O Abajur de Cildo Meireles e a paisagem contemporânea. - CBHA

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12.07.2015 Views

XXXII Colóquio CBHA 2012 - Direções e Sentidos da História da Artehomens a aprisionamentos tão antigos quanto à vontade deordenamento civilizatório. A luz que emana de Abajur não sócompleta a questão da unidade do panorama, como ameaçalamber os restos da indiferença que habitavam o visitanteantes de perceber a presença daqueles homens que,continuamente, fazem girar o mecanismo da obra. Pretendeativar o espaço que ocupa, mas também voltar-se para simesma, desafiando sua dimensão estética e seu estatutode obra pública, já que ao mesmo tempo em que instigauma reflexão crítica, nos coloca na posição de sujeitos doquestionamento, na identificação de que somos todos nósfrutos desse processo moderno, ao mesmo tempo em queacreditamos na chave do progresso.A função da obra de arte da paisagem contemporâneaé geralmente entendida como a ativação do espaço, datransformação dos lugares, atuando diretamente no espaçoda obra, sem se limitar à relação entre objeto e espaçoexterior. Ao contrário, pensa na modificação perene outemporária do espaço, público ou privado. Cildo Meireles,entretanto, opta pela construção de um objeto que emboraatual estabelece conexões bastante claras com a pinturade gênero paisagístico do século XIX, insistindo nahorizontalidade deste meio e na presença de uma obra que,por mais que transborde para o seu entorno, permanecedentro dos seus limites físicos. A reverberação ocorre namemória do visitante, tal como descrevemos no início daapresentação.Ao organizar assim Abajur, o artista consegue nostransportar para outro tempo histórico e suas realidades e758

O Abajur de Cildo Meireles e a paisagem contemporânea - Carla Hermann e Jacqueline Sianoconsequências sociais. A opção, assim, parece ter sido ade tensionar o próprio olhar e a experiência do espectadorcom a sua transposição para esse tempo passado. A funçãoda paisagem contemporânea, neste caso específico darecuperação da forma panorâmica (ou da construção deum panorama às avessas) é a de pôr em questão todae qualquer mirada espetacular capaz de esconder umaproblemática social. É revelar o que a construção da história,com seus recortes e eleições de determinados fatos, tentouvarrer para debaixo do tapete.Se os panoramas ofereciam a chamada “visãode pássaro” 10 que pretendia alcançar a realidade emsua totalidade, o Abajur de Cildo nos leva ao passado e,imediatamente depois, nos coloca no presente. Ao invésda ilusão de controle sobre o espaço da cidade crescente euma nova visão normativa do mundo, a obra nos faz perdero chão e o controle sobre a história. Temos a dura realidadee a vergonha do passado. Ademais, desmascarando otruque da rotunda, cria uma impressão parecida com a queJeff Wall engendra em Restoration (1993) um trabalho cujomotivo é a restauração de um dos poucos panoramas doséculo XIX ainda existentes, chamado “Bourbaki”, pintadooriginalmente em 1881 e localizado em Lucerne, na Suiça. 11Ao colocar a presença dos restauradores na foto,chamando a atenção para a mulher que olha para o espaço,contemplando o interior do panorama, Wall nos diz queapesar de sabermos da artificialidade da imagem criada pelo10Della Dora, Veronica. Putting the World into a Box: A Geography of Nineteenth-century'Travelling Landscapes'. Geogr. Ann., 89 B p. 289.11Para o Panorama Bourbaki, acessar: http://www.bourbakipanorama.ch/fr/index.html759

XXXII Colóquio <strong>CBHA</strong> 2012 - Direções e Sentidos da História da Artehomens a aprisionamentos tão antigos quanto à vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>or<strong>de</strong>namento civilizatório. A luz que emana <strong>de</strong> <strong>Abajur</strong> não sócompleta a questão da unida<strong>de</strong> do panorama, como ameaçalamber os restos da indiferença que habitavam o visitanteantes <strong>de</strong> perceber a presença daqueles homens que,continuamente, fazem girar o mecanismo da obra. Preten<strong>de</strong>ativar o espaço que ocupa, mas também voltar-se para simesma, <strong>de</strong>safiando sua dimensão estética e seu estatuto<strong>de</strong> obra pública, já que ao mesmo tempo em que instigauma reflexão crítica, nos coloca na posição <strong>de</strong> sujeitos doquestionamento, na i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> que somos todos nósfrutos <strong>de</strong>sse processo mo<strong>de</strong>rno, ao mesmo tempo em queacreditamos na chave do progresso.A função da obra <strong>de</strong> arte da <strong>paisagem</strong> <strong>contemporânea</strong>é geralmente entendida como a ativação do espaço, datransformação dos lugares, atuando diretamente no espaçoda obra, sem se limitar à relação entre objeto e espaçoexterior. Ao contrário, pensa na modificação perene outemporária do espaço, público ou privado. <strong>Cildo</strong> <strong>Meireles</strong>,entretanto, opta pela construção <strong>de</strong> um objeto que emboraatual estabelece conexões bastante claras com a pintura<strong>de</strong> gênero paisagístico do século XIX, insistindo nahorizontalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste meio e na presença <strong>de</strong> uma obra que,por mais que transbor<strong>de</strong> para o seu entorno, permanece<strong>de</strong>ntro dos seus limites físicos. A reverberação ocorre namemória do visitante, tal como <strong>de</strong>screvemos no início daapresentação.Ao organizar assim <strong>Abajur</strong>, o artista consegue nostransportar para outro tempo histórico e suas realida<strong>de</strong>s e758

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