12.07.2015 Views

as tercenas medievais ea terçanabal do infante d ... - Academia

as tercenas medievais ea terçanabal do infante d ... - Academia

as tercenas medievais ea terçanabal do infante d ... - Academia

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

ACADEMIA DE MARINHAAS TERCENAS MEDIEVAISE A TERÇANABAL DO INFANTE D. HENRIQUEFERNANDO GOMES PEDROSALISBOA – 2013


AS TERCENAS MEDIEVAISE A TERÇANABAL DO INFANTE D. HENRIQUERESUMOComunicação apresentada peloAcadémico Fernan<strong>do</strong> Gomes Pedrosa,em 5 de MarçoUm erro generaliza<strong>do</strong>, em Portugal e também em Espanha, <strong>as</strong>socia <strong>as</strong>taracen<strong>as</strong> (ou tercen<strong>as</strong>) à construção nav al. Nunca foram instalaçõesdestinad<strong>as</strong> à construção naval. Na Idade Média, eram os edifícios, cobertos,onde se guardavam <strong>as</strong> galés. Também lá, ou n<strong>as</strong> imediações, se construíame reparavam <strong>as</strong> galés, e eventualmente outros navios, m<strong>as</strong> a construçãonaval fazia-se em qualquer local ao longo d<strong>as</strong> prai<strong>as</strong>. Sen<strong>do</strong> <strong>as</strong> galés osprincipais navios de guerra dessa época, <strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> eram <strong>as</strong> b<strong>as</strong>es navais.A partir de m<strong>ea</strong><strong>do</strong>s <strong>do</strong> séc. XV, quan<strong>do</strong>, em Portugal, <strong>as</strong> galés foramperden<strong>do</strong> importância militar e <strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> ficavam vazi<strong>as</strong>, a palavrataracena mu<strong>do</strong>u de significa<strong>do</strong> p<strong>as</strong>san<strong>do</strong> a designar to<strong>do</strong> e qualquerarmazém: de trigo, carvão, material de artilharia, etc. 1A tercena medieval de Lisboa era a principal b<strong>as</strong>e naval <strong>do</strong> reino. Outratercena era a Terçanabal <strong>do</strong> Infante D. Henrique.1. A ETIMOLOGIATaracena deriva de uma palavra árabe que aparece grafada de vári<strong>as</strong>maneir<strong>as</strong> por diferentes autores: dãr al-san’a, dar al-san’a, dar al-sina’a,dar s-sina’a. Christophe Picard 2 opta por dãr al-sinã’a e acrescenta que osautores árabes a usaram com vários significa<strong>do</strong>s. Da mesma palavra1 Fernan<strong>do</strong> Gomes Pedrosa, Navios, marinheiros e arte de navegar (1139 -1499), Lisboa,<strong>Academia</strong> de Marinha, 1997, p. 172, e Os homens <strong>do</strong>s Descobrimentos e da ExpansãoMarítima. Pesca<strong>do</strong>res, marinheiros e corsários, Câmara Municipal de C<strong>as</strong>cais, 2000, pp.51-53.2 L'Océan Atlantique musulman. De la conquête arabe à l'époque almohade. Navigation et miseen valeur des côtes d'al-Andalus et du Maghreb occidental (Portugal-Espagne-Maroc), Paris,Maisonneuve & Larose, Éditions Unesco, 1997, p. 266, e «Les défenses côtières de la façad<strong>ea</strong>tlantique d’Al-Andalus», in J<strong>ea</strong>n Marie Martin (ed.), C<strong>as</strong>trum 7. Zones côtières littoralesdans le monde méditerranéen au Moyen Age (…), Madrid, C<strong>as</strong>a de Velázquez, 2001, p. 165.1


procedem os termos espanhóis dársena, atarazana e arsenal. 3 Outra hipótese,admitida por alguns, como Seb<strong>as</strong>tian de Covarrubi<strong>as</strong> Horozco, 4 FranciscoManuel de Melo 5 e Rafael Blut<strong>ea</strong>u 6 deriva-a de uma palavra persa,composta de ters (navio) e hane (c<strong>as</strong>a).O mo<strong>do</strong> como os termos taracena e arsenal se formaram a partir damesma palavra pode ser exemplifica<strong>do</strong> com o Llibre <strong>do</strong> cronista catalãoRamon Muntaner, começa<strong>do</strong> em 1325. Em 1268 o rei de Aragão tinhaatarazan<strong>as</strong> (taracen<strong>as</strong>) em Valencia, Tortosa e Barcelona, e man<strong>do</strong>u fazeroutr<strong>as</strong> em lugares onde <strong>as</strong> galés pudessem permanecer. O cronista, emcatalão, escreve: o rei «endreçà totes ses daressanes, aixi en València, e enTortosa e a Barcelona, que les galees esteguessen en cobert; e féudaressenals per tots los llocs on li paria que galees degués tenir». 7 As«daressanes» (taracen<strong>as</strong>) ou «daressenals» (arsenais) construíam-se para <strong>as</strong>galés poderem estar «en cobert».2. AS TARACENAS (EDIFÍCIOS COBERTOS)Uma taracena está onde estão <strong>as</strong> galés. Já na Antiguidade os naviosde guerra não permaneciam na água durante muito tempo. Para minimizaros danos e a acção <strong>do</strong> «tere<strong>do</strong> navalis», eram guarda<strong>do</strong>s em instalações emterra, de mo<strong>do</strong> que pudessem rapidamente ser postos na água. 8 Além disso,<strong>as</strong> galés, por serem muito comprid<strong>as</strong> e estreit<strong>as</strong>, danificavam-se facilmente.Diz Afonso de Albuquerque, em carta de 1514: «(…) <strong>as</strong> galees am d estarvarad<strong>as</strong> em terra, muy atilad<strong>as</strong> e comcertad<strong>as</strong> (...) metid<strong>as</strong> em su<strong>as</strong>taracen<strong>as</strong> cubert<strong>as</strong> (…) a galé emvernou aquy em goa em hua fossa qu<strong>ea</strong>quy está derre<strong>do</strong>r da forteleza; ficou a galé dereita em su<strong>as</strong> yme<strong>as</strong>; comofoy baixamar, mamdeilhe dar hum cerqo <strong>do</strong> vela<strong>do</strong>; nam emtrou mais aguademtro nela: parece me que buscam<strong>do</strong> se toda a imdia, nam se achará humtall lugar pera metter galés, porque pela mayor parte todal<strong>as</strong> galees que3 Jorge Lirola Delga<strong>do</strong>, El poder naval de Al-Andalus en la época del califato omeya: (sigloIV hégira/X era cristiana), tesis <strong>do</strong>ctoral, Granada, Universidad de Granada, 1991, p. 344(http://hdl.handle.net/10481/14103).4 Tesoro de la lengua c<strong>as</strong>tellana o española (…), Madrid, 1674, Parte I, p. 70, (1ª ed.1611).5 Epanaphor<strong>as</strong> de varia historia portuguesa (...), Lisboa, na Officina de Henrique Valentede Oliveira, 1660, p. 314.6 Vocabulario portuguez e latino (…), vol. 8, Lisboa Ocidental, na Officina de P<strong>as</strong>coal daSylva, 1721, p. 48.7 Michael Metzeltin (Paderborn), «La marina mediter rán<strong>ea</strong> en la descripción de RamonMuntaner», in La Corona de Aragón y l<strong>as</strong> lengu<strong>as</strong> románic<strong>as</strong>: miscelán<strong>ea</strong> de homenajepara Germán Colón, Tubingen, Gunter Narr Verlag, 1989, pp. 55-56.8 David Blackman, «Naval Installations», in The age of the galley, Mediterran<strong>ea</strong>n oaredvessels since pre-cl<strong>as</strong>sical times, Londres, Conway Maritime Press, 1995, p. 227.2


aparatos para os armar. Os Portugueses chamam a estes lugares Ribeira d<strong>as</strong>Naus e Armazéns (…)». «Taracêna, ou Tarezena, ou Terecena, ou Tercen<strong>as</strong>(…) vale o mesmo que Darsena ou Arsenal italiano, e significa <strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> emque se guardam materiais e aprestos navais (...) O que hoje chamam emLisboa Tercen<strong>as</strong>, são uma fileira de c<strong>as</strong><strong>as</strong> iguais, abaixo da Freguesia deSantos, sobre o rio, que servem de celeiros (…)».R<strong>ea</strong>l <strong>Academia</strong> Española. Diccionario de Autoridades, 1726-1739.Atarazana: «oficina junto al mar <strong>do</strong>nde se fabrican navíos, galer<strong>as</strong> y otr<strong>as</strong>embarcaciones, y se labran y tienen to<strong>do</strong>s los pertrechos que son necessáriospara la navegación». 30Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, Elucidário d<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>, termose fr<strong>as</strong>es que em Portugal antigamente se usaram (…) : 31 «Não só se deuantigamente o nome de tarecena, taracena, tercena ou tercen<strong>as</strong> ao Arsenalem que se construíam e guardavam os armamentos navais, e tu<strong>do</strong> o que erapertença da marinha; igualmente se chamaram <strong>as</strong>sim os armazéns <strong>ea</strong>rsenais, ou parques, em que no interior da monarquia se faziam largosdepósitos de munições de guerra (…)».Nenhum destes autores sabe o que era uma taracena medieval. SóCharles Du Cange, 32 em 1678, indica <strong>as</strong> du<strong>as</strong> característic<strong>as</strong> fundamentais:edifícios cobertos onde se guardam navios (galés) e fortaleza circundada demuros. «Arsena, Armamentarium, vulgò Arsenal: Italis Arzenale», <strong>do</strong> árabeDarsena. Transcreve de Marino Sanuto: «Oportet ad illius (navigii)conservationem in posterum in locum petrahi coopertum (…)». Transcrevede outro autor: «La c<strong>as</strong>a dell’Arsenale (…) cioé fortezza, b<strong>as</strong>tione,antemurale (…)». A palavra taracena pode ser usada em senti<strong>do</strong> estrito ouamplo. Em senti<strong>do</strong> estrito, corresponde aos edifícios, cobertos, onde seguardam <strong>as</strong> galés. Em senti<strong>do</strong> amplo, designa to<strong>do</strong> o recinto fortifica<strong>do</strong> (ab<strong>as</strong>e naval).4. AS ATARAZANAS MEDIEVAIS ESPANHOLASEspanha teve um<strong>as</strong> atarazan<strong>as</strong> na costa norte (Santander) e vári<strong>as</strong> nacosta sul, entre <strong>as</strong> quais Sevilha, Barcelona, Valencia, Almeria, Málaga,Tortosa e Algecir<strong>as</strong>.30 Cit. por Maria Dolores Martín Acosta, Ordenanz<strong>as</strong> de Málaga de 1611. Edición y estudioléxico, Universidad de Málaga, tesis <strong>do</strong>ctoral, 2010, p. 116 (http://hdl.handle.net/10630/4580.Consulta 25.1.2013).31 2ª. ed., Lisboa, 1865, p. 28 (1ª. ed. 1798).32 Glossarium (…), Frankfurt, 1710 (1ª ed., 1678), p. 381.6


enxárcia, ferrament<strong>as</strong>, barris, biscoito, e uma esplanada para secar enxárci<strong>as</strong> evel<strong>as</strong>. To<strong>do</strong> o recinto estaria rod<strong>ea</strong><strong>do</strong> de uma cerca, m<strong>as</strong> <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong> mar aparede era pouco consistente, só para evitar o acesso de estranhos, ederrubava-se parcialmente cada vez que <strong>as</strong> galés entravam ou saiam. 405. AS TARACENAS MEDIEVAIS PORTUGUESASO rei D. Pedro I confirmou em 1359 os privilégios concedi<strong>do</strong>s aos«alcaides, arraezes e petintaaes» d<strong>as</strong> galés de Lisboa, Setúbal e Tavira, 41pelo que só haveria então taracen<strong>as</strong> nestes portos. Foram depois instalad<strong>as</strong>outr<strong>as</strong> no Porto e em Faro.5.1 AS TARACENAS DE LISBOAO que hoje sabemos deve-se, no essencial, ao estu<strong>do</strong> exaustivo <strong>do</strong> Eng.Augusto Vieira da Silva, notável olissipógrafo que faleceu em 1951, hácerca de 60 anos; os contributos mais recentes, de outros autores, nãovieram alterar significativamente o esta<strong>do</strong> da questão. A primeira referênciaconhecida às taracen<strong>as</strong> <strong>do</strong> rei («palacium nauigiorum regis») surge numa<strong>do</strong>ação de 1237: um carpinteiro e sua mulher <strong>do</strong>am às freir<strong>as</strong> <strong>do</strong> mosteirode Chel<strong>as</strong> 2 morabitinos por ano, como pensão imposta perpetuamentenum<strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> sit<strong>as</strong> na freguesia de Santa Maria Madalena, junto d<strong>as</strong>taracen<strong>as</strong> <strong>do</strong> rei («circa palacium nauigiorum regis»). 42 Havia um esteiro <strong>do</strong>Tejo na Baixa da cidade. À praia que ia de la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong> <strong>do</strong> vale da Baixa,desde a actual praça <strong>do</strong> Município até ao sítio da actual igreja da ConceiçãoVelha, chamavam Ribeira, e parte dela pertencia à freguesia de S. Julião, aocidente, e outra parte à da Madalena, a oriente. 43 O esteiro já em m<strong>ea</strong><strong>do</strong>s<strong>do</strong> séc. XII estaria b<strong>as</strong>tante diminuí<strong>do</strong>, quer em comprimento, quer emlargura, e seria depois encana<strong>do</strong>. 44Em 1294 o rei D. Dinis celebrou um contrato com a câmara de Lisboa,nos termos <strong>do</strong> qual seria construí<strong>do</strong> um muro desde a Torre da Escrivaninha40 Andrés Di<strong>as</strong> Borrás e Rafael Cariñena Balaguer, «Vara<strong>do</strong> y desarmamiento de galer<strong>as</strong> en laValencia del tránsito del siglo XIV al XV. Un esquema de trabajo teórico», in I Simposio deHistoria de l<strong>as</strong> Técnic<strong>as</strong>. La Construccion Naval y la Navegación, Cantabria, Centro deEstudios «Astilleros de Guarnizo», Santander, 1996, pp. 133-142.41 D. P. I, pp. 109-110.42 D. P. I, p. 4.43 Augusto Vieira da Silva, As muralh<strong>as</strong> da Ribeira de Lisboa, 3ª edição, 2 vols., CâmaraMunicipal de Lisboa, 1987, vol. I, p. 9. Doravante, Muralh<strong>as</strong>.44 Carlos Guarda<strong>do</strong> da Silva, Lisboa Medieval. A organização e a estruturação <strong>do</strong> espaçourbano, 2ª ed., Lisboa, Colibri 2010, pp. 159, 173.8


contrato de 1294, e <strong>as</strong> 13 taracen<strong>as</strong> na Ribeira. A partir daqui só est<strong>as</strong> estão<strong>do</strong>cumentad<strong>as</strong>, e Fernão Lopes 51 sugere que no reina<strong>do</strong> de D. João I eram <strong>as</strong>únic<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> de Lisboa: «(...) o Mestre veyose a caualo muyto depressa àRibeira (…) e entrou pela porta da Tercena».O contrato de 1294 diz que o muro, para ocidente, seria construí<strong>do</strong> atéàs C<strong>as</strong><strong>as</strong> d<strong>as</strong> Galés, m<strong>as</strong> diz também que seria até às c<strong>as</strong><strong>as</strong> <strong>do</strong> rei na Rua Nova(«dela Torre da mha [minha] escriuanya atáá <strong>as</strong> mh<strong>as</strong> C<strong>as</strong><strong>as</strong> da Rua noua»).E menciona a ponte de Galonha («e deuo derribar da mha C<strong>as</strong>a que sta apar da ponte de Galonha tanta que fique a rrua <strong>do</strong>yto braç<strong>as</strong>»). 52 A ponte deGalonha ou de Morraz, de madeira, sobre o esteiro <strong>do</strong> Tejo, ficaria perto <strong>do</strong>cruzamento d<strong>as</strong> actuais Ru<strong>as</strong> <strong>do</strong> Ouro e S. Julião, e ligava a Rua Nova, aoriente, à Rua de Morraz, a ocidente. 53 A Rua de Morraz, que correspond<strong>ea</strong>proximadamente à parte ocidental da actual Rua de S. Julião, chamou-semais tarde Rua da Calcetaria, e é com este nome que aparece na Planta deJoão Nunes Tinoco, de 1650.Na Planta, a Rua Nova desenvolve-se entre a Rua da Calcetaria e o Pelourinho Velho.A Rua de Morraz ligava-se para ocidente com o morro de S.Francisco e constituía o limite norte d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>, como se indica em vári<strong>as</strong>confrontações. O muro previsto no contrato de 1294 iria só até às c<strong>as</strong><strong>as</strong> <strong>do</strong> reina Rua Nova, porque se ligaria, certamente, a outro muro, o d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>(C<strong>as</strong><strong>as</strong> d<strong>as</strong> Galés). Este «muro d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>» é também menciona<strong>do</strong> em51 Crónica de D. João I, Cap. 139.52 D.P. supl I, p. 18.53 Ao esteiro que p<strong>as</strong>sava por baixo da ponte um <strong>do</strong>cumento de 1295 chama rio de Morraz.M<strong>as</strong> já estava entulha<strong>do</strong> e <strong>as</strong> embarcações não podiam p<strong>as</strong>sar para norte (Muralh<strong>as</strong>, I, p. 13;Muralh<strong>as</strong> II, p. 8).10


AS TERCENAS MEDIEVAIS E A TERÇANABAL DO INFANTE D. HENRIQUEvári<strong>as</strong> confrontações: sobra<strong>do</strong> na Judiaria Nova, que parte com «c<strong>as</strong><strong>as</strong> datarecena» ao levante e ao poente, a norte c<strong>as</strong><strong>as</strong> na rua de Morraz, a sul ruapública e «o muro da taracena» (1327). 54 Não tem razão Hélder Carita 55 aoafirmar que a muralha de D. Dinis se estendia até ao monte de SãoFrancisco. Terminava no muro da taracena. Este é que ia para ocidente, nadirecção <strong>do</strong> monte, não se sabe até onde. Carlos Guarda<strong>do</strong> da Silva 56 vaimais longe, sustentan<strong>do</strong> que a muralha de D. Dinis seguia pela b<strong>as</strong>e <strong>do</strong>monte de São Francisco, até ao sítio <strong>do</strong> actual largo <strong>do</strong> Corpo Santo.No limite norte d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> estava também a Judiaria Nova, ouPequena, chamada d<strong>as</strong> Taracen<strong>as</strong> ou de «apar d<strong>as</strong> Taracen<strong>as</strong>». N<strong>as</strong>confrontações de muit<strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> da Rua de Morraz, est<strong>as</strong> partiam pelo sul«com c<strong>as</strong><strong>as</strong> em que moram judeus na rua d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>», ou «com c<strong>as</strong><strong>as</strong> dajudaria d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>». A Judiaria Nova seria uma simples rua, lad<strong>ea</strong>da dec<strong>as</strong><strong>as</strong>, no sítio hoje ocupa<strong>do</strong> pelo edifício <strong>do</strong> Banco de Portugal e a igrejade S. Julião, m<strong>as</strong>, como <strong>as</strong> outr<strong>as</strong> judiari<strong>as</strong>, era fechada com port<strong>as</strong>, de quese encontra menção de três. 57 Os judeus de Lisboa eram obriga<strong>do</strong>s atrabalhar n<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> pelo menos desde o reina<strong>do</strong> de D. Sancho II (1223-1248). 58 O âmbito desses trabalhos está defini<strong>do</strong> numa carta régia de 1371que os isenta de «serujr em ess<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> em meter gallees nem pera fazercou<strong>as</strong> [cov<strong>as</strong>] nem carretar remos nem arm<strong>as</strong> <strong>do</strong> meu almazem nem bizcoutonem outros aparelhos pera ess<strong>as</strong> gallees nem pera <strong>as</strong> naaos». 59 M<strong>as</strong> em 1373continua a falar-se na Judiaria Nova: «c<strong>as</strong><strong>as</strong> na judiaria nova, que partem aoavrego [sul] com taracen<strong>as</strong>, e aguião [norte] com c<strong>as</strong><strong>as</strong> da parte deMorraz». 60 E os judeus lá continuaram até finais <strong>do</strong> séc. XV. Em 1488 nãohavia galés, m<strong>as</strong> sim albetoç<strong>as</strong>, navios também de remo. Os rema<strong>do</strong>resdeviam ajudar «a meter Remos e todall<strong>as</strong> outr<strong>as</strong> cous<strong>as</strong> dell<strong>as</strong> (…) tiram<strong>do</strong>o mesmo c<strong>as</strong>co d<strong>as</strong> albetoç<strong>as</strong>, ou tirar ou meter bombard<strong>as</strong> grandes nell<strong>as</strong>,que os Judeus sam obriga<strong>do</strong>s de fazer», m<strong>as</strong> a comuna <strong>do</strong>s judeuscostumava pagar a outros, pesca<strong>do</strong>res ou mar<strong>ea</strong>ntes, para fazerem esseserviço. 6154 Chancelari<strong>as</strong> portugues<strong>as</strong>. D. Afonso IV, vol. I (1325-1336), org. A. H. Oliveira Marques,Centro de Estu<strong>do</strong>s Históricos da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, INIC, 1990, p. 115.55 Lisboa Manuelina e a formação de modelos urbanísticos da Época Moderna (1495 -1521), Lisboa, Livros Horizonte, 1999, pp. 30, 34.56 op. cit., p. 175.57 Muralh<strong>as</strong>, II, pp. 5, 6, 19.58 D. P. I, pp. 46-48.59 D. P., supl. I, p. 287.60 Muralh<strong>as</strong>, II, p. 13.61 «Regimento <strong>do</strong>s patrões e juízes d<strong>as</strong> albetoç<strong>as</strong>», Livro d<strong>as</strong> postur<strong>as</strong> antig<strong>as</strong>, leiturapaleográfica e transcrição de Maria Teresa Campos Rodrigues, Câmara Municipal deLisboa, 1974, pp.169 e ss.11


A sul da Rua de Morraz formava «a praia uma reentrância ouens<strong>ea</strong>da, na qual D. Dinis, e depois D. Afonso IV, tinham <strong>as</strong> su<strong>as</strong> galés n<strong>as</strong>tercen<strong>as</strong>», diz A. Vieira da Silva. 62 «Na pequena ens<strong>ea</strong>da que formava o rioTejo na foz <strong>do</strong> regueirão que vinha <strong>do</strong> norte, protegida <strong>do</strong>s ventos da barrapelo escarpa<strong>do</strong> <strong>do</strong> monte de S. Francisco, tinham os nossos primeiros reisescolhi<strong>do</strong> o porto para abrigo d<strong>as</strong> su<strong>as</strong> galés». 63 Aqui o ilustre autor nãotem razão. Uma galé pode ter mais de 50 metros de comprimento 64 e, entr<strong>ea</strong> taracena e o rio, precisa de outros 50 ou mais metros de praia para aí seraparelhada com m<strong>as</strong>tros, vel<strong>as</strong>, remos, arm<strong>as</strong>, etc. 65 Depois, no rio, deve teruma ár<strong>ea</strong> significativa para poder manobrar. E eram 13 <strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>, cada umacom a largura aproximada de 10 metros. Este espaço não existia na foz <strong>do</strong>regueirão (esteiro) a sul da Rua de Morraz.Maqueta d<strong>as</strong> 5 atarazan<strong>as</strong> de Valencia no séc. XV. 66As galés terão saí<strong>do</strong> sempre directamente para o rio, a sul. O limitenorte <strong>do</strong> recinto d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> estendia-se, para ocidente, ao longo da Ruade Morraz; para oriente, até às imediações da ermida de Santa Maria deOliveira, a sul desta e também a sul da Rua Nova. O «muro d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>»não podia atravessar a Rua Nova. A ermida estaria perto <strong>do</strong> sítio actual, nola<strong>do</strong> norte da Rua de S. Julião, entre <strong>as</strong> Ru<strong>as</strong> <strong>do</strong> Ouro e Augusta. 6762 Muralh<strong>as</strong>, I, p. 33.63 Muralh<strong>as</strong>, II, p. 24.64 Frederic C. Lane, «Tonnages, medieval and modern», The Economic History Review, 2ªsérie, vol. XVII, nº 2, 1964, p. 231.65 Andrés Di<strong>as</strong> Borrás e Rafael Cariñena Balaguer, op. cit., pp. 136, 139.66 Éfren Vázquez González, L<strong>as</strong> atarazan<strong>as</strong> de la villa del Grao, 2011, citan<strong>do</strong> Gemma MariaContrer<strong>as</strong> Zamorano, L<strong>as</strong> atarazan<strong>as</strong> del Grao de la mar, València, Ayuntamiento de València,2002, pp. 191 e ss.(http://mupart.uv.es/ajax/file/oid/215/fid/507/trabajo%20final%20atarazan<strong>as</strong>.pdf, consulta<strong>do</strong> em6.1.201367 Muralh<strong>as</strong>, I, p. 103 e estampa I; Muralh<strong>as</strong>, II, p. 27.12


AS TERCENAS MEDIEVAIS E A TERÇANABAL DO INFANTE D. HENRIQUEMapa Google 68Aproximadamente, a Rua de Morraz corresponde à parte da actualRua de S. Julião que está a ocidente <strong>do</strong> cruzamento com a Rua <strong>do</strong> Ouro(Áur<strong>ea</strong>). A Rua Nova ia em diagonal desde <strong>as</strong> imediações <strong>do</strong> cruzamentod<strong>as</strong> actuais Ru<strong>as</strong> <strong>do</strong> Ouro (Áur<strong>ea</strong>) e de S. Julião até ao cruzamento d<strong>as</strong>Ru<strong>as</strong> <strong>do</strong> Comércio e <strong>do</strong>s Fanqueiros. 69A Judiaria Nova aparece em vári<strong>as</strong> confrontações a sul da Rua deMorraz m<strong>as</strong> prolongava-se para o la<strong>do</strong> da Rua Nova. Em 1321, é designada«judaria da rua Nova apar d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>». 70 Em 1326, sótão e sobra<strong>do</strong> naRua Nova, que partem ao levante e ao poente com c<strong>as</strong><strong>as</strong> <strong>do</strong> rei, a norte ruapública, a sul «<strong>as</strong> mh<strong>as</strong> [minh<strong>as</strong>] taraçen<strong>as</strong>». Sótão e sobra<strong>do</strong> «na judarianova que he a par da mha taracena», partem ao levante com Rua Nova, aopoente «o logo que chaman Morraz», a norte a porta nova da Judiaria, a sul«o muro da mha taracena» (1327). 71 C<strong>as</strong><strong>as</strong> na Rua Nova, «Ante a ffonte»,que partem a levante e a poente com c<strong>as</strong><strong>as</strong> <strong>do</strong> rei, a norte rua pública, a sul«<strong>as</strong> mh<strong>as</strong> taraçen<strong>as</strong>» (1339). 72 Esta fonte pública ou chafariz estava junto àermida de Santa Maria da Oliveira. 73 Era n<strong>as</strong> imediações da ermida o limite68 https://maps.google.pt69 Muralh<strong>as</strong> I, p. 132.70 Maria José Ferro Tavares, «O impacto <strong>do</strong> édito da expulsão <strong>do</strong>s judeus em Lisboa», IColóquio temático. O município de Lisboa e a dinâmica urbana (séculos XVI-XIX), Lisboa,Câmara Municipal de Lisboa, 1995, p. 254.71 Chancelaria D. Afonso IV, vol. I, pp. 82, 114.72 Chancelari<strong>as</strong> Portugues<strong>as</strong>. D. Afonso IV, vol. II (1336 -1340), org. A. H. OliveiraMarques, Centro de Estu<strong>do</strong>s Históricos da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, INIC,1992, p. 302.73 Muralh<strong>as</strong>, I, p. 103.13


oriental d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>, e <strong>as</strong>sim continuou. C<strong>as</strong><strong>as</strong> na Rua Nova que partemcom <strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> e rua <strong>do</strong> beco que vai para <strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> (1365); 74 «loj<strong>as</strong> narua nova à porta d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>» (1373). A muralha de D. Dinis tinha o Arco<strong>do</strong>s Pregos, por vezes chama<strong>do</strong> Porta da Herva, na zona da actual RuaAugusta, entre <strong>as</strong> Ru<strong>as</strong> <strong>do</strong> Comércio e S. Julião: «c<strong>as</strong>a na freguezia de S.Gião detraz da rua nova, onde lavram os tanoeiros, onde chamam a porta daherva, apar d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>; a aguião [norte] o muro d<strong>as</strong> minh<strong>as</strong> [<strong>do</strong> rei] c<strong>as</strong><strong>as</strong>da rua nova, a avrego [sul] o campo <strong>do</strong> concelho» (1344). 75O rei D. Fernan<strong>do</strong> aumentou a ár<strong>ea</strong> d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> para norte,derruban<strong>do</strong> a rua da judiaria ou d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>, e, diz numa carta de 10.6.1370,man<strong>do</strong>u abrir uma rua «a par da judiaria velha», porque «a comuna <strong>do</strong>sjudeus desa cidade me enujarom dizer que eu mandey deRibar a rrua d<strong>as</strong>taracen<strong>as</strong> em que os judeus moravam pera acrescentar <strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> d<strong>as</strong> dict<strong>as</strong>taracen<strong>as</strong> em que stam <strong>as</strong> mjnh<strong>as</strong> gallees, em a qual rua dizem que morammuitos judeus e judi<strong>as</strong>, e que ora não teem em que morar». 76 M<strong>as</strong>, entend<strong>as</strong>e,esta é a zona norte <strong>do</strong> recinto d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>, porque el<strong>as</strong> prolongavam-se, esempre se prolongaram, para sul até ao rio. As galés devem estar o mais pertopossível <strong>do</strong> rio para mais rapidamente se poderem opor a uma armadaagressora que entre pela foz <strong>do</strong> Tejo.A zona sul <strong>do</strong> recinto d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> estava no campo da Oira ou <strong>do</strong>Ouro. Em 1329 o rei D. Afonso IV celebrou um contrato com o concelho deLisboa, nos termos <strong>do</strong> qual lhe <strong>do</strong>ava um campo para secar o pesca<strong>do</strong>, erecebia um campo na Oira («canpo que esta a cabo <strong>do</strong>oyra»), onde atéentão o secavam; neste campo da Oira poderia o concelho construir c<strong>as</strong><strong>as</strong>,m<strong>as</strong> deveria abrir ru<strong>as</strong> bem larg<strong>as</strong>, e deixar grande espaço entre <strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> e<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>, e também entre <strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> e o mar: «(…) que sseiam <strong>as</strong> Ru<strong>as</strong>bem espaços<strong>as</strong> que possam <strong>as</strong> gentes per el<strong>as</strong> andar e caualgar ssen enbargoe que leixem grande espaço antre <strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> e <strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> outrossy fazedeque leixem contra o mar espaço tam grande per que possam andar <strong>as</strong> gentese ffolgar (…)» . 77 O concelho confirmou o escambo em 1352, pelo qualdava um campo na Oira («no logo que chamam a Oira»), onde o rei D.Afonso IV «soe de teer su<strong>as</strong> Galéés», para aí «ffazer Taracena pera staremquatro Galées», outro campo onde estão <strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> em que se guarda a74 D. P., supl. I, pp. 389, 400.75 Muralh<strong>as</strong>, I, pp. 65-66, 89, estampa I.76 D. P. supl. I, p. 405.77 D. P., supl. I, pp. 28-29. José de V<strong>as</strong>concellos e Menezes («Tercen<strong>as</strong> de Lisboa II»,Lisboa. Revista municipal, ano XLVIII, 2ª série, nº 17, 1986, p. 4) notou, bem, que Eduar<strong>do</strong>Freire de Oliveira ( Elementos para a história <strong>do</strong> município de Lisboa, 1ª Parte, Tomo I,Lisboa, Typographia Universal, 1882, p. 99) e Vieira da Silva (Muralh<strong>as</strong>, II, p. 66) leram no<strong>do</strong>cumento «campo à Porta da Oira», em vez de «campo a cabo d’oira». A Porta da Oira nãoé aqui mencionada. O mesmo lapso em Júlio de C<strong>as</strong>tilho (A Ribeira de Lisboa (…), vol. IV,4ª ed., Câmara Municipal de Lisboa, 1981, p. 54).14


AS TERCENAS MEDIEVAIS E A TERÇANABAL DO INFANTE D. HENRIQUEmadeira <strong>do</strong> rei, «junt<strong>as</strong> com o muro d<strong>as</strong> Taracen<strong>as</strong>», e mais uma c<strong>as</strong>a contrao mar, feita pelo almoxarife d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> para ter madeira. 78 Trata-se deum alargamento da ár<strong>ea</strong> d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>, que estavam no lugar chama<strong>do</strong> Oira,onde o rei «soe de teer su<strong>as</strong> Galéés». Agora o concelho dava ao rei um«canpo que esta a cabo <strong>do</strong>oyra», isto é, no fim <strong>do</strong> lugar chama<strong>do</strong> Oira, paraocidente, onde seria construída uma taracena para quatro galés. 79Em 1305 está <strong>do</strong>cumenta<strong>do</strong> o cais da Oira. Nesse ano o rei D. Dinis<strong>do</strong>ou a Abril Eanes, «guarda <strong>do</strong> meu porto de lixbõa», um chão sobre atravanca de pedra «<strong>do</strong> Cays da oira de lixbõa que eu hy mandei fazer», paraconstruir c<strong>as</strong><strong>as</strong> de morada. 80 Havia também a Porta da Oira ou <strong>do</strong> Ouro, queFr. Manuel da Esperança 81 afirma estar <strong>do</strong>cumentada em 1318: nesse ano oConvento de S. Francisco de Lisboa cedeu a 15 tanoeiros, que se queriamarruar com su<strong>as</strong> tend<strong>as</strong> e c<strong>as</strong><strong>as</strong>, um campo «na ribeira <strong>do</strong> Tejo ao pee dabarroca, alem da porta da Oura». Esta zona, junto à barroca <strong>do</strong> morro de S.Francisco, é na parte ocidental da futura Rua da Tanoaria, actual Rua <strong>do</strong>Arsenal. Fernão Lopes 82 descreve uma solene procissão r<strong>ea</strong>l, que partiu daSé, e «levaram o estandarte d<strong>as</strong> arm<strong>as</strong> dit<strong>as</strong> de Portugal, e chegaram comele até à porta Douro, que é junto à ribeira da água, e foi ali entregue aGonçalo Rodrigues, e posto na maior galé de tod<strong>as</strong>, que chamavam a R<strong>ea</strong>l».Fr. Manuel da Esperança afirma também que houve du<strong>as</strong> port<strong>as</strong> com omesmo nome; a primitiva «estava no muro velho, que fez o rei D. Dinisnaquella banda <strong>do</strong> rio, em cujo lugar se abriu outra de novo, chamada “arco<strong>do</strong> ouro” pelo estilo presente». Este «muro velho, que fez o rei D. Dinis»,não é a muralha de D. Dinis, que está mais a oriente, desde a Torre daEscrivaninha até às C<strong>as</strong><strong>as</strong> d<strong>as</strong> Galés (taracen<strong>as</strong>). No escambo de 1352, oconcelho deu ao rei um campo na Oira onde estão <strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> em que se guardaa madeira <strong>do</strong> rei, «junt<strong>as</strong> com o muro d<strong>as</strong> Taracen<strong>as</strong>». Este muro d<strong>as</strong>taracen<strong>as</strong> também não faz parte da muralha de D. Dinis, nem da muralha deD. Fernan<strong>do</strong>, que foi construída mais tarde, desde 1373 até pouco depois de1375. O recinto d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> devia estar to<strong>do</strong> mura<strong>do</strong>, excepto <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong>rio, por onde <strong>as</strong> galés entravam e saíam. Seria neste muro, perto <strong>do</strong> rio, quese abria a Porta da Oira.78 D. P., supl. I, p. 32.79 Muralh<strong>as</strong>, II, pp. 66-67. V<strong>as</strong>concellos e Menezes («Tercen<strong>as</strong> de Lisboa», Lisboa. Revistamunicipal, nº 16, 1986, p. 15), sem fundamentar, afirma que o sítio da Oira ocupavaaproximadamente o espaço desde a actual Rua <strong>do</strong> Ouro até ao extremo ocidental da Praça <strong>do</strong>Município; o sítio, não <strong>as</strong> tercen<strong>as</strong>, porque est<strong>as</strong>, embora instalad<strong>as</strong> no sítio da Oira, nãoultrap<strong>as</strong>sariam para ocidente o alinhamento da actual fachada da Câmara Municipal.80 D. P. I, p. 24.81 História Seráfica da Ordem <strong>do</strong>s Frades Menores de S. Francisco na Província dePortugal, Primeira Parte (…), vol. 1, Em Lisboa: na officina Craesbeeckiana, 1656, p. 187.82 Crónica de D. João I, Cap. 112.15


A Porta da Oira estaria n<strong>as</strong> imediações da porta principal <strong>do</strong> futuroArsenal da Marinha. Vieira da Silva sugeriu três localizações possíveis: 1)no sítio da porta <strong>do</strong> Arsenal; 2) um pouco a nordeste da porta, na actualPraça <strong>do</strong> Município; 3) um pouco a poente da porta e recuada relativamenteà fachada <strong>do</strong> Arsenal. Numa pequena parte da actual Praça <strong>do</strong> Municípiohouve um largo triangular, chama<strong>do</strong> «praça da Porta de Oura» num Tombode 1573 e «Tanoaria» na Planta de Tinoco (1650) . 83 A Porta da Oira, navista Olissipo, de J. Braunio, da segunda metade <strong>do</strong> séc. XVI, é designadacom o nº 63 («Porta Auri»). M<strong>as</strong> em 1551, Cristóvão Rodrigues deOliveira 84 indica a «Porta d’oura» na freguesia de S. Julião, e a «Portad’oura por fora» na freguesia <strong>do</strong>s Mártires. E a «Porta Auri» de Braunio é a«Porta d’oura por fora» de Cristóvão Rodrigues de Oliveira.Vista Olissipo, de J. Braunio, c. 1593.A ár<strong>ea</strong> aqui representada, depois da construção <strong>do</strong>s Paços da Ribeira,já é completamente diferente. Legenda: Paços da Ribeira (2), C<strong>as</strong>a da ÍndiaVelha (7), C<strong>as</strong>a da Índia Nova (8), Armazém d<strong>as</strong> Arm<strong>as</strong> (9), Porta <strong>do</strong>s CorteR<strong>ea</strong>is (62), Porta <strong>do</strong>s Cobertos (62 *), «Porta Auri» (63),«Porta que dicitur <strong>do</strong>almazem» (64), «Porta que dicitur arco <strong>do</strong>s paços» (65), «Porta que diciturpostigo da moeda» (66), «Porta que dicitur arco <strong>do</strong>s pregos» (67), «Sac. S.Thome» (119), «Porta que dicitur <strong>do</strong> Corpo Santo» (161). Vê-se construção83 Muralh<strong>as</strong>, II, p. 58.84 Lisboa em 1551. Sumário, Lisboa, Livros Horizonte, 1987, pp. 24, 28.16


AS TERCENAS MEDIEVAIS E A TERÇANABAL DO INFANTE D. HENRIQUEnaval a sul e ocidente da Porta <strong>do</strong> Ouro, onde estariam já <strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>acrescentad<strong>as</strong> por D. Afonso IV.As taracen<strong>as</strong> tinham pelo menos três torres. Uma estava a meio <strong>do</strong>muro na Rua d<strong>as</strong> Taracen<strong>as</strong>: em 1328 o rei aforou um sobra<strong>do</strong> nesta rua, «oqual sobra<strong>do</strong> he soo a torre que esta em meyo d<strong>as</strong> dict<strong>as</strong> taraçen<strong>as</strong>», econfronta a norte com «<strong>as</strong> mh<strong>as</strong> [<strong>do</strong> rei] c<strong>as</strong><strong>as</strong> da Rua de morraz» e a sulcom «<strong>as</strong> tareçen<strong>as</strong> hu seem <strong>as</strong> mh<strong>as</strong> galéés». Esta seria a chamada Torred<strong>as</strong> Pomb<strong>as</strong>. 85 Outra estava na Rua Nova perto da ermida da Oliveira. Em1357, um<strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> na Rua Nova partem com uma torre d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>. 86 Em1389, «na rua nova, apar de Sta Maria da Oliveira, du<strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> de quatroportaes, amb<strong>as</strong> junt<strong>as</strong>», que partem a norte com rua pública, a sul com <strong>as</strong>taracen<strong>as</strong>, «e teem uma torre d<strong>as</strong> dit<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>». 87 C<strong>as</strong><strong>as</strong> <strong>do</strong> rei na RuaNova «a par de santa maria de oliveira da parte <strong>do</strong> mar com hua torre d<strong>as</strong>taracen<strong>as</strong>» (1394) . 88 Esta torre será a que p<strong>as</strong>sou a ser também chamadatorre d<strong>as</strong> C<strong>as</strong><strong>as</strong> da Moeda: tenda «da ferraria acostada ao muro e torre d<strong>as</strong>c<strong>as</strong><strong>as</strong> da moeda, que parte com o cano que sae d<strong>as</strong> privad<strong>as</strong> para a ribeira, epor diante com caminho da dita ribeira que vae para <strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>» (1473). 89A Rua da Ferraria ficava qu<strong>as</strong>e paralela à Rua Nova, para o la<strong>do</strong> <strong>do</strong> rio. Asprivad<strong>as</strong> <strong>do</strong> concelho estariam perto, para oriente, <strong>do</strong> cruzamento d<strong>as</strong>actuais Ru<strong>as</strong> <strong>do</strong> Ouro e Comércio. 90 Esta C<strong>as</strong>a da Moeda parece que foiinstalada no reina<strong>do</strong> de D. João I, perto da porta da Judiaria Nova queficava no topo oriental da Rua d<strong>as</strong> Taracen<strong>as</strong>: «c<strong>as</strong><strong>as</strong> que estão na judarianova, à entrada da dita judaria, como entram pela porta d’apar da nossac<strong>as</strong>a da moeda» (1435); 91 c<strong>as</strong><strong>as</strong> <strong>do</strong> rei «em fronte da Rua noua no canto daRua de morraz», partem com outr<strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> <strong>do</strong> rei «que som no canto daporta per hu entram a Judaria noua a porta da moeda», e com outr<strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> ecom a Rua de Morraz (1436); 92 «du<strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong>, um<strong>as</strong> junto com <strong>as</strong> outr<strong>as</strong>, narua nova em direito de Santa Maria da Oliveira da parte <strong>do</strong> mar; <strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong>que teem a torre partem com c<strong>as</strong><strong>as</strong>; e <strong>as</strong> outr<strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong>, que são junto comell<strong>as</strong>, descontra o mar, partem aabates com <strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>, e com o rego d<strong>as</strong>privad<strong>as</strong> <strong>do</strong> concelho, e da outra parte [<strong>do</strong> norte] com a dita rua nova»(1458). 93 No reina<strong>do</strong> de D. João II havia uma torre «junto d<strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> em que85 D. P. I, p. 49; Muralh<strong>as</strong>, II, p. 22.86 D. P., supl. I, p. 396.87 D. P., supl. I, p. 435.88 D. P., supl. I, p. 440.89 Muralh<strong>as</strong>, I, p. 121; Muralh<strong>as</strong>, II, p. 14.90 Muralh<strong>as</strong>, I, estampa I; Muralh<strong>as</strong>, II, p. 115.91 Muralh<strong>as</strong>, II, p. 21.92 Chancelari<strong>as</strong> Portugues<strong>as</strong>. D. Duarte, vol. I, tomo 2 (1435-1438), org. João José AlvesDi<strong>as</strong>, Centro de Estu<strong>do</strong>s Históricos, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 1998, p. 349.93 Muralh<strong>as</strong>, I, p. 121.17


fazem <strong>as</strong> bombard<strong>as</strong>», na actual Praça <strong>do</strong> Município. 94 A Porta da Ouratambém tinha du<strong>as</strong> torres. Uma postura de 1430 determina que ninguémlance esterco «antre <strong>as</strong> torres da porta <strong>do</strong>ura». 95 D. João II man<strong>do</strong>u demolil<strong>as</strong>,m<strong>as</strong> a ordem não foi cumprida, ou havia mais torres: «torre de DiogoVieira que está á dita porta d’oura» (1516); «torre da porta d’oura, onde estavao carvão» (1518). 96Afirma Vieira da Silva que à frente d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> estava a muralhafernandina. Também Carlos Guarda<strong>do</strong> da Silva 97 e Carlos Caetano: 98localizavam-se na Baixa, entre a muralha de D. Dinis e a de D. Fernan<strong>do</strong>,onde depois se edificou o complexo manuelino <strong>do</strong> Paço da Ribeira e su<strong>as</strong>dependênci<strong>as</strong>. V<strong>as</strong>concellos e Menezes 99 tem a mesma opinião, m<strong>as</strong>acrescenta que haveria uma porta para <strong>as</strong> galés saírem, talvez a Porta daOura. Est<strong>as</strong> afirmações não têm fundamento. Se houvesse uma muralha <strong>do</strong>la<strong>do</strong> <strong>do</strong> rio, <strong>as</strong> galés não poderiam sair, porque uma galé com cerca de 50metros de comprimento não entra ou sai por uma simples porta.Na «daraçana» ( atarazana) de Valencia, onde só estavam 5 galés, afachada que dava para o mar tinha uma parede feita com estac<strong>as</strong> de madeira,até 1414, e nesse ano substituída por um «muro de terra». 100 Na parede sóhavia uma porta, para a entrada de materiais e merca<strong>do</strong>ri<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> que nãopermitia a p<strong>as</strong>sagem de uma galé; cada vez que <strong>as</strong> galés entravam ou saiam,derrubava-se parcialmente a parede. 101 As «dr<strong>as</strong>sanes» (atarazan<strong>as</strong>) deBarcelona formavam um v<strong>as</strong>to recinto rectangular fecha<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s os la<strong>do</strong>s,excepto pelo la<strong>do</strong> <strong>do</strong> mar. 10294 Muralh<strong>as</strong>, II, p. 80.95 Livro d<strong>as</strong> postur<strong>as</strong> antig<strong>as</strong>, leitura paleográfica e transcrição de Maria Teresa CamposRodrigues, Câmara Municipal de Lisboa, 1974, p. 5.96 Muralh<strong>as</strong>, II, p. 82.97 op. cit., p. 181.98 A ribeira de Lisboa na época da Expansão Portuguesa (séculos XV a XVIII) , Lisboa,Pan<strong>do</strong>ra, 2004, p. 38.99 «Tercen<strong>as</strong> de Lisboa», Lisboa. Revista municipal, nº 17, 1986, p. 11.100 Jacqueline Guiral-Hadziiossif, Valence, port méditerranéen au XVe siècle: 1410-1525,Paris, Sorbonne, 1986, p. 163.101 Andrés Di<strong>as</strong> Borrás e Rafael Cariñena Balaguer, op. cit., pp. 135-136.102 Antoni Riera i Melis, «Les Dr<strong>as</strong>sanes Reials de Barcelona a la baixa edat mitjana»,Dr<strong>as</strong>sana: revista del Museu Marítim, nº 3, Barcelona, 1995, p. 5; Josefa Mutgé Vives, op.cit., p. 183.18


AS TERCENAS MEDIEVAIS E A TERÇANABAL DO INFANTE D. HENRIQUEAtarazan<strong>as</strong> de Barcelona na actualidade. 103Vista de Barcelona, 1563, <strong>do</strong> flamengo Anton Van den Wyngaerde. 104103 Nicolás Markuerkiaga, L<strong>as</strong> reials dr<strong>as</strong>sanes de Barcelona, 2006, pp. 2, 17(http://cch.cat/pdf/dr<strong>as</strong>sanes2.pdf).104 El País, Cataluña(http://ccaa.elpais.com/ccaa/2012/03/01/catalunya/1330639020_299848.html).19


Vê-se bem no primeiro plano o recinto d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>, com muralh<strong>as</strong> etorres, excepto na fachada virada ao mar, e à sua frente galés varad<strong>as</strong> na praia.Mais atrás <strong>as</strong> muralh<strong>as</strong> e a linha de costa da cidade. As taracen<strong>as</strong> de Lisboanão seriam muito diferentes.A manobra de armar e lançar à água <strong>as</strong> galés era complexa e morosa.Em 1384, quan<strong>do</strong> o rei de C<strong>as</strong>tela veio cercar Lisboa, o Mestre de Avisman<strong>do</strong>u armar <strong>as</strong> galés de Lisboa e confiou essa missão ao arcebispo deBraga, o qual «começou logo de <strong>as</strong> mandar poer nos v<strong>as</strong>os, e deitar à água,e tal aficamento e tant<strong>as</strong> gentes fazia juntar a este trabalho, que <strong>as</strong> maisdel<strong>as</strong> foram deitad<strong>as</strong> às mãos na água, sem cabrestante»; e o arcebispo «talaguça poz em <strong>as</strong> armar, que em breves di<strong>as</strong> foram armad<strong>as</strong> <strong>do</strong>ze galés(…)». 105 A palavra «v<strong>as</strong>os» surge com o significa<strong>do</strong> de estrutur<strong>as</strong> utilizad<strong>as</strong>para lançar navios ao mar num estatuto de Marselha, em m<strong>ea</strong><strong>do</strong>s <strong>do</strong> séc.XIII. 106 Vieira da Silva conseguiu localizar qu<strong>as</strong>e toda a muralha fernandina.Qu<strong>as</strong>e toda. A única parte que lhe falta é a que está n<strong>as</strong> proximidades d<strong>as</strong>taracen<strong>as</strong>. O lanço oriental da muralha, «sobre que não há dúvid<strong>as</strong>»,termina na actual Rua Augusta; e o lanço ocidental, no Postigo <strong>do</strong>sMártires ou Arco d<strong>as</strong> Fontainh<strong>as</strong>, na parte ocidental da actual Rua <strong>do</strong>Arsenal. 107 E presume que o traça<strong>do</strong> da muralha uniria est<strong>as</strong> du<strong>as</strong>extremidades.Esta presunção é incorrecta. As taracen<strong>as</strong>, que constituíam a principalb<strong>as</strong>e naval <strong>do</strong> reino, onde se guardavam os navios de guerra (<strong>as</strong> galés),estavam fortificad<strong>as</strong>, com muros. Em 1294, o rei D. Dinis man<strong>do</strong>u construirum muro desde a Torre da Escrivaninha até às C<strong>as</strong><strong>as</strong> d<strong>as</strong> Galés (taracen<strong>as</strong>),porque a cidade não estava nessa zona defendida <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong> mar. A cidadetinha a cerca moura, da qual fazia parte a Torre da Escrivaninha, e cresceradepois para ocidente, sem qualquer muro. Era aqui, a ocidente da cidade, queestavam <strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>. Uma armada agressora que entr<strong>as</strong>se pela foz <strong>do</strong> Tejo,em direcção à cidade, chegaria primeiro a el<strong>as</strong>, e só mais adiante à cercamoura. Não poderiam deixar de estar fortificad<strong>as</strong>, com muros, no senti<strong>do</strong>norte - sul, e este «muro d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>» é menciona<strong>do</strong> em vári<strong>as</strong>confrontações. Portanto, a muralha fernandina, construída a partir de 1373,não iria atravessar o recinto d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>: terminava num <strong>do</strong>s muros, para105 Fernão Lopes, Crónica de D. João I, Cap. 111.106 Statut de Marseille de 1253 a 1255, Cap. XLV, «De v<strong>as</strong>is navium a communi habendis»,in J<strong>ea</strong>n-Marie Pardessus, Collection de lois maritimes antérieures au XVIIIe siècle, tomo IV,Paris, Imprimerie Royale, 1837, p. 261.107 Augusto Vieira da Silva, A cerca fernandina de Lisboa, vol. II., Lisboa, CâmaraMunicipal de Lisboa, 1949, p. 38; Muralh<strong>as</strong>, I, Estampa I. O Arco d<strong>as</strong> Fontainh<strong>as</strong> estavaperto <strong>do</strong> Corpo Santo (Júlio de C<strong>as</strong>tilho, Lisboa Antiga. Bairros Orientais, vol. VIII, 2ª ed.,Câmara Municipal de Lisboa, 1937, p. 197).20


AS TERCENAS MEDIEVAIS E A TERÇANABAL DO INFANTE D. HENRIQUEser retomada no outro muro. E o recinto d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> prolongava-se até aorio, para <strong>as</strong> galés poderem sair mais rapidamente em situações deemergência. No séc. XV, prolongava-se para sul da muralha fernandina, eentre ele e o açougue de peixe não havia qualquer construção. Uma postura dacâmara de Lisboa, de 1435, determina que não talhem o pesca<strong>do</strong> de cutelo noaçougue, e lancem <strong>as</strong> trip<strong>as</strong> e escam<strong>as</strong> na Ribeira, «des o caaes por dyant<strong>ea</strong>tee a terçena». Outra postura, sem data, proíbe que alguém tenha lenha oumadeira «na rribeira, <strong>do</strong> açougue ataa tereçena». 108Cerca moura e muralha fernandina. 109A muralha fernandina aqui representada está incorrecta: o traça<strong>do</strong> <strong>as</strong>ul, na zona d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>, onde se lê «Judiaria Pequena», não foilocaliza<strong>do</strong> e Vieira da Silva considera-o apen<strong>as</strong> conjectural.O recinto d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> tinha padaria, curral, armazéns com materialpara ab<strong>as</strong>tecer <strong>as</strong> galés e espaço para secagem de enxárci<strong>as</strong> e vel<strong>as</strong>; em 1329,sótão e sobra<strong>do</strong> «na Rua de Morraz a par da ponte de galonha», que partem aolevante e ao poente com c<strong>as</strong><strong>as</strong> <strong>do</strong> rei, a norte rua pública, a sul «c<strong>as</strong><strong>as</strong> minh<strong>as</strong>[<strong>do</strong> rei] da padaria d<strong>as</strong> taraçen<strong>as</strong>». 110 Na segunda metade <strong>do</strong> séc. XV, tambémum<strong>as</strong> «c<strong>as</strong><strong>as</strong> em que se fazem <strong>as</strong> bombard<strong>as</strong>»: «tenda [de ferreiros] d<strong>as</strong>nov<strong>as</strong> d<strong>as</strong> que man<strong>do</strong>u [o rei] fazer à custa d<strong>as</strong> tercen<strong>as</strong> contra o mar, a qual108 Livro d<strong>as</strong> postur<strong>as</strong> antig<strong>as</strong>, pp. 10, 75.109 Maria Teresa Campos Rodrigues, Aspectos da administração municipal de Lisboa noséculo XV, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1968, p. 21.110 Chancelaria D. Afonso IV, vol. I, p. 184.21


tenda parte de uma parte com a torre d<strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> em que fazem <strong>as</strong> bombard<strong>as</strong>,e por detrás com o curral d<strong>as</strong> dit<strong>as</strong> tercen<strong>as</strong>, e por diante com rua públicaque vai <strong>do</strong> postigo d’oura para a porta da ribeira» (1485). 111Após a conquista de Ceuta, em 1415, o rei criou <strong>as</strong> C<strong>as</strong><strong>as</strong> de Ceuta paraguardarem materiais e ab<strong>as</strong>tecimentos. Durante algum tempo estiveram na ruada Ferraria («na Ferraria honde ssoya desta r o curral <strong>do</strong>s bois»), fora d<strong>as</strong>taracen<strong>as</strong>, em c<strong>as</strong><strong>as</strong> da câmara, m<strong>as</strong> esta pediu a sua devolução em 1439: se orei tiver necessidade de alojar mantimentos e cois<strong>as</strong> para Ceuta, «vos dev<strong>ea</strong>b<strong>as</strong>tar <strong>as</strong> voss<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> que estam vazi<strong>as</strong>». 112 E terão p<strong>as</strong>sa<strong>do</strong>efectivamente para dentro. Em 1449 o rei <strong>do</strong>ou ao <strong>infante</strong> D. Henrique du<strong>as</strong>c<strong>as</strong><strong>as</strong> n<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> junto d<strong>as</strong> C<strong>as</strong><strong>as</strong> de Ceuta: «<strong>as</strong> du<strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> d<strong>as</strong> nos<strong>as</strong>tarçen<strong>as</strong> da cidade de lixboa que a em anb<strong>as</strong> du<strong>as</strong> naues que estan Juntocom <strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> de çepta (…)» . 113 Seriam também aqui <strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> <strong>do</strong>Desembargo de Ceuta, <strong>do</strong>cumentad<strong>as</strong> em 1450: c<strong>as</strong><strong>as</strong> <strong>do</strong> rei «na Rua <strong>do</strong>Saco», onde lavram os tanoeiros, que partem a ocidente e a oriente comc<strong>as</strong><strong>as</strong> <strong>do</strong> rei, «e por de tr<strong>as</strong> partem com outr<strong>as</strong> nos<strong>as</strong> c<strong>as</strong>s<strong>as</strong> que estam naRua Nova (…) e por diante partem com dita Rua pubrica <strong>as</strong> quaaes c<strong>as</strong>s<strong>as</strong>estam em fronte d<strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> <strong>do</strong> dessenbargo da nossa çidade de Cepta(…)». 114 Em 1471 o rei cedeu a Fernão Gomes, enquanto dur<strong>as</strong>se o seucontrato da Guiné, uma «nave d<strong>as</strong> c<strong>as</strong>s<strong>as</strong> d<strong>as</strong> noss<strong>as</strong> tarecen<strong>as</strong> (…) queestaa amtre <strong>as</strong> dict<strong>as</strong> tarecen<strong>as</strong> E o celleiro da nossa cidade de cepta, queora estaa descuberta (…) com comdiçom que elle a cubra de telha<strong>do</strong> ecorregimento que ouver meester (…)» . 115 As C<strong>as</strong><strong>as</strong> de Ceuta ficavam narua da Ferraria, <strong>do</strong> la<strong>do</strong> sul. Do la<strong>do</strong> norte da mesma rua, ou ao fun<strong>do</strong> dela,ficavam <strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> «onde se recolhem os mantimentos da Mina e Guiné». 116As tend<strong>as</strong> <strong>do</strong>s ferreiros faziam fumo e pó, que causava dano «às noss<strong>as</strong>C<strong>as</strong><strong>as</strong> da Guiné», pelo que D. João II determinou, em 1483, que <strong>as</strong> «dit<strong>as</strong>tend<strong>as</strong> se tir<strong>as</strong>sem d’ahi onde ora estão e se fizessem em algum outro logarahi, perto d’ess<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>, porque aquelle logar queremos que fique limpoe despeja<strong>do</strong> para não fazer nojo nenhum à dita c<strong>as</strong>a da Guiné».Para dentro d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> p<strong>as</strong>sou também o armazém que estavaperto <strong>do</strong> Terreiro <strong>do</strong> Trigo. Em 1474 o rei emprazou a Fernão Gil e Rui deSequeira du<strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> <strong>do</strong> seu armazém na cidade de Lisboa, «por quanto elle111 Muralh<strong>as</strong>, I, p. 124.112 Pedro de Azeve<strong>do</strong>, Documentos d<strong>as</strong> Chancelari<strong>as</strong> R<strong>ea</strong>is anteriores a 1531 relativos aMarrocos, tomo I, <strong>Academia</strong> d<strong>as</strong> Ciênci<strong>as</strong> de Lisboa, Coimbra, Imprensa da Universidade,1915, p. 115.113 Pedro de Azeve<strong>do</strong>, op. cit., tomo I, p. 349; D. P. I, p. 463.114 Pedro de Azeve<strong>do</strong>, op. cit., tomo I, pp. 593-594. A Rua <strong>do</strong> Saco era um beco sem saída,na Rua da Ferraria, perto da ermida da Oliveira e <strong>do</strong> Arco <strong>do</strong>s Pregos; chamou-se tambémRua <strong>do</strong> Saco da Ferraria ao Arco <strong>do</strong>s Pregos (Muralh<strong>as</strong>, I, pp. 121-123).115 D.P. III, pp. 90-91.116 Muralh<strong>as</strong>, I, p. 123.22


AS TERCENAS MEDIEVAIS E A TERÇANABAL DO INFANTE D. HENRIQUEmanda mudar o dito almazem para <strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> que man<strong>do</strong>u fazer n<strong>as</strong> su<strong>as</strong>tereçen<strong>as</strong>, <strong>as</strong> quaaes sam a log<strong>ea</strong> em que estava escprevaninha E a outralog<strong>ea</strong> escura em que estava a polvora (…)». 117 O rei D. Manuel construiudepois uns «almazens d<strong>as</strong> arm<strong>as</strong>». Em 1498 estes armazéns ficavam muitopróximo da Judiaria Nova; havia uma loja «na rua que se chamava judarianova pequena, junto com a porta da dita judaria que está a fronte da rua quevae para a calçada de S. Francisco, que partia com a armeira [armaria], ecom rua publica da dita judaria pequena». 118 Eram separa<strong>do</strong>s da rua por ummuro: «<strong>as</strong> paredes <strong>do</strong>s armazéns eram <strong>as</strong> que iam da Calcetaria para aTanoaria». 119 A Rua da Calcetaria (Morraz) prolongava-se para ocidente atéà Barroca ou actual calçada de S. Francisco. Houve du<strong>as</strong> ru<strong>as</strong> com o nomede Tanoaria, a primeira d<strong>as</strong> quais ligava a calçada de S. Francisco à Portada Oura: «na tanoaria, na rua que vae da calçada de S. Francisco para aporta d’Oura» (1456). 120 Seria este o muro que fechava <strong>do</strong> la<strong>do</strong> ocidental orecinto d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>, ao longo da Rua da Tanoaria. 121Mais difícil é localizar o muro no la<strong>do</strong> oriental. Começaria n<strong>as</strong>imediações da ermida da Oliveira, m<strong>as</strong> a sul da rua Nova, o que na plantaactual corresponde a algures no quarteirão compreendi<strong>do</strong> entre <strong>as</strong> Ru<strong>as</strong> <strong>do</strong>Ouro, Augusta, <strong>do</strong> Comércio e de S. Julião, seguin<strong>do</strong> depois para sul.Dentro d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>, <strong>as</strong> C<strong>as</strong><strong>as</strong> de Ceuta. De fora, m<strong>as</strong> muito perto, umcurral <strong>do</strong> concelho que estava <strong>do</strong> la<strong>do</strong> sul da Rua da Ferraria: c<strong>as</strong><strong>as</strong> «acercada ribeira, no beco <strong>do</strong> curral <strong>do</strong>s bois, apar d<strong>as</strong> noss<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>» (1383). 122Quan<strong>do</strong> a muralha fernandina foi construída, em 1373-1375, <strong>as</strong> muralh<strong>as</strong>da taracena que ficavam para norte dela deixaram de ser necessári<strong>as</strong>.A construção <strong>do</strong> Palácio R<strong>ea</strong>l ou Paço da Ribeira, iniciada em 1500,veio alterar a fisionomia da zona. Entretanto, na segunda metade <strong>do</strong> séc.XV a palavra «taracena» foi mudan<strong>do</strong> de significa<strong>do</strong>, p<strong>as</strong>san<strong>do</strong> primeiro adesignar um armazém onde se guardava ou fabricava artilharia, e depois to<strong>do</strong>e qualquer armazém: de arm<strong>as</strong>, madeir<strong>as</strong>, carvão, trigo, etc. As tercen<strong>as</strong> deÉvora já existiam em 1482. 123 O rei D. João II, em 1488, «para repairo <strong>ea</strong>lçamento d<strong>as</strong> dit<strong>as</strong> artilhari<strong>as</strong>, na Comarca da Beira man<strong>do</strong>u novamentefazer a tarecena da vila de Pinhel, em que <strong>as</strong> dit<strong>as</strong> cous<strong>as</strong> estavam emdepósito e ab<strong>as</strong>tança». 124 Em 1563, «<strong>as</strong> minh<strong>as</strong> ataracen<strong>as</strong> d'esta cidade de117 D. P. III, pp. 140-142.118 Muralh<strong>as</strong>, II, p. 29.119 Muralh<strong>as</strong>, II, p. 30; Freire de Oliveira, Elementos, tomo X, p. 114.120 Muralh<strong>as</strong>, II, P. 58.121 Muralh<strong>as</strong>, II, pp. 29, 73.122 Muralh<strong>as</strong>, I, pp. 118, 121 e planta I.123 TT, Chanc. D. João II, liv. 2, fl. 3, e liv. 6, fl. 35.124 Viterbo, Elucidário (…), «Tarecena», citan<strong>do</strong> Rui de Pina, Crónica d’El-Rei D. João II,cap. 30.23


Lisboa em que se recolhe o carvão (...)». 125 Em 1608, «<strong>as</strong> grandes fábric<strong>as</strong> qu<strong>ea</strong>lguns particulares têm feito para recolher este trigo, como se vê n<strong>as</strong> capazestaracen<strong>as</strong> da Pampulha e Corpo Santo, porque não sei cidade, d<strong>as</strong> que hoje há,a que não b<strong>as</strong>t<strong>as</strong>sem para seu celeiro só um<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> dest<strong>as</strong>, de que Lisboatant<strong>as</strong> tem». 1265.2 AS TARACENAS DE TAVIRA, SETÚBAL, PORTO E FAROTavira foi na época muçulmana uma b<strong>as</strong>e de corsários queempregavam navios de remo, como Ubayd Allãh, senhor da povoação à voltade 1151. 127 Continuou depois a ser uma b<strong>as</strong>e de corsários: em 1332 o reiemprazou a um deles, Afonso Garcia, c<strong>as</strong><strong>as</strong> em Tavira onde antes moraraoutro, Bartolomeu Bernaldiz. 128 Diz Rui de Pina 129 que o rei de C<strong>as</strong>tela foicercar Tavira em 1338, «e tomou a Taracena, que era fora da vila, e lheman<strong>do</strong>u pôr fogo, de que ardeu pouco (…)». Um <strong>do</strong>cumento de dataincerta, à volta de 1434, menciona <strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> <strong>do</strong> rei. 130 Em 1505 D.Manuel confirmou a Diogo Paçanha, fidalgo da C<strong>as</strong>a R<strong>ea</strong>l, a <strong>do</strong>ação que D.João II fizera em 1486 a Álvaro Paçanha, d<strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> que o almirante traziaem Tavira, feit<strong>as</strong> numa d<strong>as</strong> naves d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>; e eram 4 c<strong>as</strong><strong>as</strong> térre<strong>as</strong>. 131Em 1517, ao mesmo Diogo Paçanha, <strong>do</strong>ou uma nave d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>, com acondição de nela fazer c<strong>as</strong><strong>as</strong> e outr<strong>as</strong> benfeitori<strong>as</strong>, não poden<strong>do</strong> ficar maisalta que a outra taracena <strong>do</strong> rei. 132 E <strong>as</strong> galés lá continuavam durante o séc.XVI. O embaixa<strong>do</strong>r de França lamenta em 1561: por causa da «petit<strong>ea</strong>rmée de portugal», os turcos andam como querem nesta costa, estan<strong>do</strong> <strong>as</strong>galés retirad<strong>as</strong> em Tavira como num forte. 133Em 1397, o rei celebrou um contrato com os alcaides, marinheiros,arrais, petintais e galeotes de Setúbal e seu termo, pelo qual se obrigavam <strong>as</strong>ervir no mar em 5 ou 6 galés; «para elles estarem melhor prestes cada humdelles tera seu remo çerto em a pouzada ou na tereçena». 134 Um <strong>do</strong>cumentoda Ordem de Santiago, não data<strong>do</strong>, diz que seriam «seis gallees que na125 Muralh<strong>as</strong>, I, p. 33.126 Luís Mendes de V<strong>as</strong>concelos, Do Sítio de Lisboa, Lisboa, Livros Horizonte, 1990 (1ª ed.Lisboa, 1608), p. 128.127 Christophe Picard, L'Océan Atlantique musulman (…), pp. 357, 418.128 D. P., I, p. 50.129 Chronica de Elrey Dom Afonso o Quarto, Lisboa, Edições “Bíblion”, 1936, p. 109.130 D. P. supl. I, p. 488.131 TT, Chanc. D. Manuel I, liv. 38, fl. 16.132 TT, Chanc. D. Manuel I, liv. 10, fl. 44 v.133 J<strong>ea</strong>n Nicot, amb<strong>as</strong>sadeur de France en Portugal au XVIe siècle, sa correspondancediplomatique (…), par Edmond Falgairolle, Paris, A. Challamel, 1897, p. 70.134 DP., supl, I, pp. 312-313.24


AS TERCENAS MEDIEVAIS E A TERÇANABAL DO INFANTE D. HENRIQUEdicta vila [Setúbal] ham d’ estar». 135 Em 1455, os alcaides d<strong>as</strong> galés deLisboa e Setúbal queixaram-se porque lhes exigiam <strong>as</strong> arm<strong>as</strong> que haviamrecebi<strong>do</strong> desde a tomada de Ceuta até agora, e se haviam perdi<strong>do</strong>. Nuncaforam exigid<strong>as</strong> tais arm<strong>as</strong>; «os escu<strong>do</strong>s, lanç<strong>as</strong> e dar<strong>do</strong>s» caem ao mar;quanto às outr<strong>as</strong> arm<strong>as</strong>, os capitães d<strong>as</strong> galés entregam-n<strong>as</strong> a vári<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong>,e eles perdem-n<strong>as</strong>; quan<strong>do</strong> regressam de alguma armada, os alcaidesentregam <strong>as</strong> galés ao almoxarife da «tercena» e <strong>as</strong> arm<strong>as</strong> que ficam aoalmoxarife <strong>do</strong> «armazém», e nunca lhes exigiram <strong>as</strong> arm<strong>as</strong> perdid<strong>as</strong>. 136As taracen<strong>as</strong> <strong>do</strong> Porto localizaram-se primeiro no sítio da Ribeira edepois na margem esquerda <strong>do</strong> Douro, em Vila Nova de Gaia. Um <strong>do</strong>cumentode 1382 menciona Domingos Eanes, escrivão d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> <strong>do</strong> Porto e deGaia, e Lourenço Esteves, seu antecessor. 137 Distribuíam-se por vári<strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong>e pelo menos um armazém. Em 1449 a câmara fez uma petição ao rei:«(…) nos faça mercee de huma loja que esta a Fonte d’Ourina em queJohan Soarez tinha sall em que soya d’estar almazem da taracena e agora hedello escussada porque na taraçana nom ha coussa para guardar pois hi nomha galee nem navio e posto que o hi ouvesse na taraçana ha c<strong>as</strong>s<strong>as</strong> em quese bem pode guardar». 138 O procura<strong>do</strong>r da Fazenda R<strong>ea</strong>l Francisco Di<strong>as</strong>, quecomeçou a exercer o cargo em 1548, diz n<strong>as</strong> su<strong>as</strong> Memóri<strong>as</strong>: «Da banda deVila Nova estão um<strong>as</strong> oito c<strong>as</strong><strong>as</strong> armad<strong>as</strong> sobre arcos, muito comprid<strong>as</strong>;afirma-se que se fizeram para ali se meterem galés em tempo <strong>do</strong> Inverno ebem parece ser para esse efeito; e por que isto é muito antigo, serve uma partedel<strong>as</strong> para se matarem e fazerem <strong>as</strong> carnes de el-rei para su<strong>as</strong> armad<strong>as</strong>». 139Na costa sul <strong>do</strong> Algarve, mais perto <strong>do</strong> Norte de África, de ondevinham os corsários mouros, também Faro teve galés e taracen<strong>as</strong>. Ospesca<strong>do</strong>res pagavam a dízima <strong>do</strong> pesca<strong>do</strong>. Em 8.1.1420, 140 D. João Iexigiu-lhes mais uma dízima, a «dízima nova», em troca da isenção <strong>do</strong>serviço n<strong>as</strong> galés. Esta «dízima nova» era também chamada «o quinto»,porque tratan<strong>do</strong>-se de uma segunda dízima, os pesca<strong>do</strong>res pagavam 2/10 <strong>do</strong>pesca<strong>do</strong>, ou seja, um quinto. Os alcaides, arrais e homens <strong>do</strong> mar de Faro135 Livro <strong>do</strong>s Copos, vol. I, Militarium Ordinum Analecta. Fontes para o estu<strong>do</strong> d<strong>as</strong> OrdensReligioso-Militares, nº 7, dir. Luís Adão da Fonseca, Porto, Fundação Eng. António deAlmeida, 2006, p. 45.136 Chancelari<strong>as</strong> Portugues<strong>as</strong>. D. Duarte, vol. II, org. João José Alves Di<strong>as</strong>, Lisboa, Centrode Estu<strong>do</strong>s Históricos, Universidade Nova de Lisboa, 1999, pp. 122-123.137 D. P. supl. I, p. 418.138 Amândio Morais Barros, Porto: a construção de um espaço marítimo (…), vol. I, p. 258,citan<strong>do</strong> J. A. Pinto Ferreira, “Ver<strong>ea</strong>ções”: anos de 1401-1449 (…) , Porto, CâmaraMunicipal, 1980, p. 417.139 António Cruz, O Porto n<strong>as</strong> Navegações e na Expansão, 2ª ed., Lisboa, Instituto de Cultura eLíngua Portuguesa, 1983, p. 31; Francisco Di<strong>as</strong>, Memóri<strong>as</strong> quinhentist<strong>as</strong> dum procura<strong>do</strong>rdel-rei no Porto, ed. Artur de Magalhães B<strong>as</strong>to, Porto, Câmara Municipal, 1937, p. 127.140 D. P., supl. I, p. 96.25


não a queriam pagar, como se lê numa carta régia de 24.2.1421: «(…)sabede que os nossos alcaides e arraezes e homens <strong>do</strong> mar dessa villa nosenujarom dizer que nouamente fora hordena<strong>do</strong> e manda<strong>do</strong> per nos que nospag<strong>as</strong>en o qujnto <strong>do</strong> pesca<strong>do</strong> / a elles era odioso e lhes era fecto muj grand<strong>ea</strong>grauo (…)». 141 Estes «alcaides e arraezes» eram pesca<strong>do</strong>res que exerciamtambém <strong>as</strong> funções de alcaide e arrais n<strong>as</strong> galés. 142 Outr<strong>as</strong> cart<strong>as</strong> régi<strong>as</strong> de 8e 10.3.1420 concedem aos alcaides, arrais e homens <strong>do</strong> mar de Faro e deTavira isenção de almotaçaria para os seus pesca<strong>do</strong>s, autorizan<strong>do</strong>-os avenderem livremente sem embargo de quaisquer postur<strong>as</strong> e ordenações emcontrário. Em 1501, já algum<strong>as</strong> ou tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> de Faro estavamderrubad<strong>as</strong>: no dia 26 de Janeiro desse ano o rei <strong>do</strong>ou a João Di<strong>as</strong>, mora<strong>do</strong>rem Faro, e a sua mãe, uma d<strong>as</strong> naves d<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong> derrubad<strong>as</strong> dessa vila,para a construção de um hospital que aí queriam fazer. 143Em Lagos devia haver galés e taracen<strong>as</strong> m<strong>as</strong> a <strong>do</strong>cumentaçãodisponível não é explícita. Em 1434 vivia na vila o veneziano LourençoDonato, carpinteiro de galés. 144 N<strong>as</strong> Cortes de 1490 os procura<strong>do</strong>res deLagos queixaram-se <strong>do</strong> almoxarife, que aforava a ribeira para fazeremc<strong>as</strong><strong>as</strong>, de mo<strong>do</strong> que não tinham onde pôr o vinho nem salgar sardinha.Responde o rei: «(…) se for necesarjo de ffazer na dicta villa algua taraçenaque se tomara pera ela o lugar que pera yso lhe parecer necesarjo (…)». 145Esta taracena seria um armazém para guardar vinho e salgar sardinha.Em algum<strong>as</strong> praç<strong>as</strong> <strong>do</strong> Norte de África também haveria taracen<strong>as</strong>. Avista de Tânger no Civitatis Orbis Terrarum, 146 da segunda metade <strong>do</strong> séc.XVI, mostra um edifício semelhante aos d<strong>as</strong> outr<strong>as</strong> taracen<strong>as</strong>, com um<strong>as</strong>ucessão de naves alongad<strong>as</strong> e abert<strong>as</strong> para o mar.141 D. P., supl. I, pp. 468-469.142 Sobre <strong>as</strong> tripulações d<strong>as</strong> galés, Fernan<strong>do</strong> Gomes Pedrosa (coord.), Navios, marinheiros <strong>ea</strong>rte de navegar (1139-1499), pp. 9-10, 187-189, 200 e ss.143 TT, Chanc. D. Manuel I, liv. 17, fl. 19 v.144 D. P. I, pp. 285-286.145 D. P. III, p. 363.146 G. Braun, Civitates orbis Terrarvm, Colónia, 1572-1618 (http://purl.pt/12394/4/res-504-a/res-504-a_item4/P193.html).26


AS TERCENAS MEDIEVAIS E A TERÇANABAL DO INFANTE D. HENRIQUE6. A TERÇANABAL DO INFANTE D. HENRIQUEO <strong>infante</strong> D. Henrique, em m<strong>ea</strong><strong>do</strong>s <strong>do</strong> séc. XV, edificou em Sagres ounos arre<strong>do</strong>res uma vila a que chamou Terçanabal e Vila <strong>do</strong> Infante. A sualocalização, e a etimologia e significa<strong>do</strong> de Terçanabal, suscitaram umaenorme polémica que envolveu, entre outros, João Baptista da Silva Lopes,Brito Rebelo, Francisco Fernandes Lopes, Fontoura da Costa, Duarte Leite,Alberto Iria e Vitorino Magalhães Godinho. Vamos focar apen<strong>as</strong> aetimologia e o significa<strong>do</strong> de Terçanabal.Numa carta de 27.10.1443, o <strong>infante</strong> D. Pedro, em nome de D. AfonsoV, <strong>do</strong>ou ao <strong>infante</strong> D. Henrique o «cabo de tr<strong>as</strong>falmenar» e uma légua aore<strong>do</strong>r, para fazer uma povoação ou povoações cercad<strong>as</strong>, como queria. 147Tr<strong>as</strong>falmenar deriva <strong>do</strong> árabe Tarf-al-manar, significan<strong>do</strong> o cabo da torre devigia. 148 Será o Cabo de Sagres. Em 1451 já existia a povoação, porque em 10de Abril desse ano o rei, a pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>infante</strong> D. Henrique, mu<strong>do</strong>u o degre<strong>do</strong>de João Freire, pesca<strong>do</strong>r, de C<strong>as</strong>tro Marim para «a sua Villa de147 D. P. I, p. 436.148 Vitorino Magalhães Godinho, in Duarte Leite, História <strong>do</strong>s Descobrimentos. Colectân<strong>ea</strong>de esparsos, org. V. Magalhães Godinho, 2 vols., Lisboa, Edições Cosmos, 1958, 1962, vol.II, p. 445.27


Terçanaball». 149 E a sua «Villa de Tercaanavall» é mencionada noutra cartade 20.2.1459. 150M<strong>as</strong> é numa carta de 19.9.1460 que o <strong>infante</strong> é mais explícito epormenoriza<strong>do</strong>: «(…) esguardan<strong>do</strong> como ao cabo de sagres vinham e veemmujt<strong>as</strong> carrac<strong>as</strong> naaos guallees e outros naujos pousar por nõ acharemtempo de ujagem onde aqueeçía estarem per mujtos dí<strong>as</strong> sem acharem nemhuua consolaçom de mantimentos e <strong>do</strong>utr<strong>as</strong> cous<strong>as</strong> neçessari<strong>as</strong> nem hissomesmo daguua qu<strong>as</strong>sy nada (…) mandey Edeficar huua villa no outro caboque ante <strong>do</strong> dicto cabo de sagres esta aos que veem <strong>do</strong> ponente pera levanteque sse chamaua terça naball aa quall pus nome villa <strong>do</strong> Jfante EnReuerença de mjnha Senhora Sancta maria mandey em ella fazer huua suacapella E fora da dicta villa açima <strong>do</strong> porto onde desenbarcom os que d<strong>as</strong>dict<strong>as</strong> carrac<strong>as</strong> naaos guallees e naujos ssaaem mandey fazer huua Jgreia aaonrra da Senhora sancta Catarina (…)». 151O que o <strong>infante</strong> está a dizer é o seguinte:1) Ao Cabo de Sagres vinham e vêm pousar muitos navios, por lhes faltartempo de feição, e permanecem durante muitos di<strong>as</strong>, sem se poderemab<strong>as</strong>tecer de água e mantimentos. Nessa época os navios de vela e altobor<strong>do</strong> eram lentos, difíceis de manobrar e muito dependentes <strong>do</strong>sventos favoráveis. Ainda na primeira metade <strong>do</strong> séc. XVI se diz quepara <strong>do</strong>brar o Cabo de S. Vicente é preciso às vezes esperar 4 ou 5meses. Ao impera<strong>do</strong>r Carlos V, rei de Espanha desde 1516, foiapresenta<strong>do</strong> um memorial, que não tem data m<strong>as</strong> deve ser de 1524,sobre <strong>as</strong> vantagens que resultariam de estabelecer na Corunha a C<strong>as</strong>ade la Contratación que estava em Sevilha. Uma d<strong>as</strong> vantagens é que osnavios <strong>do</strong> Norte da Europa «no p<strong>as</strong>arían el cabo de Sant Vicente,<strong>do</strong>nde allende de ser muy peligroso, y se suelen perder much<strong>as</strong> naos,hay tiempo que se están cuatro y cinco meses que no pueden <strong>do</strong>blar elcabo». 152149 Pedro de Azeve<strong>do</strong>, Documentos d<strong>as</strong> Chancelari<strong>as</strong> R<strong>ea</strong>is anteriores a 1531 relativos aMarrocos, tomo II, <strong>Academia</strong> d<strong>as</strong> Ciênci<strong>as</strong> de Lisboa, Coimbra, Imprensa da Universidade,1934, p. 65; DP, supl. I, p. 543.150 Alberto Iria, O Infante D. Henrique no Algarve (estu<strong>do</strong>s inéditos) , Lagos, Centro deEstu<strong>do</strong>s Gil Eanes, 1995, introdução e organização de José Manuel Garcia, 1995, p. 44.151 DP, I, p. 586.152 Biblioteca de autores españoles, tomo LXXV, Obr<strong>as</strong> de Martin Fernández de Navarrete,Colección de los viajes y descubrimientos que hicieron por mar los españoles desde finesdel siglo XV, vol. III, Madrid, 1955, p. 95.28


AS TERCENAS MEDIEVAIS E A TERÇANABAL DO INFANTE D. HENRIQUE2) Por isso man<strong>do</strong>u edificar uma vila, que se chamava Terçanaball, à qualpôs nome Vila <strong>do</strong> Infante. A palavra Terçanaball está <strong>do</strong>cumentada pelaprimeira vez em 1451, e pela última em 1460, ano da morte <strong>do</strong> <strong>infante</strong>.3) Man<strong>do</strong>u fazer uma capela de Santa Maria na vila e uma igreja de SantaCatarina num alto, «fora da dita vila, acima <strong>do</strong> porto», ondedesembarcam os que vêm nos ditos navios. Santa Catarina <strong>do</strong> MonteSinai (ou de Alexandria) ocupava, no imaginário <strong>do</strong>s marítimos, afunção de proteger o acesso aos portos. Numa carta de 8.10.1395, o reiD. João I <strong>do</strong>ou aos marinheiros <strong>do</strong> Porto um pardieiro num morro, emLordelo, junto à foz <strong>do</strong> rio Douro, para construírem uma igreja deSanta Catarina, como era acostuma<strong>do</strong> haver na «mayor parte <strong>do</strong>sboons portos <strong>do</strong> mar». 153Acrescenta Zurara 154 que o <strong>infante</strong> queria ali fazer uma vila especialpara trato de merca<strong>do</strong>res, e «porque to<strong>do</strong>llos navyos, que atravess<strong>as</strong>sem <strong>do</strong>levante para o poente, podessem ally fazer devisa, e achar mantiimentos epillotos, <strong>as</strong>sy como fazem em Callez [Cádis], cujo porto he muy af<strong>as</strong>ta<strong>do</strong>da bondade daquelle, onde os navyos teem abrigo pera to<strong>do</strong>llos ventos,soomente de huum a que nos em este regno chamamos travessya, e per estaguisa com to<strong>do</strong>s sayr, a qualquer tempo que o mar<strong>ea</strong>nte quiser (…)».Quanto à palavra Terçanabal, Francisco Manuel de Melo, 155 em1660, afirma que significa Tercena Naval: «darsena e arsenal, chamam osvenezianos ao seu famoso armazém de galés, onde se fabricam e seguardam, a que nós chamamos tercena, taraçana, e atarazana os espanhóis»;o <strong>infante</strong> deu à vila o nome de «Terça Nabal, qu<strong>as</strong>e Naval Tercena». Estesignifica<strong>do</strong> foi depois segui<strong>do</strong> por outros autores. Em data mais recentesurgiu a ideia de derivar Terçanabal de Carphanabál, nome de um <strong>do</strong>sc<strong>as</strong>telos aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s pelos mouros aos portugueses em 1189, segun<strong>do</strong> umtexto latino que João Baptista da Silva Lopes traduziu. 156 Duarte Leite 157 nãoaceita est<strong>as</strong> hipóteses e avança uma terceira: Terça Nabal seria a terça <strong>do</strong>nabão, nabám ou nabulum, imposto que incidia sobre a pesca. Para VitorinoMagalhães Godinho, 158 «<strong>as</strong> etimologi<strong>as</strong> ligad<strong>as</strong> a taracena foram justament<strong>ea</strong>ban<strong>do</strong>nad<strong>as</strong>. Restam talvez du<strong>as</strong> hipóteses:153 Chancelari<strong>as</strong> Portugues<strong>as</strong>. D. João I, vol. II, tomo 2, org. João José Alves Di<strong>as</strong>, Lisboa,Centro de Estu<strong>do</strong>s Históricos, Universidade Nova de Lisboa, 2005, p. 154.154 Crónica <strong>do</strong> descobrimento e conquista de Guiné (…), Paris, 1841, Cap. V, p. 34.155 Epanaphor<strong>as</strong> de varia historia portuguesa (...), p. 314.156 Relação da derrota naval, façanh<strong>as</strong> e sucessos d<strong>as</strong> cruzad<strong>as</strong> (…), Lisboa, <strong>Academia</strong> R<strong>ea</strong>ld<strong>as</strong> Ciênci<strong>as</strong>, 1844.157 História <strong>do</strong>s Descobrimentos. Colectân<strong>ea</strong> de esparsos, vol. I, pp. 192, 195.158 op. cit., vol. II, p. 446.29


a) Um arábico tar-es-annabl, em que o tar (outra pronúncia de dar)significa c<strong>as</strong>a, abrigo, logo possivelmente porto: tratar-se-ia <strong>do</strong>«abrigo (ou porto) da flecha».b) A sugestão de Duarte Leite, dan<strong>do</strong> à expessão o senti<strong>do</strong> fiscal qu<strong>ea</strong>utoriza o nábulum <strong>do</strong> latim medieval, ou nabám, tributo de um peixepor navio que viesse pescar (…)».A derivação Terçanabal/Carphanabál é uma «fant<strong>as</strong>ia linguística», dizVitorino Nemésio. 159 E o arábico tar-es-annabl não parece fant<strong>as</strong>ia menor.O navão, também chama<strong>do</strong> O navão, nabão, nabo ou nabulum, nunca foiaplica<strong>do</strong> no Algarve. Q<strong>do</strong> latim hipotético navulum-naulum, apresentan<strong>do</strong>algum<strong>as</strong> variantes, iaentregaporu<strong>as</strong>e só v que vinha descarregarigorou na M<strong>as</strong>ficou confina<strong>do</strong> à região norte, entre os rios Minho e Douro; aNorte <strong>do</strong> país,em especial desde o rio Minho até ao Douroo sSulul <strong>do</strong> Douro só <strong>do</strong> Douro sóestá <strong>do</strong>cumenta<strong>do</strong> uma vez, nauma lagoa dem Esmoriz e Cortegaça ( : em1288, <strong>as</strong>Iinquirições de 1288). 160Em resumo, rejeitan<strong>do</strong>-se <strong>as</strong> etimologi<strong>as</strong> ligad<strong>as</strong> a taracena, <strong>as</strong> outr<strong>as</strong>hipóteses não têm qualquer fundamento.E o <strong>infante</strong> precisava mesmo de uma taracena (tercena) na sua vila deTerçanabal. Queria que fosse «uma vila especial para trato de merca<strong>do</strong>res, eporque to<strong>do</strong>los navios, que atravessavam <strong>do</strong> levante para o poente, pudessemali fazer devisa e achar mantimentos e pilotos, <strong>as</strong>sim como fazem em Cádis».Tinha uma igreja de Santa Catarina, como era acostuma<strong>do</strong> haver na «mayorparte <strong>do</strong>s boons portos <strong>do</strong> mar». Por causa <strong>do</strong>s ventos norte e noroeste,<strong>do</strong>minantes na costa portuguesa, os navios que iam de n<strong>as</strong>cente (levante) parapoente podiam aí ficar reti<strong>do</strong>s muito tempo. Para os proteger durante aestadia, tornava-se indispensável dispor de navios de guerra, que nessa épocaeram <strong>as</strong> galés. E <strong>as</strong> galés, por sua vez, precisavam de uma taracena.A palavra taracena grafou-se de vári<strong>as</strong> maneir<strong>as</strong>. Em Portugal, d<strong>ea</strong>cor<strong>do</strong> com <strong>do</strong>cumentos já atrás cita<strong>do</strong>s, taracena, taraçena, tarecena,taraçana, tercena, terçena, tarcena, ataracena, tarezena, terecena, tereçena;também atarecena, tersena 161 e terssena. 162 Em Espanha, atarazana, daressane,dr<strong>as</strong>sana, dr<strong>as</strong>sane, daressenal, dr<strong>as</strong>sanale, daraçana, taraçana, tarazana,ataraçana, tercena, tersana, aradzana, marciana. Auguste Jal 163 acrescentatarzana, tarazanal, tarcenale. Na segunda metade <strong>do</strong> séc. XVI, também159 Vida e obra <strong>do</strong> Infante D. Henrique, Porto, Vertente, 1984, p. 167 (1ª ed., 1959).160 Aires de Amorim, e a sua história, Esmoriz, edição da Comissão de Melhoramentos,1986, pp. 26, 253.161 E. Freire de Oliveira, op. cit., tomo XII, p. 4.162 Lívio Costa Guedes, A «Descripção» de Alexandre M<strong>as</strong>saii (1621), II Trata<strong>do</strong>, p. 21.163 Glossaire Nautique (…), Paris, 1848, p. 1429.30


AS TERCENAS MEDIEVAIS E A TERÇANABAL DO INFANTE D. HENRIQUEtarçanales e ataraçanal, em <strong>do</strong>cumentos espanhóis, e terzanale, numitaliano. À volta de 1561, D. Pedro Velazquez usa a palavra tarçanalespara designar o local onde se construíam galés. 164 Num <strong>do</strong>cumento italianoda mesma época, terzanale. 165 De 1572 é uma «Relacion di la artilleria ymosquetes que se halla en el ataraçanal de Mecina (…)». 166Da mesma palavra árabe derivaram taracena e arsenal, que segrafaram de divers<strong>as</strong> form<strong>as</strong>, como terçena, daressenal, tarçanales,ataraçanal e terzanale. Parece evidente que terçanabal ou terçanaval é outradess<strong>as</strong> form<strong>as</strong>. Acontecia o mesmo com muit<strong>as</strong> outr<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>, na eramedieval, no séc. XVI e mais tarde ainda. Afirma Manuel BenaventeRodrigues, 167 referin<strong>do</strong>-se aos inventários d<strong>as</strong> C<strong>as</strong><strong>as</strong> de Távora, Atouguia eAveiro em m<strong>ea</strong><strong>do</strong>s <strong>do</strong> séc. XVIII: «cada escrivão nos respectivos autos decada um <strong>do</strong>s inventários, utiliza uma ortografia pessoal, pelo que, <strong>as</strong> mesm<strong>as</strong>palavr<strong>as</strong>, no mesmo mês e ano e na mesma cidade, aparecem escrit<strong>as</strong> demaneir<strong>as</strong> diferentes. Aliás até o mesmo escrivão por vezes escreve a mesmapalavra de mo<strong>do</strong> diverso».164 Valentina Favarò, «La escuadra de galer<strong>as</strong> del Regno di Sicilia: costruzione, armamento,amministrazione (XVI secolo)», in Rossella Cancila (a cura di), Mediterraneo in armi (secc.XV-XVIII), tomo I, Associazione no profit Mediterran<strong>ea</strong>, Palermo, 2007, p. 291; cita AGS,Esta<strong>do</strong>, Armad<strong>as</strong> y galer<strong>as</strong>, leg. 445, n.f.165 Valentina Favarò, op. cit, p. 292; cita Giulio Fenicia, Il Regno di Napoli e la difesa delMediterraneo nell’età di Filippo II (1556-1598). Organizazzione e finanziamento, Cacucci,Bari, 2003, p. 132.166 Valentina Favarò, La modernizzazione militare nella Sicilia di Filippo II, Quaderni -Mediterran<strong>ea</strong>. Ricerche storiche, Palermo, Associazione no profit Mediterran<strong>ea</strong>, 2009, p. 61;cita AGS, Esta<strong>do</strong>, Armad<strong>as</strong> y galer<strong>as</strong>, leg. 449, n.f.167 «Grandes de Portugal no século XVIII. Inventários d<strong>as</strong> C<strong>as</strong><strong>as</strong> de Távora, Atouguia e Aveiro(1758-1759)», Pecunia: revista de la Facultad de Cienci<strong>as</strong> Económic<strong>as</strong> y Empresariales,Universidad de Léon, nº 11, júlio-diciembre 2010, p. 38.31

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!