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Cid Vasconcelos - Revista de História e Estudos Culturais

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Fênix – <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> História e <strong>Estudos</strong> <strong>Culturais</strong>Outubro/ Novembro/ Dezembro <strong>de</strong> 2009 Vol. 6 Ano VI nº 4ISSN: 1807-6971Disponível em: www.revistafenix.pro.br4<strong>de</strong> somente dois filmes, o que aponta para a metragem crescente dos filmes,provavelmente acentuando <strong>de</strong> igual modo uma maior coerência temática. Por essaépoca, uma nota <strong>de</strong> agenda cultural com a programação da capital americana apontapara uma divisão <strong>de</strong> aproximadamente meta<strong>de</strong> das salas exibindo vau<strong>de</strong>ville mescladosa filmes e outra meta<strong>de</strong> exibindo exclusivamente filmes 7 . Já em 1908 a estrutura daindústria cinematográfica é complexa o suficiente para merecer um longo artigo<strong>de</strong>talhado em que se observa dos orçamentos “milionários” <strong>de</strong> certas produções a umaquantida<strong>de</strong> bastante surpreen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> técnicos envolvidos que po<strong>de</strong> se aproximar <strong>de</strong>uma centena, o que <strong>de</strong>monstra um processo <strong>de</strong> divisão <strong>de</strong> trabalho já bastantesegmentado. Apesar das observações sobre o crescimento vertiginoso da indústria, taisconsi<strong>de</strong>rações são compartilhadas com outras bem mais prosaicas, sobre o fato <strong>de</strong> váriaspessoas ainda acreditarem que os filmes são somente “truques fotográficos” 8 , não tendoexistido nada <strong>de</strong> semelhante diante da câmera.Algumas mudanças as quais se refere Musser, são perceptíveis <strong>de</strong> modobastante rápido na mídia escrita, como já referido no aumento e diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong>referências com relação às expressões “moving pictures” e “motion pictures”. O mesmose dá com relação a referência ao termo “nickelo<strong>de</strong>on” (Tabela II) que acompanha suatrajetória meteórica <strong>de</strong> uma isolada referência em 1906 para 23 no ano seguinte e 166em 1908, apontando um significativo <strong>de</strong>clínio em 1910 com relação ao ano anterior quepo<strong>de</strong> ser expressivo da crescente concorrência <strong>de</strong> novos locais <strong>de</strong> exibição maispróximos do mo<strong>de</strong>lo cinema-palácio, assim como <strong>de</strong> campanhas <strong>de</strong> moralização que otinham como alvo. Outras mudanças certamente levaram mais tempo ou ficaramrestritas a comentários dos órgãos <strong>de</strong> comunicação especializados tais como a mençãoespecífica a realizadores e seu reconhecimento artístico, tal como Griffith. Nada <strong>de</strong> seespantar quando se sabe que os primeiros filmes a apresentarem os créditos <strong>de</strong> seusrealizadores e elenco datam <strong>de</strong> um período que se inicia por volta <strong>de</strong> 1911 – no caso <strong>de</strong>Griffith, somente em 1913, quando <strong>de</strong> sua saída da Biograph. Bordwell 9 não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong>enfatizar que a mudança que se presencia no período não po<strong>de</strong> ser pensada <strong>de</strong> modo789FILMS ARE real help, says YMCA director, The Washington Times, Washington, p. 8, 11/10/10.HOW THE movie picture man, The Washington Times, Washington, 17/05/08.BORDWELL, David; et al. The Classical Hollywood Cinema: Film Style & Mo<strong>de</strong> of Production to1960. London: Routledge, 1988, p. 161.


Fênix – <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> História e <strong>Estudos</strong> <strong>Culturais</strong>Outubro/ Novembro/ Dezembro <strong>de</strong> 2009 Vol. 6 Ano VI nº 4ISSN: 1807-6971Disponível em: www.revistafenix.pro.br6clássica, o que já restringia bastante a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimento prévio por boaparte dos espectadores. Tal polêmica ao qual Musser encontrou inúmeras referências naimprensa especializada passa praticamente in<strong>de</strong>lével na gran<strong>de</strong> imprensa. Por outro ladoa referida absorção da fotografia seja a esfera dos registros domésticos ou “exóticos” (afotografia <strong>de</strong> índios realizada por amadores é abordada por mais <strong>de</strong> um artigo) seja – eprincipalmente – à esfera da arte talvez explique em boa parte a vitória do termo“photoplay” efetuada pela produtora Essanay junto ao público em 1910 enquantoproposta para nova <strong>de</strong>nominação do espetáculo cinematográfico 13 . Algo que não serefletirá nos jornais pesquisados, em que o termo é utilizado com parcimônia quaseabsoluta (módicas 6 entradas) em comparação com as 14.268 para “moving pictues” e6.632 para “motion pictures” Vou tentar fazer um apanhado panorâmico, dados osmotivos <strong>de</strong> espaço, dos principais tópicos retratados pelas referências.A MORALIDADE DUVIDOSA DO CINEMA E O FENÔMENO DO NICKELODEONA partir do momento que o cinema <strong>de</strong>spertou a atenção da burguesia <strong>de</strong> modomais sistemático, com o surgimento dos nickelo<strong>de</strong>ons, também surgiram uma série <strong>de</strong>temores sobre a moralida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sprotegida <strong>de</strong> homens e – principalmente – mulheres ecrianças que eram levados aos espetáculos cinematográficos. Os chamados “filmes <strong>de</strong>luta”, que apresentavam cenas <strong>de</strong> lutas <strong>de</strong> boxe, são um motivo à parte nessa celeuma,sendo proibidos em diversos estados. Porém outras referências são feitas como, porexemplo, as animações com imagens “bombásticas” e o seu potencial efeito <strong>de</strong>letériosobre as mentes das crianças 14 . Preocupações essas que também se estendiam àintegrida<strong>de</strong> física dos espectadores, no que diz respeito aos incêndios, pois os filmes <strong>de</strong>menor qualida<strong>de</strong> geralmente são associados a locais <strong>de</strong> exibição <strong>de</strong> característicassemelhantes: “[...] e as condições físicas das salas são dificilmente menos importantesque o caráter moral <strong>de</strong> seus programas”. 15É o que <strong>de</strong>monstra, igualmente, uma crescente pressão, inclusive dascompanhias já mais estabelecidas na indústria, em relação às menores:131415GRIEVESON, Lee. Policing Cinema: Movies and Censorship in Early-Twentieth-Century. Berkeley:University of California Press, 2004, p. 2.THE HARM in some moving pictures. The San Francisco Call, San Francisco, 03/07/10.NEW YORK Tribune, New York, 09/05/09.


Fênix – <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> História e <strong>Estudos</strong> <strong>Culturais</strong>Outubro/ Novembro/ Dezembro <strong>de</strong> 2009 Vol. 6 Ano VI nº 4ISSN: 1807-6971Disponível em: www.revistafenix.pro.br7Juntamente com esses projecionistas incompetentes e locais insalubrese inseguros há o risco <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes. Os gran<strong>de</strong>s homens do ramo estãobastante ansiosos <strong>de</strong> verem uma fiscalização mais apropriada nessespequenos locais, o que levaria a um progresso tanto para o públicoquanto para própria indústria. 16É sobre uma vistoria da equipe dos bombeiros e recomendações genéricas paraos cinemas no sentido <strong>de</strong> prevenção que aborda outro artigo do mesmo ano 17 .No outro extremo do espectro moral se encontram filmes que auxiliam nadivulgação <strong>de</strong> mensagens cristãs, filmes que retratam viagens ao exterior e seus“estranhos” costumes, os chamados “travelogues”, invariavelmente acompanhados dafala <strong>de</strong> um especialista. É interessante perceber, ainda que <strong>de</strong> modo isolado, umareferência já a “evolução” até mesmo dos filmes ficcionais, citando-se como exemplo osfilmes inspirados em Shakespeare, que conseguem ir além das habituais e “mais oumenos vulgares corridas <strong>de</strong> cavalo, extravagâncias da lâmpada <strong>de</strong> Aladim e ascaricaturas tão prontamente apresentadas pelos projetores <strong>de</strong> cinema”. 18 Percebe-se queos filmes com o “cheiro vau<strong>de</strong>villiano estão dando lugar àqueles <strong>de</strong> mais elevadointeresse dramático”. 19Moralida<strong>de</strong> essa que por vezes, e raramente, encontra-se associada ao próprioespaço do nickelo<strong>de</strong>on, como quando se afirma que esse novo tipo <strong>de</strong> espectador,predominante nesse local busca algo <strong>de</strong> mais sério e <strong>de</strong> melhor qualida<strong>de</strong> (Op.cit).Embora aparentemente contraditória com a habitual con<strong>de</strong>nação moral relevada aonickelo<strong>de</strong>on, <strong>de</strong>ve-se compreen<strong>de</strong>r que tal artigo expressa bem uma certa compreensão<strong>de</strong> que uma das influências mais perversas do mesmo seria a do vau<strong>de</strong>ville 20 , do qual sefazia necessário se afastar para se locupletar ou pelo menos se aprimorar enquanto arte.Tal perspectiva é praticamente ponto pacífico em toda a historiografia sobre o período,1617181920MILLIONS IN Picture shows. The Sun, quinta seção, 07/03/09.RULES FOR theaters. The Washington Herald, Washington, p. 12, 24/09/09.Ibid.GOSSIPS ABOUT The theaters. San Francisco Call, San Francisco, p. 26, 11/10/08.Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser curiosa essa habitual visão unidimensional do vau<strong>de</strong>ville, quase sempre associado àvulgarida<strong>de</strong> e nunca enquanto celeiro para gêneros que pavimentariam não apenas as carreiras <strong>de</strong>renomados realizadores do cinema na década seguinte, tais como Mack Sennet ou Chaplin como opróprio cinema narrativo clássico através <strong>de</strong> gêneros como os “filmes <strong>de</strong> perseguição” e as slapstickcomedies. Uma comédia aparentemente ingênua como Show People (1928), <strong>de</strong> King Vidor, apresentacom uma perspicácia talvez ímpar a envergonhada relação do cinema clássico com suas origensvau<strong>de</strong>villianas.


Fênix – <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> História e <strong>Estudos</strong> <strong>Culturais</strong>Outubro/ Novembro/ Dezembro <strong>de</strong> 2009 Vol. 6 Ano VI nº 4ISSN: 1807-6971Disponível em: www.revistafenix.pro.br8com a excêntrica exceção <strong>de</strong> Grieveson 21 , que chega a comentar, a certo momento,sobre o papel edificador do vau<strong>de</strong>ville para o nickelo<strong>de</strong>on.Essa visão moral do cinema e sua contrapartida por parte dos exibidores dosnickelo<strong>de</strong>ons e das casas <strong>de</strong> espetáculos her<strong>de</strong>iras do vau<strong>de</strong>ville parece refletirintensamente um processo que já vinha se <strong>de</strong>lineando pelo menos nas duas últimasdécadas do século XIX com relação ao novo mundo do entretenimento voltado para àsmassas. Ou seja, <strong>de</strong> um lado antigas formas <strong>de</strong> entretenimento familiar, com palestrascom informações culturais <strong>de</strong> viés gran<strong>de</strong>mente religioso; <strong>de</strong> outro, a diversão peladiversão gerada por espetáculos <strong>de</strong> cunho secular, <strong>de</strong> muito maior apelo popular 22 . Oque talvez Musser <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> frisar em sua obra é que o cinema viria se somar aos doistipos <strong>de</strong> entretenimento, a essas duas visões contraditórias <strong>de</strong> mundo e diversão, comose pô<strong>de</strong> observar acima.Os efeitos do novo espetáculo na província são observados <strong>de</strong> modoaparentemente irônico nessa ambígua nota <strong>de</strong> um semanário:O povo <strong>de</strong> Anacostia já começa a sentir os efeitos benéficos que os espetáculos<strong>de</strong> cinema por cinco centavos provocam nas mentes <strong>de</strong> rapazes e garotas e,particularmente, a abertura dos espetáculos aos domingos vem contando com umaoposição amarga da igreja e <strong>de</strong> outros. 23Noutro exemplo, trinta cartas <strong>de</strong> mães são enviadas ao prefeito comreclamações sobre improprieda<strong>de</strong>s relativas a exibição <strong>de</strong> filmes e ao público infantil. Oartigo exemplifica com uma das cartas na qual a mãe relata <strong>de</strong> seu temor com relação àsjovens, incluindo sua filha, utilizarem parte <strong>de</strong> seu tempo nesse local “pavoroso”. Umadas críticas ressaltadas na mesma reportagem é do baixo custo da licença anual dosproprietários das salas <strong>de</strong> exibição (26 dólares) diante das pagas pelos proprietários <strong>de</strong>teatros (500 dólares). No embate exemplificado no artigo entre proprietários das salas<strong>de</strong> exibição e as autorida<strong>de</strong>s policiais, os primeiros procuram se safar através <strong>de</strong> umalegislação ainda bastante precária e pouco homogênea. Com relação a abertura ou não212223GRIEVESON, Lee. Policing Cinema: Movies and Censorship in Early-Twentieth-Century. Berkeley:University of California Press, 2004, p. 19.MUSSER, Charles. Before the Nickelo<strong>de</strong>on: Edwin S. Porter and the Edison Manufacturing Co.Berkerley: University of California Press, 1991, p. 19.ANACOSTIA, The Weekly News, 11/09/09.


Fênix – <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> História e <strong>Estudos</strong> <strong>Culturais</strong>Outubro/ Novembro/ Dezembro <strong>de</strong> 2009 Vol. 6 Ano VI nº 4ISSN: 1807-6971Disponível em: www.revistafenix.pro.br9das salas aos domingos, os proprietários afirmam que “a lei do domingo 24 difere tãoenormemente nos tribunais e nos <strong>de</strong>partamentos <strong>de</strong> polícia que fica difícil para ocidadão comum cumprir a todos os requisitos”. 25 A lista <strong>de</strong> temas proibitivos, noentanto, parece abarcar praticamente todos os gêneros então produzidos como“apresentações <strong>de</strong> tragédias, comédias, ópera, balé ou farsa” ou ainda lutadores <strong>de</strong> boxe(com ou sem luvas), apresentações circenses e eqüestres, acrobatas, dança da corda ouapropriação integral ou parcial <strong>de</strong> peças teatrais. A lista dos temas aprovados, bem maisconcisa, refere-se não coinci<strong>de</strong>ntemente aos mais culturalmente prestigiados peloestablishment, ou seja, filmes que ilustravam palestras <strong>de</strong> “or<strong>de</strong>m educacional ouinstrutiva” e também a apresentação <strong>de</strong> orquestras e outros instrumentos musicais ouvocais, mas sem conexão com qualquer exibição teatral. Aliás, as palestras tampoucopodiam ser associadas a qualquer espetáculo teatral 26 . A preocupação com as obrasteatrais bastante referida na legislação parece ser menos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m moral do queprovavelmente vinculada a apropriação sem autorização <strong>de</strong> espetáculos teatrais e aquestão dos direitos autorais.Ao menos um comentário mais preciso <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>dicado ao nickelo<strong>de</strong>on e suaimportância em relação ao <strong>de</strong>bate moral e higiênico do período. A historiografiaclássica 27 e à nova historiografia 28 sobre o período, para não falar <strong>de</strong> uma historiografiavoltada para a história do cinema <strong>de</strong> modo mais amplo 29 e <strong>de</strong> recortes sobre os meios <strong>de</strong>comunicação que vão além do cinema 30 associaram sempre a representação dosnickelo<strong>de</strong>ons como locais <strong>de</strong> exibição precários em bairros populares, portanto alvos24252627282930A Lei do Domingo se refere a polêmica sobre a abertura das casas <strong>de</strong> espetáculos aosdomingos,contrariando princípios éticos religiosos. O fato <strong>de</strong>ssa lei, já existente nas duas últimasdécadas do século anterior, somente ser questionada em termos das casas que exibiam filmes, assimcomo as preocupações no que diz respeito ao código <strong>de</strong> segurança aos incêndios, a partir <strong>de</strong> 1907 sãomais uma <strong>de</strong>monstração do quanto o crescimento massivo do nickelo<strong>de</strong>on chamou a atenção dasocieda<strong>de</strong>. (Cf. GRIEVESON, Lee. Policing Cinema: Movies and Censorship in Early-Twentieth-Century. Berkeley: University of California Press, 2004.)Ibid.TO WATCH Sunday shows – Police get or<strong>de</strong>r from Bingham to enforce the law. The Sun, p. 2,27/12/08.JACOBS, Lewis. The Rise of American Film. New York: Harcourt Brace, 1939.GRIEVESON, Lee. Policing Cinema: Movies and Censorship in Early-Twentieth-Century. Berkeley:University of California Press, 2004.RHODE, Eric. A History of the Cinema – From Its Origins to 1970. New York: Hill and Wang,1976, p. 43.CIZTROM, DANIEL J. Media and the American Mind. Chapper Hill: North Carolina University,1982.


Fênix – <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> História e <strong>Estudos</strong> <strong>Culturais</strong>Outubro/ Novembro/ Dezembro <strong>de</strong> 2009 Vol. 6 Ano VI nº 4ISSN: 1807-6971Disponível em: www.revistafenix.pro.br10fáceis <strong>de</strong> serem criticados pelas campanhas moralizadoras do cinema. Uma alegadaincompreensão do “mapa do entretenimento”, ou seja, da distribuição <strong>de</strong> tais casas <strong>de</strong>espetáculo pela cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nova York parece ter sido um dos motivos do respeitadohistoriador Robert C. Allen 31 ressaltar que tal estereotipo aparentemente dizia respeito auma compreensão equivocada do fenômeno. Allen sugere se tratar <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>formação<strong>de</strong> pesquisadores que se restringiram a zona <strong>de</strong> Nova York já aludida e esqueceram nãosomente outros trechos da cida<strong>de</strong> como <strong>de</strong> todo o restante do país. Voltaria a ressaltarque mesmo a proposição <strong>de</strong> Allen não sendo necessariamente equivocada, pois aimprensa po<strong>de</strong>ria ter focado principalmente nessas zonas associadas aos bairros pobres,conseqüentemente provocando o equívoco <strong>de</strong> pesquisadores posteriores, autores maisrecentemente questionaram os méritos da afirmação <strong>de</strong> Allen, inclusive no que dizrespeito ao próprio mercado nova-iorquino 32 , ressaltando ser esse um ponto ainda longe<strong>de</strong> pacífico.Deve-se <strong>de</strong>stacar, no entanto, a partir da análise da referência ao termo pelaimprensa, que ela se situa maciçamente nos adjetivos negativos associados a casa <strong>de</strong>espetáculos, <strong>de</strong>monstrando igualmente uma i<strong>de</strong>ntificação mais afim com a visão doconjunto <strong>de</strong> historiadores citados e parece contradizer Allen, senão vejamos a partir <strong>de</strong>uma pequena amostra <strong>de</strong> trechos do material selecionado:Outro dia, enquanto caminhava por uma rua, passei diante <strong>de</strong> umNickelo<strong>de</strong>on, diante do qual letreiros enormes e brilhantesanunciavam que Love´s Revenge e Dead Men Tell no Tales iam serexibidos aquela noite.Se vou para um Nickelo<strong>de</strong>on não pretendo assistir coisas como essas.Elas <strong>de</strong>ixam um gosto ruim em sua boca; se você freqüenta emexcesso acaba comprometendo seu gosto por verda<strong>de</strong>ira literatura.Antes <strong>de</strong> tudo, eu acho que <strong>de</strong>veriam ser exibidos muitos filmes <strong>de</strong>viagens que mostrassem,, por exemplo, pessoas escalando os Alpes,experiências em minas e caçadas na África com Roosevelt. 33Esse <strong>de</strong>poimento é bastante rico ao expressar, <strong>de</strong> modo con<strong>de</strong>nsado, muito doolhar burguês e culturalmente “higienizador” que esboça um choque diante do313233ALLEN, Robert C. Motion Picture Exhibition in Manhattan 1906-1912: Beyond the Nickelo<strong>de</strong>on. In:KINDEN, Grahan An<strong>de</strong>rs (Org.). The American Movie Industry: The Business of Motion Pictures.Carbendale: Southern Illinois U Press, 1982.GUNNING, Tom. Early American Film. In: HILL, John; GIBSON, Pamela Church. (Orgs.). TheOxford Gui<strong>de</strong> to Film Studies. New York: Oxford U Press, 1998.AN INTERVIEW with a nickleo<strong>de</strong>on friend, The San Francisco Call, San Francisco, p. 12,21/08/10.


Fênix – <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> História e <strong>Estudos</strong> <strong>Culturais</strong>Outubro/ Novembro/ Dezembro <strong>de</strong> 2009 Vol. 6 Ano VI nº 4ISSN: 1807-6971Disponível em: www.revistafenix.pro.br11marketing agressivo que ven<strong>de</strong> atrações primárias associadas ao sexo e a morte. Diante<strong>de</strong>sse “sensacionalismo capenga” se propõe o que era então consi<strong>de</strong>rado <strong>de</strong> bom gosto,em termos <strong>de</strong> cinema, os chamados filmes <strong>de</strong> viagens (travelogues) e os que apresentampersonalida<strong>de</strong>s políticas, sendo adicionada à dimensão nacionalista-patriótica asparagens exóticas africanas. Não menos interessante é a correlação do cinema não como teatro, como habitual, e nem mesmo com o jornalismo, mas com a literatura, como setratasse <strong>de</strong> um gênero literário <strong>de</strong> terceira categoria.Em outro artigo que faz um apanhado geral sob um aparente tom <strong>de</strong>neutralida<strong>de</strong>, os preconceitos surgem <strong>de</strong> modo mais subliminar, nas referências sobre seencontrar entre o público favorito da controvertida casa <strong>de</strong> espetáculos as crianças e “asraças latinas que não conseguem falar inglês, que não po<strong>de</strong>m compreen<strong>de</strong>r sequer umapalavra <strong>de</strong> uma peça em inglês, mas que po<strong>de</strong>m enten<strong>de</strong>r e gostar <strong>de</strong> um filme <strong>de</strong>pantomima”. 34 . A associação do imigrante a figura <strong>de</strong> <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> que requer cuidadosespeciais e sua associação com outra figura típica a requerer tais cuidados, a da criança,é bastante comum no período, como <strong>de</strong>ixa evi<strong>de</strong>nte a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> certo reverendo <strong>de</strong>que “os filmes são particularmente perniciosos pelo fato <strong>de</strong> serem vistos ‘pelos maisjovens e ignorantes’, particularmente ‘os que não po<strong>de</strong>m compreen<strong>de</strong>r o inglês ou nãopo<strong>de</strong>m ler’’. 35Desnecessário talvez se faça ressaltar o evi<strong>de</strong>nte etnocentrismo que vai além <strong>de</strong>simplesmente consi<strong>de</strong>rar a incompreensão da língua inglesa por parte dos imigrantes aoassociá-la com um tipo racial específico (raças latinas) e ao espetáculo culturalcorrespon<strong>de</strong>ntemente inferior (pantomimas filmadas ao invés do teatro dramático <strong>de</strong>respeito). Essa alusão aos imigrantes, associados a imoralida<strong>de</strong> e criminalida<strong>de</strong> em umasérie <strong>de</strong> reportagens jornalísticas, floresceram rapidamente, a partir do meio-oesteamericano segundo Grieveson 36 .Talvez bem mais enigmática ainda permaneça a visão social e moral sobre operíodo que antece<strong>de</strong> o nickelo<strong>de</strong>on, sobretudo os primeiros cinco anos do cinema. Nãoacredito que até hoje a historiografia tenha dado uma resposta efetiva sobre o tipo <strong>de</strong>343536RULES FOR theaters. The Washington Herald, Washington, p. 12, 24/09/09.GRIEVESON, Lee. Policing Cinema: Movies and Censorship in Early-Twentieth-Century. Berkeley:University of California Press, 2004, p. 189.Ibid., p. 61.


Fênix – <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> História e <strong>Estudos</strong> <strong>Culturais</strong>Outubro/ Novembro/ Dezembro <strong>de</strong> 2009 Vol. 6 Ano VI nº 4ISSN: 1807-6971Disponível em: www.revistafenix.pro.br12exibição que acompanhou esses primeiros anos. Tratavam-se predominantemente <strong>de</strong>casas <strong>de</strong> espetáculo <strong>de</strong> maior prestígio cultural ou <strong>de</strong> exibidores itinerantes e com perfilainda mais próximo do vau<strong>de</strong>ville? Pelas indicações <strong>de</strong> jornais da época, mais elogiosasou neutras, po<strong>de</strong>ria se apostar na primeira hipótese. Como então se falar que uma dasrevoluções provocadas pelo nickelo<strong>de</strong>on foi justamente o <strong>de</strong> trazer o espetáculocinematográfico para um espaço fixo? A imprensa simplesmente teria ignorado aassociação do espetáculo cinematográfico com o vau<strong>de</strong>ville e se <strong>de</strong>tido somente nostravelogues e outros gêneros “recomendados”? O nickelo<strong>de</strong>on popularizou o espaçose<strong>de</strong>ntário antes associado com instituições <strong>de</strong> maior prestígio como aca<strong>de</strong>miasculturais, museus e congêneres e com seus equivalentes fixos menos apreciados comoas “penny arca<strong>de</strong>s”? O perfil do público espectador parece ter se popularizado com onickelo<strong>de</strong>n, ao menos é o que se po<strong>de</strong> ler nas entrelinhas <strong>de</strong>ssa consi<strong>de</strong>ração sobre “oespectador médio do nickelo<strong>de</strong>on não possuía um conhecimento particular” 37 paracompreen<strong>de</strong>r os dramas que se baseavam em um repertório literário como era comumentão. Se esse tipo <strong>de</strong> drama já era produzido antes, sem esse mesmo questionamento,po<strong>de</strong>-se ter em conta que antes haveria um público mais sofisticado que não teriaproblemas em reconhecer elementos provenientes <strong>de</strong> uma cultura teatral ou literária. Outeriam sido os filmes do período que se tornaram mais sofisticados e com referênciasmais eruditas do que os realizados antes?FOI AO CINEMA E SALVOU A FAMÍLIAEntre os artigos que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m, <strong>de</strong> um maneira geral, o cinema, encontra-se um<strong>de</strong> um diretor <strong>de</strong> um Y.M.C.A, a célebre associação católica voltada para a juventu<strong>de</strong>,após uma inspeção pelos cinemas da capital, no qual o mesmo afirma que a maior partedos filmes exibidos são espetáculos para toda a família, mais ajudando que prejudicandoos valores familiares, consistindo uma minoria os filmes não recomendados ouprejudiciais 38 . É interessante pensar que duas das <strong>de</strong>fesas mais acirradas do cinema emmeio a uma panacéia geral sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua moralização venham justamente<strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s religiosas. Em uma <strong>de</strong>las o responsável pelo ensino <strong>de</strong> religião no país3738GRIEVESON, Lee. Policing Cinema: Movies and Censorship in Early-Twentieth-Century. Berkeley:University of California Press, 2004, p. 189.FILMS ARE real help, says YMCA director, The Washington Times, Washington, p. 8, 11/10/10.


Fênix – <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> História e <strong>Estudos</strong> <strong>Culturais</strong>Outubro/ Novembro/ Dezembro <strong>de</strong> 2009 Vol. 6 Ano VI nº 4ISSN: 1807-6971Disponível em: www.revistafenix.pro.br13afirma sobre a necessida<strong>de</strong> da utilização <strong>de</strong> filmes nas aulas <strong>de</strong> religião como umatrativo pedagógico que não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sprezado 39 . Desnecessário afirmar que ossetores progressistas da socieda<strong>de</strong> também se pautavam pela moralida<strong>de</strong>, só que agorarevertendo a chave da apreciação sobre o cinema, consi<strong>de</strong>rado um meio que po<strong>de</strong>ria serbenéfico quando comparado a outras formas <strong>de</strong> entretenimentos das classes popularestais como os saloons 40 . Os anos <strong>de</strong> 1909 e 1910, ainda que registrem vários artigossobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> moralização do cinema e censura as lutas <strong>de</strong> boxe após umextenso movimento nesse sentido, também apresenta um maior aceno para ocrescimento do status moral do meio como <strong>de</strong>ixa patente o seguinte trecho: “Apesar <strong>de</strong>ainda existirem muitos lugares on<strong>de</strong> filmes vulgares são exibidos, esse número tem<strong>de</strong>crescido rapidamente. Além do que, o verda<strong>de</strong>iro valor educativo da câmeracinematográfica está começando a ser sentido”. 41 Tal tom laudatório ao cinema nãoparece ser isolado, mas ser parte <strong>de</strong> um esforço mais amplo, associado evi<strong>de</strong>ntemente aindústria cinematográfica e certos setores da igreja e da imprensa, aos quais o referidojornal <strong>de</strong>veria se unir, no sentido <strong>de</strong> que havia publicado matéria <strong>de</strong> teor semelhanteuma semana antes. Tal matéria se encontrava inserida entre gran<strong>de</strong>s anúncios que fazempropaganda tanto <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> adaptações <strong>de</strong> Shakespeare quanto um anúncio dodistribuidor da empresa francesa Gaumont que traz como lema “A realização <strong>de</strong> umfilme é uma arte mais difícil que a encenação <strong>de</strong> uma peça sofisticada”. 42 E, ao lado dailustração <strong>de</strong> estúdios da empresa em Londres e Paris, acrescentará que o gran<strong>de</strong> elencodisponível e o enorme cuidado na preparação dos cenários é similar a das produções <strong>de</strong>gran<strong>de</strong>s óperas. Realiza também uma revisão da breve história do cinema, que acreditaser <strong>de</strong> 12 anos, afirmando que seu processo <strong>de</strong> “evolução” levou inicialmente as pessoasa se admirarem da invenção e não dos temas tratados ao seu oposto nos dias em que ocronista escreve: “Hoje é o tema que interessa e não a novida<strong>de</strong> da invenção.” 43 . Há,3940414243PICTURES IN religion class, Deseret Evening News, 13/08/10.GRIEVESON, Lee. Policing Cinema: Movies and Censorship in Early-Twentieth-Century. Berkeley:University of California Press, 2004, p. 25. Tal argumento a favor do cinema será explorado pelaprópria indústria cinematográfica, na extensa cruzada moralizadora presente em filmes como ADrunkhard´s Reformation e What Drink Did (ambos <strong>de</strong> 1909), dirigidos por D.W. Griffith,apresentando o teatro (enquanto espelho do cinema) como propiciador <strong>de</strong> uma arte capaz <strong>de</strong> regenerarhomens alcoólatras ou o saloon como espaço <strong>de</strong> <strong>de</strong>sestruturação familiar a partir do alcoolismo dochefe da família respectivamente.PICTURE SHOWS educators, The Sun, 14/03/09.Ibid.MILLIONS IN picture shows. The Sun, quinta seção, 07/03/09.


Fênix – <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> História e <strong>Estudos</strong> <strong>Culturais</strong>Outubro/ Novembro/ Dezembro <strong>de</strong> 2009 Vol. 6 Ano VI nº 4ISSN: 1807-6971Disponível em: www.revistafenix.pro.br14portanto, toda uma motivação em ressignificar o que po<strong>de</strong>ria ser uma mera curiosida<strong>de</strong>tecnológica em arte séria, associada ao teatro e a ópera. Porém, ao mesmo tempo, éinvoluntariamente irônica qualquer tentativa <strong>de</strong> se falar em um “cinema”, pois existempossibilida<strong>de</strong>s múltiplas que resistem a qualquer processo <strong>de</strong> classificaçãohomogeneizador.PROCESSOS DE CLASSIFICAÇÃOPara ficarmos no próprio exemplo recém-citado, não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser interessantese observar que compartilha a mesma página do anúncio um extenso artigo jornalísticono qual o cinema consi<strong>de</strong>rado é aquele que “apresenta vistas excitantes” <strong>de</strong> temas comoo dos vaqueiros, Niagara Falls ou a África, nada que, nas suas <strong>de</strong>vidas proporções, oscinegrafistas <strong>de</strong> Lumière já não trabalhassem muito antes. As apresentações <strong>de</strong> taisvistas, normalmente acompanhadas <strong>de</strong> uma palestra, eram bastante consi<strong>de</strong>radas, comoacima exposto, porém em nenhum momento se questiona o quão diverso é esse tipo <strong>de</strong>cinema das ficções a partir <strong>de</strong> temas literários consagrados, outro gênero benquisto. Fazseimportante, para <strong>de</strong>marcar quais filmes seriam recomendados, que houvesse umadistinção entre os gêneros diante da gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong> tanto temática quanto estéticadas produções <strong>de</strong> então.Como em qualquer outra ativida<strong>de</strong> humana, o cinema, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os seusprimórdios, sofreu um processo para tentar classificá-lo. Em certa crônica 44 , os filmessão divididos segundo o seguinte espectro, os “legítimos” e as “cenas naturais”. 45No caso dos primeiros se filmam motivos como paradas militares, corridas <strong>de</strong>carros, caças a raposas ou tigres, gênero segundo o qual o cronista afirma ser impossívelo falseamento. Tal gênero <strong>de</strong> filme sempre é associado com características impossíveis<strong>de</strong> serem reproduzidas no “palco teatral”. Um público mais selecionado que o do“nickelodia” que se diverte <strong>de</strong> modo indiscriminado com toda sorte <strong>de</strong> espetáculos é4445HOW THE movie picture man, The Washington Times, 17/05/08.Classificação que parece antecipar, em certos aspectos, uma divisão igualmente valorativa entre“posados” e “naturais” no cinema brasileiro, ainda que sob sentido inverso tanto no que diz respeitoao termo “naturais”, utilizado pelos brasileiros para pensar o que se aproximaria mais hoje dodocumentário, quanto numa ênfase negativa nesse gênero por parte da crítica brasileira, vindo a serconhecido pejorativamente como filmes <strong>de</strong> “cavação”, algo que é consi<strong>de</strong>rado positivo no artigo emquestão justamente por ser impossível <strong>de</strong> ter um equivalente teatral.


Fênix – <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> História e <strong>Estudos</strong> <strong>Culturais</strong>Outubro/ Novembro/ Dezembro <strong>de</strong> 2009 Vol. 6 Ano VI nº 4ISSN: 1807-6971Disponível em: www.revistafenix.pro.br15aquele que aten<strong>de</strong> ao chamado <strong>de</strong> palestras em “liceus, escolas dominicais” para quem ocinema abriu um “campo inteiramente novo”. 46Já as “cenas naturais” tratam <strong>de</strong> encenações sobre fatos extraordinários docotidiano dramatizados tais como seqüestros, fugas, assaltos, etc. Aqui já se faz presentea relação complexa que se estabelece entre o que se filma e o que é filmado. Em muitos<strong>de</strong>sses filmes o autor chama a atenção para a participação <strong>de</strong> populares durante a cena,aumentando o seu caráter <strong>de</strong> autenticida<strong>de</strong>, numa dimensão evocativa <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sejo queseria posteriormente atribuído a movimentos do cinema mo<strong>de</strong>rno tais como a NouvelleVague. Ainda que, ao mesmo tempo, o autor não <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> fazer menção ao mais comumoposto, tratando-se <strong>de</strong> se levar duas câmeras distintas, para com uma <strong>de</strong>las se enganar opúblico presente na locação, <strong>de</strong> forma a que não fique comprometido o andamento dadiegese narrativa. Dentro <strong>de</strong>sse subgênero o autor classifica igualmente filmesproduzidos no momento contemporâneo e em locações como as rotineiras Paixões <strong>de</strong>Cristo, <strong>de</strong>stacando o fato <strong>de</strong> que o cuidado com os <strong>de</strong>talhes nessas produções faziamquase como se fossem filmadas na própria época, numa tentativa que evi<strong>de</strong>ntementetambém busca criar uma maior similarida<strong>de</strong> entre esses dois grupos <strong>de</strong> filmes (comtemática contemporânea e históricos). Nos próprios anúncios publicitários, como um dacompanhia Selig, fica evi<strong>de</strong>nte o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> se diferenciar dos filmes <strong>de</strong> trucagens, porapresentarem-se “sempre naturais, fiéis à vida”. 47 Por outro lado as trucagens parecempermitidas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, curiosamente, sejam compreendidas enquanto maximizador doefeito realista buscado, tal como no anúncio <strong>de</strong> David Belasco, mais famosoempreen<strong>de</strong>dor do teatro <strong>de</strong> então e mo<strong>de</strong>lo para Griffith, que já havia incorporado oespetáculo cinematográfico em sua gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> atrações, ainda que numa porção mínimado anúncio que faz menção a um “concerto <strong>de</strong> filmes” que inclui além do carátereducativo e <strong>de</strong> entretenimento “maravilhosos efeitos semelhantes a vida”. 48 São osfilmes <strong>de</strong> trucagens – literalmente chamados <strong>de</strong> “terceira classe” – também conhecidoscomo “filmes <strong>de</strong> mistérios”, que são os menos consi<strong>de</strong>rados por fazerem uso <strong>de</strong> truquesausentes, ao menos na visão do cronista, nos dois outros gêneros 49 . Uma consi<strong>de</strong>ração46474849CRAZY FOR the moving pictures, The Sun, segunda seção, 14/03/09.MILLIONS IN picture shows. The Sun, quinta seção, 07/03/09.SUNDAY AMUSEMENTS , The Washington Times, 09/02/08.O que não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser interessante, no sentido <strong>de</strong> que as Paixões <strong>de</strong> Cristo não estavam imunes àstrucagens, antes pelo contrário quando se pensa, por exemplo, em um filme como A Vida e Paixão <strong>de</strong>


Fênix – <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> História e <strong>Estudos</strong> <strong>Culturais</strong>Outubro/ Novembro/ Dezembro <strong>de</strong> 2009 Vol. 6 Ano VI nº 4ISSN: 1807-6971Disponível em: www.revistafenix.pro.br16que não elimina a <strong>de</strong> outro jornal, antes pelo contrário, <strong>de</strong> ser o gênero mais popular <strong>de</strong>filmes 50 .O que fica patente na classificação do cronista acima exposta é o quanto àassociação da imagem com a representação realista da própria vida vem a ser o quesitoprincipal a diferenciar a qualida<strong>de</strong> dos filmes e não qualquer motivo ético, por exemplo,associado ao conteúdo dos filmes em questão. Nessa escala, aqueles que reproduzemeventos exteriores e com um olhar mais próximo do que chamaríamos hoje <strong>de</strong>documentarizantes são os mais valorizados pois autênticos como a própria vida. Os queprivilegiam cenas externas ou tentam reproduzir com maior mimetismo a realida<strong>de</strong>,ainda que encenados, teriam um valor um pouco inferior aos primeiros, não importa sePaixões <strong>de</strong> Cristo ou filmes <strong>de</strong> perseguição e assalto. No final da escala viriam osassumidamente fantasiosos e que ganhariam a menor simpatia do cronista por suafacilida<strong>de</strong> em falsearem a realida<strong>de</strong> a partir <strong>de</strong> truques “fáceis” que o autor faz questão<strong>de</strong> <strong>de</strong>talhar (abertura e fechamento da objetiva para a substituição e transformação dacena, fundo neutro para associação <strong>de</strong> elementos filmados em locais distintos, reversãodo filme).DUAS FACES DO EXÓTICO: A MODERNA E A DISTANTEDes<strong>de</strong> os primeiros filmes dos Lumière fica evi<strong>de</strong>nciado que o apelo do cinemapo<strong>de</strong>ria ser gran<strong>de</strong>mente voltado tanto para a apresentação <strong>de</strong> tecnologias as maisrecentes e inovadoras (por exemplo, o engenhoso registro da esteira rolante emInauguration <strong>de</strong> l´Exposition Universelle, <strong>de</strong> 1900 ou os 3 filmes produzidos porEdison a partir do mesmo engenho) com, por outro lado, flagrantes <strong>de</strong> recantos epráticas “exóticas” distantes tais como o uso do ópio por orientais ou práticas da religiãoislâmica, ambos <strong>de</strong>vidamente encenados para os cinegrafistas à serviço dos irmãos <strong>de</strong>50Jesus Cristo (1905), que foi motivo <strong>de</strong> minha análise em texto ainda inédito. No caso das paixões, talutilização <strong>de</strong> trucagens seria “perdoada” por a<strong>de</strong>ntrarem no campo da representação do sobrenatural,milagroso? Nesse sentido, a mesma trucagem que o cronista faz exemplar a ser criticado dajustaposição <strong>de</strong> cenas <strong>de</strong> um pescador em estúdio e imagens “submarinas” na série O Pescador <strong>de</strong>Pérolas para simular uma cena <strong>de</strong> pesca po<strong>de</strong>ria ser aplicada para a famosa cena <strong>de</strong> Jesusatravessando as águas do mar sem se molhar. O mais interessante <strong>de</strong> tudo é quando se sabe que tanto asérie ao qual o autor faz referência quanto a Paixão <strong>de</strong> Cristo citada foram dirigidas pelo mesmorealizador, Ferdinand Zecca. Por outro lado até mesmo filmes <strong>de</strong> atualida<strong>de</strong>s ou “legítimos comochamados pelo cronista não eram totalmente avessos às trucagens como <strong>de</strong>monstra Pan AmericanExposition by Night (1901), no qual uma panorâmica <strong>de</strong>scritiva, típica do gênero, subitamente passaa flagrar a noite e não mais o dia, sem que maiores sobressaltos na imagem sejam percebidos.CRAZY FOR the moving pictures, The Sun, segunda seção, 14/03/09.


Fênix – <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> História e <strong>Estudos</strong> <strong>Culturais</strong>Outubro/ Novembro/ Dezembro <strong>de</strong> 2009 Vol. 6 Ano VI nº 4ISSN: 1807-6971Disponível em: www.revistafenix.pro.br17Lyon. Ou ainda a figura indígena que se tornou logotipo da produtora Essanay 51 . Essaatitu<strong>de</strong> ambígua impregna até mesmo os logotipos das empresas produtoras, uma dasdimensões simbólicas mais efetivas da parte dos produtores <strong>de</strong> um filme. No caso <strong>de</strong>uma produtora como a Urban, em anúncio já explorado acima por outros motivos 52 ,observa-se o protótipo <strong>de</strong> um <strong>de</strong>us grego com um estratégico pano a lhe cobrir o sexocarregando um globo no qual se observa o lema “Nós colocamos o mundo diante <strong>de</strong>você”. 53 A associação entre o mítico e o mo<strong>de</strong>rno se faz aqui na figura <strong>de</strong>ssa réplica <strong>de</strong><strong>de</strong>us olímpico se equilibrando em um veículo composto somente <strong>de</strong> uma roda alada eseguido no mesmo trilho por um trem ao fundo e ao lado um navio singrando no mar.Algo bastante sintomático das próprias pretensões dos profissionais da indústriacinematográfica em tentarem equilibrar inovações tecnológicas <strong>de</strong> ponta do novo meioassociadas com a rapi<strong>de</strong>z da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> com uma tradição ancorada no clacisismo quepo<strong>de</strong>ria ser vinculado a artes já efetivamente reconhecidas como o teatro.Os próprios cronistas da época advogam um cinema que explore temas comoos “do nosso Oeste” com cenas excitantes da vida dos vaqueiros, Niagara Falls, animaisda selva africana, “as gran<strong>de</strong>s indústrias do país, o terremoto <strong>de</strong> Messina, o atentado aoRei Alfonso no dia <strong>de</strong> seu casamento”. 54 Ou seja, mescla-se ao exótico geográfico umacuriosida<strong>de</strong> pelas novas tecnologias e as atualida<strong>de</strong>s, todos costurados por um certochamariz sensacionalista que não é observado como negativo.O que foi apresentado são apenas algumas apreciações iniciais sobre umapesquisa, ainda em seu momento exploratório, que pretendo <strong>de</strong>limitar melhor seuescopo a partir do contato ainda mais próximo com o extenso material <strong>de</strong>marcado.CONCLUSÃOAs mudanças no recorte temporal do trabalho tem igualmente propiciado umacompreensão nova sobre o processo <strong>de</strong> recepção do que hoje se chama cinema pelaimprensa da época. O primeiro recorte, centrado entre os anos <strong>de</strong> 1900 e 1910, mesmoque não tenha sido uma escolha minha - tinha como base a produção hemerográfica51525354MILLIONS IN picture shows. The Sun, quinta seção, 07/03/09.MILLIONS IN picture shows. The Sun, quinta seção, 07/03/09.Ibid.MILLIONS IN picture shows. The Sun, quinta seção, 07/03/09.


Fênix – <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> História e <strong>Estudos</strong> <strong>Culturais</strong>Outubro/ Novembro/ Dezembro <strong>de</strong> 2009 Vol. 6 Ano VI nº 4ISSN: 1807-6971Disponível em: www.revistafenix.pro.br18disponível on line pela Biblioteca do Congresso Americano nesse primeiro momento dapesquisa – parecia justificar uma certa compreensão bastante disseminada <strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong>um momento significativo no qual o cinema <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser uma atração <strong>de</strong> feira,semelhante ao vau<strong>de</strong>ville, e conquista um espaço fixo, a partir daí atraindo uma atençãomuito mais efetiva por parte da mídia impressa. E também maior respeitabilida<strong>de</strong>enquanto espetáculo.Com a incorporação, em um segundo momento, <strong>de</strong> jornais que fazem mençãoao meio em seus primeiros anos, ou seja, <strong>de</strong> 1895 a 1900, a partir da inclusão <strong>de</strong>ssematerial no site acima referido houve, no entanto, uma atenuação <strong>de</strong>ssa primeiraprerrogativa. Mesmo que a atuação da mídia sem dúvida tenha acrescido com o tempo,como já observado, não houve um processo gradual <strong>de</strong> aceitação do meio, mas antes ummovimento que parece corroborar o que certos autores próximos <strong>de</strong> uma novahistoriografia sobre o período, surgida por volta do final da década <strong>de</strong> 1970, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m.Ou seja, um primeiro momento <strong>de</strong> aceitação e valoração positiva, amplamentesustentada pela amostra coletada <strong>de</strong> jornais, do novo espetáculo, que fazem menção aoseu caráter educativo e recreativo e, ao que tudo indica, mais associado ao universoburguês. O momento <strong>de</strong> disseminação mais ampla do novo meio, com a incorporaçãomaior <strong>de</strong> um público popular, sobretudo a partir dos nickelo<strong>de</strong>ons vai menos atenuaresse preconceito inicial, como se supunha em um primeiro momento, algo que podia serconstatado a partir do recorte 1900-1910, do que problematizar <strong>de</strong> modo crescente, comrelação ao período anterior, sobre a insalubrida<strong>de</strong> e a insegurança <strong>de</strong>sse novo espaço <strong>de</strong>diversão tanto no aspecto moral quanto físico. Algo que se torna compreensível quandose toma os últimos anos da primeira década do século XX, pois já se po<strong>de</strong> perceber umesboço <strong>de</strong> reação no sentido <strong>de</strong> moralização do meio que irá ficar mais <strong>de</strong>finido nadécada seguinte, tornando-se prevalente com a constituição do que veio a ser chamadocinema clássico, por volta <strong>de</strong> meados da mesma década.Tabela I – Referência exata a palavra Moving Pictures nos jornais norteamericanosdigitalizados pela Biblioteca do Congresso americano no período entre1895-1910.Moving Pictures1895 01896 01897 8


Fênix – <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> História e <strong>Estudos</strong> <strong>Culturais</strong>Outubro/ Novembro/ Dezembro <strong>de</strong> 2009 Vol. 6 Ano VI nº 4ISSN: 1807-6971Disponível em: www.revistafenix.pro.br191898 1131899 51900 5591901 5031902 6691903 7061904 6641905 8591906 1.0021907 1.4781908 1.8641909 2.6521910 3.186Total 14.268Tabela II – Referência exata para a palavra Nickelo<strong>de</strong>on nos jornaisamericanos digitalizados pela Biblioteca do Congresso Americano no período entre1895-1910.Nickelo<strong>de</strong>on1895 -1896 -1897 -1898 -1899 -1900 -1901 -1902 -1903 -1904 -1905 -1906 11907 231908 1661909 2611910 177Total 628

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