestrangeiros para o <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> fim <strong>de</strong> <strong>obras</strong> públicas! Como se queixacom a fortuna, o crédito e a sorte <strong>do</strong>s povos!As tendências já em <strong>de</strong>masia manifestadas pela República Argentinapara sustentar com ameaça uma guerra contra o Brasil justificam que oImpé<strong>rio</strong> busque uma solução ao presente esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> coisas. Qual será asolução ou, antes, o que <strong>de</strong>cidirá o governo imperial? É a guerra comonecessida<strong>de</strong> apremiante, à qual o Brasil aceita para, <strong>de</strong>pois, estabelecer295


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOuma paz permanente e, portanto, benéfica para to<strong>do</strong>s os seus gran<strong>de</strong>sinteresses e, ainda, indiretamente para as mesmas socieda<strong>de</strong>s platenses?Em tal hipótese, a guerra <strong>de</strong>ve ser contra o governo argentino, e nãouma guerra <strong>de</strong> nacionais, que fazem perpetuar ódios sem proveito paraninguém e grave prejuízo para a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> fazer dura<strong>do</strong>ura a paz.Nessa guerra, bastará auxiliar em suas aspirações as províncias <strong>de</strong>Entre Rios e Corrientes, isto é, protegê-las em sua ambicionada e justaseparação <strong>de</strong> se constituírem um novo Esta<strong>do</strong>, livre e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, paraque os governos da nação argentina disponham <strong>de</strong> menos elementospara provocar conflitos internacionais.As indústrias e o comércio argentino nada per<strong>de</strong>m com a<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong>ssas províncias. Mais bem ganharãocom a asseguração da paz, até mesmo a interna, pois ao povo <strong>de</strong> ambasprovíncias se lhes nega, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito tempo eleger seus governantescomo o enten<strong>de</strong>m mais conveniente a seus interesses e conveniências.Ninguém ignora que os solda<strong>do</strong>s e a influência <strong>do</strong> governo nacional têma mais direta intervenção em todas as eleições provinciais.A transformação em praça <strong>de</strong> guerra argentina da ilha <strong>de</strong> MartínGarcía é uma questão que afeta aos interesses <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os Esta<strong>do</strong>sribeirinhos e os <strong>de</strong> todas as nações que sustentam relações mercantiscom os povos que habitam estas regiões. A posição <strong>do</strong>s argentinos nessailha é um ato <strong>de</strong> prepotente conquista. Por to<strong>do</strong>s os princípios e direitos,aquela ilha é proprieda<strong>de</strong> da República Oriental. A fortificação <strong>de</strong> MartínGarcía é, <strong>de</strong>mais <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, um ato <strong>de</strong> menosprecio para com os solenestrata<strong>do</strong>s que a mesma República Argentina aceitou.Não seria possível suster a livre-navegação <strong>do</strong>s confluentes <strong>do</strong>Prata, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que em po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> qualquer nação exista a ilha <strong>de</strong> MartínGarcía fortificada? Este ponto é a chave da navegação <strong>do</strong>s <strong>rio</strong>s inte<strong>rio</strong>res<strong>do</strong> Prata; é necessá<strong>rio</strong>, pois, que se constitua em territó<strong>rio</strong> neutral para alivre-navegação <strong>do</strong>s <strong>rio</strong>s.Uma semelhante <strong>de</strong>cisão só po<strong>de</strong>rá sofrer a República Oriental, vistoaquela ilha ser sua e estar imediata ao seu territó<strong>rio</strong>. No dito territó<strong>rio</strong>,a República Argentina só conta com a posse, que autoriza a violência.Para que o Esta<strong>do</strong> Oriental nunca per<strong>de</strong>sse seus direitos <strong>de</strong> senhor <strong>do</strong><strong>do</strong>mínio, fez a entrega <strong>de</strong>ssa ilha <strong>de</strong>baixo <strong>do</strong> competente protesto.Se pois a guerra <strong>do</strong> Brasil visa constituir um novo Esta<strong>do</strong> no Paraná,<strong>de</strong>sarmar Martín García e fazer <strong>de</strong>ste ponto um campo neutral, por mais296


ARTIGOS DE IMPRENSAtriste que sejam à humanida<strong>de</strong> as <strong>do</strong>lorosas consequências <strong>de</strong> umaguerra, há nesses fatos uma necessida<strong>de</strong> para assegurar a paz e o direito<strong>do</strong>s povos. As atuais relações <strong>do</strong> Brasil na República Oriental têm <strong>de</strong>consi<strong>de</strong>rar-se bastante vidrosas.O governo oriental segue os seus atos revolucioná<strong>rio</strong>s, <strong>de</strong>spojan<strong>do</strong>os seus mais pacíficos habitantes das proprieda<strong>de</strong>s em que inverteramseus capitais. Entre os <strong>de</strong>spoja<strong>do</strong>s <strong>de</strong> seus bens se encontram cidadãosbrasileiros. A<strong>de</strong>mais, a mesma nação brasileira é cre<strong>do</strong>ra, e o pagamentojá tem si<strong>do</strong> posterga<strong>do</strong> muitas vezes.As prendas hipotecadas ao Brasil em garantia da dívida orientaljá foram <strong>de</strong>stinadas a outras operações para conseguir recursos. Noentanto, agora que à frente <strong>do</strong> man<strong>do</strong> está um governo que não respeitanenhum <strong>do</strong>s seus solenes fatos, que diz <strong>do</strong> alto da tribuna parlamentáriaque não respeita os direitos <strong>de</strong> seus cre<strong>do</strong>res e que <strong>de</strong>clara a bancarrota<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> – com exceção <strong>do</strong>s que têm um posto público e uma renda<strong>de</strong>terminada sob a forma <strong>de</strong> honorá<strong>rio</strong>s no orçamento –, chegou porcerto o momento <strong>de</strong> o governo imperial impedir que o <strong>de</strong>spilfarro daFazenda Pública chegue ao extremo <strong>de</strong> não encontrar mais com quereceber a importância <strong>de</strong> sua dívida.A <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> um membro <strong>do</strong> gabinete (ministro da Fazenda einterino <strong>de</strong> Relações Exte<strong>rio</strong>res) perante o corpo legislativo <strong>de</strong> que estepaís estava em bancarrota dá ao Brasil o mais perfeito direito <strong>de</strong> negarseu assentimento aos ajustes feitos sobre o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> subventar [sic] adívida oriental. To<strong>do</strong>s esses ajustes tinham por base o crédito nacional,posto que os pagamentos se <strong>de</strong>veriam fazer em longos prazos.Como o governo oriental não representa nada mais que o elementorevolucioná<strong>rio</strong> que se propôs levar ao abismo este <strong>de</strong>sgraça<strong>do</strong> país, no diaem que o Brasil se <strong>de</strong>cidir a pedir contas ao dito governo, terá ao seu la<strong>do</strong>a maioria <strong>de</strong>sta socieda<strong>de</strong>, que oferecerá seus serviços, como eloquenteprotesto <strong>de</strong> que o povo oriental não se i<strong>de</strong>ntifica com os atos <strong>de</strong> umgoverno que usurpou o supremo po<strong>de</strong>r por meio da impopular revolução.Assim como o povo <strong>de</strong> Paris, nos memoráveis dias <strong>de</strong> junho <strong>de</strong>1871, correu, pressuroso, a saudar o exército que ali entrou para libertaraquela socieda<strong>de</strong> das atrocida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s comunistas, também no Esta<strong>do</strong>Oriental o povo correrá cheio <strong>de</strong> civismo para saudar o exército queo vier libertar da força brutal <strong>de</strong> uma ditadura, a qual até o crédito e adignida<strong>de</strong> nacional propõe arrastrar às profundida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um abismo.297


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOA missão <strong>do</strong> Brasil no <strong>rio</strong> da Prata, se assim o quiserem os estadistasbrasileiros, po<strong>de</strong>rá ser uma verda<strong>de</strong>ira armada liberta<strong>do</strong>ra e um fatoformoso para a história <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>.NemoMontevidéu, 29 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1875.82) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 380, pp. 112 e 113, 10 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1875Se o senhor Zacarias assistiu, no sába<strong>do</strong> d’além, à festa – a qual, por ocasiãoda visita <strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong> o impera<strong>do</strong>r, o Brasil Industrial <strong>de</strong>u na fábrica <strong>de</strong>teci<strong>do</strong>s <strong>de</strong> algodão, em Macacos – <strong>de</strong>ve estar hoje com um nariz <strong>de</strong> palmo e meio!Razão <strong>de</strong> sobra terá para isso quem, em pleno Sena<strong>do</strong>, quase acusouo Banco Alemão <strong>de</strong> ter imobiliza<strong>do</strong> capitais em um estabelecimento...reputa<strong>do</strong> o primeiro <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> por quantos assistiram à festa e altamenteelogia<strong>do</strong> por toda a <strong>imprensa</strong> da corte.***Nas limitadas dimensões <strong>de</strong> um jornal ilustra<strong>do</strong> não cabe, por certo,a <strong>de</strong>scrição minuciosa <strong>de</strong> fábrica <strong>de</strong> tão vastas proporções. Não posso,contu<strong>do</strong>, furtar-me ao <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> transcrever aqui o que A Reforma diznos seus “Fatos Diversos” <strong>de</strong> 6 <strong>do</strong> corrente. Eis a transcrição:O trem especial da estrada <strong>de</strong> ferro Dom Pedro II, que conduzia numerososconvida<strong>do</strong>s, chegou ao seu <strong>de</strong>stino às 11h e foi recebi<strong>do</strong> com entusiásticas<strong>de</strong>monstrações <strong>de</strong> júbilo por parte <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s da fábrica e <strong>de</strong> muitosespecta<strong>do</strong>res agrupa<strong>do</strong>s junto ao edifício.Não entraremos em minuciosa <strong>de</strong>scrição da festa e da fábrica porque já fomosprecedi<strong>do</strong>s nesse assunto por outros órgãos <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>.298


ARTIGOS DE IMPRENSABasta-nos dizer que o espetáculo a que assistimos foi <strong>do</strong>s mais grandiosos eeminentemente anima<strong>do</strong>r para to<strong>do</strong>s os que esperam da iniciativa individual agran<strong>de</strong>za e a prosperida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste país.O edifício, que se acha situa<strong>do</strong> a distância infe<strong>rio</strong>r a 1 km da estação <strong>de</strong> Macacos, temextensão <strong>de</strong> 500 pés sobre 54 <strong>de</strong> largura (cerca <strong>de</strong> 152,4m por 16,45m) . Conta 453janelas e oito entradas. É <strong>de</strong> quatro andares. Contém, no andar térreo, a sala <strong>do</strong>s abri<strong>do</strong>rese bate<strong>do</strong>res, o salão para mistura <strong>do</strong>s algodões em rama e o salão <strong>de</strong> <strong>do</strong>brar, marcar eempacotar, no qual também estão colocadas as máquinas <strong>de</strong> fazer cordéis, para uso damesma fábrica, e a <strong>de</strong> fabricar liças para os teares. No mesmo pavimento, acham-se duasturbinas <strong>de</strong> força <strong>de</strong> 200 cavalos cada uma, que tocam to<strong>do</strong> o maquinismo supe<strong>rio</strong>r dafábrica, e uma <strong>de</strong> força <strong>de</strong> 50 cavalos para o trabalho <strong>do</strong>s abri<strong>do</strong>res e bate<strong>do</strong>res.No seguinte pavimento, estão monta<strong>do</strong>s os 400 teares, <strong>do</strong>s quais 300 em movimento,fabrican<strong>do</strong> por dia 700 a 800 peças <strong>de</strong> pano, <strong>de</strong> 10 metros cada uma, e <strong>de</strong> 7qualida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> algodões lisos <strong>de</strong> meia largura. No terceiro pavimento, acham-se asmáquinas <strong>de</strong> cardar, em número <strong>de</strong> 60, e as respectivas máquinas intermediáriaspara a fiação. No quarto pavimento, estão 16 fian<strong>de</strong>iras automáticas e 32 bancas<strong>de</strong> fiação, com o total <strong>de</strong> 20 mil fusos. No quinto pavimento, estão as urdi<strong>de</strong>iras eas máquinas <strong>de</strong> enrolar e engomar os fios.Além <strong>de</strong> duas torres menores, eleva-se outra no centro <strong>do</strong> edifício, <strong>de</strong> seteandares <strong>de</strong> altura, na qual funciona um eleva<strong>do</strong>r para transportar to<strong>do</strong> o materialaos diversos pavimentos, assim como o combustível para a cal<strong>de</strong>ira, que se achacolocada no sexto andar e que fornece o vapor para as duas engoma<strong>de</strong>iras.Em cada asa <strong>do</strong> edifício existem aparelhos completos para extinção <strong>de</strong> incêndio,os quais funcionaram com admirável efeito, arremessan<strong>do</strong> gran<strong>de</strong>s jorros <strong>de</strong> águaacima das cúpulas <strong>do</strong>s torreões.O número <strong>do</strong>s operá<strong>rio</strong>s da fábrica é, atualmente, <strong>de</strong> 230; são 28 meninas, 44 meninos,32 mulheres e 126 homens. Sua majesta<strong>de</strong> dignou-se a entregar três prêmios <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>spela diretoria a três crianças que se haviam distingui<strong>do</strong> no trabalho.Depois <strong>de</strong> uma refeição suntuosa, retiraram-se os convida<strong>do</strong>s, admira<strong>do</strong>s pelamagnificência da oficina e penhora<strong>do</strong>s pela <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za <strong>do</strong>s diretores.***299


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCODepois <strong>de</strong> uma transcrição <strong>de</strong>ssas, só me resta agra<strong>de</strong>cer oatencioso convite <strong>do</strong>s dignos diretores (os senhores <strong>do</strong>utoresFrancisco <strong>de</strong> Assis Vieira Bueno, Zeferino <strong>de</strong> Oliveira e Silva eJoaquim Dias Custódio <strong>de</strong> Oliveira, os três homens a quem o BrasilIndustrial tu<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve) e fazer votos para que os bancos, <strong>de</strong> qualquerespécie e natureza, jamais recusem seus haveres a estabelecimentosdaquela or<strong>de</strong>m, além <strong>de</strong> esperar que o nariz <strong>do</strong> senhor Zacarias atinjao comprimento <strong>de</strong>... <strong>do</strong>is palmos.***O Apóstolo voltou... ao que era: folha heb<strong>do</strong>madária como cáA Vida... nada mais, nada menos. Nem por isso lá <strong>de</strong>vem estar muitocontentes os que <strong>de</strong>ram o seu cobre para a publicação diária <strong>do</strong> órgão dareligião e da socieda<strong>de</strong>! Coita<strong>do</strong>s! Que logro! E a gente <strong>de</strong> O Mosquito<strong>de</strong>u três mil e tanto... Pobre Mosquito!***Pela Assembleia não há novida<strong>de</strong>. Gasta-se muito tempo emdiscussões estéreis, há suetos <strong>de</strong>mais e pat<strong>rio</strong>tismo <strong>de</strong> menos. Noentanto, enfim, a reforma eleitoral vai passan<strong>do</strong> e o triunfo <strong>do</strong> ministé<strong>rio</strong>é questão passada em julga<strong>do</strong>.Nemo83) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 381, p. 120, 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1875Ao fundamentar, na sessão <strong>de</strong> 15, um requerimento em que pe<strong>de</strong>a nomeação <strong>de</strong> uma comissão especial <strong>de</strong> seis membros que, reunidaà da Fazenda, a auxilie no estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> projetos sobre o crédito agrícola,o senhor conselheiro Car<strong>do</strong>so <strong>de</strong> Menezes fez algumas consi<strong>de</strong>raçõesjustíssimas sobre as causas principais que peiam a lavoura <strong>do</strong> país,300


ARTIGOS DE IMPRENSAobrigan<strong>do</strong>-a talvez a estacionar na hora em que mais necessá<strong>rio</strong> setorna o seu <strong>de</strong>senvolvimento.***A cinco causas principais atribui sua excelência a estagnação dalavoura: falta <strong>de</strong> conhecimentos profissionais, escassez <strong>de</strong> capitais, carência<strong>de</strong> braços, falta <strong>de</strong> estradas e taxa elevada nos direitos <strong>de</strong> exportação.***Entre os pequenos agricultores, é notória a primeira causa. Afalta <strong>de</strong> meios e <strong>de</strong> instrução a<strong>de</strong>quada leva-os, ainda hoje, a tratar<strong>do</strong> campo como há cem anos se tratava <strong>de</strong>le. Outro tanto, porém, nãosuce<strong>de</strong> nas gran<strong>de</strong>s lavouras <strong>do</strong> país, on<strong>de</strong> há incontestável progresso eintrodução imediata <strong>de</strong> quanta invenção boa a mecânica tem produzi<strong>do</strong>nestes últimos tempos.***A escassez <strong>de</strong> capitais provém da falta <strong>de</strong> braços. Sem colheitasabundantes, o lavra<strong>do</strong>r não po<strong>de</strong> auferir capitais que o animem a dar àsua lavoura o impulso <strong>de</strong> que ela seja suscetível em relação ao terreno.A falta <strong>de</strong> estradas é também um empecilho, uma barreira levantadaentre a lavoura e o comércio, seu principal e único agente. Não tem,porém, o governo atual olha<strong>do</strong> seriamente para essa importantíssimaquestão? Não vai ser aplica<strong>do</strong> à viação o produto <strong>do</strong> empréstimocontraí<strong>do</strong> ultimamente em Londres? Não oferece, pois, o futuro sólidasgarantias ao <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong>ssas dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> transporte que tantopeiam hoje as justas aspirações <strong>do</strong>s lavra<strong>do</strong>res?***Sobre a carência <strong>de</strong> braços, diz sua excelência o senhor conselheiroCar<strong>do</strong>so <strong>de</strong> Menezes que a imigração espontânea não aflui ao país. Éexata a proposição em relação aos tempos d’além; no entanto, hojecomeçamos a ter imigração espontânea, que maior vulto tomará logo que301


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOnos centros europeus se souber da diferença entre o mo<strong>do</strong> pouco afávelpelo qual os colonos eram trata<strong>do</strong>s outrora e a maneira pela qual o senhorministro da Agricultura tem procedi<strong>do</strong> para com eles ultimamente.Fazer o que o senhor conselheiro Costa Pereira tem feito há tempospara esta parte é querer colonização, é promover a espontânea entrada<strong>de</strong> braços para a lavoura. Sobre este assunto, torno eu ainda a pedir aosenhor ministro toda a sua solicitu<strong>de</strong> na questão da propaganda. Agentes<strong>de</strong> pouco valem; a <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong> país, a notícia <strong>de</strong> suas prodigiosasfertilida<strong>de</strong> e riquezas naturais espalhada pelos órgãos mais conceitua<strong>do</strong>s<strong>do</strong> jornalismo europeu são tu<strong>do</strong>.***A taxa elevada <strong>de</strong> direitos <strong>de</strong> exportação é <strong>de</strong> fácil remédio. Ao seequilibrar a renda pública, aumentan<strong>do</strong> os direitos <strong>de</strong> importação <strong>de</strong>tu<strong>do</strong> quanto for objeto <strong>de</strong> luxo propriamente dito, dar-se-á livre saídaaos produtos <strong>de</strong> nossa lavoura. A renda pública não sofrerá alteração, e alavoura ficará livre <strong>de</strong>sse ônus, que tanto a peia também.Nemo84)A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, 24 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1875Artigo <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> antiultramontano <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> a O ApóstoloTenho aqui à mão um livrinho precioso que recebi <strong>de</strong> Itália hápoucos dias. Tratam-se nele uns <strong>do</strong>cumentos sobre as proscrições <strong>de</strong>Fermo (antigos Esta<strong>do</strong>s pontifícios), comprovativos, até a evidência, <strong>do</strong>mo<strong>do</strong> carinhoso e humanitá<strong>rio</strong> pelo qual a justiça era administrada nostempos <strong>do</strong> carinhoso e humanitá<strong>rio</strong> po<strong>de</strong>r temporal.***302


ARTIGOS DE IMPRENSAEmbora se trate <strong>de</strong> coisas passadas em 1859, não é fora <strong>de</strong> tempo,talvez, a publicação <strong>do</strong>s tais <strong>do</strong>cumentos, na ocasião em que os senhoresCândi<strong>do</strong> Men<strong>de</strong>s e Figueira <strong>de</strong> Melo, <strong>do</strong> Sena<strong>do</strong>, erguem a sua vozeloquente em favor <strong>do</strong> catolicismo... <strong>de</strong> Pio IX, e o senhor Tarquínio,da Legislativa, pe<strong>de</strong> ao governo que entregue a questão religiosa, semreservas nem restrições, às mãos <strong>do</strong> chefe supremo da Igreja, cofreespecial <strong>do</strong>s tesouros <strong>de</strong> benevolência da Santa Sé.***Não sou, por certo, contrá<strong>rio</strong> ao papa<strong>do</strong> nem à religião. Quisera,entretanto, que o papa tivesse a resignação precisa para ser o chefesupremo da Igreja, sem suspirar ainda pelo po<strong>de</strong>r temporal, nempreten<strong>de</strong>r impor à força uma religião que, pela sublimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas<strong>do</strong>utrinas, tem em si a força necessária para fazer a<strong>de</strong>ptos.***Quisera, também, que a cúria romana, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com os princípiosda verda<strong>de</strong>ira religião, não olhasse tanto aos rancores e procurasseseguir mais à risca os preceitos da humanida<strong>de</strong> – perdão e benevolênciatão aconselha<strong>do</strong>s pelo divino mestre.***Vamos, porém, aos <strong>do</strong>cumentos, que, por fim <strong>de</strong> contas, é aquilo quemais po<strong>de</strong>rá interessar o leitor antiultramontano. O livrinho que tenhoà vista intitula-se Relações e <strong>do</strong>cumentos das prisões e proscrições <strong>de</strong>Fermo. Foi edita<strong>do</strong> em Florença, poste<strong>rio</strong>rmente à publicação <strong>de</strong>ssesmesmos <strong>do</strong>cumentos no jornal Il Risorgimento Italiano.***Para os que seguiram <strong>de</strong> perto o movimento que libertou a Itália (<strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>,porém, <strong>de</strong> pé o po<strong>de</strong>r temporal), é sabi<strong>do</strong> que à notícia <strong>de</strong> qualquer feitoglo<strong>rio</strong>so das armas italianas e francesas a cúria romana estremecia <strong>de</strong> me<strong>do</strong> eduplicava a vigilância, para evitar a sublevação <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s pontifícios.303


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOPara obter tal fim, a sotaina preta, investida da autorida<strong>de</strong> efortemente apoiada pelos car<strong>de</strong>ais, espalhava o terror por toda parte,encarceran<strong>do</strong> os que exultavam ao ler o triunfo <strong>do</strong>s exércitos alia<strong>do</strong>s ouexilan<strong>do</strong>, quase sem processo, os que lhe pareciam mais perigosos.***Entre os evangélicos persegui<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s sectá<strong>rio</strong>s <strong>de</strong> Vítor Manuel,distinguia-se o car<strong>de</strong>al De Angelis, amigo íntimo <strong>de</strong> Pio IX e homematualmente indigita<strong>do</strong> para suce<strong>de</strong>r-lhe no trono pontifício. Ouçamos oque, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a cúria romana, este santo varão e a sua santa gentepraticavam em Fermo, no dia em que alguns italianos <strong>de</strong>sejavam... tãosomente... festejar as vitórias <strong>de</strong> Magenta e Melegnano.***É o tal livrinho precioso quem fala agora:Ocupada Perúgia, e certa <strong>de</strong> que Ancona, graças ao amigo Allegrini, não ousariainsurrecionar-se, a cúria romana e a sua polícia negra e vermelha das provínciasresolveram inutilizar quem professasse opiniões liberais.Com tal <strong>de</strong>terminação no coração, no dia 23 <strong>de</strong> junho, o car<strong>de</strong>al De Angelislevava processionalmente o Santo Sacramento pela cida<strong>de</strong>... e nessa mesmanoite mandava pren<strong>de</strong>r 19 indivíduos, seis <strong>do</strong>s quais –marquês Trevisani,Camillo Silvestre, Pompeu Marini, Luís Vallorani, Pompeu Broglio e JoãoPolimanti – foram remeti<strong>do</strong>s para as prisões <strong>de</strong> Roma e postos à disposiçãoda alta polícia.Nos quatro dias <strong>de</strong> sua viagem <strong>de</strong> Fermo a Roma, não pu<strong>de</strong>ram os presos <strong>do</strong>rmirnenhum momento, tais eram as <strong>do</strong>res que as algemas lhes ocasionavam, algemasque sequer lhes eram tiradas quan<strong>do</strong>, por alguns momentos, se lhes dava licençapara comer... pelas mãos <strong>do</strong>s gendarmes pontifícios.Conduzi<strong>do</strong>s ao carceri nuove, recolhi<strong>do</strong>s a prisões (incomunicáveis!), as quais pelasua umida<strong>de</strong> eram um foco <strong>de</strong> moléstias, foram trata<strong>do</strong>s como miseráveis assassinos.304


ARTIGOS DE IMPRENSANo dia 14 <strong>de</strong> julho, sem exame preventivo, acharam-se to<strong>do</strong>s reuni<strong>do</strong>s na gran<strong>de</strong> sala dasprisões, on<strong>de</strong> foram interroga<strong>do</strong>s pelo juiz Rossi. Após tal interrogató<strong>rio</strong>, ao qual nemuma só testemunha assistiu, o juiz <strong>de</strong>u a escolher aos presos ou a continuação <strong>do</strong> processopolítico ou o exílio imediato, o qual lhes era concedi<strong>do</strong> por graça especial <strong>de</strong> Pio IX!Entre o processo e o exílio, os presos votaram pelo exílio; ven<strong>do</strong>-se obriga<strong>do</strong>sa aban<strong>do</strong>nar o lar <strong>do</strong>méstico, a família, os amigos e os parentes... só porque nopeito lhes pulsava um coração pronto a entusiasmar-se perante as vitórias <strong>do</strong>sliberta<strong>do</strong>res da Itália!Eis o que eram a cúria romana e o Pio IX, em 1859. Eis o que erao car<strong>de</strong>al De Angelis, homem <strong>de</strong> quem muito se fala em Roma parasubstituir o atual chefe da Igreja.***Compare-se agora isto com o procedimento <strong>do</strong> nosso governo paracom os bispos que, em consequência <strong>de</strong> uma sentença legal, sofrem a pena<strong>de</strong> prisão, e, unin<strong>do</strong> toda a nossa voz ao órgão autoriza<strong>do</strong> <strong>do</strong>s senhoresTarquínio, Figueira <strong>de</strong> Mello, João Men<strong>de</strong>s e Zacarias, digamos com amão no peito: “Entreguemo-nos sem reservas nem restrições nas mãos<strong>do</strong> chefe supremo da Igreja, cofre especial <strong>do</strong>s tesouros <strong>de</strong> benevolênciada Santa Sé!” Façamo-lo... e ficaremos... frescos!Nemo85) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 383, pp. 156 e 137, 1 o <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1875O senhor Teje<strong>do</strong>r falou... e O Globo tremeu!***305


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOÉ por ter tremi<strong>do</strong> que nos atirou às bochechas com um artigo <strong>do</strong>ce,açucara<strong>do</strong>... repleto <strong>de</strong> frases obsequiosas e cordialíssimas... Um artigo,enfim, <strong>de</strong>stes <strong>de</strong> meter um homem... no coração.***Que se trate bem o diplomata argentino, encarrega<strong>do</strong> <strong>de</strong> umamissão séria, vá, é justo; no entanto, que nos ponhamos to<strong>do</strong>s <strong>de</strong>cócoras diante <strong>de</strong>le, assim à laia <strong>de</strong> meninos <strong>de</strong> escola chama<strong>do</strong>s abolos, é ridículo.***Desenganemo-nos: se a guerra não nos convém, muito menosconvém à República Argentina. Não sei se por lá a prosperida<strong>de</strong> é talque é preciso pôr-lhe o freio da guerra para evitar uma nova ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ouro.***Se O Globo, pois, tivesse pensa<strong>do</strong> nisto – ele, que conhece o <strong>rio</strong> daPrata como eu conheço a rua <strong>do</strong> Ouvi<strong>do</strong>r – e aten<strong>de</strong>sse à diferença quehá entre os diversos Esta<strong>do</strong>s da América Meridional, cuja supremaciacompete toda, inteirinha, ao Brasil, não daria, por certo, às palavras <strong>do</strong>ilustre diplomata argentino a interpretação... que lhe aprouve dar.***Dizen<strong>do</strong>-nos que o senhor Teje<strong>do</strong>r e o seu governo “preferem a paz àguerra, mas que julgam preferível a guerra à paz armada, que lhe impõetantos sacrifícios”, O Globo parece dizer-nos: “Olhem lá! Tomem tentona coisa... Peçam perdão ao senhor Teje<strong>do</strong>r e ao seu governo... Tratemnosa pão <strong>de</strong> ló com gemas <strong>de</strong> ovos... Aliás, temo-la travada... o canhãoentra em cena... e a paz armada acaba por <strong>de</strong>sarmar as nossas finanças”.***306


ARTIGOS DE IMPRENSANem tanto! Cá por mim, <strong>de</strong>testo as fanfarronadas, mas estou longe<strong>de</strong> votar pelo... me<strong>do</strong>. Me<strong>do</strong> <strong>de</strong> quê? De quem?***Tenho a maior fé no tino diplomático <strong>do</strong>s senhores viscon<strong>de</strong>s <strong>do</strong> RioBranco e Caravelas, aos quais está confiada a <strong>de</strong>licadíssima missão <strong>de</strong>aplainar as dificulda<strong>de</strong>s argentino-brasileiras.Tenho, porém, um pedi<strong>do</strong> a fazer a suas excelências: <strong>de</strong>sembaracema meada como bem lhes parecer... ten<strong>do</strong>, porém, os olhos bem abertospara a dignida<strong>de</strong> da nação e completamente fecha<strong>do</strong>s para o artigo <strong>de</strong> OGlobo, no qual se atribuem ao senhor Teje<strong>do</strong>r certas preferências pouco<strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a situação <strong>de</strong> um diplomata ilustra<strong>do</strong>, cuja missão <strong>de</strong>veser antes conciliar, e não ameaçar.***Se, porém, não houver meio <strong>de</strong> chegar a um acor<strong>do</strong> <strong>de</strong>finitivo eimediato... lembro a suas excelências o expediente <strong>do</strong> senhor Tarquínio:“Recorram (sem reserva nem restrição <strong>de</strong> cobre) aos tesouros <strong>de</strong>benevolência da Santa Sé.”***Em resposta ao supracita<strong>do</strong> artigo <strong>de</strong> O Globo, publicou A Nação <strong>de</strong>terça-feira algumas linhas, nas quais a verda<strong>de</strong> transparece e as coisas sepõem no seu lugar. Em A Reforma <strong>de</strong> <strong>do</strong>mingo, sob título “O Rio da Prata”,vem também um artigo, ao alcance <strong>de</strong> todas as inteligências, que, revelan<strong>do</strong>a mão a<strong>de</strong>strada <strong>de</strong> seu autor, mostra o íntimo conhecimento que ele temdas tricas particulares, das quais mais ou menos <strong>de</strong>rivam todas as guerras.***Chamo para esses trabalhos a atenção <strong>do</strong>s leitores e... mu<strong>do</strong> <strong>de</strong> rumo.***307


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOPor mais que a <strong>imprensa</strong> tente levar O Apóstolo para o bom caminho– o caminho da paz, da humilda<strong>de</strong>, <strong>do</strong> amor para com to<strong>do</strong>s –, a folhaclerical nem a pau entra nele. Escândalos, atenta<strong>do</strong>s, iniquida<strong>de</strong>s, eis osseus termos <strong>do</strong> peito.No seu número <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> abril, fazen<strong>do</strong> um aranzel sobre escândalos<strong>de</strong> que hão si<strong>do</strong> vítimas os luzeiros da Igreja, nega ele a convicção <strong>do</strong>senhor viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco <strong>de</strong> que o ultramontanismo não po<strong>de</strong>prevalecer no Brasil. Isso... dá vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> rir.***Vem cá, meu caro O Apóstolo: se o ultramontanismo prevalecesseentre nós, <strong>de</strong>ixarias tu <strong>de</strong> ser diá<strong>rio</strong> para passar às mesquinhas proporções<strong>de</strong> heb<strong>do</strong>madá<strong>rio</strong>? Quem é mais ultramontano <strong>do</strong> que tu? Quem, mais <strong>do</strong>que tu, seria li<strong>do</strong>, procura<strong>do</strong>, disputa<strong>do</strong> se o ultramontanismo prevalecesse?***Ceci tuera cela * . Já não há mais Atanásios. Em substituiçãodaqueles, surgiram agora os Crisóstomos... É ainda a O Apóstolo que<strong>de</strong>vemos isso! Que espécie <strong>de</strong> Crisóstomos são esses é o que ele não nosdiz. Em to<strong>do</strong> o caso, o senhor dito da edilida<strong>de</strong> não há <strong>de</strong> andar lá muitosatisfeito em ver o seu nome pelas gazetas, pois ele que é Crisóstomosem, felizmente, nunca ter si<strong>do</strong> Atanásio!***Essa história <strong>de</strong> Atanásios e Crisóstomos levar-me-ia longe se... seeu não tivesse <strong>de</strong> pensar na minha toilette para as corridas <strong>de</strong> quintafeirapróxima. Digo, portanto, ao leitor (que lá for e <strong>de</strong>sejar ver umcronista no chic) “olhe para mim”.Nemo*Este matará aquele (N. E.)308


ARTIGOS DE IMPRENSA86) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 384, p. 144, 8 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1875Não se correu na quinta-feira d’além. Houve muita bota <strong>de</strong> montarpelas ruas, muito carro puxa<strong>do</strong> a quatro, muita mulher que se ergueuàs 7h para ir à modista ver se o vesti<strong>do</strong> lhe assentava, muito joga<strong>do</strong>rdisposto a colocar os seus haveres nas patas <strong>de</strong> um cavalo, muito meninobonito pronto para passar o dia entre os carros da ala esquerda da raia...mas a chuva correu com toda esta gente... para casa... e a respeito <strong>de</strong>corridas não me consta que houvesse outra. Maldita chuva!***Sei que é necessária ao café, ao feijão, às bananas, ao milho, aospepinos e a tu<strong>do</strong> quanto nos dá a mãe terra; acho, porém, que se ela semantivesse nas alturas sem cair <strong>de</strong>sapiedadamente sobre as costelas dahumanida<strong>de</strong> nos dias em que há corridas... faria coisa muito ao agra<strong>do</strong><strong>de</strong> to<strong>do</strong>s em geral... e <strong>de</strong>ste seu cria<strong>do</strong> em particular.***Mesmo porque, quan<strong>do</strong> chove, fica-se <strong>de</strong> mau humor. A Assembleia fazpirraças ao ministé<strong>rio</strong> na questão da reforma; este, embora cônscio da sua forçamoral, encavaca com a coisa; a publicação <strong>de</strong> listas salva<strong>do</strong>ras confian<strong>do</strong> opo<strong>de</strong>r a gregos e troianos aparece logo nos “A pedi<strong>do</strong>s” <strong>do</strong> jornal; nos teatros,<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> reinar aquela animação que o bom tempo inspira; nas ruas... lá vemum; nas praças... um tílburi isola<strong>do</strong> na retaguarda <strong>de</strong> um cavalo luzidio e <strong>de</strong>orelha baixa; e no campo... muita lama, muita poça... e a necessida<strong>de</strong> urgente<strong>de</strong> contemplar tu<strong>do</strong> isso através das vidraças. Oh, a chuva! A chuva!***Em dias <strong>de</strong> chuva, este vasto Rio <strong>de</strong> Janeiro – on<strong>de</strong> tanto bulício há, tantaanimação, tanto movimento nas horas <strong>de</strong> sol resplan<strong>de</strong>cente – assume asproporções <strong>de</strong> um Sena<strong>do</strong>... nos dias em que não se discute a questão religiosa.***309


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOÉ pena que a tal questão esteja atualmente fora da moda. A ocasiãoera propícia aos senhores ultramontanos... porque se efetivamente oministé<strong>rio</strong>, cansa<strong>do</strong> <strong>de</strong> pirraças sem razão <strong>de</strong> ser, tiver <strong>de</strong> recolher-se àvida privada, não sei eu <strong>de</strong> gente que melhor possa substituí-lo no po<strong>de</strong>r.***Cá por casa não temos “Publicações a pedi<strong>do</strong>”, mas, comono fim <strong>de</strong> contas somos bons rapazes e <strong>de</strong>sejamos estar bem comto<strong>do</strong>s... publicamos a seguir uma lista salva<strong>do</strong>ra que a pedi<strong>do</strong> nosfoi remetida, para ser a pedi<strong>do</strong> publicada. Há caçoada na coisa?Parece-me que não.Se o país precisa <strong>de</strong> salvaté<strong>rio</strong>, se à frente <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>stinos é mistercolocar varões santos, virtuosos, prestimosos e religiosos, os nomes aseguir estão no caso... <strong>de</strong> dar crédito às beatas, aos sacristães, aos fra<strong>de</strong>s,às freiras e às outras classes em que mais ou menos a saia pre<strong>do</strong>mina. Lávai a lista:Presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Conselho (sem pasta): o cônego da rua Nova.Ministro <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>: <strong>do</strong>utor Reis.Ministro da Fazenda: <strong>do</strong>utor Zacarias.Ministro da Justiça: <strong>do</strong>utor Secioso.Ministro da Guerra: <strong>do</strong>utor Figueira <strong>de</strong> Melo.Ministro da Marinha: <strong>do</strong>utor Cândi<strong>do</strong> Men<strong>de</strong>s.Ministro <strong>de</strong> Estrangeiros: <strong>do</strong>utor João Men<strong>de</strong>s.Ministro da Agricultura: <strong>do</strong>utor Tarquínio <strong>de</strong> Souza.As sete pastas ficariam nas mãos <strong>de</strong> sete pessoas distintas e <strong>de</strong> umsó Deus verda<strong>de</strong>iro... o Papa.***Essa combinação ministerial, seja quem <strong>de</strong>la for o autor, agrada-me.Se consigo não trouxesse outras vantagens, traria a <strong>de</strong> tornarmos a ver OApóstolo seis vezes por semana. Acham pouco?***310


ARTIGOS DE IMPRENSAEu não. Antes isso <strong>do</strong> que vermos no ministé<strong>rio</strong> alguns <strong>do</strong>s ilustresmembros da dissidência, cujas opiniões políticas não são carne nem peixe.***Depois, quem sabe se à hora em que escrevo... há tanto por aí quem<strong>de</strong>seje uma pasta. Cá por mim, não, porque sou eu e serei sempre.Nemo87) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 385, pp. 152 e 153, 15 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1875Parece que <strong>de</strong>sta vez o negócio é sé<strong>rio</strong>! Se não é sé<strong>rio</strong>... pelo menosas coisas... lá boas, boas, não estão.***Vejamos: suspen<strong>de</strong>u no dia 12 as suas operações o Banco Nacional;temos ainda <strong>de</strong> 8 a 10 casos diá<strong>rio</strong>s <strong>de</strong> febre amarela; ainda não se sabe aocerto se teremos ou não guerra com os nossos vizinhos <strong>do</strong> Prata; a fomeestá a bater-nos à porta; e o senhor Ludgero man<strong>do</strong>u a polícia à tábua.***Quanta calamida<strong>de</strong> a um tempo! Quanta tempesta<strong>de</strong> aglomerada sobreas nossas cabeças! Que presente contrista<strong>do</strong>r! Que futuro horrível! Safa!***Olha<strong>do</strong> pelo prisma <strong>do</strong> terror, tu<strong>do</strong> isso mete me<strong>do</strong>. No entanto, se, pon<strong>do</strong><strong>de</strong> parte o pânico, encaramos a situação com a calma precisa e a coragemnecessária... vê-se que nem sempre o diabo é tão feio como no-lo pintam.***311


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOPor exemplo: a suspensão <strong>de</strong> operações <strong>de</strong> um banco que confiouos seus capitais a empresas que nem sempre po<strong>de</strong>m restituir-lhos <strong>de</strong> pépara a mão e em uma época em que há falta <strong>de</strong> meio circulante não écoisa para aterrar ninguém. Além disso, vê-se <strong>do</strong> requerimento feito aoTribunal <strong>do</strong> Comércio que, mediante algum tempo <strong>de</strong> espera, fácil seráao banco solver seus compromissos para com os particulares. Terão,entretanto, os acionistas <strong>de</strong> pagar as favas? O futuro nos respon<strong>de</strong>rá.***Lá que ainda temos <strong>de</strong> 8 a 10 casos <strong>de</strong> febre amarela por dia – isso não pa<strong>de</strong>cedúvida. Pu<strong>de</strong>ra! Só aquele largo da Sé com os seus fíga<strong>do</strong>s, baços, corações emais inte<strong>rio</strong>res bovinos é um foco <strong>de</strong> febres... <strong>de</strong>stes <strong>de</strong> se lhes tirar o chapéu.Nas ruas, também há ainda sua aguinha empoçada... seu regatopouco límpi<strong>do</strong> e seu cachorrinho <strong>de</strong> papo para o ar... Mas quem faz casodisso, a não ser o pinta-monos * cá <strong>de</strong> casa?Foge ele da cida<strong>de</strong> como o diabo, da cruz. Quan<strong>do</strong>, por acaso, põe pé cáno escritó<strong>rio</strong>, pergunta logo ao emprega<strong>do</strong> respectivo: C’è ancora febbre ** ?***A guerra? Ora, a guerra... há <strong>de</strong> dar em paz podre, porque adiplomacia é uma gran<strong>de</strong> coisa, quan<strong>do</strong> o diplomata, sobretu<strong>do</strong>, dispõe<strong>do</strong>s recursos <strong>do</strong> senhor viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco.O senhor Teje<strong>do</strong>r há <strong>de</strong> ser razoável – bonitinho mesmo –, e um jantaresplêndi<strong>do</strong> em qualquer sala d’estadão porá termo às nossas dissensõescom a República Argentina, para nunca mais se ouvir falar <strong>de</strong>las.***Os que acham excessivo o preço atual <strong>do</strong>s gêneros alimentíciosfalam também <strong>de</strong> fome! Não dizem que ela já se acha entre nós, comoqualquer figurão recém-chega<strong>do</strong>, mas creem na sua vinda futura como ossebastianistas criam no regresso <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Sebastião. Esta história da fome*“Pinta-monos” significa mau pintor. Cf. HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro Salles. Dicioná<strong>rio</strong> Houaissda Língua Portuguesa. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora Objetiva, 2001.**Ainda há febre (amarela)? (N. E.)312


ARTIGOS DE IMPRENSAparece-me peta, pois em mum país <strong>de</strong>stes on<strong>de</strong> há tanta terra, tanto sol etanta chuva... é lá possível haver fome?***O que há efetivamente é fome <strong>de</strong> novida<strong>de</strong>s – tanto que, apenasaparece uma, é mais a mim e mais a mim.O fechamento das portas bancárias nacionais, como novida<strong>de</strong>, temda<strong>do</strong> panos para mangas. Chovem os “A pedi<strong>do</strong>s”, formigam os conselhos,não há por aí nem cão nem gato que não se julguem habilita<strong>do</strong>s a esconjurara crise, acusa-se tolamente o governo... É, enfim, um Deus nos acuda!Cá por mim, acho que o governo entra nisso como Pilatos no Cre<strong>do</strong>, a nãoser que muitos articulistas queiram também atribuir-lhe a situação precária <strong>de</strong>quanto taberneiro por aí se lembra <strong>de</strong> suspen<strong>de</strong>r a venda <strong>do</strong>s seus líqui<strong>do</strong>s.***Em to<strong>do</strong> o caso, eu, se fosse governo, estaria pelo que muitosquerem. Papel não falta. Por que hesitar então?Nemo88) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 388, pp. 176 e 177, 5 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1875Está nas suas três quintas * o senhor viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco. Passoua Lei <strong>do</strong>s 25 mil contos; passou a Lei <strong>do</strong> Subsídio Extraordiná<strong>rio</strong> (estará,a respeito <strong>de</strong>ste subsídio, o senhor viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco nas suas trêsquintas?) e vai passan<strong>do</strong> sem novida<strong>de</strong> em sua importante saú<strong>de</strong>... a Leida Reforma Eleitoral.**** “Achar-se nas sete quintas” significa estar no auge <strong>do</strong> contentamento, <strong>do</strong> bem-estar. (Cf. VIOTTI, Manuel.Novo dicioná<strong>rio</strong> da gíria brasileira. São Paulo: Ind. Gráfica Bentivegna, 1956). (N. E.)313


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOA Lei <strong>do</strong>s 25 mil contos era a única solução possível ao esta<strong>do</strong> poucosatisfató<strong>rio</strong> da praça; a Lei <strong>do</strong> Subsídio (com a qual, si vera est fama * ,o governo não está lá muito <strong>de</strong> acor<strong>do</strong>) era necessida<strong>de</strong> palpitante emum país on<strong>de</strong> o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> e o sena<strong>do</strong>r recebem vencimentos; e o projetoda reforma eleitoral, que em breve será lei, era outra necessida<strong>de</strong>, cujosefeitos benéficos o futuro se encarregará <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar.***Em vista disto e <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> por que vão sen<strong>do</strong> discutidas as leis anuais,a sessão extraordinária, que já lá vai, e a ordinária, que está corren<strong>do</strong>,não são por certo tão estéreis nem tão improfícuas quanto no-lo disse hádias um <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> da oposição.***Não sei ao certo se as conferências entre os envia<strong>do</strong>s extraordiná<strong>rio</strong>s daRepública Argentina e <strong>do</strong> Paraguai e os senhores Rio Branco e Caravelasforam ou são estéreis e improfícuas. Sobre este ponto reina, por ora, o segre<strong>do</strong>da abelha. Diz-se muita coisa, mas não se sabe nada <strong>de</strong> positivo e oficial.***Não se sabe nada? Perdão, sabe-se que o senhor Teje<strong>do</strong>r, a dar créditoa A Reforma, seguiu caminho <strong>do</strong> Prata sem dizer água vai ** ... a quem<strong>de</strong>via merecer-lhe certa consi<strong>de</strong>ração. Sei que o homem é republicano,sei. No entanto, o que eu não sei ao certo é se a República se opõe aospreceitos da boa educação. Se o amigo salva<strong>do</strong>r ou mesmo o ribeirinho meinformassem a tal respeito... dava-lhes quatro vinténs <strong>de</strong> pés <strong>de</strong> moleque.***Dou outros quatro vinténs, também <strong>de</strong> pés <strong>de</strong> moleque, a quem meprovar que o senhor Luís Rafael Vieira Souto não se enganou quan<strong>do</strong>*Se é verda<strong>de</strong>iro o que dizem. (N. E.)**“Água vai” significa alerta, <strong>de</strong> aviso (Cf. VIOTTI, Manuel. Novo dicioná<strong>rio</strong> da gíria brasileira. São Paulo:Ind. Gráfica Bentivegna, 1956). (N. E.)314


ARTIGOS DE IMPRENSAjulgou <strong>de</strong>ficiente a soma <strong>de</strong> oito mil contos para os melhoramentos <strong>de</strong>que a cida<strong>de</strong> carece. Com a breca! Oito mil contos <strong>de</strong> melhoramentosnão é barro, especialmente neste tempo <strong>de</strong> crise!***Por causa da crise, se vão por aí dan<strong>do</strong> fatos perante os quais umhomem fica mesmo <strong>de</strong> boca aberta e <strong>de</strong> queixo caí<strong>do</strong>. Por exemplo, vaio cobra<strong>do</strong>r <strong>de</strong> A Vida apresentar o recibo <strong>do</strong>s cobres da dita ao assinante:– Se vossa excelência quisesse ter a bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong>...– O que é? O que temos?– A Vida, minha muito amada e prezada ama, encarrega-me <strong>de</strong>...– Dinheiro? Com uma crise <strong>de</strong>stas? Volte quan<strong>do</strong> a crise tiverpassa<strong>do</strong>!– Mas o dia, pouco mais ou menos...– Po<strong>de</strong> lá fixar-se o dia? Já lhe disse: apareça quan<strong>do</strong> não houver crise!O assinante fica com a crise, e o cobra<strong>do</strong>r... sem a comissão da cobrança.***Outra:– Amanhã, representam-se no alcázar os Bavards: canta a RoseMarie. Pagas-me um camarote?– Um camarote nestas alturas, minha querida Carottine? Toma <strong>do</strong>ismil réis e vais para as ca<strong>de</strong>iras. Estamos em crise, filha, estamos em crise.***No botequim <strong>do</strong> Pedro II:– Traga-me cerveja inglesa... não... prefiro a nacional. Estamos em crise.***Depois <strong>de</strong> uma ceia no Provençaux:– Um passeio agora ao jardim, para aproveitar tão bela noite... Seaprovas a i<strong>de</strong>ia, meu queri<strong>do</strong> Lulu, mandas buscar um carro, sim?315


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO– Um carro a estas horas! On<strong>de</strong> ir buscá-lo? Olha (ven<strong>do</strong> o bon<strong>de</strong>),o bon<strong>de</strong> vai partir, aproveitemo-lo. Queres?(Ela aceita, embora contrariada; no entanto, Lulu fica satisfeitíssimoporque... está em crise.)***– Preciso <strong>de</strong>scontar o meu or<strong>de</strong>na<strong>do</strong> <strong>do</strong> mês vin<strong>do</strong>uro.– Desconto... por que não? Levo-lhe apenas 30%.– Trinta? Trinta por cento?– Meu amiguinho, não há dinheiro, o meio circulante anda porempenhos e a moeda está cara. Noutra ocasião lhe levaria 20, mas emtempos <strong>de</strong> crise é 30... para quem quiser.***A crise é, pois, geral e, embora o senhor Men<strong>de</strong>s (Cândi<strong>do</strong>)apregoe o contrá<strong>rio</strong>, apostan<strong>do</strong> que, se atualmente forem pedir esmolapara o Papa sua excelência responda logo “tenha paciência: estamosem crise”, o subsídio passou.Nemo89) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 389, p. 184, 12 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1875Quem me dá aí uma dúzia <strong>de</strong> pastéis <strong>de</strong> Santa Clara para oferecerao senhor presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Pará? Que homem! Santo Deus, que homem!***Palavra <strong>de</strong> honra: eu gosto <strong>de</strong> um homem assim, para quem aativida<strong>de</strong> é muito, a energia tu<strong>do</strong>, e as meias medidas... nada.***316


ARTIGOS DE IMPRENSATambém, a não ser assim, os cabi<strong>do</strong>s iriam fazen<strong>do</strong> o que melhorlhes parecesse, e as leis passariam a ser... letra morta. Nem tanto.***O Apóstolo <strong>de</strong>u solene e apostólico cavaco pelo telegrama, no qual setrata não só da formal intimação feita pelo presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Pará ao cabi<strong>do</strong>da catedral para que nomeie com urgência um governa<strong>do</strong>r, mas tambémda nulida<strong>de</strong> das nomeações feitas pelo bispo recentemente con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>.***Eu cá não penso como O Apóstolo nem <strong>do</strong>u aos ditames <strong>do</strong> Concílio<strong>de</strong> Trento a atenção que a folha clerical lhe dispensa, e é por isso que gosto<strong>de</strong>veras <strong>do</strong> ato enérgico <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Pará, para quem torno ainda apedir uma dúzia <strong>de</strong> pastéis <strong>de</strong> Santa Clara, ou <strong>de</strong> outra qualquer guloseima,que lhe a<strong>do</strong>ce os amargores da boca que a padaria por lá lhe há <strong>de</strong> ter feito.***Por isso, bem fez o comenda<strong>do</strong>r Almeida Martins, que man<strong>do</strong>u à fava...os padres. Tantos amargores <strong>de</strong> boca lhe causaram eles... que por tal forma lhemostraram que a liberda<strong>de</strong> <strong>do</strong> pensamento e a ilustração mal assentavam nohomem disposto a dizer missa, a pregar e a confessar – o comenda<strong>do</strong>r, a ocultar osseus sentimentos, o seu pensar livre e a sua ilustração sob a capa <strong>de</strong> um jesuitismosórdi<strong>do</strong>, preferiu ser mestre <strong>de</strong> meninos e ensinar à mocida<strong>de</strong> que a verda<strong>de</strong>irareligião <strong>do</strong> crucifica<strong>do</strong> não é, por certo, aquela que o jesuíta invoca quan<strong>do</strong> precisalevar adiante os seus projetos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r absoluto e <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio exclusivo.***Felizmente, em 1875, esses projetos não po<strong>de</strong>rão facilmente serleva<strong>do</strong>s à prática. Temos ainda Cândi<strong>do</strong>s, Joões, Tarquínios, Vianas,Zacarias, <strong>do</strong>ns Josés, <strong>do</strong>utores Reises e outros... não há <strong>de</strong> duvidá-lo.No entanto, o número <strong>do</strong>s que não querem sujeitar a liberda<strong>de</strong> às leistremendas e caducas <strong>de</strong> Loiola é-lhes supe<strong>rio</strong>r, muito, muitíssimo supe<strong>rio</strong>r.***317


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOTão supe<strong>rio</strong>r, que estou ven<strong>do</strong> daqui da janela o samburá emque o cônego da rua Nova costuma mandar ao Correio a remessa<strong>de</strong> O Apóstolo, <strong>de</strong>stinada ao inte<strong>rio</strong>r. Que pobreza franciscana!Outrora, isto é, no princípio <strong>do</strong> ano, quan<strong>do</strong> a folha se julgava diáriaestava o samburá cheio, repleto, abarrota<strong>do</strong>; hoje, que a folha éheb<strong>do</strong>madária, como nós <strong>de</strong> cá, há meia dúzia <strong>de</strong> pacotes lá no fun<strong>do</strong>da cesta... trazen<strong>do</strong> à memória o apparent rari nantes * <strong>de</strong> Virgílio.Quelle <strong>de</strong>gringola<strong>de</strong>!***Antes que esta crônica <strong>de</strong>gringole também... termino-a aqui.Nemo90) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 390, p. 192, 19 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1875Dava <strong>de</strong> bom gra<strong>do</strong> o meu corpo ao diabo e a minha alma a OApóstolo se, parodian<strong>do</strong> o dito daquele impagável Nhô Quim <strong>do</strong>Alcazar, eu pu<strong>de</strong>sse agora dizer ao leitor: “A crônica fica... para asemana que vem.”***Preguiça? Lombeira? Nem eu sei. O que sei <strong>de</strong> positivo é quean<strong>do</strong> triste, sorumbático, com mais vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> pregar um sermão <strong>de</strong>lágrimas <strong>do</strong> que cronicar por minha conta e risco com o leitor, que tema con<strong>de</strong>scendência... <strong>de</strong> ler as minhas crônicas.****Aqui e ali são vistos nadar. (N. E.)318


ARTIGOS DE IMPRENSAE o que mais me entristece neste momento é o que por aí se diz acerca <strong>do</strong>ouro <strong>de</strong>posita<strong>do</strong> no banco Mauá, <strong>de</strong> Montevidéu: ouro <strong>de</strong> que, na esperança<strong>de</strong> receber novas remessas da casa matriz, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, o gerente <strong>do</strong>banco se aproveitou para atenuar os efeitos da crise montevi<strong>de</strong>ana.***A oposição, sôfrega <strong>de</strong> inci<strong>de</strong>ntes em <strong>de</strong>sabono <strong>de</strong> seus adversá<strong>rio</strong>s– sem procurar a razão das coisas, sem <strong>de</strong>scer à verda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s fatos –,acusou logo o senhor viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco como autor responsável<strong>de</strong> um ato a que ele fora completamente estranho.***É tu<strong>do</strong> assim nas acusações que têm por base a política. Fere-se semrazão para ferir, procura-se atirar sobre as costas <strong>de</strong> Pilatos a con<strong>de</strong>nação <strong>do</strong>Cristo, faz-se <strong>de</strong> um argueiro um cavaleiro e imputa-se a um homem, sobcuja administração se tem promulga<strong>do</strong> leis importantíssimas, a influênciadireta sobre tu<strong>do</strong> quanto houve e há <strong>de</strong> mau no passa<strong>do</strong> e no presente.***À mercê <strong>de</strong> Deus, esse homem, com a consciência tranquila, coma calma que não <strong>de</strong>sampara a retidão e a justiça, explicou no Sena<strong>do</strong> ascausas anormais que, sem interferência sua, levaram o banco Mauá, <strong>de</strong>Montevidéu, a valer <strong>do</strong> ouro <strong>de</strong>posita<strong>do</strong> e mostrou até a evidência quenada per<strong>de</strong>ria o Tesouro <strong>de</strong>ssas somas, visto que, pelas regras da piorcontabilida<strong>de</strong>, um ativo <strong>de</strong> 12 milhões <strong>de</strong> patacões, por pior que ele seja,dá sempre para o pagamento integral <strong>de</strong> mil e tantos contos!***Note-se mais, que esse dinheiro estava ali <strong>de</strong>posita<strong>do</strong> sem vencerjuros; é o Tesouro cre<strong>do</strong>r privilegia<strong>do</strong> e, como tal, um <strong>do</strong>s primeiros quea lei manda embolsar sem perda <strong>de</strong> um ceitil!***319


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOEstavam já escritas as linhas que prece<strong>de</strong>m este perío<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>parono Jornal <strong>do</strong> Commercio <strong>de</strong> ontem com o artigo <strong>do</strong> senhor viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mauá.Leiam com atenção esse <strong>do</strong>cumento os que, mesmo sem aten<strong>de</strong>r ao infortúnio<strong>de</strong> um homem a quem o país <strong>de</strong>ve os seus primeiros melhoramentos materiais,o acusam sem razão, o con<strong>de</strong>nam sem motivo. Creiam, sobretu<strong>do</strong>, que essedistinto brasileiro legará a seus filhos, como ele próp<strong>rio</strong> o diz, senão fortuna,um nome que imporá respeito até aos seus calunia<strong>do</strong>res.***A concordância <strong>do</strong>s jornais argentinos sobre o êxito da missão Teje<strong>do</strong>ré admirável! Dão uns ao senhor Teje<strong>do</strong>r as honras <strong>de</strong> um plenipotenciá<strong>rio</strong>calmo, refleti<strong>do</strong>, cortês e justo; outros acusam-no <strong>de</strong> ter falta<strong>do</strong> até aos maiscomezinhos preceitos da etiqueta diplomática. De que la<strong>do</strong> estará a razão?Em to<strong>do</strong> o caso, o que se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> das folhas, em geral, e dascorrespondências, em particular, é que o povo argentino quer tu<strong>do</strong>,menos uma guerra intempestiva, no momento em que o país carece <strong>de</strong>todas as suas forças vitais para atenuar os erros <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>.Nemo91) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 391, p. 200 e 201, 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong>1875Baldada <strong>de</strong> recursos para atacar <strong>de</strong> frente os atos da situaçãoconserva<strong>do</strong>ra, a oposição lembrou-se <strong>de</strong> inventar o po<strong>de</strong>r pessoal!***Morreram, pois, os ministé<strong>rio</strong>s, finaram-se as duas Câmaras, nãohá mais parti<strong>do</strong>s – só existe o po<strong>de</strong>r pessoal! –, isto é, a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<strong>do</strong>minan<strong>do</strong> a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s!***320


ARTIGOS DE IMPRENSANo entanto, se a oposição, firme nas suas crenças, pensa assim, porque vai dan<strong>do</strong>, a torto e a direito, nos atos <strong>do</strong> governo, em geral, e <strong>de</strong>cada ministro, em particular?***Por que ataca a maioria da Assembleia Legislativa e os membros<strong>do</strong> Sena<strong>do</strong> que ergueram e erguem sua voz em <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> senhor <strong>do</strong>Rio Branco e companhia? Se existe o po<strong>de</strong>r pessoal, que valor tem aprimeira, o que significam os segun<strong>do</strong>s?***Vejamos, entretanto, o que faz o pretendi<strong>do</strong> po<strong>de</strong>r pessoal. Vê ele naAssembleia uma maioria, e não pequena, que apoiou o gabinete e que apoiaa situação conserva<strong>do</strong>ra; <strong>de</strong>ita os olhos sobre o Sena<strong>do</strong> e vê outro tanto.***Se esses <strong>do</strong>is corpos legislativos representam a nação, o po<strong>de</strong>rpessoal torna-se impotente perante a vonta<strong>de</strong> nacional; ainda mais,<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> existir. Nisto não há, nem po<strong>de</strong> haver, duas opiniões.Se esses <strong>do</strong>is corpos legislativos, nos quais avultam os homensmais ilustra<strong>do</strong>s e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>do</strong> país, são apenas instrumentos davonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> um só, on<strong>de</strong> irá, então, buscar-se gente a quem se confie arepresentação nacional?***Seria feliz a oposição se o pretendi<strong>do</strong> po<strong>de</strong>r pessoal, saltan<strong>do</strong> porcima <strong>do</strong> querer da Assembleia e sem mesmo po<strong>de</strong>r agarrar-se, até aqui, àrecusa <strong>do</strong> gabinete na continuação <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r, <strong>de</strong>mitisse este e dissolvesseaquela, crian<strong>do</strong> uma situação nova, sem razão <strong>de</strong> ser, sem explicaçãoplausível perante o país?***321


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOE a Constituição... esse pacto fundamental que rege o Impé<strong>rio</strong>?Não se ergueria ela, terrível, ameaça<strong>do</strong>ra, perante um ato que marcaria,então, o começo <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r pessoal, irrompen<strong>do</strong> pela vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> um povorepresenta<strong>do</strong> pelos seus eleitos?***Esteja, pois, tranquila a oposição: não há, como ainda não houve,po<strong>de</strong>r pessoal. Transforme ela, em minoria, a maioria que apoia asituação presente, emu<strong>de</strong>ça as vozes que, em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>la, se erguem noSena<strong>do</strong>, e a situação cairá, então, porque não encontrará, nem mesmo nopretendi<strong>do</strong> po<strong>de</strong>r pessoal, força capaz <strong>de</strong> ampará-la.***Estavam já escritas estas linhas quan<strong>do</strong> os jornais publicaram aaquiescência da coroa à <strong>de</strong>missão <strong>do</strong> ministé<strong>rio</strong> Rio Branco. Sentin<strong>do</strong>a retirada <strong>de</strong>sses estadistas, a quem o país tanto <strong>de</strong>ve, e, especialmente,a <strong>do</strong> senhor viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco, cujo nome, graças à Lei <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong>setembro, a história registrará um dia nas suas páginas mais brilhantes,pergunto ainda: “Se existe o po<strong>de</strong>r pessoal, por que se retirou oministé<strong>rio</strong>? Não teria aquele a força necessária para sustentar este?”Nemo92) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 392, p. 208, 3 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1875Comunicar ao leitor que o ministé<strong>rio</strong> presidi<strong>do</strong> pelo senhor viscon<strong>de</strong><strong>do</strong> Rio Branco pediu e obteve a sua <strong>de</strong>missão no dia 23 <strong>do</strong> fina<strong>do</strong> junho;assegurar que o novo gabinete presidi<strong>do</strong> pelo senhor duque <strong>de</strong> Caxias, além<strong>de</strong> congraçar o Parti<strong>do</strong> Conserva<strong>do</strong>r, foi por ele recebi<strong>do</strong> com inequívocasprovas <strong>de</strong> simpatia; dizer que a população da corte <strong>de</strong>posita bastanteconfiança na honestida<strong>de</strong> e no civismo <strong>do</strong>s atuais ministros da coroa;afirmar que o duque <strong>de</strong> Caxias é cre<strong>do</strong>r <strong>de</strong> respeito e <strong>de</strong> amor nacional pela322


ARTIGOS DE IMPRENSAintegrida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu caráter, pelos serviços presta<strong>do</strong>s ao país, pela honestida<strong>de</strong>apregoada mesmo pelos seus maiores antagonistas políticos; proclamar,finalmente, que, prescindin<strong>do</strong> <strong>de</strong> qualquer i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> parti<strong>do</strong>, ninguém po<strong>de</strong>,sem manifesta parcialida<strong>de</strong> ou conveniência <strong>de</strong> cre<strong>do</strong> político, contestar que,retiran<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r o senhor viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco, o cavalheiro por eleindigita<strong>do</strong> era talvez o único capaz <strong>de</strong> congraçar o Parti<strong>do</strong> Conserva<strong>do</strong>r e<strong>de</strong> inspirar a confiança necessária ao homem que toma sobre si a espinhosamissão <strong>do</strong> governo. Proclamá-lo fora repetir o que já to<strong>do</strong>s sabem, foratornar-me amorteci<strong>do</strong> eco <strong>do</strong> que por aí se diz.***Entretanto, nos arraiais da oposição, lavra o <strong>de</strong>scontentamento. Crêsepouco nas habilitações <strong>do</strong>s novos ministros e teme-se que eles nãoestejam à altura da situação.Eu acharia bem cabidas as crenças e os temores se a oposição soubesse<strong>de</strong> antemão o que o ministé<strong>rio</strong> vai fazer. No entanto, cair-lhe em cima, antes<strong>de</strong> qualquer ato <strong>do</strong>s novos ministros, é, pelo menos, in<strong>de</strong>sculpável levianda<strong>de</strong>.Por Deus, custa tão pouco esperar!***Entretanto, tu<strong>do</strong> é assim na política. Os que estão <strong>de</strong> cima aguentemsecomo pu<strong>de</strong>rem, pois os <strong>de</strong> baixo só pensam em fazê-los cair. E nãoé só por cá que isso acontece. No Velho Mun<strong>do</strong>, dá-se a mesma coisa.***Ainda está acesa, nas “Publicações a pedi<strong>do</strong>” <strong>do</strong> jornal, a questão daproprieda<strong>de</strong> literária, da qual tem trata<strong>do</strong> brilhantemente o advoga<strong>do</strong> Fernan<strong>de</strong>sLima. De tu<strong>do</strong> quanto autores e réus têm dito sobre o caso, só infiro uma coisa,que já é tempo <strong>de</strong> se legislar seriamente sobre tão importante assunto.Nemo323


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO93) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 393, p.216, 10 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1875To<strong>do</strong>s os olhos brasileiros estão nesse momento vira<strong>do</strong>s para osenhor <strong>de</strong> Cotegipe. Por quê? Porque, <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os atuais ministros, é ele oque mais prática tem <strong>do</strong> negócio, que maior <strong>do</strong>se tem <strong>de</strong> conhecimentosadministrativos e que maiores provas tem da<strong>do</strong> <strong>de</strong> ter nasci<strong>do</strong> para apasta. Se isso é pouco, não sei então o que é muito.***Embora tu<strong>do</strong> isso seja uma verda<strong>de</strong> reconhecida por amigos eadversá<strong>rio</strong>s, continua a oposição a falar em trechos <strong>de</strong> um discurso <strong>de</strong> suaexcelência, preten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> concluir daí que o ilustre estadista, toman<strong>do</strong> partena organização <strong>do</strong> gabinete <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> junho, que não inscreveu, nem po<strong>de</strong>riater inscrito, em seu programa, a eleição direta sem apartar-se <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong>Conserva<strong>do</strong>r, traiu as suas convicções, aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong>-as ou esquecen<strong>do</strong>-as.***Sei que sua excelência pronunciou-se sempre pela eleição direta,sei que o atual gabinete não inscreveu no seu programa esse sistema <strong>de</strong>eleição, mas o que sei, também, é que o senhor <strong>de</strong> Cotegipe, pelo simplesfato <strong>de</strong> ter aceito, após veementes instâncias, uma pasta <strong>de</strong> ministro, nãotrai as suas convicções nem as esquece ou as aban<strong>do</strong>na.***Nesta questão <strong>de</strong> reforma eleitoral, só há um po<strong>de</strong>r, uma força perante aqual to<strong>do</strong>s têm <strong>de</strong> curvar-se: o país, representa<strong>do</strong> pelos seus legítimos eleitos.To<strong>do</strong>s o sabemos, e o senhor Cotegipe não o ignora. Ele não <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>, nopo<strong>de</strong>r, i<strong>de</strong>ias irreconciliáveis com as que tem <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong> em outras épocas.Se a eleição indireta passar nas duas Casas <strong>do</strong> Parlamento, suaexcelência terá <strong>de</strong> curvar-se à vonta<strong>de</strong> da nação e, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>membro <strong>do</strong> atual gabinete, terá <strong>de</strong> cumprir a lei.***324


ARTIGOS DE IMPRENSAIsso não impe<strong>de</strong> que as suas convicções <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong> ser as mesmas<strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e que, por tão singelo fato, ele <strong>de</strong>smereça a confiança dacoroa e a <strong>do</strong> parti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que é um <strong>do</strong>s prestimosos chefes.***Temo-lo dito por vezes e repetimo-lo ainda aqui que to<strong>do</strong> o homeminteligente, que ama a liberda<strong>de</strong>, não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> votar pela eleiçãodireta, embora reconheça que o tempo <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato nacional aindanão chegou.Dê-se tempo ao tempo, espere-se que a instrução espalhe entre nósseus benéficos frutos... e proclame-se então, só então, a eleição direta.Até lá, resulta<strong>do</strong>s negativos viriam provar que nem por muito madrugaramanhece mais ce<strong>do</strong>.Nemo94) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 394, pp. 224 e 225, 17 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1875Viva a República, digo eu, e vivam os seus eternos apologistas!Solto esse grito <strong>de</strong> entusiasmo (cri du cœur) <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter li<strong>do</strong> comcu<strong>rio</strong>sida<strong>de</strong> e avi<strong>de</strong>z a correspondência <strong>de</strong> Buenos Aires, inserta noJornal <strong>do</strong> Commercio <strong>de</strong> 14.Vejam, vejam que pedacinhos <strong>de</strong> ouro:A confiança aban<strong>do</strong>nou esta terra.O governo, menos ainda que o comércio, não atina com os meios verda<strong>de</strong>iros<strong>de</strong> salvar a nova posição, e a bancarrota mostra a cara horripilante por todaa parte.Já teve o governo <strong>de</strong> apelar para o Congresso, pedin<strong>do</strong> autorização para ven<strong>de</strong>r assuas 17 mil ações <strong>do</strong> Ferro-Carril Central Argentino.325


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCODas explicações que nesta ocasião <strong>de</strong>u o ministro da Fazenda na Câmara resultaque pesa sobre o exercício atual um déficit <strong>de</strong> sete milhões <strong>de</strong> patacões pelomenos; que as rendas diminuíram consi<strong>de</strong>ravelmente; e que o crédito <strong>de</strong>sapareceupara o governo, porque não há quem lhe empreste um único peso.Corre o boato <strong>de</strong> que esta exposição por <strong>de</strong>mais ingênua <strong>do</strong> senhor ministroproduziu um <strong>de</strong>sgosto entre ele e o senhor presi<strong>de</strong>nte da República, exigin<strong>do</strong> esteúltimo que o primeiro pedisse a sua <strong>de</strong>missão.Se, com a medida proposta, com o produto das ações, conseguir-se cobrir o déficit,o que se fará <strong>de</strong>pois, quan<strong>do</strong> não há esperanças <strong>de</strong> ver melhorar a situação?Imenso é o número <strong>de</strong> braços que se acham sem trabalho; as <strong>obras</strong> <strong>de</strong> edificação,que ainda nos anos próximos passa<strong>do</strong>s levantaram da noite para o dia bairrosinteiros, estão paralisadas; os crimes multiplicam-se <strong>de</strong> uma maneira atroz,principalmente na campanha da província, a ponto <strong>de</strong> ter o governo <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacaro batalhão provincial para proteger os habitantes contra o roubo e o assassinato.Aqui mesmo na capital, nas ruas mais frequentadas, se cometem verda<strong>de</strong>iros atos<strong>de</strong> assalto. Falta-nos agora o “curso força<strong>do</strong>” para não termos nada a invejar aMontevidéu, on<strong>de</strong> já se diz “que é preciso matar para viver”.***Mostra isso, até a evidência, quão próspero é o esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s nossosvizinhos; esta<strong>do</strong> que eu não creio (embora o veja escrito em letrare<strong>do</strong>nda) aten<strong>de</strong>r, especialmente, às últimas caretas <strong>do</strong> senhor Teje<strong>do</strong>r.***Nem po<strong>de</strong> ser por outra forma. Se eles por lá não vivessem naopulência, se to<strong>do</strong>s os braços não tivessem trabalho ren<strong>do</strong>so, se oscofres não gemessem sob o peso das onças, falariam em guerra... ese disporiam lá a engolir-nos como quem engole uma empadinha <strong>de</strong>camarão <strong>de</strong> casa <strong>do</strong> Castellões?Qual! Ora, essa é boa.***326


ARTIGOS DE IMPRENSAEntretanto, se o correspon<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Jornal anda bem-informa<strong>do</strong>, se é exatoo que ele para cá nos manda em letra manuscrita... como se enten<strong>de</strong> então oarreganho belicoso <strong>do</strong>s nossos vizinhos? Propõem-se eles a fazer guerra semdinheiro? Querem escangalhar o mun<strong>do</strong>, com a barriga nos talões?***Há, sobretu<strong>do</strong>, na correspondência, um tópico que eu recomen<strong>do</strong>,especialmente à atenção <strong>do</strong> senhor Capote * , autor da <strong>de</strong>núnciaapresentada na Legislativa contra o senhor viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco.Diz a correspondência:Pesa sobre o exercício atual um déficit <strong>de</strong> 7:000$000 <strong>de</strong> patacões pelo menos. Asrendas diminuíram consi<strong>de</strong>ravelmente. O crédito <strong>de</strong>sapareceu para o governoporque não há quem lhe empreste um único peso.Hein? Eu, no caso <strong>do</strong> senhor Capote, aban<strong>do</strong>naria a <strong>de</strong>núncia contra RioBranco e correria para Buenos Aires, para <strong>de</strong>nunciar o ministro da Fazenda daRepública Argentina... E se para isso fosse mister fazer-me argentino... seria logo.Que diabo! Mais vale um gosto <strong>do</strong> que quatro vinténs.***Esta <strong>de</strong>núncia <strong>do</strong> senhor Capote é cu<strong>rio</strong>sa, palavra <strong>de</strong> honra. Suasenhoria alega apenas que:O senhor viscon<strong>de</strong> meteu mãos criminosas no Tesouro Nacional, para confiar,sem lei, sem garantia e com quebra <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os prece<strong>de</strong>ntes, à casa Mauá e Cia.a soma <strong>de</strong> 7.500 contos e assim proce<strong>de</strong>u para encher as algibeiras <strong>de</strong> um amigo.Ora, viva lá a <strong>de</strong>núncia e o seu teor!****O cidadão João Antonio Capote <strong>de</strong>nunciou o viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco por haver, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ministro daFazenda, confia<strong>do</strong> à casa bancária Mauá e Cia. a soma <strong>de</strong> £ 756 mil. A Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s nomeou umacomissão para examinar a <strong>de</strong>núncia. O relató<strong>rio</strong> <strong>de</strong>sta comissão, assina<strong>do</strong> pelos <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s Pinto Lima, T.<strong>de</strong> Alencar Araripe e Cunha Leitão, foi apresenta<strong>do</strong> à mesa da Câmara em 14 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1875. O relató<strong>rio</strong>consi<strong>de</strong>rava o ato “perfeitamente legal” e excluía a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> má-fé por parte <strong>do</strong> ministro. (N. E.)327


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOTrago aqui uma hipótese para ver se chego a dar razão ao senhorCapote. Por exemplo, sou comerciante e preciso ter fun<strong>do</strong>s a minhadisposição em Inglaterra. Ora, como todas as transações <strong>de</strong> minha casaestão a cargo <strong>de</strong> um gerente, vai o dito gerente a um banco <strong>de</strong> sua escolhae compra as letras, que <strong>de</strong>vem mais tar<strong>de</strong> ser convertidas nos fun<strong>do</strong>s <strong>de</strong>que eu careço. Quer, porém, o diabo (com licença <strong>de</strong> O Apóstolo) que obanco se estenda ou peça moratória... Portanto, lá se vão os meus fun<strong>do</strong>sa caminho <strong>do</strong> inferno, ou lá ficam empaca<strong>do</strong>s até que a moratória <strong>de</strong>cidaa sua morte ou ressurreição.Quem é o culpa<strong>do</strong>, o criminoso <strong>de</strong>ste revés que eu sofro? O meugerente, está claro. O pobre diabo tinha fé no banco que preferiu,estava habitua<strong>do</strong> a fazer com ele muitíssimas transações... <strong>de</strong> longadata e nas quais o dito banco mostrara sempre uma pontualida<strong>de</strong> digna<strong>de</strong> inveja. No entanto... que tem lá isso? Eu perdi o meu cobre oufiquei com ele empaca<strong>do</strong>, mas o culpa<strong>do</strong> <strong>do</strong> prejuízo foi lá o acaso oua fatalida<strong>de</strong>? Qual! Foi o meu gerente; e eu vou logo dali, direitinho,<strong>de</strong>nunciá-lo à polícia... e se não pu<strong>de</strong>r metê-lo no xilindró... não é porfalta <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>.***Se esta hipótese é aceitável, tem o senhor Capote milhares <strong>de</strong>milheiros <strong>de</strong> razão... E o senhor viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco é tu<strong>do</strong> quantoele diz e muitas coisas mais. Se, porém, a polícia se põe a rir da minha<strong>de</strong>núncia e me <strong>de</strong>ixa a olhar para a lua... então...***Depois <strong>de</strong> tanta coisa triste, aí vai uma alegre. Está no Rio <strong>de</strong>Janeiro a senhora Marietta Biancolini, a prima-<strong>do</strong>na italiana que maiorentusiasmo tem <strong>de</strong>sperta<strong>do</strong> nos teatros em que tem da<strong>do</strong> a honra <strong>de</strong> verlhea boca aberta e <strong>de</strong> sentir-lhe as <strong>do</strong>çuras <strong>de</strong> uma voz excepcional,educada nos preceitos da escola severa.Vem com ela o barítono Spalazzi, bem conheci<strong>do</strong> <strong>do</strong> nosso público,e o tenor Signoretti, <strong>de</strong> que falam com vantagem as folhas <strong>do</strong> sul.É <strong>de</strong> esperar que a senhora Biancolini, cercada como se acha <strong>de</strong>bons artistas <strong>de</strong> canto, renuncie à i<strong>de</strong>ia <strong>do</strong>s concertos para abraçar a328


ARTIGOS DE IMPRENSAda exibição das óperas que tantos louros lhe granjearam em Roma nocarnaval <strong>de</strong> 1874 e, ultimamente, nos teatros da República Argentina.Nemo95) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano IV, número 153, segunda-feira, 19 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1875Parte ineditorialA <strong>de</strong>núncia CapoteO cidadão João Antonio Capote, usan<strong>do</strong> <strong>do</strong> direito que cabea qualquer um, a respeito <strong>de</strong> ministros ou ex-ministros <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>,<strong>de</strong>nunciou à Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s o honra<strong>do</strong> ex-ministro da Fazenda,com incurso no artigo 3 o da lei <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1827, que <strong>de</strong>clararesponsáveis por abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r os funcioná<strong>rio</strong>s que usam mal <strong>de</strong> suaautorida<strong>de</strong> nos atos não especifica<strong>do</strong>s na lei, que tenham produzi<strong>do</strong>prejuízo ou dano prova<strong>do</strong> ao Esta<strong>do</strong> ou a algum particular.O fato articula<strong>do</strong> na <strong>de</strong>núncia, ao qual se preten<strong>de</strong> fazer aplicável aqueladisposição <strong>de</strong> lei, é o <strong>de</strong> haver o ex-ministro compra<strong>do</strong> cambiais à casaMauá, <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, sobre a <strong>de</strong> Londres, pela importância <strong>de</strong> £756 mil(ou 6,719:328$) ao câmbio <strong>de</strong> 27 d. por 1$, cambiais que não foram pagas.Na discussão a tal respeito sustentada na Câmara, como na série<strong>de</strong> <strong>artigos</strong> <strong>do</strong> <strong>de</strong>nunciante – os <strong>do</strong>is primeiros publica<strong>do</strong>s no Jornal <strong>do</strong>Commercio e o terceiro, em O Globo <strong>de</strong> hoje –, tem si<strong>do</strong> censurada acomissão especial, que teve <strong>de</strong> interpor parecer sobre a mesma <strong>de</strong>núncia“por não haver procedi<strong>do</strong> a diligências e recolhi<strong>do</strong> informações” capazes<strong>de</strong> fundamentar um juízo seguro que <strong>de</strong>ixasse o ilustre <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong> asalvo <strong>de</strong> toda a suspeita <strong>de</strong> não haver procedi<strong>do</strong> no caso com o zelo pelosinteresses públicos, <strong>de</strong> que tem da<strong>do</strong> provas em sua longa e honradíssimavida, tão cheia <strong>de</strong> serviços à pátria e tão distinta pelo <strong>de</strong>sinteresse.No meio <strong>de</strong> reflexões ten<strong>de</strong>ntes a justificar essa censura, têm si<strong>do</strong>aventuradas, na tribuna e na <strong>imprensa</strong>, afirmações <strong>de</strong> to<strong>do</strong> ponto exageradas efalsíssimos conceitos, que po<strong>de</strong>m induzir em erro a opinião <strong>do</strong>s que se ocupampouco com os negócios públicos, não os acompanhan<strong>do</strong> atentamente.329


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCORegistraremos, antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, um fato no qual, por <strong>de</strong>claração muitasvezes repetida pelos ora<strong>do</strong>res que têm impugna<strong>do</strong> o parecer, há um ponto quenão está em questão: a probida<strong>de</strong> nunca suspeitada <strong>do</strong> honra<strong>do</strong> ex-ministro.Desejariam, porém, os impugna<strong>do</strong>res <strong>do</strong> parecer que a ilustrecomissão o houvesse retarda<strong>do</strong>, solicitan<strong>do</strong> informações, proce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> adiligências, instituin<strong>do</strong> em suma o exame <strong>do</strong> fato.Nada é mais <strong>de</strong>sarrazoa<strong>do</strong>. A lei da responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s ministrosestabeleceu o processo para a <strong>de</strong>núncia, que é o seguinte: a primeira questão aventilar é o <strong>de</strong> saber se a <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong>ve ser ou não admitida. Somente <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> admitida, corre a <strong>de</strong>núncia aos trâmites legais para, ouvi<strong>do</strong> o <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong>,<strong>de</strong>cretar-se se cabe ou não o <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> acusação. Deliberada a acusação, é oprocesso remeti<strong>do</strong> para o Sena<strong>do</strong>, que se converte em tribunal <strong>de</strong> justiça.Tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> um fato explica<strong>do</strong> ao Parlamento e conheci<strong>do</strong> em suasparticularida<strong>de</strong>s, e ten<strong>do</strong> a Câmara <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> o conhecer vota<strong>do</strong> medidas<strong>de</strong> confiança, quais foram a proposta <strong>de</strong> auxílio aos bancos e a respostaà fala <strong>do</strong> trono, quan<strong>do</strong> o zelo e a honra<strong>de</strong>z <strong>do</strong> <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong> tinham poresse mo<strong>do</strong> mereci<strong>do</strong> ao Parlamento irrecusáveis testemunhos? O quecumpria à ilustre comissão?Provocar mais <strong>de</strong>ti<strong>do</strong> exame seria uma manifestação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfiança,que a Câmara saberia repelir como ofensiva a sua dignida<strong>de</strong>, uma vezque, ten<strong>do</strong> conhecimento <strong>do</strong> fato, continuou a prestar ao governo o mais<strong>de</strong>dica<strong>do</strong> apoio.Produziu o <strong>de</strong>nunciante provas ou <strong>do</strong>cumentos que fizessem abalaro juízo da Câmara? Invocou um fato novo? Alegou alguma po<strong>de</strong>rosacircunstância <strong>de</strong> que a Câmara não tivesse conhecimento? Nada dissofez. Limitou-se a indicar um fato muito conheci<strong>do</strong> e muito discuti<strong>do</strong>,a estabelecer uma suposta relação com a disposição legal e a escrevercontra o ilustre cidadão, cuja honra<strong>de</strong>z ninguém tinha ousa<strong>do</strong> pôr emdúvida, algumas frases inju<strong>rio</strong>sas.Queria-se que sobre um semelhante <strong>do</strong>cumento se instituísse algum<strong>de</strong>mora<strong>do</strong> exame? Não exigiam antes a justiça e o respeito em razão dasvirtu<strong>de</strong>s <strong>do</strong> <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong> a imediata rejeição da <strong>de</strong>núncia? Pois quan<strong>do</strong> aoposição não tinha julga<strong>do</strong> haver no fato um <strong>de</strong>lito e, tanto assim, é quenão fez <strong>de</strong>le objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia, po<strong>de</strong>-se razoavelmente preten<strong>de</strong>r que acomissão especial <strong>de</strong>veria proce<strong>de</strong>r <strong>de</strong> outro mo<strong>do</strong>?Tem-se dito que houve sofreguidão da parte <strong>do</strong> ilustre relator emrequerer a imediata discussão após a leitura <strong>do</strong> parecer. Esse parecer,330


ARTIGOS DE IMPRENSAporém, sujeito às regras regimentais sobre atos idênticos, houvera si<strong>do</strong>imediatamente aprova<strong>do</strong>, caso ninguém pedisse sobre ele a palavra, e, sepodia ser aprova<strong>do</strong> ou rejeita<strong>do</strong> sem discussão por força da disposiçãoregimental, nada embargava que pu<strong>de</strong>sse ser <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo discuti<strong>do</strong>.O que se ganhou, aliás, com a urgência? Não continuou a discussãonos dias imediatos? Encerrou-a acaso a Câmara, como aliás o podia terfeito e, isso mesmo, lembrou o senhor Martinho Campos?Falamos em proposições exageradas. Uma <strong>de</strong>las é a que versa sobrea soma das responsabilida<strong>de</strong>s das casas Mauá para com o Tesouro,avaliada por uns em 16 mil contos; por outros, em 18 mil contos; e, poralguém em centenas <strong>de</strong> milheiros <strong>de</strong> contos!A verda<strong>de</strong> é, porém, que foram <strong>de</strong> três or<strong>de</strong>ns as operações celebradaspelo Tesouro com as casas Mauá, e o que está a <strong>de</strong>scoberto é a quantia<strong>de</strong> 6.719:328$ por saques recambia<strong>do</strong>s e cerca <strong>de</strong> mil contos por sal<strong>do</strong><strong>do</strong> <strong>de</strong>pósito em Montevidéu. Essas quantias, das quais aliás se espera oreembolso integral, não atingem a oito mil contos.Lemos hoje que a Câmara já se manifestou a respeito <strong>do</strong> requerimento<strong>do</strong> senhor <strong>do</strong>utor Ferreira Viana, em que pedia informações sobre taistransações, rejeitan<strong>do</strong>-o com assombro <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s!É uma afirmação <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o ponto contrária à verda<strong>de</strong>. O requerimentoem questão não foi ainda vota<strong>do</strong>, mas ficou adia<strong>do</strong>, para sê-lo em diapróp<strong>rio</strong>, na forma <strong>do</strong> regimento, por haver pedi<strong>do</strong> sobre ele a palavrao senhor conselheiro Duarte <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong>, que <strong>de</strong>sejava respon<strong>de</strong>r àsconsi<strong>de</strong>rações com que seu autor o fundamentara. Diz-se mais, no artigoque temos à vista, que a casa Mauá não merecia confiança para entrega<strong>de</strong> somas tão avultadas...O crédito <strong>de</strong> uma casa comercial da importância e <strong>do</strong> vulto da <strong>do</strong> senhorMauá não se afere pelo juízo <strong>de</strong> um ou <strong>de</strong> outro, mas pela pontualida<strong>de</strong> epelo valor <strong>de</strong> suas transações, e pela confiança que inspira <strong>de</strong>ntro e fora<strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>. A casa Mauá, ten<strong>do</strong> cumpri<strong>do</strong> ante<strong>rio</strong>res obrigações comtoda a pontualida<strong>de</strong>, extensamente relacionada com importantes praçasnacionais e estrangeiras, ten<strong>do</strong> sabidamente milheiros <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósitos, oque tu<strong>do</strong> prova a confiança <strong>do</strong> público, não a mereceu somente agora <strong>do</strong>governo, mas em várias épocas.O fato <strong>de</strong> ter a firma Mauá negocia<strong>do</strong> um saque <strong>de</strong> 50 mil libras sobreLondres, com a condição <strong>de</strong> só receber aqui a sua importância <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> pago naquela praça, ainda a ser verda<strong>de</strong>iro, não tem a importância331


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOque se lhe quer dar, nem prova diminuição <strong>de</strong> confiança. O contrato <strong>do</strong>câmbio não está sujeito a regras inalteráveis; as suas condições, porém,po<strong>de</strong>m variar, e variam, incessantemente, segun<strong>do</strong> as conveniênciase os interesses <strong>do</strong>s contrata<strong>do</strong>res, sem que isso os exponha a juízostemerá<strong>rio</strong>s.O mo<strong>do</strong> pelo qual saiu <strong>do</strong> Tesouro a importância das cambiais foi osempre usa<strong>do</strong>. A diretoria <strong>de</strong> Rendas não intervém, nem tem <strong>de</strong> intervirnessas transações, e à diretoria <strong>de</strong> Contabilida<strong>de</strong> só cabe informar aoministro qual o esta<strong>do</strong> da caixa <strong>de</strong> Londres, à vista das contas que <strong>de</strong>starecebe e das <strong>de</strong>spesas requisitadas pelos diferentes ministé<strong>rio</strong>s.Quanto às taxas das cambiais, constam <strong>de</strong> uma tabela apensa aorelató<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Ministé<strong>rio</strong> da Fazenda, no qual po<strong>de</strong>m ser verificadas as <strong>de</strong>to<strong>do</strong>s os saques toma<strong>do</strong>s pelo Tesouro, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1874 até abril <strong>de</strong>1875, e por aí se vê que foram sempre as mais vantajosas.No que respeita às datas, elas constam <strong>de</strong> outra tabela e, porela, verifica-se que nenhum saque foi toma<strong>do</strong> <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> contraí<strong>do</strong> oempréstimo.As remessas <strong>de</strong> fun<strong>do</strong>s para Londres foram feitas segun<strong>do</strong> asnecessida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Tesouro naquela praça, e compreen<strong>de</strong>-se que, por estara ser negocia<strong>do</strong> um empréstimo, não <strong>de</strong>veria o Tesouro confiar emfuturos recursos; antes, conviria ao bom êxito <strong>de</strong>ssa operação mostrarque sem ela po<strong>de</strong>ria dispor <strong>do</strong> necessá<strong>rio</strong>.As remessas <strong>do</strong>s sal<strong>do</strong>s disponíveis da alfân<strong>de</strong>ga <strong>de</strong> Santos e dastesourarias da Fazenda não foram feitas em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns <strong>do</strong> honra<strong>do</strong>ex-ministro, mas por uma prática muito ante<strong>rio</strong>r a sua administração.Faziam-se essas remessas por meio <strong>de</strong> letras tomadas a casas comerciais,não só para, por esse meio, evitar o risco e a <strong>de</strong>spesa <strong>do</strong> transporte, mastambém para evitar bruscas oscilações na circulação <strong>do</strong> meio circulante;o que a esse respeito fez o nobre ex-ministro foi proibir essa remessa pormeio <strong>de</strong> letras, apenas manifestada a crise comercial no Rio <strong>de</strong> Janeiro.Explica<strong>do</strong>s como têm si<strong>do</strong> – e explicáveis como são –, esses fatosestão longe <strong>de</strong> <strong>de</strong>sabonar a rigi<strong>de</strong>z <strong>do</strong>s escrúpulos e o solícito zelo <strong>do</strong>ilustre ex-ministro. Continuaremos.Nemo332


ARTIGOS DE IMPRENSA96) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano IV, número 157, sexta-feira, 23 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1875Parte ineditorialA <strong>de</strong>núncia Capote IIAprovou a Câmara <strong>do</strong>s senhores Deputa<strong>do</strong>s a conclusão <strong>do</strong> parecerda comissão especial, que, na forma <strong>do</strong> artigo 10 da lei <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> outubro<strong>de</strong> 1827, julgou não <strong>de</strong>ver admitir a <strong>de</strong>núncia interposta pelo cidadão J.A. Capote contra o ilustre senhor viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco.A <strong>de</strong>cisão da Câmara foi resolvida por unanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos.Tomaram parte nessa votação 78 <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s e, entre eles, os <strong>do</strong>is únicosmembros da oposição que ocupavam no momento os seus lugares,os honra<strong>do</strong>s senhores conselheiro Araújo Brusque e Silva Flores. ACâmara <strong>do</strong>s senhores Deputa<strong>do</strong>s proferiu uma <strong>de</strong>cisão justa, nobre econscienciosa, que tão honrosa é para ela própria quanto para o ilustreacusa<strong>do</strong>.Agora que se trata <strong>de</strong> uma questão vencida e que o ramo temporá<strong>rio</strong><strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Legislativo acaba <strong>de</strong> pronunciar-se <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> tão significativo,não se dirá que, aprecian<strong>do</strong> os fatos e o direito, tentemos <strong>de</strong> qualquermo<strong>do</strong> <strong>de</strong>sviar efeitos <strong>de</strong> uma acusação.Há um juiz <strong>do</strong>s juízes, que se chama a opinião pública; é perante esteque nos encarregamos, nós, <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a causa julgada, auxilian<strong>do</strong>noscom os elementos <strong>de</strong> convicção que os <strong>de</strong>bates das duas Casas<strong>do</strong> Parlamento nos oferecem, para <strong>de</strong>monstrar que o procedimento <strong>do</strong>honra<strong>do</strong> ex-ministro escapa ainda mesmo à mais leve censura.Isento <strong>de</strong> toda a suspeita no que toca à sua proverbial honra<strong>de</strong>z, porseus próp<strong>rio</strong>s adversá<strong>rio</strong>s proclamada artigo <strong>de</strong> fé, o ilustre ex-ministrofoi <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong> por haver mal-usa<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua autorida<strong>de</strong>.Utilizou o autor <strong>de</strong> um inquestionável direito, que a to<strong>do</strong> o cidadãocompete, mas honrada e conscienciosamente proce<strong>de</strong>u a comissãoespecial, concluin<strong>do</strong> seu parecer pela não admissão da <strong>de</strong>núncia; e aI333


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOCâmara, votan<strong>do</strong>-o. Este procedimento foi o mais justo e o mais digno,tanto <strong>de</strong> parte da nobre comissão quanto <strong>de</strong> parte da Câmara.Se por mal-usar <strong>de</strong> sua autorida<strong>de</strong> houvesse o ex-ministro expostoo Tesouro a um prejuízo, maior ou menor; ou, se as explicações dadasao Parlamento não fossem satisfatórias para o efeito <strong>de</strong> provarem a nãoexistência <strong>de</strong> uma qualquer infração da lei, não <strong>de</strong>ixaria a oposição <strong>de</strong>acudir-se ao recurso legal, ela própria interpon<strong>do</strong> a <strong>de</strong>núncia. Não erasomente o seu direito, era o seu <strong>de</strong>ver. Ela não o fez, entretanto.A <strong>de</strong>núncia não trouxe ao conhecimento da Câmara um fato novo,não discuti<strong>do</strong>, nem alguma nova circunstância. Convencida a comissãoespecial da improcedência da acusação, ten<strong>do</strong> a Câmara, após oconhecimento <strong>do</strong> fato, da<strong>do</strong> ao ex-ministro provas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> confiança,ela não po<strong>de</strong>ria, sem <strong>de</strong>ixar pairar inju<strong>rio</strong>sa suspeita sobre quem tãosupe<strong>rio</strong>r está a suspeitas, instituir um exame que teria por únicoresulta<strong>do</strong> verificar a verda<strong>de</strong> das informações prestadas ao Parlamentopelo honra<strong>do</strong> ex-ministro.A comissão fez o seu <strong>de</strong>ver, rejeitan<strong>do</strong> a <strong>de</strong>núncia. Ela não atropeloufórmulas nem <strong>de</strong>srespeitou o direito.Conhecia o fato <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong>, tinha na <strong>de</strong>vida conta a palavrahonrada <strong>do</strong> ilustre ex-ministro e, pois, não po<strong>de</strong>ria, sem grave injustiçae profunda ofensa a um nobre caráter, provocar exame sobre o valor <strong>de</strong>afirmações solenemente feitas às duas Casas <strong>do</strong> Parlamento.Pendia, aliás, <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão da Câmara um pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> informaçõesformula<strong>do</strong> pelo senhor <strong>do</strong>utor Ferreira Viana, e não havia razão paraque, por simples <strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> um cidadão (<strong>de</strong>srespeitosa em seus termospara com um estadista venerável, <strong>de</strong> muitos títulos), tentasse a comissãosubmeter à prova o que não po<strong>de</strong>ria ser objeto <strong>de</strong> dúvida perante a suaconsciência e a da Câmara. Em outras palavras, não se apartaram daverda<strong>de</strong> as explicações dadas pelo ilustre ex-ministro.Ouvimos dizer, com insistência no correr da discussão, que essaprova não po<strong>de</strong>ria ser senão em proveito para o <strong>de</strong>nuncia<strong>do</strong>, poisimporia silêncio a vagos rumores, <strong>de</strong> origem inconfessável, que elevamos algarismos a uma soma muito supe<strong>rio</strong>r à das responsabilida<strong>de</strong>s reaisdas casas Mauá para com o Tesouro, e que <strong>de</strong>ixam no espírito públicosuspeitas <strong>de</strong> outra natureza, como a <strong>de</strong> presumir-se que foram toma<strong>do</strong>ssaques sobre Londres sem necessida<strong>de</strong>, que a taxa <strong>do</strong> câmbio não foia mais vantajosa ao Esta<strong>do</strong>, que a importância <strong>do</strong>s saques não saiu <strong>do</strong>334


ARTIGOS DE IMPRENSATesouro pelos meios regulares etc. O exame, diz-se, não viria senão pôrem relevo o infunda<strong>do</strong> <strong>de</strong>stes rumores e tranquilizar os que por eles setenham <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> impressionar.Rumores! No entanto, quem há aí que não lhes conheça o valor?Quem po<strong>de</strong> razoavelmente preten<strong>de</strong>r que a mais severa indagação <strong>do</strong>sfatos conseguiria impor-lhes silêncio? Como há quem exagere os fatos eos inverta, como há aí também um ou outro insensato que ousa recusar fé aexplicações dadas com toda a solenida<strong>de</strong> por quem tinha o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> dá-lase autorida<strong>de</strong> para fazê-lo, <strong>de</strong>veriam a ilustre comissão e a Câmara expor auma prova sempre inju<strong>rio</strong>sa a palavra honrada <strong>de</strong> um cidadão benemérito?Para o efeito <strong>de</strong> corrigir boatos, o mais minucioso exame serianulo. Quanto aos homens sensatos, aqueles que conhecem o mecanismo<strong>do</strong>s negócios públicos e sabem dar aos <strong>do</strong>cumentos oficiais o valorque eles merecem, estes não ignoram que o sistema da escrituraçãoa<strong>do</strong>tada no Tesouro Nacional não permitiria disfarçar a extensão dasresponsabilida<strong>de</strong>s da firma Mauá nem que os futuros relató<strong>rio</strong>s, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong>dar conta <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Tesouro e <strong>de</strong> suas operações, conterão a esterespeito to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>sejáveis esclarecimentos.Antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, cumpre retificar afirmações, as quais, aliás, não têmcorri<strong>do</strong> sem impugnação. Têm si<strong>do</strong> avaliadas <strong>de</strong> 16 mil a 18 mil contosas responsabilida<strong>de</strong>s das casas Mauá para com o Tesouro Nacional. Ofato não é exato. Essas responsabilida<strong>de</strong>s são <strong>de</strong> £756 mil por saquesreenvia<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Londres, ou 6,719:328$ ao câmbio <strong>de</strong> 27, e <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong>mil contos, que a quase tanto monta o <strong>de</strong>pósito confia<strong>do</strong> ao banco Mauá<strong>de</strong> Montevidéu para pagamento das forças brasileiras estacionadas no<strong>rio</strong> da Prata, no alto Uruguai e no Paraguai, o que não perfaz a soma <strong>de</strong>oito mil contos.Por lamentável que o fato seja e avultada a soma <strong>de</strong>sembolsadapelo Tesouro, não se trata, todavia, <strong>de</strong> prejuízo verifica<strong>do</strong>. A últimadas parcelas, a <strong>de</strong> mil contos, seja consi<strong>de</strong>rada ou não como <strong>de</strong>pósito,constituin<strong>do</strong> crédito <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio, tem <strong>de</strong> ser em breve recolhida aoTesouro, sen<strong>do</strong> – como é – <strong>de</strong> facílima liquidação a casa Mauá <strong>de</strong>Montevidéu, cujos cre<strong>do</strong>res já chegaram a acor<strong>do</strong> com o seu honra<strong>do</strong><strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r.II335


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOAinda mesmo concedi<strong>do</strong> que a liquidação <strong>do</strong>s <strong>de</strong>maisestabelecimentos não permita o integral reembolso <strong>de</strong> seus cre<strong>do</strong>rese que nenhuma preferência seja reconhecida ao Tesouro Nacional naconcorrência <strong>do</strong>s créditos, o prejuízo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> não po<strong>de</strong>rá elevar-se auma soma inquieta<strong>do</strong>ra.É, todavia, opinião <strong>de</strong> juízes competentes e que conhecem comindividuação o esta<strong>do</strong> das casas Mauá, que o seu ativo, exce<strong>de</strong>n<strong>do</strong>em muito o passivo, tem a necessária margem para respon<strong>de</strong>r pela<strong>de</strong>preciação, que é natural efeito <strong>de</strong> uma liquidação com prazo fixo.Como quer que seja, nenhum fundamento têm as falsas versões que dãoo Tesouro Nacional como ameaça<strong>do</strong> pelo prejuízo <strong>de</strong> milheiros <strong>de</strong> contos.Há quem tenha queri<strong>do</strong> ver transações menos regulares nas efetuadaspelo Tesouro com os estabelecimentos bancá<strong>rio</strong>s dirigi<strong>do</strong>s pelo senhorMauá, pressentin<strong>do</strong> nelas o influxo da amiza<strong>de</strong> a aconselhar imerecidaconfiança. Adversá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> ilustre ex-ministro o têm repeti<strong>do</strong>, <strong>de</strong> boaféuns, outros porque julgam, exploran<strong>do</strong> o fato, <strong>de</strong>ixar estremecida areputação que, como rígi<strong>do</strong> e zeloso funcioná<strong>rio</strong>, conquistou o eminentecidadão em longa vida <strong>de</strong> serviços, e ainda alguns porque, lisonjean<strong>do</strong>paixões vulgares, julgam armar à popularida<strong>de</strong>.Referin<strong>do</strong>-se no Sena<strong>do</strong> a essas transações e explican<strong>do</strong>-as, o nobre exministroteve ocasião <strong>de</strong> dizer que só <strong>de</strong> con<strong>de</strong>scendência o podiam acusarseus adversá<strong>rio</strong>s. Por claro que fosse o senti<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta frase, não faltou quemnela julgasse <strong>de</strong>parar com uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> ter si<strong>do</strong> a con<strong>de</strong>scendência omóvel <strong>de</strong>terminante <strong>do</strong> procedimento <strong>do</strong> primeiro-ministro.Muito diferente fora, no entanto, o pensamento <strong>de</strong> sua excelência. Essepensamento ficou bem patente nas palavras <strong>do</strong> honra<strong>do</strong> ex-ministro proferidasna Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s: “Não é a benevolência <strong>de</strong> meus adversá<strong>rio</strong>s quesolicito, mas a justiça.” Sua excelência po<strong>de</strong>ria invocar esta, a mais rigorosa einflexível, tanto que o seu procedimento escapa à censura.Não foi a amiza<strong>de</strong>, mas a confiança – sentimentos muito diferentes–, a justa confiança <strong>de</strong>vida a um banqueiro acredita<strong>do</strong>, que levou o exministroa proce<strong>de</strong>r como proce<strong>de</strong>u. Foi essa confiança elevada a umgrau que exce<strong>de</strong>sse a bem-entendida previsão? As observações quereservamos para <strong>artigos</strong> poste<strong>rio</strong>res respon<strong>de</strong>m a esta interrogação.III336


ARTIGOS DE IMPRENSAAprecia<strong>do</strong>s os fatos com a calma e a reflexão que as impressões <strong>do</strong>momento naturalmente perturbam, não haverá um só espírito sensato eimparcial que se recuse a reconhecer a regularida<strong>de</strong> das transações, quevão ocupar-nos.97) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano IV, número 164, terça-feira, 3 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1875Parte ineditorialO cidadão CapoteApareceu hoje este ilustre cidadão na parte ineditorial <strong>de</strong> O Globocom o seu quarto “publica<strong>do</strong>”. As linhas que escrevemos foramatribuídas pelo ex-João Antonio Pereira, <strong>do</strong> Ceará, há alguns anos JoãoAntonio Capote, a A Nação, como se os <strong>do</strong>is distintos redatores <strong>de</strong>stafolha tivessem alguma coisa com o que escrevemos!O que os leitores <strong>de</strong> A Nação sabem é que na parte editorial <strong>de</strong>stafolha publicou-se apenas a <strong>de</strong>núncia Capote, sem comentá<strong>rio</strong>s, nãoescreven<strong>do</strong> os seus redatores uma só linha a respeito. Quem, na parteineditorial tratou <strong>do</strong> assunto, foi o autor das presentes linhas, quetambém o fez sem se ocupar com a pessoa <strong>do</strong> <strong>de</strong>nunciante, a quemmuito conhece, entretanto.Alguns trechos inocentes que a seu respeito escrevemos foramsuprimi<strong>do</strong>s, não sabemos por que razão, pelos redatores <strong>de</strong>sta folha.O cidadão Capote, quem nesta questão apenas visou atrair maisalguma celebrida<strong>de</strong> em torno <strong>do</strong> seu nome, diz que “os turiferá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong>senhor Rio Branco, em A Nação <strong>de</strong> 19, 23 e 25 <strong>de</strong> julho, confessarama criminalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ex-ministro e prometeram que os futuros relató<strong>rio</strong>sjustificariam sua excelência”.Este cidadão Capote po<strong>de</strong> saber comprar e ven<strong>de</strong>r escravos, po<strong>de</strong>saber ajustar bem suas contas com o Banco <strong>do</strong> Brasil, po<strong>de</strong> saber disparartiros <strong>de</strong> pólvora seca na rua, mas <strong>de</strong>cididamente não enten<strong>de</strong> o que lê...O ilustre cidadão Capote cospe novas injúrias sobre a Câmara <strong>do</strong>sDeputa<strong>do</strong>s e provoca o ilustre senhor viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco a processá-337


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOlo como calunia<strong>do</strong>r. A Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s está muito supe<strong>rio</strong>r àsinjúrias <strong>do</strong> cidadão Capote, e o distinto senhor ex-ministro da Fazendatem mais em que cuidar.O fato que fez objeto da <strong>de</strong>núncia <strong>do</strong> ilustre cidadão foi muitodiscuti<strong>do</strong> no Sena<strong>do</strong>, na Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s e na <strong>imprensa</strong>, e to<strong>do</strong> opúblico já tem seu juízo forma<strong>do</strong>.O honra<strong>do</strong> senhor ex-ministro só fez com a casa Mauá operações para queestava autoriza<strong>do</strong>, e fê-las <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que to<strong>do</strong>s os seus antecessores. Sealguns <strong>de</strong>stes preferiram, para essas transações, outras casas, não era isso razãopara que sua excelência não confiasse, como muitos outros, na casa Mauá.Não se po<strong>de</strong>ria prever o sinistro, que foi ocasiona<strong>do</strong> apenas pela perseguiçãomovida em Montevidéu por um governo estrangeiro ao estabeleciment<strong>obras</strong>ileiro, perseguição que coincidiu com a crise <strong>de</strong>sta praça. Por isso <strong>de</strong>ixoua casa Mauá <strong>de</strong> satisfazer os compromissos que havia contraí<strong>do</strong>.É escusa<strong>do</strong> dizer que não reconhecemos, como <strong>de</strong>clarou hoje opreclaro cidadão Capote, que houvesse no que fez o honra<strong>do</strong> ex-ministroa menor sombra <strong>de</strong> ilegalida<strong>de</strong>, irregularida<strong>de</strong> ou criminalida<strong>de</strong>. Tambémnão é certo havermos dito que os relató<strong>rio</strong>s futuros justificariam suaexcelência, porque os fatos foram <strong>de</strong>clara<strong>do</strong>s pelo ex-ministro, e asinformações necessárias foram prestadas da tribuna por esse eminentecidadão, cuja palavra não po<strong>de</strong> ser posta em dúvida, pois o Tesourointeiro aí está para confirmá-las.Os que dizem, para fazer efeito, que a responsabilida<strong>de</strong> da casaMauá para com o Tesouro anda por mais <strong>de</strong> sete mil contos, não dizem oque sentem nem o que sabem; atiram essas proposições, leva<strong>do</strong>s apenaspela paixão política, para levantar dúvidas no espírito da população.“Como isso é ridículo!”, exclama o cidadão Capote, referin<strong>do</strong>-se aosnossos prece<strong>de</strong>ntes <strong>artigos</strong>. O cidadão Capote falan<strong>do</strong> em “ridículo”!Risum teneatis * ? Pois o cidadão Capote po<strong>de</strong> achar nada ridículo? Tomeum espelho, ilustre cidadão, tome um espelho e veja se “capote” e“ridículo” não são a mesma coisa.Nemo338


ARTIGOS DE IMPRENSA98) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 397, pp. 248 e 249, 7 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1875Apareceu a Gazeta <strong>de</strong> Notícias.***Foi o maior acontecimento da semana porque a política, mercê <strong>de</strong>Deus, continuou a <strong>do</strong>rmir; a praça continuou na mesma; O Apóstolocontinuou a esperar simpaticamente pelos atos <strong>do</strong> novo governo e pela...soltura <strong>do</strong>s bispos.***A Gazeta <strong>de</strong> Notícias é um jornal diá<strong>rio</strong>, <strong>de</strong> pequeno formato, mas<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> futuro! Não é por ora o que há <strong>de</strong> ser mais tar<strong>de</strong>... mas tambémRoma não se fez em um dia. Esperemos, pois, e tenhamos confiança emBob e nos seus profetas.É pena, porém, que a Gazeta não admita política nas suas, por ora,quatro páginas. A política é o forte da nossa população e, na heroicacida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, não há quem não se ocupe um pouco com a<strong>de</strong>usa que tanto favorece uns e tanto maltrata outros.***Ao número <strong>do</strong>s maltrata<strong>do</strong>s por ela pertence atualmente a plêia<strong>de</strong> <strong>de</strong>A Reforma, plêia<strong>de</strong> ilustre, mas injusta, às vezes, nas suas apreciações.***No artigo <strong>de</strong> ontem, sob título “Favoritismo perigoso”, transparecepor <strong>de</strong>mais a injustiça. A ilustre matrona da rua Sete <strong>de</strong> Setembro atribuià coroa a vida <strong>de</strong> favor <strong>do</strong> atual gabinete e da presente situação política.***Lancemos um olhar sobre o passa<strong>do</strong> e vejamos até que ponto se po<strong>de</strong>asseverar isso sem ir <strong>de</strong> encontro à história imparcial <strong>do</strong> Segun<strong>do</strong> Reina<strong>do</strong>.***339


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOO po<strong>de</strong>r acha-se nas mãos <strong>do</strong>s conserva<strong>do</strong>res <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1868, não há comonegá-lo. Quem é que, porém, lho pôs nas mãos? A coroa? Não. Foram osliberais, os próp<strong>rio</strong>s liberais... que, pela voz autorizada <strong>de</strong> seu chefe, senegaram a nomear seu sucessor para o ministé<strong>rio</strong>, quem, <strong>de</strong>speita<strong>do</strong> pelasimples nomeação <strong>de</strong> um sena<strong>do</strong>r, resignava o man<strong>do</strong>.***Quan<strong>do</strong> um chefe se nega a <strong>de</strong>signar o outro que <strong>de</strong>ve sucedê-lo,<strong>de</strong>clara ele não a sua fraqueza, mas a impotência <strong>de</strong> um parti<strong>do</strong> inteiro!É o mesmo que dizer: “Senhor, avenha-se cá como pu<strong>de</strong>r, porque nemeu nem a minha gente prestamos para nada.”***Em vista <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong>stas, não po<strong>de</strong>ria a coroa <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong>fazer o que fez, isto é, chamar os conserva<strong>do</strong>res e esperar que o paíssancionasse, como mais tar<strong>de</strong> sancionou, o seu ato.***O que autorizaria <strong>de</strong>pois uma nova reviravolta na política, que háquase sete anos dirige a nação? Falta <strong>de</strong> maioria nas Câmaras? Nunca ahouve. Falta <strong>de</strong> confiança na população? On<strong>de</strong> o jornalismo que combatea situação presente, a não ser um ou outro órgão movi<strong>do</strong> pela manivela<strong>do</strong> parti<strong>do</strong> fora <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r?***Mais justiça e menos paixão, meus senhores. O seu favoritismoperigoso está nas mesmas condições <strong>do</strong> seu po<strong>de</strong>r pessoal: não existe.***Chaman<strong>do</strong> ao po<strong>de</strong>r, como lhe indicara o senhor viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> RioBranco, o duque <strong>de</strong> Caxias, a coroa fez o que <strong>de</strong>veria ter feito, o que aConstituição lhe or<strong>de</strong>nava <strong>de</strong> fazer.***340


ARTIGOS DE IMPRENSATenha-se fé na honestida<strong>de</strong> e nas boas intenções <strong>do</strong> velho duque,na prática reconhecida <strong>do</strong> senhor <strong>de</strong> Cotegipe, no zelo, na boa vonta<strong>de</strong>e na inteligência <strong>do</strong>s senhores Tomás Coelho, Pereira Franco, JoséBento e Diogo Velho, os quais encetam a sua administração escuda<strong>do</strong>sna simpatia geral. Se eles, pelos seus atos, não dão motivo às iras <strong>do</strong>sadversá<strong>rio</strong>s, não seja isso razão para que se recorra ao favoritismoperigoso, atribuin<strong>do</strong>-se à coroa sentimentos <strong>de</strong> parcialida<strong>de</strong>, que ela nãotem agora, como jamais teve.Nemo99) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 407, pp. 328 e 329, 16 <strong>de</strong> outubro<strong>de</strong> 1875O negócio é mais sé<strong>rio</strong> <strong>do</strong> que to<strong>do</strong>s supunham. O Apóstolodá as cartas e, <strong>de</strong> tal forma, que nem o Conservató<strong>rio</strong> lhe resiste.É fácil adivinhar que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tal preâmbulo, tem esta crônicapor fim <strong>de</strong>dicar-se exclusivamente à magna questão <strong>do</strong> dia, a <strong>do</strong>slazaristas, questão até ontem <strong>de</strong>batida pela gran<strong>de</strong> <strong>imprensa</strong>, queentra hoje no <strong>do</strong>mínio da <strong>imprensa</strong> ilustrada e que será amanhãmais um borrão vergonhoso coloca<strong>do</strong> pela imprudência nas páginashistóricas da nossa polícia.***Não entraremos aqui na análise <strong>do</strong>s motivos que levaram OConservató<strong>rio</strong> a reprovar um drama, bem-aceito em Portugal e,segun<strong>do</strong> nos parece, já representa<strong>do</strong>, ou em via <strong>de</strong> representar-se, naItália e na Alemanha.Parece-nos, contu<strong>do</strong>, que, se O Conservató<strong>rio</strong> aprovou os Apóstolos<strong>do</strong> Mal, o Ganganelli e o Ju<strong>de</strong>u Errante, em razão alguma po<strong>de</strong>ria eleapoiar-se para reprovar os lazaristas. Em qualquer <strong>de</strong>sses dramas, aessência é a mesma, mesmíssimo é o fim. A forma, só a forma, é diversa.341


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOEntre jesuítas e lazaristas, que venha o diabo à escolha. Tu<strong>do</strong> é sotaina,tu<strong>do</strong> é ambição (por ora concentrada) <strong>de</strong> mais tar<strong>de</strong> dar leis ao mun<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong>é <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> espalhar a ignorância entre o povo para fazer um monopólio <strong>de</strong>ciência, perante o qual esse mesmo povo terá um dia <strong>de</strong> curvar-se.Bater, pois, essas instituições perniciosas, toleradas em algunspontos <strong>do</strong> universo, banidas <strong>de</strong> outros, é o <strong>de</strong>ver <strong>do</strong> homem que prezaa liberda<strong>de</strong> <strong>do</strong> pensamento, e mal-avisa<strong>do</strong>s (ou mesmo entregues àestranha influência) andam os que tentam pôr peias à exibição <strong>de</strong>trabalhos que, à imitação <strong>do</strong>s lazaristas, abrem os olhos aos incautos epõem <strong>de</strong> sobreaviso os próp<strong>rio</strong>s beatos.***O Brasil é um país novo, que carece <strong>de</strong> imigração, para um dia setornar gran<strong>de</strong>, forte e po<strong>de</strong>roso. A imigração, graças a muitos <strong>do</strong>s atos<strong>do</strong> ministé<strong>rio</strong> <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> março, aco<strong>de</strong> hoje aos nossos portos em lisonjeiraescala, e aco<strong>de</strong> voluntariamente, sem que seja preciso ir lá buscá-la, semque se <strong>de</strong>spenda um vintém no transporte <strong>de</strong> imigrantes.Se, porém, basea<strong>do</strong>s em fúteis puerilida<strong>de</strong>s lhe tolhermos a liberda<strong>de</strong> <strong>do</strong>pensamento, ou lhe apresentarmos espetáculos repugnantes como o que se <strong>de</strong>una quarta-feira às portas <strong>do</strong> teatro São Luiz, tu<strong>do</strong> quanto tem procura<strong>do</strong> estepaís hospitaleiro, na esperança <strong>de</strong> encontrar a liberda<strong>de</strong> nas suas mais sublimesmanifestações, voltará pelo mesmo caminho e dissuadirá <strong>de</strong> cá porem os pés osque tencionavam trazer-nos o contingente <strong>do</strong> seu braço ou da sua inteligência.***A nossa polícia não sabe fazer coisa alguma sem <strong>de</strong>rramar sangue. Éuma tristíssima verda<strong>de</strong>! Não queremos inculpar o senhor chefe nem osseus <strong>de</strong>lega<strong>do</strong>s, mas é fato averigua<strong>do</strong> que nada ela reprime, a nada põecobro sem emprego <strong>do</strong> sabre ou da baioneta.Se o ministro oficia ao chefe recomendan<strong>do</strong> a maior prudência, seeste faz verbalmente outro tanto aos subordina<strong>do</strong>s, a força esquece tu<strong>do</strong>e, apenas receben<strong>do</strong> or<strong>de</strong>m para conter ou dispersar cidadãos inermes,vai acutilan<strong>do</strong> sem dó nem consciência.***342


ARTIGOS DE IMPRENSAOs fatos <strong>de</strong> 13, tão asperamente censura<strong>do</strong>s pelo Jornal <strong>do</strong>Commercio, pelo O Globo, pela Gazeta <strong>de</strong> Notícias, pela A Reformae por quantos assistiram ao que se <strong>de</strong>u às portas <strong>do</strong> teatro São Luiznaquela noite, teriam <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> <strong>de</strong> existir se, refletin<strong>do</strong> um poucosobre suas consequências, o senhor chefe se limitasse a or<strong>de</strong>nar quea Socieda<strong>de</strong> Regeneração mandasse afixar a todas as portas <strong>do</strong> teatroa suspensão <strong>do</strong> espetáculo; se sua excelência, dada e executada essaor<strong>de</strong>m, prescindisse <strong>do</strong> aparato bélico que cercava o teatro e suasimediações, provocan<strong>do</strong> a cu<strong>rio</strong>sida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quantos passavam; se suaexcelência, não aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> um momento, já que ali mandara a força,o seu posto <strong>de</strong> honra, tivesse impedi<strong>do</strong> as cenas <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadas que seussubalternos <strong>de</strong>sempenharam em plena rua e em pleno <strong>de</strong>speito <strong>do</strong>senso comum.***À frente <strong>do</strong> governo acham-se homens <strong>de</strong> préstimo e <strong>de</strong> boasintenções. Apelamos para eles, apelamos especialmente para osenhor <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Cotegipe, estadista prático e inteligente. Evitemeles que <strong>de</strong> um argueiro se faça um cavaleiro; que por causa <strong>de</strong> umarepresentação particular se dê azo a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns que comprometam asinstituições vigentes.O Po<strong>de</strong>r Executivo é tu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong>, ainda nas mais pequenas questões,é escuda<strong>do</strong> pela opinião pública; é nada quan<strong>do</strong> vai <strong>de</strong> encontro a essalegítima soberana <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, na frase expressiva <strong>de</strong> um ora<strong>do</strong>r italiano,cujo nome não nos ocorre agora.Nemo100)Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 408, pp. 340 e 341, 23 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1875O Apóstolo e o presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Conservató<strong>rio</strong>343


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOSob título “Ainda o conflito lazarista”, publica o órgão clerical <strong>de</strong> 20<strong>do</strong> corrente um artigo no qual o conselheiro João Car<strong>do</strong>so, elogia<strong>do</strong> peloseu veto aos lazaristas, é censura<strong>do</strong> pelas suas i<strong>de</strong>ias antiultramontanas.Discutamos estas duas apreciações: o elogio e a censura.Homem ilustra<strong>do</strong>, verda<strong>de</strong>iramente amigo <strong>do</strong> seu país, ao qual tempresta<strong>do</strong> serviços dignos <strong>de</strong> menção, o conselheiro João Car<strong>do</strong>so foi,relativamente ao veto <strong>do</strong>s lazaristas, um homem timorato.As consequências previstas por sua excelência não tinham razão <strong>de</strong>ser em um país como o nosso, on<strong>de</strong> a ín<strong>do</strong>le pacífica <strong>de</strong> seus habitantesé por <strong>de</strong>mais conhecida, on<strong>de</strong> as exaltações não existem e on<strong>de</strong> osacontecimentos da véspera são facilmente esqueci<strong>do</strong>s no dia seguinte.Embora O Apóstolo leve até as nuvens o ato <strong>de</strong> sua excelência, isto é, aproibição <strong>do</strong> drama, não será nesse terreno que ele logrará chamar sobrea cabeça <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Conservató<strong>rio</strong> as bênçãos da população.Representa<strong>do</strong> o drama e satisfeita a cu<strong>rio</strong>sida<strong>de</strong> pública – que facilmentese satisfaria em duas ou três representações –, o drama teria assim passa<strong>do</strong>sem observação especial e caí<strong>do</strong> nos abismos <strong>do</strong> esquecimento.O veto, as cenas <strong>de</strong> 13 e 14, e tu<strong>do</strong> quanto com ele e elas se relaciona,vieram <strong>de</strong> mol<strong>de</strong> para promover a venda <strong>do</strong> drama impresso. Exposto emtodas as lojas <strong>de</strong> livros e apregoa<strong>do</strong> por todas as ruas, o folheto tem ti<strong>do</strong>enorme extração. À exibição em cena po<strong>de</strong>riam assistir <strong>de</strong> <strong>do</strong>is a trêsmil especta<strong>do</strong>res; a leitura... essa será hoje feita por centenas <strong>de</strong> milhares<strong>de</strong> pessoas. A sensação que o drama po<strong>de</strong>ria causar, se representa<strong>do</strong>,passava em pouco tempo; a da leitura prolongar-se-á in<strong>de</strong>finidamente,pois a cada instante se po<strong>de</strong> repetir.Queren<strong>do</strong> evitar o mal, se mal é, limita<strong>do</strong>, <strong>de</strong>u-lhe oConservató<strong>rio</strong> um <strong>de</strong>senvolvimento incalculável. Eis comopensamos acerca <strong>do</strong> veto. Voltan<strong>do</strong>-nos agora para a <strong>de</strong>claração,<strong>de</strong>snecessária, das i<strong>de</strong>ias antiultramontanas <strong>de</strong> sua excelência, emque pese a O Apóstolo, não po<strong>de</strong>mos furtar-nos ao <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> apertarcordialmente a mão <strong>do</strong> tradutor <strong>de</strong> Jocelyn. Nem <strong>de</strong> outra sortepo<strong>de</strong>ria pensar o homem que lê, que estuda e que passa entre oslivros as horas vagas <strong>do</strong> labor diá<strong>rio</strong>.Não sabemos se, como diz O Apóstolo, esse homem lucraria algumacoisa, em relação à <strong>do</strong>utrina católica, conhecen<strong>do</strong> o redator <strong>de</strong> O Apóstolo,<strong>de</strong> cujos sentimentos generosos e humanitá<strong>rio</strong>s etc. Se se trata <strong>do</strong> catecismo,é <strong>de</strong> se supor que sua excelência o apren<strong>de</strong>sse na escola <strong>de</strong> primeiras letras. E344


ARTIGOS DE IMPRENSAa não ser isso, ou umas preleções <strong>do</strong> Syllabus romano, não sei em que outramatéria possa aproveitar a alguém o conhecimento <strong>do</strong> redator <strong>de</strong> O Apóstolo.Nemo101) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 410. pp. 356 e 357, 6 <strong>de</strong> novembro<strong>de</strong> 1875TeatricesClassificam os mestres <strong>de</strong> fenomenal a voz <strong>de</strong> contralto. Talclassificação é baseada na rarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vozes <strong>de</strong>sse gênero e na abundância<strong>do</strong>s sopranos, voz própria da mulher. O contralto, portanto – quan<strong>do</strong>legítimo, quan<strong>do</strong> puro –, é alvo da admiração pública e <strong>de</strong>sperta nosauditó<strong>rio</strong>s não vulgar predileção nem menor entusiasmo.O que se está dan<strong>do</strong> agora no teatro <strong>do</strong> senhor Arnaud com a senhoritaVanda, a estreante <strong>de</strong>stas últimas noites – esses aplausos rui<strong>do</strong>sos, aexigência <strong>do</strong> bis a todas as estrofes finais <strong>de</strong> qualquer romance, ouaos couplets <strong>de</strong> qualquer cançoneta –, justifica-se perfeitamente, seaten<strong>de</strong>rmos a que jamais ouvira o público na sala <strong>do</strong> Alcazar uma vozdaquele gênero, tão volumosa, tão homogênea e tão simpática.No entanto, não é só na voz que o mérito da senhorita Vanda consiste:alma, sentimento, dicção pura, arte no mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> tomar a respiração semque a sílaba seja cortada e muita inteligência na diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênerosrelativos aos trechos até hoje por ela canta<strong>do</strong>s (são qualida<strong>de</strong>s que,a<strong>do</strong>rnan<strong>do</strong>-a em tão ver<strong>de</strong>s anos, dificilmente se encontram reunidasmesmo nas cantoras provetas). É fácil cantar, é difícil cantar bem.A aquisição, pois, <strong>do</strong> senhor Arnaud não podia ser melhor. O talento dasenhorita Vanda, aproveita<strong>do</strong> no travesti da ópera-bufa, promete realce a certospapéis que até hoje haviam passa<strong>do</strong> quase <strong>de</strong>spercebi<strong>do</strong>s. A sua linda voz eo seu porte garboso, elegante e, sobretu<strong>do</strong>, senhoril dão à parte concertante –conhecida sob o nome <strong>de</strong> intermédios – uma importância real e legítima.Em relação à ópera-bufa, o futuro se encarregará <strong>de</strong> justificar as minhas345


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOapreciações; em relação à parte concertante, é fácil apelar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já para osaplausos que a estreante tem colhi<strong>do</strong> sempre que se apresenta em cena.***Em benefício da senhorita Suzanne Castera, aquela senhora Suzanneque tem <strong>do</strong>is carros, quatro cavalos e não sei quantos milhões <strong>de</strong>admira<strong>do</strong>res, teremos na próxima segunda-feira, na cena <strong>do</strong> Alcazar, umespetáculo variadíssimo e cheio <strong>de</strong> atrativos; espetáculo que se recomendapor si e a que o público correrá em massa, porque a casta Diva, prometen<strong>do</strong>ficar quietinha, promete também coisas <strong>do</strong> arco da velha para essa noite.Apressem-se, pois, para comprar ingresso os para os espetáculos a que<strong>de</strong>sejarem assistir e para marcar lugar os que não <strong>de</strong>sejarem ficar <strong>de</strong> pé.***Logo em seguida a esse benefício, nos dará o menino Dangremont,na sala <strong>do</strong> teatro Imperial, um concerto a que não po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong>assistir essa parte <strong>do</strong> público mais propensa ao belo, na rigorosa acepçãoda palavra. Talento notável, um verda<strong>de</strong>iro prodígio no instrumento aque se <strong>de</strong>dicou – a rabeca –, o menino Dangremont dá este concerto naesperança <strong>de</strong> obter os meios precisos para ir estudar na Europa o poucoque lhe falta para ser um artista <strong>de</strong> elite.Animá-lo, pois, tem louvável aspiração. Concorrer para que no velhocontinente se faça uma i<strong>de</strong>ia sobremo<strong>do</strong> lisonjeira <strong>do</strong>s talentos sul-americanosé <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> quantos prezam a arte, o progresso e a sua própria nacionalida<strong>de</strong>.O menino Dangremont será coadjuva<strong>do</strong> pelo jovem pianistaMesquita, outra criança <strong>de</strong> não menor vocação nem menor talento paraa arte, a qual tão distintos representantes conta já no Brasil.Nemo346


ARTIGOS DE IMPRENSA102) A NaçãoJornal político, comercial e literá<strong>rio</strong>Ano IV, número 246, sába<strong>do</strong>, 13 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1875A naçãoColaborávamos ativamente para este jornal quan<strong>do</strong>, em 6 <strong>de</strong>setembro <strong>de</strong> 1873, ten<strong>do</strong> o reveren<strong>do</strong> senhor padre João Manoel <strong>de</strong>Carvalho, nosso ilustre amigo, resolvi<strong>do</strong> <strong>de</strong>ixar a direção política queestava a seu cargo, fomos leva<strong>do</strong>s a tomar aos ombros essa tarefa.A consciência diz-nos que, em meio da agitação política <strong>de</strong>stesúltimos anos, procuramos servir com esforço, <strong>de</strong>dicação e <strong>de</strong>sinteressea causa pública e a <strong>do</strong> nosso parti<strong>do</strong>.Não esperávamos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito, como por vezes temos anuncia<strong>do</strong>,senão oportuno ensejo para passar a mãos mais hábeis a responsabilida<strong>de</strong><strong>de</strong> que tão dificilmente nos <strong>de</strong>sempenhamos.Nosso <strong>de</strong>sejo po<strong>de</strong> ser agora realiza<strong>do</strong>. A partir <strong>de</strong> hoje só nos ligama A Nação os votos ar<strong>de</strong>ntes que sinceramente fazemos por sua larga epróspera existência.Ao <strong>de</strong>ixar esta posição, que aceitamos e em que nos mantivemos porinstâncias reiteradas <strong>de</strong> ilustres amigos, não nos resta senão agra<strong>de</strong>cer-lhesa confiança e as mostras <strong>de</strong> simpatia com que nos honraram, e, ao Parti<strong>do</strong>Conserva<strong>do</strong>r, representa<strong>do</strong> nessa ativa <strong>imprensa</strong> das províncias que dia por dianos <strong>de</strong>u o exemplo da mais nobre <strong>de</strong>dicação à causa comum, o constante apoioque se dignou dispensar-nos.F. L. <strong>de</strong> Gusmão LoboJ. M. da Silva Paranhos347


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO103) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 411, pp. 364 e 365, 13 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1875TeatricesOra, pois, viva lá a senhora Suzana Castera. Não é mulher aquilo, é umdiabrete. Qual o ministro plenipotenciá<strong>rio</strong> que a vence em diplomacia? Qualo especta<strong>do</strong>r que não fica <strong>de</strong> queixo caí<strong>do</strong> perante a exibição da Chave? Qualo rapaz que não sente cócegas nas palmas das mãos ao vê-la em cena? Qual ovelho que <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> saborear gostosa pitada após os requebros da senhorita X?***Todas estas interrogações têm fácil e afirmativa resposta para osque, na noite <strong>de</strong> 8, mesmo a troco <strong>de</strong> 10 mil réis (o que é salgadinho),conseguiram assistir ao benefício da diva.***Aquilo é que foi festa! ! ! ! ! ! (Ponho aqui estes pontos <strong>de</strong>admiração, para que o leitor fique em pasmaceira, enquanto sorvo umapitada... Agora que o leitor já se admirou suficientemente e eu consoleias narinas, vulgo ventas, vamos à coisa.)***São 20h. Lugares na plateia e nas galerias <strong>do</strong> Alcazar – fogo vistelinguiça * . Tu<strong>do</strong> está ocupa<strong>do</strong> por mortais <strong>de</strong> ambos os sexos, ou por lenços <strong>de</strong>várias cores. Mestre Lefay, graças à quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> flores que o circundam e àsjoias que tem pela frente, assume as proporções <strong>de</strong> um florista, sem gran<strong>de</strong>s<strong>de</strong>sdéns pelo comércio da bijuteria. Reina o aperto, ferve a impaciência, e osub<strong>de</strong>lega<strong>do</strong> sonha com coisas tristes e prevê cenas aterra<strong>do</strong>ras.De repente, sobe o pano. Entra o capitão Fortunato sob as vestes dasenhora Suzana (não é isto – troque o leitor os nomes e verá como tu<strong>do</strong> fica*“Fogo viste linguiça” significa em um instante, em um átimo (Cf. VIOTTI, Manuel. Novo dicioná<strong>rio</strong> dagíria brasileira. São Paulo: Ind. Gráfica Bentivegna, 1956). (N. E.)348


ARTIGOS DE IMPRENSAdireitinho) e a ovação começa. Ele é chuva <strong>de</strong> ouro, ele é chuva <strong>de</strong> rosas, eleé chuva <strong>de</strong> flores em buquês, ele é passarinhos a esvoaçarem pelo espaço,ele é pombinhos a cair lá <strong>de</strong> cima ele é... ele é uma ovação estron<strong>do</strong>sa!Como se está ven<strong>do</strong>, houve <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> e para to<strong>do</strong>s! Para to<strong>do</strong>s, sim, senhor,porque até a senhora Clara, aquela rechonchuda senhora Clara, abichou <strong>do</strong>ispombinhos, que ela só promete guarnecer <strong>de</strong> ervilhas quan<strong>do</strong> voltar para Paris.***Cantaram a senhorita Rose Marie e a senhorita Belia, cada umadas quais ofereceu à senhorita Suzana um colossal ramo <strong>de</strong> flores <strong>de</strong>penas e um lin<strong>do</strong> bracelete <strong>de</strong> valor. Representou-se o Nhô Quim paraeternizar ainda mais as glórias da beneficiada e <strong>do</strong> senhor Martins, e anoite terminou, segun<strong>do</strong> consta, por esplêndida ceia, oferecida, ainda,pela senhorita Suzana aos artistas que a haviam coadjuva<strong>do</strong>. Depois <strong>de</strong>tu<strong>do</strong> isso só resta dizer que a senhorita Suzana fait bien les choses * .***Justifica-se <strong>de</strong> noite para noite a ótima aquisição <strong>do</strong> tenor Desroches e<strong>de</strong> senhorita Vanda. Cantan<strong>do</strong> ora a ária da Juive, a que imprime o cunhorequeri<strong>do</strong> pela música séria, ora o Coupé <strong>de</strong> Lise, uma cançoneta cheia <strong>de</strong>graça e malícia, o senhor Desroches tem sabi<strong>do</strong> tornar-se o enfant gaté **<strong>do</strong> público. A senhorita Vanda é sempre ouvida e vista com prazer.***Na Giroflé estrearam mais <strong>do</strong>is artistas franceses: o senhorFontenelle, barítono, e a senhorita Marie Tissé, que, embora disponha<strong>de</strong> limitada voz, diz bem, junta a tu<strong>do</strong> quanto faz na cena uma graçainimitável e possui uns olhos... Também apenas ela os prolonga pelaplateia, dan<strong>do</strong>-lhes a expressão inerente à frase que está recitan<strong>do</strong> nacena, é para ver como os choques elétricos se suce<strong>de</strong>m!****Faz bem as coisas. (N. E.)**O menino mima<strong>do</strong>. (N. E.)349


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOOs outros teatros vão em maré <strong>de</strong> sucesso:As duas órfãs, no São Luiz – sucesso.A Giralda e Giraldinha, na Phenix – sucesso.O Chodruc Duclos, no São Pedro – sucesso.O senhor con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Castiglione, no Dom Pedro II – sucesso.Quanto sucesso, santo Deus!Nemo104) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 413, pp. 376 e 377, 27 <strong>de</strong> novembro<strong>de</strong> 1875TeatricesTêm o Jornal <strong>do</strong> Commercio e a Gazeta <strong>de</strong> Notícias, em <strong>artigos</strong>especiais, chama<strong>do</strong> a atenção das autorida<strong>de</strong>s competentes para acarestia <strong>do</strong>s gêneros <strong>de</strong> primeira necessida<strong>de</strong>.Pon<strong>do</strong>, porém, ao soalheiro esta questão, nenhum <strong>de</strong>sses conceitua<strong>do</strong>sórgãos da <strong>imprensa</strong> diária lembra alvitre a tomar-se para que a crisealimentícia <strong>de</strong>sapareça e difícil se torne a sua presença no futuro.***Fazen<strong>do</strong> suas em gran<strong>de</strong> parte as reflexões <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is órgãossupracita<strong>do</strong>s, acrescenta O Globo:É fato incontestável que a população da capital <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> acha-se hoje oprimida poruma verda<strong>de</strong>ira crise alimentícia, não porque faltem abastecimentos abundantes <strong>do</strong>sgêneros necessá<strong>rio</strong>s à vida, mas por abuso <strong>de</strong> monopólio e por odiosa especulação àcusta da miséria pública.Tais são, pelo menos, as causas a que o povo atribui às privações e aos sofrimentosque está suportan<strong>do</strong>.O assunto é importante e por mais <strong>de</strong> uma vez temos nós também solicita<strong>do</strong> aatenção <strong>do</strong>s Po<strong>de</strong>res Públicos.350


ARTIGOS DE IMPRENSAIgnoran<strong>do</strong>, porém, quais sejam os trâmites regulares por que tenha <strong>de</strong> passareste <strong>de</strong>lica<strong>do</strong> negócio e por que canais competentes <strong>de</strong>va transitar a queixa dapopulação, mal ousamos esperar que o sofrimento público tenha pronto remédio.Se a capital <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> tivesse Câmara Municipal ou se, ten<strong>do</strong>-a, tivesse esta aseu turno verea<strong>do</strong>res, representantes imediatos <strong>do</strong> povo, talvez que nos fosse fácil<strong>de</strong>scobrir o canal e chegar à solução que remediasse o sofrimento da população.***Os trâmites pelos quais tem <strong>de</strong> passar este <strong>de</strong>lica<strong>do</strong> negócio, eos canais pelos quais <strong>de</strong>ve transitar a queixa da população, isto é, aautorida<strong>de</strong> competente para obviar o mal é, entre nós, o governo.***Não sei em que ano, nem me ocorre agora sob que ministé<strong>rio</strong>, se <strong>de</strong>ucrise idêntica àquela que hoje ameaça flagelar-nos. O que sei <strong>de</strong> positivoé que o ministro competente, o <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>, chamou os negociantes<strong>de</strong> ga<strong>do</strong> para a corte, man<strong>do</strong>u vir a sua presença os proprietá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong>sprincipais açougues da capital e, sem lhes pedir que baixassem o preçoda carne, cuja carestia só seria justificada por in<strong>de</strong>coroso monopólio,preveniu-os <strong>de</strong> que o governo estava na firme resolução <strong>de</strong> abrir, por suaconta, o número <strong>de</strong> açougues preciso para fornecer por preço normal aquantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> carne exigida pelo consumo da cida<strong>de</strong>.***Por tal sorte aproveitou a lição que, <strong>do</strong>is dias <strong>de</strong>pois, a carne voltava a seupreço razoável sem que o governo se <strong>de</strong>sse incômo<strong>do</strong> <strong>de</strong> abrir um só açougue.***Essa louvável medida, que os especula<strong>do</strong>res <strong>de</strong> então classificaram<strong>de</strong> arbít<strong>rio</strong>, sem lembrarem que não há arbít<strong>rio</strong>s nas resoluções <strong>de</strong>qualquer governo pronto a aten<strong>de</strong>r às justas queixas <strong>de</strong> uma populaçãointeira, se por um la<strong>do</strong> <strong>de</strong>bela o mal, não impe<strong>de</strong>, por outro, que eletorne a aparecer mais tar<strong>de</strong>.***351


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOEm algumas nações europeias, as questões que interessam <strong>de</strong> pertoà alimentação <strong>do</strong> povo acham-se, <strong>de</strong> fato e <strong>de</strong> direito, sob a alçada dasmunicipalida<strong>de</strong>s. Estas, por uma espécie <strong>de</strong> arrematação anual, conce<strong>de</strong>maos que mais vantagens oferecem o direito <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r carne pelo preço a quese obrigaram no contrato. Não impe<strong>de</strong> isso que muitos outros a vendamtambém. O que ninguém po<strong>de</strong> é alterar o preço estipula<strong>do</strong> para aquele ano.***Dá-se muitas vezes que os negociantes, por circunstâncias anormais,não po<strong>de</strong>m cumprir o contrato. As municipalida<strong>de</strong>s chamam então asi o negócio e, se a carestia provém <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> ga<strong>do</strong> no país, obtêmimediatamente <strong>do</strong> governo a isenção <strong>de</strong> direitos ou a livre-entrada parao ga<strong>do</strong> estrangeiro <strong>de</strong> que se carecer.***Desta sorte, não há crise, e o povo vive sempre ao abrigo <strong>do</strong> monopólioescandaloso, feito por aqueles que, ten<strong>do</strong> em vista somente a sua fortunaparticular, não duvidam aumentá-la, mesmo à custa da miséria pública.Nemo105) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 414, p.384, 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1875Foi <strong>de</strong> festas a semana. O aniversá<strong>rio</strong> <strong>do</strong> chefe da nação, o batiza<strong>do</strong> <strong>do</strong>príncipe <strong>do</strong> Grão-Pará e a abertura da exposição arrancaram a cida<strong>de</strong> da suahabitual indiferença e ofereceram assunto a longas e variadas palestras.***O aniversá<strong>rio</strong> <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r é sempre motivo <strong>de</strong> júbilo e <strong>de</strong> orgulhopara os brasileiros. Ven<strong>do</strong> no senhor <strong>do</strong>m Pedro II o penhor mais caro <strong>de</strong>352


ARTIGOS DE IMPRENSAsua prosperida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> sua paz interna, a nação regozija-se com todas asdatas memoráveis da vida <strong>do</strong> seu soberano e cobre-se <strong>de</strong> galas.Bem o merece ele: bem merece tais manifestações o monarca que,dispon<strong>do</strong> <strong>de</strong> vasta inteligência, profunda ilustração e arraiga<strong>do</strong> pat<strong>rio</strong>tismo,tem sabi<strong>do</strong> governar o país sem contrarieda<strong>de</strong>s, salvan<strong>do</strong> as instituiçõessempre que as vê ameaçadas e concorren<strong>do</strong> para que to<strong>do</strong>s gozemos <strong>de</strong> umaliberda<strong>de</strong> que é inveja pela maior parte das nações <strong>do</strong> velho e novo mun<strong>do</strong>.A Vida Fluminense, associan<strong>do</strong>-se aos outros órgãos da <strong>imprensa</strong>,saúda a seu turno o impera<strong>do</strong>r.***A não ser a chuva, que tirou a cerimônia <strong>do</strong> batiza<strong>do</strong> <strong>de</strong> seubrilhantismo exte<strong>rio</strong>r, po<strong>de</strong> afoitamente dizer-se que poucas festas têminspira<strong>do</strong> tanta cu<strong>rio</strong>sida<strong>de</strong> a nossa população. É que, além <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> quanto<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iramente novo havia na capela imperial, a cida<strong>de</strong> inteira <strong>de</strong>sejavaassistir ao batiza<strong>do</strong> <strong>do</strong> príncipe, que é já garantia <strong>de</strong>sse sistema <strong>de</strong> governo,que os homens bem-intenciona<strong>do</strong>s não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> aplaudir.***Na página central da folha <strong>de</strong> hoje, encontrarão os nossos assinantesum primoroso <strong>de</strong>senho (<strong>do</strong> senhor Luiz Borgomaine<strong>rio</strong>), representan<strong>do</strong>a cerimônia <strong>do</strong> batiza<strong>do</strong> tal qual se <strong>de</strong>u.O croquis <strong>de</strong>sse trabalho foi feito na capela imperial durantea cerimônia. Garantimos por isso a sua rigorosíssima fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> efelicitamos o artista, que, afastan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> <strong>de</strong>senho humorístico, suaespecialida<strong>de</strong>, mostra hoje, no trabalho da página central, digna <strong>de</strong>qualquer ilustração europeia, outra face <strong>do</strong> seu brilhante talento.***Da exposição, a que atualmente concorre gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong>nacionais e estrangeiros, falaremos no próximo sába<strong>do</strong>.***353


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOPor entre estas festas, uma notícia triste veio encher <strong>de</strong> luto ocoração <strong>do</strong>s brasileiros. Vítima <strong>de</strong> uma congestão cerebral, o viscon<strong>de</strong><strong>de</strong> Camaragibe (fidalgo cavaleiro da Casa Imperial, gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>,grã-cruz da Or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Nosso Senhor Jesus Cristo e comenda<strong>do</strong>r da RealOr<strong>de</strong>m Portuguesa da Conceição <strong>de</strong> Vila Viçosa) <strong>de</strong>u a alma ao cria<strong>do</strong>r,<strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> inconsoláveis seus amigos e o parti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que era um <strong>do</strong>s maisprestimosos chefes.Como acertadamente no-lo diz A Nação: “A pátria o lembrará comoum cidadão eminentemente útil; e o Parti<strong>do</strong> Conserva<strong>do</strong>r, como uma <strong>de</strong>suas glórias tradicionais.”Nemo106) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 416, pp. 400 e 401, 18 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<strong>de</strong> 1875Copio <strong>do</strong> número 413 da Vida Fluminense os <strong>do</strong>is trechos seguintes,publica<strong>do</strong>s na sua Crônica <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> novembro:1 o Não sei em que ano, nem me ocorre agora sob que ministé<strong>rio</strong>, se <strong>de</strong>u criseidêntica àquela que hoje ameaça flagelar-nos. O que sei <strong>de</strong> positivo é que o ministrocompetente, o <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>, chamou os negociantes <strong>de</strong> ga<strong>do</strong> para a corte, man<strong>do</strong>u vira sua presença os proprietá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong>s principais açougues da capital e, sem lhes pedirque baixassem o preço da carne, cuja carestia só seria justificada por in<strong>de</strong>corosomonopólio, preveniu-os <strong>de</strong> que o governo estava na firme resolução <strong>de</strong> abrir, por suaconta, o número <strong>de</strong> açougues preciso para fornecer por preço normal a quantida<strong>de</strong><strong>de</strong> carne exigida pelo consumo da cida<strong>de</strong>.2 o Dá-se muitas vezes que os negociantes, por circunstâncias anormais, nãopo<strong>de</strong>m cumprir o contrato. As municipalida<strong>de</strong>s chamam então a si o negócioe, se a carestia provém <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> ga<strong>do</strong> no país, obtêm imediatamente <strong>do</strong>governo a isenção <strong>de</strong> direitos ou a livre-entrada para o ga<strong>do</strong> estrangeiro <strong>de</strong>que se carecer.354


ARTIGOS DE IMPRENSAPara os que leram a crônica da qual copio os <strong>do</strong>is tópicos ante<strong>rio</strong>res,é inútil acrescentar que se trata da palpitante questão da atualida<strong>de</strong>, maisconhecida pelo nome <strong>de</strong> crise alimentícia.***Não sei se as reflexões que fiz então, se a crônica a que alu<strong>do</strong> foi ounão lida nas altas regiões <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. O que não sofre dúvida é que asmedidas nela lembradas acham-se hoje em execução.O governo imperial não só estabeleceu já alguns armazéns, on<strong>de</strong> a carneseca é retalhada a preços razoáveis, mas também até isentou <strong>de</strong> direitos aimportação <strong>do</strong> ga<strong>do</strong> vacum e lanígero que nos possa vir <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da Prata.***Dan<strong>do</strong>, por tal sorte, em terra com o monopólio – cujas consequênciaspo<strong>de</strong>riam ser <strong>de</strong>sastrosas nesta época em que a <strong>de</strong>sconfiança faz escassearo dinheiro –, o governo e, especialmente o senhor <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Cotegipe,<strong>de</strong>u provas <strong>de</strong> sua energia, <strong>de</strong> suas boas intenções e <strong>do</strong> muito que toma apeito as questões a que se acha preso o bem-estar <strong>do</strong> povo.***É justo que o negociante tire <strong>do</strong> seu comércio os proventos <strong>de</strong>que carece para fazer face aos seus empenhos; no entanto, sem razãoplausível, servin<strong>do</strong>-se da sua influência ou <strong>do</strong> seu dinheiro, quemonopolize gêneros <strong>de</strong> primeira necessida<strong>de</strong> para só os ce<strong>de</strong>r ao povo atroco <strong>de</strong> avulta<strong>do</strong>s lucros, é ação a que to<strong>do</strong>s os governos põem cobro –entran<strong>do</strong> logo em uma concorrência que esmaga por força o monopólio.Que ele existe atualmente no merca<strong>do</strong> da carne seca, prova-o a facilida<strong>de</strong>com que algumas casas se apressaram em regular o preço da carne pelo queo governo estabeleceu para o seu armazém na rua Sete <strong>de</strong> Setembro.Se esta medida já nos <strong>de</strong>u carne seca em boas condições <strong>de</strong> preço, é<strong>de</strong> se esperar que a livre-introdução <strong>de</strong> ga<strong>do</strong> vacum e lanígero <strong>do</strong> <strong>rio</strong> daPrata nos dê em breve carne fresca em idênticas condições.***355


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOEm vista, pois, <strong>do</strong> que ante<strong>rio</strong>rmente foi dito e <strong>de</strong> que tu<strong>do</strong> quanto a<strong>imprensa</strong> justa e imparcial tem expendi<strong>do</strong> sobre tal assunto, dirijo sincerasfelicitações ao senhor <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Cotegipe, ao senhor ministro <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> e ato<strong>do</strong>s quantos concorrem para o bem-estar <strong>do</strong> povo nesta época em que, mais<strong>do</strong> que nunca, ele carece <strong>de</strong> quem olhe seriamente pelas suas necessida<strong>de</strong>s.Nemo107) A Vida FluminenseCrônicaRio <strong>de</strong> Janeiro, ano VIII, número 417, pp. 408 e 409, 25 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<strong>de</strong> 1875Está resolvida a questão da crise alimentícia. Às acertadas e prontasmedidas <strong>do</strong> governo, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a Câmara Municipal e com o <strong>do</strong>utorchefe <strong>de</strong> polícia, <strong>de</strong>ve a população da corte o não ter i<strong>do</strong> por diante um esta<strong>do</strong><strong>de</strong> coisas pouco satisfató<strong>rio</strong>, especialmente para as classes menos abastadas.A crise <strong>de</strong>sapareceu, pois, assim como a pronta emissão <strong>do</strong>s 25 milcontos <strong>do</strong> ministé<strong>rio</strong> <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> março fizera <strong>de</strong>saparecer a que ameaçoulevar à ruína uma gran<strong>de</strong> parte <strong>do</strong>s nossos estabelecimentos <strong>de</strong> crédito.Vê-se daqui que o gabinete <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> julho cura seriamente dasnecessida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> povo e faz tanto quanto lhe é possível para merecer ajusta confiança que o país nele <strong>de</strong>posita.***Assim também o senhor <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Schreiner <strong>de</strong>positasse mais algumaconfiança nas nossas coisas e nos poupasse mais nos seus relató<strong>rio</strong>s.Não vai nisto censura a sua excelência, em quem não é possível suporintenções hostis a um país que recebe a to<strong>do</strong>s <strong>de</strong> braços abertos: vai apenaso <strong>de</strong>sabafo <strong>de</strong> um ligeiro ressentimento a que não foi possível fugirmosante a leitura <strong>do</strong>s <strong>de</strong>bates que, na <strong>imprensa</strong>, o seu relató<strong>rio</strong> ocasionou.***356


ARTIGOS DE IMPRENSAE vai <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates a época. Ainda agora, tratan<strong>do</strong> <strong>do</strong> último concertoda socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> música clássica, O Globo achou tu<strong>do</strong> excelente, ao passoque a Gazeta falou em senões. Nascerá daí um <strong>de</strong>bate? Por que não?Por uma <strong>de</strong>ssas contrarieda<strong>de</strong>s a que não é possível fugir, não assistiao concerto em questão. Sei que foi numerosa a concorrência e que suasmajesta<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ram, com a sua presença, a importância a que aquela festatinha direito.No entanto, se o concerto correu tão bem, como O Globo nos assevera,ou no meio <strong>do</strong>s senões aponta<strong>do</strong>s pela Gazeta, é isso questão sobre a qualnão posso emitir voto. Não me cansarei, entretanto, <strong>de</strong> aplaudir a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>ssesconcertos e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejar <strong>do</strong> fun<strong>do</strong> da alma que ela se propague entre nós.***Já que falei em música, vem aqui a propósito dizer que o tenor Lelmi,chega<strong>do</strong> há dias <strong>do</strong> <strong>rio</strong> da Prata, propõe-se a dar-nos para o próximoinverno uma estação teatral digna da nossa civilização. Depen<strong>de</strong> issoapenas <strong>de</strong> uma assinatura, que lhe forneça os meios <strong>de</strong> ir à Itália buscar acompanhia e enten<strong>de</strong>r-se com o maestro Carlos Gomes sobre a exibição<strong>de</strong> suas recentes produções, das quais até hoje só conhecemos um ou outrotrecho para canto e piano.***Na Aca<strong>de</strong>mia das Belas Artes fez-se exposição <strong>do</strong>s trabalhos <strong>de</strong>seus alunos e a distribuição <strong>do</strong>s respectivos prêmios. Ao nosso amigoRo<strong>do</strong>lpho Bernar<strong>de</strong>lli couberam as honras da exposição. Ganhou-ascom o seu talento, manifesta<strong>do</strong> em a sua nova estátua, À Espreita, querevela muito estu<strong>do</strong> e muita aplicação.Sua majesta<strong>de</strong> o impera<strong>do</strong>r, visitan<strong>do</strong> a aca<strong>de</strong>mia, dirigiufelicitações ao novel artista. Imite-o o governo, proporcionan<strong>do</strong> àqueletalento já tão eleva<strong>do</strong> os meios <strong>de</strong> ver bons exemplos e <strong>de</strong> dar largas àsua imaginação cria<strong>do</strong>ra.Não são exagera<strong>do</strong>s os elogios que faço e que fazem ao moçoartista. Vão ver-lhe a nova estátua e consi<strong>de</strong>rem que Bernar<strong>de</strong>lli, para<strong>de</strong>dicar-se ao cultivo daquela arte, dispõe apenas <strong>de</strong> poucas horas, sen<strong>do</strong>obriga<strong>do</strong>, para não pesar à proteção estranha, a exercer as funções <strong>de</strong>357


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOviolino em um teatro, cujas representações todas as noites e ensaiostodas as manhãs consomem a maior parte <strong>de</strong> seu tempo.***Termina a minha missão hoje e Nemo morre com a Vida Fluminense.Antes, porém, <strong>de</strong> exalar o último suspiro, cumpre um <strong>de</strong>ver sagra<strong>do</strong>neste tempo obriga<strong>do</strong> a festas – dá-as a to<strong>do</strong>s os seus leitores.Nemo108) Jornal <strong>do</strong> ComercioRio <strong>de</strong> Janeiro, 29 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1888. Seção Exte<strong>rio</strong>rA abolição da escravidão no Brasil *Des<strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> maio não há mais escravos no Brasil. Abriu-se oParlamento a 3 <strong>de</strong> maio e, logo a 8 <strong>do</strong> mesmo mês, foi para esse fimapresentada à Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s uma proposta pelo novo gabinete,<strong>de</strong> que é chefe o conselheiro João Alfre<strong>do</strong> Corrêa <strong>de</strong> Oliveira. Dois dias<strong>de</strong>pois, a proposta <strong>do</strong> governo foi aprovada pela referida Câmara, ten<strong>do</strong>apenas contra si nove votos, sen<strong>do</strong> <strong>de</strong> 125 a totalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s.Passan<strong>do</strong> a ser discuti<strong>do</strong> no Sena<strong>do</strong>, foi li<strong>do</strong> o projeto pela última vez eaprova<strong>do</strong> na sessão <strong>de</strong> <strong>do</strong>mingo 13 <strong>de</strong> maio, sen<strong>do</strong> sanciona<strong>do</strong> no mesmodia pela princesa imperial regente, <strong>do</strong>na Isabel. Nesta última câmara,composta por 60 membros, apenas <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> reunir seis votos à propostaque <strong>de</strong>cretava a emancipação imediata e incondicional <strong>do</strong>s escravos.O estadista que preparou os primeiros projetos para a emancipação<strong>do</strong>s escravos no Brasil foi o marquês <strong>de</strong> São Vicente, o qual, em 1866,apresentou ao impera<strong>do</strong>r trabalhos que sua majesta<strong>de</strong>, acolhen<strong>do</strong> com sumofavor, sujeitou ao exame <strong>do</strong> seu Conselho <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>. No entanto, o Brasilestava então empenha<strong>do</strong> na guerra contra o dita<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Paraguai, LópezII, e os conselheiros <strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong> foram <strong>de</strong> opinião que só <strong>de</strong>pois <strong>do</strong>*Texto originalmente publica<strong>do</strong> como editorial no jornal “Liverpool Daily Post”, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1888.358


ARTIGOS DE IMPRENSArestabelecimento da paz <strong>de</strong>veria a questão ser discutida no parlamento. AGuerra <strong>do</strong> Paraguai, ten<strong>do</strong> dura<strong>do</strong> cinco anos, terminou em 1870, e, emmaio <strong>do</strong> ano imediato, o viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco, então primeiro-ministro,apresentou à Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s o primeiro projeto para a emancipaçãogradual. A 28 <strong>de</strong> setembro, estava o mesmo projeto a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> por ambas ascasas <strong>do</strong> Parlamento, após cinco meses <strong>de</strong> animadas discussões, nas quais ogabinete houve que lutar com ativa e numerosa oposição.Pela Lei Rio Branco, foram <strong>de</strong>clara<strong>do</strong>s livres, a partir daquela data, to<strong>do</strong>sos nascituros <strong>de</strong> ventre escravo, e vá<strong>rio</strong>s impostos foram aplica<strong>do</strong>s à libertaçãogradual <strong>do</strong>s escravos, cujo número era então maior <strong>de</strong> 1.700.000. Ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong>suprimi<strong>do</strong> 20 anos antes (1851), graças à energia <strong>do</strong> conselheiro Euzébio<strong>de</strong> Queirós, então ministro, o tráfico ou importação <strong>de</strong> escravos africanos, efican<strong>do</strong> livres em 1871 to<strong>do</strong>s os que nascessem <strong>de</strong> ventre escravo, con<strong>de</strong>nadaestava a escravidão a <strong>de</strong>saparecer <strong>do</strong> Brasil. Em 1880, formou-se um parti<strong>do</strong>,que no Parlamento e na <strong>imprensa</strong>, começou a pedir que se apressasse omomento da emancipação total. Este parti<strong>do</strong> só três representantes tinha, aprincípio, no Sena<strong>do</strong> (os conselheiros José Bonifácio <strong>de</strong> Andrada e Silva,Domingos José Nogueira Jaguaribe e Silveira da Mota) e na Câmara <strong>do</strong>sDeputa<strong>do</strong>s, Joaquim Nabuco e pequeno número <strong>de</strong> liberais e conserva<strong>do</strong>res.Na <strong>imprensa</strong>, os senhores J. Nabuco, Patrocínio, Gusmão Lobo, JoaquimSerra, Ferreira <strong>de</strong> Menezes, Ferreira <strong>de</strong> Araújo e outros escritores começaramuma campanha abolicionista, que em pouco tempo granjeou para aquelagran<strong>de</strong> causa quase to<strong>do</strong>s os jornais e a opinião nacional.Em 1884, um ministé<strong>rio</strong> liberal, presidi<strong>do</strong> pelo conselheiro ManoelPinto <strong>de</strong> Sousa Dantas, propôs várias providências para acelerar omovimento da abolição total, mas foi <strong>de</strong>rrota<strong>do</strong> na Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>spor uma coligação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> liberais e conserva<strong>do</strong>res. Umano <strong>de</strong>pois, porém, foi votada uma lei que muito adiantou a questão,resultan<strong>do</strong> a mesma lei <strong>de</strong> um projeto sustenta<strong>do</strong> pelos conselheiros J. A.Saraiva, lí<strong>de</strong>r <strong>do</strong>s liberais, e <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Cotegipe, lí<strong>de</strong>r <strong>do</strong>s conserva<strong>do</strong>res.Há alguns anos, gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> fazen<strong>de</strong>iros começou a dar interessenas colheitas aos seus escravos. O número <strong>de</strong> manumissões por ato espontâneo<strong>do</strong>s senhores <strong>de</strong> escravos subiu a algumas centenas <strong>de</strong> milhar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1871. Asfestas <strong>de</strong> família eram quase sempre celebradas com a libertação <strong>de</strong> escravos,e a causa da abolição foi conquistan<strong>do</strong> o coração <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os brasileiros.Alguns fazen<strong>de</strong>iros, como a viscon<strong>de</strong>ssa <strong>do</strong> Rio Novo, não só libertaramto<strong>do</strong>s os seus escravos, mas também <strong>de</strong>ixaram aos libertos, por testamento,359


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOplena proprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s estabelecimentos rurais on<strong>de</strong> trabalhavam. No anopróximo passa<strong>do</strong>, um <strong>do</strong>s mais influentes agricultores da província <strong>de</strong> SãoPaulo, <strong>do</strong>utor Martinho Pra<strong>do</strong>, seu filho, o sena<strong>do</strong>r Antonio Pra<strong>do</strong>, e toda afamília Pra<strong>do</strong> libertaram to<strong>do</strong>s os seus escravos, e esse exemplo começou aser rapidamente imita<strong>do</strong> por gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> fazen<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> São Paulo e daprovíncia <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro. Duas províncias, Ceará e Amazonas, já haviamliberta<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os seus escravos.O seguinte quadro mostra o número <strong>de</strong> escravos no Brasil<strong>do</strong>is anos <strong>de</strong>pois da Lei Rio Branco no começo <strong>do</strong> ano próximopassa<strong>do</strong>:ProvínciasEscravosem 1873 em 1887Amazonas 1.716Pará 31.537 10.535Maranhão 74.598 33.446Piauí 2.406 8.970Ceará 31.975 108Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Norte 13.634 3.167Paraíba 27.651 9.448Pernambuco 106.236 41.122Alagoas 36.124 15.269Sergipe 35.187 16.875Bahia 169.766 76.838Espírito Santo 22.297 13.381Rio <strong>de</strong> Janeiro (município neutro) 47.084 7.488Rio <strong>de</strong> Janeiro (província) 303.807 162.421São Paulo 174.622 107.329Paraná 11.807 3.513Santa Catarina 15.250 4.927Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul 99.401 8.442Minas Gerais 340.444 191.852Goiás 10.771 4.955Mato Grosso 7.051 3.233Total 1.584.974 723.419360


ARTIGOS DE IMPRENSAHá meses o conselheiro João Alfre<strong>do</strong> Corrêa <strong>de</strong> Oliveira enten<strong>de</strong>u,juntamente com a maioria da nação, ser chega<strong>do</strong> o momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>clararextinta a escravidão. A proposta <strong>do</strong> governo passou nas duas Câmarasem cinco dias, sem oposição e no meio <strong>de</strong> geral entusiasmo. O atualgabinete pertence ao Parti<strong>do</strong> Conserva<strong>do</strong>r, mas to<strong>do</strong>s os parti<strong>do</strong>s seuniram para ultimar esta gran<strong>de</strong> reforma. Os 15 sena<strong>do</strong>res e <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>sque se separaram <strong>do</strong> governo votaram contra o projeto, não porquefossem <strong>de</strong>fensores da escravidão, mas porque entendiam que as leis<strong>de</strong> 1871 e <strong>de</strong> 1885 e as libertações espontaneamente feitas pelosproprietá<strong>rio</strong>s seriam suficientes para, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> muito curto prazo,extinguir <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o cativeiro.Des<strong>de</strong> 1871, tem emprega<strong>do</strong> o governo imperial gran<strong>de</strong>s esforçospara introduzir trabalha<strong>do</strong>res europeus, e, presentemente, há alguns anos,milhares <strong>de</strong> italianos e portugueses trabalham nas plantações, ten<strong>do</strong> aexperiência <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> aos fazen<strong>de</strong>iros que é mais produtivo o trabalho<strong>do</strong> homem livre. Quase to<strong>do</strong>s os libertos têm permaneci<strong>do</strong> na companhia<strong>do</strong>s seus antigos senhores.Assim, em 17 anos (<strong>de</strong> 1871 a 1888), o Brasil pô<strong>de</strong> realizar tãogran<strong>de</strong> transformação no regímen secular <strong>do</strong> seu trabalho agrícolasem perturbação nem <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns, sem diminuir a produção e a riquezanacional, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1871 tem sempre aumenta<strong>do</strong>. Os fazen<strong>de</strong>irosbrasileiros auxiliaram e facilitaram a ação <strong>do</strong> governo e <strong>do</strong> Parlamento.A história não oferece exemplo <strong>de</strong> movimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sinteresse e <strong>de</strong>generosida<strong>de</strong> nacional mais grandioso <strong>do</strong> que este. A <strong>de</strong>cisão e a prudência,com que tão importante reforma foi levada ao cabo, fazem gran<strong>de</strong> honraà nação brasileira, e serão a eterna glória <strong>do</strong> reina<strong>do</strong> <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>mPedro II, sob cuja sábia direção se operou pacificamente a evoluçãoemancipa<strong>do</strong>ra, que em outros países encontrou tantas dificulda<strong>de</strong>s e tãoapaixonadas resistências. A princesa imperial, <strong>do</strong>na Isabel, que estava naregência <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> quan<strong>do</strong> foi votada a primeira lei, para a emancipaçãogradual (1871), teve também a glória <strong>de</strong> assinar, como regente em nome<strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r, o ato final <strong>de</strong>sta reforma, que receberá os aplausos <strong>de</strong> to<strong>do</strong>sos amigos da civilização, sobretu<strong>do</strong> aqui, na pátria <strong>de</strong> Wilberforce.Das primeiras mensagens <strong>de</strong> felicitações recebidas pelo cabo submarinono Rio <strong>de</strong> Janeiro, após a votação da lei, figuram as <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte Cleveland,<strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, à princesa regente, e <strong>do</strong> Sena<strong>do</strong> e <strong>do</strong> Congresso norteamericanoao Sena<strong>do</strong> e à Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Brasil.361


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO109) Jornal <strong>do</strong> Brasil24 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1891Limites das Guianas Francesa e Holan<strong>de</strong>sa *Os nossos leitores já sabem que a questão <strong>de</strong> limites entre asGuianas Francesa e Holan<strong>de</strong>sa ficou resolvida por sentença arbitral <strong>de</strong>sua majesta<strong>de</strong> o impera<strong>do</strong>r da Rússia ** .Um telegrama, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> maio, <strong>do</strong> nosso correspon<strong>de</strong>nte em Paris,<strong>de</strong>u-nos *** a suma <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>cisão, informan<strong>do</strong>-nos que fora reconheci<strong>do</strong>o direito da Holanda a to<strong>do</strong> o territó<strong>rio</strong> em litígio, compreendi<strong>do</strong> entreos <strong>rio</strong>s Tapanahoni e alto Maroni, chama<strong>do</strong> também Aouá ou Awa. É,portanto, com a Guiana Holan<strong>de</strong>sa que o Brasil ficará confinan<strong>do</strong> pela serraTumucumaque, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as cabeceiras <strong>do</strong> Tapanahoni até as <strong>do</strong> alto Maroni.No dia 4 <strong>de</strong>ste mês, o governo francês expediu or<strong>de</strong>ns para a fielexecução da sentença <strong>do</strong> czar e para a imediata retirada <strong>do</strong>s postosmilitares ao oci<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> alto Maroni. A linha divisória será formada peloMaroni propriamente dito e pelo alto Maroni ou Aouá, nome atribuí<strong>do</strong>ao mesmo <strong>rio</strong> acima da confluência <strong>do</strong> Tapanahoni, que os francesesqueriam consi<strong>de</strong>rar, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> algum tempo, como <strong>rio</strong> principal, contra aopinião <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os melhores geógrafos estrangeiros. O Tapanahoni corre<strong>de</strong> su<strong>do</strong>este para nor<strong>de</strong>ste e, nas antigas cartas francesas, por exemplo,na <strong>de</strong> <strong>de</strong> l’Isle **** o curso <strong>do</strong> alto Maroni foi sempre representa<strong>do</strong> com adireção <strong>de</strong> su<strong>de</strong>ste para nor<strong>de</strong>ste ou noroeste.A <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> czar foi justa, e mais digno <strong>de</strong> aplauso se torna o seuato, quan<strong>do</strong> se aten<strong>de</strong> a que o augusto árbitro soube pôr <strong>de</strong> la<strong>do</strong> todas asconsi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> e <strong>de</strong> política, para ser somente juiz imparcial,reconhecen<strong>do</strong> o direito <strong>do</strong> fraco contra o forte.*Em seu livro Limites <strong>do</strong> Brasil com as Guianas Francesa e Holan<strong>de</strong>sa (AZAMBUJA, Joaquim MariaNascentes <strong>de</strong>. Limites <strong>do</strong> Brasil com as Guianas Francesa e Holan<strong>de</strong>sa. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Typographia<strong>do</strong> Jornal <strong>do</strong> Commercio <strong>de</strong> Rodrigues & Cia, 1892. pp. 130-133. v. II.), o autor reproduziu este artigo,como o 29º <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos reuni<strong>do</strong>s sobre o assunto. No volume que pertenceu ao Barão <strong>do</strong> Rio Branco,há pequenas intervenções marginais autógrafas, aparentemente da autoria <strong>do</strong> próp<strong>rio</strong> <strong>barão</strong>. A primeira<strong>de</strong>las, à esquerda <strong>do</strong> título: “Artigo <strong>de</strong> Rio Branco (edita<strong>do</strong> a 24 jun. 1891).” Os <strong>do</strong>is textos apresentamligeiras discrepâncias, cuja origem não nos é da<strong>do</strong> conhecer e que assinalamos. (N. E.)**No livro, “<strong>de</strong> todas as Rússias”. (N. E.)***No livro, “dá-nos”. (N. E.)****No livro, “Delisle”. (N. E.)362


ARTIGOS DE IMPRENSAO artigo 1 o da Convenção <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1817, a que se refere asentença arbitral, que em outro * lugar publicamos, diz o seguinte:Sua majesta<strong>de</strong> fi<strong>de</strong>líssima, anima<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> dar execução ao artigo 107 da atafinal <strong>do</strong> Congresso <strong>de</strong> Viena, se obriga a entregar a sua majesta<strong>de</strong> cristianíssima,<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> três meses ou antes, se for possível, a Guiana Francesa até o <strong>rio</strong> Oiapoque,cuja embocadura está situada entre o 4º e 5º norte, e até 322 graus <strong>de</strong> longitu<strong>de</strong> aleste da ilha <strong>de</strong> Ferro, pelo paralelo <strong>de</strong> 2º24’ norte.O meridiano <strong>de</strong> 322 o ao oriente da ilha <strong>de</strong> Ferro correspon<strong>de</strong> a 58 o 30’<strong>de</strong> longitu<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal <strong>do</strong> observató<strong>rio</strong> <strong>de</strong> Paris. No entanto, semelhanteconvenção entre Portugal e a França não po<strong>de</strong>ria obrigar <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> alguma Holanda.É evi<strong>de</strong>nte que os plenipotenciá<strong>rio</strong>s português e francês não tiveram apretensão <strong>de</strong> fixar limites à Guiana Holan<strong>de</strong>sa, nem tinham competênciapara tanto. Acresce que as armas brasileiras não ocuparam territó<strong>rio</strong>entre Tapanahoni e alto Maroni, inteiramente <strong>de</strong>serto naquele tempo.O que os negocia<strong>do</strong>res da convenção tiveram em vista foi estabelecer,em termos claros e precisos, as condições da <strong>de</strong>volução, admitin<strong>do</strong> osportugueses ** , quanto à fronteira inte<strong>rio</strong>r, o máximo das pretensõesfrancesas para o meridiano oci<strong>de</strong>ntal e, como ponto <strong>de</strong> interseção <strong>de</strong>ssemeridiano, o paralelo <strong>de</strong> 2º24’ norte que se atribuiu, naquele lugar, àserra <strong>de</strong> Tumucumaque. Essa cordilheira e o <strong>rio</strong> Oiapoque formavam,e formam, a linha divisória que Portugal sustentava e que o govern<strong>obras</strong>ileiro tem <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong>. Os negocia<strong>do</strong>res portugueses apenas quiseramafirmar e ressalvar os direitos <strong>do</strong> reino <strong>do</strong> Brasil a essa linha, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>à Holanda e à França o ajuste das suas questões sobre o territó<strong>rio</strong> que seesten<strong>de</strong> ao norte da fronteira brasileira. Teve, pois, muita razão o czarao consi<strong>de</strong>rar inadmissível a alegação <strong>de</strong>rivada <strong>do</strong> ajuste <strong>de</strong> 1817 entrePortugal e França.No entanto, se aplaudimos como um ato <strong>de</strong> justiça o lau<strong>do</strong> <strong>de</strong> 25<strong>de</strong> maio e os seus principais fundamentos, não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> oporalgumas retificações à consi<strong>de</strong>ração seguinte:*No livro, “neste”. (N. E.)**No livro, “plenipotenciá<strong>rio</strong>s”. (N. E.)363


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOQue, além disso, essa convenção (a <strong>de</strong> 1817) não po<strong>de</strong>ria servir <strong>de</strong> base pararesolver * a questão em litígio, visto que Portugal, que tinha toma<strong>do</strong> posse, emvirtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Utrecht <strong>de</strong> 1713, <strong>de</strong> uma parte da Guiana Francesa, nãopodia restituir à França, em 1815, senão o territó<strong>rio</strong> que lhe fora cedi<strong>do</strong>.O augusto árbitro não estu<strong>do</strong>u, nem tinha <strong>de</strong> estudar a questão <strong>de</strong>limites entre o Brasil e a França. Se houvesse examina<strong>do</strong>, len<strong>do</strong> a obramonumental <strong>de</strong> Joaquim Caetano da Silva, L’Oyapock et l’Amazone,não teria escrito essas linhas.Pela ata final <strong>do</strong> Congresso <strong>de</strong> Viena, em 1815, e pela convenção <strong>de</strong> 28<strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1817, Portugal não restituiu à França territó<strong>rio</strong> que houvesseobti<strong>do</strong> por cessão <strong>de</strong> qualquer natureza; restituiu, sim, toda a GuianaFrancesa, que as tropas brasileiras haviam conquista<strong>do</strong> em 1809, quan<strong>do</strong>Portugal, como a Rússia ** , estava em guerra com o impé<strong>rio</strong> francês.Venci<strong>do</strong> Napoleão, a Inglaterra conservou quase todas as novasaquisições coloniais com que enfraquecera a França; no entanto, opríncipe regente <strong>de</strong> Portugal e <strong>do</strong> Brasil abriu mão generosamente daúnica conquista que fizera. A França aceitou a restituição nas condiçõesoferecidas e, logo <strong>de</strong>pois, entrou a reclamar limite mais meridionalque o Oiapoque, apesar <strong>de</strong> terem os seus plenipotenciá<strong>rio</strong>s assina<strong>do</strong> aConvenção <strong>de</strong> 1817, cujo primeiro artigo transcrevemos ante<strong>rio</strong>mente, ea ata final <strong>do</strong> Congresso <strong>de</strong> Viena, cujo artigo 107 reza assim:Sua alteza real o príncipe regente <strong>do</strong> Reino <strong>de</strong> Portugal e <strong>do</strong> Brasil, para manifestar<strong>de</strong> maneira incontestável a sua consi<strong>de</strong>ração particular para com sua majesta<strong>de</strong>cristianíssima, se obriga a restituir à sua dita majesta<strong>de</strong> a Guiana Francesa até o <strong>rio</strong>Oiapoque, cuja embocadura está situada entre o 4º e o 5º norte, limite que Portugalconsi<strong>de</strong>rou sempre como o que fora fixa<strong>do</strong> pelo Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Utrecht.Equivocou-se o augusto árbitro, supon<strong>do</strong> que o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Utrechtce<strong>de</strong>u a Portugal uma parte da Guiana Francesa. Esse trata<strong>do</strong>, cujaredação coube inteiramente ao plenipotenciá<strong>rio</strong> português, reconheceuapenas o direito <strong>de</strong> Portugal ao territó<strong>rio</strong> situa<strong>do</strong> ao sul <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Japoc ouVicente Pinson, isto é, ao sul <strong>do</strong> Oiapoque, <strong>de</strong>sistin<strong>do</strong> então a França dassuas pretensões, que nenhum fundamento tinham.*No livro, “ressalvar”. (N. E.)**No livro, “Prússia”. Intervenção, à tinta, corta as duas primeiras letras e, na margem direita, “/R”. (N. E.)364


ARTIGOS DE IMPRENSATo<strong>do</strong> o territó<strong>rio</strong> que se esten<strong>de</strong> ao norte <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Amazonas pertenciaà Espanha em razão <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrimento e <strong>de</strong> o meridiano <strong>de</strong><strong>de</strong>marcação entre as possessões <strong>de</strong> Espanha e <strong>de</strong> Portugal, fixa<strong>do</strong> pelaConvenção <strong>de</strong> Tor<strong>de</strong>silhas, passar * um pouco ao oci<strong>de</strong>nte da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Belém <strong>do</strong> Pará. No ** tempo da união das duas coroas, <strong>de</strong> Espanha e <strong>de</strong>Portugal, Felipe IV (III <strong>de</strong> Portugal), anexou ao Brasil a parte da Guianaque se esten<strong>de</strong> ao sul <strong>do</strong> Oiapoque ou Vicente Pinson, crian<strong>do</strong>, em 14 <strong>de</strong>junho <strong>de</strong> 1637, a capitania brasileira <strong>do</strong> cabo <strong>do</strong> Norte.O governa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Maranhão, Bento Maciel Parente, <strong>do</strong>natá<strong>rio</strong>da nova capitania, tomou posse <strong>do</strong> seu territó<strong>rio</strong>, fundan<strong>do</strong> o forte <strong>do</strong>Desterro, na foz <strong>do</strong> Uacarapy. Quase ao mesmo tempo, a 16 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong>1639, Pedro Teixeira, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> instruções que tinha <strong>do</strong> governo <strong>de</strong>Madri, tomava posse da margem esquerda <strong>do</strong> Napo, em nome <strong>de</strong> FilipeIV, para servir <strong>de</strong> divisa entre os <strong>do</strong>mínios <strong>de</strong> Castela e Portugal.Eis aqui como o Brasil, por <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> soberano <strong>de</strong> Espanha ePortugal, avançou os seus limites até o Oiapoque e o Napo. A Françanão possuía um palmo <strong>de</strong> terra na América <strong>do</strong> Sul. Em 1626, algunsnegociantes <strong>de</strong> Rouen começaram clan<strong>de</strong>stinamente as intrusõesfrancesas no litoral espanhol, *** muito ao norte da foz <strong>do</strong> Oiapoque,ocupan<strong>do</strong> Sinamary e, anos <strong>de</strong>pois, Conamana e Caiena; no entanto, sóem 1643 e em 1651 aparece a intervenção efetiva <strong>do</strong> governo francês emduas tentativas <strong>de</strong> colonização completamente malogradas.Aban<strong>do</strong>nada o país pelos franceses, foi Caiena ocupadatranquilamente **** pelos holan<strong>de</strong>ses durante alguns anos, até seremexpulsos, em 1664, pela expedição <strong>do</strong> comandante Le febvre <strong>de</strong> la Barre.No entanto, a posse <strong>do</strong>s franceses sofreu interrupções antes <strong>de</strong> tornar-se<strong>de</strong>finitiva, pois, em 1667, Caiena caiu em po<strong>de</strong>r da Inglaterra; em 1674,foi retomada pela França e, no mesmo ano, pela Holanda, voltan<strong>do</strong>finalmente, em 1667, ao <strong>do</strong>mínio francês.O primeiro governa<strong>do</strong>r da Guiana Francesa, Le febvre <strong>de</strong> la Barre, emum livro que publicou por esse tempo (Description <strong>de</strong> la France Equinoxiale.Paris: 1666. in 4º), fixou ***** com clareza os limites daquele territó<strong>rio</strong>:*No livro, “passa”. (N. E.)**No livro, intervenção marginal, em lápis azul, para correção <strong>de</strong> letra minúscula no início <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>. (N. E.)***No livro, “holandês”. (N. E.)****No livro, “pacificamente”. (N. E.)*****No livro, “não fixou”. (N. E.)365


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOA Guiana Francesa [diz ele], propriamente França Equatorial, cuja costa seesten<strong>de</strong> por cerca <strong>de</strong> 80 léguas francesas (cerca <strong>de</strong> 336 km), começa no caboOrange, ponto <strong>de</strong> terra baixa que entra pelo mar e que se nota por três pequenosmorros sobre ele, e que estão além <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Oiapoque, cuja foz está junto a essecabo... Po<strong>de</strong>-se colocar no <strong>rio</strong> Maroni a frontera da Guiana Francesa.Eis aqui, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aquele tempo reconheci<strong>do</strong>s, por autorida<strong>de</strong>insuspeita, o Maroni e o Oiapoque como limites * entre o Brasil e aGuiana Francesa. Reconhecen<strong>do</strong> o Oiapoque como divisa entre o Brasile a Guiana Francesa, o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Utrecht não estatuiu, portanto, cessãoalguma <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> francês em favor <strong>do</strong> Brasil ** , com a possessãoespanhola conquistada pela França, limite assinala<strong>do</strong> pelo próp<strong>rio</strong>governa<strong>do</strong>r francês Lefebvre <strong>de</strong> la Barre. Estas são as retificações quemui respeitosamente julgamos <strong>de</strong>ver fazer à sentença <strong>do</strong> augusto árbitro,soberano <strong>de</strong> um país cujo governo mostrou-se sempre amigo <strong>do</strong> Brasil<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros dias da nossa in<strong>de</strong>pendência.Notícias DiversasA sentença <strong>do</strong> czar sobre os limites das GuianasDamos, em seguida, o teor da <strong>de</strong>cisão arbitral <strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong> oimpera<strong>do</strong>r da Rússia, da qual nos ocupamos em nosso primeiro editorial:Nós, Alexandre III, por graça <strong>de</strong> Deus, impera<strong>do</strong>r <strong>de</strong> todas as Rússias.O governo da República Francesa e o governo <strong>do</strong>s Países Baixos, ten<strong>do</strong> resolvi<strong>do</strong>,nos termos <strong>de</strong> uma convenção celebrada entre os <strong>do</strong>is países no dia 29 <strong>de</strong> novembro<strong>de</strong> 1888, terminar amigavelmente a questão que existe em relação aos limites dassuas respectivas colônias da Guiana Francesa e Suriname e confiar a um árbitroo cuida<strong>do</strong> <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r a essa <strong>de</strong>limitação, dirigiram-se a nós pedin<strong>do</strong> que nosincumbíssemos <strong>de</strong>ssa arbitragem.Queren<strong>do</strong> correspon<strong>de</strong>r à confiança que as duas potências litigantes assim nostestemunharam, e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> receber <strong>do</strong>s seus governos a confirmação <strong>de</strong> queaceitariam a nossa <strong>de</strong>cisão como juízo supremo e sem apelação e que a ela se*No livro, “divisa”. (N. E.)**Embora o texto <strong>de</strong>ste parágrafo apresente-se idêntico, tanto no Jornal <strong>do</strong> Brasil quanto no livro <strong>de</strong>Nascentes <strong>de</strong> Azambuja, há uma intervenção marginal autógrafa, à direita, no volume <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>Barão: “Palavras saltadas.” (N. E.)366


ARTIGOS DE IMPRENSAsubmeteriam sem reserva alguma, aceitamos a missão <strong>de</strong> resolver como árbitro aquestão que os separa, e julgamos justo pronunciar a sentença seguinte:Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>, por um la<strong>do</strong>, que a Convenção <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1817, que fixoua restituição da Guiana Francesa à França por Portugal, nunca foi reconhecidapelos Países Baixos. Que, além disso, essa convenção não po<strong>de</strong>ria servir <strong>de</strong> basepara resolver a questão em litígio, visto que Portugal, que tinha toma<strong>do</strong> posse, emvirtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Utrecht <strong>de</strong> 1713, <strong>de</strong> uma parte da Guiana Francesa, não podiarestituir à França em 1815 senão o territó<strong>rio</strong> que lhe fora cedi<strong>do</strong>; ora os limites <strong>de</strong>sseterritó<strong>rio</strong> não se acham <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s em parte nenhuma <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Utrecht <strong>de</strong> 1713.Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>, por outro la<strong>do</strong>, que o governo holandês, como o <strong>de</strong>monstram fatosnão contesta<strong>do</strong>s pelo governo francês, mantinha, no fim <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong> * , postosmilitares no Awa; que as autorida<strong>de</strong>s da Guiana muitas vezes reconheceram osnegros estabeleci<strong>do</strong>s no territó<strong>rio</strong> conquista<strong>do</strong> como <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> mediata ouimediatamente <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio holandês, e que essas autorida<strong>de</strong>s não entravam emligações com as tribos indígenas habitantes <strong>de</strong>sse territó<strong>rio</strong> senão por intermédio eem presença <strong>do</strong> representante das autorida<strong>de</strong>s holan<strong>de</strong>sas; que está admiti<strong>do</strong> semcontestação pelos países interessa<strong>do</strong>s que o <strong>rio</strong> Maroni, a partir da sua nascente, <strong>de</strong>veservir <strong>de</strong> limite entre as respectivas colônias; que a comissão mista <strong>de</strong> 1861 colheuda<strong>do</strong>s em favor <strong>do</strong> reconhecimento <strong>do</strong> Awa como o curso supe<strong>rio</strong>r <strong>do</strong> Maroni.Por esses motivos, nós <strong>de</strong>claramos que o Awa <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como <strong>rio</strong>limítrofe, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> servir <strong>de</strong> fronteira entre as duas possessões. Em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa<strong>de</strong>cisão arbitral, o territó<strong>rio</strong> contra a corrente da confluência <strong>do</strong>s <strong>rio</strong>s Awa eTapanahoni <strong>de</strong>ve pertencer <strong>de</strong> ora em diante à Holanda, sem prejuízo todavia<strong>do</strong>s direitos adquiri<strong>do</strong>s bona fi<strong>de</strong> ** pelos jurisdiciona<strong>do</strong>s franceses nos limites <strong>do</strong>territó<strong>rio</strong> que tinha esta<strong>do</strong> em litígio.Passa<strong>do</strong> em Gatchina, <strong>de</strong> 13 a 25 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1891.AlexandreReferenda<strong>do</strong>:Giers ****Século XVIII. (N. E.)**De boa-fé. (N. E.)***Nicolau Karlovitch <strong>de</strong> Giers (1820-1895), ministro <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros da Rússia <strong>de</strong> 1882 a 1895. (N. E.)367


ARTIGOS DE IMPRENSA<strong>de</strong> jantar e um gabinete <strong>de</strong> touca<strong>do</strong>r. O con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aljezur e o con<strong>de</strong> e acon<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Mota Maia, que formavam a comitiva <strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong>,ocupavam cômo<strong>do</strong>s no terceiro andar.O quarto mortuá<strong>rio</strong> tem duas janelas para a rua e uma mobíliaextremamente simples. Ao la<strong>do</strong> da cama, sobre uma mesinha, viam-seum crucifixo <strong>de</strong> prata e alguns cí<strong>rio</strong>s, e muitos livros e ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> notas.Estavam presentes, <strong>de</strong> joelhos, sua alteza a princesa <strong>do</strong>na Isabel, suaalteza o senhor con<strong>de</strong> d’Eu que, apesar <strong>de</strong> um ataque <strong>de</strong> influenza, chegaranessa tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> Versalhes, sua alteza o príncipe <strong>do</strong>m Pedro Augusto <strong>de</strong>Saxe e alguns cria<strong>do</strong>s particulares <strong>do</strong> senhor <strong>do</strong>m Pedro II e <strong>do</strong>s príncipes.A alguma distância estavam – uns <strong>de</strong> pé, outros ajoelha<strong>do</strong>s – o con<strong>de</strong> <strong>de</strong>Alzejur e o con<strong>de</strong> e a con<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Mota Maia, <strong>de</strong>dica<strong>do</strong>s servi<strong>do</strong>res <strong>do</strong>sdias da <strong>de</strong>sgraça; o viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cavalcanti, o conselheiro Silva Costa,o marechal viscon<strong>de</strong> da Penha e a viscon<strong>de</strong>ssa da Penha; os barões <strong>de</strong>Pene<strong>do</strong>, <strong>de</strong> Muritiba e da Estrela; a baronesa <strong>de</strong> Muritiba, os barões <strong>de</strong>Albuquerque e <strong>de</strong> São Joaquim; o senhor Eduar<strong>do</strong> Pra<strong>do</strong>, a senhora SilvaCoutinho, os senhores Sebastião Guimarães, Alfre<strong>do</strong> Rocha e sua senhora;Pandiá Calógeras e sua senhora, <strong>do</strong>utor Seybold e Ferdinand Hex.Suas altezas reais os duques <strong>de</strong> Nemours e <strong>de</strong> Aumale, o príncipe <strong>de</strong>Joinville, o duque <strong>de</strong> Chartres e os senhores con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nioac e o <strong>barão</strong> <strong>de</strong>Nioac tinham visto o senhor <strong>do</strong>m Pedro II à noite, mas retiraram-se pelas10h. O senhor con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nioac estava <strong>do</strong>ente com uma forte bronquite.Apenas se verificou que o gran<strong>de</strong> brasileiro tinha <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> <strong>de</strong> viver, aprincesa d. Isabel ergueu-se em pranto e foi beijar a mão <strong>de</strong> seu augusto pai.“Meu queri<strong>do</strong> pai! Pobre <strong>de</strong> meu pai!” foram as únicas palavras que proferiu.Os senhores con<strong>de</strong> d’Eu, <strong>do</strong>m Pedro Augusto e todas as pessoas presentesbeijaram em seguida a mão <strong>do</strong> morto impera<strong>do</strong>r, a princesa e os príncipesreceberam as con<strong>do</strong>lências <strong>do</strong>s poucos brasileiros e estrangeiros ali reuni<strong>do</strong>s.A princesa mostrou muita energia moral e muita dignida<strong>de</strong> na sua<strong>do</strong>r. Toda a noite conservou-se, ora sentada, ora <strong>de</strong> joelhos, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>cadáver <strong>de</strong> seu pai.Corri à estação telegráfica da Bolsa para transmitir ao Jornal <strong>do</strong>Brasil estas tristes notícias. Quan<strong>do</strong> regressei, foi-me obsequiosamentemostra<strong>do</strong> o seguinte auto:Às 00h30 <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1891, nesta cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Paris, em um <strong>do</strong>s aposentos<strong>do</strong> hotel Bedford, sito à rua <strong>de</strong> l’Arca<strong>de</strong>, número 17, teve lugar o infausto óbito369


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO<strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong> o impera<strong>do</strong>r o senhor <strong>do</strong>m Pedro II, nasci<strong>do</strong> na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> SãoSebastião <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro no dia 2 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1825, batiza<strong>do</strong> com os nomes<strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro <strong>de</strong> Alcântara João Carlos Leopol<strong>do</strong> Salva<strong>do</strong>r Bibiano Xavier <strong>de</strong>Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga, filho legítimo <strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong>o impera<strong>do</strong>r senhor <strong>do</strong>m Pedro I <strong>do</strong> Brasil e IV <strong>de</strong> Portugal, e <strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong> aImperatriz <strong>do</strong>na Leopoldina arquiduquesa da Áustria, casa<strong>do</strong> com sua majesta<strong>de</strong>a imperatriz a senhora <strong>do</strong>na Teresa Cristina Maria, princesa <strong>de</strong> Bourbon e dasDuas Sicílias, já falecida; ten<strong>do</strong> sua majesta<strong>de</strong> imperial recebi<strong>do</strong> os sacramentosda Igreja e, para constar, lavrei este ato, eu, o con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aljezur, gentil homemda imperial câmara, que o fiz e assino com as pessoas presentes, em duplicata.Isabel, Gastão <strong>de</strong> Orleans, <strong>do</strong>m Pedro Augusto, viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cavalcanti, viscon<strong>de</strong>da Penha, <strong>do</strong>utor José da Silva Costa, <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Pene<strong>do</strong>, <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Muritiba,<strong>barão</strong> <strong>de</strong> Estrela, <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Albuquerque, <strong>barão</strong> <strong>de</strong> São Joaquim, Sebastião PintoBan<strong>de</strong>ira Guimarães, Eduar<strong>do</strong> da Silva Pra<strong>do</strong>, Alfre<strong>do</strong> Augusto da Rocha, PandiáCalógeras, con<strong>de</strong> da Mota Maia, médico assistente <strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong> o impera<strong>do</strong>r,con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aljezur, gentil-homem da Imperial Câmara.A princesa telegrafou ao coronel Lassance, seu mor<strong>do</strong>mo, recomendan<strong>do</strong>lheque fizesse publicar nos jornais <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro o seguinte:Aprouve a Deus ferir-me com o golpe mais <strong>do</strong>loroso, chaman<strong>do</strong> a si o meu muitoama<strong>do</strong> e venera<strong>do</strong> pai. Junto <strong>do</strong> leito em que expirou, meu primeiro pensamento é <strong>de</strong>anunciar a minha <strong>de</strong>sgraça aos meus compat<strong>rio</strong>tas, certa <strong>de</strong> que eles se hão <strong>de</strong> associarà minha <strong>do</strong>r pela perda <strong>de</strong> quem, em sua longa existência, consagrou to<strong>do</strong>s os seus<strong>de</strong>svelos à felicida<strong>de</strong> e gran<strong>de</strong>za da nossa pátria. Paris, 5 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1891. Isabel.Logo <strong>de</strong>pois, por or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> sua alteza, começaram a ser expedi<strong>do</strong>stelegramas, notifican<strong>do</strong> o triste acontecimento aos membros da famíliaimperial, aos parentes mais próximos. Às 8h, o coadjutor da igreja daMadalena rezou uma missa na câmara mortuária, estan<strong>do</strong> presentes osmesmos príncipes, os duques <strong>de</strong> Nemours e <strong>de</strong> Chartres, quase todas aspessoas que assistiram aos últimos momentos <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r e muitasfamílias da colônia brasileira.É <strong>de</strong>ste teor a certidão <strong>de</strong> óbito passada pelos médicos assistentes:Nos abaixo-assina<strong>do</strong>s, professores na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina <strong>de</strong> Paris e naFaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, certificaram que <strong>do</strong>m Pedro II <strong>de</strong>370


ARTIGOS DE IMPRENSAAlcântara morreu no Hotel Bedford, na rua <strong>de</strong> l’Arca<strong>de</strong>, está manhã <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong><strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1891. Charcot, Bouchard, Mota Maia.Com este <strong>do</strong>cumento, os senhores viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cavalcanti e barões<strong>de</strong> Pene<strong>do</strong>, <strong>de</strong> Muritiba e <strong>de</strong> Estrela apresentaram-se ao oficial <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>civil, na prefeitura <strong>do</strong> 8 o círculo ou distrito e fizeram a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong>óbito.O corpo vai ser embalsama<strong>do</strong> pelo <strong>do</strong>utor Poirier e, amanhã, aomeio-dia, será exposto.O seu rosto conserva a expressão <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong> que tinha em vida.Dir-se-ia que esse velho venerável <strong>do</strong>rme.Não está fixa<strong>do</strong> o dia das exéquias. Informam-me, porém, que serãocelebradas na igreja da Madalena e que o corpo será conduzi<strong>do</strong> para aigreja <strong>de</strong> São Vicente <strong>de</strong> Fora, em Lisboa, on<strong>de</strong> se acha o da imperatriz<strong>do</strong>na Teresa Cristina.A notícia da morte <strong>do</strong> senhor <strong>do</strong>m Pedro II só pô<strong>de</strong> ser conhecidamuito tar<strong>de</strong>, quase pela primeira hora da madrugada. Por isso, nem to<strong>do</strong>sos jornais da manhã pu<strong>de</strong>ram dar extensos <strong>artigos</strong>. A nota <strong>do</strong>minantenos <strong>artigos</strong> que apareceram, escritos a correr e à última hora, é a damais profunda simpatia por esse príncipe ilustre, pat<strong>rio</strong>ta, liberal e<strong>de</strong>sinteressa<strong>do</strong>, tão queri<strong>do</strong> e popular entre os nossos parisienses. Osjornais da tar<strong>de</strong>, que começam a aparecer, já dão <strong>artigos</strong> mais extensos,como o Temps.Foi no dia 23 <strong>de</strong> novembro, ao sair da sessão <strong>do</strong> instituto, a quecomparecera para votar no senhor Boissier, então eleito membro daAca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Ciências, que o senhor <strong>do</strong>m Pedro II sentiu-se assalta<strong>do</strong><strong>do</strong> mal que o levou ao túmulo. A tar<strong>de</strong> era bastante fria para um homemnasci<strong>do</strong> <strong>de</strong>baixo <strong>do</strong> sol <strong>do</strong>s trópicos e que, aos 66 anos, já parecia umoctogená<strong>rio</strong>, tanto o haviam enfraqueci<strong>do</strong> os <strong>de</strong>sgostos e a moléstia.Apesar disso, o senhor <strong>do</strong>m Pedro II fez ainda um passeio <strong>de</strong> carro a St.Cloud. Ao anoitecer, recolhen<strong>do</strong>-se ao hotel, sentiu calaf<strong>rio</strong>s. Apareceu<strong>de</strong>pois alguma febre, e ele teve <strong>de</strong> guardar o leito. Conversava, porém,prazenteiramente e dizia-se <strong>de</strong> to<strong>do</strong> bom, quan<strong>do</strong>, no dia 3, a moléstiacomeçou a tomar caráter assusta<strong>do</strong>r.No dia 2 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, alguns jornais anunciaram que era esseseu aniversá<strong>rio</strong> natalício, e po<strong>de</strong>-se dizer que to<strong>do</strong>s os amigos que osoberano exila<strong>do</strong> conta aqui no mun<strong>do</strong> das ciências, das letras e das371


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOartes foram inscrever-se no livro <strong>de</strong> registro. O salão ficou literalmentecheio <strong>de</strong> flores. Três dias <strong>de</strong>pois ele era cadáver.Ferdinand Hex111) Cartas <strong>de</strong> França *Paris, 12 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1891A morte e os funerais <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro IISumá<strong>rio</strong>: Ainda a morte <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro II – Termo <strong>de</strong> óbito na prefeitura<strong>do</strong> 8 o distrito – A câmara ar<strong>de</strong>nte – Guarda <strong>do</strong>s <strong>de</strong>spojos mortais – Telegramase visitas <strong>de</strong> pêsames – Últimos retratos <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro II – Embalsamamentono dia 6 – Como foi vesti<strong>do</strong> o corpo – Exposição pública nos dias 6, 7 e 8 –O caixão – A inscrição em latim – Tocante <strong>de</strong>spedida – As flores: principaiscoroas – Trasladação <strong>do</strong> corpo para a igreja da Madalena na noite <strong>de</strong> 8 – Juízoda <strong>imprensa</strong> francesa sobre o morto – Algumas agressões – O governo francêsresolve tributar honras imperiais a <strong>do</strong>m Pedro II – Nisso não houve ofensaalguma à República brasileira – Em que consistem essas honras – Prece<strong>de</strong>nte<strong>do</strong> ex-rei <strong>de</strong> Hanover – Os convites para as exéquias <strong>do</strong> dia 9 – Ornamentaçãoda Madalena – As tropas que concorreram ao funeral – Suas ban<strong>de</strong>iras – Ocoche fúnebre – A assistência <strong>de</strong>ntro da igreja: relação das principais pessoaspresentes – Quase to<strong>do</strong> o Instituto <strong>de</strong> França – A cerimônia – Continênciamilitar à saída – Personagens que seguiram nos cordões <strong>do</strong> esquife – Or<strong>de</strong>m<strong>do</strong> préstito – Caminho que seguia – Trezentas mil pessoas – Chegada à estação<strong>do</strong> caminho <strong>de</strong> ferro – Marcha das tropas em continência – A Aca<strong>de</strong>mia<strong>de</strong> Ciências – Partida <strong>do</strong> comboio fúnebre para Lisboa – Pessoas que neleseguiram – O representante <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r da Alemanha.A minha última carta foi escrita na tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> 5. Com ela, remeti cópia<strong>do</strong> auto <strong>do</strong> óbito lavra<strong>do</strong> pelo con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aljezur e assina<strong>do</strong> pelas pessoaspresentes. No mesmo dia, foi feita a <strong>de</strong>claração na Prefeitura <strong>do</strong> 8 odistrito (arrondissement) e, <strong>de</strong>pois da verificação por <strong>do</strong>is médicos da*Data<strong>do</strong> <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1891, o artigo foi publica<strong>do</strong> no Jornal <strong>do</strong> Brasil em seis partes, <strong>de</strong> 8 a 20<strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1892. (N. E.)372


ARTIGOS DE IMPRENSAmunicipalida<strong>de</strong>, a Prefeitura lançou no livro <strong>de</strong> registro <strong>de</strong> óbitos esteassentamento:Dom Pedro [à margem]. Ano <strong>de</strong> 1891, 5 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, às 17h. Assentamento <strong>de</strong>óbito <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro II <strong>de</strong> Alcântara João Carlos Leopol<strong>do</strong> Salva<strong>do</strong>r Bibiano <strong>de</strong>Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga, com 66 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, nasci<strong>do</strong>na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Sebastião <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>do</strong>micilia<strong>do</strong> na rua <strong>de</strong> l’Arca<strong>de</strong>, 17(Hotel Bedford), e faleci<strong>do</strong> a 5 <strong>do</strong> corente à 0h35; filho <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>m Pedro I <strong>do</strong>Brasil e IV <strong>de</strong> Portugal e da imperatriz <strong>do</strong>na Leopoldina, arquiduquesa da Áustria,cônjuges faleci<strong>do</strong>s; viúvo da imperatriz <strong>do</strong>na Tereza Cristina Maria, princesa <strong>de</strong>Bourbon e das Duas Sicílias. Redigi<strong>do</strong>, após a verificação <strong>do</strong> falecimento, pornós, Paul Ernest Beur<strong>de</strong>ley, oficial <strong>do</strong> registro civil <strong>do</strong> 8 o distrito <strong>de</strong> Paris, sobrea <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> Diogo, viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cavalcanti, camareiro da Casa Imperial <strong>do</strong>Brasil, ex-sena<strong>do</strong>r, ex-conselheiro <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>, ex-ministro <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Brasil,gran<strong>de</strong> oficial da Legião <strong>de</strong> Honra, com 58 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>; e <strong>de</strong> José, <strong>barão</strong> daEstrela, camareiro da Casa Imperial <strong>do</strong> Brasil, cavaleiro da Legião <strong>de</strong> Honra,com 37 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, <strong>do</strong>micilia<strong>do</strong> na Place Vendôme, 14, em Paris, sem relação<strong>de</strong> parentesco, que assinaram conosco <strong>de</strong>pois da leitura. (Assina<strong>do</strong>s) viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong>Cavalcanti, Estrela, P. Beur<strong>de</strong>ley.***Às 8h, o padre Song, coadjutor da igreja paroquial da Madalena,disse uma missa rezada no orató<strong>rio</strong>, o qual, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo da moléstia<strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r tinha si<strong>do</strong> arma<strong>do</strong> no quarto <strong>de</strong> <strong>do</strong>rmir <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r,agora transforma<strong>do</strong> em câmara ar<strong>de</strong>nte. A empresa funerária dirigidapelo senhor Henri <strong>de</strong> Borniol encarregou-se <strong>de</strong> todas as disposições <strong>do</strong>funeral até a entrega <strong>do</strong> corpo em Lisboa.Retira<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os móveis dispensáveis, foram as pare<strong>de</strong>s, o teto e oorató<strong>rio</strong> cobertos <strong>de</strong> velu<strong>do</strong> preto franja<strong>do</strong> e salpica<strong>do</strong> <strong>de</strong> estrelas <strong>de</strong> prata.Sobre a cama, armou-se um rico <strong>do</strong>ssel, cujos bambolins, assim como os <strong>do</strong>spanos das pare<strong>de</strong>s, apresentavam palmetas, rosões, pernadas <strong>de</strong> folhagem,ondas e outros ornamentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho grego e rematavam em canutilhos <strong>de</strong>prata. Nos ângulos <strong>do</strong> <strong>do</strong>ssel, levantavam-se penachos negros.A cama, sobre um estra<strong>do</strong>, convenientemente nivelada e revestida<strong>de</strong> panos iguais aos das pare<strong>de</strong>s, ficou convertida em tarima, e sobre elafoi coloca<strong>do</strong> o impera<strong>do</strong>r morto, coberto com a ban<strong>de</strong>ira que o Brasil373


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOtinha durante o reina<strong>do</strong>. Quatro gran<strong>de</strong>s can<strong>de</strong>labros, com pingentes <strong>de</strong>cristal, e numerosos tocheiros, sustentavam sessenta cí<strong>rio</strong>s.No alto <strong>do</strong> <strong>do</strong>ssel e nos panos das pare<strong>de</strong>s foram aplica<strong>do</strong>s, no diaseguinte, escu<strong>do</strong>s das Armas Imperiais, pinta<strong>do</strong>s e ilumina<strong>do</strong>s com assuas cores e metais. Na entrada principal <strong>do</strong> hotel Bedford, que dá paraa rua <strong>de</strong> L’Arca<strong>de</strong>, suspen<strong>de</strong>u-se uma imensa armação <strong>de</strong> pano e crepe,repetin<strong>do</strong> os motivos <strong>de</strong> ornamentação da câmara ar<strong>de</strong>nte.A con<strong>de</strong>ssa e o con<strong>de</strong> d’Eu, o príncipe <strong>do</strong>m Pedro Augusto e muitos<strong>do</strong>s seus amigos tinham toma<strong>do</strong> aposentos no hotel <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a noite <strong>de</strong>4. A princesa velou toda a madrugada <strong>de</strong> 5 ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> cadáver <strong>de</strong> seupai. Depois, até a noite <strong>de</strong> 8, foi ele guarda<strong>do</strong> constantemente por <strong>do</strong>ispadres e pelos seguintes brasileiros, que se revezavam nesse pie<strong>do</strong>soserviço: con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aljezur, conselheiro Silva Costa, con<strong>de</strong> e con<strong>de</strong>ssa<strong>de</strong> Mota Maia, <strong>barão</strong> e baronesa <strong>de</strong> Muritiba, <strong>barão</strong> e baronesa <strong>de</strong>Estrela, marechal viscon<strong>de</strong> da Penha e viscon<strong>de</strong>ssa da Penha, <strong>barão</strong> <strong>de</strong>Albuquerque, José Paranaguá, Gofre<strong>do</strong> <strong>de</strong> Escragnolle Taunay, João <strong>de</strong>Souza Dantas, Cansansão <strong>de</strong> Sinimbu, Silva Teles, <strong>barão</strong> <strong>de</strong> São Joaquim,Sebastião Guimarães, Carlos Silveira Martins, viúva Silva Coutinho,<strong>do</strong>na Maria Júlia <strong>de</strong> Bulhões Ribeiro, senhora Andra<strong>de</strong> Pinto, Alfre<strong>do</strong>Rocha e sua senhora, <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Maia Monteiro, Pandiá Calógeras e suasenhora, con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Barral e Andra<strong>de</strong> Macha<strong>do</strong>.Começaram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o dia 5 a chegar telegramas <strong>de</strong> pêsames e afluiros visitantes. Mais <strong>de</strong> 40 páginas <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> livro <strong>de</strong> registro ficaramcheias <strong>de</strong> nomes nos <strong>do</strong>is primeiros dias. Esse livro é o mesmo em queestão assina<strong>do</strong>s os últimos visitantes que a família imperial recebeu noRio <strong>de</strong> Janeiro, a 16 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1889.C’est par <strong>de</strong>s pleines corbeilles que les telegrammes arrivent * , diziana tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> 6 o National. Com efeito, eles chegavam aos centos e <strong>de</strong>todas as partes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Na manhã <strong>de</strong> 7, havia uns 500 a abrir e ler, eoutros continuavam a ser apresenta<strong>do</strong>s. Entre eles, citarei os seguintes:De RomaSanto padre recebeu com vivo pesar a triste notícia comunicada por vossa altezaimperial. Ele dirige ar<strong>de</strong>ntes preces ao senhor pelo repouso eterno <strong>do</strong> augusto <strong>de</strong>funtoe apresenta a vossa alteza e à família imperial as suas con<strong>do</strong>lências. Car<strong>de</strong>al Rampolla.*É em cestas cheias que os telegramas chegam. (N. E.)374


ARTIGOS DE IMPRENSADe BerlimA imperatriz e eu, profundamente senti<strong>do</strong>s com a triste notícia, enviamos a vossaalteza imperial a expressão das nossas mais sinceras con<strong>do</strong>lências pela perda<strong>do</strong>lorosa que acaba <strong>de</strong> sofrer. Pedimos a Deus que vos conceda as suas consolaçõesnesta triste provação. Guilherme, impera<strong>do</strong>r rei.De RomaA <strong>de</strong>sgraça que leva o luto ao coração <strong>de</strong> vossa alteza imperial e <strong>de</strong> sua augustafamília causa-nos, à Rainha e a mim, vivíssima e sincera aflição. O venera<strong>do</strong> pai<strong>de</strong> vossa alteza imperial era para nós e para a Itália um amigo sempre queri<strong>do</strong>;suas altas qualida<strong>de</strong>s faziam a admiração <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os homens <strong>de</strong> inteligência e <strong>de</strong>coração que ele honrava com a sua benevolência. A <strong>do</strong>r <strong>de</strong> vossa alteza imperialé, pois, largamente partilhada aqui, e as con<strong>do</strong>lências que ofereço são também aexpressão <strong>do</strong>s sentimentos da nação italiana. Humberto.De VienaA nova <strong>do</strong>r que fere vossa alteza imperial afligiu-me profundamente, conhecen<strong>do</strong> todaa amargura que <strong>de</strong>ixam no coração esses golpes irreparáveis. Conceda Deus a vossaalteza todas as consolações <strong>de</strong> que precisa nesta cruel provação. Francisco José.De Windsor CastleFoi com o mais vivo pesar que recebi a notícia da morte <strong>do</strong> vosso queri<strong>do</strong> pai erogo-vos que aceiteis a expressão da minha viva simpatia. Victoria R. I.To<strong>do</strong>s os soberanos e príncipes das famílias reinantes telegrafaramem termos igualmente senti<strong>do</strong>s e afetuosos. O mesmo fizeram muitasdas sumida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> científico, literá<strong>rio</strong> e artístico, resi<strong>de</strong>ntes noestrangeiro ou ausentes <strong>de</strong> Paris, como o gran<strong>de</strong> historia<strong>do</strong>r César Cantù,<strong>de</strong> Milão; Maxime du Camp, ora em Ba<strong>de</strong>n-Ba<strong>de</strong>n; e Guillaume, diretorda Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> França, em Roma.O cavalheiro que obsequiosamente se encarregou <strong>de</strong> dar-me cópia<strong>do</strong>s principais telegramas enviou-me tantos <strong>do</strong>cumentos, que seriaimpossível reproduzi-los sem encher colunas inteiras <strong>do</strong> jornal.Dos milhares <strong>de</strong> visitantes, só direi que tu<strong>do</strong> quanto Paris conta <strong>de</strong>mais ilustre foi inscrever-se no livro <strong>de</strong> registro coloca<strong>do</strong> na portaria <strong>do</strong>hotel, ou subiu aos aposentos imperiais para apresentar con<strong>do</strong>lências àprincesa <strong>do</strong>na Isabel. O presi<strong>de</strong>nte da República Francesa <strong>de</strong>putou para375


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOesse fim o general Brugère e to<strong>do</strong>s os oficiais da sua casa militar, vesti<strong>do</strong>s<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> uniforme. No mesmo dia 5, inscreveram-se o senhor DeFreycinet, presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Conselho e ministro da Guerra, acompanha<strong>do</strong><strong>do</strong> general Brant e <strong>do</strong>s seus ajudantes <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns, os outros membros<strong>do</strong> gabinete, muitos sena<strong>do</strong>res, <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s, conselheiros <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>, altosfuncioná<strong>rio</strong>s <strong>do</strong>s ministé<strong>rio</strong>s, generais <strong>de</strong> terra e mar, magistra<strong>do</strong>s, oprefeito <strong>do</strong> <strong>de</strong>partamento <strong>do</strong> Sena e o prefeito <strong>de</strong> Polícia, embaixa<strong>do</strong>res,ministros plenipotenciá<strong>rio</strong>s, membros <strong>do</strong> instituto, jornalistas e toda acolônia brasileira excetuadas 10 ou 12 pessoas, entre as quais o ministro,o cônsul e outros emprega<strong>do</strong>s públicos.O nosso ilustre pintor Louis Bonnat, reti<strong>do</strong> em casa em razão <strong>de</strong> umataque <strong>de</strong> influenza, escreveu uma sentida carta <strong>de</strong> pêsames, lamentan<strong>do</strong>não po<strong>de</strong>r fazer o último retrato <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro <strong>de</strong> Alcântara, seu ilustrecolega <strong>do</strong> instituto. Em lugar <strong>de</strong> Bonnat, apresentou-se a senhoritaNélie Jacquemart, que escarvou rapidamente um busto <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>rmorto, admirável <strong>de</strong> semelhança. A senhorita Jacquemart, discípula <strong>de</strong>Cogniet, tem feito, entre outros retratos notáveis, os <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte Thiers(1872), marechal Canrobert (1870), generais <strong>de</strong> Palikau e d’Aurelles<strong>de</strong> Paladine (1877, no museu <strong>de</strong> Luxemburgo), duque Decazes e <strong>barão</strong><strong>de</strong> Montesquieu (1878). Há três semanas, outra artista <strong>de</strong> talento, asenhorita Louise Abbema, tinha termina<strong>do</strong> um retrato <strong>do</strong> ex-impera<strong>do</strong>rpara a princesa <strong>do</strong>na Isabel.Li em vá<strong>rio</strong>s jornais que um escultor mol<strong>do</strong>u, no dia 5, o rosto <strong>de</strong><strong>do</strong>m Pedro II. Não sei se a notícia é exata. No Instituto Pasteur, temosum excelente busto <strong>do</strong> ilustre brasileiro, trabalha<strong>do</strong> por Guillaume, em1888. O Mon<strong>de</strong> Illustré acaba <strong>de</strong> publicar uma gravura <strong>de</strong> Henry Dochyrepresentan<strong>do</strong> esse mármore. Nadar fez uma bela fotografia <strong>do</strong> morto eda câmara ar<strong>de</strong>nte.(continua)376


ARTIGOS DE IMPRENSA112) Cartas <strong>de</strong> França *A morte e os funerais <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro IITodas as manhãs, nos dias 6, 7 e 8, foram celebradas missas <strong>de</strong>réquiem junto ao cadáver, pelo padre David, membro correspon<strong>de</strong>nte <strong>do</strong>instituto. Na manhã <strong>de</strong> 6, o <strong>do</strong>utor Poirier, chefe <strong>do</strong>s trabalhos anatômicosna Escola <strong>de</strong> Medicina, proce<strong>de</strong>u ao embalsamamento, assisti<strong>do</strong> pelosprofessores Charcot e Mota Maia. Então, vesti<strong>do</strong> com gran<strong>de</strong> uniforme<strong>de</strong> marechal e ten<strong>do</strong> sobre o peito as placas <strong>do</strong> Cruzeiro, da Rosa e daLegião <strong>de</strong> Honra, os colares da Rosa e da Torre e Espada e o fitão das seisor<strong>de</strong>ns brasileiras, foi o corpo coloca<strong>do</strong> <strong>de</strong> novo sobre a tarima, cobertoem parte por duas ban<strong>de</strong>iras imperiais. Assim ficou em exposição nosdias 6 e 7, sen<strong>do</strong> o público admiti<strong>do</strong> a visitar a câmara ar<strong>de</strong>nte das 16hàs 18h30, no primeiro dia, e das 14h às 17h, no segun<strong>do</strong>.O Temps <strong>de</strong>screveu assim as cenas da tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> 6:Des<strong>de</strong> as 15h as vizinhanças <strong>do</strong> hotel estavam invadidas pela multidão. Elaestacionava, forman<strong>do</strong> longas fileiras, sobre a calçada, <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s da porta <strong>do</strong>hotel. Um serviço <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m tinha si<strong>do</strong> estabeleci<strong>do</strong> para assegurar a circulação <strong>do</strong>svisitantes. Apesar <strong>de</strong>ssas medidas, a entrada não se efetuou sem pequenos inci<strong>de</strong>ntes,to<strong>do</strong>s ocasiona<strong>do</strong>s pela gran<strong>de</strong> afluência <strong>do</strong> público. Sem falar nas disputas a que<strong>de</strong>ram lugar alguns empurrões inevitáveis em semelhante aglomeração <strong>de</strong> gente,muitas senhoras, apertadas, <strong>de</strong> preto e incomodadas pelo calor sufocante que reinavano vestíbulo, <strong>de</strong>smaiaram e tiveram <strong>de</strong> ser transportadas para a rua, sem senti<strong>do</strong>s.Às 16h30, começou a <strong>de</strong>sfilar a procissão <strong>de</strong> visitantes. Depois <strong>de</strong> subirem aescada que conduz aos aposentos <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro, penetravam eles em um salãointeiramente <strong>de</strong>spi<strong>do</strong> <strong>de</strong> móveis e, colocan<strong>do</strong>-se em linha, eram introduzi<strong>do</strong>s porum mestre <strong>de</strong> cerimônias na câmara mortuária.Não foi sem profunda emoção que os visitantes contemplaram o espetáculo<strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r estendi<strong>do</strong> sobre o leito <strong>de</strong> morte, tanto o cená<strong>rio</strong> é grandioso eimponente. A tarima fica em frente <strong>de</strong> duas janelas que dão para a rua <strong>de</strong> l’Arca<strong>de</strong>,ten<strong>do</strong> a cabeceira apoiada na pare<strong>de</strong> <strong>do</strong> fun<strong>do</strong>. É muito alta. Sobre alguns <strong>de</strong>graus*Segunda parte, publicada no Jornal <strong>do</strong> Brasil em 11 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1892. (N. E.)377


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOe inteiramente alcatifada <strong>de</strong> velu<strong>do</strong> preto, sobre o qual se <strong>de</strong>stacam motivos emborda<strong>do</strong>s <strong>de</strong> prata. É <strong>do</strong>minada por um <strong>do</strong>ssel <strong>do</strong> mesmo estofo com os ângulosorna<strong>do</strong>s <strong>de</strong> penachos. No frontão foi coloca<strong>do</strong> o escu<strong>do</strong> das Armas Imperiais.Em torno <strong>do</strong> catafalco, dispostos em três fileiras, ar<strong>de</strong>m 50 tocheiros. É no meio<strong>de</strong>ssa inundação <strong>de</strong> luz, contrastan<strong>do</strong> com os panos pretos das pare<strong>de</strong>s e <strong>do</strong> teto,que aparece a figura calma e serena <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r, <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong> o seu último sono.O rosto parece <strong>de</strong> cera, tão extrema é a pali<strong>de</strong>z; dir-se-ia uma estátua <strong>de</strong> mármore<strong>branco</strong>. Os traços não se alteraram com a operação <strong>do</strong> embalsamamento. O corpo,revesti<strong>do</strong> <strong>do</strong> uniforme <strong>de</strong> general, ocupa no leito posição ligeiramente inclinada, eestá coberto com duas ban<strong>de</strong>iras brasileiras, cujas vivas cores brilham no meio <strong>de</strong>to<strong>do</strong> esse aparato <strong>de</strong> luto. Sobre o peito <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro estão as insígnias <strong>de</strong> váriasor<strong>de</strong>ns. Na cama vê-se também a espada <strong>do</strong> soberano. Em torno <strong>do</strong> catafalco estãodistribuídas numerosas e soberbas coroas, pela maior parte <strong>de</strong> flores naturais.Às 18h <strong>do</strong> dia 7, terminada a visita pública, foi o corpo coloca<strong>do</strong>em um caixão <strong>de</strong> carvalho, inte<strong>rio</strong>rmente acolchoa<strong>do</strong> <strong>de</strong> cetim <strong>branco</strong>e exte<strong>rio</strong>rmente forra<strong>do</strong> <strong>de</strong> velu<strong>do</strong> preto com lhamas e estrelas <strong>de</strong>prata. No fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> caixão assentou-se uma camada <strong>de</strong> terra <strong>do</strong> Brasil.Informaram-me que <strong>do</strong>m Pedro II a fizera vir há tempos, dizen<strong>do</strong> que,se morresse no exílio, queria que o seu corpo <strong>de</strong>scansasse assim sobre aterra brasileira, embora longe da pátria. Um jovem engenheiro ofereceutambém um pequeno saco, conten<strong>do</strong> terra <strong>do</strong> Brasil.Seriam 19h quan<strong>do</strong> os brasileiros e alguns jornalistas que ali seachavam foram admiti<strong>do</strong>s no salão.Sobre o soalho, no meio da sala iluminada pelo clarão <strong>de</strong> váriastochas, via-se o caixão ainda aberto. Ao la<strong>do</strong>, <strong>de</strong> joelhos, a princesa <strong>do</strong>naIsabel, vestida <strong>de</strong> rigoroso luto, chorava em silêncio. A alguma distância,também ajoelha<strong>do</strong>s, estavam o con<strong>de</strong> d’Eu e o príncipe <strong>do</strong> Grão-Pará.Os brasileiros presentes (trinta e tantos) foram <strong>de</strong>sfilan<strong>do</strong> e, um aum, lançaram água benta sobre o cadáver e beijaram-lhe a mão. Eu fiz omesmo. Hei <strong>de</strong> ter sempre presente na memória essa cena, uma das maistristes e solenes a que tenho assisti<strong>do</strong>.Depois, se cobriu o caixão com uma tampa <strong>de</strong> vidro e foi coloca<strong>do</strong> nacâmara ar<strong>de</strong>nte, on<strong>de</strong> o corpo continuou exposto até a tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> 8. No diaseguinte, à noite, foi aplicada a tampa <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, sobre a qual, em umachapa <strong>de</strong> prata, estão gravadas as Armas Imperiais e, por baixo, a seguinteinscrição, composta pelo <strong>do</strong>utor Seybold e pelo <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Pene<strong>do</strong>:378


ARTIGOS DE IMPRENSAD. O. M.HicRequiescit in paceÆterna memoria pie colendusAugustissimus DominusPETRUS SECUNDUSBrasiliæ ImperatorPetri primi, imperii brasilienis fundatoris, et Leopoldinæ, filiæ FrancisciGermaniæ, postea Austriæ imperatoris, filius.Justitia, clementia, liberalitate, humanitate, populi sui pater, servorum adlibertatem pru<strong>de</strong>ntissimus conductor, litterarum artiumque luminis pervastissimum imperium propagator, animi magnitudine, ingenii acumine, memoriæimmortalitate, scientiæ varietate incomparabilis.Natus ante diem IV nonus <strong>de</strong>cembres [sic] A. D. MDCCCXXV in civitate Fluminensiregnor [sic] minor accessit A. d. MDCCCXXXI, maior A. D. MDCCCXL. Optimesemper per regnum plus quam semisæculare <strong>de</strong> patria meritus rerum illius A.D. MDCCCLXXXLX conversionis turbini cessit; ut illustrissimum serenissimæbenignitatis, constantiæ, patientiæ, sapientiæ, exemplar, sincero amborum orbiumplanetu uctuque <strong>de</strong>ploratus fortiter ac pie obiit Parisiis nonis <strong>de</strong>cembribus A.Dd.MDCCCXCI.Ditosa pátria que tal filho teve!Mas antes pai; que enquanto o sol ro<strong>de</strong>ia,Este globo <strong>de</strong> Ceres e Netuno,Sempre suspirará por tal aluno(Lusíadas, C. VIII, 32.).A tradução é, mais ou menos, esta:Ao Deus muito bom e muito gran<strong>de</strong>.Aqui repousa em paz o augustíssimo <strong>do</strong>m Pedro II, impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil, cujamemória será eterna e pie<strong>do</strong>samente honrada.Filho <strong>de</strong> Pedro I, funda<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> brasileiro, e <strong>de</strong> Leopoldina, filha <strong>de</strong>Francisco, impera<strong>do</strong>r da Alemanha, <strong>de</strong>pois da Áustria.Foi pai <strong>de</strong> seu povo pela justiça, clemência, generosida<strong>de</strong> e humanida<strong>de</strong>; condutor379


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOpru<strong>de</strong>ntíssimo <strong>do</strong>s escravos para a liberda<strong>de</strong>, propaga<strong>do</strong>r das letras e das artesatravés <strong>do</strong> seu vastíssimo Impé<strong>rio</strong>; incomparável na gran<strong>de</strong>za da alma, agu<strong>de</strong>za <strong>de</strong>espírito, in<strong>de</strong>fectibilida<strong>de</strong> da memória e varieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s conhecimentos.Nasci<strong>do</strong> a 2 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>do</strong> ano <strong>de</strong> 1825 <strong>do</strong> senhor, na cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro,subiu ao trono, sen<strong>do</strong> menor, em 1831, e chegou à maiorida<strong>de</strong> em 1840. Semprebenemérito da pátria durante um reina<strong>do</strong> <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> meio século, <strong>de</strong>ixou o po<strong>de</strong>rdiante da tormenta revolucionária <strong>de</strong> 1889; e morreu com coragem e religiãoem Paris, no dia 5 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1891, chora<strong>do</strong> pelo pranto e luto sincero <strong>do</strong>s<strong>do</strong>is mun<strong>do</strong>s, como muito ilustre mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> sereníssima benignida<strong>de</strong>, constância,paciência e erudição.O salão, a câmara mortuária e outras peças vizinhas estavamliteralmente cheias <strong>de</strong> coroas <strong>de</strong> flores. Na noite <strong>de</strong> 8, tinham si<strong>do</strong>recebidas mais <strong>de</strong> 200. Não me foi possível obter uma relação completae por isso indico somente as principais:1. A meu queri<strong>do</strong> pai. Sua filha extremosa e sau<strong>do</strong>síssima, Isabel.2. Ao nosso queri<strong>do</strong> pai. Seus filhos extremosos e sau<strong>do</strong>síssimos,Isabel e Gastão (gran<strong>de</strong> coroa <strong>de</strong> rosas e violetas <strong>de</strong> Parma).3. Ao nosso queri<strong>do</strong> avô. Seus netos <strong>do</strong>m Pedro <strong>de</strong> Alcântara, <strong>do</strong>mLuiz e <strong>do</strong>m Antonio (filhos da senhora <strong>do</strong>na Isabel).4. A mon frère bien-aimé, Januaria.5. A nosso queri<strong>do</strong> avô, seus netos <strong>do</strong>m Pedro Augusto, <strong>do</strong>mAugusto e <strong>do</strong>m Luiz (filhos <strong>do</strong> duque <strong>de</strong> Saxe).6. A <strong>do</strong>m Pedro II, Victoria, R. I. (rainha Vitória, imperatriz das Índias).7. Hommage et regrets, prince Ferdinand <strong>de</strong> Bulgarie.8. Princesa Clementina <strong>de</strong> Saxe Coburg e Gotha.9. Con<strong>de</strong> e con<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Trapani (o con<strong>de</strong> é irmão da falecidaimperatriz <strong>do</strong> Brasil, <strong>do</strong>na Thereza).10-15. Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Paris, duque <strong>de</strong> Nemours, duque d’Aumale,príncipe e princesa <strong>de</strong> Joinville, duque <strong>de</strong> Chartres.16. Infanta <strong>do</strong>na Antonia <strong>de</strong> Hohenzollern.17. A Associação Comercial <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro ao seu presi<strong>de</strong>ntehonorá<strong>rio</strong>, <strong>do</strong>m Pedro II (gran<strong>de</strong> e magnífica coroa formada comum ramo <strong>de</strong> café e outro <strong>de</strong> fumo, executa<strong>do</strong>s com admirávelperfeição; fita preta; laço <strong>de</strong> crepe).380


ARTIGOS DE IMPRENSA18. Jornal <strong>do</strong> Commercio, <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, A sua majesta<strong>de</strong>o senhor <strong>do</strong>m Pedro II. Homenagem patriótica (coroa <strong>de</strong>orquí<strong>de</strong>as; fita preta).19. “A sua majesta<strong>de</strong> imperial senhor <strong>do</strong>m Pedro II, o Jornal <strong>do</strong>Brasil, <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro (duas gran<strong>de</strong>s palmas <strong>de</strong> ouro aplicadassobre uma coroa <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong>s; fita ver<strong>de</strong> e amarela, laço <strong>de</strong> crepe).20. A sua majesta<strong>de</strong> o senhor <strong>do</strong>m Pedro II, impera<strong>do</strong>r constitucional<strong>do</strong> Brasil, a redação <strong>do</strong> jornal O Brasil, <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro (goivose rosas; fita ver<strong>de</strong> e amarela).21. Gran<strong>de</strong> coroa <strong>de</strong> louros em ferro forja<strong>do</strong> e colori<strong>do</strong>, na qual seenlaça uma larga fita <strong>de</strong> chamalote preto. Em uma das pontaslê-se esta inscrição: “A <strong>do</strong>m Pedro II, a quem o Brasil <strong>de</strong>vemeio século <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> progresso e <strong>de</strong> glórias.” Na outra:“Tempos felizes em que o pensamento, a palavra e a pena eramlivres, em que o Brasil libertava povos oprimi<strong>do</strong>s!”22. Coroa <strong>de</strong> goivos e <strong>de</strong> rosas; fita ver<strong>de</strong> e amarela com esta inscrição:“Ao gran<strong>de</strong> impera<strong>do</strong>r, por quem se bateram Caxias, Osó<strong>rio</strong>,Andra<strong>de</strong> Neves e tantos outros heróis, os Voluntá<strong>rio</strong>s da Pátria.23. Instituto Histórico e Geográfico <strong>do</strong> Brasil.24. Liceu <strong>de</strong> Artes e Ofícios, <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro.25. Ao seu protetor, ao seu venera<strong>do</strong> pai, os sur<strong>do</strong>s-mu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Brasil.26. A Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Beneficência <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, aoseu protetor <strong>do</strong>m Pedro II.27. Socieda<strong>de</strong> das Obras Públicas <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, homenagem asua majesta<strong>de</strong> o impera<strong>do</strong>r.28. A sua majesta<strong>de</strong> o senhor <strong>do</strong>m Pedro II, impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil,homenagem <strong>de</strong> Eduar<strong>do</strong> Pra<strong>do</strong>.29. Jockey Club, <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro (uma das maiores e mais ricascoroas).30. La Maison Krupp et les ouvriers d’Essen à s. m. l’Empereur d.Pedro II.31. Le Museum d’Histoire Naturelle (<strong>do</strong>is ramos <strong>de</strong> palmeiraimperial <strong>do</strong> Brasil, fita roxa; quatro homens carregaram duranteo trajeto da Madalena à estação estes ramos, homenagem <strong>do</strong>sprofessores <strong>do</strong> museu <strong>de</strong> Paris).32. La colonia chilena en Paris a Su Majestad el empera<strong>do</strong>r DonPedro II (fita azul, branca e encarnada).381


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO33. À Sa Majesté l’Empereur d. Pedro II, les proscrits du Chili àParis (fita tricolor, como a prece<strong>de</strong>nte).34. Ao sempre chora<strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>m Pedro II, em nome <strong>do</strong>sbaianos (coroa <strong>de</strong> rosas naturais; fita ver<strong>de</strong> e amarela).35. Os <strong>rio</strong>-gran<strong>de</strong>nses ao rei liberal e pat<strong>rio</strong>ta (rosas e violetasnaturais; fita ver<strong>de</strong> e amarela).36. L’Association <strong>de</strong>s Dames Françaises, À S. M. l’Empereur d.Pedro, membre d’honneur.37. Societé Française d’Hygiène.38. Congrès <strong>de</strong>s Americanistes, Comité <strong>de</strong> Paris.39. Institut Rudy.40. Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Beneficência <strong>de</strong> Paris.41. Os Felibres Lerins (flores naturais).42. Um negro brasileiro, em nome <strong>de</strong> sua raça (i<strong>de</strong>m).43. A <strong>do</strong>m Pedro II, um grupo <strong>de</strong> estudantes brasileiros em Paris.Posteritati narratus et traditus, superstes erit.44. Estudantes brasileiros <strong>de</strong> Gand. Foi rei, foi rei, mas rei daliberda<strong>de</strong> (José Bonifácio).45. Os emprega<strong>do</strong>s da casa bancária <strong>de</strong> Sebastião <strong>de</strong> Pinho.46. Banco Mercantil <strong>do</strong>s Varejistas.47. Ao gran<strong>de</strong> brasileiro benemérito da pátria e da humanida<strong>de</strong>.Ubique Patria Memor *48. Vasques Sagastume (ministro da República <strong>do</strong> Uruguai).49. O prefeito da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cannes (flores naturais).50. A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cannes (i<strong>de</strong>m).51. Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Alzejur.52. Joaquim Nabuco.53. Carlos <strong>de</strong> Laet.54. Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mota Maia e sua família.55. Barão <strong>de</strong> Ladá<strong>rio</strong>.56. Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nova Friburgo.57. Barão e baronesa <strong>de</strong> Muritiba.58. Amor e Fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>, viscon<strong>de</strong> da Penha e família.59. Viscon<strong>de</strong>ssa da Fonseca Costa e baronesa <strong>de</strong> Suruí.60. Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nioac e família.*Divisa <strong>do</strong> brasão <strong>de</strong> Armas <strong>do</strong> Barão <strong>do</strong> Rio Branco. (N. E.)382


ARTIGOS DE IMPRENSA61. Almirante marquês <strong>de</strong> Tamandaré e família.62. Con<strong>de</strong> e con<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Carapebus.63. Família Paranaguá.64. Barão e baronesa <strong>de</strong> Estrela.65. Viscon<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Araguaia e família.66. Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cavalcanti e família67. Os filhos da con<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Pedra Branca e Barral.68. Stephen Liegeard.69. Família Sinimbu.70. Família Taunay.71. José Paranaguá e senhora.72. Viscon<strong>de</strong> e viscon<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Torres.73. João <strong>de</strong> Souza Dantas e senhora.74. Senhora Lima e Silva e seus filhos.75. Baronesa <strong>de</strong> Teresópolis.76. Viúva Silva Coutinho.77. Família Santa Victoria.78. A colônia portuguesa em Paris (uma das mais belas coroas; fitaazul e branca).79. Con<strong>de</strong>ssa Monteiro <strong>de</strong> Barros.80. Sebastião Guimarães e família.81. Con<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Estrela.82. Viscon<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Ubá.83. Baronesa <strong>de</strong> Inoã.84. Alfre<strong>do</strong> Rocha e família.85. Pandiá Calógeras e família.86. Barão e baronesa <strong>de</strong> Loreto.87. Senhora Porciúncula.88. Barão e baronesa <strong>de</strong> Maia Monteiro.89. Senhora Buys Guimarães.90. Família Tourinho.91. Família Raythe.92. Senhora R. <strong>de</strong> Oliveira.93. Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Leopoldina (enorme coroa).94. Família Pedro Queiroz.95. Doutor J. C. Mayrink e família.96. Senhora Mayrink Rebelo.383


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO97. Viscon<strong>de</strong>ssa Ferreira <strong>de</strong> Almeida.98. F. Topin e família.99. Senhora Labat.100. General Hartung.101. Léon Pie fils.102. Conselheiro Ro<strong>do</strong>lfo Dantas.103. Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Grenand <strong>de</strong> Saint-Christophe.104. Senhor e senhora Dybousky.105. Senhorita Nicolas Rome.106. Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Laugier-Villars.107. Senhora Artur Napoleão.108. Senhor e senhora Gustave Taizon.109. Família Ferreira Lage.110. Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Schmidt (uma das mais ricas coroas).111. Alexandre Wagner.112. Dona Maria Julia Marques <strong>de</strong> Sá.113. Dona Maria Antonia <strong>de</strong> Bulhões Ribeiro.114. Senhora Andra<strong>de</strong> Pinto e filho.115. Senhoritas Teixeira Leite.116. Barão e baronesa <strong>de</strong> S. Joaquim.117. Senhorita Lassimone.118. Família P. Oneirez.119. Pedro <strong>de</strong> Tovar.120. Con<strong>de</strong>ssa Faucher <strong>de</strong> Careil.121. Baronesa <strong>de</strong> Bussière.122. Martin & Ludwig Rée.Às 21h foi o féretro conduzi<strong>do</strong> para a igreja da Madalena em umcoche fúnebre <strong>de</strong> primeira classe, seguin<strong>do</strong>, entre alas <strong>de</strong> povo, pelarua <strong>de</strong> l’Arca<strong>de</strong> e bulevar Malesherbes. A senhora <strong>do</strong>na Isabel, o con<strong>de</strong>d’Eu, os três príncipes seus filhos, a princesa e o príncipe <strong>de</strong> Joinville,o príncipe <strong>do</strong>m Pedro Augusto <strong>de</strong> Saxe, os duques <strong>de</strong> Nemours e <strong>de</strong>Chartres e uns 300 brasileiros, entre os quais me mostraram os antigosconselheiros <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cavalcanti, Silveira Martins, SilvaCosta e Couto <strong>de</strong> Magalhães, o marechal viscon<strong>de</strong> da Penha, os con<strong>de</strong>s<strong>de</strong> Aljezur, Nioac, Nova Friburgo e Villeneuve, o con<strong>de</strong> e a con<strong>de</strong>ssa<strong>de</strong> Mota Maia, a viscon<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Cavalcanti, os barões e baronesas <strong>de</strong>384


ARTIGOS DE IMPRENSAPene<strong>do</strong>, Muritiba e Estrela, o <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Albuquerque e o <strong>do</strong>utor Eduar<strong>do</strong>Pra<strong>do</strong> acompanharam a pé o féretro.O coche parou diante da primeira porta <strong>do</strong> baseamento, <strong>do</strong> la<strong>do</strong><strong>do</strong> bulevar Malesherbes, coberta por uma marquesinha que vai até agradaria. Ali foi <strong>de</strong>posita<strong>do</strong> o caixão em uma capela ar<strong>de</strong>nte, cujas luzeseram, em parte, visíveis da rua, por <strong>do</strong>is postigos. Às 3h, passan<strong>do</strong> <strong>de</strong>novo por esse lugar, ainda encontrei um ajuntamento <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 500pessoas.Quatro padres velaram toda a noite junto <strong>do</strong> cadáver. No inte<strong>rio</strong>r daigreja trabalhava-se ativamente para terminar a <strong>de</strong>coração.(continua)Ferdinand Hex113) Cartas <strong>de</strong> França *A morte e os funerais <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro IICom a minha carta <strong>de</strong> 5 <strong>do</strong> corrente, man<strong>de</strong>i a tradução <strong>do</strong> editorial<strong>do</strong> Temps <strong>de</strong>sse dia (os jornais da tar<strong>de</strong> aparecem sempre com a data <strong>do</strong>dia seguinte).Sei que o correspon<strong>de</strong>nte encarrega<strong>do</strong> <strong>do</strong> serviço telegráfico <strong>do</strong>Jornal <strong>do</strong> Brasil expediu logo extratos <strong>do</strong>s <strong>artigos</strong> das principais folhaspolíticas. O tom <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os jornais, republicanos e monarquistas, foi <strong>do</strong>mais profun<strong>do</strong> respeito e simpatia pelo ilustre brasileiro que acaba <strong>de</strong><strong>de</strong>saparecer e que tanta gran<strong>de</strong>za e dignida<strong>de</strong> mostrou no exílio.O Radical e a Bataille foram, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro dia, as únicasexceções. O Radical <strong>de</strong>clarou que <strong>do</strong>m Pedro II nenhum serviço prestaraao Brasil e que a emancipação <strong>do</strong>s escravos, <strong>de</strong> que tanto se falava, fora<strong>de</strong>vida aos senhores José <strong>do</strong> Patrocínio e Angelo Agostini. A Bataille,jornal comunista, cobriu <strong>de</strong> insultos o ex-impera<strong>do</strong>r, chaman<strong>do</strong>-o <strong>de</strong>charlatão, <strong>de</strong> tirano, dizen<strong>do</strong> que durante a vida só se preocupara comseus interesses pessoais e que, ultimamente, levava a gozar na Europaa gorda pensão que seus adversá<strong>rio</strong>s lhe pagavam. Cumpre notar*Terceira parte, publicada no Jornal <strong>do</strong> Brasil em 12 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1892. (N. E.)385


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOque <strong>do</strong>m Pedro foi nesse artigo injuria<strong>do</strong> em mui boa companhia: na<strong>de</strong> Thiers, principal funda<strong>do</strong>r da República em França, e na <strong>de</strong> JulesSimon, republicano <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os tempos, sempre o mesmo liberal <strong>do</strong>sdias <strong>de</strong> oposição, falan<strong>do</strong> a linguagem <strong>do</strong> bom senso, <strong>do</strong> pat<strong>rio</strong>tismo eda tolerância política.O Siècle publicou, dias <strong>de</strong>pois da morte <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro, um artigohostil, mas não inju<strong>rio</strong>so. Deve ser <strong>de</strong> estrangeiro, pois ressuma muitocomtismo, coisa que nunca foi <strong>de</strong> moda entre nós e que hoje não passa<strong>de</strong> velharia, guardada por pequeno número <strong>de</strong> sectá<strong>rio</strong>s.No Rappel <strong>de</strong> 10 e <strong>de</strong> 11 apareceu também uma extensa carta <strong>do</strong>senhor José <strong>do</strong> Patrocínio, precedida <strong>de</strong> algumas linhas da redação emque se lê o seguinte trecho:Foi José <strong>do</strong> Patrocínio que proclamou a República no Rio <strong>de</strong> Janeiro, quan<strong>do</strong>o parti<strong>do</strong> militar não sabia como empregar a sua vitória. Foi ele, e só ele, quemc<strong>rio</strong>u, no meio <strong>de</strong> mil dificulda<strong>de</strong>s e perigos, a corrente <strong>de</strong> opinião que produziu aemancipação da raça negra em seu país.Segun<strong>do</strong> a carta <strong>do</strong> senhor Patrocínio, <strong>do</strong>m Pedro <strong>de</strong> Alcântaracomeçou o seu reina<strong>do</strong> protegen<strong>do</strong> os contrabandistas negreiros emostrou-se sempre contrá<strong>rio</strong> à emancipação <strong>do</strong>s escravos. O tráfico <strong>de</strong>africanos só cessou no Brasil porque a Inglaterra “fez bombar<strong>de</strong>ar vá<strong>rio</strong>sportos brasileiros e meter a pique, em suas águas, navios negreiros”.“A Socieda<strong>de</strong> Abolicionista Francesa foi inspira<strong>do</strong>ra da lei brasileira <strong>de</strong>1871”, e a abolição total, <strong>de</strong>cretada em 1888, resultou <strong>de</strong> um movimentoda opinião pública, provoca<strong>do</strong> pela <strong>imprensa</strong> e pela tribuna. O governoce<strong>de</strong>u, força<strong>do</strong> pelos acontecimentos. De toda a família imperial, sóa princesa <strong>do</strong>na Isabel teve alguma parte naquele ato. Chamam <strong>do</strong>mPedro II <strong>de</strong> filósofo, mas ele não passou <strong>de</strong> um Luís XI. Quanto à Guerra<strong>do</strong> Paraguai, o senhor Patrocínio diz que ela foi “a campanha <strong>do</strong> ódiopessoal <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro contra o dita<strong>do</strong>r López, campanha terminadapelo assassinato <strong>de</strong>ste último e pela <strong>de</strong>struição criminosa <strong>de</strong> um povoamericano”.Não faltaram, como veem os leitores <strong>do</strong> Jornal <strong>do</strong> Brasil, ataques aoilustre morto, e esses <strong>artigos</strong> foram escritos ou inspira<strong>do</strong>s por <strong>do</strong>is ou trêsbrasileiros. Toda a <strong>imprensa</strong> francesa, porém, com as únicas exceçõesque aponto, julgou <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> muito diferente o impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>m Pedro II386


ARTIGOS DE IMPRENSAe o Brasil. Víamos perfeitamente nós, os franceses, que <strong>do</strong>m Pedro nãofora um xá da Pérsia ou um tiranete <strong>do</strong> tipo <strong>do</strong>s Guzmán Blanco e <strong>de</strong>outros dita<strong>do</strong>res da América espanhola, mas sim o primeiro magistra<strong>do</strong><strong>de</strong> um povo livre, governan<strong>do</strong>-se com instituições muito semelhantes àsque temos hoje.A Constituição da nossa República Francesa é a mesma que o Brasiltinha, com as únicas diferenças <strong>de</strong> que entre nós o chefe <strong>do</strong> governoé eletivo, os sena<strong>do</strong>res são quase to<strong>do</strong>s temporá<strong>rio</strong>s, e as atribuições<strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>r brasileiro, inspiração <strong>de</strong> Benjamin Constant,pertencem na França ao Po<strong>de</strong>r Executivo. Dom Pedro II governou comos primeiros brasileiros <strong>do</strong> seu tempo, ouvin<strong>do</strong> seus conselheiros <strong>de</strong>Esta<strong>do</strong>, e guian<strong>do</strong>-se pelas manifestações <strong>do</strong> Parlamento e da opiniãopública. Nisso consiste principalmente a sua glória. Honrá-lo é honrartambém a nação que o teve por chefe durante meio século e que,durante esse reina<strong>do</strong>, tanto se elevou no conceito <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> civiliza<strong>do</strong>,mostran<strong>do</strong>-se a mais livre, a mais próspera, a mais adiantada e a maispo<strong>de</strong>rosa da América Latina, como disse há dias o Economiste Français.Na Inglaterra, também não é a rainha Vitória quem dirigepessoalmente as batalhas no Parlamento nem quem ganha vitóriasmilitares na Criméia, na Índia e na África. A glória <strong>do</strong> seu reina<strong>do</strong> éfeita da glória <strong>do</strong>s seus gran<strong>de</strong>s homens na política, nas armas, nasciências e letras, no comércio e na indústria. O mesmo se po<strong>de</strong> dizer <strong>do</strong>nosso presi<strong>de</strong>nte Carnot, governan<strong>do</strong> com o Parlamento e com ministrosresponsáveis.Vejamos alguns trechos <strong>do</strong>s <strong>artigos</strong> que publicaram as nossasprincipais folhas políticas. Não apareceram nesses <strong>artigos</strong> exageraçõesque pu<strong>de</strong>ssem explicar as injustiças e injúrias ante<strong>rio</strong>rmente citadas.Journal <strong>de</strong>s Débats (republicano e conserva<strong>do</strong>r; diretor G. Patinot).Número <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro:Dom Pedro inaugurou uma era <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconhecida antes <strong>de</strong>le. Exila<strong>do</strong>,infeliz, segun<strong>do</strong> dizem, pobre, recusara aceitar a pensão que lhe fora oferecidae veio encontrar em Cannes a hospitalida<strong>de</strong> que havia recebi<strong>do</strong> entre nós emdias melhores. Não havia quem <strong>de</strong>ixasse <strong>de</strong> testemunhar-lhe a mais profunda<strong>de</strong>ferência. Voltara aos seus hábitos mo<strong>de</strong>stos e labo<strong>rio</strong>sos [...]387


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOLa République Française (jornal funda<strong>do</strong> por Gambetta e dirigi<strong>do</strong>por J. Reinach e Eugéne Spuller). Editorial <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, assina<strong>do</strong>por Maurice Ordinaire:Foi com respeitosa simpatia que os parisienses, esses revolucioná<strong>rio</strong>s <strong>de</strong>nascimento que tantas vezes fizeram tremer a Europa monárquica, receberamontem a notícia da morte <strong>do</strong> velho impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>m Pedro. Na Europa, na França,sobretu<strong>do</strong>, esta pátria intelectual <strong>do</strong>s latinos da América, o velho impera<strong>do</strong>r tinhacria<strong>do</strong>, pouco a pouco, uma sorte <strong>de</strong> popularida<strong>de</strong> nada comum aos monarcas.Passava por um impera<strong>do</strong>r filósofo, uma sorte <strong>de</strong> Marco Aurélio americano,apaixona<strong>do</strong> pelas ciências e pelas coisas <strong>do</strong> espírito; para quem uma poltrona nasgran<strong>de</strong>s aca<strong>de</strong>mias <strong>do</strong> nosso velho mun<strong>do</strong> tinha mais encantos que o trono emsua ru<strong>de</strong> e positiva pátria. A nobre figura <strong>do</strong> soberano, emoldurada na bela barbabranca <strong>do</strong>s sábios da antiguida<strong>de</strong>, auxiliava a lenda. O impera<strong>do</strong>r prolongava assuas visitas a Paris. Tinha vin<strong>do</strong> no postrídio da Comuna, quan<strong>do</strong> os reis, mesmoos exila<strong>do</strong>s, afastavam-se das ruínas fumegantes das Tulherias. Mostrava gostoacentua<strong>do</strong> pela companhia <strong>do</strong>s sábios e <strong>do</strong>s poetas e contava-se a miú<strong>do</strong> queele colocava publicamente a realeza intelectual <strong>de</strong> Victor Hugo ao nível da suarealeza temporal.Convém <strong>de</strong>struir a lenda? Não seria, parece-nos, nem o momento, nem o lugar;nem certamente seria <strong>de</strong> justiça tentá-lo. Não se recebe com a coroa – e <strong>do</strong>mPedro <strong>de</strong> Alcântara a recebeu na ida<strong>de</strong> em que o comum <strong>do</strong>s homens apren<strong>de</strong> aescrever – o diploma <strong>de</strong> <strong>do</strong>utor em ciências ou <strong>de</strong> adjunto <strong>de</strong> filosofia; e a vidadas cortes <strong>de</strong>ixa raras vezes aos soberanos o tempo preciso para conquistar taispergaminhos. A ciência <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil era, talvez, um pouco mundana.Os sábios e os literatos que <strong>do</strong>m Pedro frequentava consi<strong>de</strong>raram sempre, e comrazão, que o soberano prestava à ciência uma homenagem glo<strong>rio</strong>sa e tocante, eesta reflexão lhe bastava.Seu longo reina<strong>do</strong> não tinha si<strong>do</strong> sem glória! E há <strong>de</strong> ser conta<strong>do</strong>, certamente,como um <strong>do</strong>s perío<strong>do</strong>s mais pacíficos, mais prósperos e mais felizes da históriabrasileira [...][...] Se o impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>m Pedro pagou com a perda da coroa o seu gosto tão <strong>de</strong>clara<strong>do</strong>pelas coisas <strong>do</strong> espírito, esta paixão generosa foi, <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> <strong>de</strong>stronamento, a suaconsolação e a sua alegria. Ele tinha muito <strong>de</strong>sapego ao po<strong>de</strong>r – para não sofrer388


ARTIGOS DE IMPRENSAmuito com a sua perda – e, seguramente, não obe<strong>de</strong>cia a um sentimento vulgar<strong>de</strong> ambição, quan<strong>do</strong> há dias, enfraqueci<strong>do</strong> e enfermo, oferecia-se <strong>de</strong> novo parapacificar a sua pátria, agora entregue às revoluções militares. Enfim, o exílio emParis, no meio da ativida<strong>de</strong> intelectual que o encantava, não era para ele um exílio.Sua morte foi suave como a sua vida tinha si<strong>do</strong> calma e serena.La Petite Republique Française (republicano in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte;redator chefe Jean Albiott). Editorial <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, assina<strong>do</strong>por Gustave Hu: “A história <strong>do</strong> seu reina<strong>do</strong> está cheia <strong>de</strong> fatos que ohonram. A emancipação <strong>do</strong>s escravos, por si só, constitui um título aoreconhecimento da humanida<strong>de</strong> [...]”L’Événement (republicano; redator chefe sena<strong>do</strong>r Magnier). Editorial<strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, assina<strong>do</strong> “Un bourgeois <strong>de</strong> Paris”, pseudônimo <strong>de</strong>Passerieu:[...] Impera<strong>do</strong>r <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>, foi bom sem banalida<strong>de</strong> e amou a sua pátriacom um afeto que a revolução <strong>de</strong> que foi vítima há <strong>do</strong>is anos não pô<strong>de</strong> diminuir...Sou <strong>do</strong>s que, com respeitosa simpatia, se <strong>de</strong>scobrem à passagem <strong>do</strong> préstito queleva para longe <strong>de</strong> Paris esse hóspe<strong>de</strong> – homem <strong>de</strong> coração e homem <strong>de</strong> espírito.Le Gaulois (monarquista; redator chefe Arthur Meyer). Número <strong>de</strong>6 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro:[...] Esse impera<strong>do</strong>r filósofo tinha um coração <strong>de</strong> pat<strong>rio</strong>ta... Foi com profunda<strong>do</strong>r que ele recebeu a notícia <strong>de</strong> que o Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul ia separar-se <strong>do</strong> Brasil.Homem <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>, <strong>do</strong>ce e bom, morreu estudan<strong>do</strong>; na noite em que a morte ocolheu, ainda man<strong>do</strong>u que lhe lessem algumas páginas [...]La Paix (republicano; redator chefe Coffignon). Número <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong><strong>de</strong>zembro:No seu reina<strong>do</strong>, mostrou prudência, mo<strong>de</strong>ração, largueza <strong>de</strong> vistas. Combateumesmo na América <strong>do</strong> Sul pela liberda<strong>de</strong> das repúblicas vizinhas [...] À suainiciativa pessoal <strong>de</strong>veu-se a abolição da escravidão [...]Le Soleil (monarquista). Editorial <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, assina<strong>do</strong> peloredator chefe E<strong>do</strong>uard Hervé, <strong>do</strong> instituto:389


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOUm gran<strong>de</strong> homem <strong>de</strong> bem <strong>de</strong>sapareceu <strong>de</strong>ste mun<strong>do</strong>. Dom Pedro, segun<strong>do</strong> <strong>do</strong>nome, impera<strong>do</strong>r constitucional <strong>do</strong> Brasil, <strong>de</strong>rruba<strong>do</strong> <strong>do</strong> trono e expulso <strong>do</strong> seu paíspela mais iníqua e mais tola das revoluções, morreu esta noite em Paris. Virtu<strong>de</strong>sprivadas a que os próp<strong>rio</strong>s adversá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> monarca prestavam homenagem,faculda<strong>de</strong>s políticas que foram po<strong>de</strong>rosas outrora e que só se enfraqueceram háalguns anos – quan<strong>do</strong> a moléstia a que acaba <strong>de</strong> sucumbir começava o seu trabalho<strong>de</strong> <strong>de</strong>struição – e um reina<strong>do</strong> <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 50 anos assinala<strong>do</strong> por esplêndi<strong>do</strong>sserviços presta<strong>do</strong>s ao Brasil não contiveram os ambiciosos sem escrúpulo que,por surpresa, se apo<strong>de</strong>raram <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r e precipitaram a sua pátria em uma criseque não se acaba. Do alto grau <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong> a que tinha chega<strong>do</strong> sob o governo<strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro II, o Brasil <strong>de</strong>sceu à humilhante e triste situação em que se achama maior parte das repúblicas sul-americanas, suas vizinhas. A queda é profunda eo contraste terrível [...]Le Figaro (in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte). Artigo <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, assina<strong>do</strong> porGaston Calmette: “[...] As tristezas <strong>do</strong> exílio tornam esta majesta<strong>de</strong>duplamente sagrada para nós... Sua vida inteira passou-se no estu<strong>do</strong> <strong>de</strong>reformas e no amor <strong>de</strong> sua pátria [...]”Le Jour (republicano; redator chefe Charles Laurent). Editorial <strong>de</strong> 6<strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, assina<strong>do</strong> com as iniciais <strong>de</strong> Paul Bluysen:O ex-impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil, que ontem morreu no exílio entre nós, era quase, aosnossos olhos, um cidadão francês. Pela assiduida<strong>de</strong> em seguir as sessões <strong>do</strong>snossos gran<strong>de</strong>s grêmios literá<strong>rio</strong>s e científicos, pelos testemunhos <strong>de</strong> favor queprodigalizava aos nossos cientistas e homens <strong>de</strong> letras, pela bonomia e simplicida<strong>de</strong><strong>do</strong> trato, <strong>do</strong>m Pedro tinha conquista<strong>do</strong> real popularida<strong>de</strong> em França. Sua morte serálamentada mesmo nos mais profun<strong>do</strong>s recantos das nossas províncias, como se eletivesse si<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s benfeitores da França. É um sentimento <strong>de</strong> admiração e <strong>de</strong> afetoque parecerá talvez exagera<strong>do</strong>, pois, conquanto assistisse às sessões <strong>do</strong> instituto e seinteressasse pelas ciências físicas e naturais, <strong>do</strong>m Pedro não era um sábio e nuncapô<strong>de</strong> manifestar a sua simpatia pela França, senão <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> platônico. No entanto,o nosso povo ama essas figuras <strong>de</strong> soberanos que se aplicam mais às letras e às artes<strong>do</strong> que à reforma <strong>do</strong>s efetivos <strong>de</strong> guerra; <strong>de</strong>mais, <strong>do</strong>m Pedro tinha sabi<strong>do</strong> escolhero momento <strong>de</strong> uma <strong>de</strong> suas viagens à França com tanta generosida<strong>de</strong>, que isso sóteria basta<strong>do</strong> para que se lhe <strong>de</strong>sse o diploma <strong>de</strong> civismo francês: ele foi o primeirosoberano que em 1871 honrou visitar-nos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> nossos revezes. A França nuncaesqueceu isso. Do papel <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro em sua pátria, pouco temos a dizer que não390


ARTIGOS DE IMPRENSAseja conheci<strong>do</strong>... Em resumo, mais que um soberano, foi um filósofo, bom e <strong>do</strong>ce,que, como um burguês, <strong>de</strong>ixa sauda<strong>de</strong>s sinceras.La Liberté (liberal e conserva<strong>do</strong>r). Editorial <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro:O impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>m Pedro morreu ontem. Este príncipe era tão conheci<strong>do</strong> em Françae, sobretu<strong>do</strong>, em Paris, que nada há a acrescentar ao que tem si<strong>do</strong> dito sobre suavida. A <strong>imprensa</strong> o popularizou, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito tempo, e a sua bonomia, que não<strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> ter certo sabor <strong>de</strong> altivez, conquistou-lhe a amiza<strong>de</strong> <strong>de</strong> Victor Hugo,justamente na época em que o gran<strong>de</strong> poeta entregava-se a exagerações <strong>de</strong> opinião,que é <strong>de</strong>snecessá<strong>rio</strong> lembrar. Dom Pedro era um homem instruí<strong>do</strong>, versa<strong>do</strong> nosestu<strong>do</strong>s filosóficos e inicia<strong>do</strong> nos teoremas científicos, mostran<strong>do</strong> uns laivos muitopronuncia<strong>do</strong>s <strong>de</strong> misticismo e quase <strong>de</strong> teosofismo... Deixou excelentes recordaçõesem seu país, on<strong>de</strong> foi o mais benigno e o mais constitucional <strong>do</strong>s soberanos [...]Le National (republicano e liberal; funda<strong>do</strong> por Thiers, redator chefeJ. B. Gérin). Editorial <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro:O impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil morreu no exílio, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 50 anos <strong>de</strong> reina<strong>do</strong>. Os francesesnão <strong>de</strong>ixarão <strong>de</strong> tributar respeito à sua memória e saberemos, em suas exéquias,honrar o soberano que no trono se mostrou homem e filósofo. Não <strong>de</strong>rrogamos leialguma <strong>do</strong> republicanismo prestan<strong>do</strong> homenagem a esse manes [...]L’Echo <strong>de</strong> Paris (republicano; redator chefe Valentin Simon), artigo<strong>de</strong> E<strong>do</strong>uard Lepelletier:[...] Dom Pedro era um impera<strong>do</strong>r filósofo, um Marco Aurélio na Europa, umTrajano no Brasil... Um dia, assistin<strong>do</strong> a uma preleção <strong>de</strong> Pasteur, foi reconheci<strong>do</strong>,<strong>de</strong>signa<strong>do</strong> pelo sábio professor e, ao retirar-se, recebeu uma ovação <strong>do</strong>sestudantes. A revolução que o forçou a tornar à França <strong>de</strong>ixou-o na aparênciaimpassível e sereno. No entanto, os monarcas mais filósofos per<strong>de</strong>m um poucoda sua filosofia, quan<strong>do</strong> a coroa lhes escapa. Des<strong>de</strong> a sua <strong>de</strong>posição, <strong>do</strong>m Pedrosofria; e a moléstia que o arrebata ainda na força <strong>do</strong>s anos tem certamente causaprincipal nos <strong>de</strong>sgostos, nas <strong>de</strong>silusões, na amargura <strong>do</strong> exílio. Sua morte em nadamodificará os <strong>de</strong>stinos <strong>do</strong> Brasil. Os franceses acompanharam com sentimentos<strong>de</strong> simpatia esse impera<strong>do</strong>r <strong>de</strong>strona<strong>do</strong> que, para eles era, sobretu<strong>do</strong>, um hóspe<strong>de</strong>amável e um acadêmico livre.391


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOLe Petit Journal (republicano e liberal; diretor político Marinoni).Número <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro:[...] Se na esfera puramente política ele procurou seguir escrupulosamente amáxima “o rei reina e não governa”, <strong>do</strong>m Pedro quis sempre estar na primeiralinha, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se tratava <strong>de</strong> progresso e reformas sociais. Po<strong>de</strong>-se dizer que ele foialma <strong>de</strong>sse movimento, que tu<strong>do</strong> quanto se fez <strong>de</strong> generoso no Brasil nos 50 anos<strong>do</strong> seu governo foi inspira<strong>do</strong> por ele. Apesar <strong>de</strong> tantos serviços presta<strong>do</strong>s ao Brasil,<strong>do</strong>m Pedro <strong>de</strong>via ser vítima da revolução. No dia 15 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1889, rompeuuma rebelião militar no Rio <strong>de</strong> Janeiro e o soberano foi força<strong>do</strong> a abdicar [...](continua)Ferdinand Hex114) Cartas <strong>de</strong> França *A morte e os funerais <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro IILa France (republicano). Artigo <strong>de</strong> Henry Girard, na edição <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong><strong>de</strong>zembro:[...] Dom Pedro podia servir <strong>de</strong> exemplo a muitos republicanos. Aban<strong>do</strong>nou umacoroa imperial mais facilmente <strong>do</strong> que outros <strong>de</strong>ixam o po<strong>de</strong>r. Reinou sobre umvasto impé<strong>rio</strong> sem aumentar a sua fortuna pessoal. Tinha apenas cem mil francos<strong>de</strong> renda e recusou a pensão <strong>de</strong> 800 mil que lhe ofereceu o governo republicano...Para ele, a coroa não era uma honra, mas um encargo. Os republicanos francesesenviam a este morto a expressão <strong>do</strong>s seus pesares e da sua simpatia.La Souveraineté Nationale (republicano). Editorial <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong><strong>de</strong>zembro, assina<strong>do</strong> pelo redator chefe, Paul Lenglé:[...] O seu espírito filosófico e o seu liberalismo <strong>de</strong>ram-lhe uma mo<strong>de</strong>ração euma largueza <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias a que os seus próp<strong>rio</strong>s adversá<strong>rio</strong>s por vezes prestaramhomenagem e a que se <strong>de</strong>ve atribuir a tranquilida<strong>de</strong> relativa <strong>de</strong> um reina<strong>do</strong> quedurou 50 anos. Ele foi, na realida<strong>de</strong>, um presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> República Parlamentar [...]*Quarta parte, publicada no Jornal <strong>do</strong> Brasil em 13 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1892. (N. E.)392


ARTIGOS DE IMPRENSALa Lanterne (republicano radical; redator chefe Eug. Mayer). Edição<strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro (15 Frima<strong>rio</strong>, ano 100):Dom Pedro era uma fisionomia muito parisiense para que seja necessá<strong>rio</strong> darlongos pormenores sobre a sua vida... Consoli<strong>do</strong>u o governo constitucional noBrasil e marcou o seu reina<strong>do</strong> com um complexo <strong>de</strong> medidas que trouxeram asupressão da escravidão. Foi um soberano esclareci<strong>do</strong> e liberal tanto quanto po<strong>de</strong>sê-lo um soberano [...]L’Intransigeant (radical; redator Henri <strong>de</strong> Rochefort): “Em suma,<strong>do</strong>m Pedro era um rei suportável (passable).”Bastam essas citações para mostrar o sentimento geral da nossa<strong>imprensa</strong>.No dia 5, o con<strong>de</strong> d’Ormesson, chefe <strong>do</strong> protocolo no Ministé<strong>rio</strong> <strong>do</strong>sNegócios Estrangeiros e introdutor <strong>do</strong>s embaixa<strong>do</strong>res, tinha i<strong>do</strong> ao hotelBedford apresentar à princesa <strong>do</strong>na Isabel as con<strong>do</strong>lências <strong>do</strong> senhorRibot, ministro <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros, e, por essa ocasião, <strong>de</strong>clarouao <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Muritiba que o governo francês <strong>de</strong>sejava tomar parte nosfunerais, prestan<strong>do</strong> a <strong>do</strong>m Pedro II honras imperiais.A este respeito, lê-se no Temps <strong>do</strong> dia 7 (<strong>do</strong> dia 6, porque os jornaisda tar<strong>de</strong>, em Paris, aparecem com a data <strong>do</strong> dia seguinte):O governo francês estan<strong>do</strong> disposto a fazer honras imperiais a <strong>do</strong>m Pedro, ocon<strong>de</strong> d’Ormesson <strong>de</strong>clarou que estava encarrega<strong>do</strong> pelo ministro <strong>do</strong>s NegóciosEstrangeiros <strong>de</strong> pôr-se à disposição da con<strong>de</strong>ssa d’Eu, no caso em que a família<strong>do</strong> <strong>de</strong>funto aceitasse essa participação <strong>do</strong> governo nos funerais <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>Brasil. Antes <strong>de</strong> se retirar, o con<strong>de</strong> d’Ormesson manifestou o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ver oimpera<strong>do</strong>r morto. Foi então introduzi<strong>do</strong> na câmara mortuária.Todas as folhas semioficiais, como o Temps, <strong>de</strong>ram nesses termos anotícia e <strong>de</strong>clararam que “o exército <strong>de</strong> Paris tomaria parte na cerimônia”.Na tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> 8, porém, o governa<strong>do</strong>r militar expediu contraor<strong>de</strong>m à maiorparte <strong>do</strong>s regimentos que <strong>de</strong>veriam comparecer e ficou assenta<strong>do</strong> quese seguiria em tu<strong>do</strong> o cerimonial observa<strong>do</strong> em 1878 por ocasião dasexéquias <strong>do</strong> ex-rei <strong>de</strong> Hanover, Jorge V.O Temps, o National e outros jornais <strong>de</strong>clararam no dia 9 que ashonras prestadas a <strong>do</strong>m Pedro II foram as que, segun<strong>do</strong> os estilos, são393


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOprestadas, “não a um soberano morto no trono, mas aos membros dasfamílias soberanas estrangeiras, aos gran<strong>de</strong>s dignitá<strong>rio</strong>s da Legião <strong>de</strong>Honra e aos membros <strong>do</strong> instituto.”A primeira parte da <strong>de</strong>claração é exata; a segunda não. No funeral<strong>do</strong>s grãs-cruzes da Legião <strong>de</strong> Honra e <strong>do</strong>s membros <strong>do</strong> instituto, ashonras militares são prestadas por uma divisão das três Armas, massomente diante da casa mortuária. As tropas dispersam-se em seguida enão acompanham o enterro.Ontem mesmo, houve um exemplo no funeral <strong>do</strong> célebre senhorAlphand, grã-cruz da Legião e membro <strong>do</strong> instituto. Quase to<strong>do</strong>s osjornais da véspera publicaram esta <strong>de</strong>claração: “Par dérogation auxusages, le ministre <strong>de</strong> la Guerre a <strong>de</strong>cidé que les troupes iront jusqu’aucimetière” * . No entanto, apesar da anunciada modificação <strong>do</strong> cerimonial,apenas um esquadrão <strong>de</strong> cavalaria e um <strong>de</strong>stacamento <strong>do</strong> corpo <strong>de</strong>bombeiros acompanharam o carro fúnebre até a igreja e ao cemité<strong>rio</strong>.Nisso consistiu toda a exceção feita em homenagem ao senhor Alphand,que tanto contribuiu para o aformoseamento <strong>de</strong> Paris.Se <strong>do</strong>m Pedro II tivesse morri<strong>do</strong> no trono, ao seu funeral concorreriampessoalmente o presi<strong>de</strong>nte da República e to<strong>do</strong>s os ministros, as gran<strong>de</strong>scorporações <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (Sena<strong>do</strong>, Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s, tribunais, Conselho<strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> etc.), o Conselho Municipal <strong>de</strong> Paris, to<strong>do</strong> o corpo <strong>de</strong> exército<strong>de</strong> Paris e <strong>de</strong> Versalhes, e estariam acesos os lampiões <strong>de</strong> gás diante dasrepartições públicas e nas ruas e praças por on<strong>de</strong> passasse o préstito.No procedimento que agora teve o governo francês, não houve,seguramente, a menor ofensa à República brasileira, e suponho que <strong>de</strong>republicanismo e <strong>de</strong> cortesia internacional a França enten<strong>de</strong> algumacoisa. O governo e o povo francês honraram <strong>do</strong>m Pedro II, um príncipepor muitos títulos ilustre, nosso amigo, e que durante meio século foio primeiro e o mais alto representante da nação brasileira. Foram-lhetributadas as mesmas honras imperiais ou reais que prestamos a outroveneran<strong>do</strong> exila<strong>do</strong>, Jorge V, <strong>do</strong> Hanover, sem que a po<strong>de</strong>rosa Alemanha seofen<strong>de</strong>sse com essas manifestações <strong>de</strong> respeito ao rei que ela <strong>de</strong>stronara.Ao funeral <strong>de</strong> Jorge V, no dia 18 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1878 (sete anos <strong>de</strong>pois<strong>do</strong>s nossos revezes), compareceram os representantes <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte daRepública e <strong>do</strong> ministé<strong>rio</strong>, o corpo diplomático e uma divisão comandada*“Não obstante os usos, o ministro da Guerra <strong>de</strong>cidiu que as tropas irão até o cemité<strong>rio</strong>.” (N.E.)394


ARTIGOS DE IMPRENSApelo general <strong>barão</strong> Aymard, composta <strong>de</strong> um batalhão <strong>de</strong> cada um <strong>do</strong>s101, 102 e 103 Regimentos <strong>de</strong> Infantaria, <strong>de</strong> uma companhia <strong>de</strong> infantariada Guarda Republicana, um esquadrão <strong>de</strong> cavalaria da mesma guarda,um <strong>do</strong> 13 o <strong>de</strong> Dragões e uma bateria <strong>do</strong> 12 o Regimento <strong>de</strong> Artilharia.(Temps, n o 6, 269, 19 jun. 1878).Objetarão, talvez, que no carro fúnebre havia a coroa imperial ea antiga ban<strong>de</strong>ira brasileira. A isso respon<strong>de</strong>rei que, se morrer aquiamanhã um príncipe da antiga família real francesa, terá no seu carrouma coroa real, sem que a França fique sen<strong>do</strong> menos república <strong>do</strong> que é.A ban<strong>de</strong>ira e as armas que estiveram na igreja e no coche fúnebre foramrepudiadas pelo novo regime no Brasil e, portanto, são hoje simplesemblemas <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, <strong>de</strong> caráter puramente histórico; são distintivos dafamília <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro. Nos nossos monumentos públicos, <strong>do</strong> tempo <strong>do</strong>santigos reis e <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>, to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> po<strong>de</strong> ver ainda hoje as armas eas coroas reais e imperiais. Também no enterro <strong>do</strong> ex-rei Jorge V houvecoroas reais, escu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Armas e a antiga ban<strong>de</strong>ira <strong>do</strong> extinto reino.Para terminar estas explicações, lembrarei que a nossa terceiraRepública não é República <strong>de</strong> jacobinos. Tivemos uma primeira, em queo jacobinismo <strong>de</strong>u leis, e essa acabou na ditadura militar <strong>de</strong> Napoleão I.Tivemos uma segunda, república <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ólogos, <strong>de</strong> filósofos e <strong>de</strong> poetas.Dela resultou a longa ditadura <strong>de</strong> Napoleão III. A república que agoratemos é muito diferente das duas primeiras: é a república <strong>de</strong> Thiers e <strong>de</strong>Gambetta. Esta é a que tem dura<strong>do</strong> e há <strong>de</strong> ficar para sempre. Conhecemosnós, republicanos, perfeitamente a distância que, no respeito público ena opinião da gente sensata, <strong>de</strong>ve separar os reis constitucionais, comoPedro II e Leopol<strong>do</strong> da Bélgica, <strong>do</strong>s dita<strong>do</strong>res tiranetes da or<strong>de</strong>m <strong>do</strong>sRosas e <strong>do</strong>s López.(continua)395


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO115) Cartas <strong>de</strong> França *A morte e os funerais <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro IIOs convites para as exéquias <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro II tinham no alto asArmas Imperiais e eram <strong>de</strong>ste teor:Quarta-feira, 9 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1891, as exéquias solenes <strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong> oimpera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil, <strong>do</strong>m Pedro II, serão celebradas, às 12h em ponto, na igreja<strong>de</strong> Santa Maria Madalena.O (A) senhor(a) está convida<strong>do</strong>(a) a assistir-lhes.O con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aljezur, camareiro da corte imperial.Este convite servirá como entrada.Seguia-se a indicação da entrada. Havia cartas ver<strong>de</strong>s, brancas e amarelas ecor-<strong>de</strong>-rosa, segun<strong>do</strong> a entrada e a colocação <strong>do</strong>s convida<strong>do</strong>s. Todas as questões<strong>de</strong> etiqueta ficaram reguladas entre o <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Muritiba e o con<strong>de</strong> d’Ormesson,que se encarregou <strong>de</strong> expedir uns 400 <strong>de</strong>sses cartões, distribuin<strong>do</strong>-os pelo corpodiplomático e por personagens <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> oficial francês.É bom recordar aqui os termos <strong>do</strong>s convites feitos por ocasião <strong>do</strong>funeral <strong>do</strong> ex-rei <strong>de</strong> Hanover. Estavam redigi<strong>do</strong>s assim:Exéquias <strong>de</strong> sua majesta<strong>de</strong> Jorge V, pela graça <strong>de</strong> Deus, rei <strong>do</strong> Hanover, príncipereal da Grã-Bretanha e da Irlanda, duque <strong>de</strong> Cumberland, duque <strong>de</strong> Brunswick e<strong>de</strong> Lunenburgo etc., nasci<strong>do</strong> em Berlim em 27 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1819, faleci<strong>do</strong> em Parisem 12 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1878.Igreja da Re<strong>de</strong>nção, rua Chauchat, terça-feira, 8 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1878. Partida da casa<strong>de</strong> veló<strong>rio</strong>, 7, rua <strong>de</strong> Presbourg, às 12h em ponto.O dia 9 (quarta-feira) amanheceu encoberto e chuvoso, mas, apesar<strong>do</strong> mau tempo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as 8h, imenso povo ocupava as imediações da*Quinta parte, publicada no Jornal <strong>do</strong> Brasil em 17 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1892 (N. E.)396


ARTIGOS DE IMPRENSAigreja da Madalena, esperan<strong>do</strong> o começo da cerimônia. As janelas <strong>do</strong>scafés e <strong>do</strong>s restaurantes alugavam-se por preços fabulosos.O chefe da Polícia Municipal, Gaillot, dirigiu o serviço <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m narua à frente <strong>de</strong> algumas centenas <strong>de</strong> guardiães da paz.To<strong>do</strong>s os leitores <strong>do</strong> Jornal <strong>do</strong> Brasil, mesmo os que não visitaramParis, conhecem, por certo, a igreja da Madalena, uma das mais grandiosasda nossa capital. A gravura e a fotografia popularizam bastante essebelo monumento. Exte<strong>rio</strong>rmente, é ela um verda<strong>de</strong>iro templo grego,períptero. A colunata, coríntia, é dupla na frontaria principal e tem 15metros <strong>de</strong> altura, assentan<strong>do</strong> sobre um baseamento <strong>de</strong> sete metros acima<strong>do</strong> nível da praça. Neste peristilo, a que se chega por 28 <strong>de</strong>graus, estáo gran<strong>de</strong> portal <strong>de</strong> bronze mo<strong>de</strong>la<strong>do</strong> por Triquetti, e o célebre frontão,cujo tímpano, esculpi<strong>do</strong> por Lemaitre, representa o Juízo Final. Do altoda escadaria, vê-se, através da rua Royale, que lhe é perpendicular,o obelisco da praça da Concórdia e, em maior distância, o pórtico daCâmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong> Sena. Inte<strong>rio</strong>rmente, a igrejatem a forma basilical e, portanto, uma só nave. As muralhas laterais sãodivididas por colunas e arcadas, em três vãos (travées) simplesmente<strong>de</strong>corativas; <strong>de</strong>pois, abre-se em hemiciclo o santuá<strong>rio</strong>. Os tetos sãoforma<strong>do</strong>s por três cúpulas e uma meia cúpula com claraboias, únicasaberturas por on<strong>de</strong> penetra a luz. No inte<strong>rio</strong>r, a altura até as cúpulas é <strong>de</strong>mais <strong>de</strong> 30 metros.Para as exéquias, o gran<strong>de</strong> portal foi orna<strong>do</strong> com <strong>do</strong>is imensosreposteiros <strong>de</strong> luto: borda<strong>do</strong>s <strong>de</strong> prata e apanha<strong>do</strong>s por embraces. Nocentro da sanefa estavam as letras P. II, e no alto o escu<strong>do</strong> das ArmasImperiais.O efeito da <strong>de</strong>coração inte<strong>rio</strong>r <strong>do</strong> templo era verda<strong>de</strong>iramenteimponente. As muralhas e as colunas estavam revestidas <strong>de</strong> panospretos com ornamentos pratea<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho grego, como os da câmaraar<strong>de</strong>nte, já <strong>de</strong>scrita. Numerosos escu<strong>do</strong>s imperiais, colori<strong>do</strong>s, ornavamos panos da nave. No hemiciclo <strong>do</strong> santuá<strong>rio</strong> <strong>de</strong>stacava-se, sobre fun<strong>do</strong>negro, o belo grupo <strong>de</strong> Marochetti, no altar-mor, em mármore <strong>branco</strong>.No centro da nave, cerca<strong>do</strong>s <strong>de</strong> numerosos e magníficos tocheiros elampadá<strong>rio</strong>s, cujas luzes se misturavam com as chamas ver<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uns12 fogaréus, erguia-se o catafalco, <strong>de</strong> nove metros <strong>de</strong> altura, e sobre esteo cenotáfio, sustenta<strong>do</strong> por quatro cariáti<strong>de</strong>s <strong>de</strong> prata e apresentan<strong>do</strong>em remate uma almofada com a coroa imperial. To<strong>do</strong> o monumento397


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOseria obra <strong>de</strong> 15 metros <strong>de</strong> altura e era <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> por um <strong>do</strong>ssel, espécie<strong>de</strong> zimbó<strong>rio</strong> suspenso, preso por compri<strong>do</strong> e forte trança<strong>do</strong> <strong>de</strong> prata àclaraboia da cúpula central.Quatro imensos panos <strong>de</strong> velu<strong>do</strong> preto semea<strong>do</strong>s <strong>de</strong> estrelas e orla<strong>do</strong>s<strong>de</strong> arminho caíam <strong>de</strong>sse <strong>do</strong>ssel e, forman<strong>do</strong> curva, iam pen<strong>de</strong>r comoflâmulas antigas, <strong>de</strong> quatro barras <strong>de</strong> prata, ligadas pelas extremida<strong>de</strong>se por cordões, aos quatro saiméis das duas arquivoltas laterais. Nocenotáfio e <strong>do</strong> la<strong>do</strong> da entrada principal <strong>do</strong> templo, estava aplica<strong>do</strong>,como uma colcha, contrastan<strong>do</strong> com to<strong>do</strong> esse aparato <strong>de</strong> luto, umesplêndi<strong>do</strong> estandarte ver<strong>de</strong>-amarelo, <strong>de</strong> velu<strong>do</strong>, com franjas <strong>de</strong> ouroe escu<strong>do</strong> imperial borda<strong>do</strong> a fio <strong>de</strong> seda, prata e ouro, enriqueci<strong>do</strong> <strong>de</strong>pedras <strong>de</strong> cores. Esse estandarte figurou na última Exposição Universale, segun<strong>do</strong> me disseram, foi trabalha<strong>do</strong> em Pernambuco. Muitas coroas<strong>de</strong> flores ornavam o monumento e outras muitas estavam dispostas em<strong>do</strong>is imensos carros especiais, posta<strong>do</strong>s na praça da Madalena.Às 11h, o vigá<strong>rio</strong>, monsenhor Le Rebours, acompanha<strong>do</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong> onumeroso clero que ia tomar parte nas exéquias, transferiu o caixão dacapela ar<strong>de</strong>nte em que estava, no baseamento, para o catafalco. Só osparentes mais próximos e alguns amigos assistiram a este ato.As tropas, que foram chegan<strong>do</strong> pouco antes da 11h, traziam laços <strong>de</strong>crepe nas ban<strong>de</strong>iras e tinham os tambores forra<strong>do</strong>s <strong>de</strong> luto. Eram 6.500homens, forman<strong>do</strong> uma divisão, sob o coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> general Pallone * <strong>de</strong>Saint-Mars, que tinha às suas or<strong>de</strong>ns os generais <strong>de</strong> brigada Ma<strong>de</strong>lon e<strong>de</strong> Saint-Julien. Compunham-na oito batalhões <strong>de</strong> infantaria <strong>de</strong> linha,tira<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s 31 o , 36 o , 39 o , 76 o , 115 o , 117 o , 124 o e 130 o regimentos, comos seus coronéis, ban<strong>de</strong>iras regimentais, bandas <strong>de</strong> música e <strong>de</strong> cornetase baterias <strong>de</strong> tambores; quatro esquadrões (130 homens cada um) <strong>do</strong>s3 o e 6 o Regimentos <strong>de</strong> Couraceiros, com seus estandartes e uma banda<strong>de</strong> música e <strong>de</strong> clarins; um esquadrão da Guarda Republicana e duasbaterias <strong>do</strong>s 22 o e 31 o regimentos <strong>de</strong> artilharia a cavalo, precedi<strong>do</strong>s <strong>de</strong>uma banda <strong>de</strong> clarins.As ban<strong>de</strong>iras militares francesas trazem, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1880, cantona<strong>do</strong>s emletras <strong>de</strong> ouro, os nomes <strong>do</strong>s quatros principais feitos <strong>de</strong> armas em queo regimento se ilustrou. O redator chefe da Revue du Cercle Militaire,nosso colabora<strong>do</strong>r no Jornal <strong>do</strong> Brasil, teve a bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar-me os*Possivelmente, trata-se <strong>do</strong> general Poillüe <strong>de</strong> Saint-Mars. (N. E.)398


ARTIGOS DE IMPRENSAnomes inscritos nas ban<strong>de</strong>iras <strong>do</strong>s regimentos <strong>de</strong> infantaria que estiveramrepresenta<strong>do</strong>s no funeral <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro II. Transcrevo a relação:31 o <strong>de</strong> infantaria: Valmy, 1792; Biberah, 1798; Saint Domingue,1806; Colla, 1843.36 o <strong>de</strong> infantaria: Jemappes, 1792; Zurich, 1794; Austerlitz, 1805;Iena, 1806.39 o <strong>de</strong> infantaria: Arcole, 1796; Ulm, 1805; Friedland, 1807;Sebastopol, 1851.76 o <strong>de</strong> infantaria: Ulm, 1805; Iena, 1806; Friedland, 1807; Solferino,1859.115 o <strong>de</strong> infantaria: Saragoça, 1809; Lérida, 1810; Tarragona, 1811;Toulouse, 1813.117 o <strong>de</strong> infantaria: Tu<strong>de</strong>la, 1808; Saragoça, 1809; Lérida, 1809;Saragoça, 1814.124 o <strong>de</strong> infantaria: Berezina, 1812; Lutzen, 1813; Bautzen, 1813.130 o <strong>de</strong> infantaria: Loano, 1795; Burgos, 1812; Montmirail, 1814;Arcis-sur-Aube, 1814.As tropas arrumaram-se <strong>do</strong>s quatro la<strong>do</strong>s da praça <strong>de</strong> Madalena,em volta da igreja e nas extremida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s bulevares da Madalena eMalesherbes: a infantaria, em colunas <strong>de</strong> companhias; os couraceiros,em pelotões nos ângulos da igreja; a artilharia, <strong>do</strong> la<strong>do</strong> da rua Tronchet.Do alto da escadaria, o espetáculo era verda<strong>de</strong>iramente grandioso.Uma multidão imensa e compacta, contida por fileiras <strong>de</strong> pelotões e<strong>de</strong> solda<strong>do</strong>s estendia-se pela praça, pelo começo <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is bulevares,pelos <strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s da rua Royale e praça da Concórdia, até on<strong>de</strong> a vistapodia alcançar. Todas as janelas e mansardas (as casas em Paris têm,<strong>de</strong> ordiná<strong>rio</strong>, sete andares) estavam apinhadas e, em muitas, viam-seban<strong>de</strong>iras francesas e brasileiras enlaçadas <strong>de</strong> crepe.Às 11h30, chegou o coche fúnebre e colocou-se <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> adro.Essa carruagem, reservada ao enterro <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s dignitá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,só tinha servi<strong>do</strong> três vezes: nos funerais <strong>do</strong> car<strong>de</strong>al Marlot, <strong>do</strong> duque<strong>de</strong> Morny e <strong>de</strong> Thiers. É um rico baldaquino sustenta<strong>do</strong> por quatroanjos <strong>de</strong> prata, guarneci<strong>do</strong> <strong>de</strong> penachos nos ângulos e encima<strong>do</strong> por umzimbó<strong>rio</strong> poligonal, que remata em quatro pequenos gênios <strong>de</strong> pratacercan<strong>do</strong> um canopo. Na parte supe<strong>rio</strong>r <strong>de</strong>ste, foi colocada sobre uma399


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOalmofada <strong>de</strong> velu<strong>do</strong> a coroa imperial e, <strong>do</strong>s la<strong>do</strong>s, escu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Armas. Ocoche era puxa<strong>do</strong> por oito cavalos inteiramente revesti<strong>do</strong>s <strong>de</strong> caparazõesestrela<strong>do</strong>s, com penachos nas extremida<strong>de</strong>s e atendi<strong>do</strong>s por oito moços<strong>de</strong> estrebaria. Tanto este coche quanto as outras carruagens <strong>de</strong> luto, emnúmero <strong>de</strong> 20, atreladas <strong>de</strong> quatro ou <strong>do</strong>is cavalos, tinham nas mantasdas almofadas <strong>do</strong>s cocheiros o escu<strong>do</strong> das Armas Imperiais.Às 12h em ponto a princesa <strong>do</strong>na Isabel e o con<strong>de</strong> d’Eu e seus filhoschegaram acompanha<strong>do</strong>s <strong>de</strong> alguns camaristas e damas da antiga corteimperial.A nave, o coro e as tribunas regurgitavam <strong>de</strong> gente, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong>,entretanto, impossível enviar convites a todas as pessoas que seinscreveram no hotel, porque o não permitia a lotação da igreja, umadas maiores <strong>de</strong> Paris.À esquerda <strong>do</strong> santuá<strong>rio</strong>, estava sua eminência o car<strong>de</strong>al Richard,arcebispo <strong>de</strong> Paris. Em frente da mesa da comunhão estavam: à direita,a princesa <strong>do</strong>na Isabel e a princesa <strong>de</strong> Joinville; à esquerda, o generalBrugère e os oficiais da Casa Militar da Presidência, representan<strong>do</strong> opresi<strong>de</strong>nte da República Francesa (capitão <strong>de</strong> mar e guerra Jauréguiberry,tenentes-coronéis Chamdin e Dalstein, comandantes Pistor e Courtès);à direita da princesa <strong>do</strong>na Isabel estavam a baronesa <strong>de</strong> Muritiba, acon<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Carapebus e as damas das rainhas e princesas presentes.Nas três primeiras or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> poltronas à direita <strong>do</strong> coro estavam: ospríncipes con<strong>de</strong> d’Eu, <strong>do</strong>m Pedro <strong>de</strong> Alcântara, príncipe <strong>do</strong> Grão-Pará,<strong>do</strong>m Luís, <strong>do</strong>m Antonio, duque Augusto <strong>de</strong> Saxe (genro <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r),<strong>do</strong>m Pedro Augusto <strong>de</strong> Saxe, con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Áquila, <strong>do</strong>m Luís <strong>de</strong> Bourbon,<strong>do</strong>m Felipe <strong>de</strong> Bourbon, príncipe <strong>de</strong> Joinville, duque <strong>de</strong> Penthièore,duque <strong>de</strong> Chartres, con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Bari, infante <strong>do</strong>m Antonio <strong>de</strong> Orleans,duque <strong>de</strong> Nemours e duque d’Aumale; suas majesta<strong>de</strong>s o duque <strong>de</strong>Castro (ex-rei Francisco II das Duas Sicílias) e o rei <strong>do</strong>m Francisco<strong>de</strong> Assis, <strong>de</strong> Espanha. Depois, o senhor Emygdio Navarro, ministro <strong>de</strong>Portugal, representan<strong>do</strong> o rei <strong>do</strong>m Carlos I; o marquês <strong>de</strong> Beauvoir e osena<strong>do</strong>r Bocher; representan<strong>do</strong> o con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Paris; o con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Grenaud <strong>de</strong>Saint-Christophe e o <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Ebach, representan<strong>do</strong> o príncipe reinanteda Bulgária; e o duque reinante <strong>de</strong> Saxe-Cobourg e Gotha.Nas tribunas estavam suas altezas reais a duquesa <strong>de</strong> Chartres e aprincesa Margarida <strong>de</strong> Orleans. Suas majesta<strong>de</strong>s a rainha <strong>do</strong>na IsabelII <strong>de</strong> Espanha e a duquesa <strong>de</strong> Castro (ex-rainha das Duas Sicílias), sua400


ARTIGOS DE IMPRENSAalteza imperial e real a con<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Trapani, suas altezas reais a infanta<strong>do</strong>na Eulália <strong>de</strong> Orleans e a princesa Blanche <strong>de</strong> Orleans e suas altezassereníssimas o príncipe e princesa <strong>de</strong> Mônaco.Nas primeiras ca<strong>de</strong>iras da esquerda <strong>do</strong> coro via-se o corpodiplomático, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> uniforme, faltan<strong>do</strong> apenas os embaixa<strong>do</strong>res daRússia (enfermo), da Alemanha (ausente) e o da Inglaterra (faleci<strong>do</strong> hádias) e as legações <strong>do</strong> Brasil, da Venezuela e <strong>do</strong> México. Estavam presentescom to<strong>do</strong> pessoal das suas embaixadas e legações: o núncio monsenhorFerrata; o embaixa<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Espanha, duque <strong>de</strong> Mandas e a duquesa; o <strong>de</strong>Itália, general con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Menabrea e a marquesa <strong>de</strong> Val<strong>de</strong>ra, sua mulher;o da Áustria-Hungria, con<strong>de</strong> Hoyos e a con<strong>de</strong>ssa; o da Turquia, EssadPachá; os ministros plenipotenciá<strong>rio</strong>s e os encarrega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> negócios <strong>do</strong>sEsta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s da América (Whitelaw Reid), da Inglaterra, da Rússia,da Alemanha, da Bélgica (<strong>barão</strong> Beyens), da Holanda, da Dinamarca,da Suécia, <strong>de</strong> Portugal, da Suíça, da Baviera, da Grécia, da Romênia,da Sérvia, <strong>de</strong> Mônaco, <strong>de</strong> São Marino, da Costa Rica, da Guatemala,da Nicarágua, <strong>de</strong> São Domingos, <strong>do</strong> Haiti, da Colômbia, <strong>do</strong> Peru, daBolívia, <strong>do</strong> Chile, da República Argentina, <strong>do</strong> Uruguai, da China, <strong>do</strong>Japão, da Pérsia e da República sul-africana.Desse mesmo la<strong>do</strong> ficavam o general Brault, representan<strong>do</strong> opresi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Conselho, ministro da Guerra; os senhores Bourgeoise Develle, ministros da Instrução Pública e da Agricultura; o con<strong>de</strong>d´Ormesson, representan<strong>do</strong> o ministro <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros; oalmirante Vignes, pelo ministro da Marinha; os representantes <strong>do</strong>s outrosmembros <strong>do</strong> gabinete; o general Rousseau, representante <strong>do</strong> gran<strong>de</strong>chanceler da Legião <strong>de</strong> Honra; o representante <strong>do</strong> governa<strong>do</strong>r militar<strong>de</strong> Paris, o general Saussier; vá<strong>rio</strong>s sena<strong>do</strong>res e <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s; o prefeito<strong>do</strong> Sena; o <strong>de</strong> Polícia (Lozé); e muitos membros <strong>do</strong> instituto. Cerca <strong>de</strong>60 <strong>de</strong>sses acadêmicos trajavam o uniforme <strong>de</strong> palmas ver<strong>de</strong>s. Entre osmuitos presentes, citarei estes:Da Aca<strong>de</strong>mia Francesa: Leconte <strong>de</strong> Lisle, E<strong>do</strong>uard Hervé, FrançoisCoppée, Joseph Bertrand, Victorien Sar<strong>do</strong>u, Lu<strong>do</strong>vic Halévy, L. Pasteur,con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Haussonville, Jules Clarétie, almirante Jurien <strong>de</strong> La Gravière,Gréard, Alexandre Dumas Filho, Camille Doucet, Gaston Boissier,Xavier Marmier, Ernest Legouvé, duque <strong>de</strong> Broglie.Da Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Ciências: Daubrée, Berthelot, <strong>de</strong> Quatrefages,Faye, Charcot, almirante Mouchez, Hermite, Janssen, Tisserand, Gaudry,401


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOGrandidier, Gringey, Bouchard, Henri Becquerel, Hamy, Alfred Cornu,Bouquet <strong>de</strong> la Grye.Da Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Ciências Morais e Políticas: Paul Leroy-Beaulieu,Emile Levasseur, G. Himly, Ernest Glasson, Fré<strong>de</strong>ric Passy, Lefébvre-Pontalis.Da Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Inscrições e Belas-Letras: Jules Oppert, Wallon,Leon Gauthier, Boislisle, Foucartigo.Da Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Belas-Artes: os pintores Gerôme, Bouguereau,Henner e E. Detaille; os escultores Barrias, Falguière e Mercié; osmaestros Ambroise Thomas e Gounod e o <strong>barão</strong> A. <strong>de</strong> Rothschild.Nunca foram vistos em um funeral tantos membros <strong>do</strong> instituto,disseram-me <strong>do</strong>is <strong>de</strong>sses imortais. Mui poucos faltaram, e os que<strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> comparecer, ou estavam longe <strong>de</strong> Paris, como Maxime duCamp e Guillaume, ou enfermos, como Jules Simon e Duchartre.Entre os outros franceses e estrangeiros <strong>de</strong> distinção, mencionareio duque <strong>de</strong> La-Rochefoucault-Dou<strong>de</strong>auville; os generais Hartung, DeRochebouet, Boissier, Desoy, Rousseau e Beziat; os vice-almirantes<strong>barão</strong> Duperré, Coupvent-<strong>de</strong>s-Bois, Charles Duperré, Périgot e Grasset;os senhores Eugène Dufeuille, con<strong>de</strong> Albert <strong>de</strong> Mun, marquês <strong>de</strong> Bouillé,viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Chazelles, Guillaume Guizot, L. N. Bonaparte-Wyse, marquesa<strong>de</strong> Beauvoir, princesa Aurélia Zurlo, coronel con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Plazanet, con<strong>de</strong>s<strong>de</strong> Laupesbin e <strong>de</strong> Sesmaisons, Antonin Proust, senhora Charles Heine,senhora Octave Feuillet, viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Courcy, Sissen, marquês <strong>de</strong> Flers,con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Talleyrand-Périgord; monsenhor Tissoc, <strong>barão</strong> Tristan Lambert,con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Riancey e senhorita <strong>de</strong> Riancey, <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Saint-Priest, con<strong>de</strong><strong>de</strong> Sartiges, <strong>barão</strong> Gustavo <strong>de</strong> Rothschild, duquesa <strong>de</strong> Valencias, príncipee princesa Constantino Radziwill, senhora Appert, Louise Abbema, E.Lockroy, senhora Dau<strong>de</strong>t Filho (Jeanne Hugo), Aristarchi Bey, <strong>barão</strong> Helyd’Oissel, <strong>barão</strong> Larrey, Lon Noel, príncipe <strong>de</strong> Lucinge, Napoléon Ney,Camille Flamma<strong>rio</strong>n, duquesa Decazes viúva; con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mareuil, con<strong>de</strong><strong>de</strong> Barral, duquesa <strong>de</strong> Hijar, príncipe <strong>de</strong> Wagram, marquês <strong>de</strong> Villasegura,<strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Louis Passy, <strong>barão</strong> e baronesa Edmond <strong>de</strong> Bussière, Bertolini,con<strong>de</strong> e con<strong>de</strong>ssa Auguste <strong>de</strong> Pourtalès, J. Cornely, con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Béarn, <strong>do</strong>utorGuéneau <strong>de</strong> Moussy, marquês <strong>de</strong> Nadaillac, con<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Nadaillac, <strong>barão</strong>e baronesa <strong>de</strong> Soubeyran, con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Laugier Villars, duque e duquesa <strong>de</strong>Fezensac, duque <strong>de</strong> Valombrosa, Charles Buloz, <strong>barão</strong> Victor Taunay <strong>de</strong>Blowitz, <strong>barão</strong> Mesnard, comandante Georges <strong>de</strong> Marchand, Hugues402


ARTIGOS DE IMPRENSALe Roux, Max Leclerck, Campbell Clark, R. Crawford Bowes, marquêse marquesa <strong>de</strong> Persan, E. Pector, E. Bour<strong>de</strong>let, C. Pra, Amédée Prince,con<strong>de</strong> <strong>de</strong> la Tour.De brasileiros, foram-me da<strong>do</strong>s estes nomes, com a prevenção <strong>de</strong>que não era possível organizar uma lista completa: con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aljezur,viscon<strong>de</strong> e viscon<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Cavalcanti, senhorita Cavalcanti, conselheiroGaspar Silveira Martins, sua senhora e filha, conselheiro Couto <strong>de</strong>Magalhães, marechal viscon<strong>de</strong> da Penha, viscon<strong>de</strong>ssa da Penha e <strong>do</strong>naEugenia da Penha, con<strong>de</strong> e con<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Carapebus, con<strong>de</strong> e con<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>Mota Maia, <strong>barão</strong> e baronesa <strong>de</strong> Pene<strong>do</strong>, <strong>barão</strong> e baronesa <strong>de</strong> Muritiba,con<strong>de</strong> e con<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Nova Friburgo, con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Villeneuve, con<strong>de</strong> <strong>de</strong>Nioac, viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Torres, senhora e senhorita Lima e Silva, <strong>barão</strong> ebaronesa <strong>de</strong> Estrela, <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Albuquerque, Eduar<strong>do</strong> Pra<strong>do</strong>, F. Picot,João <strong>de</strong> Sousa Dantas e sua senhora, con<strong>de</strong>ssa Monteiro <strong>de</strong> Barros,Hermano Ramos, sua senhora e filhas, viscon<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Araguaia, senhoraDe Barandiaran (da família Cavalcanti <strong>de</strong> Albuquerque), baronesa <strong>de</strong>Teresópolis, senhoritas Teixeira Leite, viúva Silva Coutinho, viscon<strong>de</strong> eviscon<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Santa Vitória e <strong>do</strong>na Alzira Amorin, Pádua Fleury, <strong>barão</strong><strong>de</strong> Guamá e família, baronesa <strong>de</strong> Villa Bela, A. <strong>de</strong> Sequeira, senhora efilhos, Gofre<strong>do</strong> d’ Escragnolle Taunay, A. C. da Silva Telles, sua senhorae cunhada, Carlos Silveira Martins, J. L. Cansansão <strong>de</strong> Sinimbu, SilvaCoutinho, Sebastião Pinto Ban<strong>de</strong>ira Guimarães e senhora, Paulo Pra<strong>do</strong>,Alfre<strong>do</strong> Rocha e senhora, Fernan<strong>do</strong> Cavalcanti <strong>de</strong> Albuquerque, Cândi<strong>do</strong>Guimarães, Pandiá Calógeras e senhora, Carlos <strong>de</strong> Almeida, major GamaCosta (<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> uniforme – um brasileiro informou-me que este oficialservira em batalhão <strong>de</strong> voluntá<strong>rio</strong>s durante a Guerra <strong>do</strong> Paraguai e forahá meses <strong>de</strong>porta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Pará por motivos políticos), Eduar<strong>do</strong> FerreiraCar<strong>do</strong>so e senhora, Theotonio <strong>de</strong> Brito, senhora Pereira da Silva, <strong>barão</strong>e baronesa <strong>de</strong> São Joaquim, senhora Sizenan<strong>do</strong> Nabuco, Argollo Ferrão(redator <strong>do</strong> Brésil), <strong>barão</strong> e baronesa <strong>de</strong> Maia Monteiro, <strong>do</strong>utor Marques<strong>de</strong> Sá, <strong>do</strong>na Maria Antonia <strong>de</strong> Bulhões Ribeiro, <strong>barão</strong> e baronesa <strong>de</strong>Itajubá, <strong>do</strong>na Maria Júlia Marques <strong>de</strong> Sá, senhora Andra<strong>de</strong> Pinto, senhoraC. A. <strong>de</strong> Miranda Jordão, baronesa <strong>de</strong> Inohan, viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Benevente,baronesa <strong>de</strong> Guanabara, Eugenio Tourinho, viscon<strong>de</strong> e viscon<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>Sabóia, Leopol<strong>do</strong> <strong>de</strong> Lima e Silva, Pedro Chermont <strong>de</strong> Miranda, <strong>do</strong>naIsabel Porciúncula, A. Klingelhoefer e família, <strong>barão</strong> e baronesa <strong>de</strong>Nioac, Alberto Fialho, Domício da Gama, engenheiro Augusto Teixeira,403


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO<strong>do</strong>na Laura Faro <strong>de</strong> Araújo, Alfre<strong>do</strong> <strong>de</strong> Amorim, engenheiro Antonio C.Saraiva, R. da Silva Paranhos, João da Conceição Rocha e senhora, JoãoLuís Tavares Guerra e família, senhora Gonçalves da Cunha, senhoraBraga Guimarães, Luís <strong>de</strong> Sousa Aranha, senhora Arthur Napoleão,Eduar<strong>do</strong> Valim, Francisco Álvares da Silva Campos, <strong>do</strong>utor Paula(mestre <strong>do</strong>s filhos da princesa <strong>do</strong>na Isabel), capitão-tenente NapoleãoLevel, Luciano Valeni, Franco <strong>de</strong> Sá, primeiro-tenente Francisco Topin esenhora, Diogo Campbell, <strong>do</strong>utor Silvio <strong>de</strong> Sá Valle, con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Araguaia,Francisco Alves Leite, J. J. Gonçalves, José Vicente <strong>de</strong> Souza, Cesá<strong>rio</strong>Porto e José Joaquim Moreira e outros.A colônia portuguesa <strong>de</strong> Paris esteve representada por muitos<strong>do</strong>s seus mais distintos membros, entre os quais indicaram-me ossenhores Eça <strong>de</strong> Queirós, con<strong>de</strong> e con<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Tovar, <strong>do</strong>utor Figueire<strong>do</strong>Magalhães, viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> Ferreira, Camilo <strong>de</strong> Morais e Gasparda Silva. Muitos estrangeiros <strong>de</strong> outras nacionalida<strong>de</strong>s, que residiram noBrasil, como o senhor Alexandre Wagner, estiveram presentes.Os repórteres que empreguei informaram-me também <strong>de</strong> que váriascorporações e socieda<strong>de</strong>s no Brasil telegrafaram, fazen<strong>do</strong>-se representarnos funerais, mas que alguns <strong>de</strong>sses telegramas chegaram na véspera,quan<strong>do</strong> não havia tempo para dar aviso e reunir os membros das comissõesnomeadas. Sei que o viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cavalcanti foi um <strong>do</strong>s representantesda Associação Comercial <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, que o Instituto Históricoe Geográfico <strong>do</strong> Brasil nomeou uma comissão composta <strong>do</strong> <strong>barão</strong> <strong>de</strong>Pene<strong>do</strong>, con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mota Maia e Barão <strong>do</strong> Rio Branco, e que os advoga<strong>do</strong>s<strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro mandaram <strong>de</strong>positar uma coroa no túmulo <strong>do</strong> gran<strong>de</strong>brasileiro que “foi garantia da liberda<strong>de</strong> civil na pátria e símbolo <strong>de</strong>gran<strong>de</strong>za moral no século”. Sei mais que o Jornal <strong>do</strong> Commercio, <strong>do</strong> Rio<strong>de</strong> Janeiro, fez-se representar pelos senhores Eduar<strong>do</strong> Pra<strong>do</strong> e F. Picot,que a redação <strong>do</strong> Brazil teve representantes seus e que os <strong>do</strong> Jornal <strong>do</strong>Brasil foram os senhores João Dantas e Hugues Le Roux.Apenas a princesa <strong>do</strong>na Isabel chegou e tomou assento, teve começoa cerimônia religiosa. Monsenhor Le Rebours, assisti<strong>do</strong> <strong>de</strong> numerosoclero, celebrou então a missa cantada e, concluída esta, sua eminência ocar<strong>de</strong>al Richard, arcebispo <strong>de</strong> Paris, <strong>de</strong>scen<strong>do</strong> <strong>do</strong> sólio <strong>de</strong>u as absolviçõesfinais e a última bênção.Os excelentes cantores e músicos da Madalena, dirigi<strong>do</strong>s pelomestre <strong>de</strong> capela Gabriel Fauré (a igreja da Madalena é famosa pela sua404


ARTIGOS DE IMPRENSAmúsica), tinham si<strong>do</strong> reforça<strong>do</strong>s com artistas <strong>do</strong> teatro da Gran<strong>de</strong> Ópera.Théo<strong>do</strong>re Dubois, o conheci<strong>do</strong> compositor e professor <strong>de</strong> harmonia <strong>do</strong>Conservató<strong>rio</strong>, manejou o gran<strong>de</strong> órgão, fazen<strong>do</strong> ouvir duas marchasfúnebres. Os cantores e a orquestra executaram o Kyrie <strong>de</strong> Beethoven, oSanctus <strong>do</strong> Théo<strong>do</strong>re Dubois, o Agnus Dei <strong>de</strong> Cherubini e o Libera me<strong>de</strong> Gabriel Fauré.(continua)116) Cartas <strong>de</strong> França *A morte e os funerais <strong>de</strong> <strong>do</strong>m Pedro IIÀs 13h25 se concluíram estas solenes exéquias, cujo começofora anuncia<strong>do</strong> às 12h por uma salva <strong>do</strong>s célebres canhões, troféus daesplanada <strong>do</strong>s Inváli<strong>do</strong>s.O caixão, tira<strong>do</strong> <strong>do</strong> catafalco e precedi<strong>do</strong> por seis mestres <strong>de</strong>cerimônia, com calções <strong>de</strong> seda, capas, floretes e chapéus arma<strong>do</strong>s,foi leva<strong>do</strong> ao coche fúnebre. Apenas assomou no pórtico monumentalda Madalena, ouviu-se um toque <strong>de</strong> clarim e logo as vozes <strong>de</strong> “Portezarmes! e Presentez armes!” ** . Os tambores e as cornetas fizeram ouvira marcha lenta e, logo <strong>de</strong>pois, uma das bandas <strong>de</strong> música executou amarcha fúnebre <strong>de</strong> Chopin. Enquanto as tropas apresentavam armas, asban<strong>de</strong>iras, como era <strong>de</strong> rigor, conservaram-se abatidas.Às 13h30 o préstito pôs-se em movimento. A chuva tinha <strong>de</strong> to<strong>do</strong>cessa<strong>do</strong>, mas o céu continuava encoberto, e o somb<strong>rio</strong> e invernoso <strong>do</strong>dia aumentava a profunda tristeza <strong>de</strong>sses funerais na terra <strong>do</strong> exílio.Seguraram nos cordões <strong>do</strong> esquife, até a ponte da Concórdia, os exconselheiros<strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cavalcanti, Gaspar Silveira Martins,<strong>do</strong>utor José da Silva Costa e general Couto <strong>de</strong> Magalhães, os camaristasmarechal viscon<strong>de</strong> da Penha, con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nioac, con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Carapebus,<strong>barão</strong> <strong>de</strong> Pene<strong>do</strong>, <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Muritiba, con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nova Friburgo e <strong>barão</strong> <strong>de</strong>Estrela, con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mota Maia, <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> médico e amigo <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r,e con<strong>de</strong> Villeneuve.*Sexta parte, publicada no Jornal <strong>do</strong> Brasil em 20 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1892.**Ombro, armas! e apresentar armas! (N. E.)405


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCODa ponte da Concórdia em diante, por <strong>de</strong>cisão da princesa, oscordões foram confia<strong>do</strong>s a to<strong>do</strong>s os brasileiros que acompanhavam a péo féretro, os quais se foram revezan<strong>do</strong> até a estação <strong>do</strong> caminho <strong>de</strong> ferro<strong>de</strong> Orléans.O préstito seguiu pela rua Royale, praça e ponte <strong>de</strong> Concórdia,bulevar Saint Germain, cais Saint Bernard, praça Walhubert e cais <strong>de</strong>Austerlitz, na seguinte or<strong>de</strong>m: um esquadrão da Guarda Republicana,precedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> bate<strong>do</strong>res que traziam em punho os seus revólveres;uma companhia <strong>de</strong> Guardiães da Paz (antigamente Sergents <strong>de</strong> ville);um esquadrão <strong>do</strong> 3 o Regimento <strong>de</strong> Couraceiros (coronel Poulot); umacompanhia <strong>do</strong> 36 o Regimento <strong>de</strong> Infantaria (coronel Pellieux) com aban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>sse regimento; o general <strong>de</strong> brigada <strong>de</strong> Saint Jullien, comseu Esta<strong>do</strong>-maior; um batalhão <strong>do</strong> 39 o Regimento <strong>de</strong> Infantaria <strong>de</strong> Linha(coronel Bourelly); um batalhão <strong>do</strong> 76 o <strong>de</strong> infantaria (coronel Delbos);um esquadrão <strong>do</strong> 3 o Regimento <strong>de</strong> Couraceiros; o general <strong>de</strong> brigadaMa<strong>de</strong>lor, com o seu Esta<strong>do</strong>-maior; um batalhão <strong>do</strong> 36 o <strong>de</strong> infantaria,com as armas em funeral, marchan<strong>do</strong> a um <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> e forman<strong>do</strong> assimduas compridas alas <strong>de</strong>ntro das quais ficavam todas as carruagens <strong>de</strong>luto.Dentro <strong>de</strong>ssas alas <strong>de</strong> infantaria: um mestre <strong>de</strong> cerimônias,acompanha<strong>do</strong> <strong>do</strong>s seus auxiliares, to<strong>do</strong>s <strong>de</strong> capa e calções; <strong>do</strong>is coches<strong>de</strong> luto, puxa<strong>do</strong>s por quatro cavalos, conduzin<strong>do</strong> o vigá<strong>rio</strong> da Madalenae outros sacer<strong>do</strong>tes; um mestre <strong>de</strong> cerimônias e auxiliares; <strong>do</strong>is gran<strong>de</strong>scarros, que seguiam emparelha<strong>do</strong>s e eram duas montanhas <strong>de</strong> flores,cada um <strong>de</strong>les puxa<strong>do</strong>s por seis cavalos caparazona<strong>do</strong>s e conduzi<strong>do</strong>s poroutros tantos lacaios a pé; o or<strong>do</strong>nnateur <strong>de</strong> la ville (comissá<strong>rio</strong> supe<strong>rio</strong>rda municipalida<strong>de</strong>, que presi<strong>de</strong> aos gran<strong>de</strong>s funerais) e o seu séquito; ocoche fúnebre ante<strong>rio</strong>rmente <strong>de</strong>scrito (o caixão ia coberto pela antigaban<strong>de</strong>ira <strong>do</strong> Brasil e, sobre ele, via-se apenas uma coroa <strong>de</strong> perpétuas, queo senhor Egerton, encarrega<strong>do</strong> <strong>do</strong>s negócios da Inglaterra, <strong>de</strong>positara poror<strong>de</strong>m da rainha Vitória); três mestres <strong>de</strong> cerimônias segui<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vá<strong>rio</strong>soficiais <strong>de</strong> capa, levan<strong>do</strong> sobre coxins <strong>de</strong> velu<strong>do</strong> as con<strong>de</strong>corações <strong>do</strong>morto; a <strong>de</strong>putação <strong>do</strong> Instituto <strong>de</strong> França, uma outra <strong>do</strong>s professores <strong>do</strong>Museu <strong>de</strong> História Natural e um grupo <strong>de</strong> brasileiros que iam revezarsena guarda <strong>do</strong>s cordões <strong>do</strong> esquife (alguns carrega<strong>do</strong>res levavam <strong>do</strong>isimensos ramos <strong>de</strong> uma palmeira <strong>do</strong> Brasil aos quais estava presa largafita roxa com as palavras Le Muséum d’Histoire Naturelle); <strong>do</strong>is coches406


ARTIGOS DE IMPRENSA<strong>de</strong> luto puxa<strong>do</strong>s por quatro cavalos, conduzin<strong>do</strong> a princesa <strong>do</strong>na Isabel, ocon<strong>de</strong> d’Eu, seus filhos e o príncipe <strong>do</strong>m Pedro Augusto; a carruagem <strong>do</strong>presi<strong>de</strong>nte da República Francesa com o general Brugère e três oficiaisda Casa Militar <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte; logo atrás, muitas pessoas a pé, homense senhoras; uns 20 coches <strong>de</strong> luto, a <strong>do</strong>is cavalos, conduzin<strong>do</strong> príncipesparentes e cavalheiros e damas <strong>do</strong> séquito <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r e <strong>do</strong>s príncipes;numerosas carruagens <strong>de</strong> ministros <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> ou seus representantes <strong>do</strong>corpo diplomático e <strong>de</strong> muitos <strong>do</strong>s convida<strong>do</strong>s; o general <strong>de</strong> divisãoPoilloüe <strong>de</strong> Saint-Mars com o seu Esta<strong>do</strong>-maior; um batalhão <strong>do</strong> 31 oRegimento <strong>de</strong> Infantaria <strong>de</strong> Linha (coronel Ganot); quatro <strong>do</strong> 117 o <strong>de</strong>linha (coronel Chaumont); outro <strong>de</strong> 115 o <strong>de</strong> linha (coronel Godar<strong>de</strong>); um<strong>do</strong> 124 o <strong>de</strong> linha (coronel Guasco); um <strong>do</strong> 13 o <strong>de</strong> linha (coronel Goulon);duas baterias <strong>do</strong> 22 o e <strong>do</strong> 31 o Regimentos <strong>de</strong> Artilharia a cavalo; <strong>do</strong>isesquadrões <strong>do</strong> 6 o Regimento <strong>de</strong> Couraceiros (coronel marquês Thibault<strong>de</strong> la Rochethulon); uma esquadra <strong>de</strong> Guardiães da Paz.No grupo que seguia a pé logo atrás <strong>do</strong> coche fúnebre, atraíra to<strong>do</strong>s osolhares um preto <strong>de</strong> cabelos inteiramente <strong>branco</strong>s, corretamente vesti<strong>do</strong> <strong>de</strong>casaca e que caminhava isola<strong>do</strong> na frente da primeira linha. Disseram-me queresi<strong>de</strong> em Paris e que em sua mocida<strong>de</strong> fora cria<strong>do</strong> <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r. Tambémchamavam muito a atenção o brilhante capacete <strong>do</strong> príncipe Orloff, adi<strong>do</strong>militar russo, os uniformes <strong>de</strong> <strong>do</strong>is oficiais <strong>de</strong> cossacos e os alamares e asmedalhas <strong>de</strong> companhia <strong>do</strong> major brasileiro Gama Costa, antigo voluntá<strong>rio</strong><strong>do</strong> Paraguai. Eram esses os únicos oficiais estrangeiros que acompanhavama pé. Os outros adi<strong>do</strong>s militares, assim como os embaixa<strong>do</strong>res, ministrose secretá<strong>rio</strong>s, tinham toma<strong>do</strong> as suas carruagens. Os borda<strong>do</strong>s ver<strong>de</strong>s <strong>do</strong>suniformes <strong>do</strong> instituto apareciam a cada passo no numeroso séquito.Na rua Royale, alguns populares, reconhecen<strong>do</strong> o uniforme <strong>do</strong>príncipe Orloff e <strong>do</strong>s cossacos, soltaram o grito da moda, “Vive laRussie!” * . No entanto, foi esse o único inci<strong>de</strong>nte em to<strong>do</strong> o longo trajeto<strong>de</strong> quase seis quilômetros, sen<strong>do</strong> sumamente respeitosa e simpática aatitu<strong>de</strong> <strong>do</strong>s 300 mil ou mais parisienses e estrangeiros que formaramalas e se <strong>de</strong>scobriram à passagem <strong>do</strong> gran<strong>de</strong> brasileiro.O fotógrafo Paul Nadar tomou a vista da praça da Concórdia no momentoem que o coche fúnebre passava, mas o local não foi bem escolhi<strong>do</strong>, porquea objetiva apenas podia apanhar pequeno espaço. Melhor posição teria si<strong>do</strong>*Viva a Rússia! (N. E.)407


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOo peristilo da Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> a vista <strong>do</strong>mina a ponte e apraça da Concórdia e toda a rua Royale até a Madalena.Em to<strong>do</strong> o percurso estavam as janelas e os largos passeios das ruasapinha<strong>do</strong>s <strong>de</strong> povo. Todas as elevações eram aproveitadas. Via-se imensagente nos terraços <strong>do</strong> jardim das Tulherias, nos bor<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s tanques dapraça da Concórdia, nas muralhas <strong>do</strong>s cais, nos bancos <strong>de</strong> ferro e nasárvores <strong>do</strong> bulevar Saint-Germain, em escadas <strong>de</strong> mão aplicadas àspare<strong>de</strong>s, nas almofadas <strong>do</strong>s carros <strong>de</strong> praça e nos tejadilhos <strong>do</strong>s ônibus.Em Paris não é permiti<strong>do</strong> atravessar um préstito fúnebre, e este, com astropas que o precediam e o seguiam, ocupava quase to<strong>do</strong> o comprimento<strong>do</strong> bulevar Saint-Germain, que tem mais <strong>de</strong> três quilômetros. Ficarampor isso reti<strong>do</strong>s inúmeros veículos nos pontos <strong>de</strong> encontro das ruastransversais <strong>de</strong> mais trânsito, como as <strong>do</strong> Bac, Saints Pères, Bonaparte,Rennes, Tournon e bulevar Saint-Michel. O correspon<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> DailyTelegraph disse com razão que a afluência <strong>do</strong> povo parecia tão gran<strong>de</strong>como nos funerais <strong>de</strong> Victor Hugo.A escadaria monumental da Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s estava coberta<strong>de</strong> especta<strong>do</strong>res, pela maior parte <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s que haviam <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong>a sala das sessões; foi impressivo e solene o aspecto <strong>de</strong>sse anfiteatro<strong>de</strong> 500 ou 600 homens, cujos chapéus se abateram ao mesmo tempo.Pelas vizinhanças <strong>do</strong> bulevar Saint-Michel até a praça Maubert, era amocida<strong>de</strong> das escolas que prepon<strong>de</strong>rava na multidão. Daí em diante,até o jardim das Plantas e a estação <strong>de</strong> Orléans, o público compunha-seprincipalmente <strong>de</strong> pequenos negociantes e operá<strong>rio</strong>s.O coche fúnebre <strong>de</strong>teve-se na esquina da rua Sauvage, junto à entrada<strong>do</strong> gran<strong>de</strong> palco das Messageries, na estação <strong>de</strong> Orléans, e os membros dafamília, os representantes <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte Carnot, <strong>do</strong>s ministros e <strong>do</strong> Instituto<strong>de</strong> França, os membros <strong>do</strong> corpo diplomático e muitos <strong>do</strong>s convida<strong>do</strong>s,agruparam-se nesse lugar para esperar as últimas continências militares.A princesa Isabel colocou-se na frente, ten<strong>do</strong> a seu la<strong>do</strong> o con<strong>de</strong>d’Eu e o príncipe <strong>do</strong>m Pedro <strong>de</strong> Alcântara, seu filho mais velho.As tropas que haviam precedi<strong>do</strong> o féretro já tinham toma<strong>do</strong> posiçãoem frente ao bulevar <strong>de</strong> La Gare. As outras atravessaram a ponte <strong>de</strong>Austerlitz, seguiram o cais <strong>de</strong> La Rapée e voltaram à margem esquerda,pela ponte <strong>de</strong> Bercy, reunin<strong>do</strong>-se às da vanguarda.Até então, tinham caminha<strong>do</strong> lentamente, como é <strong>de</strong> estilo nosfunerais. Agora, <strong>de</strong>sfilavam em marcha acelerada, quase a passo <strong>de</strong>408


ARTIGOS DE IMPRENSAcarga, com to<strong>do</strong> o garbo militar, ao som das músicas marciais e <strong>do</strong>rufar <strong>do</strong>s tambores, mistura<strong>do</strong> aos toques das cornetas e <strong>do</strong>s clarins.Passaram primeiro os oito batalhões <strong>de</strong> Infantaria, <strong>de</strong>pois a Artilhariae, por último, a Cavalaria da Guarda Republicana e os Couraceiros. Osgenerais e os coronéis dirigiam com as espadas a última saudação aomorto, as ban<strong>de</strong>iras abatiam-se ao passar e, cada vez que passava umaban<strong>de</strong>ira, todas as cabeças se <strong>de</strong>scobriam.O general Poilloüe <strong>de</strong> Saint-Mars tinha-se coloca<strong>do</strong> a pequenadistância <strong>do</strong> coche fúnebre, junto à muralha <strong>do</strong> cais. Quan<strong>do</strong>, às 16h15,terminou a marcha em continência <strong>de</strong> todas as tropas que comandava,aproximou-se ele <strong>do</strong> féretro, com seu Esta<strong>do</strong>-maior, fez com a espadao cumprimento militar ao morto, e foi fazê-lo à princesa, antes <strong>de</strong> ir <strong>de</strong>novo pôr-se à frente da divisão, que pouco adiante dispersou, mandan<strong>do</strong>que cada corpo voltasse aos seus quartéis.O coche fúnebre penetrou então no pátio das Messageries, on<strong>de</strong> umvagão estava arma<strong>do</strong> em capela ar<strong>de</strong>nte. O caixão foi aí coloca<strong>do</strong> e, <strong>de</strong>poisdas preces feitas por monsenhor Le Rebours e pelo padre Panis, as pessoaspresentes apresentaram os seus respeitos à princesa e aos príncipes.A princesa pediu ao general Brugère que dissesse ao presi<strong>de</strong>nteCarnot quanto ela ficava penhorada pelas <strong>de</strong>monstrações públicas <strong>de</strong>apreço a seu pai e pelas testemunhas <strong>de</strong> apreço que ela recebera <strong>do</strong>governo. Essas <strong>de</strong>clarações foram repetidas no dia seguinte ao ministro<strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros pelo <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Pene<strong>do</strong>, que recebeu daprincesa esse encargo, e o Temps e outras folhas ministeriais publicarama seguinte notícia: “A con<strong>de</strong>ssa d’Eu fez apresentar ao governo francêsa expressão <strong>do</strong>s seus agra<strong>de</strong>cimentos pelo brilho <strong>de</strong> que ele cercou asexéquias <strong>do</strong> Impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil.”Os representantes <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte Carnot e <strong>do</strong>s ministros estiveramna estação até o último momento, assim como o ministro português,o conselheiro Emygdio Navarro. O senhor Daubrée, <strong>do</strong> instituto, tinhaescrito um discurso, mas a princesa pediu-lhe que não lesse porqueoutras pessoas po<strong>de</strong>riam querer falar e ela não <strong>de</strong>sejava manifestações.O discurso será li<strong>do</strong> na próxima sessão da Aca<strong>de</strong>mia das Ciências.Esqueci-me <strong>de</strong> dizer em seu lugar que, no dia 7, essa aca<strong>de</strong>mialevantou a sessão em sinal <strong>de</strong> pesar, apesar <strong>de</strong> não costumar fazê-lo porocasião da morte <strong>do</strong>s seus membros estrangeiros. O presi<strong>de</strong>nte Duchartepronunciou então palavras muito sentidas.409


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOÀs 19h30, o trem especial que <strong>de</strong>veria conduzir a Lisboa o corpo <strong>de</strong><strong>do</strong>m Pedro II estava alinha<strong>do</strong> no cais da saída. Compunha-se <strong>de</strong> vá<strong>rio</strong>svagões-leitos, <strong>de</strong> três salões, um vagão-capela, <strong>de</strong> <strong>do</strong>is furgões carrega<strong>do</strong>s<strong>de</strong> flores e <strong>de</strong> outros <strong>de</strong> bagagem. A essa hora, ainda chegavam coroas<strong>de</strong> flores.O con<strong>de</strong> d’Eu agra<strong>de</strong>ceu ao senhor Heurteau, diretor da companhia<strong>de</strong> Orléans, e aos membros <strong>do</strong> Conselho <strong>de</strong> Administração, as excelentesdisposições que tinham toma<strong>do</strong>.Achavam-se na estação, além da princesa <strong>de</strong> Joinville e <strong>do</strong> velhoduque <strong>de</strong> Némours, uns 300 brasileiros e franceses.Às 20h em ponto partiu o comboio, seguin<strong>do</strong> nele a princesa <strong>do</strong>naIsabel, o con<strong>de</strong> d’Eu, os príncipes <strong>do</strong>m Pedro <strong>de</strong> Alcântara, Grão-Pará e<strong>do</strong>m Pedro Augusto <strong>de</strong> Saxe, a baronesa <strong>de</strong> Muritiba, <strong>do</strong>na Eugenia daFonseca (filha <strong>do</strong> marechal viscon<strong>de</strong> da Penha), o viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cavalcanti,o conselheiro Silva Costa, os con<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Aljezur e da Mota Maia, os barões<strong>de</strong> Muritiba e <strong>de</strong> Estrela, o secretá<strong>rio</strong> da legação portuguesa em Paris(con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> e Silva) e os senhores <strong>do</strong>utor José Paranaguá, <strong>do</strong>utorJoão <strong>de</strong> Souza Dantas, <strong>do</strong>utor Gofre<strong>do</strong> <strong>de</strong> Escragnolle Taunay, <strong>do</strong>utorPaulo Pra<strong>do</strong>, <strong>do</strong>utor Cansanção <strong>de</strong> Sinimbu, Sebastião Guimarães, Alfre<strong>do</strong>Rocha, <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Nioac, Pandiá Calógeras, <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Maia Monteiro, <strong>barão</strong><strong>de</strong> São Joaquim, quatro padres e o diretor da empresa funerária Borniol,com o pessoal necessá<strong>rio</strong>. O príncipe Albrecht da Prússia, segui<strong>do</strong> <strong>de</strong>numeroso séquito, passou por Paris no dia 10 para ir representar seuirmão, o impera<strong>do</strong>r da Alemanha, nos funerais em Lisboa.Na manhã <strong>de</strong> 10, o trem imperial entrou no territó<strong>rio</strong> espanhol; na <strong>de</strong>11, chegou a Madri e, hoje, a Lisboa, sen<strong>do</strong> recolhi<strong>do</strong> o corpo <strong>do</strong> gran<strong>de</strong>impera<strong>do</strong>r à igreja <strong>de</strong> São Vicente <strong>de</strong> Fora, em que <strong>de</strong>scansam os restos<strong>do</strong>s seus antepassa<strong>do</strong>s e os da imperatriz <strong>do</strong>na Teresa Cristina.Por toda a parte, segun<strong>do</strong> os telegramas, recebeu o ilustre brasileiroas mesmas honras oficiais e <strong>de</strong>monstrações públicas <strong>de</strong> respeito que lheforam tributadas em França. Os nossos correspon<strong>de</strong>ntes especiais e o <strong>de</strong>Lisboa referiram por miú<strong>do</strong> os inci<strong>de</strong>ntes da viagem e as exéquias finais.Ferdinand Hex410


ARTIGOS DE IMPRENSA117) Jornal <strong>do</strong> CommercioRio <strong>de</strong> Janeiro, 11 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1903. Seção “Publicações a pedi<strong>do</strong>”.O senhor ministro das Relações Exte<strong>rio</strong>res *Sumá<strong>rio</strong>: Capital Fe<strong>de</strong>ral – Saú<strong>de</strong> e fraternida<strong>de</strong> – Vós – Recomen<strong>do</strong>vos– Assinatura – Cidadão – Rocha Tarpeia.Entre as publicações ineditoriais no Jornal <strong>do</strong> Commercio <strong>de</strong>25 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, encontramos um artigo em que o ilustra<strong>do</strong> senhorMiguel Lemos, diretor <strong>do</strong> Apostola<strong>do</strong> Positivista no Brasil, censurouinci<strong>de</strong>ntemente o novo ministro das Relações Exte<strong>rio</strong>res por haverrestabeleci<strong>do</strong> na correspondência oficial da sua repartição estilo ecertos usos que haviam si<strong>do</strong> modifica<strong>do</strong>s em 1893 por um <strong>do</strong>s seuspre<strong>de</strong>cessores, o então ministro <strong>do</strong>utor João Felipe Pereira, positivistapraticante. A Tribuna, dias antes, tinha feito também, <strong>de</strong> passagem,alguns reparos sobre o assunto, em uma das suas seções humorísticas.Examinemos rapidamente essas censuras e outras críticas que têmchega<strong>do</strong> ao nosso conhecimento.Estranharam o senhor Miguel Lemos e A Tribuna que os atos <strong>do</strong>Ministé<strong>rio</strong> das Relações Exte<strong>rio</strong>res sejam agora data<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong>Janeiro e não da capital fe<strong>de</strong>ral. A razão é óbvia.Empregan<strong>do</strong>-se o nome geográfico Rio <strong>de</strong> Janeiro, to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>sabe que se trata da capital fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Brasil; usan<strong>do</strong>-se da perífrasecapital fe<strong>de</strong>ral, não se po<strong>de</strong> saber ao certo se o <strong>do</strong>cumento foi firma<strong>do</strong>no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em Berna, em Berlim, em Washington, no México,em Caracas, em Buenos Aires, em Ottawa ou em Sydney. Em nenhumaoutra fe<strong>de</strong>ração ocorreu ainda a ninguém substituir o nome particular oudistintivo da cida<strong>de</strong> por um vago circunlóquio, e, felizmente, em nenhum<strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s da nossa União houve ainda quem se lembrasse <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprezar onome próp<strong>rio</strong> da cida<strong>de</strong>, se<strong>de</strong> <strong>do</strong> governo, para escrever capital estadual.Uma fórmula que po<strong>de</strong>ria conciliar tu<strong>do</strong>, mas que teria o gran<strong>de</strong>inconveniente <strong>de</strong> ser sobremo<strong>do</strong> extensa e sair <strong>de</strong> regra geral, seria esta:“Na cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, capital fe<strong>de</strong>ral da República <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>sUni<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Brasil, aos... <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1903.”*Artigo também publica<strong>do</strong> nos seguintes periódicos: Correio da Manhã, 13 jan. 1903; O Paiz, 12 jan. 1903;Gazeta <strong>de</strong> Notícia, 12 já. 1903 e A Tribuna, 12 jan. 1903.411


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOO senhor Miguel Lemos, que tanto se arreceia <strong>do</strong> chama<strong>do</strong>sebastianismo, <strong>de</strong>veria aten<strong>de</strong>r a que o emprego <strong>de</strong> capital fe<strong>de</strong>ral temfranco ressaibo monarquista, pois não é outra coisa mais <strong>do</strong> que umatransformação <strong>do</strong> antigo vezo português e brasileiro <strong>de</strong> dizer corte, para<strong>de</strong>signar Lisboa e Rio <strong>de</strong> Janeiro.No tempo <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>, o atual ministro das Relações Exte<strong>rio</strong>resnunca <strong>de</strong>u à cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro o impróp<strong>rio</strong> nome <strong>de</strong> corte eagora, proce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> coerentemente, quer apenas que os <strong>do</strong>cumentosexpedi<strong>do</strong>s pela sua repartição tragam o nome próp<strong>rio</strong> da cida<strong>de</strong> emque são assina<strong>do</strong>s e que se proceda aqui a semelhante respeito comoproce<strong>de</strong>m republicanos insuspeitos em todas as outras capitais fe<strong>de</strong>raise capitais <strong>de</strong> república.Cumpre notar que o artigo <strong>do</strong> senhor Miguel Lemos em que aparecea censura é data<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro (“Rio <strong>de</strong> Janeiro, templo dahumanida<strong>de</strong>, 22 <strong>de</strong> Bichat <strong>de</strong> 114”) e que A Tribuna também apresenta,com muito acerto e diariamente, no alto <strong>de</strong> sua primeira página, o nomegeográfico e privativo da se<strong>de</strong> <strong>do</strong> nosso governo, e não o inconvenientee extravagante substitutivo capital fe<strong>de</strong>ral.O senhor Miguel Lemos viveu muitos anos em Paris, no belo bairrolatino, também <strong>de</strong> mui gratas recordações para o atual ministro dasRelações Exte<strong>rio</strong>res. Sabe, portanto, belamente que os republicanosdaquela terra não datam seus ofícios e cartas <strong>de</strong> Capitale <strong>de</strong> laRépublique, mas sim <strong>de</strong> Paris.No tempo <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>, os viajantes que escreviam sobre o Rio <strong>de</strong>Janeiro mostravam-se admira<strong>do</strong>s <strong>do</strong> costume local <strong>de</strong> dar à cida<strong>de</strong> o nome<strong>de</strong> corte. Agora, os mo<strong>de</strong>rnos, como Carton <strong>de</strong> Wiard e outros, estranhamtambém a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> capital fe<strong>de</strong>ral. É verda<strong>de</strong> que há entre nósoutras excentricida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> mesmo gênero, que não causam menos espantoaos estrangeiros, como a <strong>de</strong> se chamar “apólice” (bond) ao “tram-carro” –esquecen<strong>do</strong> o nome <strong>do</strong> inventor, senhor Tram – e “cartola” o que para osportugueses – e também para os brasileiros <strong>do</strong> tempo antigo – é “chapéualto” ou “chapéu re<strong>do</strong>n<strong>do</strong>”. No caso, porém, <strong>do</strong>s nomes <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>, a coisapo<strong>de</strong> ter até inconvenientes imprevistos. Não há muito tempo, um jovempatrício nosso, em Paris, queren<strong>do</strong> dirigir uma carta para o Rio <strong>de</strong> Janeiro,escreveu assim o en<strong>de</strong>reço: “Monsieur F. Capitale Fédérale”. A cartafoi aberta pelo correio francês, para conhecer o nome <strong>do</strong> remetente, e<strong>de</strong>volvida a este, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> fechada, com a nota “adresse insuffisante”.412


ARTIGOS DE IMPRENSARestituamos à nossa cida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral o nome que lhe pertence e únicopor que é conhecida no mun<strong>do</strong> inteiro. Chamemo-la como ela tem odireito <strong>de</strong> ser chamada: Rio <strong>de</strong> Janeiro. A fe<strong>de</strong>ração e a República nãopo<strong>de</strong>rão perigar por isso, nem o templo da humanida<strong>de</strong> sofrer dano <strong>de</strong>espécie alguma.A circular <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1893, <strong>do</strong> senhor <strong>do</strong>utor João Felipe Pereira,que tornava obrigatória a fórmula positivista “Saú<strong>de</strong> e fraternida<strong>de</strong>”foi revogada por outra <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro último, <strong>do</strong> atual ministro dasRelações Exte<strong>rio</strong>res.Os motivos da revogação encontram-se no seguinte respeitoso ofícioque o senhor Rio Branco, então ministro em missão extraordinária nosEsta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s da América, dirigiu ao seu ilustre supe<strong>rio</strong>r:Missão especial <strong>do</strong> Brasil nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s da América.Nova York, 20 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1893.2 a Seção, n o 21 bisSenhor ministro,Tenho a honra <strong>de</strong> acusar o recebimento <strong>do</strong> <strong>de</strong>spacho circular <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> julho em quevossa excelência recomenda que to<strong>do</strong>s os ofícios sejam fecha<strong>do</strong>s com as palavras“Saú<strong>de</strong> e fraternida<strong>de</strong>”.Enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que a circular se aplica aos serviços ordiná<strong>rio</strong>s e não às missões especiaise temporárias como esta; <strong>de</strong>ixo, por enquanto, até a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> vossa excelência,<strong>de</strong> recomendar aos secretá<strong>rio</strong>s que ajuntem essa fórmula final aos ofícios daquiexpedi<strong>do</strong>s. Se a or<strong>de</strong>m é igualmente aplicável a missões especiais, ouso pedir a vossaexcelência que, não haven<strong>do</strong> inconveniente, se digne <strong>de</strong> me dispensar <strong>do</strong> emprego<strong>de</strong> uma fórmula <strong>de</strong> saudação que na República Francesa, on<strong>de</strong> teve nascimento, sóé empregada hoje pelos discípulos da religião <strong>de</strong> Augusto Comte, e que só po<strong>de</strong>reiempregar com o protesto, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já faço, <strong>de</strong> que isso não importará da minhaparte a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> espécie alguma à <strong>do</strong>utrina política e religiosa <strong>de</strong>sse filósofo.Se entre nós a antiga fórmula “Deus guar<strong>de</strong> a vossa excelência ou vossa senhoria”foi abolida em atenção a i<strong>de</strong>ias filosóficas <strong>de</strong> alguns brasileiros, creio que ascrenças religiosas <strong>de</strong> outros, sem dúvida muito mais numerosas, merecem tambémconsi<strong>de</strong>ração. Isso justificaria a a<strong>do</strong>ção das fórmulas <strong>de</strong> cortesia e respeito usadas413


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOno estilo oficial da República Francesa, da Confe<strong>de</strong>ração suíça e <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>sUni<strong>do</strong>s da América, fórmulas estas que satisfazem a todas as consciências.Peço vênia para observar que mesmo no tempo em que a correspondência oficial<strong>de</strong> todas as outras repartições públicas no Brasil terminava com “Deus guar<strong>de</strong> avossa excelência ou vossa senhoria” (que, entretanto, nunca foi obrigató<strong>rio</strong>), onosso antigo Ministé<strong>rio</strong> <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros, creio que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pouco <strong>de</strong>poisda In<strong>de</strong>pendência, usava como fórmula final ou <strong>de</strong> saudação as que estavam eestão em uso no estilo da chancelaria ou <strong>do</strong> diplomático <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os povos cultos.Com a<strong>do</strong>ção da antiga fórmula revolucionária, não admitida em nenhuma outrarepública, os <strong>de</strong>spachos ou <strong>do</strong>cumentos <strong>do</strong> nosso Ministé<strong>rio</strong> das RelaçõesExte<strong>rio</strong>res, comunica<strong>do</strong>s aos governos estrangeiros pelos nossos representantesdiplomáticos, ficaram constituin<strong>do</strong> uma exceção estranhável, e asseguro a vossaexcelência que, mesmo nas três repúblicas ante<strong>rio</strong>rmente citadas, a impressão daíresultante não nos será favorável, porque isso induzirá a crer que ainda estamosatravessan<strong>do</strong> uma crise revolucionária.Estou convenci<strong>do</strong> <strong>de</strong> que vossa excelência prefere ao silêncio das reservasmentais a linguagem da franqueza e lealda<strong>de</strong> e assim não levará a malas respeitosas observações que faço neste ofício, usan<strong>do</strong> <strong>do</strong> direito <strong>de</strong>representação e guardan<strong>do</strong> a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> vossa excelência, que receberei com omaior acatamento.Tenho a honra <strong>de</strong> reiterar a vossa excelência os protestos da minha mais respeitosaconsi<strong>de</strong>ração.(Assina<strong>do</strong>) Rio Branco.A sua excelência o senhor <strong>do</strong>utor João Felipe Pereira.Ministro e secretá<strong>rio</strong> <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> das Relações Exte<strong>rio</strong>res.Esse ofício não foi respondi<strong>do</strong>, e o senhor Rio Branco continuou aregular-se pelo antigo formulá<strong>rio</strong> até que o seu particular amigo senhor<strong>do</strong>utor Olyntho Magalhães, em 1899, tornou extensivas às missõesespeciais as regras estabelecidas para a correspondência das legaçõese <strong>do</strong>s consula<strong>do</strong>s. A or<strong>de</strong>m foi imediatamente cumprida pelos <strong>do</strong>isministros que então tínhamos em missão especial no estrangeiro, os414


ARTIGOS DE IMPRENSAsenhores Nabuco e Rio Branco, mas <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser observada em algumas<strong>de</strong> nossas legações, sem que o <strong>do</strong>utor Magalhães, ocupa<strong>do</strong> com assuntosmais urgentes, tivesse ti<strong>do</strong> oportunida<strong>de</strong> para recusar a excelência e osprotestos <strong>de</strong> respeitosa consi<strong>de</strong>ração que lhes eram envia<strong>do</strong>s ou paraexigir o emprego da fórmula positivista “Saú<strong>de</strong> e fraternida<strong>de</strong>”.Agora, para uniformizar a correspondência oficial <strong>do</strong> Ministé<strong>rio</strong> dasRelações Exte<strong>rio</strong>res, foram restabelecidas as práticas ante<strong>rio</strong>res a 1893,por meio das seguintes instruções:1 a SeçãoCircularRio <strong>de</strong> Janeiro, Ministé<strong>rio</strong> das Relações Exte<strong>rio</strong>res, 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1902.Senhor (ministro ou cônsul),Sen<strong>do</strong> conveniente estabelecer na correspondência <strong>de</strong>sta repartição e <strong>do</strong>s serviçosque <strong>de</strong>la <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m as fórmulas <strong>de</strong> cortesia usadas no estilo <strong>de</strong> chancelaria <strong>de</strong>to<strong>do</strong>s os povos cultos, e nomeadamente no <strong>de</strong> todas as outras Repúblicas, <strong>de</strong>clarorevogada a circular <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1893 e peço a vossa senhoria que <strong>de</strong> oraem diante remate os ofícios que dirigir a funcioná<strong>rio</strong>s públicos brasileiros e aparticulares dizen<strong>do</strong> que tem a honra <strong>de</strong> lhes oferecer ou <strong>de</strong> lhes reiterar, conformeo caso, os protestos menciona<strong>do</strong>s no apontamento anexo a esta circular.Quan<strong>do</strong> forem dadas ou transmitidas or<strong>de</strong>ns e instruções, não será necessá<strong>rio</strong>or<strong>de</strong>nar ou recomendar sempre a sua execução; bastará, na generalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>scasos, pedir ao subordina<strong>do</strong> que as tenha presentes ou que as execute, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong>este enten<strong>de</strong>r que o pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu supe<strong>rio</strong>r hierárquico ou <strong>de</strong> qualquer autorida<strong>de</strong>competente é necessariamente uma or<strong>de</strong>m.No fecho das notas e cartas oficiais às autorida<strong>de</strong>s estrangeiras, as legações econsula<strong>do</strong>s brasileiros <strong>de</strong>verão continuar a empregar as fórmulas da poli<strong>de</strong>zusadas no estilo oficial <strong>do</strong> país em que estiverem.Tenho a honra <strong>de</strong> reiterar a vossa senhoria os protestos da minha estima econsi<strong>de</strong>ração.(Assina<strong>do</strong>) Rio Branco.415


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOComo se acaba <strong>de</strong> ver, o que o senhor ministro das RelaçõesExte<strong>rio</strong>res fez com a circular <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro último foi pôr <strong>de</strong> novoem vigor, na correspondência da sua repartição, as regras <strong>de</strong> cortesiaoficial abolidas em 1893 e que são, resumidamente e com ligeirasvariantes, as mesmas que se encontram em um folheto <strong>de</strong> 50 páginasem cuja capa e folha <strong>de</strong> rosto se lê o seguinte: “République Française.Protocole du Ministère <strong>de</strong>s Affaires Etrangères, 1900.” E da página 11em diante: “Protocole du Ministre.”Os republicanos da Suíça, <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s da América e daFrança, sen<strong>do</strong> mais antigos, <strong>de</strong>vem enten<strong>de</strong>r mais <strong>de</strong> república <strong>do</strong>que os <strong>do</strong> Brasil. O nosso Ministé<strong>rio</strong> das Relações Exte<strong>rio</strong>res estáseguin<strong>do</strong> agora, em matéria <strong>de</strong> estilo oficial, os exemplos que nos dãoos republicanos <strong>de</strong>ssas e <strong>de</strong> todas as outras repúblicas.O senhor Rio Branco, portanto, não suprimiu fórmulas republicanas,nem obe<strong>de</strong>ceu a pensamento algum político. O “Salut et Fraternité”,usa<strong>do</strong> na França na época da gran<strong>de</strong> revolução, é <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito fórmulareligiosa e não política, <strong>de</strong> que apenas se servem na França e em outrospaíses os pouco numerosos observantes da <strong>do</strong>utrina religiosa <strong>de</strong> AugustoComte. Não nos parece que se possa com razão consi<strong>de</strong>rar “pequicepolítica” o emprego <strong>de</strong> alguns poucos minutos em consertar a reforma<strong>de</strong> 1893. O que com certeza <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> “pequice política” emesmo rematada carolice é o ato <strong>do</strong>s que então impuseram ao Ministé<strong>rio</strong>das Relações Exte<strong>rio</strong>res uma fórmula da religião da humanida<strong>de</strong>. NaRepública <strong>do</strong> Equa<strong>do</strong>r, o ultramontano Garcia Moreno não foi tãolonge, pois nunca se lembrou <strong>de</strong> <strong>de</strong>cretar para fecho <strong>do</strong>s ofícios e notaso Dominus Vobiscum, que seria a fórmula equivalente e mais aceitávelnaquele país <strong>de</strong> carolas.Os avisos e as comunicações das outras repartições são <strong>do</strong>cumentos<strong>do</strong> nosso serviço interno, correspondência trocada entre brasileiros e que,assim, se passa toda em família. Não suce<strong>de</strong> o mesmo aos <strong>de</strong>spachos<strong>do</strong> Ministé<strong>rio</strong> das Relações Exte<strong>rio</strong>res. Não raro são eles comunica<strong>do</strong>spor tradução aos governos estrangeiros e isso basta para mostrar queem tais <strong>do</strong>cumentos nos não <strong>de</strong>vemos afastar <strong>do</strong>s estilos observa<strong>do</strong>s nacorrespondência diplomática <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os povos civiliza<strong>do</strong>s. O “Salut eFraternité” e o “Hail and Fraternity”, nas traduções francesa e inglesa <strong>do</strong>nosso protesto contra a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> tribunal arbitral anglo-venezuelano,causaram bastante surpresa aos velhos republicanos <strong>de</strong> Paris, <strong>de</strong> Berna e416


ARTIGOS DE IMPRENSA<strong>de</strong> Washington e <strong>de</strong>ram motivo a comentá<strong>rio</strong>s pouco agradáveis sobre onosso calourismo republicano.No Brasil foi <strong>de</strong>cretada a separação da Igreja e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, e nãohouve lei alguma impon<strong>do</strong> às repartições e aos funcioná<strong>rio</strong>s públicosmanifestações <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são à religião da humanida<strong>de</strong>.Sabemos que o senhor Rio Branco admira profundamente ostalentos, a ilustração, a constância <strong>de</strong> propagandistas e a pureza <strong>de</strong> vida<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is dignos apóstolos <strong>do</strong> positivismo no Brasil. Tem por eles e portodas as religiões o maior respeito, mas não po<strong>de</strong> esquecer que no Brasilo Esta<strong>do</strong> não tem religião.O chama<strong>do</strong> tratamento <strong>de</strong> “vós” também não se po<strong>de</strong> dizer queseja rigorosamente republicano. Nas outras <strong>de</strong>mocracias é admiti<strong>do</strong>,ou <strong>de</strong> rigor em certos casos, o tratamento <strong>de</strong> excelência. Nas <strong>de</strong> línguaespanhola, há este e o <strong>de</strong> vossa senhoria: nunca o <strong>de</strong> vós. Mesmo noBrasil, o <strong>de</strong> excelência é <strong>de</strong> estilo corrente nas discussões das CâmarasLegislativas. O pronome da segunda pessoa <strong>do</strong> plural só é, em regra,emprega<strong>do</strong> na língua portuguesa, na espanhola e na italiana quan<strong>do</strong>se fala ou escreve a mais <strong>de</strong> uma pessoa. À ín<strong>do</strong>le <strong>de</strong>ssas três línguasrepugna o tratamento <strong>de</strong> vós, e po<strong>de</strong> se dizer que em Portugal ele só erae é emprega<strong>do</strong> nas Cartas Régias e em outros <strong>do</strong>cumentos expedi<strong>do</strong>sem nome <strong>do</strong> rei ou, excepcionalmente, quan<strong>do</strong> se fala à majesta<strong>de</strong> oua alguma pessoa <strong>de</strong> maior eminência. Nos países <strong>de</strong> língua portuguesa,tratamo-nos to<strong>do</strong>s por “senhor”. Como, pois, preten<strong>de</strong>r que o “vossasenhoria” ofenda o sentimento <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>?É melhor evitar os erros <strong>de</strong> conjugação tão frequentes entre nós,<strong>de</strong>pois que se introduziu o tratamento <strong>de</strong> vós. Veja-se, por exemplo, oseguinte cu<strong>rio</strong>so trecho <strong>de</strong> ofício há tempos publica<strong>do</strong>, escrito por umpretenso positivista que, em 1889, mereceu a honra <strong>de</strong> um retrato, comextensa <strong>de</strong>dicatória, <strong>do</strong> ilustre Benjamin Constant: “[...] Já vês, pois,que quem se enganou e errou fostes vós e não este seu cria<strong>do</strong>, quechamei a atenção <strong>do</strong>s ilustres ministros [...]” Em ofícios e telegramas,em vez <strong>de</strong> vós, têm recebi<strong>do</strong> funcioná<strong>rio</strong>s brasileiros, às vezes, o poucocerimonioso tratamento tu.O segun<strong>do</strong> parágrafo da circular teve, por fim, como o primeiro,acabar com a secura e a dureza <strong>do</strong> estilo oficial observa<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1893e que <strong>de</strong> dia em dia se foram agravan<strong>do</strong>. Abolidas todas as fórmulas <strong>de</strong>poli<strong>de</strong>z (“Tive a honra <strong>de</strong> receber”; “Reitero a vós os protestos da minha417


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOestima e consi<strong>de</strong>ração”; “Queira fazer isto”; etc.), a correspondência entreos funcioná<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> serviço exte<strong>rio</strong>r e a secretaria <strong>de</strong>ixava a impressão<strong>de</strong> que o governo estava mal com os seus <strong>de</strong>lega<strong>do</strong>s e <strong>de</strong> que estestambém não sabiam tratar com a <strong>de</strong>vida <strong>de</strong>ferência os seus supe<strong>rio</strong>res.As or<strong>de</strong>ns eram dadas com o laconismo e a aspereza com que certossargentos falam aos seus infe<strong>rio</strong>res: “Recomen<strong>do</strong>-vos que encarregueiso primeiro-secretá<strong>rio</strong> <strong>de</strong>ssa legação <strong>de</strong> escrever um relató<strong>rio</strong> minuciososobre a viticultura nesse país. Saú<strong>de</strong> e fraternida<strong>de</strong>.” A fórmula finalsoava como um áspero “Passe bem!”Não era assim que tratavam os seus subordina<strong>do</strong>s os estadistas que<strong>de</strong>ram renome ao nosso antigo Ministé<strong>rio</strong> <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros,entre os quais bastará citar os viscon<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Uruguai, <strong>de</strong> Abaeté, <strong>do</strong>Rio Branco, <strong>de</strong> Maranguape, <strong>de</strong> Sinimbu e <strong>de</strong> Caravelas, o marquês<strong>de</strong> Abrantes, o conselheiro Saraiva, o <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Cotegipe e, <strong>de</strong>pois daRepública, Quintino Bocaiúva e Carlos <strong>de</strong> Carvalho. Homens comoDaniel Webster, Guizot, Gambetta, Metternich, Palmerston, Derby,Salisbury não <strong>de</strong>sciam sua dignida<strong>de</strong> dizen<strong>do</strong> aos seus subordina<strong>do</strong>s:“O ofício que me fizestes a honra <strong>de</strong> dirigir [...]”, “Peço-vos quecomuniqueis isto [...]”, “Recebei, senhor, os protestos da minha distintaconsi<strong>de</strong>ração” (fórmula francesa <strong>de</strong> cortesia nos <strong>de</strong>spachos dirigi<strong>do</strong>s aossimples chanceleres <strong>de</strong> consula<strong>do</strong>s). Na Inglaterra, o chefe <strong>do</strong> ForeignOffice, seja ele embora um Palmerston, termina <strong>de</strong>ste mo<strong>do</strong> os seus<strong>de</strong>spachos oficiais, mesmo quan<strong>do</strong> se dirige a um vice-cônsul: “Tenho ahonra <strong>de</strong> ser, senhor, vosso humil<strong>de</strong> e obediente servo [...]”Entre nós, enten<strong>de</strong>ram alguns jovens ministros que não ficava bema sua autorida<strong>de</strong> respeitar tais usos <strong>de</strong> chancelaria, posto que observa<strong>do</strong>sescrupulosamente por mestres em república, como são os suíços, osnorte-americanos e os franceses.Compreen<strong>de</strong>-se facilmente que, na carreira diplomática e também naconsular, o exercício da poli<strong>de</strong>z <strong>de</strong>va ser <strong>de</strong> uso constante. Funcioná<strong>rio</strong>shabitua<strong>do</strong>s à dureza <strong>de</strong> forma, ou à falta <strong>de</strong> forma, maltrata<strong>do</strong>s e inibi<strong>do</strong>s<strong>de</strong> observar as mais comezinhas regras <strong>de</strong> cortesia nas relações com osseus supe<strong>rio</strong>res, acabariam por ficar uns gran<strong>de</strong>s malcria<strong>do</strong>s, até mesmono trato com as autorida<strong>de</strong>s estrangeiras.A circular <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro procurou aten<strong>de</strong>r à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> evitaresse inconveniente, restauran<strong>do</strong> práticas que não são só das monarquias,mas também <strong>de</strong> todas as <strong>de</strong>mais repúblicas.418


ARTIGOS DE IMPRENSAOutra crítica <strong>de</strong> que tivemos notícia é relativa à assinatura RioBranco. Essa foi feita por um ex-ministro em conversa <strong>de</strong> bon<strong>de</strong>,ouvida pelos vizinhos. O jovem estadista via nesse mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> assinar uma<strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> sebastianismo.Respon<strong>de</strong>-se mui facilmente à crítica e à suspeita. O nosso Diá<strong>rio</strong> Oficialacaba <strong>de</strong> publicar uma nota <strong>do</strong> Conselho Fe<strong>de</strong>ral Suíço dirigida ao Ministé<strong>rio</strong>das Relações Exte<strong>rio</strong>res <strong>de</strong>sta República. Termina assim o <strong>do</strong>cumento:[...]Queira aceitar, senhor ministro, os novos protestos danossa alta consi<strong>de</strong>ração.Em nome <strong>do</strong> Conselho Fe<strong>de</strong>ral Suíço,O presi<strong>de</strong>nte da Confe<strong>de</strong>ração,(Assina<strong>do</strong>) Zemp.O chanceler da Confe<strong>de</strong>ração,(Assina<strong>do</strong>) Ringier.Vejamos, ao acaso, outro <strong>do</strong>cumento, este da França:O presi<strong>de</strong>nte da República francesa, por proposta <strong>do</strong>ministro <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros, <strong>de</strong>creta:[...]O ministro <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros fica encarrega<strong>do</strong>da execução <strong>do</strong> presente <strong>de</strong>creto.Feito em Paris, aos 16 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1900.(Assina<strong>do</strong>) E. LoubetPelo presi<strong>de</strong>nte da República, o ministro <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros:“(Assina<strong>do</strong>) Delcassé.”Po<strong>de</strong>rá o crítico preten<strong>de</strong>r que os velhos republicanos suíços Zemp eRingier, e que o radical francês Delcassé <strong>de</strong>vam ficar suspeitos <strong>de</strong> fingi<strong>do</strong>republicanismo porque assinam um só nome? Cumpre notar que não sãoesses os únicos republicanos que assinam em <strong>do</strong>cumentos oficiais umsó nome. Po<strong>de</strong> dizer-se que tal é a regra geral na Confe<strong>de</strong>ração suíça ena República Francesa (Constans, Wal<strong>de</strong>ck-Rousseau, além <strong>de</strong> muitosoutros); se nos não falha a memória, o uso, sem ser tão geral, é frequentenos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s da América.419


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCONotemos também <strong>de</strong> passagem que nas repúblicas que nos po<strong>de</strong>mservir <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo em matéria <strong>de</strong> costumes <strong>de</strong>mocráticos e estilo oficial(Suíça, Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s da América e França), ninguém diz ou escreve“cidadão chefe <strong>de</strong> polícia”, “cidadão ministro”, “cidadão fulano oubeltrano”. Nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s diz-se: “Mr. Presi<strong>de</strong>nt” ou “Mr. F.”, nunca“citizen Presi<strong>de</strong>nt” ou “citizen F”. Na Suíça também, embora to<strong>do</strong>s sejamcidadãos, os funcioná<strong>rio</strong>s e particulares são trata<strong>do</strong>s por “senhor F.”, e nãopor “cidadão F.” Na República Francesa, só aos anarquistas, <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>iros epolíticos <strong>de</strong>sequilibra<strong>do</strong>s se costuma dar em tom <strong>de</strong> mofa o tratamento <strong>de</strong>“citoyen” em vez <strong>do</strong> <strong>de</strong> “Monsieur”. Diz-se correntemente “la citoyenneLouise Michel”, mas nenhum homem que se respeite dirá ou escreverá “lecitoyen Wal<strong>de</strong>ck-Rousseau”, “le citoyen Méline”.No Paraguai <strong>de</strong> Solano López, sim, quan<strong>do</strong> ali reinava o cepo uruguaianoe outros instrumentos <strong>de</strong> tortura, além <strong>do</strong>s fuzilamentos e das <strong>de</strong>golações, é quese dizia sempre: “El ciudadano coronel F.”, “el ciudadano juiz <strong>de</strong> paz ” etc.Depois <strong>de</strong> dizer que o senhor Rio Branco é o “aclama<strong>do</strong> chefe <strong>do</strong>intitula<strong>do</strong> parti<strong>do</strong> da pátria”, o senhor Miguel Lemos termina assim:[...] Seja como for, o que sinceramente <strong>de</strong>sejamos é que essas reformas iniciais <strong>do</strong> atualministro <strong>do</strong> Exte<strong>rio</strong>r muito contribuam para que o ilustra<strong>do</strong> brasileiro nos <strong>de</strong>monstrepraticamente, na gestão política da sua pasta, que o capitólio das Missões e <strong>do</strong> Amapáestá muito distante da rocha Tarpeia <strong>do</strong> Acre e <strong>de</strong> outros insondáveis <strong>de</strong>spenha<strong>de</strong>irosque <strong>de</strong>moram em torno da sua eminente posição no governo da República.Não sabemos que há entre nós um “intitula<strong>do</strong> parti<strong>do</strong> da pátria.”Se existe, terá outro ou outros chefes. Afasta<strong>do</strong> há 28 anos das nossasquestões <strong>de</strong> política interna, o senhor Rio Branco tem mostra<strong>do</strong> quenão procura nem <strong>de</strong>seja eminências políticas. Se, ultimamente, pelaconfiança <strong>do</strong> novo presi<strong>de</strong>nte da República, foi coloca<strong>do</strong> em “posiçãoeminente”, outros galgaram essas alturas muito mais <strong>de</strong>pressa e muitomais facilmente <strong>do</strong> que ele. É também sabi<strong>do</strong> que só aceitou o postoque ocupa <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> longa resistência, porque, da<strong>do</strong>s os seus hábitos <strong>de</strong>vida tranquila e retirada e os encargos <strong>de</strong> família que tem, a aceitaçãoimportava mui gran<strong>de</strong> sacrifício, não só seu, mas também <strong>de</strong> terceirosque lhe são caros. Acabou, porém, por inclinar-se diante <strong>do</strong> insistenteconvite <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte eleito, e inclinou-se lembran<strong>do</strong>-se somente <strong>do</strong>muito que <strong>de</strong>via e <strong>de</strong>ve à nossa terra.420


ARTIGOS DE IMPRENSAPo<strong>de</strong> o senhor Miguel Lemos estar muito certo <strong>de</strong> que o novo ministrodas Relações Exte<strong>rio</strong>res não partiu da Europa ignoran<strong>do</strong> a existência <strong>do</strong>s<strong>de</strong>spenha<strong>de</strong>iros a que se refere. Veio para o Brasil mui ciente <strong>de</strong> que no posto <strong>de</strong>perigo que lhe foi <strong>de</strong>signa<strong>do</strong> tinha bastante a per<strong>de</strong>r e nada a ganhar. Se, porém,tiver <strong>de</strong> cair <strong>de</strong> algum <strong>de</strong>spenha<strong>de</strong>iro, estamos convenci<strong>do</strong>s <strong>de</strong> que há <strong>de</strong> fazero possível por cair só sem arrastar em sua queda os interesses <strong>do</strong> Brasil. Sejacomo for, as fórmulas agora abolidas <strong>do</strong> nosso estilo <strong>de</strong> chancelaria não tiverama virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> impedir a horrorosa embrulhada <strong>do</strong> Acre, em que andamos meti<strong>do</strong>s,nem a constituição <strong>do</strong>s roche<strong>do</strong>s com que é ameaça<strong>do</strong> o novo ministro.118) O PaizRio <strong>de</strong> Janeiro, 30 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1903.Alta prudênciaO pru<strong>de</strong>ntíssimo Pan<strong>do</strong>Declarações <strong>do</strong> senhor Pinilla para facilitar as negociaçõesO que se passou ultimamente entre o senhor ministro <strong>do</strong> Exte<strong>rio</strong>r eo senhor ministro boliviano.O senhor Rio Branco:– Acabo <strong>de</strong> ser informa<strong>do</strong>, com surpresa, que o general Pan<strong>do</strong> estáprestes a partir para o Acre, à frente <strong>de</strong> uma forte expedição.O senhor Pinilla:– Não é exato, não, senhor, o general <strong>de</strong>ixar La Paz, partir para oAcre à frente <strong>de</strong> uma expedição... Isso lá seria possível? Ora essa! Nemo presi<strong>de</strong>nte da Bolívia po<strong>de</strong>ria pensar em tal!IIIO senhor Rio Branco:– Olhe que a informação que tive é segura. O general Pan<strong>do</strong> parte mesmo.421


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOO senhor Pinilla:– Não. A verda<strong>de</strong> é essa: o general ia partir. Só agora há pouco tiveum telegrama a respeito. No entanto, sua excelência resolveu suspen<strong>de</strong>ra viagem e autorizou-me a entrar em novas negociações com o Brasil.Sua excelência quer a paz, esta pronto a entrar em qualquer acor<strong>do</strong>.IIIO senhor Rio Branco:– Então? Que história é essa? O homem partiu.O senhor Pinilla:– É verda<strong>de</strong>, partiu, mas isso não quer dizer nada. Ou por outra: issofoi uma medida <strong>de</strong> alta prudência, para facilitar as negociações.***O que se daria se o Barão <strong>do</strong> Rio Branco fosse algum Manoel <strong>de</strong>Souza e se <strong>de</strong>ixasse fiar nas cantigas <strong>do</strong> senhor Pinilla:O senhor Rio Branco:– Como se explica isso? O senhor Pan<strong>do</strong> está a fuzilar brasileiros, aarrancar-lhes proprieda<strong>de</strong>s, a invadir terras <strong>do</strong> Amazonas.O senhor Pinilla:– Ah, Sim, é verda<strong>de</strong>! No entanto, isso não significa nenhumahostilida<strong>de</strong> ao Brasil. Longe <strong>de</strong> tal, é uma série <strong>de</strong> medidas <strong>de</strong> altaprudência que o general tem toma<strong>do</strong>. Graças a elas, diminui o número <strong>de</strong>reclamantes contra o <strong>do</strong>mínio boliviano no Acre e diminuem, portanto,as causas <strong>de</strong> atritos entre as duas repúblicas irmãs.IIO senhor Rio Branco:– E agora? Que me diz o senhor? Os seus patrícios estão invadin<strong>do</strong>Mato Grosso.O senhor Pinilla:I422


ARTIGOS DE IMPRENSA– Sim, sim. Está muito bem... Como uma das propostas <strong>do</strong> Brasil éuma permuta <strong>de</strong> terras, os bolivianos estão fazen<strong>do</strong> um ensaio! É umamedida <strong>de</strong> alta prudência, que vem facilitar as negociações.IIIO senhor Rio Branco:Isso é <strong>de</strong>mais, seu aquele! Acabaram-se os brasileiros <strong>do</strong> Acre...Ogeneral Pan<strong>do</strong> matou-os to<strong>do</strong>s com a sua tropa. E o senhor que me diziaque estivesse <strong>de</strong>scansa<strong>do</strong>! Vou agora provi<strong>de</strong>nciar energicamente...O senhor Pinilla:– Ora essa! Provi<strong>de</strong>nciar energicamente? Não há motivo parasemelhante coisa... Não, senhor! Ora essa! Os brasileiros <strong>do</strong> Acre foramto<strong>do</strong>s mortos, é verda<strong>de</strong>. No entanto, isso não foi mais que uma medida <strong>de</strong>alta prudência. O governo <strong>do</strong> Brasil estava preocupa<strong>do</strong> com a sorte <strong>de</strong> seuspatrícios resi<strong>de</strong>ntes no Acre, não é exato? Pois bem, agora não há lá maisnenhum brasileiro, e o governo <strong>do</strong> Brasil, livre <strong>de</strong> tão gran<strong>de</strong> preocupação,po<strong>de</strong> melhor entrar em um acor<strong>do</strong> com a Bolívia. A extinção <strong>do</strong>s brasileirosfoi uma medida <strong>de</strong> alta prudência que vem facilitar as negociações.J. Repórter.119) O PaizRio <strong>de</strong> Janeiro, 31 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1903.Aon<strong>de</strong> foi o senhor Pan<strong>do</strong>?On<strong>de</strong> está o senhor Pan<strong>do</strong>? Diversas informações.O que diz o senhor Pinilla:Afinal como é isso? O general Pan<strong>do</strong> partiu para o Acre? Partiu,mas volta? Partiu com outro rumo, mas está para voltar? Para on<strong>de</strong> foi ogeneral Pan<strong>do</strong>? On<strong>de</strong> está o general Pan<strong>do</strong>?Segun<strong>do</strong> uma informação, o general Pan<strong>do</strong> tomou efetivamente ocaminho <strong>do</strong> Acre, mas o fez com o intuito <strong>de</strong> impedir que o coronel423


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOMontes prosseguisse na viagem que tão <strong>de</strong>sastradamente empreen<strong>de</strong>u.O presi<strong>de</strong>nte boliviano bem podia encarregar alguém <strong>de</strong> tal serviço.No entanto, quis em pessoa executá-lo. Parece que isso é costume seu.Ao que consta o homenzinho é terrível para acumular funções.Segun<strong>do</strong> outra informação, na Bolívia não se pensa em guerra, massim em revolução. Ven<strong>do</strong> as coisas malparadas, o general tratou <strong>de</strong> ir buscargente em certos pontos <strong>do</strong> país, para organizar a <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> governo, emLa Paz. Longe estava <strong>de</strong> imaginar aquele fervoroso amigo <strong>do</strong> Brasil que asua ausência da capital boliviana tamanha indignação produzisse no Rio <strong>de</strong>Janeiro. Ora essa! Ele estava até a se esforçar para que as suas negociaçõescom o Brasil continuassem cordialmente. Contu<strong>do</strong>, para isso, para que o seugoverno assim proce<strong>de</strong>sse, para que se conservassem as suas boas relaçõescom o Brasil, a primeira coisa que <strong>de</strong>veria fazer era conservar-se a si mesmo.Segun<strong>do</strong> outra informação, ainda, o general partira, <strong>de</strong> fato.Entretanto, não fora ao Acre, nem se afastara <strong>de</strong> La Paz para prepararelementos <strong>de</strong> resistência contra revolucioná<strong>rio</strong>s. Fora a <strong>de</strong>terminadalocalida<strong>de</strong> acabar com um barulho. O homem é presi<strong>de</strong>nte e, ao mesmotempo, assim, uma espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>lega<strong>do</strong> ou <strong>de</strong> capitão <strong>de</strong> polícia.***O senhor Pinilla, seriamente atrapalha<strong>do</strong> com a partida <strong>do</strong> seu presi<strong>de</strong>nte,procura oferecer ao Brasil uma explicação <strong>de</strong> tal fato. Dá-se sua excelência a umtrabalho <strong>de</strong>veras penoso, para arranjar uma <strong>de</strong>sculpa. Empenha-se sua excelênciapara que nos convençamos <strong>de</strong> que o senhor Pan<strong>do</strong> saiu <strong>de</strong> La Paz, mas volta. Aquestão toda é essa, a da volta. Sua excelência enten<strong>de</strong> que a volta é a melhorvolta... a dar ao caso. Contu<strong>do</strong>, on<strong>de</strong> há <strong>de</strong> sua excelência dizer que o senhorPan<strong>do</strong> está? Para on<strong>de</strong> sua excelência há <strong>de</strong> dizer que o senhor Pan<strong>do</strong> foi?***Estou a ver que o senhor ministro boliviano ainda dirige ao senhor RioBranco a seguinte nota: “Levo ao conhecimento <strong>de</strong> vossa excelência que osenhor general Pan<strong>do</strong> não partiu para o Acre. O general Pan<strong>do</strong> foi fazer umserviço que por outra pessoa não po<strong>de</strong>ria ser feito, e volta daqui a bocadinho.”J. Repórter.424


ARTIGOS DE IMPRENSA120) Jornal <strong>do</strong> CommercioRio <strong>de</strong> Janeiro, 30 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1903.Caxias e MitreInformações e juízos <strong>do</strong> Barão <strong>do</strong> Rio BrancoDa obra <strong>de</strong> Schnei<strong>de</strong>r, História da Guerra da Tríplice Aliança, forampublica<strong>do</strong>s, em 1876, nesta cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, os <strong>do</strong>is primeiros volumes,verti<strong>do</strong>s para o português por Manuel Tomás Alves Nogueira e comenta<strong>do</strong>s peloentão jornalista e <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Paranhos, <strong>de</strong>pois Barão <strong>do</strong> Rio Branco. Do terceirovolume da tradução foram impressas, em Paris, mais <strong>de</strong> 800 páginas, em 1882.Ocupa<strong>do</strong> com outros trabalhos, não pô<strong>de</strong> o Barão <strong>do</strong> Rio Branco terminar esselivro, que, assim, não é conheci<strong>do</strong> até hoje <strong>do</strong> público. Remeteu, porém, naqueletempo, 6 ou 10 exemplares a amigos seus, e <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sses exemplares pareceunosconveniente transcrever agora os seguintes trechos, que bastante luz trazemsobre a discussão ultimamente aberta em Buenos Aires.IMarcha <strong>de</strong> flanco, <strong>de</strong> Tuyuti a Tuyu CuêNa nota 35 ao capítulo XVI da citada obra <strong>de</strong> Schnei<strong>de</strong>r (pp. 18-25,v. 3), diz o Barão <strong>do</strong> Rio Branco:Os ilustres argentinos que anotaram a tradução espanhola da obra <strong>de</strong> Thompson (senhoresLewis e Estrada) preten<strong>de</strong>m que a marcha <strong>de</strong> flanco foi i<strong>de</strong>ia <strong>do</strong> general Mitre, executadapelo duque <strong>de</strong> Caxias (p. 229 da edição <strong>de</strong> Buenos Aires). A semelhante respeito pedimosao leitor que tenha presente o que dissemos em nota à página 75 <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> volume e,sobretu<strong>do</strong>, na segunda nota à página 360 <strong>do</strong> Apêndice ao mesmo volume.A marcha para Tuiu Cuê era advogada por muitos oficiais brasileiros<strong>de</strong>s<strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1866. Ao duque <strong>de</strong> Caxias coube, incontestavelmente,a glória <strong>de</strong> preparar os elementos necessá<strong>rio</strong>s e <strong>de</strong> levar a efeito essemovimento: supomos que o mo<strong>de</strong>sto e sensato general brasileiro nuncapreten<strong>de</strong>u a <strong>de</strong> inventor <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia que já era <strong>de</strong> quase to<strong>do</strong> o exércitoquan<strong>do</strong> ele assumiu o coman<strong>do</strong> em 18 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1866.425


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOEm carta <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1866, escrita ao viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco,dizia o general Antonio da Silva Paranhos (então tenente-coronel):“Qualquer tentativa sobre a direita inimiga (Curupaiti) será sangue emuito sangue perdi<strong>do</strong> [...]”Em 26 <strong>de</strong> agosto acrescentava:Parece-me que será um erro atacar as trincheiras que nos ficam na frente, quan<strong>do</strong>pelo flanco esquer<strong>do</strong> <strong>do</strong> inimigo temos caminho que nos conduzirá a Humaitá. Seassim é, como informam alguns <strong>de</strong>sertores paraguaios, não <strong>de</strong>vemos comprometero bom êxito <strong>de</strong> nossas operações em um ataque <strong>de</strong> êxito duvi<strong>do</strong>so [...]Em 28 <strong>de</strong> agosto, anuncian<strong>do</strong> as operações resolvidas em junta<strong>de</strong> guerra (ataque <strong>de</strong> Curuzu e Curupaiti e ataque às linhas da frente),escrevia ainda: “O plano po<strong>de</strong> ser magnífico, mas eu inclino-me aosque pensam que, se todas as forças reunidas contornassem o flancoesquer<strong>do</strong> <strong>do</strong> inimigo, teríamos caminho livre até Humaitá com menosprejuízo <strong>de</strong> sangue e mais certeza no resulta<strong>do</strong> [...]”Essas três cartas fazem hoje parte (1882) da coleção <strong>de</strong> autógrafos e<strong>do</strong>cumentos <strong>do</strong> <strong>barão</strong> Homem <strong>de</strong> Melo, a quem as oferecemos em 1876.Elas mostram que, já em 1866, quan<strong>do</strong> o general Mitre resolvia o ataqueda direita paraguaia, a marcha <strong>do</strong> flanco pela esquerda tinha partidá<strong>rio</strong>sno exército brasileiro.Vejamos agora o que se passou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a chegada <strong>do</strong> duque <strong>de</strong> Caxiasao teatro da guerra. Logo na segunda entrevista que teve com o presi<strong>de</strong>nteMitre, ven<strong>do</strong> o novo general brasileiro que aquele não adiantava em falarlheas futuras operações, interpelou-o, perguntan<strong>do</strong>-lhe que projetos tinhaem mente e quan<strong>do</strong> po<strong>de</strong>riam os alia<strong>do</strong>s, no seu enten<strong>de</strong>r, reassumir aofensiva. Como em outras ocasiões (ver os <strong>do</strong>cumentos que publicamosno primeiro volume, nota à página 264, e no segun<strong>do</strong> volume, à página312 <strong>do</strong> Apêndice), o presi<strong>de</strong>nte Mitre não quis manifestar-se em primeirolugar e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algumas palavras amáveis e várias observações, <strong>de</strong>clarouque estimaria saber quais as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Caxias sobre o plano a a<strong>do</strong>tar-se.Era mais natural que falasse primeiro quem ali estava <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> maioe, portanto, mais senhor <strong>do</strong> terreno e da situação <strong>do</strong> que o recém-chega<strong>do</strong>general brasileiro. Todavia, <strong>de</strong>u-se o contrá<strong>rio</strong>, e o duque <strong>de</strong> Caxias expôsbrevemente o seu parecer, mostran<strong>do</strong>-se contrá<strong>rio</strong> ao ataque <strong>de</strong> frente,das trincheiras <strong>de</strong> Curupaiti, Sauce e Rojas, à vista <strong>do</strong> insucesso das426


ARTIGOS DE IMPRENSAprimeiras tentativas, e opinan<strong>do</strong> por uma operação <strong>de</strong> flanco, que ten<strong>de</strong>ssea contornar a esquerda <strong>do</strong> acampamento inimigo, com o fim <strong>de</strong> interceptaras comunicações <strong>de</strong> Humaitá e suas linhas exte<strong>rio</strong>res com o resto <strong>do</strong> país,forçar o inimigo a uma batalha ou levar nessa direção o principal ataque,pois, segun<strong>do</strong> as informações que tinha, a face oriental da posição inimigaparecia <strong>de</strong>scuidada e vulnerável. As posições <strong>de</strong> Tuiuti e passo da Pátriaficariam convenientemente guarnecidas, fazen<strong>do</strong> o grosso das forçasaliadas a marcha <strong>de</strong> flanco pela esquerda <strong>do</strong> inimigo e tentan<strong>do</strong> a esquadra,primeiro, o forçamento da passagem <strong>de</strong> Curupaiti, e, <strong>de</strong>pois, sen<strong>do</strong>possível, o das baterias <strong>de</strong> Humaitá, por ocasião <strong>do</strong> ataque <strong>do</strong> exército.Entendia, porém, como expusera ao impera<strong>do</strong>r e a seus ministros, antes<strong>de</strong> partir <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, que o Exército Imperial não po<strong>de</strong>ria assumireficazmente a ofensiva sem boas cavalhadas e sem receber reforços queo elevassem a 40 mil combatentes. “Eis aí [acrescentou Caxias] o que meparece melhor e o que eu faria se me coubesse a direção <strong>do</strong>s exércitosalia<strong>do</strong>s e das operações <strong>de</strong> guerra.”O presi<strong>de</strong>nte Mitre aplaudiu muito essas i<strong>de</strong>ias, dizen<strong>do</strong> que eramtambém as suas; que estava <strong>de</strong> inteiro acor<strong>do</strong>; que esse plano era excelentee o único que podia ser posto em prática. No entanto, infelizmente, nãodispunham os alia<strong>do</strong>s das forças necessárias para tomar a ofensiva, e antes<strong>de</strong> fevereiro nada se po<strong>de</strong>ria tentar porque os esteiros estavam mui cresci<strong>do</strong>s.Essas informações nos foram prestadas pelo general Fonseca Costa,<strong>barão</strong> da Penha (então chefe <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>-maior <strong>do</strong> Exército Imperial), econstam também das Cartas Confi<strong>de</strong>ncial, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1866,e Reservada, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1867, dirigidas pelo duque <strong>de</strong> Caxiasao ministro da Guerra viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Paranaguá. Desses <strong>do</strong>is <strong>do</strong>cumentosextrairemos somente os seguintes trechos:[...] Na segunda conferência que com ele (presi<strong>de</strong>nte Mitre) tive, provoquei-o a queme dissesse qual o plano que premeditava e quan<strong>do</strong> supunha que po<strong>de</strong>ríamos darcomeço às operações. Sua excelência, com muito boas palavras, evitou respon<strong>de</strong>re disse-me que <strong>de</strong>sejava primeiro ouvir-me. Com toda a franqueza disse-lhe eu oque pensava... Sua excelência [...] ouvin<strong>do</strong>-me com toda a atenção, retorquiu quepensava exatamente como eu, mas que nem tínhamos já forças para principiar osnossos movimentos e nem os campos, em consequência das chuvas, nos podiamdar trânsito: que só para fins <strong>de</strong> fevereiro se po<strong>de</strong>ria fazer alguma coisa (CartaConfi<strong>de</strong>ncial, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1805).427


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO[...] Logo <strong>de</strong>pois da minha chegada no campo <strong>de</strong> Tuiuti, perguntei ao generalMitre quais as suas vistas, qual o plano que na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> general em chefe <strong>do</strong>sexércitos alia<strong>do</strong>s pretendia pôr em execução quan<strong>do</strong> se tivesse <strong>de</strong> recomeçar asoperações ativas. Sua excelência, porém, sem respon<strong>de</strong>r à pergunta, manifestouo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ouvir-me sobre o assunto. Com a maior sincerida<strong>de</strong> lhe disse o quepraticaria se tivesse <strong>de</strong> dirigir essas operações, indican<strong>do</strong>, à vista <strong>do</strong> que haviasi<strong>do</strong> feito ante<strong>rio</strong>rmente, a marcha pela direita, procuran<strong>do</strong> por meio <strong>de</strong>la o flancoesquer<strong>do</strong> <strong>do</strong> inimigo, para por aí atacá-lo. O general Mitre, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ouvir-me,<strong>de</strong>clarou que o meu plano era excelente, o único a pôr-se em prática e, finalmente,que era também o seu. (Carta Reservada, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1867).Os <strong>do</strong>is trechos ante<strong>rio</strong>res são copia<strong>do</strong>s <strong>do</strong> livro <strong>de</strong> registro dacorrespondência reservada <strong>do</strong> duque <strong>de</strong> Caxias. Os <strong>do</strong>cumentosoriginais <strong>de</strong>vem estar no arquivo <strong>do</strong> viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Paranaguá, entãoministro da Guerra.Em 9 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1867, o presi<strong>de</strong>nte Mitre, em consequência darevolução <strong>de</strong> Men<strong>do</strong>za, <strong>de</strong>ixou o teatro <strong>de</strong> guerra, levan<strong>do</strong> mais <strong>de</strong> quatromil homens <strong>do</strong> seu pequeno exército (diz Caxias em reserva<strong>do</strong> <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong>setembro <strong>de</strong> 1867). Dois meses antes, havia parti<strong>do</strong> o general Paunerocom mil e tantos homens. O general Gelly y Obes ficou comandan<strong>do</strong> astropas argentinas no Paraguai, reduzidas então a menos <strong>de</strong> quatro milhomens, o Caxias a [ilegível] o coman<strong>do</strong> interino <strong>do</strong>s exércitos alia<strong>do</strong>s.Ao partir o presi<strong>de</strong>nte para Buenos Aires, Caxias foi <strong>de</strong>le <strong>de</strong>spedirse.Nessa entrevista, “<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> larga conversação sobre coisas alheiasao nosso fim principal aqui” [disse Caxias], entregou-lhe o general Mitreum esboço muito imperfeito das posições inimigas, traça<strong>do</strong> à vista <strong>de</strong>informações <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>sertores, que pouca confiança podiam inspirar,e <strong>de</strong>clarou não ter podi<strong>do</strong> obter conhecimento mais completo <strong>do</strong> terrenoocupa<strong>do</strong> pelo exército paraguaio. “Como obter informações seguras !”exclamou ele. “O Paraguai foi sempre uma nova China, penetrável e<strong>de</strong>sconhecida.” Quanto às [im]operações futuras, ofereceu mandar <strong>de</strong>Buenos Aires os mapas mais completos que pu<strong>de</strong>sse encontrar e umamemória em que apresentaria por escrito as i<strong>de</strong>ias trocadas, em diferentesocasiões, entre ele e Caxias. “No caso <strong>de</strong> vossa excelência”, acrescentou“[eu] faria um novo reconhecimento pela direita com toda a cavalaria”.A isso respon<strong>de</strong>u o general brasileiro que reputava inconvenientesemelhante operação, lembran<strong>do</strong>-lhe <strong>de</strong> que o reconhecimento feito em428


ARTIGOS DE IMPRENSAsetembro <strong>do</strong> ano ante<strong>rio</strong>r pelo general Flores não tivera outro resulta<strong>do</strong>senão chamar para esse la<strong>do</strong>, então inteiramente aberto das posiçõesinimigas, a atenção <strong>de</strong> López, e indicar-lhe que por aí po<strong>de</strong>ria serfacilmente ataca<strong>do</strong>.Continuan<strong>do</strong>, lhe disse eu [são palavras da Carta Confi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> fevereiro<strong>de</strong> 1867 <strong>de</strong> Caxias ao ministro da Guerra, Paranaguá] que me admirava essaopinião <strong>de</strong> sua excelência, quan<strong>do</strong> ele sabia, e tinha comigo ajusta<strong>do</strong>, logo quetivéssemos cavalos em número suficiente e forças <strong>de</strong> outras armas bastantes parafazermos em ataque <strong>de</strong>cisivo que seria por ali a nossa marcha principal, parao quê, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com ele, estava eu aparentan<strong>do</strong> voltar as minhas vistas paraa nossa esquerda, mandan<strong>do</strong> bombar<strong>de</strong>ar quase diariamente, por esse la<strong>do</strong>, asfortificações <strong>do</strong> Curupaiti e fazer explorações pelo Chaco para bem capacitaro inimigo <strong>de</strong> o atacar pela nossa esquerda. Respon<strong>de</strong>u-me que, se eu persistianessa i<strong>de</strong>ia, não conviria, com efeito, o movimento que ele indicava, mas que mesupunha [com] poucas forças para po<strong>de</strong>r empreen<strong>de</strong>r manobra tão gran<strong>de</strong>. Nãoinsisti e nos separamos.A carta <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1867, <strong>de</strong> que falam os comenta<strong>do</strong>resargentinos, escrita por Mitre a Caxias (ver no Apêndice a este volume on o 9), não é prova <strong>de</strong> que o general Mitre tivesse a p<strong>rio</strong>rida<strong>de</strong> da i<strong>de</strong>ia eo privilégio exclusivo <strong>de</strong>la.Foi recebida a 29 <strong>de</strong> abril, em Tuiuti, e respondida nodia 30 a carta <strong>de</strong> que se trata. Esse <strong>do</strong>cumento é a memóriaoferecida por Mitre ao <strong>de</strong>spedir-se, mas ainda antes <strong>de</strong> ser talcarta expedida <strong>de</strong> Buenos Aires, escrevera Caxias ao generalOsó<strong>rio</strong>, em 4 <strong>de</strong> abril, uma [extensa] Carta Confi<strong>de</strong>ncial, da qualextrairemos os seguintes trechos (é publicada integralmente no Apêndicea este volume, n o 9):[...] Ten<strong>do</strong> projeta<strong>do</strong> fazer um movimento com o grosso <strong>do</strong> exército pelo nossoflanco direito, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>, contu<strong>do</strong>, ocupada a linha atual por forças capazes <strong>de</strong>resistir a qualquer ataque... E sen<strong>do</strong> a minha marcha daqui em direção a PedroGonzalez, se antes não encontrar boa passagem em passo Canoa, Tio Domingoetc., creio que por esse ponto nos po<strong>de</strong>remos reunir e marchar pelo campo comdireção a São Solano e Humaitá... A nossa esquadra há <strong>de</strong> ter or<strong>de</strong>m para subir o<strong>rio</strong>, mesmo por cima <strong>de</strong> torpe<strong>do</strong>s, ainda que perca <strong>do</strong>is ou três navios, e bloquear429


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOessa fortificação pelo la<strong>do</strong> <strong>de</strong> cima... A marcha por Itapúa até Assunção não éexequível, pela falta <strong>de</strong> recursos <strong>de</strong> toda essa região nem a força <strong>de</strong> que vossaexcelência dispõe hoje é para isso suficiente. (Assim pensava também, sobre ainvasão por Itapúa, o dita<strong>do</strong>r López. Ver a nota 14 a este capítulo.)Em 6 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1857, escrevia Caxias ao seu amigo viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong>Rio Branco:E a vossa excelência, que é homem <strong>de</strong> tino e segre<strong>do</strong>, direi qual o meu plano... Daí[Cerrito] marchará Osó<strong>rio</strong> com direção a Pedro Gonzalez, on<strong>de</strong> nos reuniremos,avançan<strong>do</strong> eu daqui com vinte e tantos mil homens, mas <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> esta linha <strong>de</strong>Tuiuti ocupada por 10 mil a 12 mil [homens]. De Pedro Gonzalez seguirei na direção<strong>de</strong> São Solano, ou mais acima [...] (ver essa interessante carta no Apêndice n o 9).Em 10 <strong>de</strong> abril dizia Caxias ao ministro da Guerra, Paranaguá:Estou dan<strong>do</strong> tempo a que o <strong>barão</strong> <strong>do</strong> Herval se aproxime <strong>de</strong> Itati ou <strong>do</strong> Cerritopara me pôr em movimento contra o flanco esquer<strong>do</strong> <strong>do</strong> inimigo a fim <strong>de</strong> mecolocar à retaguarda das suas fortes trincheiras, obrigan<strong>do</strong>-o a dar-me batalha emcampo raso. Para isso é preciso dividir o nosso exército em duas colunas, umaque <strong>de</strong>ve fazer frente nestas posições <strong>do</strong> inimigo e outra que contorne pela suaesquerda... Ele [Herval], como já informei a vossa excelência, passou o Uruguaino dia 22 <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e está marchan<strong>do</strong> na direção que lhe indiquei para fazerjunção comigo em Pedro Gonzalez, pouco ou mais ou menos; <strong>de</strong>pois, voltarei nadireção <strong>de</strong> São Solano ou mais acima <strong>de</strong> Humaitá, sem <strong>de</strong>ixar ao inimigo senãoa alternativa <strong>de</strong> atacar a força que eu aqui <strong>de</strong>ixar ou ir no meu encontro. Se atacara linha <strong>de</strong> Tuiuti, corre o risco <strong>de</strong> eu lhe tomar a retaguarda e metê-lo entre <strong>do</strong>isfogos. Se aban<strong>do</strong>nar as suas linhas <strong>de</strong> Rojas e me for procurar, torna fácil às forças<strong>de</strong> Tuiuti tomarem-lhe essas linhas e marcharem na sua retaguarda enquanto eleme for encontrar. Se a esquadra pu<strong>de</strong>r romper os torpe<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Paraguai e subirpara cima <strong>de</strong> Humaitá, sem <strong>de</strong>morar-se em arrasá-la (o que na minha opiniãonão po<strong>de</strong>rá fazer), tornará para López impossível sustentar-se nesse ponto porficar sem comunicações pelo <strong>rio</strong> com a sua capital, e então passará o Nhembucuou mesmo o Tebiquarí, e aí formará a sua segunda linha <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, ou <strong>de</strong>porá asarmas se formos felizes em to<strong>do</strong>s esses movimentos, que tenho [ilegível] projeto,que são, no meu ver, os únicos que se po<strong>de</strong>rão fazer e que foram aplaudi<strong>do</strong>s pelosgenerais alia<strong>do</strong>s, aos quais os comuniquei.430


ARTIGOS DE IMPRENSAEsses <strong>do</strong>cumentos <strong>de</strong> 4, 8 e 10 <strong>de</strong> abril são ante<strong>rio</strong>res à carta <strong>de</strong>17 <strong>de</strong> abril, escrita <strong>de</strong> Buenos Aires pelo general Mitre, e só recebida,como dissemos, no dia 29. Acresce que o plano <strong>de</strong> campanha traça<strong>do</strong>nessa carta (ver no Apêndice o n o 9) ora muito complica<strong>do</strong>, continhaindicações inaceitáveis e baseava-se no emprego <strong>de</strong> uma força <strong>de</strong> 53 milhomens (45 mil em torno das linhas <strong>de</strong> Humaitá e suas avançadas, e oitomil operan<strong>do</strong> pela margem paraguaia <strong>do</strong> alto Paraná) força <strong>de</strong> que – ogeneral Mitre sabia – não dispunha o exército alia<strong>do</strong>.Segun<strong>do</strong> o general Mitre, as forças aliadas <strong>de</strong>veriam ser distribuídas<strong>de</strong>ste mo<strong>do</strong>:Coluna [expedicionária] (contra o flanco esquer<strong>do</strong> <strong>do</strong> inimigo) 25 mil homens e48 canhões; Tuiuti, 15 mil; passo da Pátria, mil; Curuzu, <strong>do</strong>is mil para a <strong>de</strong>fesada posição e outros <strong>do</strong>is mil para serem transporta<strong>do</strong>s nos encouraça<strong>do</strong>s, que<strong>de</strong>veriam forçar no mesmo dia o passo <strong>de</strong> Curupaiti e o <strong>de</strong> Humaitá, tentan<strong>do</strong>surpreen<strong>de</strong>r esta fortaleza (que nunca teve menos <strong>de</strong> quatro mil <strong>de</strong>fensores) e, [se]fosse [im] possível o golpe <strong>de</strong> [mão] <strong>de</strong>veria aquela coluna <strong>de</strong>sembarcar <strong>rio</strong> acimae fortificar-se à margem (ver o que diremos adiante sobre esta operação na nota35). Total <strong>de</strong> 45 mil homens. Mais a coluna <strong>do</strong> dito Paraná, <strong>de</strong> oito mil homens,para invadir por Apipé, ou outro ponto entre Itapúa e o passo Yahapé. Total <strong>de</strong> 63mil homens.Caxias só dispunha, em fevereiro, <strong>de</strong> 32 mil homens; em abril emaio, <strong>de</strong> 28 mil, porque a epi<strong>de</strong>mia abrira muitos claros em nossasfileiras; e, em julho, <strong>de</strong> 40 mil homens.O plano concebi<strong>do</strong> e inicia<strong>do</strong> pelo benemérito general brasileirofoi outro, muito diferente, extremamente simples, e, sem dúvida, maisacerta<strong>do</strong>. Deixou no Chaco, com o coronel Gurjão, 1.088 homens, àsor<strong>de</strong>ns <strong>do</strong> almirante, para assegurar por aí as comunicações entre osencouraça<strong>do</strong>s que <strong>de</strong>viam forçar o passo <strong>do</strong> Curupaiti e o navio <strong>de</strong>ma<strong>de</strong>ira; <strong>de</strong>ixou em Tuiuti e passo da Patria, com Porto Alegre, 11 milhomens (10.300 brasileiros e 700 argentinos, que se supunha, segun<strong>do</strong>os seus mapas, serem mais <strong>de</strong> 1.400), e marchou para Tuiu Cuê com 28mil homens e 69 canhões (21.500 brasileiros, seis argentinos e perto <strong>de</strong>800 orientais). Empregou assim toda a força <strong>de</strong> que dispunha, elevadaa 40 mil homens somente <strong>de</strong>pois que muitos <strong>do</strong>entes tiveram alta <strong>do</strong>shospitais, e após a incorporação <strong>do</strong> general Osó<strong>rio</strong> com o 3 o Corpo <strong>do</strong>431


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOExército Imperial (13 e 19 <strong>de</strong> julho). Quanto à esquadra, estava assenta<strong>do</strong>com o almirante que ela forçaria o passo <strong>de</strong> Curupaiti logo que o exércitoexpedicioná<strong>rio</strong> atacasse o inimigo por Tuiu Cuê e São Solano e que <strong>de</strong>Humaitá apenas fossem <strong>de</strong>struídas as correntes e ocupassem as nossastropas posição à margem <strong>do</strong> <strong>rio</strong>, acima <strong>de</strong>ssa fortaleza, sem o que nãopo<strong>de</strong>riam os navios que subissem, ter víveres, munições e combustível.Caxias assumiu, como vimos, o coman<strong>do</strong> interino <strong>do</strong>s exércitosalia<strong>do</strong>s no dia 3 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1867, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> [que] [concertou] [com]o almirante a realização <strong>de</strong>sse plano <strong>de</strong> operações, esperan<strong>do</strong> apenasa incorporação <strong>do</strong> 3 o corpo brasileiro para compensar o <strong>de</strong>sfalque<strong>do</strong>s 5.300 argentinos que então <strong>de</strong>ixaram o teatro da guerra. A únicamodificação que fez no seu plano primitivo consistiu <strong>do</strong> aban<strong>do</strong>no dai<strong>de</strong>ia que teve em março, <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sembarque <strong>de</strong> ataque, ao norte <strong>de</strong>Curupaiti, ao mesmo tempo em que marchasse o grosso <strong>do</strong> exército peloflanco esquer<strong>do</strong> <strong>do</strong> inimigo (ver no Apêndice nº 42 a carta <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong>março <strong>do</strong> comandante ao ministro da Marinha).No dia 12 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1867, tal era a força pronta <strong>do</strong> ExércitoImperial ao sul <strong>do</strong> Paraguai (Relató<strong>rio</strong> <strong>do</strong> [ilegível] <strong>de</strong> Guerra <strong>de</strong> 1867):Corpos especiais.........................................................................672Artilharia.................................................................................1.821Cavalaria..................................................................................6.736Infantaria...............................................................................21.947Total.......................................................................................31.176No entanto, <strong>de</strong>sses 31 mil homens é preciso <strong>de</strong>duzir 2.500, que como general Portinho ocupavam o Aguapeí nas missões correntinas, e osmais <strong>de</strong> mil <strong>de</strong>staca<strong>do</strong>s no Chaco, ou 3.500 homens. Ficavam, pois,27.500 homens prontos em Curuzu e Tuiuti. Os argentinos eram, emfevereiro, pouco mais <strong>de</strong> 4.900, e os orientais perto <strong>de</strong> 660. Total <strong>do</strong>exército alia<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> o general Mitre partiu para Buenos Aires, era <strong>de</strong>32 mil homens.Com semelhante força não po<strong>de</strong>ria o duque <strong>de</strong> Caxias dar começoàs operações, pois com razão entendia que a coluna expedicionária<strong>de</strong>veria compor-se pelo menos <strong>de</strong> 28 mil a 30 mil homens. Esperou,portanto a incorporação <strong>de</strong> Osó<strong>rio</strong> com os reforços que trazia, e apenaschegaram estes (13-19 julho) iniciou a marcha <strong>de</strong> flanco. Essa <strong>de</strong>mora432


ARTIGOS DE IMPRENSAtornou-se, além disso, indispensável pelos terríveis estragos que o cóleraproduziu em nossas fileiras <strong>de</strong>s<strong>de</strong> fins <strong>de</strong> março (ver o que dissemosnas notas <strong>de</strong> 9 a 13 <strong>de</strong>ste capítulo). Em 30 <strong>de</strong> março, pouco <strong>de</strong>pois <strong>do</strong>aparecimento <strong>do</strong> cólera, o almirante escreveu ao ministro da Marinha:“ Temos apenas 16 mil infantes e seis mil praças <strong>de</strong> cavalaria; <strong>de</strong>stes,só quatro mil estão monta<strong>do</strong>s. O que falta para quarenta mil e tantoshomens está nos hospitais.”Os <strong>do</strong>cumentos que ante<strong>rio</strong>rmente publicamos sobre o plano <strong>de</strong>operações prepara<strong>do</strong> e inicia<strong>do</strong> pelo duque <strong>de</strong> Caxias, são conclu<strong>de</strong>ntes.Entretanto, o general Mitre, na citada carta <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1867,escreveu o seguinte: “Quan<strong>do</strong> vossa excelência assumiu o coman<strong>do</strong> <strong>do</strong>Exército Imperial, manifestei-lhe as minhas i<strong>de</strong>ias sobre o assunto, i<strong>de</strong>iaque vossa excelência me fez a honra <strong>de</strong> aceitar, adian<strong>do</strong> a sua execuçãopara quan<strong>do</strong> recebessem esforços que esperávamos então.” Na suaextensa memória <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong>sse mesmo ano <strong>de</strong> 1867 (publicadano Apêndice a este volume com alguns comentá<strong>rio</strong>s e retificações), disseainda o general Mitre: “O plano proposto pelo general em chefe, aceitopelos generais alia<strong>do</strong>s e inicia<strong>do</strong> pelo senhor marquês <strong>de</strong> Caxias comalgumas modificações [...]”O duque <strong>de</strong> Caxias não reclamou então contra estas e outrasproposições das memórias militares <strong>do</strong> ilustre presi<strong>de</strong>nte da RepúblicaArgentina; não quis proce<strong>de</strong>r como o con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Porto Alegre, que,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> Uruguaiana, sempre que se oferecia ocasião, ia reclaman<strong>do</strong>,corrigin<strong>do</strong> e tornan<strong>do</strong> bem claro os pontos que para o futuro po<strong>de</strong>riamficar duvi<strong>do</strong>sos, como vimos em vá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong>cumentos <strong>do</strong> Apêndice aosegun<strong>do</strong> volume <strong>de</strong>sta obra. Não reclamou o duque <strong>de</strong> Caxias. Ele eranão só general, mas também homem político <strong>de</strong> raro bom-senso e <strong>de</strong>reconhecida circunspecção. Estava no firme propósito <strong>de</strong> manter como general Mitre relações <strong>de</strong> maior cortesia e <strong>de</strong>ferência e, consultan<strong>do</strong>apenas os gran<strong>de</strong>s interesses <strong>de</strong> sua pátria, ia pon<strong>do</strong> <strong>de</strong> parte todas asquestões <strong>de</strong> amor próp<strong>rio</strong> ofendi<strong>do</strong>, para evitar discussões <strong>de</strong>sagradáveisque po<strong>de</strong>riam enfraquecer a aliança ou <strong>de</strong>struir a boa inteligênciaque <strong>de</strong>veria reinar entre os generais em chefe. Só o governo imperialmanifestava, confi<strong>de</strong>ncialmente, os seus <strong>de</strong>sgostos íntimos”.Partin<strong>do</strong> para o teatro da guerra [dizia ele em Carta Reservada <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> setembro<strong>de</strong> 1867 ao ministro Paranaguá], acreditei que a lealda<strong>de</strong> com que vim disposto a433


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOcumprir as prescrições <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> seria apreciada e correspondida por nossos alia<strong>do</strong>s,não só pelas ofensas que também eles haviam recebi<strong>do</strong> <strong>do</strong> inimigo comum, mastambém pela franqueza e prontidão com que sempre satisfizemos as suas exigências,por mais impertinentes que tenham si<strong>do</strong>. Hoje reconheço que me enganei... Em to<strong>do</strong>o caso, fiquem vossa excelência e o governo imperial seguros <strong>de</strong> que a resignaçãocom que tenho suporta<strong>do</strong> as mais duras provações, na ida<strong>de</strong> avançada em que meacho, só me aban<strong>do</strong>nará quan<strong>do</strong> não me reste a menor dúvida <strong>de</strong> que os meus b<strong>rio</strong>se dignida<strong>de</strong> possam ser ofendi<strong>do</strong>s não ten<strong>do</strong> eu meios <strong>de</strong> reagir.Na carta <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1867, escreveu o general Mitre: “[...]Portanto, a opinião indicada é ro<strong>de</strong>ar as posições <strong>do</strong> inimigo. Isso foio que se concor<strong>do</strong>u antes <strong>do</strong> ataque <strong>de</strong> Curupaiti e o que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>malogra<strong>do</strong> aquele ataque, combinou-se efetuar apenas reuni<strong>do</strong>s oselementos necessá<strong>rio</strong>s.” E na memória <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> setembro repete aindaque, antes e <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> ataque <strong>de</strong> Curupaiti, ele propusera a marcha <strong>de</strong>flanco pela esquerda inimiga.Não queremos por em dúvida a palavra <strong>do</strong> ilustre generalargentino, mas pedimos licença para dizer que a sua proposta <strong>de</strong>veter si<strong>do</strong> formulada muito <strong>de</strong> passagem e em termos tão vagos que nãopu<strong>de</strong>ram compreen<strong>de</strong>r nem os nossos generais nem o ministro <strong>do</strong> Brasil,conselheiro F. Otaviano.Em ofício <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1865 (antes <strong>do</strong> ataque <strong>de</strong> Curupaiti), estenosso plenipotenciá<strong>rio</strong> expôs ao ministro da Guerra as i<strong>de</strong>ias <strong>do</strong> generalMitre sobre as operações, i<strong>de</strong>ias manifestadas na conferência <strong>do</strong> dia 1 o <strong>de</strong>ssemês. Não disse uma palavra sobre a operação pela esquerda <strong>do</strong> inimigo (veresse <strong>do</strong>cumento à página 168 <strong>do</strong> Apêndice ao segun<strong>do</strong> volume).Em Carta Confi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1866 (Apêndice, p. 306,v. 2), o general Poli<strong>do</strong>ro Jordão <strong>de</strong>screveu as operações combinadas najunta militar <strong>do</strong> dia 18, que, em resumo, <strong>de</strong>veriam ser estas: Os generaisPorto Alegre, com 6.090 homens, e o almirante Tamandaré, com aesquadra, atacariam o flanco direito <strong>do</strong> inimigo em Curuzu e Curupaiti;sobre o flanco esquer<strong>do</strong> seria lançada uma forte coluna <strong>de</strong> cavalariaapoiada por infantaria e artilharia, ao man<strong>do</strong> <strong>do</strong> general Flores (afinalsó seguiu a cavalaria); o centro das linhas <strong>de</strong> Rojas seria ataca<strong>do</strong> poruma ou duas colunas <strong>do</strong> exército alia<strong>do</strong>.O movimento pelo flanco esquer<strong>do</strong> <strong>do</strong> inimigo não era, pois, como noplano <strong>do</strong> Caxias, a operação principal: era movimento secundá<strong>rio</strong>, operação434


ARTIGOS DE IMPRENSAauxiliar. O ataque importante era o <strong>do</strong> centro e o da direita inimiga, isto é, alinha <strong>de</strong> frente em Tuiuti (Sauce e Rojas), Curuzu e Curupaiti.Em 28 <strong>de</strong> agosto, houve nova junta militar. O que passou nessareunião, consta <strong>de</strong> <strong>do</strong>is ofícios confi<strong>de</strong>nciais, um <strong>de</strong> Poli<strong>do</strong>ro Jordão emdata <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> setembro, e outro <strong>de</strong> Tamandaré, escrito em 30 <strong>de</strong> agosto.Estão publica<strong>do</strong>s no Apêndice ao segun<strong>do</strong> volume, nas páginas 312 e313. Segun<strong>do</strong> Poli<strong>do</strong>ro Jordão, não houve alteração no plano a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>na ante<strong>rio</strong>r junta. Tamandaré fala em ataque <strong>de</strong> frente e às posições queo exército paraguaio ocupa presentemente (Rojas e Sauce); em ataque<strong>de</strong> retaguarda, pelas forças <strong>de</strong> Porto Alegre e pela esquadra “contra asfortificações <strong>de</strong> Curuzu, Curupaiti e Humaitá, e em um reconhecimento<strong>de</strong> cavalaria pelo terreno <strong>do</strong> flanco esquer<strong>do</strong> <strong>do</strong> inimigo, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> esteser também ataca<strong>do</strong> por aí, caso fosse possível”.Em 5 <strong>de</strong> setembro, o conselheiro F. Otaviano conferenciou com osgenerais Mitre e Poli<strong>do</strong>ro Jordão (ver no Apêndice ao segunfo volume,na página 316, a Carta Confi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1866, <strong>do</strong>plenipotenciá<strong>rio</strong> brasileiro ao ministro da Guerra). As tropas <strong>do</strong> generalPorto Alegre acabavam <strong>de</strong> tomar Curuzu. O que o general Mitre lembravaentão era um sistema <strong>de</strong> operações parciais, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> “começar por ummovimento <strong>de</strong> cavalaria ao man<strong>do</strong> <strong>de</strong> Flores, com uma inação <strong>de</strong> algunsdias”. Essa cavalaria <strong>de</strong>veria ir pelo flanco esquer<strong>do</strong> <strong>do</strong> inimigo e atravessaro seu exército; feito isso, Mitre iria juntar-se a Porto Alegre e dar-se-ia umataque <strong>de</strong> flanco e retaguarda, por Curupaiti. Pareceu-nos mais razoávelacreditar que o conselheiro Otaviano não ouviu bem a proposta <strong>do</strong> generalMitre. Se ela foi formulada assim, era verda<strong>de</strong>iramente extraordinária e<strong>de</strong>monstrava claramente que, nessa época, o general argentino (e os nossosnão estavam mais adianta<strong>do</strong>s) nem o mais remoto conhecimento tinhatanto da força numérica <strong>do</strong> inimigo quanto <strong>do</strong> terreno compreendi<strong>do</strong> entreHumaitá, Curupaiti e as linhas <strong>de</strong> Sauce e Rojas. Como po<strong>de</strong>riam três milhomens <strong>de</strong> cavalaria contornar a esquerda paraguaia, passan<strong>do</strong> por TuiuCuê, e romper o exército <strong>de</strong> López, para chegar a Curuzu? Entretanto, pormais que pareça incrível hoje que conhecemos a topografia <strong>de</strong>sses lugarese o sistema <strong>de</strong> linhas fortificadas <strong>do</strong> inimigo, também o con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Portoalegre, em 5 <strong>de</strong> setembro (Apêndice, p. 323, v. 2), queria que essa coluna<strong>de</strong> cavalaria penetrasse por Tuiu Cuê até Curuzu!Enfim, no dia 8 <strong>de</strong> setembro, Mitre e os outros generais alia<strong>do</strong>sresolveram que o ataque principal fosse por Curupaiti e que a cavalaria435


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOaliada avançasse por “nossa direita e pela retaguarda <strong>do</strong> inimigo atéon<strong>de</strong> for possível, às or<strong>de</strong>ns <strong>do</strong> senhor general Flores, com o objetivo <strong>de</strong>cooperar com as ações <strong>do</strong> exército expedicioná<strong>rio</strong> pela parte <strong>do</strong> Paraguai[por Curupaiti]” (ver Apêndice, p. 324, v. 2). Isso antes <strong>do</strong> <strong>de</strong>sastrosoataque <strong>de</strong> Curupaiti.Vê o leitor que, segun<strong>do</strong> as comunicações <strong>do</strong> ministro Otaviano,<strong>do</strong>s generais Poli<strong>do</strong>ro Jordão e Porto Alegre e <strong>do</strong> almirante Tamandaré,que acabamos <strong>de</strong> extratar e que foram integralmente publicadas noApêndice ao segun<strong>do</strong> volume <strong>de</strong>sta obra, consta que o general Mitreindicou várias operações, mas nunca a marcha <strong>do</strong> grosso <strong>do</strong> exércitopara contornar a esquerda inimiga e levar por aí o ataque principal.Fez-se justamente o contrá<strong>rio</strong> durante esse primeiro perío<strong>do</strong> da guerra:os ataques <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s foram sempre pela nossa esquerda, no Sauce, em16 e 18 <strong>de</strong> julho; em Curuzu e Curupaiti, a 3 e 22 <strong>de</strong> setembro. Depois<strong>do</strong> revés <strong>de</strong> Curupaiti e antes da chegada <strong>de</strong> Caxias (18 <strong>de</strong> novembro<strong>de</strong> 1868), o presi<strong>de</strong>nte Mitre só po<strong>de</strong>ria propor a marcha <strong>de</strong> flanco paraTuiu Cuê, isto é, pela esquerda inimiga, ao general Poli<strong>do</strong>ro Jordão,que comandava o 1 o corpo em Tuiuti. Porto Alegre estava em Curuzu,separa<strong>do</strong>, por assim dizer, da ação <strong>do</strong> coman<strong>do</strong> em chefe argentino. Ogeneral Poli<strong>do</strong>ro Jordão, porém, afirmou-nos, em 1876, que nunca opresi<strong>de</strong>nte argentino lhe propôs semelhante coisa. Foi em consequência<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>claração, e por ele autoriza<strong>do</strong>, que, antes <strong>de</strong> conhecer outros<strong>do</strong>cumentos, escrevemos em nota à página 75 <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> volume oseguinte:Po<strong>de</strong>ria a marcha <strong>de</strong> flanco, tão brilhantemente executada em julho <strong>de</strong> 1868 peloduque <strong>de</strong> Caxias, ter si<strong>do</strong>, como dizem os comenta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Thompson, o sonhoconstante <strong>do</strong> distinto estadista e general argentino, mas o que po<strong>de</strong>mos asseveraré que nem nas juntas <strong>de</strong> guerra celebradas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a batalha <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> maio até oassalto <strong>de</strong> Curupaiti nem em particular propôs ele, uma vez sequer, aos generaisbrasileiros semelhante movimento.Agora, à vista das <strong>de</strong>clarações <strong>do</strong> general Mitre contidas na carta<strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> abril e da memória <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1867, só po<strong>de</strong>mosadmitir que a sua proposta fosse feita em junho <strong>de</strong> 1865, talvez najunta <strong>de</strong> guerra <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong>sse mês. Deve, pois, constar <strong>de</strong> algum ofício(não nos foi da<strong>do</strong> <strong>de</strong>scobri-lo) <strong>do</strong> general Osó<strong>rio</strong> ou <strong>do</strong> almirante436


ARTIGOS DE IMPRENSATamandaré ou da ata <strong>de</strong>ssa junta. Em to<strong>do</strong> o caso, ficou <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>que <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1866 (ofício <strong>do</strong> conselheiro Otaviano, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong>julho, ante<strong>rio</strong>rmente cita<strong>do</strong>) até 22 <strong>de</strong> setembro (assalto <strong>de</strong> Curupaiti),o general Mitre aban<strong>do</strong>nou <strong>de</strong> to<strong>do</strong> qualquer pensamento que pu<strong>de</strong>sseter ti<strong>do</strong> <strong>de</strong> marcha e <strong>de</strong> ataque pela esquerda inimiga, pois o que sefez então foi precisamente o contrá<strong>rio</strong>, isto é, atacar a direita inimiga echamar sua atenção para a esquerda por meio <strong>de</strong> expedição <strong>de</strong> cavalariaconfiada ao general Flores.Depois <strong>do</strong> ataque <strong>de</strong> Curupaiti, temos, além da citada e terminanteasseveração <strong>do</strong> general Poli<strong>do</strong>ro Jordão, a Carta Confi<strong>de</strong>ncial por essedirigida ao con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Porto Alegre em 28 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1866 (20 diasantes da chegada <strong>de</strong> Caxias), na qual se encontra o seguinte:Mais <strong>de</strong> uma vez tenho conversa<strong>do</strong> com o senhor general Mitre, diretor da guerra,segun<strong>do</strong> o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Aliança, sobre o plano que ora <strong>de</strong>vemos a<strong>do</strong>tar para oprosseguimento da campanha, e o mesmo senhor general me tem feito ver que<strong>de</strong>vemos reunir mais alguns recursos e compulsar novamente as forças a nossadisposição para <strong>de</strong>liberarmos <strong>de</strong>finitivamente a tal respeito, o que me parece nãose <strong>de</strong>morará muito. Aproveito a oportunida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>clarar a vossa excelência quenas expressões <strong>do</strong> supracita<strong>do</strong> Ofício Confi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> vossa excelência, a que orarespon<strong>do</strong>, vejo um equívoco, quan<strong>do</strong> diz que na nossa reunião <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> setembrose combinara um novo ataque a Curupaiti. Segun<strong>do</strong> minha memória, não se falouem tal novo ataque, e sim em um plano a a<strong>do</strong>tar-se, ten<strong>do</strong> em vista a conservação<strong>do</strong> ponto ocupa<strong>do</strong> <strong>de</strong> Curuzu, sem mesmo ficar <strong>de</strong>finitivamente <strong>de</strong>libera<strong>do</strong> qualfosse esse plano, e sim convin<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s nós que fosse com maior brevida<strong>de</strong> oque se tivesse <strong>de</strong> resolver. [Esse <strong>do</strong>cumento está integralmente publica<strong>do</strong> noApêndice, p. 370, v. 2.]Assim, pois, ainda em 28 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1866, dias antes da chegada<strong>de</strong> Caxias, o general Mitre não havia assenta<strong>do</strong> com os outros generaisum novo plano <strong>de</strong> operações. Se tinha em mente (como acreditamosque tinha) a operação tão simples <strong>de</strong> que se mostrou partidá<strong>rio</strong> o duque<strong>de</strong> Caxias, guardava em reserva o seu pensamento, e nada <strong>de</strong> novopropunha aos outros generais alia<strong>do</strong>s.Em outro lugar (Thompson, edição <strong>de</strong> Buenos Aires, p. 208),dizemos mesmo comenta<strong>do</strong>res que, ao partir o general Mitre para BuenosAires, em fevereiro <strong>de</strong> 1867, lhe pedira o duque <strong>de</strong> Caxias um plano437


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO<strong>de</strong> operações. Já tivemos ocasião <strong>de</strong> reclamar, no segun<strong>do</strong> volume,contra esta inexata asserção, e agora po<strong>de</strong>mos provar que foi o ilustregeneral argentino quem ofereceu mandar-lhe por escrito o seu parecer.Isso fica evi<strong>de</strong>nte com o seguinte trecho da carta que, em 6 <strong>de</strong> março<strong>de</strong> 1867, o presi<strong>de</strong>nte Mitre dirigiu, <strong>de</strong> Buenos Aires, ao duque <strong>de</strong>Caxias:Des<strong>de</strong> o Rosá<strong>rio</strong> havia eu pensa<strong>do</strong> em escrever a vossa excelência, porém aurgência com que minha presença era reclamada nesta capital e a prontidão comque tive <strong>de</strong> realizar a minha jornada impediram-me <strong>de</strong> preencher aquele <strong>de</strong>sejo.Hoje o faço, transmitin<strong>do</strong> ao seu conhecimento que me é indispensável reassumiro exercício <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Executivo da República, por ser assim, mais convenientepara a sua pacificação, ao mesmo tempo que para imprimir maior vigor à guerraem que estamos empenha<strong>do</strong>s. Ocupo-me em reunir os planos e o mais que <strong>de</strong>voremeter a vossa excelência, segun<strong>do</strong> lhe ofereci, o que espero cumprir em breve[...] [Transcrito da obra <strong>de</strong> Pinto <strong>de</strong> Campos.]No final da carta <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> abril, disse também Mitre: “Ao comunicara vossa excelência as minhas i<strong>de</strong>ias, como lhe havia ofereci<strong>do</strong> [...]”IISobre o forçamento das passagens <strong>de</strong> Curupaiti e HumaitáTranscreveremos agora a crítica que, em 1882, o Barão <strong>do</strong> Rio Brancofez sobre as afirmações <strong>do</strong>s senhores Lewis e Estrada, comenta<strong>do</strong>res<strong>de</strong> Thompson, e das <strong>do</strong> general Mitre no tocante à [ilegível] [ilegível]entre este, <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, e o marechal Caxias e o almirante Inhaúma, <strong>do</strong>outro, sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> forçamento das passagens <strong>de</strong> Curupaitie Humaitá pela esquadra brasileira. A primeira <strong>de</strong>ssas operações foirealizada, como sabem os nossos leitores, no dia 15 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1867;a segunda, na madrugada <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1868.A análise ou crítica <strong>do</strong> Barão <strong>do</strong> Rio Branco encontra-se em suanota n o 55 ao capítulo XVI <strong>do</strong> cita<strong>do</strong> livro. Ei-la a seguir.Os comenta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Thompson, às páginas 229, 231 e 235 daedição <strong>de</strong> Buenos Aires, firman<strong>do</strong>-se nas <strong>de</strong>clarações <strong>do</strong> general Mitrecontidas na carta que em 1869 dirigiu ao atual chefe <strong>de</strong> divisão Artur438


ARTIGOS DE IMPRENSASilveira da Mota, a qual apareceu logo no Nación Argentina com otítulo <strong>de</strong> “Revelaciones Históricas” (ver no Apêndice a este volume os<strong>do</strong>cumentos publica<strong>do</strong>s sob o título As operações militares em 1867 e oforçamento da passagem <strong>de</strong> Curupaiti e Humaitá), e fundan<strong>do</strong>-se aindaem outras informações que seguramente foram ministradas pelo mesmogeneral, afirmam:1 o Que a passagem <strong>de</strong> Curupaiti era uma das i<strong>de</strong>ias <strong>do</strong> plano <strong>de</strong>Mitre, formula<strong>do</strong> na carta <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1867 dirigida aCaxias (carta e plano <strong>de</strong> que nos ocupávamos na nota n o 35 aeste capítulo).2 o Que o almirante, em agosto, pôs em dúvida o êxito e utilida<strong>de</strong>da passagem <strong>de</strong> Curupaiti.3 o Que só forçou o passo quan<strong>do</strong> Mitre lhe or<strong>de</strong>nou terminantementeque passasse.4 o Que oito dias <strong>de</strong>pois da operação, isto é, em 23 <strong>de</strong> agosto, oalmirante consi<strong>de</strong>rava-se perdi<strong>do</strong> em sua nova posição, pedin<strong>do</strong>,por isso, autorização para regressar a Curuzu.As três últimas asserções são textualmente reproduzidas na carta<strong>do</strong> general Mitre a Silveira da Mota. Embora no Apêndice (n o 42)tratemos <strong>do</strong> assunto, respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, com <strong>do</strong>cumentos, ao general Mitre,e publican<strong>do</strong> os que ele citou, <strong>de</strong>vemos aqui, mui resumidamente, dizeralguma coisa sobre essas asserções.Primeira asserção: “A passagem <strong>de</strong> Curupaiti era uma das i<strong>de</strong>ias<strong>do</strong> plano <strong>de</strong> operações, formula<strong>do</strong> em 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1867 por Mitre.”Com efeito, nosso plano (ver no Apêndice o n o 9) fala da passagem<strong>de</strong> Curupaiti e Humaitá, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong>, porém, a esquadra conduzir <strong>do</strong>ishomens <strong>do</strong> exército, para os <strong>de</strong>sembarcar em um ponto, não <strong>de</strong>signa<strong>do</strong>,acima da última <strong>de</strong>ssas fortalezas. No entanto, se os <strong>do</strong>is mil homens,e muito mais, po<strong>de</strong>riam chegar ao mesmo ponto <strong>rio</strong> acima, evitan<strong>do</strong>os perigos e os embaraços da via fluvial, perfeitamente <strong>de</strong>fendida; sepo<strong>de</strong>riam marchar por terra – pelo [Chaco] ou por Tuiu Cuê –, quala conveniência <strong>de</strong> os fazer passar diante da artilharia <strong>de</strong> Curupaiti eHumaitá? E como transportá-los? Os encouraça<strong>do</strong>s mal tinham cômo<strong>do</strong>spara as guarnições; não eram transportes <strong>de</strong> guerra. Só po<strong>de</strong>riam seguiresses <strong>do</strong>is mil homens amontoa<strong>do</strong>s no convés e inteiramente expostos.439


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOSeriam assim enfia<strong>do</strong>s pelo fogo, quase à queima-roupa, <strong>de</strong> cento etantos canhões e varri<strong>do</strong>s e aniquila<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s à bala e metralha.Semelhante i<strong>de</strong>ia não po<strong>de</strong>ria ser, e não foi, a<strong>do</strong>tada pelo generalbrasileiro, que bem conhecia os nossos encouraça<strong>do</strong>s. Eles pu<strong>de</strong>ram, em<strong>de</strong>zembro <strong>do</strong> ano seguinte (1868), transportar <strong>do</strong> Chaco à margem esquerdaa maior parte <strong>do</strong> Exército Imperial, na campanha <strong>do</strong> Piquisiri e LomasValentinas, mas aí a operação não se efetuou <strong>de</strong>baixo <strong>do</strong> fogo inimigo,nem havia estacadas, ca<strong>de</strong>ias e torpe<strong>do</strong>s no <strong>rio</strong>. A passagem <strong>de</strong> Curupaiti eHumaitá era i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, mas não po<strong>de</strong>ria ser tratada assim.Antes <strong>do</strong> plano <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1867, mandan<strong>do</strong> <strong>de</strong> Buenos Aires, erecebi<strong>do</strong> por Caxias no dia 20, já o general brasileiro contava fazer forçaros <strong>do</strong>is passos pela esquadra imperial. Assim (como dissemos na nota n o36), no dia 4 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1867, escrevia Osó<strong>rio</strong>: “A nossa esquadra há <strong>de</strong> teror<strong>de</strong>m para subir o <strong>rio</strong>, mesmo por cima <strong>de</strong> torpe<strong>do</strong>s, ainda que perca <strong>do</strong>is outrês navios, e bloquear essa fortificação (Humaitá) pelo la<strong>do</strong> <strong>de</strong> cima.” Em10 <strong>de</strong> abril, expon<strong>do</strong> o seu plano <strong>de</strong> operações, dizia o ministro da Guerra:Se a esquadra pu<strong>de</strong>r romper os torpe<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Paraguai e pu<strong>de</strong>r subir para cima<strong>de</strong> Humaitá, sem <strong>de</strong>morar-se em arrasá-la (o que na minha opinião não po<strong>de</strong>ráfazer), tornará para López impossível sustentar-se nesse ponto, por ficar semcomunicações pelo <strong>rio</strong> com a sua capital.Não vale a pena insistir sobre esta questão. Era velho o projeto dasubida da esquadra quan<strong>do</strong> o exército avançasse; não nasceu essa i<strong>de</strong>iacom o plano <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> abril, o qual, aliás, não foi aceito pelo generalbrasileiro nem era praticável com os elementos <strong>de</strong> que dispúnhamos.Segunda asserção: o almirante, em 7 <strong>de</strong> agosto, quan<strong>do</strong> recebeuor<strong>de</strong>m para subir, fez observações em contrá<strong>rio</strong> e pôs em dúvida o êxitoe utilida<strong>de</strong> da passagem <strong>de</strong> Curupaiti. Esta asserção é <strong>do</strong> general Mitre.Pela leitura da Carta Confi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1866, <strong>do</strong> almirantea Caxias, ver-se-á que o general Mitre se enganou. “O almirantenão duvi<strong>do</strong>u <strong>do</strong> êxito e da utilida<strong>de</strong> da passagem <strong>de</strong> Curupaiti; não<strong>de</strong>sconhecia isso; duvi<strong>do</strong>u, sim, <strong>do</strong> êxito da dupla passagem, em diacerto, <strong>de</strong> Curupaiti e Humaitá.” A or<strong>de</strong>m que ele recebeu <strong>de</strong> Caxias,em 5 <strong>de</strong> agosto, por indicação <strong>de</strong> Mitre, foi para forçar ao mesmotempo Curupaiti e Humaitá. Foi contra isso que o almirante reclamou,porque não po<strong>de</strong>ria admitir a ingerência <strong>do</strong> general Mitre nas operações440


ARTIGOS DE IMPRENSAda esquadra e porque entendia que não <strong>de</strong>veria tentar a passagem<strong>de</strong> Humaitá sem que as correntes estivessem <strong>de</strong>struídas e sem que oexército ocupasse posição acima da fortaleza, posição on<strong>de</strong> a esquadrase pu<strong>de</strong>sse abastecer <strong>de</strong> víveres, <strong>de</strong> munições e <strong>de</strong> combustível.“Ir além <strong>de</strong> Humaitá”, dizia o almirante,com os encouraça<strong>do</strong>s já expostos em Curupaiti, isso era um dia que <strong>de</strong>vopreviamente precisar, é exigir o mais árduo <strong>do</strong>s trabalhos que dificilmente<strong>de</strong>sempenharia qualquer po<strong>de</strong>rosa esquadra mo<strong>de</strong>rna, máxime entregue,como fico, aos meus próp<strong>rio</strong>s recursos. E da<strong>do</strong> que, por fortuna das armas <strong>do</strong>Impé<strong>rio</strong>, force os <strong>do</strong>is passos, segue-se daí que me fica livre a comunicaçãocom Curuzu! Quinhentos homens em Humaitá e 200 em Curupaiti conservamas coisas como estão, e a esquadra brasileira passa <strong>de</strong> bloquea<strong>do</strong>ra a bloqueada,se o exército não vence estes <strong>do</strong>is obstáculos. Pensar, excelentíssimo senhormarquês, que <strong>de</strong>ve a esquadra <strong>de</strong>ixar o seu papel <strong>de</strong> auxiliar nesta guerratoda terrestre, que <strong>de</strong>ve tomar ela a iniciativa <strong>de</strong> operações <strong>de</strong> que não colheo serviço <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> o mais pequeno proveito, se não satisfazer a um malentendi<strong>do</strong>orgulho, é errar gravemente. (Além <strong>de</strong>ssa Confi<strong>de</strong>ncial, vejam-seno Apêndice os trechos, que publicamos, das cartas <strong>de</strong> 8 e 9 <strong>de</strong> agosto, <strong>do</strong>almirante ao Ministé<strong>rio</strong> da Marinha)Em 11 <strong>de</strong> agosto respondia o almirante a Caxias:A passagem <strong>de</strong> Curupaiti po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser tentada; uma vez compreendida, éindispensável levá-la ao fim. Voltar a esquadra a sua antiga posição, como voltouno outro malogra<strong>do</strong> ataque <strong>de</strong>ste ponto, será uma <strong>de</strong>smoralização, uma vergonha...Venci<strong>do</strong> como espero será o passo <strong>de</strong> Curupaiti... (Ver no Apêndice este <strong>do</strong>cumento.)Já vimos que antes da chegada <strong>do</strong> general Mitre (1 o <strong>de</strong> agosto), oforçamento <strong>do</strong>s passos <strong>de</strong> Curupaiti e Humaitá era operação resolvidaentre Caxias e o almirante, mas não para o mesmo dia e não sem prévioreconhecimento <strong>do</strong> Humaitá.A esquadra <strong>de</strong>veria flanquear o passo <strong>de</strong> Curupaiti, quan<strong>do</strong> o exércitoatacasse as posições inimigas, e <strong>de</strong>pois o <strong>de</strong> Humaitá, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>struídasas ca<strong>de</strong>ias que fechavam o <strong>rio</strong> e ocupa<strong>do</strong> pelo exército o sítio <strong>de</strong> Taií, ououtro da margem esquerda, que servisse <strong>de</strong> apoio aos encouraça<strong>do</strong>s quesubissem.441


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOSó transcreveremos aqui os seguintes trechos <strong>de</strong> alguns <strong>do</strong>cumentospublica<strong>do</strong>s no Apêndice, to<strong>do</strong>s os ante<strong>rio</strong>res à chegada <strong>de</strong> Mitre. Em 20<strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1867, <strong>do</strong> almirante ao ministro da Marinha:Vão enfim começar as operações. Confio completamente no êxito das combinaçõesfeitas. É possível que a 6 <strong>do</strong> futuro compita à esquadra o seu dia... Sairei eupróp<strong>rio</strong> com to<strong>do</strong>s ou a maior parte <strong>do</strong>s encouraça<strong>do</strong>s... Conto passar Curupaitiem duas horas. Com alguma perda, embora. Humaitá é para mim um mito: po<strong>de</strong>ser muito, ou muito pouco. Veremos.Em 27 <strong>de</strong> junho, instruções <strong>de</strong> Caxias à esquadra: “[...] Logo queesta [esquadra] esteja acima <strong>de</strong> Humaitá, tratar <strong>de</strong> abrir comunicaçãocom o exército [...]” Em 30 <strong>de</strong> junho, <strong>do</strong> almirante ao ministro daMarinha: “Como conheço bem Curupaiti etc., irei na frente, porqueé o Brasil o navio mais forte... Humaitá será explora<strong>do</strong> com a <strong>de</strong>vidacautela [...]” Em 21 <strong>de</strong> junho, o almirante em or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> dia, disse: “Avez da esquadra não tarda, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> ela <strong>do</strong>s movimentos <strong>do</strong> exército.No momento em que for dada a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> avançar conto convosco...<strong>de</strong>ixaremos Curupaiti pela popa”. Em 22 <strong>de</strong> julho, instruções reservadas<strong>do</strong> almirante ao chefe <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>-maior da esquadra:Como vossa excelência sabe, vão começar as operações da esquadra no momentoem que se conheça ter o 1 o Corpo <strong>de</strong> Exército engaja<strong>do</strong> combate com o inimigo...Partirei com os 10 encouraça<strong>do</strong>s, as duas chatas e o Lindóia [...] Se eu obtiverpassar Curupaiti [...] Se eu passar Humaitá [...]Terceira asserção: “A passagem <strong>de</strong> Curupaiti efetuou-se poror<strong>de</strong>m terminante <strong>do</strong> general Mitre (“la or<strong>de</strong>ne terminante, bajo miresponsabilidad com fecha 12”) * . O almirante não recebeu tal or<strong>de</strong>mterminante, ten<strong>do</strong> <strong>de</strong>clara<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio que, em vista <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong><strong>de</strong> Aliança, não reconhecia no general em chefe <strong>do</strong>s exércitos alia<strong>do</strong>scompetência para lhe dar or<strong>de</strong>ns. O general Mitre, na citada carta aSilveira da Mota (Revoluciones Históricas), <strong>de</strong>clarou que o almirantenão lhe dirigiu protesto algum contra a sua ingerência nas operações daesquadra. O protesto foi lavra<strong>do</strong> no ofício <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> agosto, a Caxias, e na*“Or<strong>de</strong>nei-a terminante, sob minha responsabilida<strong>de</strong>, com data <strong>de</strong> 12”. (N.E.)442


ARTIGOS DE IMPRENSAcontramemória em que poste<strong>rio</strong>rmente o almirante refutou e respon<strong>de</strong>ua extensa memória <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> setembro, <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte argentino. Estes<strong>do</strong>is <strong>do</strong>cumentos não foram apresenta<strong>do</strong>s por Caxias a Mitre porqueo generalíssimo brasileiro, sempre pru<strong>de</strong>nte e concilia<strong>do</strong>r, achou maisacerta<strong>do</strong> impedir uma polêmica <strong>de</strong>sagradável e irritante. Serão agora,pela primeira vez, publica<strong>do</strong>s no Apêndice a este volume, sob o n o 42.O almirante, repetimos, não recebeu a or<strong>de</strong>m terminante <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong>agosto, que o general Mitre diz ter-lhe dirigi<strong>do</strong>; recebeu, sim, o muitoatencioso ofício <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> agosto, <strong>do</strong> duque <strong>de</strong> Caxias, e uma carta <strong>do</strong>mesmo duque, <strong>de</strong>signan<strong>do</strong> o dia 15 para a passagem <strong>de</strong> Curupaiti e<strong>de</strong>claran<strong>do</strong> que, sen<strong>do</strong> possível, forçasse também o passo <strong>de</strong> Humaitá(estes <strong>do</strong>is <strong>do</strong>cumentos estão no Apêndice).Quarta asserção:Oito dias <strong>de</strong>pois da passagem <strong>de</strong> Curupaiti, isto é, a 23 <strong>de</strong> agosto, o almiranteconsi<strong>de</strong>rava-se perdi<strong>do</strong> em sua nova posição, pedin<strong>do</strong>, por isso, autorização pararegressar a Curuzu. Esse pedi<strong>do</strong>, disse o general Mitre, era apoia<strong>do</strong> no parecer <strong>de</strong>to<strong>do</strong>s os chefes e comandantes <strong>de</strong> navios.No Apêndice (n o 42), <strong>de</strong>struímos completamente, com <strong>do</strong>cumentos,esta asserção. Os pareceres <strong>do</strong>s chefes e comandantes foram formula<strong>do</strong>s <strong>de</strong>30 <strong>de</strong> agosto a 3 <strong>de</strong> setembro em resposta aos quesitos <strong>do</strong> almirante, to<strong>do</strong>srelativos à passagem <strong>de</strong> Humaitá, e não à <strong>de</strong> Curupaiti ou à volta a Curuzu.O almirante nunca pediu autorização para regressar a sua antiga posição,e nenhum comandante da esquadra pensou em tal coisa. Foi o duque <strong>de</strong>Caxias que, espontaneamente, achan<strong>do</strong>-se sem notícias exatas e receosoda situação <strong>do</strong>s encouraça<strong>do</strong>s, que muito haviam sofri<strong>do</strong> na passagem<strong>de</strong> Curupaiti, escreveu ao almirante, em 17, 18 e 21 <strong>de</strong> agosto, dan<strong>do</strong>-lhecarta branca para forçar o passo <strong>de</strong> Humaitá, limitar-se a bombar<strong>de</strong>ar estafortaleza ou ganhar o antigo encouraça<strong>do</strong> <strong>de</strong> Curuzu, se fosse insustentávela nova posição. O almirante respon<strong>de</strong>u que não era nem necessá<strong>rio</strong> nemconveniente o regresso a Curuzu. Não temos cópia da sua resposta, maspublicamos no Apêndice alguns trechos das cartas <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> agosto, <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong>setembro e <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> outubro por ele dirigidas ao ministro da Marinha, AfonsoCelso, nas quais se refere à or<strong>de</strong>m condicional <strong>de</strong> regresso, que recebera.Na carta <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> agosto, diz ele: “Quanto à primeira <strong>de</strong>ssasoperações (a volta ou a retirada), só a praticarei no último extremo [...]”443


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCONa <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> outubro:[...] A carta em questão (a <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> agosto) era consequência <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong>em que estava o senhor marquês <strong>de</strong> Caxias, a quem fizeram persuadir que aesquadra estava irremediavelmente perdida na posição que viera ultimamenteocupar. As comunicações, quer pelo Chaco, quer por Tuiuti, eram ainda difíceis;estava sua excelência sem resposta minha as suas comunicações, e pretendiaque eu me salvasse a to<strong>do</strong> transe, voltan<strong>do</strong> para Curuzu. Fiz-lhe conhecer queo enganavam; mostrei-lhe a inconveniência e a vergonha que nos resultariam <strong>de</strong>uma precipitada volta (fuga) e... aqui estou há 49 dias, com intenção <strong>de</strong> só daquisubir para baixo no momento em que a guerra termine. Assim Deus me aju<strong>de</strong>, bemcerto <strong>de</strong> que presto aqui 10 vezes mais serviço <strong>do</strong> que em Curuzu.Entretanto, por lamentável confusão e leitura pouco atenta <strong>do</strong>s<strong>do</strong>cumentos que citou, o general Mitre abalançou-se a escrever e apublicar que a posição acima <strong>de</strong> Curupaiti manteve-se graças a ele,“a <strong>de</strong>speito da opinião em contrá<strong>rio</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os chefes da esquadra”,salvan<strong>do</strong>-se assim a honra das armas aliadas.***Nota n o 128, <strong>do</strong> Barão <strong>do</strong> Rio Branco, ao capítulo XX <strong>do</strong> cita<strong>do</strong> livro:O general Mitre, na carta que dirigiu em outubro <strong>de</strong> 1868 aocomandante (hoje chefe <strong>de</strong> divisão) Artur Silveira da Mota, logopublicada no Nación, <strong>de</strong> Buenos Aires, e no Apêndice à obra <strong>de</strong>Thompson, disse que <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> forçamento da passagem <strong>de</strong> Curupaitipelos encouraça<strong>do</strong>s, em 15 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1867, subiram e <strong>de</strong>sceram atéos navios <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, sem experimentar dano algum por aquele passoque se havia <strong>de</strong>clara<strong>do</strong> humanamente impossível para os encouraça<strong>do</strong>s.Nesse trecho há um primeiro engano, que consiste em atribuir-seao almirante a proposição <strong>de</strong> ser humanamente impossível a passagem.Este ponto, <strong>de</strong> que tratamos na nota n o 55 ao capítulo XVI, ficará<strong>de</strong> to<strong>do</strong> esclareci<strong>do</strong> no Apêndice (nota n o 42), com a publicação dacorrespondência oficial sobre o assunto. Aqui observamos somente queos navios da esquadra imperial nunca <strong>de</strong>sceram o <strong>rio</strong> passan<strong>do</strong> pelasbaterias <strong>de</strong> Curupaiti; passaram por ela, subin<strong>do</strong>, três vezes apenas. A444


ARTIGOS DE IMPRENSAprimeira, em 15 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1867, forçan<strong>do</strong> o passo 10 encouraça<strong>do</strong>s;a segunda, na madrugada <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1868, três pequenosmonitores encouraça<strong>do</strong>s; a terceira, na madrugada <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> março, <strong>do</strong>isnavios <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. As circunstâncias, porém, eram muito diversas.Em 15 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1867, o canal tinha gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> torpe<strong>do</strong>sestaca<strong>do</strong>s e navios a pique. A passagem efetuou-se sem per<strong>de</strong>rmos navioalgum porque eles tomaram o canal mais próximo à barranca, canal por on<strong>de</strong>não os esperava o inimigo. Curupaiti tinha então 39 canhões <strong>de</strong> grosso calibre.Em 13 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1868, só havia 20 canhões e, entre eles,poucos <strong>de</strong> calibre 69. Além disso, os monitores passaram, à noite,por caminho já conheci<strong>do</strong> <strong>do</strong>s práticos e eram navios <strong>de</strong> construçãoespecial, oferecen<strong>do</strong> mui pequeno alvo ao inimigo.Em 3 <strong>de</strong> março seguinte, os <strong>do</strong>is navios <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira passaram, tambémà noite, inesperadamente, e Curupaiti apenas tinha, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os últimos dias <strong>de</strong>fevereiro, seis peças <strong>de</strong> campanha. (Ver o que dissemos nas notas n os 3 e 97 aeste capítulo e o que diz Thompson à página 259 da edição <strong>de</strong> Buenos Aires).A passagem <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> fevereiro e <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1868 não po<strong>de</strong>m,portanto, ser equiparadas à operação realizada em 15 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1867.Basta aten<strong>de</strong>r ao número <strong>de</strong> balas que receberam os navios na primeirapassagem e às gran<strong>de</strong>s avarias que então sofreram.121) Correio da Manhã7 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1903O AcrePara tratar da questão <strong>do</strong> Acre, haverá hoje em Petrópolis novaconferência entre os senhores Barão <strong>do</strong> Rio Branco, Assis Brasil,Guachalla e Pinilla. Consta que os plenipotenciá<strong>rio</strong>s das duas partes nãochegaram ainda a acor<strong>do</strong> sobre algumas das cláusulas <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> e quenumerosos e muito extensos têm si<strong>do</strong> os telegramas em cifra troca<strong>do</strong>snestes últimos dias entre o ministro <strong>do</strong> Exte<strong>rio</strong>r e a legação <strong>do</strong> Brasil emLa Paz, e entre a missão especial boliviana e o general Pan<strong>do</strong>. Segun<strong>do</strong>se afirma, as negociações ficarão ultimadas aqui no <strong>de</strong>correr da próximasemana. O senhor ministro das Relações Exte<strong>rio</strong>res não <strong>de</strong>sceu <strong>de</strong>445


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOPetrópolis, on<strong>de</strong> continua a negociar com os senhores Guachala e Pinillaum acor<strong>do</strong> para a questão <strong>do</strong> Acre.122) Jornal <strong>do</strong> Commercio***Rio <strong>de</strong> Janeiro, 17 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1903. Seção “Publicações a pedi<strong>do</strong>”.A questão <strong>do</strong> Acre e o trata<strong>do</strong> com a Bolívia I *O Commercio <strong>de</strong> S. Paulo, nos editoriais “Cartas <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro”e “Notas Fluminenses”, tem trata<strong>do</strong> por vezes <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> a que chegaramem Petrópolis os plenipotenciá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> Brasil e da Bolívia. “Waterloo!”,“No charco!” e “Fora <strong>do</strong> charco” são os títulos <strong>de</strong> três <strong>de</strong>sses <strong>artigos</strong>, os<strong>do</strong>is últimos saí<strong>do</strong>s da pena <strong>do</strong> infatigável propagandista da restauraçãosenhor Martim Francisco Ribeiro <strong>de</strong> Andrada.Examinemos rapidamente este último escrito, pois aos <strong>do</strong>is primeiros<strong>artigos</strong> já respon<strong>de</strong>u brilhantemente Eduar<strong>do</strong> Salamon<strong>de</strong> nas colunas <strong>de</strong> O Paiz.As questões <strong>do</strong> Amapá e <strong>de</strong> Missões, diz o senhor Martim Francisco,“vinham <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>: po<strong>de</strong>riam ter erros, não tinham sujeiras”. A <strong>do</strong> Acre,acrescenta, “vinha da República: era-lhe inevitável a in<strong>de</strong>cência.” Muito se ilu<strong>de</strong>o monarquista ilustre. A questão <strong>do</strong> Acre tem incontestavelmente as suas raízesno Impé<strong>rio</strong>. Foi no tempo da monarquia que se negociou o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong>março <strong>de</strong> 1867, ataca<strong>do</strong> por Kakistos, pseudônimo <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s nossos melhoresdiplomatas, o conselheiro José Maria <strong>do</strong> Amaral. Foi no tempo <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>que o governo brasileiro começou a dar ao artigo 2 o a absurda interpretação <strong>de</strong>que resultou a linha oblíqua Javari-Beni, <strong>de</strong>fendida <strong>de</strong>pois pelos ministros daRepública durante as administrações Pru<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Moraes e Campos Sales.Se isso era “sujeira”, vinha <strong>de</strong> muito longe, e as censuras <strong>do</strong> senhorMartim Francisco <strong>de</strong>veriam ser dirigidas não aos que a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ram porsentimento <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> governamental, mas aos que a criaram.Preten<strong>de</strong> o emérito polemista que o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Petrópolis, em suaslinhas gerais, estipula o seguinte:*Artigo também publica<strong>do</strong> nos seguintes periódicos: Gazeta <strong>de</strong> Notícias, 18 <strong>de</strong>z. 1903; Jornal <strong>do</strong> Brasil,18 <strong>de</strong>z. 1903; A Tribuna, 19 <strong>de</strong>z. 1903 e O Paiz, 18 <strong>de</strong>z. 1903.446


ARTIGOS DE IMPRENSA1) A cessão <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> nacional, embora em quantida<strong>de</strong> mínima.2) O pagamento, pela segunda vez, e 8 ou 10 vezes mais caro, <strong>de</strong>territó<strong>rio</strong> que alguns homens <strong>de</strong> mérito pensavam ser brasileiro.3) Proteção eficaz e dispendiosa aos interesses comerciais daBolívia por meio <strong>de</strong> estrada <strong>de</strong> ferro com responsabilida<strong>de</strong> ecompromissos <strong>do</strong> erá<strong>rio</strong> nacional.Comecemos pelo parágrafo 3). A construção da estrada <strong>de</strong> ferro <strong>do</strong>Ma<strong>de</strong>ira ao Mamoré, em territó<strong>rio</strong> <strong>de</strong> Mato Grosso, <strong>de</strong> Santo Antonio atéGuajará-Mirim, é obra que aproveita não só à Bolívia, mas também ao nossoesta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Mato Grosso. A construção <strong>de</strong>ssa via <strong>de</strong> comunicação, ao mesmotempo brasileira e internacional, foi aconselhada e reclamada pelos primeirosestadistas <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>, <strong>de</strong> Tavares Bastos ao marquês <strong>de</strong> São Vicente, oviscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco e o <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Cotegipe, sem excetuar um conselheiro<strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> que se chamou Martim Francisco Ribeiro <strong>de</strong> Andrada.Trata-se <strong>de</strong> execução <strong>de</strong> promessa feita à Bolívia no artigo 9 o <strong>do</strong>Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1867, renovada solenemente no <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> março<strong>de</strong> 1882 14 , negocia<strong>do</strong> nesta cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, pelo conselheiroFelipe Franco <strong>de</strong> Sá, com a aprovação <strong>de</strong> Martinho Campos, entãopresi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Conselho. Basta transcrever aqui, para conhecimento <strong>do</strong>snovéis monarquistas, esqueci<strong>do</strong>s ou pouco conhece<strong>do</strong>res <strong>de</strong> atos quefazem honra ao passa<strong>do</strong> regime, o preâmbulo e o artigo 1 o <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong>1882, to<strong>do</strong> ele relativo à estrada <strong>de</strong> ferro <strong>do</strong> Ma<strong>de</strong>ira ao Mamoré:Sua majesta<strong>de</strong> o impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil e sua excelência o presi<strong>de</strong>nte da Repúblicada Bolívia, <strong>de</strong>sejan<strong>do</strong> completar, no interesse comum, a estipulação <strong>do</strong> artigo 9 o<strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1867, resolveram fazê-lo por meio <strong>de</strong> um trata<strong>do</strong>especial, e para esse fim nomearam por seus plenipotenciá<strong>rio</strong>s, a saber [...]Artigo 1 o Sua majesta<strong>de</strong> o impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil, confirman<strong>do</strong> a promessa feitapelo artigo 9 o <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1867, obriga-se a conce<strong>de</strong>r à Bolíviao uso <strong>de</strong> qualquer estrada <strong>de</strong> ferro que venha a construir por si, ou por empresaparticular, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira cachoeira na margem direita <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Mamoré até a <strong>de</strong>Santo Antônio, no <strong>rio</strong> Ma<strong>de</strong>ira, a fim <strong>de</strong> que a República possa aproveitar para otransporte <strong>de</strong> pessoas e merca<strong>do</strong>rias os meios que oferecer a navegação abaixo dadita cachoeira <strong>de</strong> Santo Antônio.14Corrigida pelo próp<strong>rio</strong> Barão <strong>do</strong> Rio Branco, na Coleção <strong>de</strong> recortes <strong>de</strong> jornais <strong>do</strong> Arquivo Histórico <strong>do</strong>Itamaraty, para 15 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1882.447


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCODessa estrada <strong>de</strong> ferro, que o terceiro Martim Francisco parece con<strong>de</strong>nar,disse o conselheiro Andra<strong>de</strong> Figueira, em sessão <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong>1882, na Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong> orava Passos <strong>de</strong> Miranda, um <strong>do</strong>spropugna<strong>do</strong>res <strong>do</strong> gran<strong>de</strong> empreendimento: “É a mais importante estrada <strong>de</strong>ferro <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>. É a única estrada <strong>de</strong> ferro para que votarei garantia <strong>de</strong> juros.”Eis o que o colabora<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Commercio <strong>de</strong> S. Paulo supõe ser umavia férrea dispendiosa, <strong>de</strong>stinada a proteger os interesses comerciais daBolívia, sem aten<strong>de</strong>r a que ela vai servir também aos <strong>de</strong> Mato Grosso, e,salvan<strong>do</strong> as cachoeiras <strong>do</strong> Ma<strong>de</strong>ira e <strong>do</strong> Mamoré, vai tornar esse Estad<strong>obras</strong>ileiro in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da comunicação fluvial através das Repúblicas<strong>do</strong> Paraguai e da Argentina. Por tu<strong>do</strong> isso, dizia o impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>m PedroII, no preâmbulo <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1882, que a estrada seria feita no interessecomum <strong>do</strong> Brasil e da Bolívia.Cumpre notar ainda que ela será custeada principalmente pelo comércioda Bolívia; que to<strong>do</strong>s os outros vizinhos, como é natural, se esforçam paraatrair ao seu territó<strong>rio</strong> o comércio <strong>de</strong> trânsito entre a Bolívia e o estrangeiro;que a República Argentina está prolongan<strong>do</strong> por territó<strong>rio</strong> boliviano uma viaférrea sem pedir por isso favor algum ao governo <strong>de</strong>sse país; e que, quan<strong>do</strong>ficar terminada a seção <strong>do</strong> novo caminho <strong>de</strong> ferro compreendida entre o SantoAntonio e a foz <strong>do</strong> Beni e concluída também a que, com in<strong>de</strong>nização queo Brasil vai pagar à Bolívia, o general Pan<strong>do</strong> projeta iniciar entre La Paz eYungas, ficará aberta uma via intercontinental pela qual se po<strong>de</strong>rá atravessar<strong>de</strong> Belém <strong>do</strong> Pará a Antofagasta, no Chile, ou a Mollen<strong>do</strong>, no Peru, isto é, <strong>do</strong>Atlântico ao Pacífico em barcos a vapor ou em caminhos <strong>de</strong> ferro.Vejamos agora os parágrafos 1) e 2). “Cessão <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> nacional”e “pagamento, pela segunda vez, <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> brasileiro porhomens <strong>de</strong> mérito”. É impróp<strong>rio</strong> falar em cessão <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> nacionalquan<strong>do</strong> o que há, pelo trata<strong>do</strong>, é uma permuta <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s, permutaque, por ser sumamente <strong>de</strong>sigual, explica a compensação em dinheirocom que o Brasil <strong>de</strong>ve entrar.Com efeito, nessa troca, o Brasil transfere à Bolívia apenas 3.164km 2 , ou 102 léguas das <strong>de</strong> 20 ao grau – pouco mais <strong>do</strong> <strong>do</strong>bro <strong>do</strong> DistritoFe<strong>de</strong>ral – e recebe 191 mil km 2 ou 6.190 léguas, isto é, extensão maior<strong>do</strong> que a <strong>de</strong> seis 15 esta<strong>do</strong>s da União toma<strong>do</strong>s separadamente, maior <strong>do</strong>que as <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Pernambuco e Alagoas reuni<strong>do</strong>s, e quase15Corrigi<strong>do</strong> para “nove esta<strong>do</strong>s” pelo próp<strong>rio</strong> Barão <strong>do</strong> Rio Branco, na Coleção <strong>de</strong> recortes <strong>de</strong> jornais <strong>do</strong>Arquivo Histórico <strong>do</strong> Itamaraty.448


ARTIGOS DE IMPRENSAigual à que resultaria da soma das áreas <strong>do</strong>s quatro esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong>Janeiro, <strong>do</strong> Espírito Santo, <strong>do</strong> Sergipe e <strong>de</strong> Alagoas.Dá o Brasil insignificantes nesgas <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>: em Mato Grosso,inteiramente <strong>de</strong>sabitadas e pela maior parte cobertas <strong>de</strong> água, pois<strong>de</strong> terra firme apenas se contam ali 78 km 2 ou duas léguas e meia; noAmazonas, um trecho inculto, só habita<strong>do</strong> por bolivianos, entre o Abunãe a margem esquerda <strong>do</strong> Ma<strong>de</strong>ira. Recebe uma região imensa, rica <strong>de</strong>produtos naturais, povoada e explorada por mais <strong>de</strong> 60 mil brasileiros,incluin<strong>do</strong> os <strong>do</strong> Acre, <strong>do</strong> Iaco, <strong>do</strong> alto Purus e <strong>de</strong> outros afluentes esubafluentes <strong>do</strong> Amazonas.Por não haver equivalência nas áreas <strong>do</strong>s territó<strong>rio</strong>s permuta<strong>do</strong>s éque o Brasil paga a in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong> £ 2.000.000 à Bolívia, aplicável acaminhos <strong>de</strong> ferro e outros melhoramentos que favoreçam as relações <strong>de</strong>comércio entre os <strong>do</strong>is países, e que, provavelmente, em pouco tempo,tornarão dispensável qualquer <strong>de</strong>sembolso para pagamento <strong>de</strong> juros aosacionistas da empresa <strong>do</strong> Ma<strong>de</strong>ira ao Mamoré.O Brasil não “vai pagar à Bolívia, por preço mais avulta<strong>do</strong>, o quejá pagou ao sindicato norte-americano”. O pagamento <strong>de</strong> £ 112.000 aosindicato <strong>de</strong>ve ser leva<strong>do</strong> em conta na soma <strong>do</strong>s sacrifícios que fazemospara resolver <strong>de</strong>finitivamente a chamada questão <strong>do</strong> Acre, mas não houvenessa operação compra <strong>de</strong> direitos ou <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s. O que fez então ogoverno brasileiro foi eliminar um elemento perturba<strong>do</strong>r e perigoso, queandava a suscitar-nos dificulda<strong>de</strong>s na Europa e na América <strong>do</strong> Norte,tirar ao governo boliviano a esperança <strong>de</strong> apoio estrangeiro, simplificara questão entre o Brasil e a Bolívia e facilitar um concerto amigávelentre os <strong>do</strong>is países.O fato <strong>de</strong> haverem sustenta<strong>do</strong> alguns eminentes compat<strong>rio</strong>tasnossos, a partir <strong>de</strong> 1900, que o Acre é brasileiro até o paralelo <strong>de</strong> 10º 20’sul não exclui nem a conveniência e nem a legitimida<strong>de</strong> da transaçãoque se acaba <strong>de</strong> fazer. Oficialmente, segun<strong>do</strong> vá<strong>rio</strong>s protocolos, notasdiplomáticas e <strong>de</strong>clarações <strong>do</strong> governo brasileiro durante 35 anos, isto é,<strong>de</strong> 1867 até 14 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1902, o territó<strong>rio</strong> ao sul da linha oblíquaJavari-Beni era incontestavelmente boliviano. Só a partir <strong>de</strong> janeiro<strong>de</strong>ste ano o novo ministro das Relações Exte<strong>rio</strong>res, senhor Barão <strong>do</strong> RioBranco, rompen<strong>do</strong> com o passa<strong>do</strong>, <strong>de</strong>u oficialmente à última parte <strong>do</strong>artigo 2 o <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1867 a inteligência que começaram a dar-lhe em1900 os distintos publicistas, ora<strong>do</strong>res e engenheiros a que se refere o449


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOsenhor Martim Francisco. Ora, sabe sua excelência muito bem que nãoraro, em causas cíveis e comerciais, <strong>do</strong>is litigantes transigem, com o fim<strong>de</strong> evitar as <strong>de</strong>longas e as incertezas <strong>do</strong> processo, e não é, portanto, paraestranhar que agora <strong>de</strong>mos dinheiro por um territó<strong>rio</strong> em litígio, com ofim <strong>de</strong> resolver <strong>de</strong> pronto a questão a nosso favor. Há mais ainda.No caso presente, não é só o territó<strong>rio</strong>, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> brasileiro <strong>de</strong>s<strong>de</strong>1900 pelos senhores Rui Barbosa, Serze<strong>de</strong>lo Corrêa, Frontin e outros,que fica reconheci<strong>do</strong> como brasileiro pela Bolívia, mas também umaextensa zona ao sul <strong>do</strong> paralelo <strong>de</strong> 10º 20’, zona que para eles era, comrazão, tida como incontestavelmente boliviana, em virtu<strong>de</strong> <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong><strong>de</strong> 1867, na qual se compreen<strong>de</strong> a maior parte <strong>do</strong> Acre, habitada porbrasileiros.Adquirimos, pois, por transação muito legítima, o territó<strong>rio</strong> sóultimamente <strong>de</strong>clara<strong>do</strong> em litígio entre a linha oblíqua chamadaCunha Gomes e o paralelo <strong>de</strong> 10º 20’ sul, e adquirimos por compra,não menos legítima, a zona ao sul <strong>de</strong>sse paralelo. Se nessa combinaçãonão entrássemos também com a transferência <strong>de</strong> alguns insignificantespedaços <strong>de</strong> terra, se pretendêssemos que <strong>de</strong>ve ser amaldiçoa<strong>do</strong> o quece<strong>de</strong> uma polegada <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> nacional, mesmo em troca <strong>de</strong> regiãoconsi<strong>de</strong>rável e rica, como seria possível convencer a Bolívia <strong>de</strong> quenos <strong>de</strong>veria aban<strong>do</strong>nar mais da oitava parte <strong>do</strong> que consi<strong>de</strong>rava seupatrimônio nacional?Suponhamos que a Inglaterra (como, em 1890, ce<strong>de</strong>u a ilha <strong>de</strong>Heligoland à Alemanha em troco <strong>de</strong> certas concessões importantes naÁfrica Oriental) nos oferecesse 10 ou 20 léguas quadradas <strong>de</strong> bonscampos nos confins da sua Guiana em troco da ilha da Trinda<strong>de</strong>,longínqua, estéril e até agora inaproveitável para nós. Seria ou nãoessa troca um bom negócio para o Brasil? Qualquer homem <strong>de</strong> simplesbom-senso respon<strong>de</strong>ria pela afirmativa. Os pat<strong>rio</strong>tas <strong>de</strong> nova espécieque preten<strong>de</strong>m levantar a opinião contra o trata<strong>do</strong> com a Bolívia, essesrepeliriam, indigna<strong>do</strong>s, a troca.Afirmou mais uma vez o senhor Martim Francisco que o Impé<strong>rio</strong>nunca ce<strong>de</strong>u territó<strong>rio</strong>s. Já mostramos que no caso presente não setrata <strong>de</strong> cessão, mas <strong>de</strong> permuta ou, se quiserem, <strong>de</strong> mútua cessão <strong>de</strong>territó<strong>rio</strong>s, e que a troca – ten<strong>do</strong>-se em vista a importância das áreas, aqualida<strong>de</strong> das terras e a circunstância <strong>de</strong> serem elas ou não habitadas – ésumamente <strong>de</strong>sigual, sen<strong>do</strong> toda em vantagem <strong>do</strong> Brasil.450


ARTIGOS DE IMPRENSAEssa permuta é autorizada pelo artigo 5 o <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1867, quediz assim:Se, para o fim <strong>de</strong> fixar, em um ou outro ponto, limites que sejam mais naturais econvenientes a uma ou outra nação parecer vantajosa a troca <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s, po<strong>de</strong>ráesta ter lugar, abrin<strong>do</strong>-se para isso novas negociações e fazen<strong>do</strong>-se, não obstanteisto, a <strong>de</strong>marcação como se tal troca não houvesse <strong>de</strong> efetuar-se.Compreen<strong>de</strong>-se nesta estipulação o caso da troca <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s para dar-selogra<strong>do</strong>uro a algum povoa<strong>do</strong> ou a algum estabelecimento público que fiqueprejudica<strong>do</strong> pela <strong>de</strong>masiada proximida<strong>de</strong> da linha divisória.A Constituição <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>, como já lembrou O Paiz, permitia a troca e acessão <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s mediante a aprovação da Assembleia Geral Legislativa.O Impé<strong>rio</strong> concluiu <strong>do</strong>is trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> troca <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>: o <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> setembro<strong>de</strong> 1857, com o Uruguai, e o <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1874, com o Peru. Oprimeiro foi negocia<strong>do</strong> pelo ilustre estadista Paulino <strong>de</strong> Souza, viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong>Uruguai; o segun<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> era ministro <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros, o nãomenos ilustre Carneiro <strong>de</strong> Campos, viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Caravelas.O Impé<strong>rio</strong> ofereceu ce<strong>de</strong>r à França, em 1856, o territó<strong>rio</strong>, então<strong>de</strong>spovoa<strong>do</strong>, entre os <strong>rio</strong>s Calçoene e Oiapoque, procuran<strong>do</strong> assim transigirpara pôr termo a um velho litígio em que o direito <strong>do</strong> Brasil era perfeito,incontestável, como ficou <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> no processo arbitral <strong>de</strong> Berna.Durante o Impé<strong>rio</strong>, foram feitas generosas concessões aos nossosvizinhos nos trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> limites com o Peru (1851), o Uruguai (1853), aVenezuela (1859), a Bolívia (1867) e o Paraguai (1872). Durante os 60anos <strong>do</strong> regime passa<strong>do</strong>, o territó<strong>rio</strong> nacional não teve aumento algum;pelo contrá<strong>rio</strong>, em to<strong>do</strong>s os ajustes cita<strong>do</strong>s, renunciamos a terras a que,pela aplicação <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> uti possi<strong>de</strong>tis, tínhamos direito, e sofremosaté, pelo Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1828, a <strong>de</strong>sagregação da provínciaCisplatina, <strong>de</strong>pois República Oriental <strong>do</strong> Uruguai, isto é, a perda <strong>de</strong> 187 milkm 2 , extensão territorial – seja dito <strong>de</strong> passagem – quase equivalente à que,pelo Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Petrópolis, vamos agora incluir <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s limites <strong>do</strong> Brasil.Não recordamos estes fatos com a intenção <strong>de</strong> <strong>de</strong>saprovar ou censurar oque praticou o Impé<strong>rio</strong>. Desejamos tão somente que o Commercio <strong>de</strong> S. Pauloe o senhor Martim Francisco meditem sobre esses antece<strong>de</strong>ntes históricose expliquem por que era lícito e louvável, naquele tempo, permutar, ce<strong>de</strong>r451


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOterritó<strong>rio</strong> ou mesmo consentir na separação <strong>de</strong> uma província inteira, comrepresentação no Parlamento brasileiro, e é con<strong>de</strong>nável agora alargar os<strong>do</strong>mínios da pátria brasileira, receber um territó<strong>rio</strong> imenso e fertilíssimo, on<strong>de</strong>vivem e trabalham 60 mil compat<strong>rio</strong>tas nossos, e conseguir isso sem um tiro,sem uma gota <strong>de</strong> sangue <strong>de</strong>rrama<strong>do</strong>, somente pela persuasão, dan<strong>do</strong> nós emretorno à outra parte algumas léguas <strong>de</strong> terra <strong>de</strong>spovoada e <strong>de</strong> alagadiços,uma soma em dinheiro aplicável a melhoramentos que indiretamente nosserão vantajosos, favores comerciais que nenhum povo culto recusa a outroseu vizinho, e o uso <strong>de</strong> um caminho <strong>de</strong> ferro já prometi<strong>do</strong>, sem compensaçãoalguma no tempo <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>, e que, mais <strong>do</strong> que à Bolívia, há <strong>de</strong> beneficiaros esta<strong>do</strong>s brasileiros <strong>de</strong> Mato Grosso, <strong>do</strong> Amazonas e <strong>do</strong> Pará.123) Jornal <strong>do</strong> CommercioRio <strong>de</strong> Janeiro, 18 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1903. Seção “Publicações a pedi<strong>do</strong>”A questão <strong>do</strong> Acre e o trata<strong>do</strong> com a Bolívia II *Ontem, examinan<strong>do</strong> certas críticas e censuras <strong>do</strong> Commercio <strong>de</strong> S.Paulo, ocupamo-nos com as principais cláusulas <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Petrópolis, jáconheci<strong>do</strong> <strong>do</strong> público, em suas linhas gerais, tanto no Brasil quanto na Bolívia.Hoje, <strong>de</strong>sejamos mostrar que não é propriamente o sentimento <strong>de</strong>pat<strong>rio</strong>tismo ofendi<strong>do</strong>, mas sim o <strong>de</strong> paixão partidária e o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> perturbar apaz pública que inspiram as hostilida<strong>de</strong>s abertas em setembro contra o governoatual e mui particularmente contra o senhor ministro das Relações Exte<strong>rio</strong>res.O plano assenta<strong>do</strong> e segui<strong>do</strong> pelo Barão <strong>do</strong> Rio Branco para resolvera chamada questão <strong>do</strong> Acre, tão mal-parada quan<strong>do</strong> ele assumiu a direção<strong>do</strong> seu cargo, ficou perfeitamente conheci<strong>do</strong> <strong>de</strong> toda a nossa <strong>imprensa</strong><strong>de</strong>s<strong>de</strong> janeiro último, só encontran<strong>do</strong>, durante meses, manifestações<strong>de</strong> simpatia e até louvores e aplausos <strong>do</strong>s mesmos que hoje procuramlevantar contra esse compat<strong>rio</strong>ta a cólera popular.Tu<strong>do</strong> corria tranquilamente quan<strong>do</strong>, em setembro, aprouve a certosagita<strong>do</strong>res <strong>de</strong> profissão explorar contra o governo algumas das cláusulas<strong>do</strong> trata<strong>do</strong> que se negociava.*Artigo também publica<strong>do</strong> nos seguintes periódicos: Gazeta <strong>de</strong> Notícias, 18 <strong>de</strong>z. 1903; Jornal <strong>do</strong> Brasil,18 <strong>de</strong>z. 1903; A Tribuna, 19 <strong>de</strong>z. 1903 e O Paiz, 18 <strong>de</strong>z. 1903.452


ARTIGOS DE IMPRENSAEm outros países, on<strong>de</strong> em to<strong>do</strong>s os círculos da política e da <strong>imprensa</strong> setem melhor compreensão <strong>de</strong> pat<strong>rio</strong>tismo e <strong>do</strong>s interesses da causa pública,as questões com o estrangeiro são consi<strong>de</strong>radas sempre questões nacionais.Por isso, na França, ministros como os senhores Hanotaux e Delcassé têmpodi<strong>do</strong> permanecer em gabinetes sucessivos, <strong>de</strong> diferentes matizes políticos.Entre nós, não se dá o mesmo nos dias <strong>de</strong> hoje, que infelizmente aindasão <strong>de</strong> anarquia mental. São precisamente as gran<strong>de</strong>s questões externasque alguns ambiciosos <strong>de</strong> man<strong>do</strong>, ao mesmo tempo agita<strong>do</strong>s e agita<strong>do</strong>resincuráveis, exploram com mais engenho para intrigas <strong>de</strong> politicagem, nopropósito <strong>de</strong> transviar a opinião e urdir conspirações e golpes <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>.Ainda há jornalistas, alguns <strong>de</strong> puro e sincero pat<strong>rio</strong>tismo, que se <strong>de</strong>ixamlevar pelo canto <strong>de</strong>ssas sereias das discórdias civis!Vejamos se as bases <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> ultimamente concluí<strong>do</strong> e se os atospratica<strong>do</strong>s para que pudéssemos chegar a esse resulta<strong>do</strong> eram ou nãoconheci<strong>do</strong>s <strong>de</strong> longa data. Examinemos se, antes <strong>de</strong> iniciada há pouco aguerra <strong>do</strong>s boatos e intrigas, havia indignações e revoltas contra a permuta <strong>de</strong>territó<strong>rio</strong>s, a compra <strong>do</strong> Acre, a eliminação <strong>do</strong> sindicato anglo-americano e aocupação militar <strong>de</strong> parte da região que só em janeiro último ficou em litígio.***Em 26 <strong>de</strong> janeiro, dizia o Jornal <strong>do</strong> Commercio em um bem-lança<strong>do</strong>artigo da sua redação: “O governo atual teve ensejo <strong>de</strong> propor a compra<strong>do</strong> territó<strong>rio</strong>. Apesar <strong>do</strong>s títulos <strong>do</strong> Brasil para pleiteá-lo, a questão tinhachega<strong>do</strong> a tal pé que valia a pena não per<strong>de</strong>r tempo a reduzi-la o maispossível a uma solução prática.” A proposta foi recusada:Recusada a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> venda, o governo brasileiro buscou outro alvitre: propôs a troca<strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> e ofereceu gran<strong>de</strong>s compensações no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> favorecer por meio<strong>de</strong> uma estrada <strong>de</strong> ferro o tráfego comercial pelo Ma<strong>de</strong>ira, enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se, nessesenti<strong>do</strong>, se assim fosse necessá<strong>rio</strong>, com o Bolivian Syndicate. Não é possível espíritomais concilia<strong>do</strong>r. Se é na distância <strong>do</strong> Acre e na quase impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o governare explorar que se procura fundar o ato <strong>do</strong> arrendamento, nada mais natural <strong>do</strong> queoferecer à Bolívia outro territó<strong>rio</strong> mais propício a sua influência e ao seu man<strong>do</strong>,sobretu<strong>do</strong> com a vantagem <strong>de</strong> uma saída fácil <strong>do</strong>s seus produtos pelo Amazonas,que é o mais curto caminho <strong>do</strong> seu contato com o velho mun<strong>do</strong> [...]453


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOEm 28 <strong>de</strong> janeiro, to<strong>do</strong>s os jornais <strong>de</strong>sta capital publicaram umtelegrama circular <strong>do</strong> senhor Barão <strong>do</strong> Rio Branco, dirigi<strong>do</strong> às legaçõesbrasileiras, e nele se lia o seguinte:Propusemos comprar o territó<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Acre, atravessa<strong>do</strong> pelo paralelo <strong>de</strong> 10º 20’sul, para nos enten<strong>de</strong>rmos <strong>de</strong>pois com o Bolivian Syndicate. Depois propusemosuma troca <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s. O governo boliviano a nada tem queri<strong>do</strong> aten<strong>de</strong>r. Opresi<strong>de</strong>nte Pan<strong>do</strong> vai marchar com o fim <strong>de</strong> submeter os brasileiros <strong>do</strong> Acre. Emconsequência disso, o nosso presi<strong>de</strong>nte resolveu concentrar tropas nos esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong>Mato Grosso e Amazonas [...]Os trechos que acabamos <strong>de</strong> transcrever, <strong>do</strong> Jornal <strong>do</strong> Commercio eda circular <strong>de</strong> Rio Branco, não ficaram ignora<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ativo redator chefe<strong>de</strong> A Notícia, pois no seu número <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> janeiro último encontramosum editorial que começa assim:No telegrama circular que o ilustre Barão <strong>do</strong> Rio Branco dirigiu às legações <strong>do</strong>Brasil, narran<strong>do</strong> as recentes ocorrências com a Bolívia, vê-se que o Brasil propôspreliminarmente a compra <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Acre e, em seguida, uma troca <strong>de</strong>territó<strong>rio</strong>s, a nada ace<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o governo da Bolívia. Reatadas as negociações,sempre com o espírito conciliató<strong>rio</strong> <strong>de</strong> que temos da<strong>do</strong> tantas provas, constou queo governo brasileiro oferecia-se a construir uma estrada <strong>de</strong> ferro que facilitasse àBolívia o seu movimento comercial pelo Ma<strong>de</strong>ira [...]Em 26 <strong>de</strong> março, dizia assim A Notícia:[...] Não se chegan<strong>do</strong> a um acor<strong>do</strong> direto, o Brasil e a Bolívia recorrerão àarbitragem. Como se sabe, têm si<strong>do</strong> três as bases <strong>de</strong> um acor<strong>do</strong> direto, basesque naturalmente voltarão a ser objeto das negociações: in<strong>de</strong>nização pecuniária;construção <strong>de</strong> estrada que facilite à Bolívia uma saída para o Amazonas e parao oceano; permuta <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s. Tu<strong>do</strong> quanto se possa dizer a esse respeito éantecipa<strong>do</strong>, parecen<strong>do</strong> apenas que a Bolívia repele in limine a in<strong>de</strong>nizaçãopecuniária... Quanto à terceira base, a permuta <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>, qualquer juízo ouprevisão seria impertinente na intercorrência da questão diplomática que vaiprosseguir durante o modus vivendi [...]Assim, já em 30 <strong>de</strong> janeiro, A Notícia sabia perfeitamente o que<strong>de</strong>sejava ou o que pretendia o senhor Barão <strong>do</strong> Rio Branco: a compra454


ARTIGOS DE IMPRENSA<strong>do</strong> Acre ou uma troca <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s; a construção da via férrea <strong>do</strong>Ma<strong>de</strong>ira. Mesmo assim, A Notícia, <strong>de</strong> janeiro até outubro, não disseuma palavra contra a permuta <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s. Em 4 <strong>de</strong> abril, aconselhavaa compra <strong>do</strong> Acre; em 13 <strong>de</strong> novembro, esquecida <strong>do</strong> que escrevera em30 <strong>de</strong> janeiro e em 26 <strong>de</strong> março, dizia: “O senhor Barão <strong>do</strong> Rio Branco,para cuja lealda<strong>de</strong> não precisamos apelar, repelia in limine e com to<strong>do</strong>o vigor <strong>do</strong> seu esclareci<strong>do</strong> pat<strong>rio</strong>tismo qualquer proposta <strong>de</strong> permuta<strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s.”Avivada assim a memória <strong>de</strong> A Notícia, verá ela que o senhor Barão<strong>do</strong> Rio Branco não só não repelia propostas <strong>de</strong> troca <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>, queninguém lhe fazia, mas também foi quem propôs a combinação <strong>de</strong> troca<strong>de</strong>sigual e compensação em dinheiro. O governo da Bolívia, até fins <strong>de</strong>julho, não queria saber <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização pecuniária: só admitia a permutarigorosa <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s ou, o que achava preferível, o arbitramento para ainterpretação <strong>do</strong> artigo 2 o <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1867.Vem <strong>de</strong> mol<strong>de</strong> lembrar também que, quan<strong>do</strong> o ilustre redator chefe<strong>de</strong> A Notícia e da Gazeta <strong>de</strong>fendia o governo passa<strong>do</strong>, não se revoltavacontra a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> troca <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s nem via na Constituição da Repúblicaempecilho algum para a permuta projetada. A Platéa, <strong>de</strong> São Paulo, <strong>de</strong>uentão resumida conta das negociações em curso entre os senhores Olinto<strong>de</strong> Magalhães e Salinas Vega. Os jornais <strong>de</strong>sta capital transcreveram asrevelações da Platéa. Não podia, portanto, o ativo redator chefe <strong>de</strong> ANotícia, <strong>de</strong> mais a mais confi<strong>de</strong>nte íntimo <strong>do</strong> governo <strong>de</strong> então, ignoraro que era aqui divulga<strong>do</strong>, em diferentes ocasiões, por várias folhas, entreas quais o Jornal <strong>do</strong> Commercio, A Imprensa e o Correio da Manhã.***Tratava-se, naquele tempo, <strong>de</strong> operação mo<strong>de</strong>sta. O pequeno trecho<strong>do</strong> <strong>rio</strong> Acre (45 milhas, cerca <strong>de</strong> 83,3 km) e o territó<strong>rio</strong> que ele atravessa,entre a linha oblíqua Javari-Beni e o paralelo <strong>de</strong> 10º 20’ sul, seriamtransferi<strong>do</strong>s para o Brasil em troco <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> <strong>de</strong> igual superfície,pertencente ao esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Amazonas, e <strong>de</strong> um porto no Paraguai, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong>o Brasil entregar à Bolívia, durante 15 anos, a renda <strong>do</strong> Acre ou aplicá-laà construção <strong>do</strong> caminho <strong>de</strong> ferro <strong>do</strong> Ma<strong>de</strong>ira.Dizemos que a operação era mo<strong>de</strong>sta porque a maior parte <strong>do</strong> <strong>rio</strong>Acre (250 milhas ou 463 km), a mais produtiva e mais povoada <strong>de</strong>455


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCObrasileiros, continuaria a pertencer à Bolívia; no entanto, o trecho <strong>de</strong>territó<strong>rio</strong> incontestavelmente nacional que passaria à Bolívia não era <strong>de</strong>uns três mil km 2 , como agora, mas sim <strong>de</strong> 50 mil km 2 ou mais.A negociação ia por diante quan<strong>do</strong>, pela intervenção <strong>de</strong> umaesquadrilha que o governo fe<strong>de</strong>ral man<strong>do</strong>u ao Acre, se fez a pacificaçãoem proveito da Bolívia. Então, como referiu no Jornal <strong>do</strong> Commercioo escritor ministerial que se assinava “Um diplomata”, o senhor SalinasVega suspen<strong>de</strong>u a negociação, rejeitan<strong>do</strong>, em nome <strong>do</strong> seu governo, aspropostas e combinações <strong>de</strong> permuta <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s que andavam sen<strong>do</strong>estudadas.O Correio da Manhã naquele tempo era pela troca <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s quehoje con<strong>de</strong>na:Se a chancelaria brasileira [dizia na parte editorial <strong>de</strong>ssa folha o ilustre VitorinoPereira, na edição <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1902] esteve prestes a resolver o assuntocom a contraproposta <strong>do</strong> senhor Salinas Vega em condições aceitáveis, por que<strong>de</strong>ixou escapar a ocasião favorável e firmou ou manteve o protocolo <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong>1900? Se essa proposta existe, e <strong>do</strong>cumentada, por que não sustentá-la ou revivêla?Se disso não há prova, por que <strong>de</strong>ixou o ministro <strong>de</strong> se assegurar na posse <strong>do</strong><strong>do</strong>cumento tão necessá<strong>rio</strong> e importante?A solução que Vitorino Pereira e o Correio da Manhã achavam boae que aconselhavam em junho <strong>do</strong> ano passa<strong>do</strong> ficou sen<strong>do</strong> agora uma“vergonha”, uma “infâmia”, somente porque o Brasil adquire territó<strong>rio</strong>quatro vezes maior <strong>do</strong> que pedia então o governo brasileiro e transfere àBolívia três mil km 2 em vez <strong>de</strong> 50 mil km 2 .O Correio da Manhã também publicou, em 28 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong>ste ano,o telegrama circular a que ante<strong>rio</strong>rmente nos referimos, sem reprovar ai<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> compra e <strong>de</strong> troca <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s, antes aplaudin<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> quantofazia o Barão <strong>do</strong> Rio Branco e mostran<strong>do</strong>-se coerente com o que diziano tempo <strong>de</strong> Manoel Vitorino.Gil Vidal, em 8 <strong>de</strong> fevereiro, dava um artigo com o título “Vitóriadiplomática” e, no dia 9, relembran<strong>do</strong> as conquistas que o Brasilalcançara nos <strong>do</strong>is arbitramentos <strong>de</strong> Washington e Berna, dizia:Vitória igual nos espera na contenda com a Bolívia se porventura não pu<strong>de</strong>rmosresolvê-la por concessões recíprocas e tivermos <strong>de</strong> entregá-la a arbitramento.456


ARTIGOS DE IMPRENSAAinda <strong>de</strong>sta vez a estrela <strong>do</strong> Barão <strong>do</strong> Rio Branco foi propícia ao Brasil. Pareceque os céus tomaram sob o seu patrocínio esse nome a que está ligada a nossamaior obra <strong>de</strong> carida<strong>de</strong> e humanida<strong>de</strong> – a re<strong>de</strong>nção <strong>do</strong>s cativos [...]Entendia, portanto, o Correio da Manhã, em 9 <strong>de</strong> fevereiro, que<strong>de</strong>víamos procurar resolver a contenda com a Bolívia por meio <strong>de</strong>concessões recíprocas, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se, sem dúvida, nesta expressão,a permuta <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s, já aconselhada em 24 <strong>de</strong> junho <strong>do</strong> ano passa<strong>do</strong>no mesmo Correio da Manhã, ou a compra <strong>do</strong> Acre, proposta pelo atualgoverno com o intento <strong>de</strong> reduzir à expressão mais simples a nossacontribuição em territó<strong>rio</strong>.***No prece<strong>de</strong>nte artigo já explicamos que o Brasil não comprou, emfevereiro, direitos ao Bolivian Syndicate, direitos que lhe não reconheciae que, mesmo quan<strong>do</strong> fossem váli<strong>do</strong>s, não podiam, por disposiçãoclara e terminante <strong>do</strong> contrato, ser transferi<strong>do</strong>s sem o consentimento<strong>do</strong> Congresso boliviano. O que o governo brasileiro então obteve foi arenúncia pura e simples da concessão havida pelo sindicato, para assimeliminar um elemento perturba<strong>do</strong>r das negociações.Em 11 <strong>de</strong> novembro, A Notícia, ainda que <strong>de</strong> passagem, envolveu nassuas censuras essa operação, dizen<strong>do</strong> que o governo comprara por cemmil libras “o direito ilíqui<strong>do</strong> <strong>de</strong> um sindicato”. É interessante aproximar<strong>de</strong>sse juízo <strong>de</strong>sfavorável o que A Notícia tinha dito ante<strong>rio</strong>rmente, em 26<strong>de</strong> fevereiro e em 13 <strong>de</strong> março, respectivamente:[...] Referimo-nos ao que nos diz o nosso correspon<strong>de</strong>nte especial <strong>de</strong> Petrópolis,comunican<strong>do</strong>-nos a grata e importantíssima notícia <strong>de</strong> já estar terminada anegociação entabulada entre o governo brasileiro e o sindicato anglo-americano...Está removi<strong>do</strong> um gran<strong>de</strong> embaraço a que era preciso aten<strong>de</strong>r [...][...] Nos telegramas <strong>de</strong> hoje, fez-se questão, sobretu<strong>do</strong>, das negociações em virtu<strong>de</strong>das quais o Brasil obteve a <strong>de</strong>sistência <strong>do</strong> sindicato. A Bolívia reputa caduca aconcessão, por um la<strong>do</strong>; e, por outro, recusa-nos o direito <strong>de</strong> ter entabula<strong>do</strong> essasnegociações. De que a ação <strong>do</strong> governo nesse senti<strong>do</strong> foi útil são provas, porexclusão, os protestos, aliás tardios, que ela <strong>de</strong>sperta; quanto ao direito que nos é457


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOrecusa<strong>do</strong> agora, po<strong>de</strong>r-se-ia dizer que essa <strong>de</strong>sistência é, pelo menos, um elemento<strong>de</strong> facilida<strong>de</strong> para a ocupação militar que o Brasil resolveu fazer [...]***Relativamente à intervenção militar, que, em janeiro e fevereiro,o governo e a nação inteira julgaram necessária para proteger osbrasileiros <strong>do</strong> Acre, e que é hoje con<strong>de</strong>nada pelo Correio da Manhã,reproduziremos os seguintes trechos.De Gil Vidal, artigo <strong>de</strong> fun<strong>do</strong> no Correio da Manhã <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> janeiroúltimo:Já não é permiti<strong>do</strong> confiar na eficácia <strong>do</strong>s meios diplomáticos para chamar à razãoa Bolívia. Esta quer <strong>do</strong>minar o Acre pela força, levan<strong>do</strong> <strong>de</strong> vencida a resistênciaque lhe têm oposto os brasileiros ali resi<strong>de</strong>ntes. Nós não po<strong>de</strong>mos consentir naimolação <strong>do</strong>s nossos compat<strong>rio</strong>tas à ganância <strong>do</strong>s bolivianos, tanto mais quantoo territó<strong>rio</strong> é pelo menos litigioso... Temos que repelir a força pela força. Nasituação a que chegaram as coisas nada mais nos resta fazer senão o apelo àsarmas. Seria in<strong>de</strong>coroso recuar [...]Do senhor Rocha Pombo (quem, <strong>de</strong>pois, se tornou pombinha <strong>de</strong> paz,amigo da Bolívia e mais boliviano <strong>do</strong> que o general Pan<strong>do</strong> e os senhoresGuachalla e Pinilla), artigo no Correio da Manhã <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> janeiro:[...] O general Pan<strong>do</strong>... à frente <strong>de</strong> legiões, abala para o Acre, on<strong>de</strong> não maispo<strong>de</strong> tolerar que haja brasileiros que protestem, como já protestaram contra ausurpação <strong>de</strong> um territó<strong>rio</strong> que é tão nosso, pelo menos como <strong>do</strong>s bolivianos.Que virá essa expedição fazer ali on<strong>de</strong> há 20 mil brasileiros que sofrem nos seusdireitos e nos seus interesses? A que excessos está exposta toda essa inditosagente, aban<strong>do</strong>nada naqueles sertões à inclemência e ao furor <strong>de</strong> inimigos cujaúnica lei po<strong>de</strong>-se imaginar qual será lá no <strong>de</strong>solamento das florestas?Veja-se agora como são diferentes os tempos! Em 1864, bastou que compat<strong>rio</strong>tasnossos estivessem sen<strong>do</strong> vítimas <strong>de</strong> vexações no Esta<strong>do</strong> Oriental, para que umcorpo <strong>do</strong> nosso exército imediatamente transpusesse a fronteira e fosse reclamarpelas armas aquilo que se nos negava pela razão e pelo direito. Tratava-se então <strong>de</strong>brasileiros <strong>do</strong>micilia<strong>do</strong>s em outro país... Hoje, há irmãos nossos oprimi<strong>do</strong>s, trata<strong>do</strong>s458


ARTIGOS DE IMPRENSAa bala e a faca em terras que habitaram sempre, muito certos <strong>de</strong> que estavam emsua pátria e sob a proteção das leis da República... E que fizemos nós até hoje?Do mesmo pacífico senhor Rocha Pombo, no Correio da Manhã <strong>de</strong>4 <strong>de</strong> fevereiro:[...] Se os bolivianos se apo<strong>de</strong>rarem <strong>do</strong> Acre, além da ação enérgica que noscumpre exercer ali, uma represália imediata se impõe: a invasão da Bolívia porMato Grosso. Entre as nações a lei inelutável é esta, por mais que nos pese econstranja aos nossos sentimentos cristãos: <strong>de</strong>nte por <strong>de</strong>nte [...]Deixou apenas <strong>de</strong> acrescentar “olho por olho”.***Assim, o Correio da Manhã <strong>de</strong>sejou, em janeiro e em fevereiro,“ação enérgica” e imediata no Acre, para a <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s “nossos irmãosoprimi<strong>do</strong>s”, e a invasão da Bolívia por Mato Grosso. Agora, censura ogoverno porque man<strong>do</strong>u tropas para o Acre com o fim <strong>de</strong> impedir quefossem esmaga<strong>do</strong>s “os nossos irmãos oprimi<strong>do</strong>s”, que continuassemeles a ser “trata<strong>do</strong>s a bala e a faca” e que pu<strong>de</strong>ssem ser extermina<strong>do</strong>s porforças estrangeiras, quan<strong>do</strong> – como <strong>de</strong>clarou, em <strong>do</strong>cumento público,o Barão <strong>do</strong> Rio Branco –, se queríamos adquirir aquela região, não erapelo valor da terra em si, mas para que passassem a viver sob a proteçãoda ban<strong>de</strong>ira e das leis <strong>de</strong> sua pátria os brasileiros que a povoavam.Se o Correio da Manhã enten<strong>de</strong> que tropas brasileiras não <strong>de</strong>vemser mandadas, em caso <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>, para regiões insalubres, porque aconselhou isso há meses? Pois não é fazer injustiça aos nossossolda<strong>do</strong>s <strong>de</strong> hoje supor que neles o espírito <strong>de</strong> sacrifício é menor que nosda Bolívia e nos nossos veteranos <strong>do</strong> Paraguai, que souberam afrontar oimpaludismo e o cólera-morbo?***Ocupação militar, compra e permuta <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s, concessõesrecíprocas, tu<strong>do</strong> isso foi aconselha<strong>do</strong> ou aprova<strong>do</strong> durante meses pelosmesmos que hoje fazem disso outros tantos crimes <strong>do</strong> governo e se459


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOlevantam indigna<strong>do</strong>s contra o trata<strong>do</strong>. Admiráveis conselheiros <strong>do</strong> povoe mestres <strong>de</strong> pat<strong>rio</strong>tismo!Kent124) Jornal <strong>do</strong> CommercioRio <strong>de</strong> Janeiro, 21 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1903. Seção “Publicações a pedi<strong>do</strong>”.A questão <strong>do</strong> Acre e o trata<strong>do</strong> com a Bolívia III *Reservamos para hoje outro trecho <strong>do</strong> Correio da Manhã, trechoduplamente interessante, embora para o nosso propósito apenasconsi<strong>de</strong>remos, agora, um só <strong>do</strong>s seus <strong>do</strong>is aspectos.Em 28 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1902, dizia essa folha, pela pena brilhante <strong>de</strong>Manoel Vitorino Pereira:Referin<strong>do</strong>-se à revolução <strong>do</strong> Acre, afirmam as confidências <strong>do</strong> ministro (dasRelações Exte<strong>rio</strong>res) a um diplomata, que ela terminou quan<strong>do</strong> menos nosconvinha, porque, conquanto o governo fe<strong>de</strong>ral fosse inteiramente alheio a essarevolução, a resolução que por conta própria tomaram os oficiais da flotilha erainteiramente inoportuna, por isso que só em virtu<strong>de</strong> da revolução consentiu ogoverno da Bolívia na permuta <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s, já aceita pelo seu ministro.[...] Parece incrível que, como dizem as mesmas confissões, os oficiais da flotilha,que só havia si<strong>do</strong> enviada pelo governo ao Acre para o fim <strong>de</strong> proteger o livre-trânsito<strong>do</strong>s vapores mercantes brasileiros, tomassem a si a atribuição <strong>de</strong> pacificar o Acre,sem que para isso recebessem or<strong>de</strong>ns ou instruções. Da<strong>do</strong>, porém, que assim fosse,o que aliás o governo não procurou apurar, responsabilizan<strong>do</strong> os que exce<strong>de</strong>rama sua missão, nada impedia que as negociações continuassem no terreno em queestavam colocadas, tanto mais quanto os revolucioná<strong>rio</strong>s entregaram o territó<strong>rio</strong>ao governo brasileiro, representa<strong>do</strong> pela sua força armada, e fizeram lavrar <strong>de</strong>ssaentrega uma ata, na qual confiavam aos seus pacifica<strong>do</strong>res a restituição <strong>de</strong>sse pedaço<strong>do</strong> solo pát<strong>rio</strong>, que eles haviam civiliza<strong>do</strong> com a sua iniciativa e o seu trabalho, e quehaviam <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong> com o seu esforço e com o seu sangue [...]*Artigo também publica<strong>do</strong> nos seguintes periódicos: Jornal <strong>do</strong> Brasil, 22 <strong>de</strong>z. 1903; O Paiz, 22 <strong>de</strong>z. 1903;e A Tribuna, 22 <strong>de</strong>z. 1903.460


ARTIGOS DE IMPRENSAFica assim perfeitamente estabeleci<strong>do</strong>, pelas citações feitas no nossoante<strong>rio</strong>r artigo e pelo trecho acima transcrito:1) Que em 1902 o Correio da Manhã entendia ser a melhor soluçãopara as dificulda<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Acre uma permuta <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s entre oBrasil e a Bolívia.2) Que em janeiro e em fevereiro <strong>de</strong>ste ano, o Correio da Manhã soubeoficialmente e publicou – como to<strong>do</strong>s os outros jornais <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>– que o senhor Barão <strong>do</strong> Rio Branco havia proposto à Bolívia acompra <strong>do</strong>s territó<strong>rio</strong>s, em litígio ou não, povoa<strong>do</strong>s por brasileiros, eainda combinação <strong>de</strong> permuta <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s, in<strong>de</strong>nização pecuniáriae execução <strong>de</strong> velha promessa relativa à projetada via férrea <strong>do</strong>Ma<strong>de</strong>ira ao Mamoré, continuan<strong>do</strong> a dar a esse ministro, durantemeses, apoio e aprovação que, sabemos, muito o penhoraram.Depois <strong>de</strong> o haver por tal mo<strong>do</strong> anima<strong>do</strong> com os seus favores,entrou repentinamente o Correio da Manhã a qualificar <strong>de</strong> vergonha e<strong>de</strong> infâmia a compra pelo Brasil <strong>de</strong> uma região em que só há brasileiros,e <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> lesa-pátria a permuta <strong>de</strong>sigual <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s, tão <strong>de</strong>sigual(como mostravam as medidas <strong>de</strong> superfície publicadas em primeiramão no próp<strong>rio</strong> Correio), que <strong>de</strong>la resulta para o nosso país um enormeacréscimo territorial, transforma<strong>do</strong>, não obstante, nas colunas <strong>de</strong>ssafolha em “cessão <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> nacional”.Somente o senhor Rocha Pombo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros meses <strong>do</strong> ano,levava a martelar nas colunas <strong>do</strong> Correio da Manhã pelo arbitramento,como a melhor das soluções, e estafava os seus leitores com estira<strong>do</strong>s<strong>artigos</strong> no intuito <strong>de</strong> provar à Socieda<strong>de</strong> Geográfica <strong>de</strong> La Paz que olimite estipula<strong>do</strong> em 27 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1867 é o paralelo 10º 20’ sul.Esses <strong>artigos</strong> <strong>de</strong>vem ter pesa<strong>do</strong> muito no espírito <strong>do</strong> ilustre redatorchefe e proprietá<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Correio da Manhã, pois <strong>de</strong>s<strong>de</strong> novembro entroua preconizar, como solução da contenda, o arbitramento após um novoreconhecimento da nascente principal <strong>do</strong> Javari.***Quantos anos durariam essas duas campanhas, a da quarta exploraçãoda nascente <strong>do</strong> Javari e a <strong>do</strong> processo arbitral até a assinatura <strong>do</strong> lau<strong>do</strong>?461


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOPelo menos uns cinco ou seis. Quantas complicações e quantos perigospo<strong>de</strong>rão surgir durante tão largo perío<strong>do</strong> com os levantes <strong>do</strong>s povoa<strong>do</strong>resbrasileiros <strong>de</strong>ssas regiões, os conflitos entre eles e os bolivianos <strong>do</strong> Ortone Madre <strong>de</strong> Dios e as intrusões peruanas?Demais, que certeza po<strong>de</strong>ríamos ter <strong>de</strong> que sairia vence<strong>do</strong>ra, perantequalquer juiz imparcial, uma interpretação que o governo brasileiro sócomeçou a dar em princípios <strong>de</strong>ste ano, caben<strong>do</strong> à Bolívia o fácil papel<strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, contra essa recente interpretação, a outra que o mesmogoverno brasileiro havia manti<strong>do</strong> invariavelmente durante 35 anos eafirma<strong>do</strong> em numerosos <strong>do</strong>cumentos oficiais?A <strong>de</strong>fesa eficaz <strong>de</strong> uma causa em arbitramento internacional não éempresa fácil como parece a alguns. É preciso que a causa seja boa eque o advoga<strong>do</strong> saiba <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r. Uma coisa é escrever <strong>artigos</strong> às pressas,em cima da perna, para gente que leva a mandriar e não conhece e nemestuda as questões que lê; outra, muito diferente, é produzir argumentose provas que um juiz examina, esmiúça e aprofunda, por si mesmo e porauxiliares competentes.Se, por exemplo, o senhor Rocha Pombo repetisse em juízo arbitralque o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1777 estabelece uma linha <strong>de</strong> fronteira pela divisóriadas duas águas entre os <strong>rio</strong>s Ver<strong>de</strong> e Paragaú (Correio da Manhã <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong>fevereiro <strong>de</strong> 1903), os jurisconsultos e geógrafos, conselheiros <strong>do</strong> árbitro,iriam logo examinar aquele trata<strong>do</strong> e achariam, mediante simples leitura<strong>do</strong> artigo 10 o , que nele não há menção alguma <strong>de</strong>sses <strong>do</strong>is afluentesda margem esquerda ou oci<strong>de</strong>ntal <strong>do</strong> Guaporé e que ambos, portanto,à anticlinal citada, ficavam em terras da coroa da Espanha, por ser oálveo <strong>do</strong> Guaporé, a leste, a fronteira <strong>de</strong>terminada no mesmo artigo.O árbitro, então, tomaria boa nota <strong>de</strong> que o senhor Rocha Pombo – ofuturo funda<strong>do</strong>r da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba – ou tinha queri<strong>do</strong> <strong>de</strong>itarlhepoeira nos olhos, como não raro faz nos seus leitores ca<strong>rio</strong>cas, ouescrevia às vezes sem suficiente preparo. Quan<strong>do</strong>que bonus <strong>do</strong>rmitatcolumbus * .Admitamos que, no arbitramento para a interpretação <strong>do</strong> artigo 2 o <strong>do</strong>Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1867, o Brasil levasse a melhor. Estariam por isso removidasas dificulda<strong>de</strong>s que queríamos resolver? De nenhum mo<strong>do</strong>. Ao sul <strong>do</strong>paralelo <strong>de</strong> 10º 20’ – máxima pretensão <strong>do</strong>s que andavam a quebrar*O bom pombo às vezes cochila. (N. E.)462


ARTIGOS DE IMPRENSAlanças pelos “nossos irmãos oprimi<strong>do</strong>s” e a atacar o governo transato– é que corre a maior parte <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Acre, com os seus afluentes Xapuri,igarapé Bahia e outros. É precisamente nessa parte incontestavelmenteboliviana que se contam em maior número os brasileiros e asproprieda<strong>de</strong>s chamadas “barracões”. Desses estabelecimentos, que sãooutros tantos centros <strong>de</strong> população nacional, citaremos apenas Volta <strong>de</strong>Mazagão, Guarani, Paraíso, Capatará, Antunes, São João <strong>do</strong> Itu, Itu <strong>de</strong>Cima, Remanso, São Luiz, Boa União, Castilha, Floresta, Providência,Vila Nova, Natal, Perseverança, Santa Luzia, São Francisco <strong>de</strong> Iracema,Iracema <strong>do</strong> Meio, Boa Fé, São Joaquim <strong>de</strong> Iracema, In<strong>de</strong>pendência,Paumarizinho, Carão, Fonte Nova, Paumari, Extrema <strong>do</strong> Paumari,Apurimã, Soleda<strong>de</strong>, Irapurinã, Aquidabã, Novo Apurinã, Sapateiro,Equa<strong>do</strong>r, São Francisco, Irapuá, Recreio, Xapuri, Gue<strong>de</strong>s, Bosque, Flor<strong>do</strong> Ouro, Floresta, Sibéria, Oliveira, Santa Fé, Santa Vitória, Nazaré,Porvir, Belmonte e Bahia, para não alongar esta nomenclatura geográficaessencialmente brasileira.Iríamos ao arbitramento aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os proprietá<strong>rio</strong>sbrasileiros e seus emprega<strong>do</strong>s resi<strong>de</strong>ntes na zona ao sul <strong>do</strong> paralelo10º 20’, sacrifican<strong>do</strong> milhares <strong>do</strong>s “nossos irmãos oprimi<strong>do</strong>s”, que alicontinuariam a ser “trata<strong>do</strong>s a bala e a faca”, como dizia o Correio daManhã. Durante o processo arbitral, ouviríamos o grito <strong>de</strong> angústia <strong>de</strong>ssesnossos compat<strong>rio</strong>tas; logo <strong>de</strong>pois, os seus gritos <strong>de</strong> revolta e <strong>de</strong> guerra– contra o jugo estrangeiro. Então, os mestres <strong>de</strong> pat<strong>rio</strong>tismo que agoradizem ser uma inépcia a gran<strong>de</strong> aquisição territorial que o Brasil vaifazer, clamariam contra o recurso ao arbitramento e contra o aban<strong>do</strong>no<strong>do</strong>s “nossos irmãos oprimi<strong>do</strong>s”. Diriam, <strong>de</strong>ssa vez com razão, que, peloarbitramento, nada conseguíramos resolver e que todas as dificulda<strong>de</strong>scontinuavam <strong>de</strong> pé. Procurariam agitar a massa popular contra o governo econtra a Bolívia. Pediriam a “ação imediata e enérgica” no Acre bolivianoao sul <strong>do</strong> paralelo <strong>de</strong> 10° 20’ e a “invasão da Bolívia por Mato Grosso”.O conspícuo Gil Vidal, homem que não comete “inépcias” nem faz“dislates”, em vez <strong>de</strong> ficar sossega<strong>do</strong>, sairia com suas inventivas <strong>de</strong> onteme bradaria, como em 25 <strong>de</strong> janeiro último: “Nós não po<strong>de</strong>mos consentir naimolação <strong>do</strong>s nossos compat<strong>rio</strong>tas à ganância <strong>do</strong>s bolivianos... Nada maisnos resta fazer senão o apelo às armas [...]”O Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Petrópolis, se for aprova<strong>do</strong>, evitará a contingência<strong>de</strong> novos <strong>de</strong>stemperos, agitações e protestos <strong>do</strong> Acre. O trata<strong>do</strong> põe463


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOtermo à trapalhada em que andávamos meti<strong>do</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1899 e resolvehonrosamente a questão, aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> às mútuas conveniências <strong>do</strong> Brasil eda Bolívia. O arbitramento não a resolveria, haven<strong>do</strong> vá<strong>rio</strong>s fatores paraperturbar a sua marcha regular, ou daria apenas, na mais favorável dashipóteses, uma solução <strong>de</strong>morada e <strong>de</strong>ficiente.***O Acre, até pouco tempo, era, para os acusa<strong>do</strong>res <strong>do</strong> governotransato, a região mais maravilhosamente rica da América <strong>do</strong> Sul, umterritó<strong>rio</strong> cobiça<strong>do</strong> pelos americanos <strong>do</strong> norte e pelas gran<strong>de</strong>s potênciascomerciais da Europa. Era preciso a to<strong>do</strong> o custo que o Acre fosseincorpora<strong>do</strong> ao Brasil, da linha geodésica Javari-Beni à latitu<strong>de</strong> austral<strong>de</strong> 11º.O senhor Lauro Sodré, em 2 <strong>de</strong> maio <strong>do</strong> mesmo ano, exclamava noClube Militar, sen<strong>do</strong> as suas palavras cobertas <strong>de</strong> palmas entusiásticas:“A questão <strong>do</strong> Acre não é uma questão amazonense, é uma questã<strong>obras</strong>ileira!” E acrescentava: “O Acre, que há tanto tempo <strong>de</strong>safia ointeresse das nações que vivem da guerra, que é objeto <strong>de</strong> cogitações dasnações conquista<strong>do</strong>ras, é exclusivamente criação <strong>do</strong>s brasileiros. Aquelesolo fertilíssimo foram cidadãos brasileiros que o trabalharam [...]”Manoel Vitorino Pereira, no Correio da Manhã <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> outubro,escrevia:Se me não seria lícito negar aos diplomatas e governo bolivianos louvorese elogios pelo empenho que revelam em conservar para sua pátria a posse <strong>do</strong>fecun<strong>do</strong> e rico territó<strong>rio</strong>, não po<strong>de</strong>m eles estranhar que aos ministros e presi<strong>de</strong>nte<strong>do</strong> meu país eu censure a inabilida<strong>de</strong> e imprevidência com que têm concorri<strong>do</strong>para a sua perda [...]Gil Vidal, melindra<strong>do</strong> em seu amor pát<strong>rio</strong>, dizia em 14 <strong>de</strong> setembro<strong>do</strong> mesmo ano <strong>de</strong> 1902 que o Acre estava “inteiramente perdi<strong>do</strong>” paranós e que “só pela guerra o po<strong>de</strong>ríamos reconquistar”.Sem que fosse necessá<strong>rio</strong> recorrer às empresas bélicas, que a sagacida<strong>de</strong>política <strong>de</strong> Gil Vidal an<strong>do</strong>u preven<strong>do</strong>, po<strong>de</strong> agora, em breves dias, ficarincorpora<strong>do</strong> à União brasileira, não o Acre mínimo, com que ele e o senhorRocha Pombo sonhavam, mas o Acre imensamente maior, operan<strong>do</strong>-se tal464


ARTIGOS DE IMPRENSAanexação mui pacificamente, per amicabilem transactionem * , como diriaJustiniano, ou por “concessões recíprocas”, como Gil Vidal <strong>de</strong>sejava em 9<strong>de</strong> fevereiro último. O Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Petrópolis assegurará esse resulta<strong>do</strong>, quepara ficar <strong>de</strong> to<strong>do</strong> obti<strong>do</strong> só <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> agora <strong>do</strong> voto <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is CongressosLegislativos reuni<strong>do</strong>s em La Paz e no Rio <strong>de</strong> Janeiro.No entanto... mudam os tempos e transformam-se os escritores <strong>do</strong>Correio da Manhã. Aquelas florestas <strong>do</strong> Acre, por eles tão apetecidas echoradas quan<strong>do</strong> em po<strong>de</strong>r <strong>do</strong> estrangeiro, assunto ou pretexto para tantosassomos <strong>de</strong> pat<strong>rio</strong>tismo, hoje, que po<strong>de</strong>m ficar sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>finitivamentenossas, já não prestam para nada, segun<strong>do</strong> os mesmos escritores.[...] Po<strong>de</strong>ríamos observar [escreveu o senhor Rocha Pombo noCorreio da Manhã <strong>de</strong> 5 <strong>do</strong> corrente mês] que, em qualquer caso, nãofaríamos mais senão comprar muito caro terras inóspitas, quan<strong>do</strong> écerto que possuímos terras <strong>de</strong> sobra... Basta que o trata<strong>do</strong> seja repeli<strong>do</strong>por qualquer <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is Congressos e estaremos aí com o problema cadavez mais insolúvel. Mais insolúvel não seria <strong>de</strong> espantar tanto: o quefaz gelar a alma nacional é o risco <strong>de</strong> ver sem solução o problema e semmudar a conjuntura amargurante a que fomos leva<strong>do</strong>s, ten<strong>do</strong> <strong>de</strong> ficarcom o Acre como um báratro aberto, a tragar vidas e vidas... sem sesaber bem por quê nem para quê [...]O senhor Rocha Pombo, que queria intervenção militar no Acre paralibertar “os nossos irmãos oprimi<strong>do</strong>s”, que aconselhava a tomada <strong>de</strong>ssa“fertilíssima região” à viva força e a invasão da Bolívia por Mato Grosso,agora tem o <strong>de</strong>sembaraço <strong>de</strong> lamentar que fiquemos com o Acre, <strong>de</strong>dizer que “fomos leva<strong>do</strong>s” ao que chama uma “conjuntura amargurante”e <strong>de</strong> acrescentar que não sabe bem “por quê nem para quê” ficaremoscom o Acre. Não sabe por quê nem para quê? Pois releia os seus escritos<strong>de</strong> quase um ano atrás e neles achará a resposta e a explicação.***E, <strong>de</strong>pois, que polemista <strong>de</strong> truz! Com que habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> as causasque abraça! Em 5 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, no trecho ante<strong>rio</strong>rmente transcrito, mostra-se*Por transação amigável. (N. E.)465


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOaterra<strong>do</strong> com as consequências da rejeição <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> por qualquer <strong>do</strong>s <strong>do</strong>isCongressos. Em outro tópico <strong>do</strong> mesmo artigo diz: “Imaginemos, porém,que o nosso Congresso, afinal convenci<strong>do</strong> <strong>de</strong> que se trata não <strong>de</strong> cessão,mas <strong>de</strong> troca <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s, aprove o trata<strong>do</strong>: e se o Congresso boliviano nãoestiver pelos autos? Esta hipótese é talvez a mais grave <strong>de</strong> todas [...]”O senhor Rocha Pombo acha que o caso é muito grave e não po<strong>de</strong> “preveras consequências <strong>do</strong> perigo”. Entretanto, no dia 10 – cinco dias <strong>de</strong>pois – <strong>de</strong>sejaa rejeição <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> pela Bolívia, provoca o caso gravíssimo, prenhe <strong>de</strong> perigose estimula nestes termos o povo boliviano a levantar-se contra o ajusta<strong>do</strong>:Mas esquecen<strong>do</strong> por um instante a nossa <strong>de</strong>sgraça: é possível que o povo boliviano– se é que ainda há povo, como acreditamos, no alto Peru das eras passadas – <strong>de</strong>ixe,passivo e inconsciente, que se consuma este negócio escandaloso, este assombro<strong>de</strong> irrisão, no qual, se o nosso papel é <strong>de</strong> uma barbarida<strong>de</strong> atrocíssima e <strong>de</strong> um<strong>de</strong>scomunal <strong>de</strong>sdém pela pátria, a parte da Bolívia é a ofensa mais pungente aoseu pu<strong>do</strong>r <strong>de</strong> nação? Estará <strong>de</strong> to<strong>do</strong> morto na alma daquele povo o sentimentonacional, e <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> tão <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong>r, que nem mais se <strong>de</strong>va esperar <strong>de</strong>le umsimples movimento <strong>de</strong> repulsa a um atenta<strong>do</strong> <strong>de</strong> semelhante natureza?Po<strong>de</strong> dar-se melhor <strong>do</strong>cumento da <strong>de</strong>sorientação <strong>de</strong> um espírito?Que brasileiro é este que se não contenta <strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r dar lição <strong>de</strong> morale <strong>de</strong> pat<strong>rio</strong>tismo aos negocia<strong>do</strong>res brasileiro e boliviano <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong>Petrópolis e chega até a querer ser mais boliviano <strong>do</strong> que os próp<strong>rio</strong>sbolivianos? E ousa falar em “barbarida<strong>de</strong> atrocíssima” e em “<strong>de</strong>scomunal<strong>de</strong>sdém pela pátria brasileira” o homem que assim <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nha os queontem chamava <strong>de</strong> “nossos irmãos oprimi<strong>do</strong>s” e que hoje prefere ver, <strong>de</strong>novo, trata<strong>do</strong>s pelo estrangeiro “a bala e a faca”!Kent466


ARTIGOS DE IMPRENSA125) Jornal <strong>do</strong> CommercioRio <strong>de</strong> Janeiro, 23 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro. 1903. Seção “Publicações a pedi<strong>do</strong>”A questão <strong>do</strong> Acre e o trata<strong>do</strong> com a Bolívia IV *Já vimos que, em 1902, pela pena tão competente <strong>do</strong> nosso semprelembra<strong>do</strong> Manoel Vitorino Pereira, o Correio da Manhã insinuouiterativamente a conveniência <strong>de</strong> resolvermos as complicações <strong>do</strong> Acrepor meio <strong>de</strong> uma permuta <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s, permuta pura e simples, queacarreta, portanto, a transferência para a Bolívia <strong>de</strong> uma área <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>,incontestavelmente brasileiro, igual àquela sobre a qual queríamos havero <strong>do</strong>mínio eminente. Vimos também que, nos primeiros meses <strong>de</strong>ste ano,o Correio da Manhã acolheu sem nenhum comentá<strong>rio</strong> <strong>de</strong>sfavorável, antescom mui manifesta simpatia, a notícia <strong>de</strong> estar o atual ministro das RelaçõesExte<strong>rio</strong>res negocian<strong>do</strong>, ou procuran<strong>do</strong> negociar, não só sobre a indicadabase <strong>de</strong> permuta <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s, mas também, principalmente, sobre a <strong>de</strong> umain<strong>de</strong>nização pecuniária à Bolívia em razão da falta <strong>de</strong> equivalência nas áreas apermutar. Vejamos agora, nos seguintes extratos, como o mesmíssimo jornalse pronuncia hoje sobre as bases que aconselhava ou que lhe não repugnavamantes, e até que ponto eleva o diapasão das suas habituais contumélias.1) O trata<strong>do</strong> “é a vergonha <strong>de</strong> <strong>do</strong>is povos. Não é um ato diplomático,e sim uma vergonhosa transação <strong>de</strong> compra e venda emgrosso ** ” (5 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro).2) “O trata<strong>do</strong> <strong>do</strong> Acre será a mancha negra da nossa história” (9 <strong>de</strong><strong>de</strong>zembro).3) “O que se fez agora não é um trata<strong>do</strong>, não é um contrato; é, antes, umaescritura <strong>de</strong> negócio [...]” (artigo <strong>de</strong> Rocha Pombo <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro).4) “Alcançamos, a peso <strong>de</strong> ouro, 10 vezes mais <strong>do</strong> que o Impé<strong>rio</strong>– dizem os próp<strong>rio</strong>s bolivianos – alcançara em 1867 <strong>do</strong> generalMelgarejo, cuja memória, aliás, é hoje tão <strong>de</strong>testada por aquelesmesmos <strong>de</strong> quem se espera a aprovação <strong>do</strong> ímpio, sacrílegotrata<strong>do</strong> [...]” (artigo <strong>de</strong> Rocha Pombo <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro ).*Artigo também publica<strong>do</strong> nos seguintes periódicos: O Paiz, 24 <strong>de</strong>z. 1903; Jornal <strong>do</strong> Brasil, 24 <strong>de</strong>z. 1903e A Tribuna, 24 <strong>de</strong>z, 1903. (N.E.)**Por ataca<strong>do</strong>. (N. E.)467


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO5) “Para <strong>do</strong>urar a pílula, damos à impieda<strong>de</strong> uns ares <strong>de</strong> acor<strong>do</strong>legítimo, <strong>de</strong> lícita conciliação <strong>de</strong> interesses... como se se tratasse<strong>de</strong> troca <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s. Compramos as terras; os vastos latifúndios<strong>de</strong> que a caudilhagem vizinha se apropriara na zona que nos évendida [...]” (artigo <strong>de</strong> Rocha Pombo <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro).6) “O trata<strong>do</strong> seria para a Bolívia um oprób<strong>rio</strong> e, para nós, além <strong>de</strong>oprób<strong>rio</strong>, seria um <strong>de</strong>sastre talvez incalculável [...]” (10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro).7) “É uma obra <strong>de</strong>scomunalmente abusiva e compromete<strong>do</strong>ra dasnossas tradições [...]” (10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro).8) “É um crime contra nós próp<strong>rio</strong>s <strong>de</strong>sagregan<strong>do</strong> o nosso territó<strong>rio</strong>...Pois nós que nunca ce<strong>de</strong>mos a ninguém (e sob pretexto algum,por mais pon<strong>de</strong>roso que se imagine) um palmo sequer <strong>de</strong> terrapátria, vamos agora disfarçar um negócio oprob<strong>rio</strong>so entregan<strong>do</strong>à Bolívia pedaços <strong>de</strong> solo sagra<strong>do</strong>!” (10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro).9) “Porque enfrentamos com povo fraco e pobre nos erigimosem fortes para liquidar questões a golpes <strong>de</strong> força e a peso <strong>de</strong>dinheiro [...]” (10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro).10) “Dislate <strong>de</strong> uma chancelaria <strong>de</strong>smoralizada [...]” (artigo <strong>de</strong> GilVidal, scilicet * , Leão Velloso, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro).11) “Obra inepta, requintada pelo <strong>de</strong>sprezo das severida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>melindre nacional” (mesmo senhor Leão Velloso, no <strong>artigos</strong>upracita<strong>do</strong>).12) Ato <strong>de</strong> “um governo réprobo” (mesmíssimo senhor LeãoVelloso, em artigo <strong>de</strong> novembro).Ponhamos <strong>de</strong> la<strong>do</strong> os palavrões e <strong>do</strong>estos conti<strong>do</strong>s nos tópicos queacabamos <strong>de</strong> transcrever, bem como os impatrióticos incitamentos comque neles se procura resolver a Bolívia a recusar-nos uma verda<strong>de</strong>iravastidão <strong>de</strong> terras feracíssimas, trabalhadas por milhares <strong>de</strong> brasileiros.Consi<strong>de</strong>remos somente os pontos que nos interessa esclarecer.***No trecho <strong>de</strong> número 8, o senhor Rocha Pombo insiste em que “nuncace<strong>de</strong>mos a ninguém um palmo sequer <strong>de</strong> terra pátria”. Reportamo-nos ao*Isto é. (N.E.)468


ARTIGOS DE IMPRENSAque ficou dito no nosso primeiro artigo. Aí terá visto o mal-informa<strong>do</strong>autor <strong>do</strong> Compêndio da História da América que, pela Convenção <strong>de</strong> 27<strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1828, renunciamos a uma província inteira, <strong>de</strong> 187 mil km 2 , eque nas <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1837 e <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1874 estipulamospermutas <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> com o Uruguai e com o Peru. Hoje, acrescentaremosoutro trata<strong>do</strong> nosso, o concluí<strong>do</strong> em Montevidéu aos 15 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1852por Carneiro Leão (<strong>de</strong>pois marquês <strong>de</strong> Paraná) e Florentino Castellanos,no qual renunciamos, em favor <strong>do</strong> Uruguai, à meia légua <strong>de</strong> terra na foz<strong>do</strong> Cebollatí e à outra meia légua <strong>de</strong> terra na <strong>do</strong> Taquari. Não é muito, massempre é mais <strong>do</strong> que o palmo <strong>de</strong> terra <strong>de</strong> que fala o senhor Rocha Pombo.Nos trechos <strong>de</strong> números 1, 3 e 5 supratranscritos, diz-se que oTrata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Petrópolis “não é um ato diplomático”, “não é um trata<strong>do</strong>”,“não é um acor<strong>do</strong> legítimo nem uma lícita conciliação <strong>de</strong> interesses”,mas “uma vergonhosa transação <strong>de</strong> compra e venda em grosso”, uma“escritura <strong>de</strong> negócio”, “a vergonha <strong>de</strong> <strong>do</strong>is povos”. Mui pouco versa<strong>do</strong>sem direito internacional e em história política e diplomática são os queescreveram tais coisas.Não necessitamos <strong>de</strong> recorrer a jurisconsultos estrangeiros paramostrar que é muito regular e legítima, em direito, a aquisição <strong>de</strong>rivativaque o Brasil vai fazer, e muito usual, nas relações internacionais, atransação a que chegaram os <strong>do</strong>is governos, <strong>do</strong> Brasil e da Bolívia.Temos prata <strong>de</strong> casa.Abramos o tomo 1 <strong>do</strong>s Princípios <strong>de</strong> Direito Internacional <strong>do</strong>conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira (Rio, 1902):§ 92 Constituem títulos legítimos <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> os trata<strong>do</strong>s e asconvenções que pertencem à classe daqueles pelos quais se transferem direitose que se po<strong>de</strong>m reduzir aos seguintes: cessão gratuita, compra e venda, permuta,transação, partilha, <strong>de</strong>marcação <strong>de</strong> limites [...]A compra e venda, como mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> cessão <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s entre as nações, tem si<strong>do</strong>usada ainda em tempos recentes [...]§194 Muitas vezes um Esta<strong>do</strong>, ou sob a pressão das circunstâncias em que seacha, ou por interesses e conveniências <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m política, administrativa oueconômica, é leva<strong>do</strong> a ce<strong>de</strong>r a outro uma parcela <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>, uma certa região,ilhas ou possessões remotas.469


ARTIGOS DE IMPRENSAa transferência <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s pu<strong>de</strong>sse ser cotada pela sua extensão, onosso <strong>de</strong>sembolso, a julgar pela operação que fez a Alemanha em 1899,<strong>de</strong>veria ser agora <strong>de</strong> mais £76.355.000, em vez <strong>de</strong> £2.000.000.O outro trata<strong>do</strong> é mais interessante. As suas linhas gerais ficaramcombinadas e assentadas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1859, na célebre Conferência<strong>de</strong> Plombières, entre o gran<strong>de</strong> Cavour e Napoleão III, embora o trata<strong>do</strong> sófosse assina<strong>do</strong> oito meses <strong>de</strong>pois. Por ele, e com assentimento das Câmaraspiemontesas, o rei Galantuomo ce<strong>de</strong>u a Sabóia, berço da sua dinastia, e a Nice,pátria <strong>de</strong> Garibaldi, ao impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s franceses. Prevaleceu em Turim a razão<strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>. Cavour enten<strong>de</strong>u <strong>de</strong>ver aban<strong>do</strong>nar à França esses 15.190 km 2 <strong>de</strong>terra encanta<strong>do</strong>ramente bela para conseguir a anexação ao Piemonte <strong>do</strong> reinolombar<strong>do</strong>-veneziano e po<strong>de</strong>r prosseguir na gran<strong>de</strong> obra da unificação da Itália.Na história da América, há vá<strong>rio</strong>s exemplos <strong>de</strong> trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> cessão,<strong>de</strong> permuta e <strong>de</strong> compra e venda <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s. Já citamos os concluí<strong>do</strong>spelo Brasil. Vejamos os celebra<strong>do</strong>s pela República <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s,a qual, principalmente por compra, conseguiu adquirir a maior parte <strong>do</strong>territó<strong>rio</strong> que hoje possui.1) Na presidência <strong>de</strong> Thomas Jefferson: Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Paris, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong>abril <strong>de</strong> 1803, com a República Francesa, negocia<strong>do</strong> por JamesMonroe e Robert Livingston.Nesse instrumento ficou estipulada a venda aos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, pelogoverno <strong>de</strong> Napoleão Bonaparte, da Louisiana, cuja população brancaera toda <strong>de</strong> origem e língua francesa. Custou essa aquisição territorialao compra<strong>do</strong>r 16 milhões <strong>de</strong> dólares, ou 80 milhões <strong>de</strong> francos, ou£3.200.000. A renda fe<strong>de</strong>ral em 1803 era apenas <strong>de</strong> US$11.604.000.Portanto, se o sacrifício que agora vamos fazer em dinheiro fosseproporciona<strong>do</strong> ao que então fizeram os americanos <strong>do</strong> norte, em vez <strong>de</strong>40 mil contos, teríamos que <strong>de</strong>spen<strong>de</strong>r 422 mil.2) Na presidência <strong>de</strong> James Monroe: Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> fevereiro<strong>de</strong> 1819, negocia<strong>do</strong> pelo seu secretá<strong>rio</strong> <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> John QuincyAdams, sexto presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s.Da fixação <strong>de</strong> fronteiras estipulada nesse trata<strong>do</strong> resultou a cessãofeita à Espanha da parte oci<strong>de</strong>ntal da Louisiana, comprada pelos Esta<strong>do</strong>s471


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOUni<strong>do</strong>s em 1803, e a aquisição, por esta República, das duas Flóridas, aoriental e a oci<strong>de</strong>ntal, comprometen<strong>do</strong>-se o governo americano a pagarreclamações no valor <strong>de</strong> US$6.500.000, ou £1.300.000.3) Na presidência <strong>de</strong> John Tyler (“em cujo perío<strong>do</strong> nada ocorreu <strong>de</strong>notável”, segun<strong>do</strong> o senhor Rocha Pombo, não sen<strong>do</strong>, portanto,fato notável para este escritor a anexação <strong>do</strong> Texas): trata<strong>do</strong><strong>de</strong> limites com a Grã-Bretanha, no qual foram admitidas “asequivalências e compensações que pareceram justas e razoáveis”,diz o preâmbulo (“[...] such equivalents and compensations as are<strong>de</strong>emed just and reasonable [...]”). Foram negocia<strong>do</strong>res o célebreDaniel Webster, então secretá<strong>rio</strong> <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>, e o lor<strong>de</strong> Ashburton.Em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse trata<strong>do</strong>, passou para o Canadá um territó<strong>rio</strong> <strong>de</strong>14.806 km 2 , o qual estava em litígio entre os esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Maine e <strong>de</strong>Massachussetts, no ângulo nor<strong>de</strong>ste <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, ganhan<strong>do</strong>estes um pequeno trato na fronteira <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Nova York.4) Na presidência <strong>de</strong> James Polk: trata<strong>do</strong> com a Grã-Bretanha,concluí<strong>do</strong> em Washington aos 17 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1846, negocia<strong>do</strong>por James Buchanan, então secretá<strong>rio</strong> <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>, 15 o presi<strong>de</strong>nte.Esse trata<strong>do</strong> dividiu entre os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e a Grã-Bretanha oimenso territó<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Oregon, que estava em litígio.5) Na mesma presidência <strong>de</strong> James Polk: Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Paz, Amiza<strong>de</strong>e Limites assina<strong>do</strong> em Guadalupe-Hidalgo, no dia 2 <strong>de</strong> fevereiro<strong>de</strong> 1848. O negocia<strong>do</strong>r americano foi Nicholas P. Trist.Os exércitos <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> várias vitórias,ocupavam a Cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> México e gran<strong>de</strong> parte <strong>do</strong> país. Esquadrasamericanas bloqueavam os portos <strong>de</strong>ssa nação. O governo americano,jure victoriae * , po<strong>de</strong>ria ter anexa<strong>do</strong> à União os vastos territó<strong>rio</strong>s daCalifórnia e <strong>do</strong> Novo México, que lhe convinham. Preferiu comprá-los,custan<strong>do</strong>-lhe a aquisição o seguinte:*Por direito <strong>de</strong> conquista (N. E.)472


ARTIGOS DE IMPRENSADólaresLibrasTransferência <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio (artigo 12) 15.000.000 3.000.000Pagamento que tomou a si <strong>de</strong> reclamaçõesestrangeiras contra o México (artigo 13), semque levemos aqui em conta os juros 1.700.000 340.000Pagamento que prometeu fazer aos americanos quetinham reclamações contra o México (artigo 15) 8.250.000 650.00024.950.000 3.990.000Adicionan<strong>do</strong> as <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> guerra 63.000.000 12.600.000Total 87.950.000 16.590.0006) Na presidência <strong>de</strong> Franklin Pierce: trata<strong>do</strong> concluí<strong>do</strong> na Cida<strong>de</strong><strong>do</strong> México em 30 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1853, sen<strong>do</strong> negocia<strong>do</strong>ramericano James Gods<strong>de</strong>n.Objeto único <strong>do</strong> trata<strong>do</strong>: compra pelos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e venda peloMéxico <strong>do</strong> Vale <strong>de</strong> Mesilla e <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> ao sul <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Gila (ArizonaMeridional). O preço pago foi <strong>de</strong> £2.000.000.Notemos <strong>de</strong> passagem, em primeiro lugar, que a superfície <strong>do</strong>territó<strong>rio</strong> então adquiri<strong>do</strong> pelos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s era <strong>de</strong> 117.840 km 2 ,muito menor portanto <strong>do</strong> que a <strong>do</strong>s que vão entrar agora para o nossopatrimônio; em segun<strong>do</strong> lugar que, salvo o pequeno vale <strong>de</strong> Mesilla,tu<strong>do</strong> o mais formava o chama<strong>do</strong> <strong>de</strong>serto <strong>de</strong> Gila, só percorri<strong>do</strong> poralguns índios selvagens e cuja população, 17 anos <strong>de</strong>pois, em 1870,orçava apenas por 9.600 habitantes, ao passo que os territó<strong>rio</strong>s que nosvão advir contêm uma população <strong>de</strong> 60 mil brasileiros labo<strong>rio</strong>sos.7) Na presidência <strong>de</strong> Andrew Johnson: Convenção <strong>de</strong> Washington,<strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1867, com a Rússia, sen<strong>do</strong> negocia<strong>do</strong>ramericano o secretá<strong>rio</strong> <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> H. Seward.Compra <strong>do</strong> Alaska e das ilhas adjacentes por US$7.200.000 ou£1.440.000.473


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO8) Na presidência <strong>de</strong> William Mckinley: Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Paz com aEspanha, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1898, negocia<strong>do</strong> em Paris.No artigo 3 o se encontra a estipulação relativa à cessão das ilhasFilipinas aos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, mediante in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong> 20 milhões <strong>de</strong>dólares ou <strong>de</strong> quatro milhões <strong>de</strong> libras esterlinas; no artigo 4 o , a cláusularelativa a favores comerciais concedi<strong>do</strong>s à Espanha; no 7 o , a obrigaçãoque assumem os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s <strong>de</strong> julgar e liquidar as reclamações <strong>do</strong>sseus nacionais contra a Espanha. Sem levar em conta gastos que estaúltima cláusula acarretou, os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s <strong>de</strong>spen<strong>de</strong>ram:DólaresLibrasCompra das Filipinas 20.000.000 4.000.000Despesas <strong>de</strong> guerra 195.000.000 39.000.000Total 215.000.000 43.000.000Deve-se acrescentar que também a ilha <strong>de</strong> Porto Rico foi entãocedida aos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s pela Espanha, por imposição <strong>do</strong> vence<strong>do</strong>r.***Temos, portanto, que os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s concluíram cinco trata<strong>do</strong>s<strong>de</strong> compra e venda <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s com a França, com o México, com aRússia e com Espanha (n os 1, 5, 6, 7 e 8 supracita<strong>do</strong>s); um trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> queresultou permuta <strong>de</strong>sigual <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s, completada por uma soma <strong>de</strong>dinheiro (n o 2, com a Espanha); outro trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> limites <strong>de</strong> que resultoutambém permuta <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s (n o 3, com a Grã-Bretanha); um trata<strong>do</strong><strong>de</strong> divisão <strong>de</strong> vastíssimo territó<strong>rio</strong> em litígio, sobre o qual o governoamericano havia sempre afirma<strong>do</strong> ter direito incontestável (n o 4, com aGrã-Bretanha).***Depois <strong>do</strong> exposto e em vista das autorida<strong>de</strong>s e <strong>do</strong>s exemploscita<strong>do</strong>s, o leitor certamente convirá conosco que os escritores <strong>do</strong> Correioda Manhã são um tanto imo<strong>de</strong>stos quan<strong>do</strong>, a propósito <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong>474


ARTIGOS DE IMPRENSA<strong>de</strong> Petrópolis, vituperam os negocia<strong>do</strong>res brasileiros e bolivianos epensam po<strong>de</strong>r dar lições <strong>de</strong> direito internacional, <strong>de</strong> direito diplomático,<strong>de</strong> pat<strong>rio</strong>tismo, <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong> e honra a homens como os presi<strong>de</strong>ntesRodrigues Alves e general Pan<strong>do</strong> e os plenipotenciá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> Brasil e daBolívia, senhores <strong>barão</strong> <strong>do</strong> Rio Branco, Assis Brasil, Guachalla e Pinilla.Os <strong>do</strong>is presi<strong>de</strong>ntes e os quatro plenipotenciá<strong>rio</strong>s têm em seufavor as provas já feitas em sua não curta vida pública, assim como osexemplos <strong>de</strong> Thomas Jefferson, James Monroe, Napoleão Bonaparte,John Quincy Adams, Daniel Webster, James Buchanan, Franklin Pierce,con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cavour, H. Seward e muitos outros.Kent126) Jornal <strong>do</strong> CommercioRio <strong>de</strong> Janeiro, 1 o <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1904. Seção “Publicações a pedi<strong>do</strong>”.O Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> PetrópolisComo ainda nestes últimos dias alguns jornalistas têm contesta<strong>do</strong> aogoverno fe<strong>de</strong>ral e ao Congresso o direito <strong>de</strong> negociar e <strong>de</strong> aprovar trata<strong>do</strong>sda natureza <strong>do</strong> <strong>de</strong> Petrópolis, parece-nos conveniente reproduzir o notávelartigo que, sob o título <strong>de</strong> “Soberania e Acre”, publicou na parte editorial <strong>do</strong>Jornal <strong>do</strong> Commercio, a 20 <strong>de</strong> novembro último, o eminente jurisconsulto<strong>do</strong>utor J. Isi<strong>do</strong>ro Martins Junior, catedrático na nossa Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito<strong>do</strong> Recife. Nesse artigo, sustenta ele a mesma <strong>do</strong>utrina que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u noCongresso Jurídico Americano, em 1900, no qual ficou vence<strong>do</strong>ra, porquase unanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votos, entre os quais os <strong>do</strong>s sena<strong>do</strong>res Gomes <strong>de</strong>Castro e Coelho <strong>de</strong> Campos, <strong>do</strong>s <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s Luiz Domingues, HenriqueSalles, João Vieira, Sá Freire, João Luiz Alves e Paranhos Montenegro, <strong>do</strong>sex-sena<strong>do</strong>res Ubaldino <strong>do</strong> Amaral, Coelho Rodrigues, Gonçalves Chaves eAmaro Cavalcanti, <strong>do</strong>s ex-<strong>de</strong>puta<strong>do</strong>s Xavier da Silveira e Pinto da Rochae <strong>do</strong>s professores <strong>de</strong> Direito Carlos Gusmão, Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Melo, LimaDrummond, Inglês <strong>de</strong> Souza e Souza Ban<strong>de</strong>ira.Outras ocupações nos impe<strong>de</strong>m neste momento <strong>de</strong> tomar emconsi<strong>de</strong>ração as objeções que a esse e a outros respeitos têm si<strong>do</strong>475


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOformuladas nos últimos dias. Aos que se espantam com o fato <strong>de</strong> queo governo <strong>de</strong> um Esta<strong>do</strong> fe<strong>de</strong>ral e o Congresso <strong>do</strong>s Representantes <strong>de</strong>uma nação assim constituída, sem consulta prévia aos cantões ou aosesta<strong>do</strong>s particulares, forma<strong>do</strong>res da União, disponham <strong>de</strong> pequenasnesgas <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> nacional, bastará afirmar por hoje que o governo eo Congresso em um Esta<strong>do</strong> fe<strong>de</strong>ral têm o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r não só trechos<strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> nas fronteiras, mas também um esta<strong>do</strong> inteiro, em casoextremo, como medida <strong>de</strong> salvação pública ou <strong>de</strong> interesse da toda anação, como ensinam jurisconsultos <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s da América.Mesmo na Suíça, a competência <strong>do</strong> governo fe<strong>de</strong>ral e da AssembleiaFe<strong>de</strong>ral é reconhecida para celebrar trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> retificação <strong>de</strong> limites.Assim aconteceu no caso da negociação <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> com a Françarelativo à fronteira entre o Mont Dolent e o lago Leman, caso em que oConselho Fe<strong>de</strong>ral recusou a solicitada intervenção <strong>do</strong> cantão <strong>do</strong> Valais,respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que as fronteiras com o estrangeiro eram fronteiras daSuíça, e não <strong>do</strong>s cantões. As duas câmaras chamadas <strong>de</strong> Conselho <strong>do</strong>sEsta<strong>do</strong>s e Conselho Nacional, que formam a Assembleia Fe<strong>de</strong>ral suíça,sancionaram tal <strong>do</strong>utrina, apesar <strong>do</strong>s protestos <strong>do</strong>s representantes <strong>do</strong>Valais.Vai em seguida o magistral estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>do</strong>utor Martins Junior 16 .Kent127) O PaizRio <strong>de</strong> Janeiro, 18 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1904O acor<strong>do</strong> provisó<strong>rio</strong> a que acaba <strong>de</strong> chegar o governo brasileiro como <strong>do</strong> Peru serviu <strong>de</strong> pretexto a novos ataques <strong>de</strong> Gil Vidal, no Correioda Manhã, <strong>de</strong> ontem, contra o senhor ministro das Relações Exte<strong>rio</strong>res.Preten<strong>de</strong> Gil Vidal que esse acor<strong>do</strong> fosse a solução que ele indicava noseu editorial <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> maio último e que o senhor Barão <strong>do</strong> Rio Branconão queria admitir então.16Estu<strong>do</strong> intitula<strong>do</strong> “Soberania e Acre”, publica<strong>do</strong> no Jornal <strong>do</strong> Commercio <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1903.476


ARTIGOS DE IMPRENSAPassaram-se <strong>do</strong>is meses e alguns dias [escreve o infatigável censor da nossachancelaria] e, afinal, aparece, promovi<strong>do</strong> pelo senhor Rio Branco e por elefirma<strong>do</strong> um acor<strong>do</strong> consigna<strong>do</strong>, nas suas linhas gerais, a solução que entãopreconizávamos; e, ainda antes das forças peruanas <strong>de</strong>socuparem o territó<strong>rio</strong>que invadiram, a <strong>de</strong>speito <strong>do</strong> que, em contrá<strong>rio</strong>, solenemente protestou na suamensagem o presi<strong>de</strong>nte da República, entramos em negociações que <strong>de</strong>ram emresulta<strong>do</strong> os <strong>do</strong>is protocolos agora combina<strong>do</strong>s.O senhor presi<strong>de</strong>nte da República, seja dito <strong>de</strong> passagem, não<strong>de</strong>clarou na sua mensagem que o Brasil se recusava a negociar algumacor<strong>do</strong> provisó<strong>rio</strong>, honroso para as duas partes, antes <strong>de</strong> evacua<strong>do</strong>s pelasforças peruanas os territó<strong>rio</strong>s que invadiram. O que disse foi isto:Depois <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> novembro último, pô<strong>de</strong> o Peru negociar separadamentee resolver com menos dificulda<strong>de</strong> as suas questões <strong>de</strong> limites com o Brasil e com aBolívia. Os direitos que ele preten<strong>de</strong> ter ficaram ressalva<strong>do</strong>s, e não nos recusamos<strong>de</strong> mo<strong>do</strong> algum a tomar conhecimento das suas alegações. Não entraremos,porém, nessa negociação antes <strong>de</strong> retira<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>stacamentos militares que ogoverno <strong>do</strong> Peru man<strong>do</strong>u para o alto Juruá e para o alto Purus. Não po<strong>de</strong>mostolerar que durante o litígio [levanta<strong>do</strong>], cujos fundamentos nos são <strong>de</strong> to<strong>do</strong><strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>s, venham autorida<strong>de</strong>s peruanas governar populações brasileirasque viviam tranquilamente nessas paragens.Essa <strong>de</strong>claração <strong>do</strong> senhor presi<strong>de</strong>nte da República foi respeitada noacor<strong>do</strong> agora concluí<strong>do</strong>. Houve discussão entre a nossa chancelaria e alegação <strong>do</strong> Peru para um acor<strong>do</strong> provisó<strong>rio</strong> ou modus vivendi no Juruáe no Purus, mas não sobre a questão <strong>de</strong> limites, que <strong>de</strong>veria, e vai, serexaminada proximamente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter <strong>de</strong>sisti<strong>do</strong> o Peru <strong>de</strong> governar,durante o litígio, populações brasileiras.Em 8 <strong>de</strong> maio, a legação <strong>do</strong> Peru propunha ao nosso governo aneutralização <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o territó<strong>rio</strong> que nos reclama, isto é, <strong>do</strong> que seesten<strong>de</strong> ao sul <strong>do</strong> paralelo ao Equa<strong>do</strong>r, traça<strong>do</strong> da nascente <strong>do</strong> Javari aoMa<strong>de</strong>ira, linha essa <strong>do</strong> caduco Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1777 entre Portugal e Espanha.As autorida<strong>de</strong>s e as forças brasileiras e peruanas que se achassemnesse vastíssimo territó<strong>rio</strong>, em que se contam centenas <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s, vilase povoa<strong>do</strong>s brasileiros, <strong>de</strong>veriam ser retiradas para dar lugar a umaadministração mista.477


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOO senhor Barão <strong>do</strong> Rio Branco <strong>de</strong>clarou imediatamente que talproposta era inaceitável, e, como meio <strong>de</strong> conciliação, propôs quefossem neutraliza<strong>do</strong>s apenas <strong>do</strong>is trechos <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>: um na bacia<strong>do</strong> alto Juruá, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as cabeceiras <strong>de</strong>sse <strong>rio</strong> até a confluência <strong>do</strong> Breu;outro, na bacia <strong>do</strong> alto Purus, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o paralelo <strong>de</strong> 11 o até a confluência<strong>do</strong> Manuel Urbano, no Purus.O que Correio da Manhã aconselhou no dia 9 foi coisa muito diversa:foi precisamente o que o Peru propunha no dia 8, isto é, a neutralização<strong>de</strong> to<strong>do</strong> o territó<strong>rio</strong> em litígio.Eis o que escreveu então Gil Vidal:Mostran<strong>do</strong>, porém, o Peru disposições sinceras para uma solução honrosa, que olivre e a nós da calamida<strong>de</strong> da guerra, não haveria razão para <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>um modus vivendi durante as negociações. Neste modus vivendi se po<strong>de</strong>ria regulara situação <strong>do</strong>s territó<strong>rio</strong>s contesta<strong>do</strong>s, sua administração e policiamento, <strong>de</strong> sorteque não se melindrassem os países litigantes, e peruanos e brasileiros vivessemseguros e tranquilos naquelas regiões.Como se vê, Gil Vidal não aplicava o seu modus vivendi somenteaos <strong>do</strong>is pequenos trechos <strong>do</strong> alto Juruá e <strong>do</strong> alto Purus, on<strong>de</strong> não háestabelecimentos <strong>de</strong> brasileiros, mas a to<strong>do</strong>s “os territó<strong>rio</strong>s contesta<strong>do</strong>s”.Só em mea<strong>do</strong>s <strong>de</strong> junho, segun<strong>do</strong> nos consta, o Peru concor<strong>do</strong>una proposta <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> maio <strong>do</strong> senhor Rio Branco, com uma ligeiramodificação, e assim po<strong>de</strong> ser agora assina<strong>do</strong> o protocolo censura<strong>do</strong>.É simples coincidência, mas Gil Vidal esteve <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a legaçãoperuana quan<strong>do</strong> esta propunha a discussão conjunta das três questões <strong>de</strong>limites por plenipotenciá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> Brasil, <strong>do</strong> Peru e da Bolívia. Esteve<strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com ela na proposta <strong>de</strong> arbitramento sem discussão e aindaagora censura o senhor Rio Branco por não ter aceita<strong>do</strong> essas propostas.A<strong>de</strong>mais, combinou perfeitamente com a mesma legação, quan<strong>do</strong> ela,em 8 <strong>de</strong> maio, propôs a neutralização geral <strong>do</strong>s territó<strong>rio</strong>s contesta<strong>do</strong>s.478


ARTIGOS DE IMPRENSA128) O PaizRio <strong>de</strong> Janeiro, 18 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1905Censuras Platinas *O nosso ilustre colega <strong>do</strong> Jornal <strong>do</strong> Brasil <strong>de</strong>u-nos em sua edição <strong>de</strong>anteontem largos extratos <strong>de</strong> um artigo <strong>de</strong> La Prensa, <strong>de</strong> Buenos Aires,assinaladamente <strong>de</strong>sagradável para o Brasil. Temos agora à vista o texto<strong>de</strong>sse artigo, que pedimos pelo telégrafo ao nosso correspon<strong>de</strong>nte emBuenos Aires, e não nos <strong>de</strong>vemos furtar a emitir as consi<strong>de</strong>rações que elenos sugere. Obsedada por uma sorte <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ia fixa, La Prensa começa esseartigo, intitula<strong>do</strong> “El Brasil en el continente”, repetin<strong>do</strong> observações que jáfizera sobre a projetada reorganização naval <strong>do</strong> Brasil. Afirma aos jornaisfluminenses que a <strong>imprensa</strong> <strong>de</strong> Buenos Aires não se alarma com o armamentonaval que o Brasil prepara, apenas aconselha o governo argentino que imiteo bom exemplo que dá o Brasil para a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> seus interesses.Desse assunto já tratou O Paiz com muita largueza. Seria, porém,conveniente repetir alguma coisa <strong>do</strong> que já disse. Até 1893, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a suaIn<strong>de</strong>pendência, o Brasil foi sempre a primeira potência naval da América<strong>do</strong> Sul; no entanto, nem mesmo no tempo em que a esquadra Argentinase compunha apenas <strong>do</strong>s vapores Guardia Nacional e Pavón, a Armadabrasileira foi uma ameaça ou um perigo para a República argentina. Mesmonaquele tempo, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> melhor <strong>do</strong> que certos políticos argentinos osverda<strong>de</strong>iros interesses <strong>de</strong>sta parte <strong>do</strong> continente, procurávamos e queríamosa amiza<strong>de</strong> e a aliança argentina. Po<strong>de</strong>-se dizer com segurança que sem anossa vitória naval <strong>de</strong> Riachuelo (atribuída pela La Prensa, em 11 <strong>de</strong> junhoúltimo, ao prático Bernardino) a esquadra e os exércitos <strong>de</strong> Solano Lópezteriam facilmente chega<strong>do</strong> até Buenos Aires. Nestes últimos 15 anos, causassobejamente conhecidas <strong>de</strong>terminaram o enfraquecimento <strong>do</strong> Exército e daMarinha <strong>de</strong> Guerra <strong>do</strong> Brasil. A revolta <strong>de</strong> uma parte da esquadra em 1893fez a nossa Marinha <strong>de</strong>cair <strong>do</strong> primeiro para o terceiro plano. Enquanto issoacontecia, a Argentina c<strong>rio</strong>u rapidamente uma po<strong>de</strong>rosa esquadra.Não lhe pedimos contas por isso e não nos assustamos com tão gran<strong>de</strong>aumento <strong>do</strong> seu po<strong>de</strong>r naval. Agora, tratamos apenas <strong>de</strong> reconquistar em*Artigo também publica<strong>do</strong> no seguinte periódico: Jornal <strong>do</strong> Commercio, 19 jan. 1905. (N.E.)479


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOparte a posição perdida e <strong>de</strong>víamos esperar que a <strong>imprensa</strong> argentinaimitasse a calma e a segurança que mostramos quan<strong>do</strong> o seu país searmava. Temos um litoral imenso e um vasto sistema <strong>de</strong> comunicaçõesfluviais a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r e a proteger. Não po<strong>de</strong>mos prescindir <strong>de</strong> esquadra,e se a República Argentina enten<strong>de</strong>r que a sua não <strong>de</strong>ve ser infe<strong>rio</strong>r ànossa, não nos queixaremos ou gritaremos por isso.Na previsão <strong>de</strong> futuros perigos, é conveniente que as três maioresRepúblicas da América <strong>do</strong> Sul – o Brasil, a Argentina e o Chile – se ponhamem bom pé <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa. Mais importante, porém, é que, pelas <strong>obras</strong> <strong>de</strong> paz,<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> meio século, elas sejam três gran<strong>de</strong>s e po<strong>de</strong>rosas nações, prósperase ricas. O general Roca, estadista <strong>de</strong> vistas largas, compreendia isso, quan<strong>do</strong>pôs um para<strong>de</strong>iro aos armamentos argentinos e, rompen<strong>do</strong> com a política <strong>de</strong><strong>de</strong>sconfianças e ódios, procurou unir em um gran<strong>de</strong> pensamento <strong>de</strong> concórdiaa Argentina, o Brasil e o Chile. Em 1903, no <strong>de</strong>senvolvimento lógico dasi<strong>de</strong>ias que <strong>de</strong>fendia, esforçou-se ele para que o Brasil igualasse imediatamenteas suas forças navais às da Argentina e <strong>do</strong> Chile, adquirin<strong>do</strong> os navios que asduas repúblicas tinham em construção nos estaleiros da Europa.La Prensa vê no nosso projeto <strong>de</strong> lenta reconstituição naval e na criaçãoda embaixada brasileira em Washington a pretensão <strong>de</strong> firmar a nossahegemonia no continente. Atribuiu-nos aquilo que ela <strong>de</strong>seja para o seu país eque nunca preten<strong>de</strong>mos. Não andamos procuran<strong>do</strong> influir na vida interna ouna política <strong>do</strong>s povos vizinhos. O Brasil não exporta revoluções para os outrospaíses <strong>do</strong> continente, não só porque enten<strong>de</strong> que essa exportação é perigosa,pois alimenta na própria casa o espírito revolucioná<strong>rio</strong>, mas também porqueos continua<strong>do</strong>s pronunciamentos e guerras civis <strong>de</strong>sacreditam esta parte<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e fazem falar, na Europa e nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, das “turbulentasRepúblicas da América <strong>do</strong> Sul.” La Prensa é jornal que an<strong>do</strong>u sempre aassanhar ódios contra o Brasil e contra o Chile, contrarian<strong>do</strong> assim a política<strong>de</strong> congraçamento a que se consagrou o general Roca.Tomou sempre parti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s adversá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> Chile e <strong>do</strong> Brasil. Porisso, volta a falar na nossa questão finda com a Bolívia, sobre queescreveu tantos <strong>de</strong>spropósitos, e sobre a nossa questão com o Peru, <strong>de</strong>que também tem trata<strong>do</strong> sem nenhum conhecimento <strong>de</strong> causa, aceitan<strong>do</strong>tu<strong>do</strong> quanto lhe impinge qualquer jovem peruano, que, para se dar porerudito, remonta ao Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Tor<strong>de</strong>silhas.A questão com a Bolívia terminou, fican<strong>do</strong> essa República satisfeitacom as gran<strong>de</strong>s e valiosas compensações que lhe <strong>de</strong>mos para salvar os480


ARTIGOS DE IMPRENSAnossos nacionais da <strong>do</strong>minação estrangeira e para livrá-la <strong>do</strong>s estéreissacrifícios que andava a fazer no Acre. A questão com o Peru é naturalque acabe também pacífica e honrosamente. O Peru é um país que temquestões com to<strong>do</strong>s os seus vizinhos e que até aqui não as tem podi<strong>do</strong>resolver, tão extraordinárias e exageradas são as suas pretensões. Como Brasil, assinou um trata<strong>do</strong> <strong>de</strong>finitivo <strong>de</strong> limites em 1851, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>reconhecer a nulida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> Preliminar, ou Provisó<strong>rio</strong>, <strong>de</strong> 1777, e,expressamente, que era o uti possi<strong>de</strong>tis que <strong>de</strong>via regular a <strong>de</strong>terminaçãoda fronteira <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is países. Estipulan<strong>do</strong> então o limite <strong>do</strong> Javari, admitiuipso facto que nada possuía a leste <strong>de</strong>sse <strong>rio</strong>, nas bacias <strong>do</strong> Juruá e <strong>do</strong>Purus. Apesar disso, é basea<strong>do</strong> unicamente no caduco Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1777que o Peru nos reclama 440 mil km 2 <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> em que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> longadata estão estabeleci<strong>do</strong>s mais <strong>de</strong> cem mil brasileiros, mas que trabalham,há apenas alguns anos, uns <strong>do</strong>is mil caucheiros peruanos <strong>de</strong> passagem.Porque nos não apressamos a ce<strong>de</strong>r às exigências peruanas, La Prensalança sobre nós os raios <strong>de</strong> sua con<strong>de</strong>nação!O que, porém, estomagou seriamente La Prensa foi a recentecriação <strong>de</strong> uma embaixada brasileira em Washington. Viu nisso umaofensa às outras Repúblicas da América Latina. Algumas <strong>de</strong>las, diz, hãotalvez fazer sentir o seu <strong>de</strong>sagra<strong>do</strong> por essa situação <strong>de</strong> “infe<strong>rio</strong>rida<strong>de</strong>representativa em Washington”.Não se po<strong>de</strong> imaginar <strong>de</strong>sabafo mais insensato. Entenda-se La Prensaa esse respeito com o presi<strong>de</strong>nte Roosevelt e com os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s daAmérica, que resolveram estabelecer uma embaixada americana no Rio<strong>de</strong> Janeiro, como já tinham uma no México.Que queria La Prensa que fizéssemos? Que lhe pedíssemos licençapara po<strong>de</strong>r correspon<strong>de</strong>r à fineza da nossa gran<strong>de</strong> irmã <strong>do</strong> norte,elevan<strong>do</strong> também a categoria <strong>do</strong> nosso representante em Washington?Julgou-se a República Argentina alguma vez ofendida pelo fato <strong>de</strong> tero México um embaixa<strong>do</strong>r em Washington? Acredita La Prensa que emMontevidéu, por exemplo, on<strong>de</strong> a República Argentina tem um envia<strong>do</strong>extraordiná<strong>rio</strong> e ministro plenipotenciá<strong>rio</strong>, e a Grã-Bretanha um simplesministro resi<strong>de</strong>nte, esta gran<strong>de</strong> potência fica valen<strong>do</strong> menos <strong>do</strong> que aRepública Argentina? Em Paris, Londres, Berlim, Viena e Roma, on<strong>de</strong> aRepública Argentina mantém envia<strong>do</strong>s extraordiná<strong>rio</strong>s e mesmo em SãoPetersburgo, on<strong>de</strong> apenas tem um encarrega<strong>do</strong> <strong>de</strong> negócios, há vá<strong>rio</strong>sembaixa<strong>do</strong>res, sem que daí La Prensa tire motivo <strong>de</strong> ofensa e sem que481


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOninguém entenda que a República Argentina seja nação menos soberanaou importante <strong>do</strong> que as outras.Para a graduação <strong>do</strong>s representantes diplomáticos militam apenasrazões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m política e comercial, ou <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m orçamentária. Umanação não fica sen<strong>do</strong> menos ou mais importante porque se faz representarpor ministro resi<strong>de</strong>nte ou por um embaixa<strong>do</strong>r.Quanto à hegemonia ou preeminência na América <strong>do</strong> Sul, não aqueremos disputar com a República argentina.No Pacífico, ela pertence inquestionavelmente aos nossos amigos<strong>do</strong> Chile, cuja esquadra nunca se há <strong>de</strong> reunir à outra para combater oBrasil, como imaginou há dias certo jornal <strong>de</strong> Buenos Aires. Na parte <strong>do</strong>Atlântico, teremos sempre prazer em dividir com a República Argentina,se assim se po<strong>de</strong> dizer, a parte <strong>de</strong> hegemonia que nos cabe. No entanto,não é às novas embaixadas que a <strong>de</strong>veremos. Já em 1894 Elisée Réclusescrevia na sua monumental geografia:Na América Latina, o primeiro lugar pertence incontestavelmente ao Brasil,infe<strong>rio</strong>r somente a três gran<strong>de</strong>s países <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> – a Rússia, a China e os Esta<strong>do</strong>sUni<strong>do</strong>s –, rivalizan<strong>do</strong> em extensão com a potência <strong>do</strong> Canadá. Pela superficie,quase iguala o conjunto <strong>do</strong>s países hispanos-americanos <strong>do</strong> continente meridionale não lhes é infe<strong>rio</strong>r quanto ao número <strong>de</strong> habitantes. Mesmo ten<strong>do</strong>-se em conta aspopulações <strong>do</strong> méxico, da América Central e das Antilhas espanholas e francesas,o Brasil representa um terço <strong>de</strong> toda a população latinizada <strong>do</strong> Novo Mun<strong>do</strong> [...]Não sabemos se a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> La Prensa correspon<strong>de</strong> a alguma corrente<strong>de</strong> opinião no seu país; no entanto, seja como for, é preciso reconhecer<strong>de</strong> mo<strong>do</strong> categórico que essa atitu<strong>de</strong> é positivamente impertinente.Não agimos senão estritamente <strong>de</strong>ntro das nossas faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>nação soberana, e qualquer que seja a preeminência que La Prensareivindique para a República Argentina, forçoso lhe será reconhecer queela ainda não chegue ao extremo <strong>de</strong> nos ditar a lei <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nossa casa.482


ARTIGOS DE IMPRENSA129) O PaizRio <strong>de</strong> Janeiro, 4 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1906Brasil, Bolívia e Peru 17*Há confusão e erro manifesto nas linhas com que o Jornal <strong>do</strong>Brasil proce<strong>de</strong>u ontem à publicação <strong>de</strong> uma carta <strong>de</strong> Manaus. Recordao mal-informa<strong>do</strong> comenta<strong>do</strong>r que há meses o mesmo correspon<strong>de</strong>ntejá havia assinala<strong>do</strong> um erro no traça<strong>do</strong> estabeleci<strong>do</strong> pelo Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong>Petrópolis, erro que acarreta gran<strong>de</strong> perda <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> em benefícioda Bolívia, e acrescenta que a carta confirma aquele erro da<strong>do</strong> da<strong>de</strong>terminação da linha Cunha Gomes, isto é, na locação da oblíquatraçada da nascente <strong>do</strong> Javari à confluência <strong>do</strong> Beni, por comissá<strong>rio</strong>sbrasileiros e bolivianos, em execução <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> concluí<strong>do</strong> em La Pazaos 27 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1867.Em primeiro lugar o erro prece<strong>de</strong>ntemente aponta<strong>do</strong> nada tinha a vercom a linha oblíqua ao Equa<strong>do</strong>r, vulgarmente chamada Cunha Gomes,mas sim com a <strong>do</strong> paralelo <strong>de</strong> 10º 20’ sul, <strong>do</strong> Abunã ao Rapirrã, muitoao sul daquela oblíqua, e com a que, pelo Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Petrópolis, <strong>de</strong>veacompanhar o Rapirrã. Este <strong>rio</strong>, segun<strong>do</strong> se diz, é afluente <strong>do</strong> Abunã, enão <strong>do</strong> Iquiri. Da<strong>do</strong> que assim seja, o erro em nada prejudicará o Brasil,pois o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Petrópolis também <strong>de</strong>termina que a fronteira siga ocurso <strong>do</strong> Rapirrã até a sua nascente.Portanto, se os mapas <strong>de</strong> que se serviram os negocia<strong>do</strong>res estavamerra<strong>do</strong>s, nada mais fácil <strong>do</strong> que corrigir o engano, evitan<strong>do</strong> que haja prejuízopara um e outro país, prejuízo que, aliás, seria <strong>de</strong> somenos importância.Bastará que se observe o trata<strong>do</strong>, seguin<strong>do</strong> <strong>do</strong> Abunã para o oeste,como ele <strong>de</strong>termina, o paralelo <strong>de</strong> 10º 20’ sul; não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> essa linhaalcançar o Rapirrã, que ela termine no ponto em que encontre o meridianoda confluência <strong>de</strong>ste <strong>rio</strong> e que continue por esse meridiano na direção<strong>do</strong> sul e, <strong>de</strong>pois, pelo álveo <strong>do</strong> <strong>rio</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua confluência até a origemprincipal.17Texto atribuí<strong>do</strong> ao Barão <strong>do</strong> Rio Branco (GANNS, Cláudio. Bibliografia sobre Rio Branco. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Ministé<strong>rio</strong> das Relações Exte<strong>rio</strong>res, 1946, p. 18).*Artigo também publica<strong>do</strong> nos seguintes periódicos: Jornal <strong>do</strong> Commercio, 6 jan. 1906 e Jornal <strong>do</strong> Brasil,7 jan. 1906. (N.E.)483


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOO engano que o correspon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Manaus diz ter si<strong>do</strong> agora<strong>de</strong>scoberto pelos comissá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> Brasil e <strong>do</strong> Peru, senhores Eucli<strong>de</strong>s daCunha e Buenaño, incumbi<strong>do</strong>s da exploração <strong>do</strong> alto Purus, não implica <strong>de</strong>mo<strong>do</strong> algum com a próxima <strong>de</strong>marcação <strong>de</strong> limites brasileiro-boliviana oucom o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Petrópolis <strong>de</strong> 1903; tampouco, com o acor<strong>do</strong> provisó<strong>rio</strong><strong>de</strong> modus vivendi firma<strong>do</strong> pelo Brasil e pelo Peru em 1904.Afirma o correspon<strong>de</strong>nte que os cita<strong>do</strong>s comissá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> Brasil e <strong>do</strong>Peru acabam <strong>de</strong> verificar que a linha oblíqua <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1867 nãocorta o Purus em Barcelona, mas 9’ ou nove milhas ao sul, isto é, que oscálculos feitos por Cunha Gomes e Thaumaturgo <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> estavamerra<strong>do</strong>s; termina dizen<strong>do</strong>, com a sua já provada ignorância <strong>de</strong>ssesassuntos, que “o Brasil mais uma vez foi embrulha<strong>do</strong>, compran<strong>do</strong> àBolívia territó<strong>rio</strong> incontestavelmente amazonense”.Quem, entretanto, refletir durante <strong>do</strong>is minutos, len<strong>do</strong> a <strong>de</strong>sconcertadacarta <strong>de</strong> Manaus, compreen<strong>de</strong>rá imediatamente que o que compramosà Bolívia pelo Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Petrópolis não foi a insignificante e estreitanesga <strong>de</strong> terra compreendida entre a oblíqua Cunha Gomes e a novaoblíqua que se teria <strong>de</strong> traçar, nesga <strong>de</strong> terra cuja largura norte-sul, emBarcelona, seria apenas <strong>de</strong> nove milhas ou três léguas.O que compramos, e assim recuperamos, foi imenso territó<strong>rio</strong> quecedêramos à Bolívia em 1867, que se esten<strong>de</strong> da oblíqua Javari-Beni àsnascentes <strong>do</strong> Purus e <strong>do</strong> Juruá, abrangen<strong>do</strong> uma superfície <strong>de</strong> 200 mil km 2 18 .Admitamos que as coor<strong>de</strong>nadas <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is pontos <strong>de</strong> interseção noPurus, <strong>de</strong>terminadas pelo coronel Thaumaturgo <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> e pelo generalPan<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> fizeram a <strong>de</strong>marcação, estejam erradas. Admitamosque a linha oblíqua Javari-Beni, que, pelo Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1867, formava afronteira entre o Brasil e a Bolívia <strong>de</strong>vesse passar mais ao sul. O Trata<strong>do</strong><strong>de</strong> Petrópolis não sofreria com isso modificação <strong>de</strong> espécie alguma. Otrata<strong>do</strong> não fez menção <strong>de</strong>ssa linha oblíqua, nem tinha <strong>de</strong> fazer, porqueos limites que estabeleceu ficam muito ao sul <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>marcação.A dúvida levantada não interessa, portanto, à nossa <strong>de</strong>marcação <strong>de</strong>limites com a Bolívia e não tem também importância alguma <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong>vista das nossas questões pen<strong>de</strong>ntes com o Peru. Primeiramente, porque apretensão peruana vai muito ao norte da tal linha oblíqua, até o paralelo quecorre da nascente <strong>do</strong> Javari à margem esquerda <strong>do</strong> Ma<strong>de</strong>ira (linha <strong>de</strong> Santo18A versão publicada no Jornal <strong>do</strong> Commercio refere-se a 209 mil km 2 .484


ARTIGOS DE IMPRENSAIl<strong>de</strong>fonso); <strong>de</strong>pois, porque os territó<strong>rio</strong>s provisoriamente neutraliza<strong>do</strong>s peloBrasil e pelo Peru <strong>de</strong>moram muito para o sul da mesma oblíqua.A questão só interessa hoje à União e ao esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Amazonas, pois,se houve erro na <strong>de</strong>marcação Thaumaturgo-Pan<strong>do</strong>, o Amazonas ganharáuma pequena nesga <strong>de</strong> terra no territó<strong>rio</strong> fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Acre.To<strong>do</strong>s sabem que a tão discutida linha oblíqua, hoje divisa entreo esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Amazonas e o territó<strong>rio</strong> fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Acre, tem por pontosextremos a nascente <strong>do</strong> Javari e a confluência <strong>do</strong> Beni.Os comissá<strong>rio</strong>s na <strong>de</strong>marcação <strong>de</strong> limites entre o Brasil e o Peru, Tefé(von Hoonholtz) e Black, acharam, em 1874, para a nascente <strong>do</strong> Javarias seguintes coor<strong>de</strong>nadas (latitu<strong>de</strong> sul, longitu<strong>de</strong> oeste <strong>de</strong> Greenwich):latitu<strong>de</strong> 7° 1’ 17’’, 5; longitu<strong>de</strong> 74° 8’ 27’’, 7. Cunha Gomes, em 1899,achou: latitu<strong>de</strong> 7° 11’ 48’’, 1; longitu<strong>de</strong> 73° 47’ 44’’, 5. Luiz Cruls, em1901, achou: latitu<strong>de</strong> 7° 6’ 55’’, 3; longitu<strong>de</strong> 73° 47’ 30’’, 6.Tirada <strong>do</strong> ponto Tefé-Black, a oblíqua passava mais ao sul <strong>do</strong> que aresultante <strong>do</strong> reconhecimento Cruls, a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> oficialmente.Não é exato que o senhor Eucli<strong>de</strong>s da Cunha tenha vin<strong>do</strong> ao Rio <strong>de</strong>Janeiro expor ao senhor Barão <strong>do</strong> Rio Branco “a grave <strong>de</strong>scoberta”. Essedistinto engenheiro aqui chegou anteontem por ter a comissão mista brasileiroperuana<strong>de</strong> reconhecimento <strong>do</strong> alto Purus termina<strong>do</strong> os seus trabalhos.130) A NotíciaRio <strong>de</strong> Janeiro, 10 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1906.O caso da Panther *19*Escreve-nos pessoa bem-informada:Um brilhante escritor 19 , 20 restituí<strong>do</strong> há poucos dias às li<strong>de</strong>s <strong>do</strong> jornalismo, censurouontem o governo por ter feito sair apressadamente para o sul, no dia 9 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, umadivisão naval com o intento <strong>de</strong> intimar o comandante da Panther a entregar o alemãoSteinhauf, que aquele pren<strong>de</strong>ra em territó<strong>rio</strong> brasileiro, e por haver nega<strong>do</strong> <strong>de</strong>pois*Artigo também publica<strong>do</strong> nos seguintes periódicos: Gazeta <strong>de</strong> Notícias, 11 jan. 1906; Jornal <strong>do</strong> Commercio,11 jan. 1906; O Paiz, 11 jan. 1906 e Jornal <strong>do</strong> Brasil, 11 jan. 1906. (N.E.)20 19Na margem, anotação <strong>de</strong> próp<strong>rio</strong> punho <strong>do</strong> Barão: “Resposta a A Tribuna, ao Salamon<strong>de</strong> R.B.”485


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOsemelhante intento, respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, a um pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> explicação <strong>do</strong> governo alemão, que adivisão naval partira para fazer evoluções, anunciadas havia muito tempo.Que a partida da divisão naval <strong>de</strong> evoluções já estava anunciada antes <strong>de</strong> conhecidasaqui as ocorrências <strong>de</strong> Itajaí, é perfeitamente exato; que essa partida foi apressadaem consequência <strong>de</strong> tais fatos, também o é. Um governo previ<strong>de</strong>nte, sempre quetem <strong>de</strong> tratar <strong>de</strong> assunto em que esteja empenhada a dignida<strong>de</strong> nacional, <strong>de</strong>vepreparar-se para a pior hipótese, embora dificilmente admissível.Deve, porém, proce<strong>de</strong>r sem in<strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za ou fanfarronada. Se o ilustre escritor,admitin<strong>do</strong> a possibilida<strong>de</strong>, embora remota ou pouco provável <strong>de</strong> uma agressão, searmar <strong>de</strong> um revólver e for pedir explicações à pessoa com quem mantenha excelentesrelações, não há <strong>de</strong> começar por lhe dizer que está arma<strong>do</strong> para repelir qualquer afronta.Quan<strong>do</strong> a Alemanha ou outros países da Europa reforçam guarnições <strong>de</strong> fronteirae mobilizam corpos <strong>de</strong> exército, a <strong>imprensa</strong> europeia limita-se a consignar o fatocomentan<strong>do</strong>-o como enten<strong>de</strong>, mas não faz o espalhafato que alguns repórteres ecorrespon<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> folhas estaduais e estrangeiras, viven<strong>do</strong> nesta nossa atmosfera<strong>de</strong> agitações quase constantes, costumam fazer aqui, mesmo nos casos emque movemos <strong>do</strong>is canhões e algumas centenas <strong>de</strong> solda<strong>do</strong>s. A in<strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za efanfarronada no caso <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro não foi <strong>do</strong> governo, foi <strong>de</strong> certos repórterese correspon<strong>de</strong>ntes nacionais e estrangeiros, resi<strong>de</strong>ntes nesta cida<strong>de</strong>, e que tão gran<strong>de</strong>barulho levantaram com a mobilização <strong>de</strong> alguns navios <strong>de</strong> guerra, escreven<strong>do</strong> etelegrafan<strong>do</strong> que eles iriam dar caça à Panther ou bloqueá-la no Rio Gran<strong>de</strong>.Os que querem aproveitar o ensejo para intrigar o Barão <strong>do</strong> Rio Branco coma nossa Marinha, dizem que ele a expôs ao ridículo porque os navios saíramapressadamente e nada pu<strong>de</strong>ram fazer contra a Panther. A intriga, ainda <strong>de</strong>stavez, não há <strong>de</strong> ter o efeito <strong>de</strong>seja<strong>do</strong>. Os nossos oficiais <strong>de</strong> mar e terra sabem que<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a mocida<strong>de</strong> o <strong>barão</strong> <strong>do</strong> Rio Branco foi um amigo <strong>de</strong>sinteressa<strong>do</strong> da ArmadaNacional e <strong>do</strong> Exército brasileiro, pregoeiro das suas glórias, <strong>de</strong>fensor <strong>do</strong>s seusb<strong>rio</strong>s perante o estrangeiro e que não po<strong>de</strong> <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> algum ser confundi<strong>do</strong> com osfalsos amigos que exploram o elemento militar para fins exclusivamente políticos.Se é permiti<strong>do</strong> comparar pequenas mobilizações, como foi esta, com a colossalmobilização não <strong>de</strong> navios, mas <strong>de</strong> esquadras, que a Inglaterra fez quan<strong>do</strong> se<strong>de</strong>u o inci<strong>de</strong>nte diplomático <strong>de</strong> Fachoda, lembraremos esse fato, que assombrouo mun<strong>do</strong>. E não precisamos lembrar que os oficiais da marinha inglesa não se486


ARTIGOS DE IMPRENSAqueixaram <strong>de</strong> ter essas esquadras volta<strong>do</strong> para os seus portos militares sem tertroca<strong>do</strong> tiros com a armada francesa.Diz o escritor:A retratação da nossa chancelaria à primeira referência que sobre esse <strong>de</strong>lica<strong>do</strong>assunto fez o senhor von Treutler importa flagrantemente um <strong>de</strong>sastre diplomático.A União, no dia 6, entre <strong>do</strong>is <strong>artigos</strong> sobre o car<strong>de</strong>al brasileiro, já havia, com amansidão e a generosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> certos clericais, publica<strong>do</strong> outro texto, no qualatribuía ao Barão <strong>do</strong> Rio Branco vergonhosas e pusilânimes satisfações dadas àAlemanha e ao senhor von Treutler pela saída <strong>do</strong>s nossos navios para o Sul.O correspon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> A Notícia em Petrópolis já <strong>de</strong>smentiu ontem essa invenção.O governo alemão não pediu explicação alguma ao <strong>do</strong> Brasil. Os inventores <strong>de</strong>humilhações e covardias brasileiros não percebem que com tais invenções nãoferem só o ministro e o governo, mas também espalham também pelo mun<strong>do</strong> –porque há aqui correspon<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> jornais estrangeiros – notícias que po<strong>de</strong>m serespalhadas pelos nossos rivais e inimigos com o fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>sacreditar este país.Verda<strong>de</strong> é que tão leviano procedimento vem <strong>de</strong> longe. Em 1904, certos noveleirosda rua <strong>do</strong> Ouvi<strong>do</strong>r espalharam que as nossas tropas tinham si<strong>do</strong> <strong>de</strong>rrotadas no altoPurus e no alto Juruá pelos peruanos, indican<strong>do</strong> até os nomes <strong>do</strong>s oficiais mortose feri<strong>do</strong>s; tais mentiras, logo telegrafadas, ficaram passan<strong>do</strong> por verda<strong>de</strong>s em todaAmérica e Europa.Em terras inventam-se vitórias e glórias. Aqui, na quadra que atravessamos, há pat<strong>rio</strong>tas,nacionais ou estrangeiros, que inventam <strong>de</strong>rrotas e humilhações para o Brasil.Se, porém, o governo alemão não pediu explicações, estamos informa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> queo senhor von Treutler as pediu amigavelmente por sua conta própria ao senhorBarão <strong>do</strong> Rio Branco, na manhã <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, em Petrópolis, dizen<strong>do</strong> que anotícia da partida <strong>do</strong>s navios produziria má impressão na Alemanha e que tornariaimpossível as negociações. Pedia, por isso, que fosse sustada a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> partida.Informa-me pessoa fi<strong>de</strong>digna que o Barão <strong>do</strong> Rio Branco, muito amigavelmente,respon<strong>de</strong>u que tínhamos o direito <strong>de</strong> mover para on<strong>de</strong> quiséssemos, sobretu<strong>do</strong>em águas brasileiras, os nossos navios; que, como ministro, lhe <strong>de</strong>clarava que487


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOos navios saíam para fazer evoluções, como estava antes assenta<strong>do</strong>, mas quecomo amigo particular – já que o interrogava, esqueci<strong>do</strong> <strong>de</strong> que os vizinhos daAlemanha nunca lhe pediram explicações quan<strong>do</strong> ela preventivamente reforçavaos seus corpos <strong>de</strong> exército e guarnições <strong>de</strong> fronteira – lhe diria que a <strong>de</strong>cisãotomada pelo governo seria mantida; que o Brasil, pela sua infe<strong>rio</strong>rida<strong>de</strong> militar,não estava no caso <strong>de</strong> intimidar a Alemanha; que ele, <strong>barão</strong>, era muito sinceroamigo da Alemanha e <strong>do</strong>s alemães, reconheci<strong>do</strong> às bonda<strong>de</strong>s <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r e <strong>do</strong>smembros <strong>do</strong> seu atual governo, mas que era brasileiro e que tinha o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong>colocar acima <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, <strong>de</strong> todas as consi<strong>de</strong>rações pessoais e <strong>do</strong>s seus interessesparticulares, a dignida<strong>de</strong> e a honra <strong>do</strong> Brasil.Como particular amigo, a ele, von Treutler, e não ao ministro da Alemanha, diria que,se Steinhauf estivesse a bor<strong>do</strong>, <strong>de</strong>veria ser restituí<strong>do</strong> ao Brasil, e estava convenci<strong>do</strong><strong>de</strong> que o seria à vista <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> mui cortês e amigavelmente feito pelo Brasil; noentanto, se, por qualquer motivo, isso fosse recusa<strong>do</strong>, seria dada or<strong>de</strong>m aos nossosnavios para que capturassem a Panther e tirassem <strong>de</strong> bor<strong>do</strong> esse preso. A Alemanhapo<strong>de</strong>ria mandar 100, 200 navios contra o Brasil, mas teríamos feito o nosso <strong>de</strong>ver.Eis aí a <strong>de</strong>claração pusilanimemente ridícula, como escreveu um pat<strong>rio</strong>ta, que o<strong>barão</strong> <strong>do</strong> Rio Branco, muito polidamente e em particular, fez na manhã <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong><strong>de</strong>zembro ao senhor von Treutler. Depois, o reteve para almoçar.Também já foi censura<strong>do</strong> por isso, por homens que não conhecem as atenções <strong>de</strong>que foi cerca<strong>do</strong> pelo ministro <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros <strong>do</strong> Japão, o ministro daRússia, <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Roser, mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> receber os seus passaportes e começadasas hostilida<strong>de</strong>s, sen<strong>do</strong> então acompanha<strong>do</strong> até a bor<strong>do</strong> por aquele ministro.Houve quem lembrasse que o impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>m Pedro II não quis receber o ministroinglês Christie <strong>de</strong>pois <strong>do</strong>s tristes inci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1862 e <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1863.Atenda-se, porém, que <strong>do</strong>m Pedro II era o chefe <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> e que o Barão <strong>do</strong> RioBranco ocupa a posição que então ocupava o marquês <strong>de</strong> Abrantes, o qual não<strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> receber, sempre que foi necessá<strong>rio</strong>, aquele ministro com quem tinhao <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> negociar e a quem não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> tratar com toda a correção,pois o governo <strong>de</strong> um país culto não po<strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r como proce<strong>de</strong>m os Botocu<strong>do</strong>nas suas relações com os envia<strong>do</strong>s das tribos vizinhas. Atenda-se mais quenão há comparação possível entre as correrias <strong>de</strong> alguns oficiais e marinheiros488


ARTIGOS DE IMPRENSAem Itajaí e as ofensas que a nossa dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nação foram feitas por aqueleministro britânico, insolentíssimo nas suas notas. O ministro von Treutler não temresponsabilida<strong>de</strong> alguma pelos fatos <strong>de</strong> Itajaí, os quais não autorizou e <strong>de</strong> que sóteve notícia pelos telegramas <strong>do</strong>s jornais.Tinha direito a ser trata<strong>do</strong> com a consi<strong>de</strong>ração e estima com que são trata<strong>do</strong>s emqualquer país civiliza<strong>do</strong> os diplomatas estrangeiros, sobretu<strong>do</strong> os que, como ele,se mostram sempre amigos <strong>do</strong> país em que resi<strong>de</strong>m.131) A NotíciaRio <strong>de</strong> Janeiro, 11 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1906O caso da Panther *21*Temos a seguinte nota: algumas das consi<strong>de</strong>rações, reservase críticas na vária <strong>do</strong> Jornal <strong>do</strong> Commercio <strong>de</strong> hoje sobre o casoda Panther baseiam-se em erros <strong>de</strong> fatos, que terão si<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong>logo nota<strong>do</strong>s por quantos hajam li<strong>do</strong> atentamente os <strong>do</strong>cumentospublica<strong>do</strong>s a que se refere o próp<strong>rio</strong> e amável censor <strong>do</strong> senhorministro das Relações Exte<strong>rio</strong>res.Lê-se na vária:É cu<strong>rio</strong>so que com essa mesma data <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro tenha apareci<strong>do</strong> um cartãopostal <strong>de</strong> Steinhauf, dirigi<strong>do</strong> <strong>do</strong> Desterro ao <strong>do</strong>no <strong>do</strong> hotel <strong>de</strong> Itajaí, falan<strong>do</strong> naquantia precisa <strong>de</strong> que era <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r e pedin<strong>do</strong>-lhe a remessa da mala para oconsula<strong>do</strong> alemão <strong>de</strong> Buenos Aires.O próp<strong>rio</strong> Jornal <strong>do</strong> Commercio <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, em telegrama<strong>de</strong> Florianópolis, publicou a tradução em português <strong>do</strong> cartão, escritoem alemão por Steinhauf, e aí se vê que ele não pediu a remessa damala, mas sim que esta fosse guardada no hotel. O mesmo se vê nomemoran<strong>do</strong> anexo à nota brasileira <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, publica<strong>do</strong> noJornal <strong>do</strong> Commercio <strong>de</strong> 10 <strong>do</strong> corrente. Diz a vária:*Publica<strong>do</strong> também nos seguintes periódicos: Jornal <strong>do</strong> Commercio, 12 jan. 1906; O Paiz, 12 jan. 1906 eGazeta <strong>de</strong> Notícias, 12 jan. 1906. (N.E.)489


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOO <strong>do</strong>no <strong>do</strong> hotel e Zimmermann disseram em seus <strong>de</strong>poimentos, confirma<strong>do</strong>spor outras pessoas, que sofreram a mais clamorosa violência da gente <strong>de</strong> bor<strong>do</strong>,que os obrigou a abrir as casas, gente essa no meio da qual uma testemunharespeitável, homem maior <strong>de</strong> 60 anos, <strong>de</strong> origem alemã, veterano da guerra <strong>de</strong>1870, informa ter reconheci<strong>do</strong> o próp<strong>rio</strong> comandante a quem por mais <strong>de</strong> umavez tinha visto em terra.Não sabemos se to<strong>do</strong>s os veteranos da guerra <strong>de</strong> 1870 e to<strong>do</strong>sos sexagená<strong>rio</strong>s <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s homens respeitáveis. Oque sabemos é que somente o veterano Antonio Maluch (unustestis nullus testis * , ensina o direito processual <strong>do</strong>s tempos antigose mo<strong>de</strong>rnos) <strong>de</strong>clarou, no terceiro inquérito, ter visto o con<strong>de</strong>Saurma no Hotel <strong>do</strong> Commercio, porém às 21h mais ou menos, enão pelas 2h, quan<strong>do</strong> se <strong>de</strong>ram as violências atribuídas aos oficiaise marinheiros da Panther.Os outros <strong>de</strong>poentes só ouviram essa história ao velho Maluch. Oproprietá<strong>rio</strong> <strong>do</strong> hotel <strong>de</strong>clarou que não conhecia o comandante e queera um oficial alto o que dava as or<strong>de</strong>ns quan<strong>do</strong> a gente da Panther foibuscar Steinhauf às 2h, mais ou menos.Ora, o con<strong>de</strong> Saurma é um homem bastante baixo, como po<strong>de</strong>mos afirmarpor tê-lo visto aqui no Rio <strong>de</strong> Janeiro muitas vezes, e, <strong>de</strong>mais, ninguém po<strong>de</strong>riaadmitir que um oficial supe<strong>rio</strong>r da Armada alemã, ou da nossa Armada,comandante <strong>de</strong> um navio <strong>de</strong> guerra, se empregasse em procurar pessoalmenteum <strong>de</strong>sertor, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> encarregar da diligência subordina<strong>do</strong>s seus.Sobre a entrada no Hotel <strong>do</strong> Commercio por meio <strong>de</strong> ameaças, às 2h,só há o <strong>de</strong>poimento <strong>do</strong> proprietá<strong>rio</strong>, Gabriel Heil, no segun<strong>do</strong> inquéritofeito pelo prefeito <strong>de</strong> polícia. Os outros <strong>de</strong>poentes, alguns somente,ouviram isso a Heil, mas nada pu<strong>de</strong>ram dizer <strong>de</strong> ciência própria. Noprimeiro inquérito, Heil se tinha limita<strong>do</strong> a dizer que os oficiais exigirama entrega <strong>de</strong> Steinhauf, para lhes ir mostrar on<strong>de</strong> estava o <strong>de</strong>sertorHasmann, e que às observações feitas por ele, proprietá<strong>rio</strong>, respon<strong>de</strong>ram“que tivesse paciência, que queriam levá-lo”. No <strong>de</strong>poimento queposte<strong>rio</strong>rmente fez no consula<strong>do</strong> da Alemanha, esse mesmo Heil nãofalou em ameaças; <strong>de</strong>clarou que abriu a porta <strong>do</strong> hotel, pensan<strong>do</strong> quequem batia era um hóspe<strong>de</strong> seu, por quem ainda esperava.*Uma testemunha, nenhuma testemunha. (N. E.)490


ARTIGOS DE IMPRENSAA vária refere-se à ofensa sem prece<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> que falou o senhorministro das Relações Exte<strong>rio</strong>res, a qual, segun<strong>do</strong> ele mesmo, “nãopodia ser efetuada sem ciência ou or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> comandante”.Os <strong>do</strong>cumentos publica<strong>do</strong>s mostram que o senhor Barão <strong>do</strong> RioBranco se exprimiu assim no telegrama <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro à legação<strong>do</strong> Brasil em Berlim e na nota <strong>de</strong> 15 <strong>do</strong> mesmo mês ao ministro daAlemanha, quan<strong>do</strong> só tinha por base <strong>do</strong> seu juízo os telegramasrecebi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Florianópolis, dan<strong>do</strong> resumos incompletos <strong>do</strong>s inquéritos,e os telegramas que ao Jornal <strong>do</strong> Commercio mandava o seu jovemcorrespon<strong>de</strong>nte daquela cida<strong>de</strong>. Ao redigir aqueles <strong>do</strong>is <strong>do</strong>cumentos,o senhor Barão <strong>do</strong> Rio Branco estava persuadi<strong>do</strong> <strong>de</strong> que tinha havi<strong>do</strong>uma diligência militar, um <strong>de</strong>sembarque <strong>de</strong> força armada e a prisão <strong>de</strong>um estrangeiro, Steinhauf, leva<strong>do</strong> para bor<strong>do</strong>. Depois, recebeu, em 17e em 20 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, os nossos inquéritos, e neles não achou provaalguma <strong>de</strong> que tivesse havi<strong>do</strong> <strong>de</strong>sembarque <strong>de</strong> força armada nem <strong>de</strong> queSteinhauf tivesse si<strong>do</strong> leva<strong>do</strong> para bor<strong>do</strong>. Modificou, portanto, a opiniãoque formara à vista das primeiras e exageradas notícias. Se tivessehavi<strong>do</strong> um <strong>de</strong>sembarque <strong>de</strong> força armada para efetuar uma prisão emterra, a ofensa à nossa soberania não teria prece<strong>de</strong>nte, e o <strong>de</strong>sembarquenão po<strong>de</strong>ria efetuar-se “sem ciência ou or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> comandante”.No entanto, o que se passou não foi o que precipitadamente lheandaram dizen<strong>do</strong> e ao público. O que se passou foi isto: o comandanteencarregou oficiais à paisana, e infe<strong>rio</strong>res, e marinheiros farda<strong>do</strong>s, quetinham permissão para ir à terra, <strong>de</strong> procurar <strong>de</strong>scobrir o para<strong>de</strong>iro<strong>de</strong> um suposto <strong>de</strong>sertor, a fim <strong>de</strong> que o agente consular tratasse <strong>de</strong>obter a sua prisão e entrega. Recomen<strong>do</strong>u a esses licencia<strong>do</strong>s a maiorprudência e discrição nas indagações que fizessem, para não ofen<strong>de</strong>r assuscetibilida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s naturais da terra. Os licencia<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sembarcaram natar<strong>de</strong> <strong>de</strong> 26, e não no silêncio da noite, como se disse.Pelas 16h ou 17h, um sargento da guarnição avistou Hasmann, emcompanhia <strong>de</strong> Steinhauf. Chamou Hasmann, dizen<strong>do</strong>-lhe que não fizesseasneiras e que voltasse para bor<strong>do</strong>. Hasmann fugiu, meten<strong>do</strong>-se no mato,e o sargento alcançou Steinhauf e o agrediu, dan<strong>do</strong>-lhe umas bor<strong>do</strong>adas.É a isso que alguns <strong>de</strong>poentes, nos nossos inquéritos, chamam <strong>de</strong> “surra”,dada pelos marinheiros alemães e supon<strong>do</strong>, pelo que ouviram, que ocaso se tivesse passa<strong>do</strong> à noite. Durante a noite, os oficiais e marinheirosda Panther estiveram duas vezes no Hotel <strong>do</strong> Commercio. A primeira,491


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOàs 21h; a segunda, às 2h ou pouco antes, porque não está prova<strong>do</strong> que osinformantes tivessem relógio e pu<strong>de</strong>ssem precisar bem a hora.Houve a bor<strong>do</strong>, por or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> almiranta<strong>do</strong>, um inquérito, com<strong>de</strong>posições feitas <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> juramento. Se os excessos em terra tivessemsi<strong>do</strong> pratica<strong>do</strong>s por or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> comandante, não se compreen<strong>de</strong> que eletivesse a imprudência <strong>de</strong> perjurar e trair os seus subordina<strong>do</strong>s, tampoucoque estes <strong>de</strong>ixassem <strong>de</strong> afirmar que haviam cumpri<strong>do</strong> or<strong>de</strong>ns.Bem inteira<strong>do</strong> <strong>do</strong> que se passava, o senhor Barão <strong>do</strong> Rio Brancoreduziu as coisas às suas justas proporções e, na nota <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro,disse o seguinte (que é muito diferente <strong>do</strong> que havia dito no telegrama<strong>do</strong> dia 9, em que se apoiou o autor da vária para o criticar e, sem dúvida,involuntariamente, expô-lo à animadversão <strong>do</strong>s nossos compat<strong>rio</strong>tas):À vista <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos examina<strong>do</strong>s, não po<strong>de</strong>mos manter que houve em Itajaí um<strong>de</strong>sembarque militar <strong>de</strong> homens em armas; po<strong>de</strong>mos, porém, afirmar que houveoperações <strong>de</strong> polícia, executadas durante a noite por oficiais, infe<strong>rio</strong>res e marinheiros<strong>de</strong> um navio <strong>de</strong> guerra estrangeiro, com menoscabo da soberania nacional.A questão, portanto, tinha muda<strong>do</strong> muito <strong>de</strong> figura. Alguns <strong>do</strong>soficiais e infe<strong>rio</strong>res que estavam com licença em terra, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> 26,provavelmente beberam cerveja <strong>de</strong>mais na casa <strong>de</strong> <strong>do</strong>na Anna Asseburg,on<strong>de</strong> estiveram, e teriam pratica<strong>do</strong> excessos ofensivos da soberania territorial,apenas se tivessem si<strong>do</strong> autoriza<strong>do</strong>s pelo comandante e pelo governo alemão.O comandante <strong>de</strong>clarou que não autorizara tais coisas e que apenas osencarregara <strong>de</strong> fazer, com a maior prudência, indagações sobre o para<strong>de</strong>iro <strong>do</strong>suposto <strong>de</strong>sertor, a fim <strong>de</strong> ser reclamada a sua prisão e entrega.Como po<strong>de</strong>ria o senhor ministro das Relações Exte<strong>rio</strong>res pedir a<strong>de</strong>missão <strong>do</strong> comandante, inocente <strong>do</strong>s excessos pratica<strong>do</strong>s?A geração brasileira <strong>de</strong> 1865, que sabia pelejar no Uruguai e noParaguai em <strong>de</strong>fesa da honra nacional, contentou-se com a satisfaçãoque a Inglaterra nos <strong>de</strong>u naquele ano pela ofensa feita à nossa dignida<strong>de</strong>,à nossa soberania territorial em janeiro <strong>de</strong> 1863. Depois <strong>de</strong> <strong>do</strong>is anos<strong>de</strong> negociações em Londres, dirigidas pelo media<strong>do</strong>r português con<strong>de</strong><strong>de</strong> Lavradio, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1863 a 26 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1865 (<strong>do</strong>is anosdurante os quais foi discutida a fórmula da satisfação, sen<strong>do</strong> rejeitadasa primeira e segunda que propúnhamos), recebeu o Brasil, com geralcontentamento, a que lhe <strong>de</strong>u a Inglaterra: “Sua majesta<strong>de</strong> a rainha492


ARTIGOS DE IMPRENSAexprime o pesar com que tem consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> as circunstâncias queacompanharam a suspensão das relações amigáveis entre os <strong>do</strong>is paísese nega toda a intenção <strong>de</strong> ofen<strong>de</strong>r a dignida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Brasil.”A geração b<strong>rio</strong>sa e patriótica daquele tempo achou que isso erauma satisfação aceitável, apesar <strong>de</strong> se ter o governo britânico recusa<strong>do</strong>a censurar o ministro Christie, que nos dirigiu notas insolentíssimas,e o almirante Warren, que, por or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> ministro, apresou diante dabarra <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro navios mercantes nossos e os guar<strong>do</strong>u em nossaságuas territoriais, na enseada <strong>de</strong> Palmas.Agora, obtivemos da Alemanha, por fato <strong>de</strong> muito menor importância,uma satisfação completa, satisfação como o governo imperial nunca <strong>de</strong>uigual a governo algum, segun<strong>do</strong> <strong>de</strong>claração textual <strong>do</strong> <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Richthofenao nosso ministro em Berlim, no mesmo dia 7 <strong>do</strong> corrente, em que, à noite,caiu fulmina<strong>do</strong> <strong>de</strong> apoplexia, e há aqui quem se mostre <strong>de</strong>scontente e digaque o Barão <strong>do</strong> Rio Branco não soube <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a dignida<strong>de</strong> nacional.Quanto à entrega <strong>de</strong> Steinhauf, ela foi reclamada com toda a <strong>de</strong>cisãoenquanto a Panther esteve nas nossas águas. O comandante afirmou aoseu governo que o reclama<strong>do</strong> não estava e nunca tinha esta<strong>do</strong> a bor<strong>do</strong>.Por isso não nos foi entregue.“Si le commandant déclare que les personnes réclamées ne sontpas à son bord, cette <strong>de</strong>claration <strong>de</strong>vra suffire * ”, diz Pradier-Fodéré.Da afirmação <strong>do</strong> comandante ao almiranta<strong>do</strong> alemão e ao impera<strong>do</strong>r daAlemanha não é lícito duvidar.Não se po<strong>de</strong> com justiça aproximar essa afirmação solene dasnotícias que lhe man<strong>do</strong>u, por ouvir dizer, sobre a chegada <strong>de</strong> Steinhaufem uma pequena embarcação <strong>de</strong> vela, no dia 30 <strong>de</strong> novembro, e sobre asua partida para Buenos Aires, no dia 1 o <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro.Po<strong>de</strong>mos assegurar que o governo alemão está muito empenha<strong>do</strong> na<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> Steinhauf, e que nesse senti<strong>do</strong> foram passadas instruções aos seusconsula<strong>do</strong>s em Santa Catarina, no Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul, no Uruguai e na Argentina.*“Se o comandante <strong>de</strong>clara que as pessoas reclamadas não estão a bor<strong>do</strong>, essa <strong>de</strong>claração <strong>de</strong>ve bastar.” (N. E.)493


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO132) A NotíciaRio <strong>de</strong> Janeiro, 12 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1906.A satisfação diplomática *Temos a seguinte nota: to<strong>do</strong>s sabem que Le Temps, <strong>de</strong> Paris, é, comoquase to<strong>do</strong>s os jornais franceses, uma folha sistematicamente antigermânica.Vejamos como ela se pronuncia, em seu número <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, sobreo projeto <strong>de</strong> satisfação ao Brasil, publica<strong>do</strong> na Nord<strong>de</strong>utsche AllgemeineZeitung e ofereci<strong>do</strong> ao governo brasileiro no dia 18 daquele mês:“O inci<strong>de</strong>nte germano-brasileiro”A oficiosa Gazeta da Alemanha <strong>do</strong> Norte anuncia que o governo alemão encarregouo seu ministro no Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Treutler, <strong>de</strong> dar a seguinte resposta àsreclamações <strong>do</strong> governo brasileiro sobre o inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Itajaí:1 o Steinhauf não está nem nunca esteve a bor<strong>do</strong> da canhoneira Panther.2 o O comandante da Panther tinha encarrega<strong>do</strong> oficiais e praças licencia<strong>do</strong>sem terra <strong>de</strong> se informarem <strong>do</strong> lugar em que se achava um marinheirosuspeito <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção. Como <strong>do</strong> inquérito que fizemos resulta <strong>de</strong> que osmarinheiros alemães ultrapassaram os limites das instruções que haviamrecebi<strong>do</strong>, o governo imperial exprime ao governo brasileiro o seu pesar(ses regrets) pelo que se passou.“O inci<strong>de</strong>nte, portanto, po<strong>de</strong> ser ti<strong>do</strong> por encerra<strong>do</strong>” (“L’inci<strong>de</strong>ntpeut <strong>do</strong>nc être considéré comme clos”), conclui Le Temps. Esse jornalhavia publica<strong>do</strong>, como a <strong>imprensa</strong> europeia em geral, quase todasas mentiras e exagerações que correspon<strong>de</strong>ntes levianos ou malintenciona<strong>do</strong>sandaram pon<strong>do</strong> em circulação por aqui. Aquela simples<strong>de</strong>claração, tão diferente da que nos foi feita em 2 <strong>de</strong> janeiro, Le Tempsachava satisfação aceitável e bastante para pôr termo ao inci<strong>de</strong>nte.Entretanto, no dia 22, sob o mesmo título, “O inci<strong>de</strong>nte german<strong>obras</strong>ileiro”,dizia Le Temps:*Artigo também publica<strong>do</strong> nos seguintes periódicos: Jornal <strong>do</strong> Commercio, 13 jan. 1906; O Paiz, 13 jan.1906 e Gazeta <strong>de</strong> Notícias, 13 jan. 1906. (N.E)494


ARTIGOS DE IMPRENSASegun<strong>do</strong> o correspon<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> New York Herald no Rio <strong>de</strong> Janeiro, o <strong>barão</strong> <strong>do</strong>Rio Branco, ministro <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros, teria acha<strong>do</strong> insuficientes asexplicações <strong>do</strong> ministro da Alemanha sobre o inci<strong>de</strong>nte da canhoneira alemãPanther. O ministro da Alemanha apresentará ao governo brasileiro uma novaproposta, fundada no <strong>de</strong>sejo que tem o governo <strong>de</strong> Berlim <strong>de</strong> manter as suas boasrelações com o Brasil. Acrescenta o Herald que, se um acor<strong>do</strong> direto não forpossível, os <strong>do</strong>is governos nomearão uma comissão mista para fazer um inquérito.O Brasil recebeu não a expressão <strong>de</strong> pesar que Le Temps julgavasuficiente para encerrar o inci<strong>de</strong>nte, mas:1) A <strong>de</strong>claração formal e por escrito, feita por or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> governoimperial, em 17 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, enquanto a Panther estava emáguas brasileiras, <strong>de</strong> que Steinhauf não po<strong>de</strong>ria ser entregue aocapitão <strong>do</strong> porto <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> porque não estava e nunca haviaesta<strong>do</strong> a bor<strong>do</strong> da canhoneira, o que importa no reconhecimentoda obrigação <strong>de</strong> o restituir se estivesse a bor<strong>do</strong>.2) A <strong>de</strong>claração muito amigável e completa <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> janeiro,<strong>de</strong>claração cujos termos foram assenta<strong>do</strong>s em Berlim entreo secretá<strong>rio</strong> <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>, <strong>barão</strong> <strong>de</strong> Richthofen, e o chanceler<strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong>, príncipe <strong>de</strong> Bülow, submeti<strong>do</strong>s ao Impera<strong>do</strong>r eaprova<strong>do</strong>s por ele, em que é dito:a) que o comandante Saurma <strong>de</strong>ra a oficiais e infe<strong>rio</strong>res licencia<strong>do</strong>s daPanther a simples incumbência <strong>de</strong> procurar discretamente em terraum marinheiro retardatá<strong>rio</strong>, suspeito <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção, conforman<strong>do</strong>-secom o uso universalmente segui<strong>do</strong> nas marinhas <strong>de</strong> guerra <strong>de</strong> to<strong>do</strong>sos países;b) que estava longe da intenção <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os envolvi<strong>do</strong>s no caso ofen<strong>de</strong>rcom tal procedimento a soberania territorial <strong>do</strong> Brasil;c) que o governo imperial tem em gran<strong>de</strong> apreço à perfeita manutençãodas boas relações com o Brasil;d) que por to<strong>do</strong>s os mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong>seja fortalecer os laços <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>existentes;e) que, ten<strong>do</strong> os inquéritos alemães prova<strong>do</strong> que as pessoas licenciadasultrapassaram os limites <strong>do</strong> encargo recebi<strong>do</strong>, o governo imperialassegura que os responsáveis serão submeti<strong>do</strong>s à justiça militar;495


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOf) que o governo imperial exprime o seu vivo pesar (ses vifs regrets, enão simplesmente ses regrets, como seria bastante para o Le Temps)ao governo brasileiro pelo que se passou.De 10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1905, data da nossa reclamação em Berlim, a17 <strong>do</strong> mesmo mês, dia em que ficou resolvida satisfatoriamente, segun<strong>do</strong>os mestres <strong>de</strong> direito internacional, a questão relativa à entrega <strong>de</strong>Steinhauf, contam-se sete dias. Daquela primeira data a 18 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro,em que o governo imperial resolveu dar-nos inteira satisfação pelos fatosocorri<strong>do</strong>s em terra, <strong>de</strong>correram oito dias; em 2 <strong>de</strong> janeiro, dia em que asatisfação foi formalmente dada, completaram-se 23 dias.Houve quem aqui achasse que o senhor Barão <strong>do</strong> Rio Branco não<strong>de</strong>veria ter assinala<strong>do</strong> a presteza que houve, nem ter admiti<strong>do</strong> quehouvesse retidão nas <strong>de</strong>cisões tomadas, tão pronta e cordialmente!Tivemos a <strong>de</strong>vida e mui cordial satisfação ao cabo <strong>de</strong> 23 dias apenas.Quan<strong>do</strong> tivemos <strong>de</strong> dar satisfação ao Paraguai, em 1901, pela ofensa àsua soberania territorial, feita pelo comandante da canhoneira Ca<strong>rio</strong>ca,que apresou uma lancha com ban<strong>de</strong>ira paraguaia e retirou as peçasessenciais da máquina <strong>de</strong> um vapor em águas daquela República, apesar<strong>do</strong>s protestos da autorida<strong>de</strong> local, levamos 50 dias para respon<strong>de</strong>r à justae bem-fundada reclamação <strong>do</strong> ministro paraguaio, porque naturalmenteprecisávamos basear a nossa <strong>de</strong>cisão nos nossos próp<strong>rio</strong>s inquéritos eindagações.Muito antes <strong>do</strong> inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Itajaí, <strong>de</strong>u-se outro bastante grave emMissoune, na fronteira franco-alemã <strong>do</strong> Cameroun e <strong>do</strong> Congo. Umsargento e vá<strong>rio</strong>s milicianos franceses foram, não presos, mas mortos,sem prévia intimação, por um <strong>de</strong>stacamento <strong>de</strong> tropas coloniais alemãssob o coman<strong>do</strong> <strong>de</strong> um capitão. Esse inci<strong>de</strong>nte ainda não está resolvi<strong>do</strong>,e a <strong>imprensa</strong> <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is países tem ti<strong>do</strong> o bom-senso ordiná<strong>rio</strong> <strong>de</strong> nãoandar procuran<strong>do</strong> agitar as massas, porque compreen<strong>de</strong> que não é assimque se encaminham questões <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> nacional e porque sabe que énecessá<strong>rio</strong> tempo para proce<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> uma e outra parte, a inquéritos queesclareçam bem os fatos e restabeleçam as responsabilida<strong>de</strong>s.Em 1887, ocorreu outro inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sagradável em Vexaincourt, coma Alemanha, sen<strong>do</strong> morto um caça<strong>do</strong>r francês e feri<strong>do</strong> gravemente outro.O senhor Flourens, ministro <strong>do</strong>s Negócios Estrangeiros, telegrafou logoao senhor Raindre, encarrega<strong>do</strong> da embaixada <strong>de</strong> França em Berlim,496


ARTIGOS DE IMPRENSAincumbin<strong>do</strong>-o, não <strong>de</strong> exigir energicamente, como fariam ministrosrastaqueras, mas <strong>de</strong> “convidar (inviter) o governo alemão a verificaros fatos, e, quan<strong>do</strong> a sua exatidão fosse reconhecida, a dar à França,conforme os princípios <strong>de</strong> direito, as reparações <strong>de</strong>vidas pela violação<strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> e os prejuízos causa<strong>do</strong>s aos seus nacionais”.O secretá<strong>rio</strong> <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>, con<strong>de</strong> Herbert <strong>de</strong> Bismarck, respon<strong>de</strong>u que,se verificasse a exatidão <strong>do</strong>s fatos aponta<strong>do</strong>s, o governo imperial nãopo<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lamentar profundamente o inci<strong>de</strong>nte e <strong>de</strong> dar todas asreparações que razoavelmente fossem pedidas. Termina<strong>do</strong> o inquéritoalemão, o governo imperial manifestou (como agora no Brasil) o seuvivo pesar (ses vifs regrets) pelo ocorri<strong>do</strong> e pagou uma in<strong>de</strong>nização àviúva da vítima.A nobre nação francesa achou que o inci<strong>de</strong>nte ficara honrosamenteencerra<strong>do</strong> com essa expressão <strong>de</strong> pesar, sem ter recebi<strong>do</strong> protestos <strong>de</strong>cordial amiza<strong>de</strong>, como os que, pronta e espontaneamente, nos foramfeitos <strong>de</strong> Berlim, nem a promessa <strong>de</strong> que o solda<strong>do</strong> que matou e feriufranceses em territó<strong>rio</strong> francês fosse submeti<strong>do</strong> à justiça militar, e semter pedi<strong>do</strong> que fosse ele castiga<strong>do</strong>.Aqui, certos pat<strong>rio</strong>tas <strong>de</strong> esquina – e até alguns estrangeiros– quereriam que o senhor <strong>barão</strong> <strong>do</strong> Rio Branco pedisse o castigo <strong>do</strong>comandante da Panther, inocente <strong>do</strong>s excessos pratica<strong>do</strong>s em terra poralguns oficiais e marinheiros, que ultrapassaram as suas instruções, esó culpa<strong>do</strong> <strong>do</strong> peca<strong>do</strong> venial <strong>de</strong> haver manda<strong>do</strong> fazer o que to<strong>do</strong>s oscomandantes <strong>de</strong> navios <strong>de</strong> guerra mandam fazer em casos tais, e quepo<strong>de</strong> ser feito com a única condição <strong>de</strong> que a autorida<strong>de</strong> local não fiquesaben<strong>do</strong> oficialmente <strong>do</strong> que se fez. Já um comunica<strong>do</strong>, em A Notícia<strong>de</strong> ontem, recor<strong>do</strong>u que a satisfação recebida por nós da Inglaterra, em1865, <strong>de</strong>pois das notas insolentíssimas <strong>do</strong> seu ministro Christie e <strong>do</strong>apresamento <strong>de</strong> navios mercantes brasileiros pelo almirante Warrendiante da barra <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, só foi concedida ao cabo <strong>de</strong> <strong>do</strong>isanos <strong>de</strong> negociações em Londres, e, versan<strong>do</strong> sobre fatos <strong>de</strong> muitomaior gravida<strong>de</strong>, pratica<strong>do</strong>s por um envia<strong>do</strong> extraordiná<strong>rio</strong> e por umalmirante, foi muito menos completa e cordial <strong>do</strong> que a que nos <strong>de</strong>u aAlemanha pelas tropelias <strong>de</strong>sautorizadas <strong>de</strong> quatro tenentes à paisana e12 sargentos e cabos da Panther.Dizem certos críticos, sempre fáceis em achar incompleto e ruim o que osoutros fazem com meditação e trabalho e, excelente o que eles muitas vezes497


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOproduzem precipitadamente, sem inteiro conhecimento <strong>do</strong>s fatos ou <strong>do</strong>s atosque preten<strong>de</strong>m julgar <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ira, que a submissão <strong>do</strong>s culpa<strong>do</strong>s à justiçamilitar é reparação ilusória, porque necessariamente serão inocenta<strong>do</strong>s.Não sabemos, nem precisamos saber se isto se dará. O que sabemos éque as nações mais b<strong>rio</strong>sas contentam-se com a promessa <strong>de</strong> julgamento<strong>do</strong>s culpa<strong>do</strong>s pela justiça militar.O comandante Collins, <strong>do</strong> Wachussetts, que no porto <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>rcapturou, em 1863, o corsá<strong>rio</strong> Georgia, foi absolvi<strong>do</strong> em Conselho <strong>de</strong>Guerra, e o Brasil daquele tempo se não queixou disto. O comandanteEstanislau Przewo<strong>do</strong>wski, da nossa flotilha <strong>do</strong> Uruguai, o qual, em 1873,por sua conta própria, bombar<strong>de</strong>ou a povoação argentina <strong>de</strong> Alvear, e ocomandante Mariano <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> da Ca<strong>rio</strong>ca, o qual, em 1901, apresou,no porto paraguaio <strong>de</strong> Olympo, uma lancha, levan<strong>do</strong>-a para Corumbá,foram ambos absolvi<strong>do</strong>s pela nossa justiça militar, e a Argentina e oParaguai nos não pediram contas por isso, porque o governo <strong>de</strong> um paísnão po<strong>de</strong> impor <strong>de</strong>cisões a juízes, militares ou não.A satisfação dada pelo governo e pela nação que ele representa éo que regula, e não a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong>s juízes locais. A satisfação <strong>de</strong>ve sergraduada conforme a gravida<strong>de</strong> da ofensa.Diz Bonfils, no seu Direito Internacional Público:Um representante oficial <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, no estrangeiro, como um agente diplomáticoou um oficial da marinha, falta ao respeito <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a um Esta<strong>do</strong> estrangeiro, violaos seus direitos, causa um dano. O Esta<strong>do</strong> assume, sem que possa haver dúvida,a responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s atos <strong>de</strong> tais agentes. A reparação variará segun<strong>do</strong> agravida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s fatos e a extensão <strong>do</strong> prejuízo causa<strong>do</strong>. Uma simples <strong>de</strong>saprovaçãobastará algumas vezes. Outras vezes, uma in<strong>de</strong>nização pecuniária, <strong>de</strong>sculpasdiplomáticas (<strong>de</strong>s excuses diplomatiques), acompanhadas ou não da <strong>de</strong>missão<strong>do</strong> agente, serão necessárias [...]O governo brasileiro não po<strong>de</strong>ria esperar ou pedir, sobre o caso <strong>de</strong>Itajaí, bem-esclareci<strong>do</strong> como ficou por fim, e <strong>de</strong>spi<strong>do</strong> das exagerações<strong>do</strong>s primeiros dias, mais <strong>do</strong> que franca, leal e nobremente, com a maiorcordialida<strong>de</strong>, lhe foi concedi<strong>do</strong> pelo governo alemão. O inci<strong>de</strong>nteterminou muito melhor <strong>do</strong> que supunha o Le Temps <strong>de</strong> Paris.498


ARTIGOS DE IMPRENSAO comandante da PantherTêm dito alguns compat<strong>rio</strong>tas que o con<strong>de</strong> Saurma, comandante daPanther, não se importou com a polícia <strong>de</strong> Itajaí e resolveu ofen<strong>de</strong>ra soberania brasileira, mandan<strong>do</strong> que os seus oficiais e marinheirosfossem praticar atos <strong>de</strong> polícia em terra.O seguinte telegrama, por ele dirigi<strong>do</strong> ao nosso compat<strong>rio</strong>ta CarlosRenaux, superinten<strong>de</strong>nte municipal em Brusque, mostra que estavaconvenci<strong>do</strong> <strong>de</strong> que o agente consular alemão, Max Putler, tinha solicita<strong>do</strong>e obti<strong>do</strong> o apoio da polícia local:De Itajaí, 399, 14 palavras, 26 <strong>de</strong> novembro 1905, 14h.Ao senhor Renaux – Brusque.Rogo-lhe apoiar a prisão <strong>do</strong> marinheiro Hasemann. A polícia está informada.Con<strong>de</strong> Saurma.Eis o texto original alemão <strong>do</strong> telegrama, que acabamos <strong>de</strong> traduzir:“Bitte unterstulzung <strong>de</strong>s festnahme <strong>de</strong>s Matrosen Hasemann. Polizeibenachrichtig. Graf Saurma.”Como seria possível pedir a <strong>de</strong>missão <strong>de</strong>sse comandante eresponsabilizá-lo pelo “encervejamento” <strong>de</strong> quatro tenentes e 12sargentos e cabos nas hospedarias <strong>de</strong> Itajaí?133) A NotíciaRio <strong>de</strong> Janeiro, 13 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1906.A solução diplomática no caso da Panther *Temos a seguinte nota: a primeira opinião, aqui formada, sobre osacontecimentos <strong>de</strong> Itajaí, baseou-se nas notícias bastante exageradas,cheias <strong>de</strong> confusões e enganos, telegrafadas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> leituras rápidas e<strong>de</strong>satentas <strong>de</strong> um jovem correspon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Florianópolis, cujo crité<strong>rio</strong><strong>de</strong>ve ser mais ou menos igual ao <strong>do</strong> correspon<strong>de</strong>nte argentino, que há diasnos quis impingir a notícia <strong>de</strong> que um ex-diplomata russo – anônimo, já se*Publica<strong>do</strong> nos seguintes periódicos: O Paiz, 14 jan. 1906; Gazeta <strong>de</strong> Notícia, 14 jan. 1906 e Jornal <strong>do</strong>Commercio, 14 jan. 1906. (N.E.)499


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOsabe – vira no Esta<strong>do</strong>-maior alemão certo mapa <strong>do</strong> Brasil meridional, on<strong>de</strong>estavam marca<strong>do</strong>s os distritos conquistáveis pela Alemanha, como se nassalas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>-maior em Berlim tivessem entra<strong>do</strong> diplomatas, repórteresou quaisquer pessoas estranhas ao serviço, e os <strong>do</strong>cumentos reserva<strong>do</strong>sandassem ali rolan<strong>do</strong> pelas mesas! Na Europa, também foram as notícias<strong>do</strong> jovem correspon<strong>de</strong>nte as que produziram a primeira impressão.Diz o Journal <strong>de</strong>s Débats <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro:Brasil – O Jornal <strong>do</strong> Commercio publica o resumo <strong>do</strong> inquérito oficial sobre o inci<strong>de</strong>nte<strong>de</strong> Santa Catarina. Os <strong>de</strong>poimentos das testemunhas, tanto alemãs quanto brasileiras,confirmam os fatos já conheci<strong>do</strong>s. Um alemão naturaliza<strong>do</strong> brasileiro, antigo combatente<strong>de</strong> 1870, refere que reconheceu o comandante da canhoneira Panther entre os oficiaisque acompanhavam os marinheiros quan<strong>do</strong> estes se apo<strong>de</strong>raram <strong>de</strong> Fritz Steinhauf [...]Esse veterano <strong>de</strong> 1870, em cujo testemunho, único e isola<strong>do</strong>, seapoiou a vária <strong>de</strong> 11 <strong>do</strong> corrente, é Antonio Maluch, que pelo nome nãose perca – respeitável sexagená<strong>rio</strong> –, segun<strong>do</strong> o amável crítico, masmaníaco, como <strong>de</strong>clara o <strong>de</strong>poente Leocádio Baptista <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros, maiscompetente para o qualificar, porque o conhece pessoalmente.Já mostramos que a acusação feita ao comandante, com o menosque frágil fundamento <strong>de</strong> um testemunho nulo em direito, não po<strong>de</strong>riaautorizar o senhor ministro das Relações Exte<strong>rio</strong>res a pedir ao governoalemão que punisse administrativamente o con<strong>de</strong> Saurma, o qualsolenemente <strong>de</strong>clarara em relató<strong>rio</strong> oficial não ter autoriza<strong>do</strong> os atos<strong>de</strong> força pratica<strong>do</strong>s em terra pelos oficiais e infe<strong>rio</strong>res licencia<strong>do</strong>s.Também já ficou prova<strong>do</strong> que o comandante <strong>de</strong>u prova <strong>de</strong> respeitoà soberania territorial pedin<strong>do</strong> ao agente consular que obtivesse o apoioda polícia brasileira para a apreensão <strong>do</strong> retardatá<strong>rio</strong> Hasmann, aindanão <strong>de</strong>clara<strong>do</strong> <strong>de</strong>sertor. Às 14h <strong>de</strong> 26, o con<strong>de</strong> Saurma telegrafava <strong>de</strong>Itajaí ao nosso compat<strong>rio</strong>ta Carlos Renaux, em Brusque, dizen<strong>do</strong>: “Apolícia está prevenida.” O requerimento à polícia <strong>de</strong>veria ter si<strong>do</strong> feitopelo agente consular; se este não o fez, a culpa não foi <strong>do</strong> comandante.Ficou igualmente <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> que o veterano maníaco disse tervisto o comandante no Hotel <strong>do</strong> Commercio às 21h, e não às 2h, quan<strong>do</strong>dali foi retira<strong>do</strong> Steinhauf, por uns seis infe<strong>rio</strong>res que obe<strong>de</strong>ciam a umoficial, cujos sinais característicos, da<strong>do</strong>s pelo proprietá<strong>rio</strong> Heil, nãocorrespon<strong>de</strong>m <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> algum aos <strong>do</strong> con<strong>de</strong> Saurma.500


ARTIGOS DE IMPRENSAO Journal <strong>de</strong> Débats foi induzi<strong>do</strong> em erro, quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeirolhe telegrafaram que to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>poimentos, nos inquéritos <strong>de</strong> Itajaí,confirmavam os fatos aqui publica<strong>do</strong>s e espalha<strong>do</strong>s pelo mun<strong>do</strong>. O autorda vária <strong>do</strong> dia 11 também foi induzi<strong>do</strong> em erro, acreditan<strong>do</strong> em tu<strong>do</strong>quanto lhe telegrafaram <strong>de</strong> Florianópolis e sem estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s inquéritos,que só na tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse dia foram aqui publica<strong>do</strong>s. O Jornal, porém, muitoantes <strong>do</strong> dia 11, teve notícias mais exatas, que lhe foram dadas por umvelho amigo da casa, amigo que a frequenta <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1851, que para elatem trabalha<strong>do</strong> muito e que, apesar disso, mereceu menos confiançanestas circunstâncias que reclamavam a maior pon<strong>de</strong>ração <strong>do</strong> que novoscolabora<strong>do</strong>res, nem sempre capazes <strong>de</strong> avaliar bem os perigos a quepo<strong>de</strong> expor um país a falta <strong>de</strong> calma quan<strong>do</strong> se examinam assuntos emque anda envolvida a dignida<strong>de</strong> nacional.20 22Temos consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>, nos <strong>do</strong>is prece<strong>de</strong>ntes <strong>artigos</strong>, quanto aospontos em que tocou a vária. Não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> acentuar hojeque não foi o ministro da Alemanha, senhor von Treutler, quem fezas <strong>de</strong>clarações que ela resumiu, quem disse que os envolvi<strong>do</strong>s nocaso não tinham a intenção <strong>de</strong> ofen<strong>de</strong>r a soberania brasileira, que osresponsáveis pelos excessos em terra seriam entregues à justiça militar(les responsables seront traduits <strong>de</strong>vant la justice militaire, tal foi afórmula afinal proposta e aceita em Berlim). Não foi o ministro quemnos disse que o seu governo tem em gran<strong>de</strong> apreço a perfeita manutençãodas boas relações com o Brasil, quem afirmou que o governo imperial<strong>de</strong>seja por to<strong>do</strong>s os mo<strong>do</strong>s fortalecer os laços <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> existentesentre os <strong>do</strong>is países e quem nos exprimiu, em nome <strong>do</strong> seu governo,profun<strong>do</strong> pesar pelo que se tinha passa<strong>do</strong>. Não foi o ministro, senhorvon Treutler, quem nos disse tu<strong>do</strong> isso: foi o governo imperial, isto é,foi o próp<strong>rio</strong> impera<strong>do</strong>r da Alemanha quem man<strong>do</strong>u dizer tu<strong>do</strong> isso aoBrasil e ao seu governo em uma <strong>de</strong>claração escrita em Berlim e queaquele ministro não fez senão transcrever e transmitir-nos em nota,como <strong>de</strong> estilo.O senhor Barão <strong>do</strong> Rio Branco não pediu mais ao governo alemãoporque em sua consciência <strong>de</strong> brasileiro entendia que não po<strong>de</strong>ria pedirmais, ele que estu<strong>do</strong>u os <strong>do</strong>cumentos e que sabe guardar a calma precisaem todas as ocasiões, por mais difíceis e <strong>de</strong>sagradáveis que sejam.22 20Anotação manuscrita à tinta pelo Barão <strong>do</strong> Rio Branco, substituin<strong>do</strong> o trecho impresso “quanto aos” por“quase to<strong>do</strong>s os”.501


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOO governo preveniu-se sem estrépito para tu<strong>do</strong>, para as mais graveshipóteses. O pessoal da legação brasileira em Berlim, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o dia 12 <strong>de</strong><strong>de</strong>zembro, ficou pronto para <strong>de</strong>ixar a Alemanha <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 24 horas, sefosse necessá<strong>rio</strong>. Aqui, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o dia 8, foram tomadas reservadamente asdisposições preventivas necessárias para que Steinhauf fosse tira<strong>do</strong> <strong>de</strong>bor<strong>do</strong> da Panther, se lá estivesse e se a sua entrega fosse recusada.No entanto, diante da atitu<strong>de</strong> cordialmente amigável <strong>do</strong> governoalemão, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro momento afirmou os seus sentimentos<strong>de</strong> nunca <strong>de</strong>smentida amiza<strong>de</strong> ao Brasil e que, sen<strong>do</strong> forte e po<strong>de</strong>roso,mostrava uma vez mais que não regateia satisfações aos menos fortes,não havia lugar para as estraladas que <strong>de</strong>sejavam os nacionais e osestrangeiros que neste país querem semear ódios contra nações amigasnem para os que se <strong>de</strong>ixam levar pelas impressões <strong>de</strong>sses agita<strong>do</strong>res.O Jornal <strong>do</strong> Commercio, quan<strong>do</strong> o seu ilustre diretor e proprietá<strong>rio</strong>aqui estava, em 9 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1895, disse o seguinte <strong>do</strong> atualministro das Relações Exte<strong>rio</strong>res, pela pena <strong>de</strong> um brilhante brasileiroque também o conhece <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos <strong>de</strong> estudante:O Barão <strong>do</strong> Rio Branco, po<strong>de</strong>-se dizer, era até ontem muito mais conheci<strong>do</strong> em nossopaís pelo reflexo <strong>do</strong> nome paterno <strong>do</strong> que pelo que ele mesmo já tinha feito [...][...] Des<strong>de</strong> muito moço o que lhe interessava era a história <strong>do</strong> nosso país, as suascoisas militares antigas, o seu prestígio exte<strong>rio</strong>r, as glórias da nossa ban<strong>de</strong>ira [...]Estão aí os traços característicos <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> Rio Branco: genuíno pat<strong>rio</strong>tismo,culto amoroso ao pai, organização conserva<strong>do</strong>ra, entusiasmo militar, afastamentoda política interna, paixão da glória <strong>do</strong> país [...]Há, talvez, nesse homem, talha<strong>do</strong> para os primeiros lugares e <strong>de</strong> uma coragempessoal indiscutível, o <strong>de</strong>feito da timi<strong>de</strong>z, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se trata <strong>de</strong> um interesse seu[...]Foi <strong>de</strong>sse homem sempre zeloso <strong>de</strong>fensor da dignida<strong>de</strong> da terra emque nasceu, <strong>do</strong> seu “prestígio no exte<strong>rio</strong>r”, que um escritor amigo faloucom reservas e insinuações bem significativas, em dias como os queacabamos <strong>de</strong> atravessar, nos quais a opinião pública andava transviadapor notícias falsas ou exageradas!502


ARTIGOS DE IMPRENSAFelizmente, a borrasca que outros preparavam e para a qual ostelegramas <strong>de</strong> Florianópolis e a vária forneceram elementos está passada.O país conhece hoje em toda a sua luz o inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Itajaí.134) A NotíciaRio <strong>de</strong> Janeiro, 16 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1906.A solução diplomática <strong>do</strong> caso da Panther *Temos a seguinte nota: foi-nos mostrada uma interessante “Carta <strong>do</strong> Rio”,no Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> S. Paulo, <strong>de</strong> 13 <strong>do</strong> corrente, escrita pelo seu ativo e talentosocorrespon<strong>de</strong>nte “Fígaro”, também combatente na <strong>imprensa</strong> da nossa boacapital. Por essa carta ficamos conhecen<strong>do</strong> qual o procedimento que algunscensores fluminenses <strong>de</strong>sejariam que tivesse ti<strong>do</strong>, no caso da Panther, osenhor ministro das Relações Exte<strong>rio</strong>res. Diz textualmente “Fígaro”:Saímos disto envergonha<strong>do</strong>s, não pela pequenez da satisfação que a Alemanhanos <strong>de</strong>u, mas pela confissão <strong>de</strong> que nós fomos mentirosos. Nós! As autorida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> Santa Catarina, é claro.Nada disso se daria se houvéssemos procedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> outra forma. Per<strong>do</strong>e-me a liçãoo mestre diplomata senhor Paranhos <strong>do</strong> Rio Branco. Se o sapateiro sobe além <strong>do</strong>ssapatos é porque Homero também cochila às vezes...Se sua excelência dissesse ao senhor Treutler que o governo <strong>do</strong> Brasil, dada aofensa que foi grave, não podia entrar em estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> caso e queria singelamentesatisfações, visto que não podia discutir, pôr em dúvida e <strong>de</strong>smentir as informaçõesdas suas autorida<strong>de</strong>s; se sua excelência tivesse manda<strong>do</strong> sair <strong>de</strong> Berlim o senhorCosta Mota e entregar ao senhor Treutler os passaportes; se, em uma palavra, oBrasil tivesse corta<strong>do</strong> relações com a Alemanha, tu<strong>do</strong> estaria a estas horas lindae brilhantemente resolvi<strong>do</strong>, as explicações viriam plenas e satisfatórias, e a genteestaria confian<strong>do</strong> na palavra das autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Santa Catarina.Assim, quem mentiu foi o Brasil.*Artigo também publica<strong>do</strong> nos seguintes periódicos: Jornal <strong>do</strong> Commercio, 17 jan. 1906; O Paiz, 17 jan.1906. (N.E.)503


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO“Fígaro”, como Homero, estava <strong>de</strong> certo cain<strong>do</strong> <strong>de</strong> sono (jam<strong>do</strong>rmitante lucerna * ), quan<strong>do</strong> escreveu e man<strong>do</strong>u para a velha acadêmicaPaulicéia aquela extraordinária lição <strong>de</strong> direito diplomático. Ou melhor,estava gracejan<strong>do</strong>.On<strong>de</strong> e quan<strong>do</strong> se viu um governo pedir satisfação a outro, <strong>de</strong>clararque a reclama antes <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> caso e que somente as informações dassuas autorida<strong>de</strong>s (que ele próp<strong>rio</strong> não quer examinar) <strong>de</strong>vem ser tidas emconsi<strong>de</strong>ração? Não percebe “Fígaro” que a outra parte também ficariacom o direito <strong>de</strong> exigir que somente os seus <strong>do</strong>cumentos e informações<strong>de</strong>vessem ser ti<strong>do</strong>s em conta?On<strong>de</strong> e quan<strong>do</strong> se viu um governo formular reclamações, dizen<strong>do</strong>que as formula sem base segura e rompen<strong>do</strong> relações diplomáticas antesque o outro possa examinar o caso e dizer se quer ou não aten<strong>de</strong>r àreclamação?Não, mil vezes não! Essa linha <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r, que alguns rarosdiplomatas da rua <strong>do</strong> Ouvi<strong>do</strong>r <strong>de</strong>sejariam ver a<strong>do</strong>tada pelo senhor RioBranco, estamos certos <strong>de</strong> que ele não a seguiria nem mesmo se tão ferozespat<strong>rio</strong>tas lhe quisessem impor sob a ameaça <strong>de</strong> imediato fuzilamento.O Brasil tem a in<strong>de</strong>clinável obrigação <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r sempre <strong>de</strong> acor<strong>do</strong>com as suas honrosas tradições, com as práticas das <strong>de</strong>mais nações cultase com os princípios <strong>do</strong> direito internacional.Já citamos o procedimento da França em 1887, em um casomuito mais grave <strong>do</strong> que este nosso <strong>de</strong> Itajaí: o ministro <strong>do</strong>s NegóciosEstrangeiros da República Francesa telegrafou à embaixada em Berlim,incumbin<strong>do</strong>-a <strong>de</strong> “convidar o governo alemão a verificar os fatos, equan<strong>do</strong> a sua exatidão fosse reconhecida [pelos inquéritos e indagaçõesdas autorida<strong>de</strong>s alemãs] a dar, conforme os princípios <strong>do</strong> Direito, asreparações <strong>de</strong>vidas à França, pela violação <strong>do</strong> seu territó<strong>rio</strong>” (“[...]d’inviter le Gouvernement Allemand à controler les faits et lorsque leurexactitu<strong>de</strong> aurait été reconnue, à <strong>do</strong>nner, conformément aux principesdu droit les réparations dues à la France pour la violation du territoireet les torts causé à ses nationaux.”).Invertamos as posições. Suponhamos que um governo estrangeironos apresentasse uma reclamação <strong>do</strong> mesmo gênero, baseada emresumos telegráficos e nos dissesse: não preciso examinar e estudar os<strong>do</strong>cumentos a que se referem os telegramas das vossas autorida<strong>de</strong>s. Tu<strong>do</strong>*Já <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong> sobre a lâmpada. (N. E.)504


ARTIGOS DE IMPRENSAquanto está nesses resumos é necessariamente exato e não merecemcrédito algum as informações <strong>do</strong> comandante e oficiais <strong>do</strong> vosso navio<strong>de</strong> guerra. Queremos satisfação imediata e a <strong>de</strong>missão <strong>do</strong> comandantebrasileiro. Se o Brasil não estiver pelo que exigimos, romperemosimediatamente relações diplomáticas.Perguntamos a “Fígaro”, que sempre conhecemos tão razoável,se ele se animaria a aconselhar o governo brasileiro a <strong>de</strong>mitir o seucomandante e dar satisfações a tão <strong>de</strong>safora<strong>do</strong> governo estrangeiro?Decerto que não. O que o governo <strong>do</strong> Brasil teria <strong>de</strong> fazer nessecaso seria não esperar que o atrevi<strong>do</strong> rompesse relações, mas cortarimediatamente relações com esse governo <strong>de</strong> insensatos, capaz <strong>de</strong> nosdirigir tão gran<strong>de</strong> afronta.Em to<strong>do</strong> caso [diz Lafayette Pereira e dizem to<strong>do</strong>s os mestres <strong>do</strong>direito internacional], o Esta<strong>do</strong> que recebe a ofensa não po<strong>de</strong> exigir<strong>do</strong> ofensor um gênero <strong>de</strong> satisfação que seja para este uma <strong>de</strong>sonraou humilhação, porque nisso iria ofensa à sua dignida<strong>de</strong> e honra, tãorespeitáveis como as <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> ofendi<strong>do</strong>.E ensina mais:A satisfação consiste em explicações, escusas, amen<strong>de</strong> honorable, protestos,<strong>de</strong>clarações solenes em atos públicos <strong>de</strong> <strong>de</strong>ferência, saudação da ban<strong>de</strong>iranacional, visitas oficiais, na repreensão e punição <strong>do</strong>s funcioná<strong>rio</strong>s ou autores daofensa. Tu<strong>do</strong> isso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da natureza da ofensa e <strong>do</strong>s usos.Diz “Fígaro” que, como se passaram as coisas, confessamos que “asautorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Santa Catarina foram mentirosas”, e acrescenta: “quemmentiu foi o Brasil.”O Brasil é representa<strong>do</strong> perante o estrangeiro pelo governo fe<strong>de</strong>rale não por um juiz <strong>de</strong> direito <strong>de</strong> comarca ou pelos governos particulares<strong>do</strong>s diferentes Esta<strong>do</strong>s da União.Está claro que ninguém po<strong>de</strong>ria atribuir “mentiras” ou mesmoerros propositais ao juiz <strong>de</strong> direito <strong>de</strong> Itajaí e ao governo <strong>do</strong> esta<strong>do</strong><strong>de</strong> Santa Catarina. É fora <strong>de</strong> dúvida, porém, que, pela leitura rápida<strong>do</strong>s inquéritos, o juiz, referin<strong>do</strong>-se a eles, man<strong>do</strong>u ao governa<strong>do</strong>r,e este transmitiu ao ministé<strong>rio</strong> das Relações Exte<strong>rio</strong>res, algumasinformações que não têm base nos <strong>de</strong>poimentos. É certo também que ogoverna<strong>do</strong>r, ao receber os inquéritos que imediatamente expediu pelo505


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOprimeiro vapor, fiou-se nos extratos que lhe fez algum auxiliar menoscuida<strong>do</strong>so.Os telegramas expedi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Santa Catarina ao Ministé<strong>rio</strong> dasRelações Exte<strong>rio</strong>res, entre coisas exatas, extraídas <strong>do</strong>s inquéritos, diziamas seguintes, que a leitura atenta <strong>de</strong>sses papéis <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> confirmar:1) Primeiro, que uma força armada <strong>de</strong>sembarcou da Panther, às 2h<strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> novembro; <strong>de</strong>pois, que não fora só um <strong>de</strong>stacamento,mas <strong>do</strong>is <strong>de</strong>stacamentos que <strong>de</strong>sembarcaram.2) Que os oficiais e marinheiros bateram em várias casas ecercaram, “entre elas as <strong>de</strong> Gabriel Heil e Jacob Zimmermann”.3) Que pren<strong>de</strong>ram durante a noite e levaram para bor<strong>do</strong> o <strong>de</strong>sertorHasmann.4) Que ficara averigua<strong>do</strong> no terceiro inquérito que o próp<strong>rio</strong>comandante estava entre os oficiais e marinheiros que<strong>de</strong>sembarcaram.Mesmo sem levar em conta os inquéritos alemães, vê-se pela leitura<strong>do</strong>s nossos:1) Que, já na tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> 26, os oficiais e marinheiros alemães estavamem terra, procuran<strong>do</strong> o retardatá<strong>rio</strong> Hasmann, o qual não podiaainda ser chama<strong>do</strong> <strong>de</strong>sertor, e que nos inquéritos brasileiros nãohá um só <strong>de</strong>poente que fale em <strong>de</strong>sembarque <strong>de</strong> força à noite ediga que esses homens estavam arma<strong>do</strong>s.2) Que os oficiais e marinheiros só bateram em duas casas, a <strong>de</strong>Gabriel Heil (Hotel <strong>do</strong> Commercio) e a <strong>de</strong> Jacob Zimmermann,e que só cercaram esta última.3) Que nenhum <strong>de</strong>poente <strong>de</strong>clara ter si<strong>do</strong> Hasmann preso à noitee leva<strong>do</strong> para bor<strong>do</strong>, cumprin<strong>do</strong> notar que o comissá<strong>rio</strong> <strong>de</strong>polícia, em ofício, diz ter sabi<strong>do</strong> que esse indivíduo voltouvoluntariamente para bor<strong>do</strong> no dia 27, pouco antes da partidada Panther.4) Que, no terceiro inquérito, só um velho maníaco, AntonioMaluch, disse ter visto o comandante da canhoneira no Hotel <strong>do</strong>Commercio, mas às 21h <strong>de</strong> 26, e não <strong>de</strong>pois da meia-noite, quan<strong>do</strong>oficiais e marinheiros da Panther voltaram a esse hotel, para fazer506


ARTIGOS DE IMPRENSAsair Steinhauf, e foram <strong>de</strong>pois à casa <strong>de</strong> Jacob Zimmermann; e,mais, que os sinais <strong>do</strong> oficial que dirigia os que foram ao Hotel<strong>do</strong> Commercio, constantes <strong>do</strong> mesmo terceiro inquérito, bastampara mostrar que não era ele o comandante da canhoneira.5) Que nenhum <strong>de</strong>poente disse ter visto Fritz Steinhauf ser leva<strong>do</strong>para bor<strong>do</strong>.6) Que, no primeiro inquérito, o quarto <strong>de</strong>poente, Arthur Bargmann,<strong>de</strong>clarou que “Kormann dissera que na segunda-feira (27 <strong>de</strong>novembro, quan<strong>do</strong> os oficiais e infe<strong>rio</strong>res que estiveram em terra jáhaviam volta<strong>do</strong> para bor<strong>do</strong>) vira Steinhauf nas proximida<strong>de</strong>s da casa<strong>do</strong>s atira<strong>do</strong>res”, e que, <strong>de</strong>pon<strong>do</strong> <strong>de</strong>pois o cita<strong>do</strong> Alois Kormann, opromotor público não achou necessá<strong>rio</strong> fazer-lhe pergunta alguma.7) Que, no segun<strong>do</strong> inquérito, a sexta testemunha, GuilhermeGroschang, <strong>de</strong>clarou ter encontra<strong>do</strong>, no caminho <strong>de</strong> Itajaípara Tijucas, um indivíduo cujos sinais pareciam concordarcom os <strong>de</strong> Steinhauf, o qual lhe dissera estar em viagem paraFlorianópolis; que o <strong>de</strong>ixara <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong> em uma venda no lugar<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Tapera; e que, ao regressar, ele, Groschang, <strong>de</strong>Tijucas, no dia 28, para tomar uma barcaça em Porto Belo, aílhe contou Carlos Abrahão que na noite ante<strong>rio</strong>r tinha <strong>do</strong>rmi<strong>do</strong>em sua casa um alemão “que lhe dissera ter havi<strong>do</strong> barulhoem Itajaí”, mas que, “como estava cansa<strong>do</strong> <strong>de</strong> carregar malasnas costas, tinha <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> a sua no hotel <strong>de</strong> Gabriel Heil”.Acrescentou Groschang que os sinais da<strong>do</strong>s por Abrahão eramos <strong>do</strong> alemão que <strong>de</strong>ixara <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong> em Tapera.Outras informações <strong>de</strong> origem brasileira, recebidas <strong>de</strong> Itajaí peloMinisté<strong>rio</strong> das Relações Exte<strong>rio</strong>res, vieram confirmar o exagero e ainexatidão das primeiras notícias. Assim, Hasmann, que estas diziamter si<strong>do</strong> preso e leva<strong>do</strong> para bor<strong>do</strong> durante a noite, foi visto chegar <strong>de</strong>carro a Itajaí com o brasileiro nato João Gaersner e seguir com estepara a canhoneira Panther, quan<strong>do</strong> ela já suspendia o ferro. Gaersnerrecebeu mesmo a gratificação <strong>de</strong> 20$ que o comandante prometera aquem conseguisse que Hasmann voltasse para bor<strong>do</strong>, seguro <strong>de</strong> queapenas sofreria a pena <strong>de</strong> oito dias <strong>de</strong> prisão simples.Também teve o Ministé<strong>rio</strong> das Relações Exte<strong>rio</strong>res, no telegrama queo con<strong>de</strong> Saurma passou às 14h <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> novembro ao nosso compat<strong>rio</strong>ta507


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOCarlos Renaux, superinten<strong>de</strong>nte municipal em Brusque (“A polícia estáprevenida”), prova brasileira incontestável <strong>de</strong> que o comandante acatavaa soberania territorial.Com to<strong>do</strong>s esses elementos, tira<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s inquéritos e <strong>de</strong> outras fontesbrasileiras, oficiais e particulares, o senhor Barão <strong>do</strong> Rio Branco nãopo<strong>de</strong>ria manter tu<strong>do</strong> quanto havia firma<strong>do</strong> na <strong>de</strong>claração inicial <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong><strong>de</strong>zembro. Confian<strong>do</strong> nas primeiras informações oficiais que recebera <strong>de</strong>Santa Catarina e que lhe foram dadas como suma <strong>do</strong>s nossos inquéritos,ele telegrafou ao ministro <strong>do</strong> Brasil no dia 9:Diante da ofensa sem prece<strong>de</strong>nte feita a nossa soberania, estou certo <strong>de</strong> que o governoimperial não se <strong>de</strong>morará em dar-nos, espontaneamente, as <strong>de</strong>monstrações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>que <strong>de</strong>le esperamos e que <strong>de</strong>vem ser acompanhadas da or<strong>de</strong>m para a entrega <strong>de</strong>Steinhof (assim era ortografa<strong>do</strong> o nome nos telegramas <strong>do</strong> governo <strong>de</strong> Santa Catarina)e da reprovação solene <strong>de</strong>sse atenta<strong>do</strong>. Trata-se <strong>de</strong> uma diligência militar em paísestrangeiro e que não podia ser efetuada sem ciência ou or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> comandante [...]Efetivamente, se tivesse havi<strong>do</strong> um <strong>de</strong>sembarque <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacamentosarma<strong>do</strong>s, às 02h, ou mesmo <strong>de</strong> dia, e a prisão <strong>de</strong> um homem em Itajaí por essaforça estrangeira – sen<strong>do</strong> ele leva<strong>do</strong> ou não para bor<strong>do</strong> –, a ofensa à soberanianacional seria sem prece<strong>de</strong>nte na história <strong>do</strong> Brasil, e o <strong>de</strong>sembarque nãoteria podi<strong>do</strong> operar-se sem or<strong>de</strong>m e ciência <strong>do</strong> comandante.No entanto, foi muito diferente o que se <strong>de</strong>u, e o senhor ministro dasRelações Exte<strong>rio</strong>res não só expediu telegrama à legação brasileira emBerlim, dan<strong>do</strong> pressa em corrigir as inexatidões da primeira exposição,mas também apresentou outra, rigorosamente exata, e a anexou à suanota <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, em que se exprimiu assim:À vista <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos examina<strong>do</strong>s, não po<strong>de</strong>mos manter que houve um<strong>de</strong>sembarque militar <strong>de</strong> homens em armas; po<strong>de</strong>mos, porém, afirmar que houveoperações <strong>de</strong> polícia, executadas durante a noite, por oficiais, infe<strong>rio</strong>res e marinheiros<strong>de</strong> um navio <strong>de</strong> guerra estrangeiro, com menoscabo da soberania nacional [...]Esses atos <strong>de</strong> polícia não foram pratica<strong>do</strong>s por or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> comandanteda Panther, como ele <strong>de</strong>clarou solenemente ao chefe <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>-maior daArmada Imperial, e ficou <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> em inquérito feito a bor<strong>do</strong>, <strong>de</strong>baixo<strong>de</strong> juramento. Não era possível, portanto, que o Brasil pedisse a punição508


ARTIGOS DE IMPRENSAadministrativa <strong>de</strong>sse comandante pelo que não fez, ou pelo que não man<strong>do</strong>ufazer. Os oficiais e infe<strong>rio</strong>res que estavam licencia<strong>do</strong>s em terra e quepraticaram excessos no Hotel <strong>do</strong> Commercio e na casa Zimmermann vãoser submeti<strong>do</strong>s à justiça militar. Desaprova<strong>do</strong>s eles pelo comandante e pelogoverno da Alemanha, <strong>de</strong>sapareceu qualquer ofensa a nossa soberania.Quanto a Steinhauf, a <strong>de</strong>claração feita ao chefe <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>-maiorda Armada pelo comandante da Panther, <strong>de</strong> que não estava e nuncahavia esta<strong>do</strong> a bor<strong>do</strong>, era suficiente, segun<strong>do</strong> os juristas internacionais,para que não pudéssemos insistir na reclamação da sua entrega. Se umgoverno estrangeiro ousasse pôr em dúvida afirmação semelhante feitapor um comandante <strong>de</strong> navio <strong>de</strong> guerra brasileiro ao chefe <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>maiorda nossa Armada, consi<strong>de</strong>raríamos com toda a razão que haverianisso injúria à honra da Marinha e da nação brasileira.“Fígaro” mostra-se muito incomoda<strong>do</strong> por não ter apareci<strong>do</strong> atéagora o famoso Fritz Steinhauf (ortografia <strong>do</strong> nome nos inquéritos eno cartão postal <strong>de</strong> 1 o <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro). Sabe, porém, se a polícia <strong>de</strong> SantaCatarina e <strong>de</strong> outros lugares o têm seriamente procura<strong>do</strong>?Em Itajaí, o comissá<strong>rio</strong> <strong>de</strong> polícia só tinha às suas or<strong>de</strong>ns <strong>do</strong>issolda<strong>do</strong>s, para a guarda da polícia. Em 26 <strong>de</strong> novembro, havia apenas8 ou 10 dias que ali chegara Steinhauf. Pouca gente o conhecia. Não há<strong>de</strong>le retrato algum. Sabe-se, apenas, pelo segun<strong>do</strong> inquérito, que nãotinha dinheiro para pagar o hotel e retirar a sua mala, nem mesmo “paracomprar uma caixa <strong>de</strong> fósforos”. Quem po<strong>de</strong> saber se Steinhauf temmotivos para se ocultar e mudar <strong>de</strong> nome?O comandante ouviu dizer que ele esteve em Florianópolis, que alichegara em navio <strong>de</strong> vela, que <strong>de</strong>pois partira para Buenos Aires. Tambémo governa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> ouviu dizer isso e man<strong>do</strong>u a notícia ao Ministé<strong>rio</strong>das Relações Exte<strong>rio</strong>res. O nome <strong>de</strong> Steinhauf não foi encontra<strong>do</strong> entre os<strong>do</strong>s passageiros <strong>do</strong>s navios entra<strong>do</strong>s e saí<strong>do</strong>s. Nem po<strong>de</strong>ria ser encontra<strong>do</strong>.Ele não tinha dinheiro para comprar uma passagem. Po<strong>de</strong>ria, porém,ter chega<strong>do</strong> a Florianópolis em alguma falua, como a barcaça que no dia 28<strong>de</strong> novembro partiu <strong>de</strong> Porto Belo conduzin<strong>do</strong> Groschang para Itajaí. Nãoconsta que as faluas e as pequenas embarcações figurem nas listas <strong>de</strong> entradase saídas <strong>de</strong> navios. Também não é exato, como parece pensar “Fígaro”, queum pesca<strong>do</strong>r, ou amigo <strong>de</strong> pesca<strong>do</strong>r, que saia <strong>de</strong>ste porto para Ponta Negraou Sepetiba, pague imposto <strong>de</strong> passagem em qualquer repartição, nem que astenhamos em cada praia ou enseada <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Santa Catarina.509


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOQue Steinhauf tenha segui<strong>do</strong> como cria<strong>do</strong>, foguista, varre<strong>do</strong>r ou oque quer que seja, “trabalhan<strong>do</strong> a bor<strong>do</strong> pela passagem”, para BuenosAires, Rio Gran<strong>de</strong> ou qualquer outro porto; que esteja na ilha <strong>de</strong> SantaCatarina ou na terra firme, pouco nos importa. O que não po<strong>de</strong>mosduvidar, diante da <strong>de</strong>claração <strong>do</strong> governo da Alemanha, é <strong>de</strong> que ele nãonos foi entregue, porque não estava e nunca esteve a bor<strong>do</strong> da Panther.135) Circular *19 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1908, AHI 317/02/02Índice: “Artigos <strong>do</strong> senhor Zeballos”.2 a seção / n o 26 / CircularÀ legação brasileiraRio <strong>de</strong> Janeiro, 19 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1908.Senhor,...O senhor <strong>do</strong>utor Estanislau S. Zeballos, <strong>de</strong>pois que <strong>de</strong>ixou o cargo<strong>de</strong> ministro das Relações Exte<strong>rio</strong>res da República Argentina, continuoupublicamente, com a sua assinatura, os ataques que já teria dirigi<strong>do</strong>,quan<strong>do</strong> ministro, ao governo brasileiro nos jornais La Prensa, ElSarmiento e La Razón, <strong>de</strong> Buenos Aires.Remeto a V...., nos <strong>do</strong>is anexos ** ao presente <strong>de</strong>spacho, algumasretificações às muitas inverda<strong>de</strong>s que ele tem posto em circulação. Asprimeiras retificações apareceram aqui no jornal A Notícia, da tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> 7<strong>do</strong> corrente, e foram transcritas na Gazeta <strong>de</strong> Notícias da manhã seguinte(anexo n o 1); as segundas, no Diá<strong>rio</strong> Oficial <strong>de</strong> hoje, 19 (anexo n o 2).Tenho a honra <strong>de</strong> reiterar a V.... os protestos da minha...Rio Branco*Circular manuscrita pelo Barão <strong>do</strong> Rio Branco. Na margem infe<strong>rio</strong>r da circular, carimbo <strong>de</strong> nota <strong>do</strong> arquivogeral, data<strong>do</strong> <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1931: “Foi acrescenta<strong>do</strong> o índice, C.H.M.” (N. E.)**O Arquivo Histórico <strong>do</strong> Itamaraty contém rascunho, da própria mão <strong>de</strong> Rio Branco, com a íntegra <strong>de</strong>staentrevista. Por artifício, o ministro atribuiu a redação a um jornalista. (AHI 206/02/03). (N. E.)510


ARTIGOS DE IMPRENSA[Anexo 1 ] *Transcrito da Gazeta <strong>de</strong> Notícias, <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, 8 <strong>de</strong> setembro<strong>de</strong> 1908.Declarações <strong>do</strong> senhor <strong>barão</strong> <strong>do</strong> Rio Branco.O ex-ministro das Relações Exte<strong>rio</strong>res da República Argentina, senhorEstanislau S. Zeballos, continua na sua campanha <strong>de</strong> animosida<strong>de</strong> contra oBrasil. É certo que essa campanha não conseguiu, nem talvez conseguiránunca, impressionar a opinião sensata <strong>do</strong> país amigo. No entanto, asafirmações <strong>do</strong> senhor Zeballos vão em tamanho crescen<strong>do</strong> <strong>de</strong> ousadia, que érazoável esfriar-lhe um tanto o entusiasmo, restauran<strong>do</strong> a verda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s fatos.Ainda ontem, os telegramas <strong>de</strong> Buenos Aires continham o resumo<strong>de</strong> um artigo <strong>do</strong> senhor Zeballos. A esse respeito, são muito importantesas <strong>de</strong>clarações feitas pelo senhor Barão <strong>do</strong> Rio Branco a um redator <strong>de</strong>A Notícia. São as seguintes:O senhor Rio Branco disse que só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> conhecer o texto da correspondência,publicada em La Nación, e o <strong>do</strong>s <strong>artigos</strong> <strong>do</strong> <strong>do</strong>utor Zeballos po<strong>de</strong>ria, talvez, dizermais alguma coisa. Seria precipitação falar pormenorisadamente agora, fian<strong>do</strong>-seapenas em resumos telegráficos.Não teve entrevista alguma para ser publicada. Conversou com um redator <strong>de</strong> La Nación<strong>de</strong> passagem no Rio, em viagem para a Europa. Respon<strong>de</strong>u a algumas perguntas, masnão po<strong>de</strong> saber se as suas respostas foram transmitidas com rigorosa exatidão. Não éfácil resumir com inteira fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> o que se ouve em uma palestra <strong>de</strong> 20 minutos.O que po<strong>de</strong> afirmar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já é que, no tocante à missão <strong>do</strong> <strong>do</strong>utor Zeballos aWashington, só disse coisas que <strong>de</strong>veriam ser agradáveis ao então advoga<strong>do</strong> da causaargentina. O interesse <strong>de</strong>le, <strong>barão</strong>, estava em exaltar o seu ilustre conten<strong>do</strong>r, não em<strong>de</strong>primi-lo. E sempre compreen<strong>de</strong>u assim o seu interesse. Repetiu, nessa ocasião,o que sempre tem dito, isto é, que nenhum outro advoga<strong>do</strong> po<strong>de</strong>ria ganhar a causaargentina, tão numerosos e <strong>de</strong>cisivos em favor <strong>do</strong> Brasil eram os <strong>do</strong>cumentos queele, <strong>barão</strong>, levou para Washington e os que poste<strong>rio</strong>rmente recebeu <strong>do</strong>s arquivos <strong>de</strong>Lisboa, Madri, Simancas e Alcalá <strong>de</strong> Henares. Lembrou que o <strong>do</strong>utor Carlos Aldáo,*Anexo impresso. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imprensa Nacional, 1908. (N. E.)511


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOex-secretá<strong>rio</strong> da missão especial argentina, disse com a sua firma, em um <strong>do</strong>s jornais<strong>de</strong> Buenos Aires, logo <strong>de</strong>pois da sentença <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte Cleveland, em fevereiro <strong>de</strong>1895, que, ten<strong>do</strong> estuda<strong>do</strong> os <strong>do</strong>cumentos a que se referiam os comissá<strong>rio</strong>s espanhóisna discussão com os portugueses, verificara ser a causa argentina insustentável eque qualquer árbitro imparcial, como o presi<strong>de</strong>nte Cleveland, só po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>cidir aquestão a favor <strong>do</strong> Brasil. O senhor Barão <strong>do</strong> Rio Branco disse, ainda, ao redator <strong>de</strong>La Nación, que o <strong>do</strong>utor Zeballos fizera tu<strong>do</strong> quanto podia em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> uma causamá e muito mais <strong>do</strong> que, em sua opinião, <strong>de</strong>veria ter feito.À outra pergunta, respon<strong>de</strong>u que o <strong>de</strong>sejo sincero <strong>do</strong> governo brasileiro é prosseguirem uma política <strong>de</strong> perfeita cordialida<strong>de</strong> com a Argentina, como sabem muitosestadistas e homens políticos nessa República, mas que tal política foi contrariadapelo <strong>do</strong>utor Zeballos, o qual, como era sabi<strong>do</strong> e se está ven<strong>do</strong> melhor agora,nutre gran<strong>de</strong>s e injustas prevenções contra o Brasil e, quan<strong>do</strong> ministro, dirigiaou animava, em vá<strong>rio</strong>s jornais portenhos, uma odienta campanha <strong>de</strong> agressões aeste país, sempre firme e leal amigo da nação argentina, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a aliança <strong>de</strong> 1851.Os sentimentos <strong>de</strong>le, Barão <strong>do</strong> Rio Branco, para com o gran<strong>de</strong> país vizinho sãoconheci<strong>do</strong>s <strong>de</strong> muitos argentinos e têm si<strong>do</strong> por ele afirma<strong>do</strong>s em várias ocasiões.O <strong>do</strong>utor Vicente Quesada, na sua recente obra, na página 436 <strong>do</strong> tomo 2, transcreveuuma carta que, em 3 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1905, ele, Rio Branco, dirigira ao ministroargentino, <strong>do</strong>utor Gorostiaga. Nessa carta escreveu o senhor Rio Branco: “A minhamocida<strong>de</strong> passou-se no tempo da efetiva aliança entre o Brasil e a República Argentina.Sou filho <strong>de</strong> um homem que foi sempre sincero amigo da nação argentina, dan<strong>do</strong> muitasprovas disso na sua carreira política. Desejaria que <strong>de</strong> mim se pu<strong>de</strong>sse também dizerque durante a minha passagem pelo governo fiz o que pu<strong>de</strong> para dissipar velhos erros eestreitar relações <strong>de</strong> boa harmonia entre os <strong>do</strong>is povos. Estou cada vez mais convenci<strong>do</strong><strong>de</strong> que uma cordial inteligência entre a Argentina, o Brasil e o Chile seria <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>proveito para cada uma das três nações e teria influência benéfica <strong>de</strong>ntro e fora das suasfronteiras. São esses, igualmente, os sentimentos <strong>do</strong> nosso atual presi<strong>de</strong>nte, como foramos <strong>do</strong>s seus pre<strong>de</strong>cessores e os <strong>do</strong>s estadistas <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> reina<strong>do</strong> [...]”O caso <strong>do</strong>s bons ofícios pedi<strong>do</strong>s confi<strong>de</strong>ncialmente ao Brasil pelo Paraguai epela Bolívia para a solução amigável <strong>do</strong> litígio que essas duas Repúblicas têmpen<strong>de</strong>nte sobre as suas fronteiras no Chaco é mais uma prova <strong>do</strong> empenho comque o governo brasileiro procura seguir a política indicada naquela carta.512


ARTIGOS DE IMPRENSAA Bolívia fez esse pedi<strong>do</strong> em nota <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1903, firmada emPetrópolis pelos seus plenipotenciá<strong>rio</strong>s Fernan<strong>do</strong> Guachalla e Claudio Pinilla.O senhor Soler, quan<strong>do</strong> encarrega<strong>do</strong> interinamente da pasta das RelaçõesExte<strong>rio</strong>res <strong>do</strong> Paraguai, em 1906, falou ao representante <strong>do</strong> Brasil em Assunção,senhor Cochrane <strong>de</strong> Alencar, pedin<strong>do</strong>-lhe confi<strong>de</strong>ncialmente que o senhor RioBranco se ocupasse <strong>de</strong> obter a transferência da negociação para o Rio <strong>de</strong> Janeiro,com o fim <strong>de</strong> ser aqui continuada pelos ministros das Relações Exte<strong>rio</strong>res daBolívia e <strong>do</strong> Paraguai, sob as vistas amistosas <strong>do</strong> governo brasileiro.O senhor Rio Branco respon<strong>de</strong>u ao senhor Alencar que não acreditava que pu<strong>de</strong>ssevir então a esta capital o ministro Claudio Pinilla e que, para haver certeza <strong>de</strong> umasolução satisfatória, parecia-lhe melhor constituir-se uma comissão arbitral composta<strong>de</strong> <strong>de</strong>lega<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Brasil, da Argentina e <strong>do</strong> Chile, perante a qual os plenipotenciá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong>Paraguai e da Bolívia expusessem a questão, dan<strong>do</strong>-se à comissão po<strong>de</strong>res para a<strong>do</strong>taruma das linhas da pretensão máxima <strong>de</strong> cada litigante ou alguma linha intermédia.Estavam as coisas neste pé, quan<strong>do</strong> o senhor Zeballos entrou para o governo eo seu trabalho consistiu em afastar o Brasil e o Chile, chaman<strong>do</strong> somente para ogoverno argentino a intervenção amigável no arranjo da questão. La Prensa, emjaneiro ou fevereiro <strong>de</strong> 1907, referiu isto como uma gran<strong>de</strong> vitória diplomática<strong>do</strong> novo ministro, publican<strong>do</strong>, entretanto, um da<strong>do</strong> inexato, isto é, dizen<strong>do</strong> que osenhor Rio Branco preten<strong>de</strong>ra ser o presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sse tribunal arbitral.A verda<strong>de</strong>, porém, é que, nos primeiros dias <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1906, o ministro daBolívia no Brasil disse ao senhor Rio Branco que, da correspondência recebidaaté então em La Paz, não constava que houvesse <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> inconciliável entreos plenipotenciá<strong>rio</strong>s boliviano e paraguaio e que, se se tivesse produzi<strong>do</strong> esse<strong>de</strong>sacor<strong>do</strong>, o seu governo provavelmente concordaria no expediente sugeri<strong>do</strong> epediria que um <strong>do</strong>s árbitros fosse o senhor Rio Branco; ao que este respon<strong>de</strong>u,logo, que não po<strong>de</strong>ria aceitar o encargo, porque não dispunha <strong>de</strong> tempo paraestudar a questão, mas que o Brasil nomearia, como <strong>de</strong>certo a Argentina e o Chile,um homem competente para se ocupar exclusivamente da matéria.Acrescentou que a missão <strong>de</strong> árbitro internacional é sumamente <strong>de</strong>licada. Quasesempre uma das partes interessadas fica <strong>de</strong>scontente com a <strong>de</strong>cisão e, às vezes,ficam queixosas as duas.513


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCONão é encargo que <strong>de</strong>sejasse para o seu país, tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> questão que interessavaa vizinhos. Para que a <strong>de</strong>cisão não pu<strong>de</strong>sse ser suspeitada <strong>de</strong> parcialida<strong>de</strong>, propunhaa intervenção <strong>de</strong> <strong>do</strong>is outros governos, igualmente amigos <strong>do</strong> Paraguai e da Bolívia.Sobre o trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> comércio com a Argentina, fará publicar amanhã ou <strong>de</strong>pois, noDiá<strong>rio</strong> Oficial, o pensamento <strong>do</strong> governo brasileiro, manifesta<strong>do</strong> em 30 <strong>de</strong> maioúltimo, por escrito, à legação argentina e já manifesta<strong>do</strong>, verbalmente, ao senhorGorostiaga, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1906. O senhor Assis Brasil não po<strong>de</strong>ria ter dito o que o senhorZeballos lhe atribui. A lealda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse diplomata não po<strong>de</strong> ser suspeitada. Emmatéria <strong>de</strong> trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> comércio, o Ministé<strong>rio</strong> das Relações Exte<strong>rio</strong>res não po<strong>de</strong>proce<strong>de</strong>r senão <strong>de</strong> pleno acor<strong>do</strong> com o da Fazenda, e o que os ministros <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>no Brasil dizem ou fazem é o que fica resolvi<strong>do</strong> com o presi<strong>de</strong>nte da República.São essas as <strong>de</strong>clarações feitas a um <strong>do</strong>s nossos colegas <strong>de</strong> A Notíciae que, com muito prazer, reproduzimos.Rio <strong>de</strong> Janeiro, Imprensa Nacional, 1908[Anexo 2 ] *Transcrito <strong>do</strong> Diá<strong>rio</strong> Oficial, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 20 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1908.Ministé<strong>rio</strong> das Relações Exte<strong>rio</strong>res.O senhor <strong>do</strong>utor Estanislau S. Zeballos, <strong>de</strong>pois que <strong>de</strong>ixou o cargo <strong>de</strong>ministro das Relações Exte<strong>rio</strong>res da República Argentina, tem publica<strong>do</strong>em Buenos Aires alguns <strong>artigos</strong> nos quais, com muita prevenção einjustiça, se ocupa <strong>do</strong> governo e da política internacional <strong>do</strong> Brasil.Seria tarefa <strong>de</strong>masiadamente longa e <strong>de</strong>sagradável a <strong>de</strong> retificar osnumerosos enganos e erros <strong>de</strong> fato que se leem nesses <strong>artigos</strong> É indispensável,porém, reclamar contra duas das inexatidões publicadas este mês.Escreveu o senhor <strong>do</strong>utor Zeballos o seguinte em uma revista:As suas legações (as <strong>do</strong> Brasil) em Buenos Aires, em Montevidéu, em Assunção,na Bolívia, em Santiago <strong>do</strong> Chile, em Lima, em Washington e, provavelmente,na Europa, divulgaram, obe<strong>de</strong>cen<strong>do</strong> a or<strong>de</strong>ns diretas <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, a versão*Anexo impresso. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imprensa Nacional, 1908. (N. E.)514


ARTIGOS DE IMPRENSA<strong>de</strong> que a República Argentina prossegue em uma política vai<strong>do</strong>sa <strong>de</strong> conquista<strong>do</strong>s países fracos, cuja in<strong>de</strong>pendência o Brasil protege e há <strong>de</strong> assegurar logoque haja recebi<strong>do</strong> os seus formidáveis armamentos. Existem em Buenos Airesas provas escritas <strong>de</strong>ssa propaganda inamistosa e sem fundamento. Do Pacífico,chegaram, à porfia, essas provas. O chanceler <strong>do</strong> Brasil, com efeito, or<strong>de</strong>nava, em1908, a um <strong>do</strong>s seus agentes o seguinte: “Divulgue as pretensões imperialistas daRepública Argentina, fazen<strong>do</strong> saber nos altos círculos políticos que ela, em suavaida<strong>de</strong>, sonha com o <strong>do</strong>mínio da Bolívia, <strong>do</strong> Paraguai, <strong>do</strong> Uruguai e também <strong>do</strong>nosso Rio Gran<strong>de</strong>.”Demonstre que o Brasil, em homenagem à justiça, ampara os fracos em <strong>de</strong>fesa<strong>do</strong>s interesses internacionais, procedimento humanitá<strong>rio</strong> com que a chancelaria <strong>de</strong>Washington se mostra conforme.Tu<strong>do</strong> quanto afirmou o senhor <strong>do</strong>utor Zeballos nas linhas transcritassó po<strong>de</strong> ter por base a informação <strong>de</strong> algum homem da mais requintadamá-fé. O atual ministro das Relações Exte<strong>rio</strong>res <strong>do</strong> Brasil nunca dirigiuaos representantes <strong>de</strong>sta República no estrangeiro (nem em <strong>de</strong>spachooficial, pelo telégrafo ou pelo correio, nem em carta particular ouconfi<strong>de</strong>ncial) instruções que tenham sequer a mais remota semelhançacom as que lhe foram atribuídas. A or<strong>de</strong>m que o senhor <strong>do</strong>utor Zeballosapresenta entre aspas e que lhe disseram ter si<strong>do</strong> dirigida em 1908 aum <strong>do</strong>s agentes brasileiros no Pacífico é um <strong>do</strong>cumento absolutamentefalso, no fun<strong>do</strong> e na forma.No mesmo artigo <strong>do</strong> ex-ministro, lê-se: “O jornal A Imprensa, <strong>do</strong>Rio <strong>de</strong> Janeiro, publicou, em maio <strong>de</strong> 1908, uma série <strong>de</strong> <strong>artigos</strong> revistose corrigi<strong>do</strong>s no palácio Itamaraty. Intitula-se esse iracun<strong>do</strong> estu<strong>do</strong>político: ‘O problema argentino e a guerra’.”A asseveração <strong>de</strong> que esses <strong>artigos</strong> foram inspira<strong>do</strong>s pelo ministrodas Relações Exte<strong>rio</strong>res <strong>do</strong> Brasil, ou li<strong>do</strong>s no Itamaraty antes <strong>de</strong>impressos e publica<strong>do</strong>s, é outra invenção caluniosa, a que o ex-ministronão <strong>de</strong>vera dar crédito e, menos ainda, dar curso pela <strong>imprensa</strong> com aautorida<strong>de</strong> que lhe advém <strong>do</strong> alto cargo que acaba <strong>de</strong> exercer.Rio <strong>de</strong> Janeiro, 19 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1908.515


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO136) Jornal <strong>do</strong> CommercioRio <strong>de</strong> Janeiro, 26 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1908. Seção “Gazetilha”.Brasil e ArgentinaHá um esforço na República Argentina para que a campanha, quehá muito tempo se faz contra o Brasil, se transforme em agitação. Paraisso, um homem político se arroga o papel <strong>de</strong> representativo <strong>de</strong> umavelha sobrevivência, como é o preconceito <strong>do</strong>s ódios castelhanos eportugueses transporta<strong>do</strong>s para a América <strong>do</strong> Sul, e espalha o pânicoda pátria em perigo. Não sabemos até que ponto as suas palavras sãoacreditadas pela maioria <strong>do</strong>s seus compat<strong>rio</strong>tas, mas os seus a<strong>de</strong>ptos,por diminutos que sejam, formam ainda assim a minoria que se moveirrequieta por entre a massa da população argentina, crian<strong>do</strong> sobretu<strong>do</strong>uma situação interna que é tempo <strong>de</strong> acabar.Um povo é como uma criança, não po<strong>de</strong> permanecer sob a impressão<strong>de</strong> um espantalho. O <strong>de</strong>sva<strong>rio</strong> sobrevém fatalmente.Em toda esta comédia, que um pouco mais <strong>de</strong> loucura po<strong>de</strong> mudarpara tragédia, é singular a disposição <strong>do</strong>s espíritos brasileiros, calmos,indiferentes, quase risonhos, ante tanta fúria belicosa. Aqui não háatmosfera <strong>de</strong> guerra. Há uma gran<strong>de</strong> limpi<strong>de</strong>z nos sentimentos, reinaum i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> paz e alegria no povo <strong>de</strong>sperta<strong>do</strong> <strong>de</strong> um longo e tenebrosopessimismo; e, mesmo <strong>do</strong>s instintos profun<strong>do</strong>s da raça, não sobememanações <strong>do</strong>entias que se transformam em movimentos <strong>de</strong> impulsãoagressiva. Se <strong>de</strong> improviso nos viesse uma guerra, certamente que anossa repulsa seria enérgica e tanto mais firme porque não estamosator<strong>do</strong>a<strong>do</strong>s pela paixão <strong>do</strong> ódio; seria, nessa guerra, a <strong>de</strong>fesa a friaresistência ao agressor. No esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> cultura a que chegamos, a nossaativida<strong>de</strong> guerreira se limita conscientemente a esse imorre<strong>do</strong>uroinstinto <strong>de</strong> repulsa. Jamais seremos nós os agressores. No entanto, ospregoeiros argentinos, que sabem disso, enganam os ânimos crédulos <strong>de</strong>seu país, fundan<strong>do</strong> a fantasia <strong>de</strong> um perigo brasileiro no fato <strong>de</strong> estarmosreorganizan<strong>do</strong> a esquadra e transforman<strong>do</strong> o exército.A República Argentina executou há muito tempo as reformas necessárias<strong>do</strong> seu serviço <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa nacional, e isso nos foi indiferente. Com a mesmatranquilida<strong>de</strong> veremos o aumento <strong>de</strong> sua marinha e <strong>de</strong> seus armamentos.516


ARTIGOS DE IMPRENSANão há i<strong>de</strong>al mais alevanta<strong>do</strong> que liberte uma nação das contingências <strong>de</strong>sua própria existência. Um Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve ser o que foi o Esta<strong>do</strong> romano,um egoísmo organiza<strong>do</strong>, egoísmo que seja um conjunto <strong>de</strong> forças morais emateriais, disciplinadas, capazes <strong>de</strong> preparar o máximo <strong>de</strong> progresso a que<strong>de</strong>ve aspirar uma socieda<strong>de</strong> política. No meio <strong>de</strong> nações armadas, o problemada organização militar é uma expressão <strong>de</strong>sse egoísmo fundamental, eum fato que interessa notavelmente à or<strong>de</strong>m interna brasileira. Somosgeograficamente um país em que a Marinha tem o principal papel na <strong>de</strong>fesa<strong>do</strong> territó<strong>rio</strong>. O nosso primeiro cuida<strong>do</strong>, portanto, <strong>de</strong>ve ser o <strong>de</strong> possuirmosuma esquadra mo<strong>de</strong>rna, que pelo menos em qualida<strong>de</strong> possa competir comas mais adiantadas e na qual o gênio marítimo da população encontre o maisperfeito ambiente para a plena satisfação <strong>de</strong> seus persistentes instintos. A nossaesquadra organizada, sossegadamente, livremente, sem a menor preocupação<strong>de</strong> equivalência para a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> nossas costas, serve para a proteção <strong>de</strong> nossosportos. Não preparamos uma esquadra <strong>de</strong> agressão contra os povos <strong>do</strong> Prata,digamos com to<strong>do</strong> o <strong>de</strong>sassombro; se, um dia, pelas circunstâncias da políticainternacional, tivermos <strong>de</strong> prestar à nação argentina mais uma vez os serviços<strong>de</strong> alia<strong>do</strong>s, a que nos habituamos, passaríamos pelo constrangimento <strong>de</strong> nãopo<strong>de</strong>rem os nossos melhores navios operar no Prata, em <strong>de</strong>fesa da magníficaBuenos Aires. No entanto, o problema naval argentino, com os seus imensosencouraça<strong>do</strong>s inservíveis para o estuá<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Prata e para a proteção <strong>do</strong>s seusportos comerciais, traduz o espírito <strong>de</strong> agressão com que foi concebi<strong>do</strong>. Seessas intenções vingarem, só nos cabe assinalar o lamentável antagonismo <strong>do</strong>pensamento político <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is povos vizinhos.A reorganização <strong>do</strong> exército, inspirada ainda pelo sentimento <strong>de</strong><strong>de</strong>fesa, veio também resolver um problema íntimo da nossa culturanacional. Tínhamos pratica<strong>do</strong> em excesso as qualida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> nossotemperamento e tínhamos chega<strong>do</strong> ao <strong>de</strong>feito <strong>de</strong>ssas qualida<strong>de</strong>s.À tolerância substituíramos a relaxação; à liberda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s instintos,a indisciplina; à intelectualida<strong>de</strong>, o diletantismo e o ceticismo; ao<strong>de</strong>sinteresse nobre, o <strong>de</strong>sdém e a apatia. Era tempo <strong>de</strong> vir o remédio,e uma reação <strong>de</strong> energia <strong>de</strong> um povo, apenas <strong>de</strong>sfaleci<strong>do</strong>, explodiu emto<strong>do</strong> o organismo da nação. A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma educação militar dasnovas gerações apareceu como uma medida <strong>de</strong> disciplina e seleção, fruto<strong>de</strong> psicologia interna, e não cálculo suspicaz <strong>de</strong> política <strong>do</strong> exte<strong>rio</strong>r.Não é com esse exército em elaboração e com aquela remota marinhaque po<strong>de</strong>mos estar em uma atmosfera <strong>de</strong> guerra. A organização <strong>de</strong>sses517


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOelementos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e estabilida<strong>de</strong> nos <strong>de</strong>vem afastar para sempre <strong>do</strong>perigo <strong>de</strong>smoraliza<strong>do</strong>r da América <strong>do</strong> Sul, que é o caudilhismo. Comum exército disciplina<strong>do</strong> e inteligente, que seja a seleção das forçasintelectuais e morais <strong>do</strong> país, po<strong>de</strong>-se dizer afasta<strong>do</strong> aquele perigo. É porisso que o espetáculo <strong>de</strong>ssa agitação argentina nos espanta, porque o seuexército é hoje o expoente da própria civilização nacional, e esta é muitoadiantada para não suportar mais a praga <strong>do</strong>s caudilhos militares e civis.No entanto, esse alvoroço belicoso e esse <strong>de</strong>spertar <strong>de</strong> velhos ódioscastelhanos contra portugueses só se explicam como uma sobrevivência<strong>do</strong> caudilhismo hispano-americano, para o qual pelejar era viver. Areminiscência <strong>de</strong>sses sentimentos, transplanta<strong>do</strong>s para a América <strong>do</strong> Sule que encheram <strong>de</strong> esterilida<strong>de</strong> a vida colonial <strong>de</strong>sta região, é estranhaem um país forma<strong>do</strong> <strong>de</strong> imigrantes alheios àqueles ódios. Que têm osmilhões <strong>de</strong> italianos, alemães e homens <strong>do</strong> norte europeu no seu laborpacífico nestas terras prometidas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> com os velhos preconceitos<strong>de</strong> bisonhos espanhóis e lusitanos <strong>de</strong> outros longínquos tempos?Se o caudilhismo está extinto e a guerra não obe<strong>de</strong>ce mais ao impulsoracial, seria antes uma guerra <strong>de</strong> povos mo<strong>de</strong>rnos, uma guerra política evoluntária, que levaria a República Argentina a provocá-la? A miragemda supremacia? Nada mais frágil entre os povos fracos. Os países <strong>de</strong>stecontinente não têm uma organização bastante forte, uma estabilida<strong>de</strong><strong>de</strong> instituições que possa lhes manter as posições, adquiridas, ainda, àscustas <strong>do</strong> esforço <strong>de</strong> uma guerra. A existência internacional <strong>de</strong> muitasdas nações sul-americanas é precária. Estão inermes e <strong>de</strong>sarticuladasdiante <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s unida<strong>de</strong>s nacionais, a cujo embate não resistirão eterão <strong>de</strong> soçobrar se, no dia <strong>do</strong> encontro fatal, não estiverem amparadaspor um sistema <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, que são as amiza<strong>de</strong>s e as alianças com algumas<strong>de</strong>ssas mesmas unida<strong>de</strong>s tremendas e <strong>de</strong>vasta<strong>do</strong>ras.Nós vivemos fora da realida<strong>de</strong> da política internacional <strong>de</strong> hoje, emplena ilusão a que o passa<strong>do</strong> nos habituou. Longo tempo a América <strong>do</strong> Sulesteve entregue a si mesma, fez e <strong>de</strong>sfez nacionalida<strong>de</strong>, ergueu e matou aliberda<strong>de</strong>, armou e extinguiu <strong>de</strong>spotismo, estabeleceu prepon<strong>de</strong>râncias esupremacias, perfeitamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte em matéria internacional. Foipor essa época que o Brasil, chama<strong>do</strong> pelos parti<strong>do</strong>s políticos em luta,interveio no Prata; entrou naquelas terras para dirimir, pelas armas e peladiplomacia, <strong>de</strong>savenças sanguinárias no perío<strong>do</strong> difícil da gestação <strong>do</strong>sEsta<strong>do</strong>s; foi agente <strong>de</strong> paz e <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, e à sombra da aliança com o518


ARTIGOS DE IMPRENSABrasil realizou Mitre o seu gran<strong>de</strong> feito político, que é a unida<strong>de</strong> nacionalda República argentina. Quan<strong>do</strong> se acabou a sua missão histórica noPrata, o Brasil <strong>de</strong>ixou ali nações organizadas, e o nosso territó<strong>rio</strong> nãofoi aumenta<strong>do</strong> pela fácil incorporação <strong>de</strong> províncias <strong>de</strong>sgovernadas.Estávamos expurga<strong>do</strong>s para sempre <strong>do</strong> tenebroso espírito <strong>de</strong> conquista.Há muito a nossa intervenção no Prata está terminada. O Brasilnada mais tem que fazer na vida interna das nações vizinhas. Está certo<strong>de</strong> que a liberda<strong>de</strong> e a in<strong>de</strong>pendência internacional não sofrerão ali um<strong>de</strong>sequilíb<strong>rio</strong> violento. O seu interesse político está em outra parte. Épara um ciclo maior que ele é atraí<strong>do</strong>. Desinteressan<strong>do</strong>-se das rivalida<strong>de</strong>sestéreis <strong>do</strong>s países sul-americanos, entreten<strong>do</strong> com esses Esta<strong>do</strong>s umacordial simpatia, o Brasil entrou resolutamente na esfera das gran<strong>de</strong>samiza<strong>de</strong>s internacionais, a que tem direito pela aspiração <strong>de</strong> sua cultura,pelo prestígio <strong>de</strong> sua gran<strong>de</strong>za territorial e pela força <strong>de</strong> sua população.Deve ser esse também o impulso da política argentina. Emanciparseda “sul-américa” no que esta expressão traduz <strong>de</strong> <strong>de</strong>sairoso. Para isso,extinga a nação platina os últimos fumos <strong>do</strong> caudilhismo, não sonhecom supremacias instantâneas nesta débil América <strong>do</strong> Sul, <strong>de</strong>samparadaagora <strong>do</strong> <strong>do</strong>gma político <strong>de</strong> Canning, <strong>do</strong> princípio da intangibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>spequenos povos, que a própria Inglaterra sepultou nos campos <strong>de</strong> batalha<strong>do</strong> Transvaal. Lembrem-se os agita<strong>do</strong>res <strong>de</strong> que uma vez a guerra entre<strong>do</strong>is povos sul-americanos esteve nas mãos <strong>de</strong>ssa mesma Inglaterra,que lhes ditou a paz. Tal é a <strong>do</strong>lorosa contingência <strong>do</strong>s povos fracos...Por maior que seja a irritação <strong>do</strong> amor próp<strong>rio</strong> <strong>de</strong>les, louvemos essarestrição benéfica, porque uma guerra seria a maior calamida<strong>de</strong> que se<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>aria neste continente. Fosse qual fosse o vence<strong>do</strong>r, a difícil ecustosa vitória não teria frutos, a existência <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s sul-americanosestaria envenenada pelo sentimento da ven<strong>de</strong>ta, e a <strong>de</strong>sforra passaria aser para eles o novo princípio político.É por isso que o bom-senso brasileiro repugna a guerra. Nada separao Brasil da Argentina, liga<strong>do</strong>s abstratamente por um <strong>de</strong>stino comum <strong>de</strong>civilização e cultura, <strong>do</strong> qual são os maiores representantes na AméricaLatina. As nossas questões só po<strong>de</strong>m ser resolvidas pela regra constitucional<strong>do</strong> nosso país, que consignamos no Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Arbitramento elabora<strong>do</strong>aqui na boa-fé da amiza<strong>de</strong>. Cultivemos tranquilamente as nossas relações<strong>de</strong> vizinhança, troquemos com toda a liberda<strong>de</strong>, sem pactos força<strong>do</strong>s, osprodutos <strong>do</strong> nosso trabalho e da nossa inteligência. O campo <strong>de</strong> irradiação519


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOpara as nossas energias jovens não po<strong>de</strong> ser a guerra à civilização; antes,<strong>de</strong>ve ser aquela conquista <strong>do</strong> <strong>de</strong>serto, prevista e iniciada profeticamentepelos melhores estadistas argentinos. A assombrosa fertilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s nossosterritó<strong>rio</strong>s nos dá uma grave responsabilida<strong>de</strong> histórica. São eles o refúgio<strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> homens que os fecundam e os transformam. Acima <strong>do</strong>spreconceitos <strong>de</strong> infundadas rivalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sul-americanos, paira sobreessas terras, que se chamam Brasil e Argentina, um imenso interessehumano. Este solo não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>vasta<strong>do</strong> pela guerra. Pelo seu <strong>de</strong>stino,ele é sagra<strong>do</strong> e intangível.137) Jornal <strong>do</strong> CommercioTerça feira, 13 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1909As relações exte<strong>rio</strong>res <strong>do</strong> Brasil durante a presidência Afonso Pena.Dom Pedro II, que tanto amava o Brasil, mais <strong>do</strong> que a si mesmoe à sua dinastia, era, entretanto, causa involuntária <strong>de</strong> um lamentávelequívoco, altamente prejudicial ao bom conceito da civilizaçã<strong>obras</strong>ileira, à justa avaliação <strong>do</strong>s progressos morais <strong>do</strong> nosso povo que,para a Europa, vivia à sombra da reputação universal <strong>do</strong> nosso segun<strong>do</strong>impera<strong>do</strong>r.Acreditava-se, no estrangeiro, que a nossa Constituição liberal, osnossos códigos, as nossas outras leis, a nossa administração – mo<strong>de</strong>ladaà feição oci<strong>de</strong>ntal –, os institutos <strong>de</strong> ensino, as aca<strong>de</strong>mias científicas eliterárias e a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>imprensa</strong> eram pura e simplesmente dádivas<strong>de</strong> um soberano esclareci<strong>do</strong>, magnânimo até a imprudência, a um povo<strong>de</strong> uma certa inteligência nativa, sentimental e in<strong>do</strong>lente, viven<strong>do</strong>quase exclusivamente <strong>de</strong> indústrias extrativas e <strong>de</strong> culturas tropicaisem latifúndios agrícolas. Pensava-se que esse povo nada fizera para aconquista das liberda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> que gozava, contentan<strong>do</strong>-se com uma cópiasuperficial <strong>de</strong> costumes políticos e sociais <strong>do</strong> velho mun<strong>do</strong>, que nãocondiziam intimamente com o verda<strong>de</strong>iro esta<strong>do</strong> social <strong>do</strong> país, <strong>do</strong> qualo imperante era um aclimata<strong>do</strong>r exótico e paciente.Muitos escritores europeus formularam esse pensamento com amaior clareza. Depois <strong>de</strong> proclamada a República no Brasil, um sociólogo520


ARTIGOS DE IMPRENSAfrancês, o senhor Gustavo Le Bon, em uma <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhosa passagem <strong>de</strong> um<strong>do</strong>s seus livros, em quatro linhas, repetia esse mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> pensar, julgan<strong>do</strong>nosperdi<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, com a queda da monarquia, ficamos entreguesa nós mesmos, a nossa incapacida<strong>de</strong> para nos governamos como umpovo livre.Não havia duas opiniões na Europa e nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s a nossorespeito. O Brasil civiliza<strong>do</strong> era uma criação individual <strong>do</strong> sábiomonarca, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> em uma das gran<strong>de</strong>s frases <strong>de</strong> Hugo, neto <strong>de</strong>Marco Aurélio. Fora ele que formara, peça por peça, o conjunto <strong>do</strong> povoadianta<strong>do</strong> que apresentávamos ao mun<strong>do</strong> culto.Não se tinha noção <strong>de</strong> que éramos uma nacionalida<strong>de</strong> em evolução, umpovo que registrava, na sua história, se bem muito curta em comparaçãocom a das antigas nações <strong>do</strong> velho continente, lutas sangrentas pelaliberda<strong>de</strong>, pela república, pela <strong>de</strong>scentralização administrativa; lutaspacíficas no jornalismo, na tribuna popular e no Parlamento pela aboliçãoda escravidão, pelo casamento civil, pela separação da Igreja <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,pela fe<strong>de</strong>ração, pelo sufrágio universal, por tantas outras causas em que,paralelamente com a Europa, afirmava-se a cultura brasileira, se não como mesmo brilho e intensida<strong>de</strong>, pelo menos com a mesma sincerida<strong>de</strong> efirmeza e a mesma confiança no avanço natural das <strong>do</strong>utrinas liberais,no emprego das forças da inteligência, no valor <strong>de</strong>sses instrumentos<strong>de</strong> ação e <strong>de</strong> vitória nas socieda<strong>de</strong>s instruídas e policiadas, à pena e àpalavra.Conhecemos muitas <strong>obras</strong> estrangeiras sobre o Brasil, publicadasdurante o segun<strong>do</strong> Reina<strong>do</strong>. Não nos lembramos <strong>de</strong> nenhuma em que sefizesse inteira justiça ao povo brasileiro.Depois da República, por alguns anos, o Brasil, graças às agitaçõespolíticas violentas que tomavam uma antipática inclinação para asrivalida<strong>de</strong>s e ambições estritamente pessoais, as quais lançavammão das reações armadas francamente <strong>de</strong>claradas ou manhosamentedissimuladas, sentiu sobre si a <strong>de</strong>sconfiança das correntes imigratórias,a hesitante cordialida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s governos estrangeiros, o crédito curto <strong>do</strong>sbanqueiros lança<strong>do</strong>res <strong>de</strong> empréstimos, a preocupação <strong>do</strong>s cre<strong>do</strong>res, quepercebiam que se receava abertamente que nos tivéssemos atira<strong>do</strong> a umaretrogradação irreprimível, a uma <strong>de</strong>cadência irreparável <strong>de</strong> processos <strong>de</strong>lutas políticas, outrora reguladas pela rotação <strong>do</strong>s parti<strong>do</strong>s no governo,a um progressivo abaixamento <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong> administrativa, em razão521


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOda ausência <strong>de</strong> fiscalização da opinião, a um nivelamento humilhantecom certos países, cujo convívio é uma mortificação para as nações querepresentam o máximo <strong>de</strong> civilização contemporânea.Pouco a pouco, com a estabilização <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Fe<strong>de</strong>ral, com oaban<strong>do</strong>no das tendências revolucionárias, com a possibilida<strong>de</strong> para osgovernos, diante da pacificação <strong>do</strong>s espíritos, <strong>de</strong> enfrentarem gravesproblemas econômicos, <strong>de</strong> urgente solução, no inte<strong>rio</strong>r foram renascen<strong>do</strong>o espírito <strong>de</strong> energia, a confiança <strong>do</strong> país em si mesmo, acentuan<strong>do</strong>-se oconsenso <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s para uma vida política sã, digna e fecunda.Preocupa-nos <strong>de</strong>vidamente a opinião que se po<strong>de</strong> fazer <strong>de</strong> nós; emquatro anos inesquecíveis <strong>de</strong> pesa<strong>do</strong>s sacrifícios, consolidamos o nossocrédito, respeitamos estritamente os novos compromissos que assumira anossa palavra sempre honrada, preparamos firmemente a reconstituição<strong>do</strong> nosso bom renome no exte<strong>rio</strong>r.O progresso material, entibia<strong>do</strong> pelas rivalida<strong>de</strong>s pessoais,sem i<strong>de</strong>ias, volta a florescer em uma multiplicação <strong>de</strong> iniciativasgovernamentais e individuais, com a atenuação <strong>de</strong>ssas paixões estéreis,que tanto tornavam ridícula, antigamente, a América <strong>do</strong> Sul.O Brasil progri<strong>de</strong>. O Brasil levanta-se como que com uma vitalida<strong>de</strong>nova. Tem outros horizontes, <strong>de</strong>safoga-se em um novo ar e em umanova luz, pelo esforço <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os seus filhos. Sistematiza os seusempreendimentos, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> melhorar para o comércio interestadual einternacional os seus portos <strong>de</strong>saparelha<strong>do</strong>s para a ativida<strong>de</strong> marítimamo<strong>de</strong>rna. Faz o traça<strong>do</strong> e inicia a construção <strong>de</strong> importantes estradasférreas. Procura amparar na sua ruína a Marinha Mercante. Começaa transformar a sua capital, abrin<strong>do</strong> <strong>do</strong> local inicial da linha <strong>do</strong> cais<strong>de</strong> comércio uma esplendida avenida, que corta o “centro” <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong>Janeiro, in<strong>do</strong> até um <strong>do</strong>s cantos mais pitorescos <strong>do</strong> litoral <strong>de</strong>sta cida<strong>de</strong>,melhoramento ao qual se seguiram outras medidas <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização dacida<strong>de</strong>, que fora precedi<strong>do</strong> por São Paulo nesse movimento.Reenceta-se o serviço <strong>de</strong> imigração com o crité<strong>rio</strong> <strong>de</strong> fazer poucoe bem, preferin<strong>do</strong>-se selecionar a imigração, dan<strong>do</strong>-se preferência aagricultores que se po<strong>de</strong>riam estes fixar ao nosso solo, dan<strong>do</strong>-se a estesas melhores garantias <strong>de</strong> êxito no país, com o fornecimento <strong>de</strong> terras abaixo preço, construção <strong>de</strong> estradas vicinais, escrúpulo na <strong>de</strong>limitação<strong>do</strong>s lotes e proteção aos primeiros passos <strong>do</strong>s que vieram para aquicolaborar conosco na fundação <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> pátria.522


ARTIGOS DE IMPRENSAAcelera-se a penetração <strong>do</strong> inte<strong>rio</strong>r pelas estradas <strong>de</strong> ferro, baten<strong>do</strong>-seo ano passa<strong>do</strong> o recor<strong>de</strong> <strong>do</strong> aumento quilométrico na nossa viação férrea.O Brasil, em uma paz labo<strong>rio</strong>sa, inspira confiança espontânea:olham-nos como um povo que compreen<strong>de</strong> bem os seus <strong>de</strong>veres <strong>de</strong>nacionalida<strong>de</strong> nova, dispon<strong>do</strong> <strong>de</strong> um rico territó<strong>rio</strong>, quase inexplora<strong>do</strong>, eque se <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> a aproveitá-lo com as suas melhores energias. Po<strong>de</strong>, então,o Brasil <strong>de</strong>senvolver dignamente com o maior brilho as suas relaçõesexte<strong>rio</strong>res.Na presidência <strong>de</strong> Rodrigues Alves, principalmente. Na presidência<strong>de</strong> Afonso Pena, po<strong>de</strong>-se dizer que conseguimos, com um gran<strong>de</strong> tato,caracterizar, perante o mun<strong>do</strong> civiliza<strong>do</strong>, <strong>de</strong> cuja harmonia não po<strong>de</strong>mosprescindir, em que pese ao chauvinismo insensato, a nossa situação <strong>de</strong>povo <strong>de</strong>finitivamente acomoda<strong>do</strong> à vida <strong>de</strong>mocrática e to<strong>do</strong> entregueà ativida<strong>de</strong> que enriquece a nação e a eleva aos seus próp<strong>rio</strong>s olhos,fazen<strong>do</strong>-a respeitada.Inúmeras têm si<strong>do</strong> as ocasiões em que o Brasil, nos últimos tempos,fez sobressair em gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque a cultura a que atingiu, cultura que<strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser atribuída, como outrora, aos artifícios e à munificência <strong>do</strong>chefe <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e que ficou sen<strong>do</strong>, pela habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossa diplomacia,o justo título <strong>de</strong> orgulho <strong>de</strong> to<strong>do</strong> um povo.Restringin<strong>do</strong> o campo <strong>do</strong> nosso exame à presidência Afonso Pena,verificamos o quanto fizemos nesse senti<strong>do</strong>. A criação da embaixadabrasileira, em Washington, realizada simultaneamente com a criação daembaixada norte-americana, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong>u-nos, pela posiçãoque assumia o nosso representante nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, melhoresoportunida<strong>de</strong>s para, ao mesmo tempo em que <strong>de</strong>senvolvíamos as nossasinalteráveis boas relações com os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, procurarmos tornarmais intensa essa fraternida<strong>de</strong> americana, que é agora, para to<strong>do</strong>s ospovos da América, um princípio cordial da política <strong>de</strong> cada um.O Brasil é atualmente um <strong>do</strong>s países melhor representa<strong>do</strong>s emWashington. A nossa amiza<strong>de</strong> tem si<strong>do</strong> estreitada por um mais íntimoconhecimento mútuo <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is países. As duas nações pu<strong>de</strong>ramencaminhar, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as outras nações irmãs <strong>do</strong> continente, arealização, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, da 3 a Conferência Pan-Americana, queteve resulta<strong>do</strong>s importantes e incontestáveis.Muito cobiçada e disputada, coube-nos a honra <strong>de</strong> ser a capital <strong>do</strong>Brasil a cida<strong>de</strong> escolhida para a se<strong>de</strong> da conferência, cujos trabalhos523


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOforam presidi<strong>do</strong>s pelo senhor Joaquim Nabuco, nosso embaixa<strong>do</strong>r emWashington, sen<strong>do</strong> a inauguração feita pelo ministro das RelaçõesExte<strong>rio</strong>res, o senhor Rio Branco, que proferiu naquele ato um curto esób<strong>rio</strong> discurso, uma síntese <strong>do</strong>s nossos sentimentos americanos e umtestemunho <strong>do</strong> muito que confessamos <strong>de</strong>ver à cultura e ao trabalhoeuropeus, que to<strong>do</strong>s os dias contribuem para a nossa prosperida<strong>de</strong> enosso aperfeiçoamento técnico e artístico.Desejan<strong>do</strong> conhecer o Brasil, o secretá<strong>rio</strong> <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> senhor ElihuRoot, um <strong>do</strong>s homens políticos em mais justa evidência nos Esta<strong>do</strong>sUni<strong>do</strong>s, serviu-se da abertura da conferência para vir até o nosso país,<strong>de</strong> on<strong>de</strong>, aproveitan<strong>do</strong> o ensejo que se lhe oferecia, partiu a visitar outrospaíses sul-americanos, voltan<strong>do</strong> à sua nação pelo Pacífico.Sentiu-se feliz o Brasil por dar ao eminente estadista norteamericano,ilustre colabora<strong>do</strong>r da presidência Roosevelt, uma ocasião<strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>r essa viagem, primeira realizada na América <strong>do</strong> Sulpor um alto membro <strong>do</strong> governo <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, e que foi tantoútil à combinação <strong>de</strong> visitas entre os principais países <strong>do</strong> sul <strong>do</strong>continente, no assentamento <strong>de</strong> uma orientação <strong>de</strong> ambições pacíficase <strong>de</strong> emulações progressistas, para a qual tem o Brasil concorri<strong>do</strong>com a melhor boa vonta<strong>de</strong>, seguin<strong>do</strong> as tradições da sua diplomacia<strong>de</strong>fensiva e concilia<strong>do</strong>ra.O senhor Elihu Root, que foi um <strong>do</strong>s organiza<strong>do</strong>res da conferência,apreciou conosco no Rio <strong>de</strong> Janeiro a utilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s trabalhos <strong>de</strong>ssagran<strong>de</strong> assembleia americana. Por <strong>de</strong>liberação da Conferência, foi, entreoutros assuntos, resolvida a reorganização da Secretaria Internacionaldas Repúblicas Americanas, instituição que tem presta<strong>do</strong> os melhoresserviços, centralizan<strong>do</strong> informações preciosas sobre a vida agrícola,industrial, comercial e política <strong>do</strong> continente.A conferência americana realizada no Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong>spertougran<strong>de</strong> atenção sobre o nosso país; teve, além <strong>de</strong>ssas vantagens, a honra<strong>de</strong> hospedar homens <strong>do</strong>s mais eminentes da América, que aqui estiveramem contato, proveitoso para nós, com homens <strong>de</strong> letras, juristas, médicose outros cientistas brasileiros, sen<strong>do</strong> essa conferência, portanto, <strong>do</strong>maior alcance político e intelectual para to<strong>do</strong>s os que compreen<strong>de</strong>m aconveniência da solidarieda<strong>de</strong> continental.Em 1907, a nossa Marinha fez-se representar, honran<strong>do</strong> a ban<strong>de</strong>irabrasileira, na revista naval internacional <strong>de</strong> Hampton Roads, pelo524


ARTIGOS DE IMPRENSAcouraça<strong>do</strong> Riachuelo, pelo cruza<strong>do</strong>r Barroso e pelo cruza<strong>do</strong>r-torpe<strong>de</strong>iroTamoio. A nossa divisão foi recebida entusiasticamente nos Esta<strong>do</strong>sUni<strong>do</strong>s. Por meio <strong>de</strong> navios da nossa esquadra, a ban<strong>de</strong>ira <strong>do</strong> Brasil teveultimamente generoso e simpático acolhimento em outros países, comoAlemanha, Uruguai, Chile, Peru etc.Vieram ao Brasil, durante a presidência <strong>de</strong> Afonso Pena, infelizmenteinterrompida por uma morte inesperada, duas missões estrangeiras, recebidasafetuosamente nesta cida<strong>de</strong>, uma missão paraguaia e outra uruguaia.A visita da gran<strong>de</strong> esquadra norte-americana sob o coman<strong>do</strong> <strong>do</strong>contra-almirante Evans, com <strong>de</strong>stino ao Pacífico, produziu no Rio <strong>de</strong>Janeiro uma espontânea manifestação da população brasileira pelaamiza<strong>de</strong> com os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s.A <strong>de</strong>marcação das fronteiras, trabalho <strong>de</strong> proporções gigantescas,continuou a ser levada por diante, in<strong>do</strong> o Brasil com a inevitável <strong>de</strong>moraadquirin<strong>do</strong> a noção exata <strong>do</strong> seu territó<strong>rio</strong>, essencial para a vida <strong>de</strong> umanacionalida<strong>de</strong>. Foram assina<strong>do</strong>s diversos trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> arbitramento.Na 2 a Conferência da Paz pô<strong>de</strong> o Brasil, lí<strong>de</strong>r das nações que resistiramà negação premeditada da integralida<strong>de</strong> da sua soberania, afirmar <strong>de</strong> umamaneira positiva e solene a sua <strong>do</strong>utrina <strong>de</strong> paz internacional, baseadanos mais puros sentimentos e escrúpulos <strong>de</strong> justiça.Atos importantes referentes às relações internacionais <strong>do</strong> Brasilpo<strong>de</strong>ríamos assinalar como honrosos para o governo <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nteAfonso Pena, mas é tão consi<strong>de</strong>rável a modificação da situaçãointernacional <strong>do</strong> Brasil nos últimos anos, que é inútil <strong>de</strong>scer a <strong>de</strong>talhes(por mais notáveis que eles sejam).Que o Brasil, pela sua ação diplomática, é hoje consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> <strong>de</strong>mo<strong>do</strong> muito diferente <strong>do</strong> que era julga<strong>do</strong> ainda há poucos anos, nãoé misté<strong>rio</strong> para ninguém. Não há brasileiro, no sertão mais longíquoque seja, que o não saiba e que não se sinta orgulhoso pelo melhorconceito que adquiriu a sua pátria. A nossa diretriz diplomática temsi<strong>do</strong> a da paz e a da <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s nossos interesses econômicos, apropósito <strong>do</strong> que nos lembraremos como habilmente foi <strong>de</strong>svia<strong>do</strong> ogolpe que se preparava no Congresso <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s contra anossa importação <strong>de</strong> café.A Comissão <strong>de</strong> Propaganda e Expansão Econômica fez o Brasilcomercialmente mais conheci<strong>do</strong> <strong>do</strong> que nunca na Europa. Amostras <strong>do</strong>snossos produtos agrícolas, das nossas ma<strong>de</strong>iras, <strong>do</strong>s nossos minerais e525


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOdas nossas outras das nossas riquezas exportáveis foram, e estão sen<strong>do</strong>,sistematicamente distribuídas e anunciadas em to<strong>do</strong>s os merca<strong>do</strong>sconsumi<strong>do</strong>res europeus.O Brasil, erguen<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> <strong>de</strong>sânimo proveniente das antigas guerrascivis, geradas pelas <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadas ambições pessoais, elevou-se muito,tornan<strong>do</strong> comunicativa a confiança que começou a ter em si mesmo, namanutenção da sua paz interna e no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> seu progresso.Pela sua diplomacia tem ti<strong>do</strong> ultimamente um amplo contato comas nações civilizadas, perante as quais é hoje uma nação or<strong>de</strong>ira, emque há opinião pública ativa e progresso material, sobretu<strong>do</strong> esse<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> cultura política a que o embaixa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasilem Haia pô<strong>de</strong> aludir com <strong>de</strong>sassombro e orgulho, dirigin<strong>do</strong>-se aorepresentante da Rússia na Conferência da Paz.138) O Paiz17 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1909.O Brasil nos conflitos americanos *Com pequeno intervalo, por duas vezes nesses últimos tempos, os espíritossinceramente <strong>de</strong>vota<strong>do</strong>s a um esclareci<strong>do</strong> pan-americanismo pu<strong>de</strong>ram temerpelo <strong>de</strong>scrédito <strong>de</strong>ste, senão pelo seu completo fracasso. Primeiro, quan<strong>do</strong> aBolívia, em julho, incan<strong>de</strong>sceu na repulsa <strong>do</strong> lau<strong>do</strong> Alcorta, e o continenteesteve às portas <strong>de</strong> uma conflagração; <strong>de</strong>pois, quan<strong>do</strong> entre os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>se o Chile um mal-entendi<strong>do</strong> <strong>de</strong>ixou entrever as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sastrosas <strong>de</strong>um estremecimento sem razões que o justificassem.Em ambos os momentos, entretanto, conseguiu prevalecer a boarazão e, <strong>do</strong>s dias somb<strong>rio</strong>s <strong>de</strong> apreensões, que <strong>de</strong> <strong>de</strong>salentos não foram,os fundamentos mesmo <strong>de</strong> uma política americana saíram avigora<strong>do</strong>s,instrumento que se revela <strong>de</strong> uma orientação no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> bem-estarcontinental, por mútuas concessões, enquanto não é possível (se é queele se avizinha) o advento da justiça sem entraves, a serviço <strong>do</strong> direitosem subalternizações.*Artigo também publica<strong>do</strong> no seguinte periódico: Jornal <strong>do</strong> Commercio, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 23 <strong>de</strong>z. 1909.Seção a pedi<strong>do</strong>. (N.E.)526


ARTIGOS DE IMPRENSAPois que <strong>do</strong>is povos, exalta<strong>do</strong>s no amor próp<strong>rio</strong> ou atingi<strong>do</strong>s emum fun<strong>do</strong> <strong>de</strong> interesse – por alto e patriótico que este se apresente –,encontram fórmula <strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r reciprocamente e transigir, é verda<strong>de</strong>, então,que se concretiza uma certa soma <strong>de</strong> princípios e <strong>de</strong> relações suficientespara criarem aquilo a que, parafrasean<strong>do</strong> um estadista europeu, sechamaria com justeza “o pat<strong>rio</strong>tismo <strong>do</strong> Novo Mun<strong>do</strong>”.***No caso <strong>do</strong> lau<strong>do</strong> Alcorta, já na Europa e na América os cultores<strong>do</strong> direito internacional se preocupavam <strong>de</strong> saber se vingaria, sem açãoreflexa <strong>do</strong> continente, a tese boliviana <strong>de</strong> que, no seu enten<strong>de</strong>r, a umarbitramento livremente aceito, como juízo <strong>de</strong>finitivo e inapelável, po<strong>de</strong>correspon<strong>de</strong>r a repulsa <strong>do</strong> interessa<strong>do</strong>, por não haver si<strong>do</strong> <strong>de</strong>clara<strong>do</strong>justiça aquilo que como tal ele esperava.Com dias mais <strong>de</strong>sola<strong>do</strong>res nos ameaçava o sistema políticoque nos leva na América a querer, <strong>de</strong> quan<strong>do</strong> em vez ainda, jouer lapetite Europe * , <strong>de</strong>sunin<strong>do</strong> os nossos interesses, e, por uma urdidura <strong>de</strong>suspeitas e intrigas, aumentan<strong>do</strong> a nossa fraqueza continental, em vez <strong>de</strong><strong>de</strong> corrigi-la por uma ação leal sempre coor<strong>de</strong>nada.O arbitramento <strong>de</strong> 1902, entre o Peru e a Bolívia, visou evitar entreeles até uma guerra. No entanto, a <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> árbitro esteve a pique <strong>de</strong>gerar outra mais séria que aquela que se procurou impedir.Reclama<strong>do</strong> o cumprimento <strong>do</strong> lau<strong>do</strong> pelo Peru, a Bolívia resistiria mesmopelas armas. Ao Chile não po<strong>de</strong>ria ser indiferente esse movimento, pelassoluções que <strong>de</strong>le po<strong>de</strong>riam provir para a velha questão <strong>de</strong> Tacna, no Pacífico,da mesma forma que a Argentina não po<strong>de</strong>ria também se sentir <strong>de</strong>sobrigada<strong>de</strong> auxiliar o velho amigo e alia<strong>do</strong> em campo, para prestigiar o seu lau<strong>do</strong>.Isolar-se-ia o Brasil para explorar o inci<strong>de</strong>nte, subalternizan<strong>do</strong>-senele, em jogo, como estava a prepon<strong>de</strong>rância, ou intervinha ao la<strong>do</strong><strong>do</strong> Chile, amigo <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os tempos, liquidan<strong>do</strong> também pelas armas aquestão irritantemente aberta pelo Peru a partir <strong>de</strong> 1898, nos territó<strong>rio</strong>s<strong>do</strong> alto Purus e <strong>do</strong> alto Juruá?Devemos felicitar-nos porque, com a boa vonta<strong>de</strong> e com atransigência esclarecida <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, o inci<strong>de</strong>nte se não produziu. A Bolívia,*Brincar <strong>de</strong> pequena Europa. (N. E.)527


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOapesar <strong>de</strong> anuncia<strong>do</strong> o repúdio da sentença, a qual pedira, ace<strong>de</strong>u emrecebê-la. Entre ela e o Peru, contu<strong>do</strong>, firmava-se, ao mesmo tempo,um protocolo que restituía ao Peru terras que o árbitro lhe <strong>de</strong>ra commanifesto sacrifício das posses bolivianas e <strong>de</strong> elementares princípios<strong>de</strong> justiça e equida<strong>de</strong>.O amor próp<strong>rio</strong> <strong>do</strong> árbitro argentino era satisfeito por seu la<strong>do</strong> como haver assim imposto a <strong>de</strong>cisão que, a seguir à aceitação, as partescorrigiam, reparan<strong>do</strong>-lhe as <strong>de</strong>masias.***No inci<strong>de</strong>nte Alsop, que surgiu inesperadamente em novembro,exigin<strong>do</strong> os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, para evitar-se uma interrupção <strong>de</strong> relações,o pagamento <strong>de</strong> uma in<strong>de</strong>nização por eles julgada <strong>de</strong>vida a cidadãosnorte-americanos, e, no seu enten<strong>de</strong>r, já reconhecida pelo Chile, seriainútil procurar dissimular a penosa impressão causada pelos sucessos.A respeitabilida<strong>de</strong> da glo<strong>rio</strong>sa nação, à qual, pelos An<strong>de</strong>s, nos unemsentimentos <strong>de</strong> mais nítida expressão e sincerida<strong>de</strong>, que as aliançascircunscritas só a textos formais, mantinha-se íntegra na serenida<strong>de</strong> <strong>de</strong>uma gran<strong>de</strong>za que se não perturba.De que assim seria não podia duvidar ninguém. No entanto, oressabio <strong>de</strong> uma injustiça afrontosa não o <strong>de</strong>svanece só a consciênciada própria sobranceria. E, a serem exatos, nos termos primeiramenteconheci<strong>do</strong>s, os fatos relativos à questão Alsop, com um gesto queninguém saberia como explicar ao menos, os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s haveriam<strong>de</strong>spedaça<strong>do</strong> os liames ainda débeis da obra política que 20 anos <strong>de</strong>cordura, <strong>de</strong> paciência e <strong>de</strong> tato estão apenas a se consolidar.Tu<strong>do</strong>, felizmente, se aclarou. Da larga <strong>do</strong>cumentação publicada,verifica-se que, como diz o próp<strong>rio</strong> governo <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, “estenotou com sentimentos <strong>de</strong> satisfação o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> ver <strong>do</strong> ministro dasRelações Exte<strong>rio</strong>res <strong>do</strong> Chile, <strong>de</strong> que parecia que os <strong>do</strong>is governos, nãose haviam compreendi<strong>do</strong> inteiramente um ao outro nas negociações”.E porque um amigo comum se interpôs sem vacilações nem receios <strong>de</strong>falar imparcialmente em momentos difíceis como esses, chegou-se àsolução satisfatória conhecida.Como o pediam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, a questão élevada para que um terceiro <strong>de</strong>cida, não como simples conselheiro, mas528


ARTIGOS DE IMPRENSAcomo juiz <strong>de</strong> sentença irretratável, com a mais ampla liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação,examinan<strong>do</strong>, tal qual por seu turno <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio pretendia o Chile,todas as alegações que o caso comporte, mesmo “a <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>vida algumasoma”, apesar <strong>de</strong> já antes haver si<strong>do</strong> isso admiti<strong>do</strong> entre os governos.De sorte que a notificação era afastada, sem ser pelo vexameinútil <strong>de</strong> um pagamento afrontoso sob o protesto, e, reconsi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> oseu propósito, que até certo ponto explicaria a recusa, no momento daassinatura, <strong>de</strong> <strong>do</strong>is protocolos assentes como bastantes pela aceitação <strong>de</strong>indicações sobre as quais houvera divergência, o governo <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>sUni<strong>do</strong>s reafirmava a ânimo supe<strong>rio</strong>r clarivi<strong>de</strong>nte a que, com segurança,a amiga intervenção fez apelo, no mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r e aplicar a políticapan-americana.Se é motivo <strong>de</strong> real satisfação, que assim se haja esta manifesta<strong>do</strong>,nos <strong>do</strong>is inci<strong>de</strong>ntes que em menos <strong>de</strong> cinco meses tanto preocuparam aopinião no continente, não é menor a que <strong>de</strong>les <strong>de</strong>ve resultar para o Brasil.***Aponta<strong>do</strong>, por adversá<strong>rio</strong>s irredutíveis nos seus <strong>de</strong>sacertose obceca<strong>do</strong>s pelo <strong>de</strong>speito <strong>do</strong>s insucessos, como instiga<strong>do</strong>r <strong>de</strong>perturbações, ao mesmo tempo que suspeita<strong>do</strong> <strong>de</strong> incoerente ou vá<strong>rio</strong>nas suas amiza<strong>de</strong>s, os sucessos <strong>de</strong> julho e <strong>de</strong> novembro vieram mais umavez dar relevo, sem motivos <strong>de</strong> dúvida, à inteireza da política brasileira,surda a invectivas e a intrigas, e segura em uma inflexível diretriz <strong>de</strong>concórdia eficaz e leal amiza<strong>de</strong> entre todas as nações sul-americanas.O lau<strong>do</strong> Figueroa Alcorta, no arbitramento entre a Bolívia e o Peru,evi<strong>de</strong>ntemente criava para o Brasil, como situação menos embaraçosa,o fortalecer das pretensões <strong>de</strong>sarrazoadas <strong>do</strong> Peru, pelo menos atéo meridiano 69 o oeste <strong>de</strong> Greenwich, por ele fixa<strong>do</strong> como a fronteiraoriental <strong>do</strong> Peru <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1540.No caso <strong>de</strong> aceitar a Bolívia integralmente essa <strong>de</strong>cisão na discussãocom o Brasil, o Peru se apresentaria como <strong>do</strong>no, por títulos pela primeiravez juridicamente reconheci<strong>do</strong>s em pleito internacional, <strong>do</strong>s terrenosque esten<strong>de</strong>m para leste, entre a cabeceira <strong>do</strong> Javari e aquele meridiano,o que quer dizer to<strong>do</strong> o município amazonense <strong>de</strong> São Felipe, mais <strong>de</strong>meta<strong>de</strong> da Prefeitura Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Purus e toda a Prefeitura Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong>Juruá.529


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOAo governo peruano seria impossível, sob a influência da opiniãosempre facilmente excitável, ce<strong>de</strong>r assim em pretensões sobre terrenos<strong>de</strong> que o Brasil não abrirá mão em tempo algum, e a aquisição feitapelo Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Petrópolis estaria forçosamente atingida, geran<strong>do</strong> umasituação internacional <strong>de</strong>sagradável.Recusasse a Bolívia o lau<strong>do</strong>, arrastan<strong>do</strong> o Peru a exigir-lhe ocumprimento até pelas armas, mesmo que se não chegasse a tomá-las,durante as negociações, impossível seria contar com a neutralida<strong>de</strong>ou a indiferença <strong>do</strong> Chile. Nessa situação, ou o Brasil, seguin<strong>do</strong> a suapolítica tradicional, não aban<strong>do</strong>naria aquele e com irritar o Peru maisdificultaria uma solução amistosa nas terras <strong>do</strong> Juruá e <strong>do</strong> Purus, semaiores complicações externas se não apresentassem, ou, para explorarem seu proveito o inci<strong>de</strong>nte, o mesmo Brasil aban<strong>do</strong>naria o Chile e aBolívia, e, <strong>de</strong>ssa maneira, a política brasilófoba [sic] <strong>do</strong> Prata haveriaconsegui<strong>do</strong> aquilo por que há tempos inutilmente se esforça: a separaçãoentre os <strong>do</strong>is velhos amigos <strong>do</strong> Atlântico e <strong>do</strong> Pacífico, separação para aqual ninguém no Brasil encontraria compensação no melhor <strong>do</strong>s nossosarranjos com o Peru.Tu<strong>do</strong> isso sem falar na repercussão que po<strong>de</strong>ria haver na políticainterna <strong>do</strong> Brasil, na qual, acesa a campanha presi<strong>de</strong>ncial e aclama<strong>do</strong>o Barão <strong>do</strong> Rio Branco candidato formidável – apesar da sua recusaterminante –, não seria sem eco reavivar a oposição ao Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong>Petrópolis, que, vingan<strong>do</strong> o lau<strong>do</strong> Alcorta e irredutível o Peru, ficariapraticamente reduzi<strong>do</strong> a um relativamente pequeno trecho <strong>de</strong> terras, quenem ao menos incluiria to<strong>do</strong> o Acre, haven<strong>do</strong> ainda o Brasil cedi<strong>do</strong>,em troca <strong>de</strong>le, o triângulo <strong>do</strong> Abunã e as pequenas porções <strong>de</strong> terra naslagoas <strong>de</strong> Mato Grosso.Era impossível não acariciar essas possibilida<strong>de</strong>s todas, tanto maisque o arbitramento que o ex-ministro Zeballos preten<strong>de</strong>u impor aoParaguai e à Bolívia permitiria compensar esta, com prejuízo daquele,na região disputada <strong>do</strong> Chaco, das liberalida<strong>de</strong>s em favor <strong>do</strong> Peru nasterras <strong>do</strong> Madre <strong>de</strong> Dios e <strong>do</strong> Acre.Chegou-se a tal ponto, que se <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> la<strong>do</strong> rudimentaresprincípios <strong>de</strong> jurisprudência internacional e equida<strong>de</strong> política emfavor <strong>de</strong> povos irmãos pelo sangue, pela linguagem, pela afinida<strong>de</strong> <strong>de</strong>tradições e <strong>de</strong> cultura e até <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos oficiais produzi<strong>do</strong>s por aquelereferi<strong>do</strong> ex-ministro, expoente loquaz <strong>de</strong> toda uma política errada <strong>de</strong>530


ARTIGOS DE IMPRENSAmaquinações e inventos, levan<strong>do</strong> o limite da Bolívia, na conformida<strong>de</strong><strong>de</strong> suas posses, até mais <strong>de</strong> <strong>do</strong>is terços da região agora impavidamenteatribuída, na totalida<strong>de</strong>, ao Peru.Não comentemos nós. É um argentino mesmo, o senhor ManoelUgarte, que em artigo para o Courrier Européen, <strong>de</strong> Paris, escreviaultimamente: “A Argentina, <strong>de</strong>sejosa <strong>de</strong> enfrentar o Chile [e, como ficou<strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>, o Brasil], sempre apoiou o Peru, e o lau<strong>do</strong> arbitral... po<strong>de</strong>parecer uma confirmação <strong>de</strong>ssa política.”As publicações feitas em Santiago e em La Paz, senão também emBuenos Aires, <strong>de</strong>monstram, a começar <strong>do</strong> rompimento entre a Bolívia ea República Argentina, a correção com que o Chile e o Brasil procuraramencarar sempre esses assuntos.Se tivéssemos si<strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong>s, dizia o Brasil, não teríamos certamenteaconselha<strong>do</strong> a Bolívia a <strong>de</strong>sacatar o lau<strong>do</strong>. No esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> exacerbação,porém, a que atingiu ali o espírito nacional, não po<strong>de</strong>ríamos tambémaconselhá-la a voltar atrás ex-abrupto, aceitan<strong>do</strong> integralmente a <strong>de</strong>cisão,<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> havê-la solenemente repeli<strong>do</strong> e fundamenta<strong>do</strong> essa atitu<strong>de</strong>.O simples <strong>de</strong>senrolar <strong>do</strong>s acontecimentos <strong>de</strong>ixa evi<strong>de</strong>nte como foique agimos, no interesse único da paz e da harmonia entre to<strong>do</strong>s, nosenti<strong>do</strong> <strong>de</strong>, além <strong>do</strong> seu prestígio, pela sua excepcional posição <strong>de</strong> amigo<strong>do</strong> Brasil, <strong>de</strong> aproxima<strong>do</strong> leal da Bolívia pela comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interessesmorais e materiais, <strong>de</strong>pois das negociações <strong>de</strong> 1904 e <strong>de</strong> requesta<strong>do</strong>pela Argentina, obter o Chile que a própria Argentina, nação forte e emque ficaria bem esse nobre movimento, aconselhasse o Peru, in<strong>do</strong>-lheao encontro das suscetibilida<strong>de</strong>s, em or<strong>de</strong>m a evitar, na recusa pura esimples <strong>de</strong> qualquer acor<strong>do</strong> honroso com a Bolívia, a prepon<strong>de</strong>rância <strong>de</strong>conselhos exalta<strong>do</strong>s.É sabi<strong>do</strong> como terminou o inci<strong>de</strong>nte, que ameaçava <strong>de</strong> fracassocompleto a próxima Conferência Pan-Americana <strong>de</strong> Buenos Aires.De tal or<strong>de</strong>m a correção e a franqueza <strong>do</strong> procedimento <strong>do</strong> Brasil,quase como posto em causa no inci<strong>de</strong>nte, que <strong>de</strong>le saímos, sem apreocupação <strong>de</strong> figurar como conselheiros ou patronos <strong>de</strong> acor<strong>do</strong>s,com a amiza<strong>de</strong> com o Chile avigorada pelo trabalho <strong>de</strong>sinteressa<strong>do</strong>em comum para o êxito da sua nobre missão, a Bolívia reafirmada nanossa lealda<strong>de</strong>, e sem que a nação argentina pu<strong>de</strong>sse ter <strong>de</strong> nós a maispequena queixa. E, em relação ao Peru, que, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> esperar exigênciasa lhe agravarem a posição, encontrava em nós boa vonta<strong>de</strong>, capaz <strong>de</strong>,531


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOsem aban<strong>do</strong>no <strong>de</strong> um só <strong>do</strong>s nossos princípios e direitos, lhe facilitarconcessões, por outro la<strong>do</strong>, a retidão <strong>do</strong> nosso proce<strong>de</strong>r foi tal, que,criada para nos separar ainda mais, a situação findava <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>-nos fiéisas nossas amiza<strong>de</strong>s, aproxima<strong>do</strong>s como nunca estivemos.Na sua “Revista <strong>de</strong> Derecho, Historia y Letras”, fantasian<strong>do</strong>, comosempre, sobre assuntos, escrevia ultimamente o ex-ministro Zeballos,o infatigável, mas insensato inimigo da nossa política: “Os agentes<strong>do</strong> Brasil <strong>do</strong>braram <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> no Chile, necessá<strong>rio</strong> como era oconcurso <strong>de</strong>ste, a quem seria grato <strong>de</strong>struir outra vez o Peru.” Impelidamaterialmente “a Bolívia contra o Peru, e venci<strong>do</strong> este, o Itamaratyhaveria <strong>de</strong>smoraliza<strong>do</strong> <strong>de</strong>finitivamente o lau<strong>do</strong> argentino e adquiri<strong>do</strong> amaior parte <strong>do</strong>s territó<strong>rio</strong>s peruanos da pendência”.O Itamaraty, que é o Brasil consubstancia<strong>do</strong> em Rio Branco, certoque não po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> sorrir. Se, afinal, tu<strong>do</strong> isso se verificou – e nãoo dizemos –, nem teria si<strong>do</strong> o Brasil que exautorou o lau<strong>do</strong> FigueroaAlcorta, aceitan<strong>do</strong>-o protocolarmente, para repudiá-lo em ato contínuo,nem foi necessária guerra, muito menos por nós urdida, para afastaras pretensões peruanas <strong>do</strong> absur<strong>do</strong> a que conseguiram levá-las mausconselhos <strong>de</strong> amigos sem sincerida<strong>de</strong>.***No caso Alsop, dada a discrição da chancelaria brasileira, que nãotrabalha somente para a galeria, a espíritos impacientes po<strong>de</strong> parecer ummomento em que duvidamos <strong>de</strong> nós, quedan<strong>do</strong>-nos, sem orientação ouespeculan<strong>do</strong> transvia<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong> os nossos amigos <strong>do</strong> Chile viam abrirseuma situação <strong>de</strong> to<strong>do</strong> ponto <strong>de</strong>plorável.To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> sabe a natureza das nossas relações com os Esta<strong>do</strong>sUni<strong>do</strong>s. Não nos amofina a preocupação <strong>de</strong> nos julgarmos equipara<strong>do</strong>s emforça e em responsabilida<strong>de</strong>s – como para alguns <strong>de</strong> nós mesmos pareceriacondição primeira da aproximação, que é ponto car<strong>de</strong>al <strong>de</strong> nossa políticaexterna – nem, para cultivar e aumentar esses sentimentos <strong>de</strong> estreitaligação, abdicamos, nas mãos da gran<strong>de</strong> nação, <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> pensar e <strong>de</strong>proce<strong>de</strong>r com a lealda<strong>de</strong>, que é a força essencial da nossa amiza<strong>de</strong>.Não ocultamos nem procuramos apoucar a natureza das concessõesque a bem recíproco estatuímos. Não nos custa, assim, <strong>de</strong>bater, comoainda há pouco tempo a respeito <strong>do</strong> café, a inteira extensão <strong>do</strong> nosso532


ARTIGOS DE IMPRENSAinteresse, que na or<strong>de</strong>m político-econômica tem <strong>de</strong> ser harmônico ecomo tem si<strong>do</strong> com os interesses americanos.Por isso mesmo que, como em Haia, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> haver insta<strong>do</strong> porque, para maior atestação e brilho da política pan-americana, nãoaban<strong>do</strong>nassem os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s o seu papel <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> to<strong>do</strong> umcontinente <strong>de</strong> povos que a fraqueza relativa não <strong>de</strong>sclassifica, houvemos<strong>de</strong> divergir e fizemo-lo sem estremecimentos, graças à lealda<strong>de</strong> sempreinconteste da nossa atitu<strong>de</strong>.É com íntimo e sincero regozijo <strong>de</strong> ver confirmada a justiça, que daparte da quase totalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> nosso povo nunca lhes faltou, que os vemosseguir a política <strong>do</strong> seu <strong>de</strong>stino manifesto no mar das Antilhas, libertan<strong>do</strong>Cuba e presidin<strong>do</strong> e facilitan<strong>do</strong> a sua reconstrução, pacientan<strong>do</strong> naVenezuela, na Colômbia e na América Central, em bem da or<strong>de</strong>m e <strong>do</strong>futuro <strong>de</strong> nações, ainda infelizmente irrequieta, e refazen<strong>do</strong>, no ExtremoOriente, um povo que, como em um périplo da civilização à sombra <strong>do</strong>pavilhão estrela<strong>do</strong>, há <strong>de</strong> vir a ser, nas Filipinas, no <strong>de</strong>senvolvimentocapaz da liberda<strong>de</strong> e da in<strong>de</strong>pendência, o orgulho da política avisada,po<strong>de</strong>rosa e incontrastável <strong>do</strong>s seus liberta<strong>do</strong>res.Não enten<strong>de</strong>mos, porém, <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> incondicional, especialmentepara com os fortes. Assim, pois, na <strong>de</strong>sagradável injunção criada pelocaso Alsop, sem examinar os fundamentos jurídicos da pendência, oque seria, pelo menos, in<strong>de</strong>lica<strong>do</strong>, só encaran<strong>do</strong> o <strong>de</strong>sastre político dapossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma interrupção <strong>de</strong> relações, tratamos <strong>de</strong> dizer aosnossos amigos <strong>do</strong> norte a verda<strong>de</strong> toda <strong>do</strong> sentimento continental em prol<strong>do</strong>s seus mesmos interesses e da sua própria política. Assim, conhecidana noite <strong>de</strong> 20 a notícia <strong>do</strong> ultimato, sem vacilações o fazíamos <strong>de</strong>s<strong>de</strong><strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> novembro, por intermédio da nossa embaixada em Washingtone da embaixada americana no Brasil, quan<strong>do</strong> ainda outros governos,que como nós <strong>de</strong>veriam ter o mesmo interesse em uma bem-entendidae, sobretu<strong>do</strong>, bem-praticada solidarieda<strong>de</strong> americana, à comunicaçãochilena respondiam, vacilantes e indiferentes, esperan<strong>do</strong> evasivamente,“que tu<strong>do</strong> se arranjasse pelo mo<strong>do</strong> melhor”.É verda<strong>de</strong> que, por seu turno, interveio o governo argentino. No entanto,se é fato – como se sabe – que o seu ministro em Washington somente a 26<strong>de</strong> novembro pela primeira vez falou sobre o assunto ao secretá<strong>rio</strong> <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>(a esse tempo já o governo <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, em data <strong>de</strong> 24, conforme asexposições oficiais publicadas, havia telegrafa<strong>do</strong> para Santiago o protocolo533


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO<strong>de</strong> acor<strong>do</strong>, que a 25 foi apresenta<strong>do</strong> ao Chile, que o aceitou), o que nãoadmite dúvida é que, apesar <strong>de</strong> se dar quan<strong>do</strong> já tu<strong>do</strong> estava finda<strong>do</strong>, aintervenção argentina é uma atestação expressiva <strong>do</strong>s sentimentos para como Chile. Deles não po<strong>de</strong>mos senão rejubilar-nos.Por isso, talvez, antes <strong>de</strong> nos irritar, somente nos penaliza a vesâniacom que a <strong>imprensa</strong> amarela <strong>do</strong> Prata, iludida por informações que dizoficiais, <strong>de</strong>svirtuan<strong>do</strong> o assunto, vai ao ponto extremo da fantasia ou <strong>do</strong><strong>de</strong>splante.Neste não se procura ao menos representar a ação argentina comoresolve<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> ao seu la<strong>do</strong> o Brasil, simples auxiliar <strong>de</strong>conveniências diplomáticas. Não seria isso impossível. A fórmula étotalmente outra. o Brasil nada fez porque, quan<strong>do</strong> o seu embaixa<strong>do</strong>rem Washington conferenciou, a 23 <strong>de</strong> novembro, com o secretá<strong>rio</strong><strong>de</strong> Esta<strong>do</strong>, já tu<strong>do</strong> estava acaba<strong>do</strong>, graças à mediação argentina, que,entretanto, somente a 26 se verificou. O Brasil, ainda mais, nada podiafazer, porquanto afirmam os seus inimigos <strong>do</strong> Prata, em condições <strong>de</strong>prová-lo, que os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s repeliram a sua mediação.Não nos atribuin<strong>do</strong> filáucias impertinentes, nem vaida<strong>de</strong>sin<strong>de</strong>licadas, bastará ao Brasil consi<strong>de</strong>rar como po<strong>de</strong>rão figurar aos olhos<strong>do</strong> governo <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e <strong>do</strong> <strong>do</strong> Chile, em confronto simples <strong>de</strong>datas, essas opiniões e o espírito da política que as anima.Das publicações <strong>de</strong> Santiago e <strong>de</strong> Washington resulta que, nasvésperas <strong>do</strong> ultimato, o nome <strong>do</strong> Brasil fora lembra<strong>do</strong>, mas os Esta<strong>do</strong>sUni<strong>do</strong>s não podiam aceitá-lo, ele outro qualquer, diz o Secretá<strong>rio</strong> Knox,como amigável compone<strong>do</strong>r, simples conselho, que tal não comportavamais a questão, quan<strong>do</strong> a <strong>de</strong>cisão obrigatória <strong>de</strong> um arbitramento em <strong>do</strong>isprotocolos, sucessivamente assentes e refuga<strong>do</strong>s, havia si<strong>do</strong> postergada.Mais relevância terá assim a atitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> Brasil, que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> terrecebi<strong>do</strong> a 20 <strong>de</strong> novembro a comunicação chilena das ocorrências, soubecertamente <strong>de</strong>ssa circunstância. Sem embargo e sem ressentimentos aque espíritos apouca<strong>do</strong>s se não po<strong>de</strong>riam forrar, falou claramente, peloórgão eminente <strong>do</strong> embaixa<strong>do</strong>r Nabuco, à po<strong>de</strong>rosa nação amiga, comtanto mais nobreza quanto, conhecen<strong>do</strong> os sentimentos daquela e certo<strong>de</strong> que o assunto seria felizmente encaminha<strong>do</strong>, que toda a hipótese<strong>de</strong> figurar em uma mediação puramente formal estava precisamenteafastada, restan<strong>do</strong> somente a satisfação da leal <strong>de</strong>sobrigação <strong>de</strong> um<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> <strong>de</strong> frente a obstinações inexplicáveis.534


ARTIGOS DE IMPRENSAMediar nos termos em que se encontrava a questão fora <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong>pé a intimação inopinada para afastá-la, ainda que em homenagem aprincípios e a conveniências <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m supe<strong>rio</strong>r, porque aqueles e estasforam manifesta<strong>do</strong>s por terceiro, a quem se prestava essa consi<strong>de</strong>ração.Mais sincero seria, como foi, apagar-se o gesto amigo para queaparecesse o ato exclusivo <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s mesmo na constância <strong>do</strong>ultimato e como volição espontânea sua, ten<strong>do</strong> por nenhuma a exigênciaformulada por voltar a indicar como solução aquele mesmo acor<strong>do</strong> queduas vezes já aceitara, nos termos em que se o propunha, mas que ummal-entendi<strong>do</strong> houvera impedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> concluir.E se, para chegar a tanto, nada mais foi preciso <strong>do</strong> que fazer apelooportuno aos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, em nome da solidarieda<strong>de</strong> americana, daqual eles são o mais alto representante, e da amiza<strong>de</strong> que to<strong>do</strong>s prezamoscom honra, a satisfação <strong>do</strong> Brasil <strong>de</strong>ve ser tanto mais justa quanto o la<strong>do</strong>das apreensões pelo <strong>de</strong>stino da política <strong>de</strong> harmonia continental, nemlhe faltou o <strong>de</strong>sgosto <strong>de</strong> sentir em prova a sua própria sincerida<strong>de</strong> navelha amiza<strong>de</strong> para com o Chile.Não dura, entretanto, a obra da perversida<strong>de</strong> e da insídia. Há poucosdias, receben<strong>do</strong> para jantar o senhor Dawson, que representava no Chileos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, e saudan<strong>do</strong> o embaixa<strong>do</strong>r americano, senhor IrvingDudley, e o ministro chileno, senhor Francisco Herboso, dizia o senhorBarão <strong>do</strong> Rio Branco:Tinha prazer em <strong>de</strong>clarar que para a feliz solução a que chegaram os <strong>do</strong>ispaíses muito concorreram o ânimo concilia<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s seus respectivos governose a intervenção amistosa <strong>do</strong> embaixa<strong>do</strong>r americano no Brasil e <strong>do</strong> embaixa<strong>do</strong>rbrasileiro em Washington no dia 23 <strong>de</strong> novembro, data em que o secretá<strong>rio</strong> <strong>de</strong>Esta<strong>do</strong> Knox recebeu telegrama <strong>do</strong> embaixa<strong>do</strong>r Dudley e a visita <strong>do</strong> embaixa<strong>do</strong>rNabuco, fican<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esse dia, po<strong>de</strong>-se dizer, resolvi<strong>do</strong> amigavelmente oinci<strong>de</strong>nte.A essas palavras respon<strong>de</strong>ram o embaixa<strong>do</strong>r Dudley e o ministroHerboso, “agra<strong>de</strong>cen<strong>do</strong>-as e atribuin<strong>do</strong> à rápida e oportuna intervenção<strong>do</strong> Barão <strong>do</strong> Rio Branco, no dia 21, a pronta solução <strong>do</strong> inci<strong>de</strong>nte”.Ninguém melhor <strong>do</strong> que eles, falan<strong>do</strong> em nome <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e<strong>do</strong> Chile, po<strong>de</strong>ria dizê-lo para pôr termo a explorações ridículas, senãoinconcebíveis.535


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOA contemplar esses sucessos, que em intervalo <strong>de</strong> poucos meses tãoagita<strong>do</strong>s trouxeram o espírito <strong>do</strong> continente e ameaçaram <strong>de</strong> fracassotoda uma política ainda não suficientemente experimentada, mas quesai <strong>de</strong>les como retemperada; a contemplá-los e a verificarem to<strong>do</strong>s aposição <strong>do</strong> Brasil, é impossível <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong>, com justo <strong>de</strong>svanecimento,voltar os olhos para o homem que – expressão a mais autorizada danação, a qual ele representa como ninguém – nos vai conduzin<strong>do</strong>, comoum pre<strong>de</strong>stina<strong>do</strong>, a singrar por entre esses sirtes e escolhos para osquais, em <strong>de</strong>manda <strong>do</strong> mar alto, nos arrasta a força imanente das coisas,na <strong>de</strong>rrota <strong>do</strong>s nossos <strong>de</strong>stinos.Sob o impé<strong>rio</strong> da sua atração irresistível, impé<strong>rio</strong> que é confiançae é enlevo, como que nos sentimos gran<strong>de</strong>s tais quais até hoje o nãohavíamos percebi<strong>do</strong>. E se, pelas qualida<strong>de</strong>s fundamentais da nossa raça,que as suas lições e o seu exemplo ainda apuram, nem pregoamos triunfos– sempre impertinentes ou efêmeros – nem blasonamos sucessos, não émenos exato que <strong>do</strong> conjunto <strong>do</strong> seu trabalho e da supe<strong>rio</strong>r serenida<strong>de</strong>da sua ação, que não se dirige contra ninguém e só se [ilegível] embem <strong>do</strong> nome <strong>do</strong> Brasil, a impressão que nos colhe é <strong>de</strong> que, pela suamão, aban<strong>do</strong>namos <strong>de</strong>finitivamente o apagamento a que nos <strong>de</strong>ixáramosreduzir e sentimos começar a ser, nas combinações da vida internacional,alguém com quem é preciso contar.Possa esse estímulo permitir que não se enfraqueça a i<strong>de</strong>ia das nossasresponsabilida<strong>de</strong>s. Como forma <strong>de</strong> concretizar o nosso reconhecimentopara com o Barão <strong>do</strong> Rio Branco, saibamos ter juízo; não vão as <strong>de</strong>suniões,a incúria e o <strong>de</strong>scui<strong>do</strong> nos permitir que ao primeiro contratempo – e eleshão <strong>de</strong> vir – periguem um dia a integrida<strong>de</strong>, a elevação e a gran<strong>de</strong>za dasua obra.Ernesto Maurício536


ARTIGOS DE IMPRENSA139) As críticas ao trata<strong>do</strong> sobre lagoa Mirim e <strong>rio</strong> Jaguarão 2123Passa<strong>do</strong> o calor <strong>do</strong> <strong>de</strong>bate político, amorteci<strong>do</strong>s os entusiasmos <strong>do</strong>aplauso e o azedume das censuras, não virá sem propósito um examecalmo e imparcial <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> das negociações que se concretizaramno Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1909, modifican<strong>do</strong> a linha e o regime dafronteira entre o Brasil e a República Oriental <strong>do</strong> Uruguai.Não é uma <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> partes, nem um voto <strong>de</strong> juiz; é o simples estu<strong>do</strong><strong>de</strong> quem quer saber, sem precipitações nem ruí<strong>do</strong>, por que aplaudir ouo que con<strong>de</strong>nar.Da reduzida, ainda que valorosa oposição a esse trata<strong>do</strong>, mandaa justiça <strong>de</strong>stacar, como o principal ataque, os discursos <strong>do</strong> senhor<strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Antunes Maciel na Câmara Fe<strong>de</strong>ral.Não os <strong>de</strong>ixou sua excelência, especialmente o primeiro, restritosaos anais <strong>do</strong> Congresso – em boa vonta<strong>de</strong> um <strong>de</strong>salenta<strong>do</strong>r olvi<strong>do</strong>.Profusamente espalha<strong>do</strong>, em tiragem especial, transpôs em formadura<strong>do</strong>ura o âmbito da assembleia política, juiz da negociação, epreten<strong>de</strong>u corporificar, no <strong>do</strong>cumento para a história em que setransformou, a repulsa nacional ao ato con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>.Sain<strong>do</strong> fora das normas puramente combativas <strong>de</strong> um pat<strong>rio</strong>tismosentimental, a crítica <strong>do</strong> representante <strong>rio</strong>-gran<strong>de</strong>nse procurousistematizar, com a autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma sincerida<strong>de</strong> respeitável, quantoà or<strong>de</strong>m constitucional, falhas no aten<strong>de</strong>r aos altos interesses políticosda nação, olvi<strong>do</strong> e <strong>de</strong>srespeito aos princípios clássicos <strong>do</strong> direitointernacional, <strong>de</strong>svantagens e <strong>de</strong>masia nos compromissos assumi<strong>do</strong>s.Não será impossível <strong>de</strong>monstrar, evitan<strong>do</strong> qualquer preocupação,com um exame das opiniões <strong>de</strong> sua excelência mesmo, que a verda<strong>de</strong>parece toda outra, sagrada pelo sentir quase unânime <strong>do</strong> Brasil no aplausoao ato que, por si só, sem similar na história diplomática, po<strong>de</strong>ria jáexprimir a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um povo para, às craseadas sugestões <strong>de</strong> umespírito pre<strong>de</strong>stina<strong>do</strong>, tomar em mãos uma política <strong>de</strong> lealda<strong>de</strong> e <strong>de</strong>justiça nas relações internacionais e traduzi-la em fatos, sem vacilaçõesnem recuos.Resumida em seus pontos essenciais, a crítica ao Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong>outubro <strong>de</strong> 1909, ficaria a seguinte: como cessão gratuita <strong>de</strong> pequenos23 21Imprensa Nacional, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1911.537


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOtrechos <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>, é contrá<strong>rio</strong> aos princípios <strong>do</strong> direito internacionalmo<strong>de</strong>rno e à Constituição da República. Quan<strong>do</strong> assim não fosse,representaria um <strong>de</strong>smembramento inútil, porque é sem motivo bastante;se motivo suficiente houvesse, haveria ônus <strong>de</strong>sarrazoa<strong>do</strong>s e perigosospara o Brasil, ce<strong>de</strong>nte por simples generosida<strong>de</strong> e ainda obriga<strong>do</strong> arestringir sua ação na fronteira da foz <strong>do</strong> São Miguel às cabeceiras <strong>do</strong>Jaguarão.***Do direito internacional, se disse, na quase unanimida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s seusmestres, senão mesmo na sua totalida<strong>de</strong>, pregan<strong>do</strong> a indissolubilida<strong>de</strong>e a indivisibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rno, que se proíbem ascessões <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>, especialmente com o caráter <strong>de</strong> gratuitas. Comoapoio <strong>do</strong> asserto foram citadas lições <strong>de</strong> Lomonaco, Pie<strong>de</strong>lièvre eDespagnet.Estudan<strong>do</strong> a evolução <strong>do</strong> direito e, especialmente, a transformaçãodas socieda<strong>de</strong>s políticas, e, com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong>s governos<strong>de</strong>mocráticos e representativos, a restrição <strong>do</strong>s po<strong>de</strong>res majestáticos,esses autores, como outros muitos, ensinam em suma que, suprimida anoção <strong>de</strong> que o territó<strong>rio</strong> é como uma proprieda<strong>de</strong> pessoal <strong>do</strong> príncipe,não se po<strong>de</strong>m mais admitir hoje os mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> cessão antigamenteusa<strong>do</strong>s. Por eles, o soberano tinha o direito <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r, <strong>do</strong>ar, trocar, testarqualquer parte <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> nacional como <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> sua.Seria, entretanto, lamentável confusão concluir, a partir daimpossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se admitirem hoje “os mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> cessão antigamenteusa<strong>do</strong>s” (são palavras textuais <strong>do</strong>s autores cita<strong>do</strong>s), a proibição <strong>de</strong>cessões <strong>de</strong> qualquer natureza na or<strong>de</strong>m internacional quanto a territó<strong>rio</strong>s.Em vez <strong>do</strong> que diz a unanimida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s escritores <strong>de</strong> direitointernacional, ao recusar a faculda<strong>de</strong> ilimitada <strong>de</strong> alienação <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>,excetua<strong>do</strong> o caso da violência, afirma o direito a cessão <strong>de</strong>sse mesmoterritó<strong>rio</strong> toda vez que o reclamem interesses supe<strong>rio</strong>res <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> eque o ato seja pratica<strong>do</strong> com salvaguardas da soberania à sua própriaexercitação.Lomonaco, invoca<strong>do</strong> como apoio da opinião contrária às cessõesterritoriais, escreve que:538


ARTIGOS DE IMPRENSASob o impé<strong>rio</strong> da civilização mo<strong>de</strong>rna, não se po<strong>de</strong> admitir, a favor <strong>do</strong>s príncipes,aquela faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong>senfreada <strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r por <strong>do</strong>ação ou testamento os seus Esta<strong>do</strong>sou uma parte <strong>de</strong>les, como se admitia nos tempos passa<strong>do</strong>s. No entanto, o expositor<strong>de</strong> direito internacional <strong>de</strong>sconhecer que ainda hoje – por motivos que o Direito dasGentes consi<strong>de</strong>ra legítimos – é válida, em certos casos, e eficaz a cessão <strong>de</strong> umaparte <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (Lomonaco, Direito Internacional, pp. 113 e 114).Em outro trecho:Reconhecen<strong>do</strong>, embora, que a soberania nacional é inalienável e indivisível,<strong>de</strong>ve-se ainda hoje admitir a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cessão <strong>de</strong> uma parte <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> [...][A diferença é que] a cessão somente se <strong>de</strong>ve admitir em casos excepcionais, porconsi<strong>de</strong>rações políticas e <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as formas que o direito público externoreconhece como válidas, limitações estas que se não encontravam no passa<strong>do</strong>(Lomonaco, Direito Internacional, p. 242)Despagnet, também invoca<strong>do</strong> para a prova <strong>de</strong> que o direito públicomo<strong>de</strong>rno não admite cessões territoriais, escreve, pelo contrá<strong>rio</strong>, que:As cessões contratuais <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> po<strong>de</strong>m também ser amigáveis, provocadaspelo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> satisfazer um interesse político, aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong>-se, por exemplo,territó<strong>rio</strong>s que dão mais incômo<strong>do</strong> que proveito, cuja conservação possa trazercomplicações, ou com o fito <strong>de</strong> ganhar apoio e amiza<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma potência que setem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não <strong>de</strong>sgostar (Droit Int. Public,1889, n os 298 e 394).A terceira autorida<strong>de</strong> chamada a <strong>de</strong>por contra as cessões <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>no direito internacional mo<strong>de</strong>rno, Pie<strong>de</strong>lièvre, ensina, como to<strong>do</strong>s, aindissolubilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> nacional (Droit Int. Public, 1894, p. 373,v. 1), para afirmar imediatamente que esse princípio comporta exceçõesrigorosamente limitadas e <strong>de</strong> aplicação submetida a regras precisasnas leis constitucionais. Afirma, entretanto, expressamente o direito <strong>de</strong>alienar parte <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> nacional, subordinada essa alienação ao voto<strong>de</strong> toda a nação ou à expressa aprovação <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Legislativo.Assim, a quase unanimida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s autores, indicada como contráriaàs cessões territoriais perante o direito mo<strong>de</strong>rno, reduz-se à unanimida<strong>de</strong><strong>do</strong>s três únicos cita<strong>do</strong>s nominalmente em favor <strong>de</strong>ssas mesmas cessõesque se reprovam.539


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOUma tal <strong>de</strong>monstração, feita com as próprias autorida<strong>de</strong>s cujaopinião não foi sinceramente fornecida, aos adversá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong>30 <strong>de</strong> outubro dispensaria outras citações se não valesse, para maioresclarecimento, reproduzir o que dizem outros autores, chefes <strong>de</strong> escola,sumida<strong>de</strong>s que abrangem com o seu ensino o mais vasto campo nasrelações <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m internacional.No direito americano, se não se quiser a lição <strong>de</strong> Lafayette, admitin<strong>do</strong>que um Esta<strong>do</strong> po<strong>de</strong>, conforme as circunstâncias e por interesses ouconveniências <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m política, administrativa ou econômica, ce<strong>de</strong>ra outro uma parcela <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> e, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o parágrafo 194 <strong>do</strong>sseus Princípios <strong>de</strong> Direito Internacional, regulan<strong>do</strong> a forma por quetal cessão se <strong>de</strong>ve efetuar, po<strong>de</strong>ria ser invoca<strong>do</strong> J. Basset Moore. O seuDigest of International Law, nos parágrafos 82 e 737, <strong>do</strong>s volumes 1e 5, <strong>de</strong>termina a forma por que se verificam os efeitos das cessões <strong>de</strong>territó<strong>rio</strong> e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a in<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> consentimento<strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s nos casos <strong>de</strong> tais cessões. Não é menor naespecialida<strong>de</strong> – antes, da sua cátedra <strong>de</strong> comenta<strong>do</strong>r da Constituição,maior é a autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Story. Pois este momento é o apoio <strong>do</strong> princípiocodifica<strong>do</strong> por Bassett Moore, admitin<strong>do</strong> tais cessões e sustentan<strong>do</strong>diante <strong>de</strong>las a preeminência e a liberda<strong>de</strong> da União no dispor <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong>.Menos expressivo não é Bluntschli ao afirmar, no parágrafo 285 (Dir.Int. Cod., 1895), que em uma forma reconhecida pelo direito público oEsta<strong>do</strong> po<strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r uma parte <strong>do</strong> seu territó<strong>rio</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que esse ato sejapoliticamente útil. Outro não é o pensamento <strong>de</strong> Ernesto Nys ao sustentara legitimida<strong>de</strong> das <strong>do</strong>ações, a troca ou a venda <strong>de</strong> parte <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong>,somente pedin<strong>do</strong> para esse ato a aplicação <strong>do</strong>s princípios gerais que regema cessão e a aquisição: livre-consentimento manifesta<strong>do</strong> pelos órgãos queo direito público <strong>de</strong> cada uma das partes estabelece (Dir. Int., p. 14, v. 2).Fastidioso seria amontoar mais <strong>de</strong>poimentos. Pelo valor <strong>do</strong>s nomescita<strong>do</strong>s, a conclusão é absolutamente o contrá<strong>rio</strong> da que se tentou<strong>de</strong>monstrar com a quase unanimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autores contra as cessõesterritoriais. A unanimida<strong>de</strong> é por tais cessões, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haja nisso umautilida<strong>de</strong> não só <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m política, mas também <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m administrativaou econômica, e que o ato seja váli<strong>do</strong> perante as leis constitucionais.***540


ARTIGOS DE IMPRENSAAfirmou-se, porém, contra o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> outubro que, aindamesmo lhe sen<strong>do</strong> favorável a <strong>do</strong>utrina internacional, não o conteste aConstituição <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> fevereiro, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cujos preceitos não se conce<strong>de</strong>ao Brasil o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> dispor <strong>de</strong> suas terras.A um ferrenho adversá<strong>rio</strong> <strong>de</strong>sse trata<strong>do</strong>, como o senhor Andra<strong>de</strong>Figueira, po<strong>de</strong>riam ser tomadas as palavras com que, aberta a discussão <strong>do</strong>acor<strong>do</strong> internacional no Congresso, em artigo <strong>de</strong> oposição, ele fulminava“como escusadas as discussões bizantinas sobre a constitucionalida<strong>de</strong><strong>do</strong> ato”. No entanto, o <strong>de</strong>talhe da crítica <strong>de</strong>ixará em relevo a inanida<strong>de</strong>da arguição <strong>de</strong> inconstitucional.Da união “perpétua e indissolúvel”, que a Constituição dizformarem as antigas províncias, se quer concluir que nenhum po<strong>de</strong>ré capaz <strong>de</strong> modificar o status territorial que a revolução triunfante<strong>de</strong> 1889 encontrou. O engano parece manifesto. Todas e quaisquermodificações na linha geral das fronteiras <strong>do</strong> Brasil, feitas pelosmeios próp<strong>rio</strong>s e baseadas em utilida<strong>de</strong> nacional, não atingem <strong>de</strong>nenhum mo<strong>do</strong> a indissolubilida<strong>de</strong> da Fe<strong>de</strong>ração. Os pequenostrechos <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>, com que se retifiquem quaisquer inconvenientesna linha limítrofe, não atentam <strong>de</strong> forma alguma contra a constânciae a perpetuida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s laços que o regime fe<strong>de</strong>rativo c<strong>rio</strong>u entre osesta<strong>do</strong>s – aumenta<strong>do</strong>s ou modifica<strong>do</strong>s na sua estrutura material,segun<strong>do</strong> as conveniências excepcionais <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m nacional, massempre indissoluvelmente liga<strong>do</strong>s.No caso <strong>do</strong> Uruguai, disse o senhor <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Antunes Maciel queo po<strong>de</strong>r privativo <strong>do</strong> Congresso <strong>de</strong> estabelecer “<strong>de</strong>finitivamente” oslimites <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> nacional não lhe dá o direito <strong>de</strong> aprovar qualquermodificação nesses limites, sob nenhum pretexto. “O que se faz agora[exclamava o representante <strong>do</strong> Rio Gran<strong>de</strong> <strong>do</strong> Sul] é estabelecer limitescom país estrangeiro? Não é. Esses limites estão estabeleci<strong>do</strong>s há mais<strong>de</strong> meio século e não há dúvidas sobre eles.”Do conjunto das palavras <strong>de</strong> sua excelência, o que se conclui é que,em uma teoria constitucional <strong>de</strong> pura estagnação, os limites, uma veztraça<strong>do</strong>s, cessam toda a ativida<strong>de</strong> nacional, toda a evolução a respeito<strong>de</strong>les. Ao dizer que o Congresso Nacional estatui “<strong>de</strong>finitivamente”sobreos limites <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> nacional, a Constituição haveria queri<strong>do</strong>estabelecer não que aos representantes diretos <strong>do</strong> sufrágio para a funçãolegislativa <strong>de</strong>ve caber, em <strong>de</strong>finitivo, a autorida<strong>de</strong> final no exame <strong>do</strong>s541


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOacor<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ssa natureza o voto sobre limites, mas somente que, proferi<strong>do</strong>esse voto, a fronteira estaria fixada “<strong>de</strong>finitivamente” para to<strong>do</strong> o sempre.Cairíamos em plena imutabilida<strong>de</strong>. Reviveria Metternich,proclaman<strong>do</strong> contra a obra <strong>de</strong> unificação italiana, que a base da política<strong>de</strong>ve ser o repouso, tanto quanto a i<strong>de</strong>ia fundamental <strong>de</strong>sse mesmorepouso, a segurança imutável da posse.Não po<strong>de</strong>ria haver mais flagrante anacronismo para a época, cujaquestão da própria eficácia das fronteiras autoriza um <strong>de</strong>bate sempreem aberto, no qual não faltam sociólogos, como De Greef, para levaro problema <strong>de</strong> fronteira a confundir-se com o das relações sociais emto<strong>do</strong>s os graus, evolutivo e progressista, vivaz e relativo com a tendênciamanifesta ao i<strong>de</strong>al das linhas fronteiriças <strong>de</strong> separação, abrin<strong>do</strong> espaço aformas contratuais, regulan<strong>do</strong> e limitan<strong>do</strong> a ativida<strong>de</strong> internacional <strong>do</strong>sgrupos e <strong>do</strong>s seus membros, como nas associações <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m privadaentre elas.Impossível <strong>de</strong> suprimir a tendência das fronteiras a se modificaremsob a pressão <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s políticas, geográficas, econômicas, nadamais exato que a lição <strong>do</strong> professor Moulin, <strong>de</strong> Dijon, sustentan<strong>do</strong>(especialmente quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong> direitos territoriais, cujo exercício seriaum entrave ao <strong>de</strong>senvolvimento sociológico da região) a conveniência<strong>de</strong>, ao la<strong>do</strong> da perenida<strong>de</strong> em princípio, admitir a revisão oportuna eequitativa <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitações territoriais, aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a situaçõesnovas, que o direito <strong>de</strong>ve reconhecer e consagrar.Estabelecer constitucionalmente a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> solversituações <strong>de</strong>ssas seria aberrar na conservação da or<strong>de</strong>m social. Afaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizá-lo é pleno exercitamento da soberania, atributoessencial <strong>de</strong>sta, como é também <strong>de</strong>limitar, nas contingências <strong>do</strong> tempo e<strong>do</strong> espaço, o campo material da ativida<strong>de</strong> nacional.Para exercitação <strong>de</strong>sses atributos, a Constituição da Repúblicasomente duas limitações expressamente traçou à soberania: a <strong>de</strong> nãolegislar abolin<strong>do</strong> a forma republicana fe<strong>de</strong>rativa e a <strong>de</strong> não suprimir aigualda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s na sua representação no Sena<strong>do</strong>.As próprias citações <strong>do</strong> Código Penal e da Lei <strong>de</strong> Responsabilida<strong>de</strong>Presi<strong>de</strong>ncial não socorrem à opinião contrária à faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong>, no regimedas nossas leis, ce<strong>de</strong>r-se, nos casos em que os altos interesses <strong>do</strong> paísassim o indiquem, qualquer trecho <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> ante<strong>rio</strong>rmente assunto<strong>de</strong> trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> limites. No Código Penal se encontra, afirma no seu542


ARTIGOS DE IMPRENSAdiscurso o senhor <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Antunes Maciel, entre os crimes contra aIn<strong>de</strong>pendência, a integrida<strong>de</strong> e a dignida<strong>de</strong> da pátria, o que é <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>no artigo 87: “Tentar diretamente e por fatos sujeitar o territó<strong>rio</strong> daRepública, ou parte <strong>de</strong>le, ao <strong>do</strong>mínio estrangeiro, quebrantar ouenfraquecer a sua integrida<strong>de</strong>, penas etc. [...]”Simplesmente, essas palavras – cuja citação, como reprodução fiel<strong>do</strong> artigo 87, <strong>de</strong>veriam parar em “integrida<strong>de</strong>”, com o sinal <strong>de</strong> <strong>do</strong>ispontos – são a síntese da forma criminal que os quatro parágrafos <strong>do</strong>mesmo artigo 87 <strong>de</strong>scriminam claramente. Em outras palavras, essesparágrafos especificam que comete o crime <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> artigo 87 aqueleque, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o parágrafo 1 o , entregar ao inimigo externo qualquerparte <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> ou coisa da nação; <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o parágrafo 2 o ,auxiliar materialmente a nação inimiga em operações; <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> como parágrafo 3 o , revelar ao inimigo segre<strong>do</strong>s concernentes à segurançada pátria; ou, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o parágrafo 4 o , receber, asilar e protegerespiões <strong>do</strong> inimigo.Tu<strong>do</strong> se enquadra, assim, em um esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> guerra, no qual unicamentetem aplicação o artigo 87 <strong>do</strong> Código Penal, como se vê sem nenhumarelação com trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> limites e cessões territoriais, que uma <strong>de</strong>finiçãomelhor daqueles ou qualquer outro interesse relevante <strong>do</strong> país aconselhe.Nem com outra interpretação po<strong>de</strong> ser entendi<strong>do</strong> o disposto quasesimilar, senão perfeitamente idêntico, da Lei <strong>de</strong> Responsabilida<strong>de</strong>Presi<strong>de</strong>ncial: –Tentar diretamente e por fatos submeter a União ou algum<strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s que <strong>de</strong>la fazem parte ao <strong>do</strong>mínio estrangeiro ou separarda União qualquer esta<strong>do</strong> ou porção <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> nacional– A simplesleitura <strong>de</strong>sse preceito legal mostra que ele não po<strong>de</strong> ter cabimento paraproibir transações sobre limites com cessões territoriais. Na primeiraparte regula, como o Código Penal, para um esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> guerra; nasegunda, – separar da União qualquer esta<strong>do</strong> ou porção <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong>nacional –, parece evi<strong>de</strong>nte que, tratan<strong>do</strong> a primeira em termos gerais ecompletos <strong>do</strong> estrangeiro, legisla para a or<strong>de</strong>m interna <strong>do</strong> país, segun<strong>do</strong>a qual o presi<strong>de</strong>nte não po<strong>de</strong> isolar qualquer trecho <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong>, esta<strong>do</strong>ou parte <strong>de</strong>le, para dar-lhe regime <strong>de</strong> fora da União e da estrutura que aConstituição lhe prescreveu.A sanção punitiva das cessões em negociação <strong>de</strong> limites não existecomo se patenteia. E se se chamar à argumentação o artigo da Lei <strong>de</strong>Responsabilida<strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>ncial, estabelecen<strong>do</strong> a penalida<strong>de</strong> para os543


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOnegocia<strong>do</strong>res <strong>de</strong> trata<strong>do</strong>s que comprometam os interesses nacionais,essa disposição é bastante para, a contra<strong>rio</strong> sensu, permitir to<strong>do</strong>saqueles convênios, não expressamente proibi<strong>do</strong>s, e que não atentemcontra tais interesses. Ora, disposição nenhuma legal existe proibin<strong>do</strong>expressamente as cessões nos casos extraordiná<strong>rio</strong>s em que elassejam aconselhadas; parece evi<strong>de</strong>nte, portanto, que somente quan<strong>do</strong>,“contrárias aos interesses nacionais”, e por esse motivo especial, nãocomo simples cessões, elas não são perfeitamente legais.Seria erro preten<strong>de</strong>r que, por não serem expressamente autorizadasas cessões <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>, para melhor regularização <strong>de</strong> limites e com ocaráter excepcional que elas <strong>de</strong>vem ter, são absolutamente proibidas.O contrá<strong>rio</strong> é que parece ser verda<strong>de</strong>iro. Des<strong>de</strong> que não estãoterminantemente vedadas, são, como exercitação, atributo <strong>de</strong> soberanos,implicitamente reconhecidas e aceitas. Não se legisla para permitirfaculda<strong>de</strong>s essenciais e elementares à natureza e à exercitação <strong>do</strong>sdireitos <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r; <strong>de</strong>clara-se, sim, aquilo que nessa exercitação lheé veda<strong>do</strong>.Tanto é isso a verda<strong>de</strong>, nessa or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> relações, que nenhumaConstituição se conhece proibin<strong>do</strong> as cessões territoriais que representemvantagens para o país nem nos casos com as garantias especiais que elasse <strong>de</strong>vem verificar.Ao contrá<strong>rio</strong>, na França, a Constituição <strong>de</strong> 1848 proibiuterminantemente ao Chefe <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (artigo 51) a cessão <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>em trata<strong>do</strong>s internacionais. No entanto, em 1875, a Lei Constitucional <strong>de</strong>16 <strong>de</strong> julho, organizan<strong>do</strong> os po<strong>de</strong>res públicos, revogou essa proibição,<strong>de</strong>claran<strong>do</strong> somente (artigo 8 o ) que nenhuma cessão será legal senãoquan<strong>do</strong> feita por uma lei.Como elemento <strong>de</strong> interpretação parece bastante claro. Nemse tornaria indispensável, <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, invocar a teoria <strong>de</strong> Buttler(Treatymaking power of United States), <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a qual, priman<strong>do</strong>a conservação da paz e sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>ver essencial <strong>do</strong>s governos evitar<strong>de</strong>sastres e comoções <strong>de</strong> guerras injustas, em tais conjunturas, mesmonos países que a não permitissem, seria justificada a cessão.O Brasil <strong>de</strong>u, não há muito, exemplo digno <strong>de</strong> atenção nas suas questõescom a Bolívia. Para findar as questões no Acre e tranquilizar o espírito <strong>do</strong>país diante <strong>do</strong> qual as suas forças não eram infe<strong>rio</strong>res, ce<strong>de</strong>u o triângulo <strong>do</strong>Abunã e pequenos trechos nas lagoas e baixadas <strong>do</strong> oeste <strong>de</strong> Mato Grosso.544


ARTIGOS DE IMPRENSAPor seu turno o Peru – seguin<strong>do</strong> o exemplo que, em 1903,atravessan<strong>do</strong>-se no caso acriano, procurou dificultar quan<strong>do</strong> pô<strong>de</strong>,ouvin<strong>do</strong> amigas assistenciais –, uma vez <strong>de</strong>clara<strong>do</strong> senhor <strong>do</strong>s terrenoscom que o presenteou o lau<strong>do</strong> <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte Alcorta, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> aceito esselau<strong>do</strong> e, em consequência, incorporadas essas regiões a sua soberania,ce<strong>de</strong>u parte <strong>de</strong>las para melhorar a sua linha <strong>de</strong> limites e evitar com aBolívia um encontro que ao vence<strong>do</strong>r não seria menos danoso que aovenci<strong>do</strong>, quem quer que ele fosse.Se <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> cedi<strong>do</strong> <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> lau<strong>do</strong> argentino se po<strong>de</strong> dizer quea incorporação era puramente nominal à soberania peruana, a cessão noAbunã e em Mato Grosso foi <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong>s em trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> quase meioséculo reconheci<strong>do</strong>s na posse imemorial <strong>do</strong> Brasil, que neles exercitousempre plena soberania, exemplo com que a política <strong>do</strong> Barão <strong>do</strong> RioBranco reverteu toda a velha tradição clássica das cessões sempre sobviolência. Foi o país mais forte que, por alta noção <strong>do</strong>s seus interessese das suas responsabilida<strong>de</strong>s, ce<strong>de</strong>u <strong>do</strong> que lhe pertencia, comocompensação aos sentimentos patrióticos <strong>do</strong> vizinho, nas contingênciasem que a Bolívia se encontrava.Admitir a teoria <strong>de</strong> que, uma vez fixa<strong>do</strong>s os limites e estabelecidas asfronteiras legalmente, não se po<strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r trecho algum <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>las sematentar criminosamente contra a integrida<strong>de</strong> nacional, seria em casos taissubalternizar a paz e os interesse supe<strong>rio</strong>res <strong>do</strong>s povos a formalísticasvazias <strong>de</strong> expressão razoável na vida internacional.Jurista que o sustente, no terreno <strong>do</strong>utriná<strong>rio</strong>, estará faltan<strong>do</strong> à obrada consciência jurídica universal, transforman<strong>do</strong> as constituições, <strong>de</strong>instrumentos <strong>de</strong> perfectibilida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>vem ser, em tropeço e estorvoàs aspirações inelutáveis <strong>de</strong> paz e aproximação entre os povos, narelativida<strong>de</strong> da sua evolução e <strong>do</strong>s seus <strong>de</strong>stinos.Tão expressa aquela quanto, no próp<strong>rio</strong> direito <strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r sem peias,é <strong>do</strong>s estilos dizer finda<strong>do</strong> com o absolutismo das velhas monarquias,ainda na Inglaterra, na opinião Esmein, consi<strong>de</strong>ra-se tradicionalmentea cessão <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> como prerrogativa especial da coroa, que po<strong>de</strong>fazê-la por ato seu exclusivo. Assim é que, ao ce<strong>de</strong>r em 1890 a ilha <strong>de</strong>Heligoland à Alemanha, não só não se contestou esse direito <strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r,que a lei não estatui expressamente, mas também uma viva discussãose travou; Gladstone, interessa<strong>do</strong> nela, contra a cláusula <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> que,inovan<strong>do</strong> na tradição, submeteu o acor<strong>do</strong> ao voto <strong>do</strong> Parlamento.545


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOHeligoland, como um admirável ponto estratégico, guarda a foz<strong>do</strong> Elba, <strong>do</strong>minan<strong>do</strong> assim a saída <strong>de</strong> Hamburgo e, ao mesmo tempo,uma das entradas <strong>do</strong> canal <strong>de</strong> Kiel. A rivalida<strong>de</strong> entre os <strong>do</strong>is po<strong>de</strong>rososimpé<strong>rio</strong>s não impediu a cessão, a qual o pat<strong>rio</strong>tismo não quis empecer;antes, procurou que ela se fizesse com a responsabilida<strong>de</strong> da nação,sufragan<strong>do</strong> o ato da Rainha.De to<strong>do</strong> o ante<strong>rio</strong>rmente exposto, o que se po<strong>de</strong> concluir, assim, é quequer na <strong>do</strong>utrina, quer na prática das nações, a questão das concessõesterritoriais, que a Constituição e as leis <strong>do</strong> Brasil não proíbem, seenquadra toda nas singelas linhas <strong>de</strong> Calvo: to<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong> soberano tem,em princípio, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que o <strong>de</strong> adquirir, direito incontestável <strong>de</strong>alienar qualquer trecho <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> em circunstâncias extraordinárias eobservadas as formalida<strong>de</strong>s das leis constitucionais.Foi o que se fez a propósito da lagoa Mirim e <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Jaguarão.***Asseverou, entretanto, a oposição ao Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> outubro que,ainda quan<strong>do</strong> legítimo em princípio e em <strong>do</strong>utrina constitucional, paraele – cessão <strong>de</strong> territó<strong>rio</strong> que é, em vez <strong>de</strong> simples outorga <strong>de</strong> franquias epermissões – não havia motivo bastante, especialmente com as restriçõesque estabelece.As chamadas servidões negativas criticadas são, no artigo 2 o ,a condição “aceita pela República Oriental <strong>do</strong> Uruguai”, <strong>de</strong> somenteas ban<strong>de</strong>iras brasileira e uruguaia, salvo acor<strong>do</strong> poste<strong>rio</strong>r, usarem danavegação e fazerem comércio na lagoa Mirim e no <strong>rio</strong> Jaguarão, e a <strong>de</strong>nenhuma das nações fortificar as margens da lagoa e <strong>do</strong> <strong>rio</strong> ou as ilhasaí existentes.A simples enumeração <strong>de</strong>ssas restrições, que o trata<strong>do</strong> claramenteexpressou, “aceitas pelo Uruguai”, indica o seu verda<strong>de</strong>iro significa<strong>do</strong>:não se impunha ao Brasil um dano ou uma diminuição; obtinha, da outraparte, a aquiescência a medidas avisadas em um regime <strong>de</strong> águas queaqui, como em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, não recebeu ainda a <strong>de</strong>finitiva consagração.Quanto às fortificações, admira que para o caso não fosseminvocadas, como para os outros, as lições <strong>do</strong> direito internacionalmo<strong>de</strong>rno e a prática <strong>do</strong>s povos cultos. Esta e aquelas diriam, com o lago<strong>de</strong> Constança, para somente falar <strong>do</strong>s mais importantes, que outro não546


ARTIGOS DE IMPRENSAé o regime ao qual não nos po<strong>de</strong>ríamos furtar, ao tratar com o Uruguaina situação <strong>de</strong> direito que a evolução <strong>do</strong> próp<strong>rio</strong> sentimento nacional,inspira<strong>do</strong> pela política Rio Branco, indicava.Mesmo consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o assunto <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista prático e semembargo da situação <strong>de</strong> aban<strong>do</strong>no em que <strong>de</strong>ixamos toda essa fronteira,na qual não nos precavemos enquanto pu<strong>de</strong>mos, e <strong>de</strong>veríamos fazê-losem obstáculos, tivéssemos fortificações e permaneceriam.Se as não levantamos, ainda no esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> espírito que tantos anosenturvou a política <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is países, é que eram dispensáveis. Melhoran<strong>do</strong>aquele, e não são sintomas sem significação os que se têm patentea<strong>do</strong>,não precisaremos <strong>de</strong>las com mais intensida<strong>de</strong>.Admita-se, entretanto, que o espírito mau das lutas, a versatilida<strong>de</strong><strong>do</strong>s homens que passam a conturbar o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o pacientetrabalho que a inspiração <strong>de</strong> uma política supe<strong>rio</strong>r está conseguin<strong>do</strong> eas velhas veleida<strong>de</strong>s e pretensões ressurjam, instigadas e amparadas.A sabe<strong>do</strong>ria <strong>de</strong>sse trato, criticada, em tal hipótese, ficará ainda maispatente quan<strong>do</strong> a restrição “aceita pelo Uruguai”, não o <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> armarsepor si ou com o auxílio <strong>de</strong> outros, for o obstáculo ao levantamento <strong>de</strong>tropeços materiais e dificulda<strong>de</strong>s que, no regime da mais plena confiança,o espírito previsor <strong>do</strong> pat<strong>rio</strong>tismo soube em to<strong>do</strong> caso impedir.Não é menos sem fundamento a crítica ao estatuí<strong>do</strong> <strong>de</strong> que “salvo acor<strong>do</strong>poste<strong>rio</strong>r, somente embarcações brasileiras e uruguaias po<strong>de</strong>rão navegar efazer o comércio nas águas <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Jaguarão e da lagoa Mirim”. Consi<strong>de</strong>ra-seessa cláusula um privilégio ao Uruguai, em <strong>de</strong>trimento a um princípio geral,e um entrave à ação <strong>do</strong> Brasil, a respeito <strong>de</strong> outros povos amigos.Ao contrá<strong>rio</strong>, representa a aceitação, pela República Oriental, <strong>do</strong>sprincípios que o Brasil tem sempre sustenta<strong>do</strong> na matéria e <strong>de</strong> queaquele mesmo país discorda na sua legislação. De fato, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1853, essaRepública <strong>de</strong>clarou livres a todas as ban<strong>de</strong>iras as suas águas. Adquiridacom a fronteira terrestre na lagoa Mirim e no <strong>rio</strong> Jaguarão a medianianesses cursos navegáveis, não seria sem fundamento que as naçõesinteressadas reclamassem <strong>do</strong> Uruguai o uso <strong>de</strong>les para o seu comércioe navegação.Nem se po<strong>de</strong> dizer que, nas condições que têm, essas águas sejamdaquela que pertençam exclusivamente aos ribeirinhos. Em princípio,dada a sua comunida<strong>de</strong> e garantida pela República Oriental <strong>do</strong> Uruguai aliberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> todas as suas águas navegáveis, uma vez concedi<strong>do</strong>s547


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOpelo Brasil o livre-trânsito pelo São Gonçalo e a comunicação pela barra<strong>do</strong> <strong>rio</strong> Gran<strong>de</strong> com o oceano Atlântico, aquele não po<strong>de</strong>ria tirar às águasda sua fronteira (lição <strong>de</strong> Lafayette com apoio em Hautefeuille, Gardner,Travers Twiss, Pradier-Fo<strong>de</strong>ré etc.) o caráter <strong>de</strong> livres a to<strong>do</strong>s os povosamigos, os quais, ainda sem a cláusula <strong>de</strong> nação favorecida, po<strong>de</strong>riamreclamá-lo.Nas condições em que é feito o acor<strong>do</strong> sobre o con<strong>do</strong>mínio daságuas, essa reclamação não po<strong>de</strong> ter fundamento. Em 1853, quan<strong>do</strong><strong>de</strong>clarou livres os seus cursos navegáveis, o Uruguai não possuía nema lagoa Mirim nem o <strong>rio</strong> Jaguarão. Se a aquisição <strong>de</strong> meta<strong>de</strong> das águasé feita sob condições <strong>de</strong> não serem, por ora, utilizadas senão pelos seusribeirinhos, não faltamos aos princípios da nossa tradição, não faltamosà equida<strong>de</strong>, senão mesmo à justiça, para com o país amigo e vizinhoe, evitan<strong>do</strong> inci<strong>de</strong>ntes e reclamações por enquanto, não faltaremos nomomento oportuno à diretriz liberal, mas cautelosa, porque séria, danossa política.O Brasil resistiu ao movimento conjunto <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os vizinhos,instiga<strong>do</strong>s e ampara<strong>do</strong>s pelos po<strong>de</strong>rosos interesses externos conheci<strong>do</strong>s,no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> o forçarem à abertura imediata e impru<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> to<strong>do</strong>sos seus <strong>rio</strong>s ao livre-comércio e à navegação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Outra coisanão foram as leis com que fizeram essas <strong>de</strong>clarações (a Argentina e aColômbia, em 1852; o Uruguai, a Bolívia e o Equa<strong>do</strong>r, em 1853; o Peruem 1853 e em 1858).Quan<strong>do</strong> o aconselharam as conveniências <strong>do</strong> país, pelo <strong>de</strong>creto <strong>de</strong><strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1866, o Brasil franqueou parcialmente as suas águas emtoda a extensão praticável e <strong>de</strong> eficaz utilização sem danos. Resistin<strong>do</strong>a to<strong>do</strong>s os vizinhos, aos quais não reconheceu nunca a comunida<strong>de</strong> eo livre uso das águas, sem que o primeiro tivesse com eles fronteirasconhecidas e fixas, na evolução <strong>do</strong> seu sentimento jurídico e <strong>do</strong> seu<strong>de</strong>senvolvimento econômico prepara, sem dúvida, o regime <strong>de</strong> amplaliberda<strong>de</strong> para quan<strong>do</strong> pu<strong>de</strong>rmos sistematizá-lo com uma concorrênciasem subalternizações e sem perigos <strong>de</strong> absorção.Se não vem longe esse momento, ainda o não tivemos por oportuno;assim, uma política avisada não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> tratar da forma porque o fizemos sobre as águas contíguas com o Uruguai.O que parece um privilégio para este é, ao contrá<strong>rio</strong>, uma salutarprovidência na antinomia <strong>do</strong>s regimes existentes, no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> evolução548


ARTIGOS DE IMPRENSAem que nos encontramos, coor<strong>de</strong>nan<strong>do</strong> ao mesmo tempo os anelos pelajustiça às condições especiais <strong>do</strong>s nossos problemas internacionais. Nãoficamos tolhi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r como nos aconselhar o interesse nacionalquan<strong>do</strong> for tempo; evitamos, entretanto, parecen<strong>do</strong> restringir-nos,discussões e inci<strong>de</strong>ntes pelo menos <strong>de</strong>sagradáveis.Melhor fundamento não tem a crítica contra a terceira restriçãocon<strong>de</strong>nada no Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> outubro: a <strong>de</strong> não po<strong>de</strong>rmos ter nas águasda lagoa Mirim e <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Jaguarão senão três pequenas embarcações <strong>de</strong>guerra. Ainda quanto a isso, se quiséssemos invocar exclusivamentea prática <strong>do</strong>s povos cultos, po<strong>de</strong>ríamos lembrar somente o lago <strong>de</strong>Constança, em relação ao qual a Áustria, a Suíça, o Grão-Duca<strong>do</strong> <strong>de</strong>Ba<strong>de</strong>n, a Baviera e o Wurtemberg tratam, em assuntos <strong>de</strong> polícia e<strong>de</strong>fesa, no mesmo pé <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>, e os Gran<strong>de</strong>s Lagos, entre o Canadáe os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, on<strong>de</strong> a limitação <strong>do</strong>s navios <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa vai ao ponto<strong>de</strong> somente admitir um para cada país limítrofe, e aquele mesmo <strong>de</strong> cemtoneladas.As condições em que tratamos com o Uruguai, em igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos,na representação da sua personalida<strong>de</strong> jurídica, princípio que nos fez emHaia assumir a atitu<strong>de</strong> que ali tivemos, bastariam para justificar a medida.Há melhor, entretanto. O artigo <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> diz expressamente que “salvocircunstâncias extraordinárias”, <strong>de</strong> que darão prévio aviso uma à outra, “asduas altas partes se obrigam a não manter nas águas da lagoa Mirim e <strong>de</strong>seus afluentes senão três pequenas embarcações armadas em guerra”.É claro, assim, que não somente no espírito, na própria letra <strong>do</strong>trata<strong>do</strong>, se uma lamentável oportunida<strong>de</strong> se apresentar, os direitos <strong>do</strong>Brasil estão salvaguarda<strong>do</strong>s, pois que, não por negociação ou acor<strong>do</strong>,mas por mero aviso prévio <strong>de</strong> que vai fazê-lo, todas as providênciaspo<strong>de</strong>m ser por ele tomadas.Não seria possível, como se parece inferir das críticas visan<strong>do</strong> aum sentimentalismo patriótico, que quiséssemos somente nós terembarcações <strong>de</strong> guerra nas águas em que, apesar da situação quenem sempre foi inteiramente amistosa, não as tivemos nos últimos 40anos. Tratan<strong>do</strong> em 1909 com o Uruguai, não po<strong>de</strong>ríamos querer paranós aquilo que, em 1813, no Gulistão, e em 1828, no Tourkmantschai,tratava a Rússia com a Pérsia: o direito <strong>de</strong> somente aquela ter navios<strong>de</strong> guerra no mar Cáspio, on<strong>de</strong> a mediana <strong>de</strong> águas, e a jurisdição, e aliberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> comércio eram mantidas.549


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOEncaran<strong>do</strong> praticamente o assunto, se um acaso <strong>de</strong>sastroso pu<strong>de</strong>sselevar o Uruguai a uma situação agressiva, na circunstância extraordináriaque isso seria – circunstância <strong>de</strong> que somos nós o juiz –, na letra <strong>do</strong>trata<strong>do</strong>, uma vez que <strong>do</strong>minamos a barra no Oceano e o sangra<strong>do</strong>uroda lagoa, po<strong>de</strong>ríamos impedir, com intervenção material nossa, que searmassem na margem adversária embarcações cujo transporte houvessesi<strong>do</strong> possível por terra, e em nada sofreríamos.Foi com o simples uso <strong>de</strong>sse direito preventivo <strong>de</strong> conservação e <strong>de</strong>fesaque facilitamos, em 1903, o acor<strong>do</strong> com a Bolívia e, em 1904, contivemosas impertinências da política em que então se embalava o Peru.Evi<strong>de</strong>ncia-se, assim, que nem foram ônus, nem ônus <strong>de</strong>sarrazoa<strong>do</strong>s,aqueles que assumiu o Brasil nas chamadas servidões negativas<strong>do</strong> Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> outubro e que, no enten<strong>de</strong>r da crítica, o fariam<strong>de</strong>smerecer ainda que motivo houvesse para a concessão territorial feita.***Amplamente justifica<strong>do</strong> na estrutura <strong>do</strong>s seus dispositivoscombati<strong>do</strong>s, o Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1909 não o é menos nos seusmotivos. Razão tiveram aqueles que, como o senhor <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Maciel,repeliram nessa negociação a forma <strong>de</strong> uma restituição <strong>de</strong> direitos que apolítica <strong>do</strong> Brasil Impé<strong>rio</strong> houvesse usurpa<strong>do</strong> pela força. Guardan<strong>do</strong>, em1851, a posse que nossa era, sem interrupção, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1801 na lagoa Mirime no <strong>rio</strong> Jaguarão, e que as circunstâncias <strong>do</strong> momento aconselhavam aconservar, nem nos mantínhamos na extensão toda <strong>do</strong> territó<strong>rio</strong> e <strong>do</strong>sdireitos que por atos solenes a República Oriental <strong>do</strong> Uruguai já noshavia reconheci<strong>do</strong>, nem nos constituíamos caso único <strong>de</strong> exclusivossoberanos por trata<strong>do</strong> regular, precedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> posse sem vício, <strong>de</strong> to<strong>do</strong> umlençol <strong>de</strong> águas fronteiras.Não éramos caso excepcional naquela época. Ainda o não seríamoshoje, quan<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong> a exposição <strong>de</strong> motivos <strong>do</strong> Barão <strong>do</strong> Rio Brancosobre o trata<strong>do</strong>, em parte <strong>do</strong> Labauer-Wasser, entre a Prússia e aSaxônia; no <strong>rio</strong> Foron, no Eau Noire, no Morges, em parte <strong>do</strong> Doubs, noBarberine e no Ronconnière entre a Suíça e a França; no lago Jipe, entreas possessões da Inglaterra e da Alemanha na África; no lago Niassa,entre as possessões da Inglaterra, da Alemanha e <strong>de</strong> Portugal; nos lagosChiuta e Sirwa, entre as possessões da Inglaterra e <strong>de</strong> Portugal; nos <strong>rio</strong>s550


ARTIGOS DE IMPRENSADehawa e Volta, entre o protetora<strong>do</strong> e Togo (Alemanha) e a Costa <strong>do</strong>Ouro (Inglaterra); no <strong>rio</strong> Orange entre o Cabo e a colônia da ÁfricaSu<strong>do</strong>este Alemã, existe ainda o regime <strong>de</strong> águas todas <strong>de</strong> um <strong>rio</strong> ou lagocontíguo pertencen<strong>do</strong> a um só <strong>do</strong>s países limítrofes.O reconhecimento <strong>de</strong>sse direito e a sua manutenção, entretanto, nãoimplicavam a perpetuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um regime que, como to<strong>do</strong>s os fenômenosda or<strong>de</strong>m social, havia <strong>de</strong> sofrer o influxo das tendências e da evolução<strong>do</strong> meio em que se tinha <strong>de</strong> expandir.Se as razões particulares nos aconselhavam em 1851 o procedimentoque tivemos, reservan<strong>do</strong> para nós toda a água da lagoa Mirim e <strong>do</strong> <strong>rio</strong>Jaguarão em uma fronteira agitada, on<strong>de</strong> mal se haviam <strong>de</strong>svaneci<strong>do</strong>ecos <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s recentes, não é menos certo que, <strong>de</strong>saparecidastais razões, ou <strong>de</strong>svaneci<strong>do</strong>s os motivos <strong>de</strong>las, pelo <strong>de</strong>senvolvimento<strong>do</strong> sentimento internacional, a modificação <strong>de</strong> tal esta<strong>do</strong> legal não fosseuma restituição.Valeria, se assim fosse, por um triunfo uruguaio <strong>de</strong> frente asonegações nossas, apoucan<strong>do</strong> a sua expressão, 58 anos passa<strong>do</strong>s sobreas circunstâncias políticas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m muito diversa que po<strong>de</strong>riam teraconselha<strong>do</strong> o regime a que enten<strong>de</strong>mos pôr termo.Não <strong>de</strong>ve ser menor, por isso, a satisfação comum, não sen<strong>do</strong>também necessá<strong>rio</strong> filiar esse ato, como no país vizinho algumas vezesse escreveu e se disse, a promessas formais <strong>do</strong> Brasil pela modificação dasituação <strong>de</strong> fronteira que em 1851 livremente nos reconheceu o Uruguai.Todas as <strong>de</strong>clarações <strong>do</strong> governo brasileiro indicavam sempreque, transformadas as condições que nos aconselhavam esse regime,modificações po<strong>de</strong>riam nela ser a<strong>do</strong>tadas por ato <strong>do</strong> Brasil. “O Trata<strong>do</strong><strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1851 [diz assim muito bem o senhor ClóvisBeviláqua], não se apresentava ao espírito <strong>do</strong>s estadistas brasileiros <strong>do</strong>tempo como um ato <strong>de</strong>finitivo, na parte em que afastava o Uruguai <strong>do</strong>acesso às águas da lagoa Mirim e <strong>do</strong> <strong>rio</strong> Jaguarão”.Evoluin<strong>do</strong> o sentimento jurídico, <strong>de</strong> par com o sentimento político,<strong>de</strong>svaneci<strong>do</strong>s nesses velhos preconceitos, era natural que chegássemosao esta<strong>do</strong> em que, sob a inspiração <strong>de</strong> um prestígio feito <strong>de</strong> confiançae <strong>de</strong> veneração, se realizasse uma velha aspiração <strong>do</strong> nosso próp<strong>rio</strong>sentimento <strong>de</strong> justiça.Vivos os estadistas <strong>de</strong> 1851, disse-o o Barão <strong>do</strong> Rio Branco, elesmesmos seriam os primeiros a promover as modificações que o Trata<strong>do</strong>551


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCO<strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> outubro concretizou. E <strong>de</strong> tal forma interferiram nisso o reflexo<strong>do</strong> querer nacional, a consciência jurídica e a sincerida<strong>de</strong> da convicçãopopular que, ao realizar o ato discuti<strong>do</strong>, podíamos exce<strong>de</strong>r à própriaaspiração vizinha: em lugar <strong>de</strong> concessão convencional <strong>de</strong> gozo <strong>de</strong> parte<strong>de</strong> direito nosso, normalização das relações <strong>de</strong> fronteira, para que a essegozo seja chama<strong>do</strong> o país amigo por direito sob a égi<strong>de</strong> <strong>do</strong>s princípios.Não seria admissível que continuássemos a ter com o mesmo país,a República Oriental, <strong>do</strong>is regimes <strong>de</strong> águas fronteiras. Nas fronteirasoeste e noroeste, águas em comum e livre-navegação e comércio em to<strong>do</strong>o <strong>rio</strong> Uruguai e seus afluentes; nas fronteiras opostas, norte e nor<strong>de</strong>ste,águas exclusivamente na proprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> Brasil e <strong>de</strong>las expressamenteafastada a República <strong>do</strong> Uruguai.Menos admissível seria, para espíritos medianamente liberais,a continuação <strong>do</strong> regime que em 1858 foi negocia<strong>do</strong>, como exceçãogenerosa, entre os <strong>do</strong>is países. Diante <strong>de</strong> reclamações <strong>do</strong> Uruguai,provi<strong>de</strong>nciamos para que, por ocasião <strong>de</strong> cheias no Jaguarão, aslanchas fiscais <strong>do</strong> Impé<strong>rio</strong> não invadissem o territó<strong>rio</strong> da República,acompanhan<strong>do</strong> com a inundação o espraiamento da nossa soberania. E,como concessão especial e ainda mediante reclamação, admitimos que“aos habitantes da vila oriental <strong>de</strong> Artigas se conce<strong>de</strong>sse permissão <strong>de</strong>que suas canoas ou botes pu<strong>de</strong>ssem navegar no <strong>rio</strong>, a fim <strong>de</strong> irem à cida<strong>de</strong>brasileira <strong>de</strong> Jaguarão em busca <strong>de</strong> socorros médicos ou espirituais”.Estranha revivescência medieval na trama livre da civilizaçãoamericana, essa “permissão”, ainda sobre ela, ao ser publicada em 1900,dizia o Código das Relações Exte<strong>rio</strong>res: “A concessão feita nessestermos pelo governo brasileiro continua a ser a única tolerada, enquantoo mesmo governo outra coisa não resolver.”No entanto, <strong>de</strong> que um tal regime <strong>de</strong>veria prestes findar é uma prova aprópria i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> 1888, recordada pelo senhor <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> Maciel, propon<strong>do</strong>senas Câmaras a concessão da livre-navegação ao Uruguai, concessãoa que agora estariam também prontos a dar seus votos os adversá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong>Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> outubro, contan<strong>do</strong> que continuassem <strong>do</strong> Brasil todas aságuas, e permanecesse a mesma fronteira que as <strong>de</strong>via <strong>de</strong>limitar.Nesse voto, há a mais completa justificação daquele trata<strong>do</strong> pelospoucos que combateram ainda nesse ponto <strong>de</strong> vista. Já <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os romanos,com Justiniano, no livro II das Institutas, se ensinava que o direito <strong>de</strong>navegar implica to<strong>do</strong>s os direitos conexos e acessó<strong>rio</strong>s à navegação,552


ARTIGOS DE IMPRENSAsejam o <strong>de</strong> encostar, amarrar, carregar e <strong>de</strong>scarregar, fazer, enfim,todas as práticas necessárias ao uso eficaz <strong>de</strong>sse direito. Nada inovou arespeito <strong>de</strong>le, e não o faria senão para dar-lhe as maiores possibilida<strong>de</strong>s,a evolução jurídica.Conce<strong>de</strong>r o direito <strong>de</strong> navegação ao Uruguai, na lagoa Mirim e no<strong>rio</strong> Jaguarão, manten<strong>do</strong> a fronteira <strong>de</strong> 1851, seria faltar àquele princípioou <strong>de</strong>svirtuá-lo. Essa fronteira <strong>de</strong>veria correr pela margem oci<strong>de</strong>ntal dalagoa e pela meridional <strong>do</strong> <strong>rio</strong> “até a altura das maiores águas”.Sem mesmo levar em conta essa instabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fronteira,influenciada pelo maior ou menor impulso <strong>do</strong>s ciclos lunares, no terrenoprático da navegação teríamos a impossibilida<strong>de</strong> da sua exercitaçãocompleta para todas as operações que aquela e que o comércio<strong>de</strong>mandam. Não po<strong>de</strong>m existir este com aquela sem portos apropria<strong>do</strong>s,sem <strong>do</strong>cas, sem estaleiros, e nada disso se po<strong>de</strong>ria ter normal e direitona lagoa Mirim e no <strong>rio</strong> Jaguarão, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a soberania brasileirafosse até on<strong>de</strong>, periódica e caprichosamente, a conduzisse a preamar,e a soberania uruguaia não soubesse jamais ao certo até on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>riachegar o seu direito.Quaisquer construções, quaisquer tentativas <strong>de</strong> aproveitamento<strong>de</strong>sses direitos <strong>de</strong> navegar e <strong>de</strong> comerciar, a mais simples ponte levantadaem fronteira <strong>de</strong>ssa natureza, aí estariam como causas permanentes <strong>de</strong>dúvidas e discussões, senão <strong>de</strong> inci<strong>de</strong>ntes e conflitos.As fronteiras não são obra <strong>de</strong> separação e divergência, <strong>de</strong>vem serpenhor <strong>de</strong> segurança e <strong>de</strong> paz. Na evolução que comporta o assunto,diz De Greef, já cita<strong>do</strong>, que elas se <strong>de</strong>vem ir, e vão, tornan<strong>do</strong> antesque linhas <strong>de</strong> separação e disputa “pontos <strong>de</strong> contato e sutura entre osEsta<strong>do</strong>s”.Se essa era a situação, e os próp<strong>rio</strong>s adversá<strong>rio</strong>s <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> lheaconselhavam a mudança, o motivo <strong>de</strong>sse convênio, in<strong>do</strong> ao encontro<strong>de</strong> todas as aspirações e fazen<strong>do</strong> política útil e larga, não po<strong>de</strong> ser maisrelevante. O nosso próp<strong>rio</strong> interesse <strong>de</strong>veria falar ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> interessegeral e <strong>do</strong>utrinária da civilização e <strong>do</strong> direito. Nem como prevençãocontra esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> guerra e revolta a fronteira nos valeu como a tivemos;nem como amparo e <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> frente aos abusos contra o comérciolegítimo po<strong>de</strong>mos utilizá-la.Se da situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfiança e prevenções se resistia o <strong>de</strong>senvolvimentodas relações <strong>de</strong> toda or<strong>de</strong>m no Uruguai, que encontrava cerrada a nossa553


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOfronteira, não se ressentiam menos o nosso próp<strong>rio</strong> comércio, as nossasindústrias, que, como represália, não podiam encontrar na fronteiraextravagante o regime <strong>de</strong> expansão e <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> que lhes convêm.Nessas condições, graças ao trata<strong>do</strong> que as contingências <strong>do</strong> temponos impuseram, há mais <strong>de</strong> meio século, criávamos uma extensa faixa<strong>de</strong> terras e um vasto lençol <strong>de</strong> água, nos quais, como em pleno 1750 emtoda a fronteira, praticamente vedávamos com um recuo secular, tal qualo artigo 19 <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> daquele ano, o comércio entre as duas nações.***Eram todas essas coisas, erradas e anacrônicas, que <strong>de</strong>viam findar.A opinião, amoldada a velhos preconceitos, que o avigoramento dacultura jurídica <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s espíritos ainda não conseguira modificar,durante largos anos, o impediu. No entanto, o longo e paciente trabalhoda história e da justiça força os povos a viverem em comunhão <strong>de</strong> laçose interesses, não no isolamento.Se ainda em 1896 o senhor Carlos <strong>de</strong> Carvalho, o cintilante espírito<strong>de</strong> homem <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> e <strong>do</strong> direito, cuja perda não será nunca entre nósassaz lamentada, encontrava a diretriz da opinião contrária às solicitaçõesda política liberal, 14 anos <strong>de</strong>pois, a influência <strong>de</strong> Rio Branco permitiaao Brasil a realização <strong>do</strong> ato que somente o prestígio <strong>de</strong>ste, sempre aoserviço da justiça e da paz, arrancaria entre aplausos à consciência quaseunânime <strong>do</strong> país.Se não bastasse como fundamento e motivo para esse ato avinculação, que aquele <strong>de</strong>ve fortalecer mais, nos sentimentos entre oBrasil e o Uruguai, menor não seria o da regularização da situação danossa política frente ao regime <strong>do</strong> direito fluvial na América.Estamos em vésperas <strong>do</strong> início <strong>do</strong> auspicioso trabalho da codificação<strong>do</strong>s princípios gerais que regulem as relações entre os países da América e,entre eles, prestigia<strong>do</strong> por voto <strong>de</strong> <strong>de</strong>lega<strong>do</strong> nosso <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a 1 o Conferência Pan-Americana em Washington, se encontra o da livre-navegação aos ribeirinhosem todas as águas fronteiras, geograficamente comuns ou contíguas.Suprimimos por ato nosso a exceção em que nos achávamos nesseponto <strong>de</strong> vista e assim concorremos – graças à política <strong>do</strong> Barão <strong>do</strong> RioBranco, a qual, fechan<strong>do</strong> toda a fronteira, nos facilitou e permitiu esseprocedimento – para a objetivação e o avigoramento <strong>do</strong>s princípios e das554


ARTIGOS DE IMPRENSArelações <strong>do</strong> direito no continente. Neste, somente duas questões restamhoje a respeito <strong>de</strong> posse em comum e da jurisdição e <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> águas.Quanto à jurisdição, fora apenas adiada, não resolvida, por protocolo<strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong>ste ano e pela qual ultimamente preten<strong>de</strong>u a RepúblicaArgentina <strong>de</strong>sconhecer a jurisdição da República Oriental <strong>do</strong> Uruguaina extensão <strong>de</strong> águas que este último reclama no estuá<strong>rio</strong> <strong>do</strong> Prata.Quanto ao livre uso, a Venezuela nega à Colômbia a utilização<strong>do</strong> Orenoco supe<strong>rio</strong>r e <strong>do</strong> Zulia, <strong>rio</strong>s comuns aos <strong>do</strong>is países, para ascomunicações livres com o oceano e o mun<strong>do</strong>.A política liberal e <strong>de</strong>sinteressada <strong>do</strong> Brasil, abrin<strong>do</strong> mão <strong>de</strong> direitoperfeito seu, em nome da justiça e da confraternida<strong>de</strong>, não há <strong>de</strong> ficar,esperemo-lo, sem consagração mais ampla que o simples e exclusivo<strong>de</strong>svanecimento <strong>do</strong> nosso pat<strong>rio</strong>tismo.Petrópolis, 18 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1910,Ernesto Maurício140) Correio da NoiteRio <strong>de</strong> Janeiro, 24 novembro <strong>de</strong> 1910Confiar <strong>de</strong>sconfian<strong>do</strong>Sobre a presente rebelião da nossa maruja <strong>de</strong> guerra disse o patriarcada República, general Quintino Bocaiúva, <strong>do</strong> alto da sua curul, no Sena<strong>do</strong>,com o tom solene, que lhe é habitual, e a autorida<strong>de</strong> <strong>do</strong> seu caráter eda sua experiência, que, naquela manifestação anárquica, não existenenhum pensamento político e que nenhum homem <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>po<strong>de</strong> tê-la inspira<strong>do</strong> ou favoreci<strong>do</strong>.Sua excelência <strong>de</strong>ve ter para isso razões que não conhecemos;no entanto, <strong>de</strong>vemos respeitar. Des<strong>de</strong>, porém, que as ignoramos, suaexcelência nos <strong>de</strong>verá per<strong>do</strong>ar a liberda<strong>de</strong> inócua <strong>de</strong> fazer uma resenha <strong>do</strong>sfatos antece<strong>de</strong>ntes e concomitantes daquela inqualificável manifestação,senão <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong> política, ao menos <strong>de</strong> indisciplina militar.Entre os motivos com que se preten<strong>de</strong> explicá-la, figura, sobre to<strong>do</strong>s,a existência <strong>do</strong> castigo corporal na Armada, o qual, segun<strong>do</strong> A Imprensa,555


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOtinha si<strong>do</strong> atenua<strong>do</strong> pelo ex-ministro da Marinha, e que ela preten<strong>de</strong> terseagrava<strong>do</strong>, nestes escassos sete dias <strong>de</strong> governo <strong>do</strong> seu sucessor. Daíse <strong>de</strong>ixa entrever que o movimento da maruja foi uma manifestação <strong>de</strong>sauda<strong>de</strong> pelo que saiu e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero contra o que entrou.Também ignoramos se algum fato justifica a pretendida agravação,em tão curto perío<strong>do</strong>, posto que nos não pareça verossímil. No entanto,com o <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> respeito ao ausente, não cremos que ele mereça tantassauda<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s revoltosos, porque atenuou um castigo, há muito aboli<strong>do</strong>,<strong>de</strong> mo<strong>do</strong> positivo, por um <strong>de</strong>creto, largamente divulga<strong>do</strong> e aplaudi<strong>do</strong>,e que o governo provisó<strong>rio</strong> tentou, mais tar<strong>de</strong>, restabelecer, por outroato, que nunca foi publica<strong>do</strong> no Diá<strong>rio</strong> Oficial, que nunca chegou a ser<strong>de</strong>creto e que, portanto, nunca pô<strong>de</strong> revogar a lei que aboliu aquela pena.A referência vaga ao n o 13 <strong>do</strong> quadro <strong>do</strong> artigo 5 o <strong>do</strong> Decreto n o 509,<strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1890, ao suposto Decreto n o 328, <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> abril <strong>do</strong>mesmo ano (que brilha pela ausência nas coleções da nossa legislação),também não po<strong>de</strong>ria revalidar o que nunca valeu.Por consequência, para que o ex-ministro da Marinha merecesse asauda<strong>de</strong> da maruja, revoltada pelo castigo corporal, era preciso que eletivesse cumpri<strong>do</strong> a lei, proibin<strong>do</strong> a sua aplicação, porque, mais ou menoschibatadas, tu<strong>do</strong> é chibatada, e a questão não era nem é da quantida<strong>de</strong>,mas da qualida<strong>de</strong> da pena.Foi isto, se bem lembramos, o que disse mais <strong>de</strong> uma vez o <strong>de</strong>puta<strong>do</strong>José Carlos <strong>de</strong> Carvalho, que sempre cortejou, em tu<strong>do</strong>, a classe a quepertenceu, nas suas longas e repetidas objurgatórias contra o almiranteAlexandrino <strong>de</strong> Alencar.Tanta consciência tem disso o operoso <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> que, na sua recentee oficiosa intervenção, perante os revoltosos, teve o cuida<strong>do</strong> <strong>de</strong> nãolhes oferecer chibatadas, em <strong>do</strong>ses, mesmo infe<strong>rio</strong>res, ao máximo daposologia alexandrina.Essa história, pois, <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong>s póstumas, se não é, parece umconto <strong>do</strong> vigá<strong>rio</strong>. Entretanto, concedamos que não o fosse. Bastará elapara explicar a explosão daquela sauda<strong>de</strong> feroz, no próp<strong>rio</strong> dia em quepartiu o ex–ministro, com a comissão, tão pingue quanto satírica, a eleconfiada por um sucessor <strong>de</strong> quem fora inimigo até a véspera daquelanomeação? Não parece. Se sauda<strong>de</strong>s houve, como causa <strong>de</strong> ferozexplosão, é preciso procurá-las em outros corações. Contu<strong>do</strong>, on<strong>de</strong>estariam eles? Volvamos os olhos ao passa<strong>do</strong>, que é o pai <strong>do</strong> presente e556


ARTIGOS DE IMPRENSAavô <strong>do</strong> futuro. Enquanto o marechal Hermes esteve na Europa, <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> eleito presi<strong>de</strong>nte da República, alguns <strong>do</strong>s seus amigos <strong>de</strong>dica<strong>do</strong>s,para aliviá-lo <strong>do</strong>s cuida<strong>do</strong>s <strong>do</strong> governo, formaram aqui o seu ministé<strong>rio</strong>,um ministé<strong>rio</strong> conserva<strong>do</strong>r das caras velhas, que <strong>de</strong>veria dar ao novoperío<strong>do</strong> presi<strong>de</strong>ncial o caráter <strong>de</strong> mera continuação <strong>do</strong> ante<strong>rio</strong>r; umacoisa assim como la suite au prochain numéro <strong>do</strong>s folhetins <strong>do</strong>s jornais.Uma das três, ou quatro, figuras obrigadas <strong>do</strong>s ministros passa<strong>do</strong>s, erao da Marinha, sobretu<strong>do</strong> <strong>de</strong>pois que o malogro da empreitada Sá Peixotofez dificultar sua volta ao Sena<strong>do</strong>, como embaixa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Amazonas.Suce<strong>de</strong>u, porém, que o marechal, ignoran<strong>do</strong> o cuida<strong>do</strong> <strong>do</strong>s seus amigos,que lhe preparavam aqui um governo <strong>do</strong> padre João sem cuida<strong>do</strong>s, elembran<strong>do</strong>-se talvez <strong>do</strong> conselho <strong>do</strong> Evangelho sobre o perigo “<strong>de</strong> metervinho novo em odre velho”, também pensou lá na organização <strong>do</strong> seuministé<strong>rio</strong>, convi<strong>do</strong>u para ele algumas pessoas da sua confiança e trouxeda Europa a sua lista, com um só <strong>do</strong>s ante<strong>rio</strong>res. Este era, naturalmente,o chanceler <strong>do</strong> Exte<strong>rio</strong>r, que é, como um Pombal, através <strong>de</strong> <strong>do</strong>is <strong>do</strong>nsJosé, e sem perspectiva <strong>de</strong> alguma Maria II.Isso, porém, parece que não satisfez nem ao próp<strong>rio</strong> Pombal e,muito menos, po<strong>de</strong>ria satisfazer aos substituí<strong>do</strong>s e aos seus padrinhos.Daí as dificulda<strong>de</strong>s da gestação <strong>do</strong> ministé<strong>rio</strong> atual, e a guerra surdaque começou, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro dia, contra o seu organiza<strong>do</strong>r, apesar dacomplacência, quase evangélica, <strong>do</strong> marechal Hermes.Seus amigos, os mais <strong>de</strong>dica<strong>do</strong>s ostensivamente, ressentiram-se dapouca eficácia <strong>do</strong> seu zelo, porque são insaciáveis; no entanto, fazen<strong>do</strong> boacara ao mau jogo, têm procura<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s os meios e mo<strong>do</strong>s vencê-lo, àforça <strong>de</strong> manifestações as mais variadas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os banquetes até os presentes,uns alusivos, outros simbólicos, e aos discursos perenes <strong>de</strong> elogios, e ocos<strong>de</strong> significação literal, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que a saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> marechal está corren<strong>do</strong>riscos <strong>de</strong> indigestão, <strong>de</strong> sur<strong>de</strong>z e <strong>de</strong> contusões, por excesso <strong>de</strong> abraços.Para atenuar esses riscos, alguns há que lhe procuram minoraro trabalho, dividin<strong>do</strong> com ele até o <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberar em Conselho <strong>de</strong>Ministros, sobre os assuntos mais reserva<strong>do</strong>s. Alguns <strong>de</strong>sses amigostêm outros que tais, procuran<strong>do</strong> agir e falar por eles, até sitiá-los<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> próp<strong>rio</strong> lar.O <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> José Carlos é um <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> incondicional a algunsamigos <strong>do</strong> primeiro grau, e como é <strong>de</strong> natural obsequioso e ativo,quan<strong>do</strong> soube das exigências <strong>do</strong>s revoltosos, lembrou-se da <strong>de</strong>fesa, que557


OBRAS DO BARÃO DO RIO BRANCOantecipadamente lhes tinha feito, e supôs-se, por isso, o mais insuspeitoe o mais autoriza<strong>do</strong> intermediá<strong>rio</strong>, para tratar com eles.Os fatos parecem ter confirma<strong>do</strong>, ao menos por enquanto, asua presunção, e não seremos nós que lhe levaremos a mal o seuoferecimento espontâneo, pois o seu caráter é naturalmente impulsivo,até na <strong>de</strong>dicação. Só nos falta ver agora os resulta<strong>do</strong>s práticos e a suaduração, para lhe darmos os nossos parabéns, sem por isso acreditar quetenham falta<strong>do</strong> aos revoltosos sugestores hábeis e malévolos.Conscientemente ou não, aquele <strong>de</strong>puta<strong>do</strong> foi um <strong>de</strong>sses sugestores,com os seus discursos, que lhe serviram <strong>de</strong> passaporte à intervenção entre osrevoltosos e o governo, a qual não foi a primeira, nem será talvez a última.Pedisse o governo o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Sítio, fizesse um inquérito sé<strong>rio</strong>, longeda reportagem, que tu<strong>do</strong> estraga com sua fome <strong>de</strong> furos e sem ciência<strong>do</strong>s “sobreministros” – que po<strong>de</strong>m mais <strong>do</strong> que os “infraministros”–, e talvez se encontrasse o rastilho <strong>de</strong> uma conspiração muito maisvasta, perigosa e antipatriótica <strong>do</strong> que a <strong>do</strong>s marinheiros revolta<strong>do</strong>s. Émesmo possível que nela se encontrassem muitos hermistas insuspeitose nenhum civilista suspeita<strong>do</strong>. Os marinheiros não se meteriam nissosem recursos pecuniá<strong>rio</strong>s, que não tinham, nem po<strong>de</strong>riam ter, sem lhesserem forneci<strong>do</strong>s <strong>de</strong> fora.Como, pois, atreve-se a afirmar que não há política na revolta, onosso patriarca, que já viu conspira<strong>do</strong>res no seio <strong>do</strong> próp<strong>rio</strong> Sena<strong>do</strong>?Como se explica também esse furo <strong>do</strong> diabo a quatro, que anunciou <strong>de</strong>véspera a segunda edição <strong>do</strong> bombar<strong>de</strong>io <strong>de</strong> Manaus?Deus livre sua excelência e mais o chefe <strong>do</strong> governo <strong>do</strong>s seusinimigos e, sobretu<strong>do</strong>, <strong>do</strong>s seus amigos zelosos, a começar daquele quedistribuía as ca<strong>de</strong>iras no Congresso, como ca<strong>de</strong>aux d’anniversaire, eque agora se distribui, comme pourboire à <strong>de</strong>s garçons sages.Voltamos hoje àquela triste situação, em que o marechal Florianoera obriga<strong>do</strong> a “confiar <strong>de</strong>sconfian<strong>do</strong> sempre”.Nemo558


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