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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁLETÍCIA DE OLIVEIRA BORBAVIVÊNCIA FAMILIAR DE TRATAMENTO DA PESSOA COM TRANSTORNOMENTAL EM FACE DA REFORMA PSIQUIÁTRICACURITIBA2010


FICHA CATALOGRÁFICABorba, Letícia <strong>de</strong> OliveiraVivência <strong>familiar</strong> <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mentalem face <strong>da</strong> reforma psiquiátrica / Letícia <strong>de</strong> Oliveira Borba. Curitiba, 2010.183f.: il. 30 cm.Inclui referências bibliográficas.Orientadora: Mariluci Alves MaftumDissertação (Mestrado em Enfermagem) – Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Enfermagem. Área <strong>de</strong> concentração em PráticaProfissional <strong>de</strong> Enfermagem. Setor <strong>de</strong> Ciências <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. Universi<strong>da</strong><strong>de</strong>Fe<strong>de</strong>ral do Paraná.1. Saú<strong>de</strong> Mental. 2. Assistência em Saú<strong>de</strong> Mental. 3. Família.4. Transtornos Mentais. I. Título. II. Maftum, Mariluci Ales.


DEDICATÓRIADICATÓRIAA Sérgio e IvoneMinha fortaleza, meus exemplos <strong>de</strong>honesti<strong>da</strong><strong>de</strong>, amor, paciência,<strong>de</strong>terminação...Àqueles que amo incondicionalmente,MEU PAI E MINHA MÃE.


6AGRADECIMENTOSDeus, por prover tudo o que foi necessário para a realização <strong>de</strong>sse estudo, porcui<strong>da</strong>r <strong>de</strong> minha saú<strong>de</strong> e <strong>da</strong> minha família, por me guiar e proteger, por ter colocadoem meu caminho <strong>pessoa</strong>s especiais.“Se<strong>de</strong> alegres na esperança, pacientesna tribulação e perseverantes naoração” Romanos, 12:12Sérgio e Ivone, por ser meu exemplo, por sempre acreditarem na minhacapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>, pelo incentivo, segurança e conforto nas horas <strong>de</strong> incerteza. Por<strong>com</strong>preen<strong>de</strong>rem e aceitarem minhas escolhas e consequente ausência. Não houve umdia sequer que não sentisse a falta <strong>de</strong> vocês, mas mesmo distantes fisicamente sempreestiveram bem perto <strong>de</strong> mim, <strong>de</strong>ntro do meu coração. Amo vocês!Adriano, pelo <strong>com</strong>panheirismo, amor, respeito, incentivo. Por fazer parte <strong>da</strong>minha vi<strong>da</strong>, tornar meus dias mais alegres e felizes. Você é um presente na minha vi<strong>da</strong>.Te amo!Dra. Mariluci Alves Maftum, pela orientação <strong>com</strong>petente <strong>de</strong>sse estudo eincentivo. Por respeitar minhas limitações. A minha gratidão e admiração.Dra. Maria Angélica Waidman e Dra. Verônica <strong>de</strong> Azevedo Mazza, pelasvaliosas contribuições na lapi<strong>da</strong>ção final <strong>de</strong>sse estudo.Aos colaboradores <strong>de</strong>sse estudo, meu carinho e respeito. O<strong>br</strong>iga<strong>da</strong> por<strong>com</strong>partilharem <strong>com</strong>igo suas histórias <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> na saú<strong>de</strong> mental. Sem adisponibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> vocês, não seria possível a concretização <strong>de</strong>sse estudo.Marcio Roberto Paes, Luciane Favero, Tatiana Braga <strong>de</strong> Camargo, pelaamiza<strong>de</strong> sincera e <strong>de</strong>spretensiosa. O<strong>br</strong>iga<strong>da</strong> pelo incentivo nos momentos difíceis<strong>de</strong>ssa caminha<strong>da</strong>.


Aos colegas <strong>de</strong> mestrado, por terem me acolhido, cui<strong>da</strong>do <strong>de</strong> mim e meaju<strong>da</strong>do a enfrentar as inseguranças e dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s que to<strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça acarreta.Andréa, Isabelle, Marina, Káryta, <strong>pessoa</strong>s especiais que tornaram essatrajetória mais leve e diverti<strong>da</strong>. O<strong>br</strong>iga<strong>da</strong> pela amiza<strong>de</strong> e carinho. Adoro vocês!!Juliana Cassol Spanemberg, Marisa Vanini, Lílian Moura <strong>de</strong> Lima, Aman<strong>da</strong>Fehn, amigas que consi<strong>de</strong>ro <strong>com</strong>o irmãs. Simplesmente o<strong>br</strong>iga<strong>da</strong> por estarempresentes na minha vi<strong>da</strong>, mesmo distantes, sempre me incentivando e torcendo pelomeu sucesso.Juliane Cardoso Villela, pela amiza<strong>de</strong>, preocupação e acolhimento, quandosem sequer me conhecer direito se dispunha a me aju<strong>da</strong>r nos primeiros passos emCuritiba.aprendizado.Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Enfermagem <strong>da</strong> UFPR, pela oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>Ao Núcleo <strong>de</strong> Estudo, Pesquisa e Extensão em Cui<strong>da</strong>do Humano <strong>de</strong>Enfermagem (NEPECHE), na <strong>pessoa</strong> <strong>da</strong> Profª. Drª. Maria Ribeiro Lacer<strong>da</strong> e aos <strong>de</strong>maisintegrantes, pelas contribuições e orientações científicas recebi<strong>da</strong>s para a realização<strong>de</strong>ste estudo.Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Aperfeiçoamento <strong>de</strong> Pessoal <strong>de</strong> Nível Superior (CAPES), peloincentivo financeiro.A todos, que embora não citados, contribuíram <strong>de</strong> alguma maneira para arealização <strong>de</strong>sse estudo.


RESUMOBORBA, L. O. Vivência <strong>familiar</strong> <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mentalem face <strong>da</strong> reforma psiquiátrica. 183fls. (Dissertação) Mestrado em Enfermagem.Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Enfermagem. Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Paraná,2009.Trata-se <strong>de</strong> uma pesquisa qualitativa <strong>com</strong> o método <strong>da</strong> história oral temática,<strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> no período <strong>de</strong> 2008 a 2009, <strong>com</strong> famílias que tinham um integrante<strong>com</strong> transtorno mental que resi<strong>de</strong>m na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba e região metropolitana.Teve <strong>com</strong>o questão norteadora: <strong>com</strong>o a família vivencia o <strong>tratamento</strong> <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong><strong>com</strong> transtorno mental em face <strong>da</strong> reforma psiquiátrica? Para respon<strong>de</strong>r a essain<strong>da</strong>gação foi elaborado o objetivo: conhecer <strong>com</strong>o a família vivencia o <strong>tratamento</strong><strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental em face <strong>da</strong> reforma psiquiátrica. Participaram<strong>de</strong>sta pesquisa três famílias, no total <strong>de</strong> oito colaborares. Os <strong>da</strong>dos foram obtidospor meio <strong>de</strong> entrevista semiestrutura<strong>da</strong>, analisados <strong>de</strong> acordo <strong>com</strong> a proposta <strong>de</strong>Interpretação Qualitativa <strong>de</strong> Dados <strong>de</strong> Minayo, organizados nas categoriastemáticas: 1. Atitu<strong>de</strong>s e sentimentos <strong>da</strong> família em face do adoecimento do seuintegrante, 2. Assistência em saú<strong>de</strong> mental: do mo<strong>de</strong>lo hospitalocêntrico aopsicossocial, forma<strong>da</strong> por três sub-categorias: 2.1 O (<strong>de</strong>s)cui<strong>da</strong>do à <strong>pessoa</strong>interna<strong>da</strong> em hospital psiquiátrico, 2.2 As sucessivas internações em hospitaispsiquiátricos, e, 2.3 Assistência na área <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> mental sustenta<strong>da</strong> no mo<strong>de</strong>lopsicossocial: avanços, fragili<strong>da</strong><strong>de</strong>s e <strong>de</strong>safios. 3. A convivência <strong>familiar</strong> em face dotranstorno mental. Os colaboradores referiram que em um primeiro momento tentamtratar do <strong>familiar</strong> <strong>com</strong> transtorno mental em seu domicílio, entretanto, frente aagudização dos sintomas, é preciso recorrer ao internamento em instituiçãopsiquiátrica, situação por eles vivencia<strong>da</strong> <strong>com</strong> intensa angústia e sofrimento.Relataram as terapêuticas utiliza<strong>da</strong>s pela instituição mani<strong>com</strong>ial <strong>com</strong>o: camisa <strong>de</strong>força, eletroconvulsoterapia, contenção física no leito, enfaixamento, e que osobjetivos <strong>de</strong>sse aparato institucional era segregar e mo<strong>de</strong>lar <strong>com</strong>portamentos. Emrelação às mu<strong>da</strong>nças na assistência consi<strong>de</strong>ram os serviços extra-hospitalares <strong>com</strong>oo CAPS/NAPS e ambulatório <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental <strong>com</strong>o estratégias inovadoras epossíveis. Atribuíram a estes dispositivos a melhora na relação <strong>familiar</strong>, a aceitação<strong>da</strong> doença e o entendimento <strong>de</strong> <strong>com</strong>o li<strong>da</strong>r <strong>com</strong> as situações conflitantes que aconvivência <strong>com</strong> essa reali<strong>da</strong><strong>de</strong> suscita. A convivência <strong>familiar</strong> é permea<strong>da</strong> portensões e conflitos, motiva<strong>da</strong>s pelo não entendimento <strong>da</strong> doença, e pelaestigmatização que o portador <strong>de</strong> transtorno mental sofre no próprio núcleo <strong>familiar</strong>.Mencionaram que existe so<strong>br</strong>ecarga emocional e financeira dos cui<strong>da</strong>dores ediscorreram so<strong>br</strong>e as estratégias encontra<strong>da</strong>s para buscar uma melhor convivência.Os resultados <strong>de</strong>monstram que está em curso no país uma mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> paradigmana forma <strong>de</strong> assistir a <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental, que vai do mo<strong>de</strong>lohospitalocêntrico centrado na exclusão social e no po<strong>de</strong>r médico, ao mo<strong>de</strong>lopsicossocial, que objetiva o <strong>tratamento</strong> em serviços extra-hospitalares, a reinserçãosocial e o repensar do modo <strong>de</strong> fazer nessa área do conhecimento. Apesar dosavanços, ain<strong>da</strong> são muitos os <strong>de</strong>safios postos para a consoli<strong>da</strong>ção do mo<strong>de</strong>lopsicossocial <strong>com</strong>o a articulação entre atenção básica e saú<strong>de</strong> mental, a


capacitação dos profissionais <strong>da</strong> área <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> para acolher e aten<strong>de</strong>r as <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s<strong>de</strong> cui<strong>da</strong>dos <strong>de</strong>ssa clientela e o aumento <strong>da</strong> amplitu<strong>de</strong> do atendimento nos serviços<strong>de</strong> base <strong>com</strong>unitária.Palavras-chave: Saú<strong>de</strong> Mental. Assistência em Saú<strong>de</strong> Mental. Família. TranstornosMentais.


ABSTRACTBORBA, L. O. Family experience on treatment of the mental patient facing thepsychiatric reform. 183p. (Dissertation) Nursing Master’s Degree. NursingPostgraduation Program. Fe<strong>de</strong>ral University of Paraná, 2009.It’s a qualitative research study with a thematic oral history approach carried out withfamilies who had a member with mental disor<strong>de</strong>r living in the city of Curitiba/Braziland in its metropolitan area from 2008 to 2009. The guiding question was: how dofamilies experience the treatment of a mental patient facing the psychiatric reform?To answer this question, the objective was elaborated: to apprehend how familiesexperience the treatment of mental patients facing the psychiatric reform. Threefamilies participated in this study with a total of 8 collaborators. Data were collectedby means of a semi-structured interview analyzed according to Minayo’s QualitativeData Interpretation, organized by thematic categories: 1. Family’s attitu<strong>de</strong>s andfeelings facing their member’s illness, 2. Mental Health care: from the hospitalcenteredmo<strong>de</strong>l to the psychosocial one, en<strong>com</strong>passing three sub-categories: 2.1The (un) care to a person admitted to a psychiatric hospital, 2.2 The repeate<strong>da</strong>dmissions to psychiatric hospitals, and 2.3 Mental health care supported by thepsychosocial mo<strong>de</strong>l: advances, drawbacks and challenges. 3. Family living in face ofmental disor<strong>de</strong>r: the collaborators reported that: firstly they try to treat the familymember with mental disor<strong>de</strong>r at home; however, as symptoms get more acute, theysearch for admission at a psychiatric institution, situation they experience withintense anguish and suffering. They reported the therapeutics used by the mentalinstitution such as: straightjacket, electroconvulsive therapy, physical restraint in bed,ban<strong>da</strong>ging, whose objectives of this institutional apparatus were to segregate andshape behaviors. In relation to changes in care, they consi<strong>de</strong>r outpatient servicessuch as CAPS/NAPS and mental health outpatient clinics as innovative and feasiblestrategies. They attributed to these <strong>de</strong>vices the improvement in family relations, theacceptance of the disease and the un<strong>de</strong>rstanding on how to cope with the conflictingsituations <strong>br</strong>ought about by experiencing this reality. Family living is permeated bytensions and conflicts motivated by non-un<strong>de</strong>rstanding the disease and by thestigmatization of the patient in his/her own family. They mentioned the existence ofcaregivers’ emotional and financial overbur<strong>de</strong>n and reported the strategies found tosearch for better living. Results evi<strong>de</strong>nce that a paradigm change is taking place inthe country on the way to assist the person with a mental disor<strong>de</strong>r which goes fromthe hospital-centered mo<strong>de</strong>l focused on social exclusion and on the medical power tothe psychosocial mo<strong>de</strong>l which objectifies the treatment in outpatient care services,social reinsertion and rethinking the knowledge in this area. In spite of the advances,there are still many challenges to consoli<strong>da</strong>te the psychosocial mo<strong>de</strong>l as thearticulation between primary care and mental health, qualification of healthprofessionals to wel<strong>com</strong>e and meet the care <strong>de</strong>mands of these clients as well as to<strong>br</strong>oa<strong>de</strong>n the care scope in <strong>com</strong>munity-based services.Keywords: Mental Health. Mental Health Assistance. Family. Mental Disor<strong>de</strong>rs.


LISTA DE ILUSTRAÇÕESQUADRO 1 – CARACTERIZAÇÃO DOS COLABORADORES DE ACORDOCOM A IDADE, DIAGNÓSTICO ATUAL, IDADE DA 1ª CRISE E ANO,OCUPAÇÃO, ESTADO CIVIL E CÓDIGO DE IDENTIFICAÇÃO........................ 43QUADRO 2 – IDENTIFICAÇÃO DAS ENTREVISTAS REALIZADAS COM OSCOLABORADORES DO ESTUDO...................................................................... 49QUADRO 3 – TOM VITAL DAS ENTREVISTAS................................................. 50FIGURA 1 - ILUSTRAÇÃO DE UMA SALA DE ETROCONVULSOTERAPIA...... 69FIGURA 2 - ILUSTRAÇÃO DE UMA CAMISA DE FORÇA................................. 70FIGURA 3 - ILUSTRAÇÃO DA REDE DE SERVIÇOS E DE APOIO NA ÁREADA SAÚDE MENTAL........................................................................................... 90QUADRO 4 – COMPARATIVO ENTRE O MODELO CLÁSSICOPSIQUIÁTRICO E A ATENÇÃO PSICOSSOCIAL .............................................. 92FIGURA 4 - FLUXO DE ATENDIMENTO EM SAÚDE MENTAL DOMUNICÍPIO DE CURITIBA/PR............................................................................. 107


13SUMÁRIO1 INTRODUÇÃO..................................................................................... 152 REVISÃO DE LITERATURA................................................................ 212.1 A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA REFORMA PSIQUIÁTRICA ....... 212.2 A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA....................................... 272.3 A FAMÍLIA E SUA RELAÇÃO COM A PESSOA EM SOFRIMENTOPSÍQUICO .......................................................................................... 343 METODOLOGIA ................................................................................. 393.1 MÉTODO ............................................................................................ 393.2 LOCAL ................................................................................................ 423.3 COLABORADORES ........................................................................... 423.4 ASPECTOS ÉTICOS .......................................................................... 453.5 COLETA DOS DADOS ....................................................................... 463.6 ANÁLISE DOS DADOS ...................................................................... 494 RESULTADOS E DISCUSSÃO ......................................................... 544.1 CARACTERIZAÇÃO DAS FAMÍLIAS ENTREVISTADAS................... 544.2 AS CATEGORIAS................................................................................ 574.2.1 Atitu<strong>de</strong>s e sentimentos <strong>da</strong> família em face do adoecimento do seuintegrante........................................................................................ 574.2.2 Assistência em saú<strong>de</strong> mental: do mo<strong>de</strong>lo hospitalocêntrico aopsicossocial...................................................................................... 594.2.2.1 O (<strong>de</strong>s)cui<strong>da</strong>do à <strong>pessoa</strong> interna<strong>da</strong> em hospital psiquiátrico.............. 594.2.2.24.2.2.3As sucessivas internações em hospitais psiquiátricos.....................Assistência na área <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> mental sustenta<strong>da</strong> no mo<strong>de</strong>lopsicossocial: avanços, fragili<strong>da</strong><strong>de</strong>s e <strong>de</strong>safios....................................804.2.3 A convivência <strong>familiar</strong> em face do transtorno mental ......................... 1085 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................ 123REFERÊNCIAS .................................................................................. 127APÊNDICES ....................................................................................... 137ANEXOS ............................................................................................. 18076


14APRESENTAÇÃOEm 2003 ingressei na graduação em Enfermagem na Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<strong>de</strong> Pelotas/RS, no período <strong>de</strong> 2006 a 2007 somei 900 horas <strong>com</strong>o bolsista <strong>de</strong>iniciação científica na área <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> mental em que participei <strong>de</strong> uma pesquisa quecontemplava avaliação dos Centros <strong>de</strong> Atenção Psicossocial <strong>da</strong> Região Sul doBrasil. Nesta ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> recebi capacitações, participei <strong>de</strong> grupo <strong>de</strong> estudosreferentes à mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> paradigma na área <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> mental, ao cui<strong>da</strong>do <strong>da</strong><strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental e do trabalho <strong>de</strong> campo na quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>entrevistadora. Desse modo, entrevistei famílias e <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental,observei, vivenciei algumas situações e ouvi histórias <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> que tinhamsimilari<strong>da</strong><strong>de</strong>s quando estavam relaciona<strong>da</strong>s à vivência do sofrimento psíquico.Após a conclusão do curso <strong>de</strong> graduação em Enfermagem, ingressei noPrograma <strong>de</strong> Pós-Graduação em Enfermagem, Mestrado <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>raldo Paraná. Diante <strong>da</strong> trajetória exposta soma<strong>da</strong> às reflexões, discussões econstrução conjunta orientador-orientando surgiu a motivação para <strong>de</strong>senvolver esteestudo a partir <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e do cotidiano dos atores sociais que vivenciam atrajetória <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> na saú<strong>de</strong> mental.Assim, neste estudo inicialmente, discorro acerca <strong>da</strong> reforma psiquiátrica<strong>br</strong>asileira, do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> atenção em saú<strong>de</strong> mental e a inclusão <strong>da</strong> família nessecontexto. Em segui<strong>da</strong>, no item 2, apresento a revisão <strong>de</strong> literatura que contempla umhistórico <strong>da</strong> construção do movimento <strong>da</strong> reforma psiquiátrica no cenário mundial enacional, bem <strong>com</strong>o consi<strong>de</strong>rações acerca <strong>da</strong> família.Por trabalhar <strong>com</strong> uma temática que nasce <strong>de</strong> movimentos sociais, foinecessário optar por um referencial metodológico que ensejasse aos atores sociaisse expressar, <strong>com</strong>partilhar suas experiências. Deste modo, no item 3 apresento opercurso metodológico <strong>de</strong>ssa pesquisa, sustenta<strong>da</strong> no método <strong>da</strong> história oraltemática, e uma caracterização dos colaboradores <strong>da</strong> pesquisa.Para ser coerente <strong>com</strong> o método <strong>da</strong> História Oral, referencial que se pautanos princípios <strong>de</strong> colaboração e propõe a entrevista <strong>com</strong>o centro <strong>da</strong> pesquisa, foipreciso uma organização dos resultados que evi<strong>de</strong>nciasse a narrativa, colocando oscolaboradores no centro do trabalho. Para tanto no item 5 trago as


narrativas minuciosas relaciona<strong>da</strong>s à Assistência em Saú<strong>de</strong> Mental: do mo<strong>de</strong>lohospitalocêntrico ao psicossocial e so<strong>br</strong>e a convivência <strong>familiar</strong>.O último item do trabalho é <strong>de</strong>stinado às consi<strong>de</strong>rações, nas quaisevi<strong>de</strong>ncia-se por meio <strong>da</strong>s narrativas dos colaboradores que o mo<strong>de</strong>lo psicossocial épossível quando bem estruturado e organizado. Este mo<strong>de</strong>lo em face <strong>da</strong> reformapsiquiátrica <strong>br</strong>asileira mostra avanços importantes relacionados à forma <strong>de</strong> assistiras <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental, <strong>com</strong>o os serviços substitutivos <strong>de</strong> base<strong>com</strong>unitária. Como fragili<strong>da</strong><strong>de</strong>s emergiram a articulação entre saú<strong>de</strong> mental eatenção básica, a dispari<strong>da</strong><strong>de</strong> entre a redução do número <strong>de</strong> leitos em hospitaispsiquiátricos e a oferta <strong>de</strong> dispositivos extra-hospitalares. Essas fragili<strong>da</strong><strong>de</strong>s tornamse<strong>de</strong>safios importantes para a consoli<strong>da</strong>ção do mo<strong>de</strong>lo psicossocial.


151 INTRODUÇÃONo cenário <strong>br</strong>asileiro as políticas públicas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, em especial asrelaciona<strong>da</strong>s à saú<strong>de</strong> mental, tem evi<strong>de</strong>nciado a necessária inclusão <strong>da</strong> família nasdiscussões acerca <strong>da</strong>s transformações que estão ocorrendo na assistência nestaárea. Almeja-se a reinserção social, o resgate <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, autonomia <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong><strong>com</strong> transtorno mental e o <strong>tratamento</strong> <strong>de</strong>sses sujeitos em serviços <strong>com</strong>unitáriossubstitutivos <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong>. Assim, o espaço <strong>de</strong> convivência <strong>familiar</strong> se tornaindispensável para a concretização do mo<strong>de</strong>lo assistencial emergente, opsicossoacial.Historicamente a família foi excluí<strong>da</strong> do <strong>tratamento</strong> dispensado às <strong>pessoa</strong>s<strong>com</strong> transtorno mental e, <strong>de</strong>ntre os vários motivos estão, por exemplo, oimpedimento <strong>de</strong> a<strong>com</strong>panhamento contínuo do seu <strong>familiar</strong> <strong>de</strong>vido à distância emque os hospitais foram construídos <strong>da</strong>s metrópoles, bem <strong>com</strong>o por ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>a causadora <strong>da</strong> doença. Restava-lhe o papel <strong>de</strong> encaminhar seu <strong>familiar</strong> à instituiçãopsiquiátrica para que os técnicos do saber se incumbissem do <strong>tratamento</strong> e <strong>da</strong> cura(MORENO; ALENCASTRE, 2003).O distanciamento <strong>da</strong> família permeou a relação sujeito-loucura atéaproxima<strong>da</strong>mente a déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1980 do século passado. Até então, as visitas dos<strong>familiar</strong>es à <strong>pessoa</strong> em sofrimento psíquico no manicômio eram restritas e quandoaconteciam eram sob a permissão <strong>da</strong> instituição ou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>corrido cerca <strong>de</strong> ummês <strong>de</strong> internação, quando o quadro do paciente estava mais estabilizado. Damesma forma, as correspondências entre a família e o interno <strong>de</strong>veriam seravalia<strong>da</strong>s pelos profissionais <strong>com</strong> o propósito <strong>de</strong> “não propiciarem reações negativasno doente”, bem <strong>com</strong>o eram confisca<strong>da</strong>s pelos técnicos do saber, as cartas que“<strong>de</strong>nunciavam as condições precárias <strong>de</strong> assistência” (MORENO; ALENCASTRE,2003, p. 44).No entanto, as instituições psiquiátricas e suas ações <strong>de</strong> sequestro e tutelase preocupavam em <strong>de</strong>finir a doença, classificá-la e gerenciá-la, codificar normas esintomas. A ciência afirmava que a <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental era produto <strong>de</strong>alteração essencialmente biológica, frente a qual na<strong>da</strong> se po<strong>de</strong>ria fazer a não seraceitar sua condição <strong>de</strong> anormali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Nessa perspectiva, as dimensões sociais,psicológicas e culturais <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> não eram consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s e o diagnóstico assumia o


16valor <strong>de</strong> um rótulo. Porquanto a prática médica era centra<strong>da</strong> na <strong>de</strong>finição <strong>da</strong> loucura,o que expunha a fragili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma disciplina que limitou o transtorno mental, a umaobjetivação, sem consi<strong>de</strong>rar os aspectos <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> existência humana(BASAGLIA, 1985).É a partir <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos maus tratos, <strong>da</strong> violência e negação <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>niae digni<strong>da</strong><strong>de</strong> no cui<strong>da</strong>do e <strong>tratamento</strong> às <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental, que surgiua crítica e a oposição à institucionalização e aos manicômios, pois não era possíveltolerar que seres humanos continuassem expostos a esta reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> condições<strong>de</strong>sumanas, pelo fato <strong>de</strong> possuírem um transtorno mental (BASAGLIA, 1985).As críticas e o não conformismo ao <strong>tratamento</strong> que excluía e isolavaganharam força após a II Guerra Mundial, quando o mundo já não tolerava mais aexclusão, a segregação, o sofrimento e o <strong>de</strong>srespeito aos direitos humanos. Nessecontexto, eclodiram movimentos em vários países que questionaram as práticaspsiquiátricas sustenta<strong>da</strong>s pela institucionalização <strong>da</strong> loucura. Assim, na Itália <strong>com</strong> apsiquiatria <strong>de</strong>mocrática difundi<strong>da</strong> por Franco Basaglia, que influenciou a reformapsiquiátrica <strong>br</strong>asileira, teve início um processo não somente <strong>de</strong> reformulação oumelhora do manicômio, mas o rompimento <strong>de</strong>finitivo <strong>com</strong> o mo<strong>de</strong>lo hospitalocêntrico,centrado na doença e na relação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r entre o saber médico e a loucura(AMARANTE, 1995).Contudo, o processo <strong>de</strong> rompimento <strong>com</strong> o manicômio envolve: “repensar,transformar o conjunto <strong>de</strong> aparatos científicos, legislativos, administrativos, culturaise as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que se articulam” e dão sustentação à instituição psiquiátrica(MELMAN, 2006, p. 59). Entretanto, há que se ressaltar que <strong>de</strong>sinstitucionalizar nãose resume a <strong>de</strong>sospitalizar. Refere-se à <strong>de</strong>sconstrução <strong>de</strong> modos <strong>de</strong> pensar econceber a loucura, <strong>de</strong> práticas e discursos que conferem caráter <strong>de</strong> objeto àmesma, <strong>da</strong>s relações sociais ain<strong>da</strong> impregna<strong>da</strong>s pelo paradigma racionalista ereducionista baseado no problema-solução. Porquanto, são muitos os <strong>de</strong>safiospostos à reforma psiquiátrica no seu <strong>com</strong>promisso ético e social <strong>de</strong> criar espaços <strong>de</strong>liber<strong>da</strong><strong>de</strong> (ALVERGA; DIMENSTEIN, 2006).A psiquiatria por muito tempo objetivou o sujeito ao colocar <strong>de</strong> lado o serhumano para centrar suas ações so<strong>br</strong>e a doença. O movimento reformista propõejustamente o inverso <strong>de</strong>ssa relação, que a doença seja coloca<strong>da</strong> entre parêntesespara que as ações sejam dirigi<strong>da</strong>s ao sujeito, em sua <strong>com</strong>plexi<strong>da</strong><strong>de</strong>, peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong> esubjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> (BASAGLIA, 1985).


17Destarte, surgem as experiências <strong>com</strong>unitárias <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> e acolhimentoem saú<strong>de</strong> mental <strong>com</strong>o: os Núcleos <strong>de</strong> Atenção em Saú<strong>de</strong> Mental (NAPS), osCentros <strong>de</strong> Atenção Psicossocial (CAPS), os Centros <strong>de</strong> Convivência e os ServiçosResi<strong>de</strong>nciais Terapêuticos (SRTs), que se constituem estratégias inovadoras. Estasiniciativas propõem um <strong>de</strong>safio, além <strong>de</strong> buscar novas tecnologias <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>do e ahumanização <strong>da</strong>s relações entre a <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental, sua família e asocie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Buscam recriar o espaço social do louco em que esse sujeito não maisseja visto <strong>com</strong>o anormal, perigoso, in<strong>com</strong>petente, pois os objetivos estão centradosna inclusão e no respeito aos direitos humanos (LUZIO; L’ABBATE, 2006).O movimento <strong>da</strong> reforma psiquiátrica <strong>br</strong>asileira visa à <strong>de</strong>sconstrução domanicômio, no que diz respeito às estruturas físicas, aos mitos e às formas arcaicas<strong>de</strong> fazer e <strong>de</strong> pensar centra<strong>da</strong>s no hospital mo<strong>de</strong>rno medicalizado. O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>atenção emergente, o psicossocial, adota <strong>com</strong>o política a construção doconhecimento por meio <strong>da</strong> intervenção/transformação efetiva <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>,articulando o discurso, a análise e a prática (LUZIO; L’ABBATE, 2006).A implementação e o <strong>de</strong>senvolvimento dos pressupostos do movimentoreformista no contexto <strong>br</strong>asileiro acontecem <strong>de</strong> forma lenta e po<strong>de</strong>-se dizerincipiente, visto que implicam no repensar <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> fazer que orientaram pormuitos anos a assistência psiquiátrica. Assim, é preciso consi<strong>de</strong>rar que anormalização dos <strong>com</strong>portamentos e a exclusão social <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtornomental extrapolam os muros propriamente do hospital psiquiátrico. As novasmo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> assistência em saú<strong>de</strong> mental por si mesmas não são capazes <strong>de</strong>transformar o modo <strong>de</strong> pensar <strong>de</strong> uma coletivi<strong>da</strong><strong>de</strong> que historicamente acreditou queo manicômio era necessário, à medi<strong>da</strong> que o percebia <strong>com</strong>o lugar específico,qualificado e capaz <strong>de</strong> tratar e controlar os doentes mentais, mantendo-os afastadosdo convívio social (ALVERGA; DIMENSTEIN, 2006).A dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> encontra<strong>da</strong> no processo <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça é permea<strong>da</strong> por <strong>de</strong>safios<strong>com</strong>o o <strong>de</strong> oferecer <strong>de</strong> fato uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> atenção em saú<strong>de</strong> mental na qual osserviços sejam <strong>com</strong>plementares e integrados para que a <strong>pessoa</strong> em sofrimentopsíquico possa receber uma assistência efetiva e que esta ocorra em seu território,próxima <strong>da</strong> sua família e inserido na sua reali<strong>da</strong><strong>de</strong> social (ALVERGA; DIMENSTEIN,2006; MAFTUM, 2004).Outros impasses à reforma psiquiátrica <strong>br</strong>asileira estão relacionados aosgastos <strong>com</strong> internações psiquiátricas que vem diminuindo, mas que ain<strong>da</strong>


18constituem e fortalecem a política i<strong>de</strong>ológica <strong>da</strong> institucionalização, bem <strong>com</strong>o afragili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso, a<strong>br</strong>angência, resolutivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e diversificação <strong>da</strong>s ações nosserviços <strong>com</strong>unitários substitutivos (ALVERGA; DIMENSTEIN, 2006).A reforma psiquiátrica <strong>br</strong>asileira não se propõe à negação <strong>da</strong> doença ou dossintomas, pois enten<strong>de</strong> que há uma existência que produz sofrimento e mal-estar,mas busca <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r o ser humano em sua <strong>com</strong>plexi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Sugere a construção<strong>de</strong> novas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s, a convivência em um mesmo espaço <strong>de</strong> forma tolerante<strong>com</strong> a diferença, não constituindo esta, motivo <strong>de</strong> exclusão, segregação, enegligência <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e digni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas <strong>pessoa</strong>s (ALVERGA; DIMENSTEIN,2006; MELMAN, 2006; AMARANTE, 2007).Há a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conscientização <strong>de</strong> que a reforma psiquiátrica <strong>de</strong>vebuscar a emancipação política, <strong>pessoa</strong>l, social e cultural <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtornomental, ao possibilitar a recuperação <strong>de</strong> sua autonomia, permitindo “um olhar mais<strong>com</strong>plexo que o generalizante olhar do igualitarismo” (ALVERGA; DIMENSTEIN,2006, p. 303).A proposição <strong>de</strong> uma assistência efetiva e não exclu<strong>de</strong>nte implica naorganização <strong>de</strong> serviços <strong>com</strong>unitários resolutivos, acessíveis e que disponham <strong>de</strong>equipe multiprofissional, pois somente na articulação <strong>de</strong> diferentes saberes epráticas é possível prestar cui<strong>da</strong>do a<strong>br</strong>angente o suficiente para aten<strong>de</strong>r as<strong>de</strong>man<strong>da</strong>s impostas pela loucura (JORGE et al., 2006; JORGE et al., 2008).Os dispositivos extra-hospitalares <strong>de</strong>vem ser capazes <strong>de</strong> incluir a família e asocie<strong>da</strong><strong>de</strong> na atenção psicossocial ao sujeito <strong>com</strong> transtorno psíquico, <strong>da</strong> mesmaforma <strong>com</strong>o suas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>vem ser organiza<strong>da</strong>s segundo a legislação vigente eas reais necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> sua população <strong>de</strong> a<strong>br</strong>angência. Há que se consi<strong>de</strong>rar quea uniformi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s ações e práticas não aten<strong>de</strong> as expectativas <strong>de</strong> uma clientelaque apesar <strong>de</strong> <strong>com</strong>partilhar as mesmas situações reage e as vivenciam <strong>de</strong> modoparticular (JORGE et al., 2006; JORGE et al., 2008; MORASKI; HILDEBRANDT,2005).Dessa maneira, no novo contexto <strong>de</strong> assistência à saú<strong>de</strong> mental, a imageme o papel <strong>da</strong> família são modificados. Esta passa a ser vista <strong>com</strong>o parceira efetivanas estratégias propostas pela reforma psiquiátrica, visto que <strong>com</strong> os períodos maiscurtos <strong>de</strong> internação e <strong>com</strong> os <strong>tratamento</strong>s em serviços substitutivos <strong>com</strong>o o CAPS,o portador <strong>de</strong> transtorno mental convive mais tempo <strong>com</strong> a sua família. Esta por sua


19vez, <strong>de</strong>ve ser convi<strong>da</strong><strong>da</strong> e estimula<strong>da</strong> a se inserir nas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e nas propostasdos serviços extra-hospitalares.A família é um grupo social organizado no qual os vínculos sãopotencializados e constitui-se espaço <strong>de</strong> ressocialização e <strong>de</strong> proteção aos seusmem<strong>br</strong>os. Assim, se evi<strong>de</strong>ncia a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer e valorizar a família,reconhecendo-a <strong>com</strong>o mediadora entre o sujeito e a <strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong> (CARVALHO,2003; SARTI, 2003; VITALE, 2003). Entendi<strong>da</strong> <strong>com</strong>o base <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, a família<strong>com</strong>o um grupo é capaz <strong>de</strong> <strong>com</strong>partilhar as experiências do viver, fornecer apoio nosmomentos adversos, interagir, potencializar o diálogo, garantir o <strong>de</strong>senvolvimentosaudável <strong>de</strong> seus integrantes a fim <strong>de</strong> que possam assumir a vi<strong>da</strong> <strong>pessoa</strong>l eprofissional (MORASKI; HILDEBRANDT, 2005).Tem-se a perspectiva <strong>de</strong> que a família seja capaz <strong>de</strong> produzir: “cui<strong>da</strong>dos,proteção, aprendizado dos afetos, construção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s e vínculos relacionais<strong>de</strong> pertencimento” oportunizando aos seus mem<strong>br</strong>os melhor quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> ereinserção social. Entretanto, é preciso consi<strong>de</strong>rar que a família vive em<strong>de</strong>terminado contexto e em <strong>da</strong>do momento <strong>de</strong> sua trajetória nos quais suaspotenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>s po<strong>de</strong>m estar <strong>com</strong>prometi<strong>da</strong>s e ela necessite ser igualmente cui<strong>da</strong><strong>da</strong>para fortalecer seu potencial <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>r (CARVALHO, 2003, p. 15; ELSEN, 2002).Ao abor<strong>da</strong>r a temática Szymanski (2003) e Elsen et al (1994) afirma que afamília assume diferentes formas <strong>de</strong> organização, não é homogênea, é envolvi<strong>da</strong>por uma diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> ser e estar no mundo, <strong>de</strong> relações<strong>com</strong>plementares e <strong>com</strong>plexas, visto que ca<strong>da</strong> um dos seus mem<strong>br</strong>os é único,carrega consigo valores, crenças e práticas que lhe são característicos. O universo<strong>da</strong>s famílias se mostra permeado por relações <strong>com</strong>plexas, organizado por um viverconviverque lhe é peculiar. Nesse sentido, a família sente necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> seconsoli<strong>da</strong>r <strong>com</strong>o grupo social no qual estabelece vínculos e relações <strong>com</strong>instituições e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.Diante do exposto, o estudo <strong>de</strong>ssa temática se justifica pelo momento <strong>de</strong>transformação no campo <strong>da</strong> assistência na área <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> mental e em relação ato<strong>da</strong> discussão que ocorre atualmente so<strong>br</strong>e a forma <strong>de</strong> conceber, trabalhar, pensare se relacionar <strong>com</strong> o fenômeno <strong>da</strong> loucura. Também, pela importância que a famíliaassume nesta nova perspectiva <strong>de</strong> tratar e cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental.Assim, emergiu a questão norteadora <strong>de</strong>sta investigação: <strong>com</strong>o a famíliavivencia o <strong>tratamento</strong> <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental em face <strong>da</strong> reforma


20psiquiátrica? Tem <strong>com</strong>o objetivo: conhecer <strong>com</strong>o a família vivencia o <strong>tratamento</strong> <strong>da</strong><strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental em face <strong>da</strong> reforma psiquiátrica.


212 REVISÃO DE LITERATURA2.1 A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA REFORMA PSIQUIÁTRICAAo resgatar as formas <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> <strong>da</strong> loucura, constata-se que até oséculo XVIII as <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental ficavam em liber<strong>da</strong><strong>de</strong> e, acreditavaseque o contato <strong>com</strong> a natureza era capaz <strong>de</strong> dissipar o erro e <strong>de</strong> anular asquimeras. A loucura não era institucionaliza<strong>da</strong> a não ser nas manifestações ti<strong>da</strong>s<strong>com</strong>o perigosas e, era <strong>com</strong>preendi<strong>da</strong> <strong>com</strong>o uma forma <strong>de</strong> erro ou <strong>de</strong> ilusão(FOUCAULT, 2005).O louco passou a ser excluído <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> na i<strong>da</strong><strong>de</strong> clássica <strong>com</strong> osurgimento do hospício, representado no caso do Brasil pelos porões <strong>da</strong>s SantasCasas <strong>de</strong> Misericórdia que atendia à necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> retirar do convívio socialaqueles que envergonhavam, os consi<strong>de</strong>rados vagabundos, leprosos, prostitutas,loucos, enfim, todos que ameaçavam a or<strong>de</strong>m e a segurança <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Po<strong>de</strong>sedizer que a loucura não era entendi<strong>da</strong> <strong>com</strong>o campo teórico prático <strong>da</strong> disciplina,psiquiatria, pois, não existia a concepção <strong>de</strong> loucura <strong>com</strong>o patologia (AMARANTE,1995).Para <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r <strong>com</strong>o se <strong>de</strong>u o processo <strong>de</strong> institucionalização <strong>da</strong>loucura é preciso reportar à função do hospital que criado na i<strong>da</strong><strong>de</strong> média <strong>com</strong>oinstituição <strong>de</strong> cari<strong>da</strong><strong>de</strong>, após a Revolução Francesa passou por um longo processo<strong>de</strong> transformação sendo então consi<strong>de</strong>rado <strong>com</strong>o instituição médica (AMARANTE,2007). Desse modo, em meados do século XVIII o hospício passou a constituirinstituição específica <strong>de</strong> tutela e assistência. Assumindo a conotação do hospitalmo<strong>de</strong>rno medicalizado, a loucura foi objetiva<strong>da</strong> pelo po<strong>de</strong>r científico <strong>da</strong> psiquiatria,respon<strong>de</strong>ndo, <strong>de</strong>ssa maneira, às exigências <strong>da</strong> mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> (AMARANTE, 1995).As práticas asilares <strong>de</strong> sequestro se tornaram terapêuticas quando ofenômeno <strong>da</strong> loucura passou a ser <strong>com</strong>preendido <strong>com</strong>o <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m na maneira <strong>de</strong>ser e <strong>de</strong> sentir, sendo transformado em doença. Assim, se justificou a exclusão doindivíduo <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> sob o discurso <strong>de</strong> que <strong>de</strong>terminado sujeito precisava ficarlonge dos possíveis fatores <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>antes <strong>de</strong> sua patologia. Destaca-se que osprocedimentos efetuados nas instituições psiquiátricas eram orientados pelo <strong>de</strong>sejo


22<strong>da</strong> medicina <strong>de</strong> se apropriar do po<strong>de</strong>r–saber so<strong>br</strong>e a loucura, adotando oisolamento, o interrogatório, o <strong>tratamento</strong> moral e punitivo e a rígi<strong>da</strong> disciplina(FOUCAULT, 2005).Como objeção à prática <strong>de</strong> exclusão <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> em sofrimento psíquico,emergiu <strong>com</strong>o reforma <strong>de</strong> tal sistema, na Alemanha, os hospitais colônias, que nãoconseguiram atingir os objetivos a que se propunham, <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> mais aberto elivre, estes terminaram por reproduzir a lógica mani<strong>com</strong>ial a que se opunhamdurante seu processo <strong>de</strong> estruturação (AMARANTE, 1995).A <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental, historicamente foi vista <strong>com</strong>o perigosa,<strong>com</strong>o alguém que <strong>de</strong>veria permanecer isola<strong>da</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, o que configura umareali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> exclusão, negligência, abandono e per<strong>da</strong> <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>. As críticas e onão conformismo <strong>com</strong> o <strong>tratamento</strong> que excluía e não consi<strong>de</strong>rava a subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>da</strong>s <strong>pessoa</strong>s em sofrimento mental não constituía preocupação recente, masganharam força no período pós II Guerra Mundial quando o manicômio foi<strong>com</strong>parado aos campos <strong>de</strong> concentração.Em 1959, Maxweel Jones <strong>de</strong>limita na Inglaterra o termo <strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong>terapêutica, criado por Main e Bion Reichman. A <strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong> terapêutica adota umcaráter <strong>de</strong> reformulação do espaço asilar, rompendo <strong>com</strong> a concepção <strong>de</strong> que odoente mental é alguém irrecuperável e perigoso para si e para a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Nas<strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s terapêuticas o paciente era envolvido na sua terapia e na dos <strong>de</strong>maispor meio <strong>de</strong> reuniões participativas, <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e discussões(BASAGLIA, 1985; AMARANTE, 2007).Essa concepção <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a horizontalização e a<strong>de</strong>mocratização <strong>da</strong>s relações. Chama atenção para as condições precárias dosmanicômios, vistos <strong>com</strong>o responsáveis pelo aumento <strong>da</strong> cronificação <strong>da</strong>s formas <strong>de</strong>existir, uma vez que tinham <strong>com</strong>o norma, por meio do <strong>tratamento</strong> moral e punitivo,homogenizar os <strong>com</strong>portamentos (AMARANTE, 1995).Do mesmo modo, François Tosquelles criou na França, no período pósGuerra a Psicoterapia Institucional, <strong>com</strong> o objetivo <strong>de</strong> operacionalizar mu<strong>da</strong>nças<strong>de</strong>ntro do hospital psiquiátrico. Para Tosqueles a instituição psiquiátrica era uminstrumento efetivo no <strong>tratamento</strong> <strong>da</strong> loucura, mas consi<strong>de</strong>rava que no momento dopós-guerra seus intentos haviam se perdido. Nela o que se presenciava era anegligência, a violência exerci<strong>da</strong> sob as <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> o pretexto <strong>de</strong> cientifici<strong>da</strong><strong>de</strong> elegali<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> recuperá-las e a repressão <strong>de</strong> suas ações (AMARANTE, 1995).


23A psicoterapia institucional resgatou a importância do trabalho terapêutico<strong>com</strong>o meio para a participação e para o exercício <strong>de</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> dos internos;trouxe a noção <strong>de</strong> acolhimento e propôs a transversali<strong>da</strong><strong>de</strong>, “o encontro e aomesmo tempo o confronto dos papéis profissionais e institucionais <strong>com</strong> o intuito <strong>de</strong>problematizar as hierarquias e hegemonias”. Este mo<strong>de</strong>lo consi<strong>de</strong>rava que nãosomente a <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental precisava ser trata<strong>da</strong>, mas a instituição<strong>com</strong>o um todo, pois esta também apresentava características doentias. Destarte,não era possível tratar e recuperar esses sujeitos em uma estrutura também doente(AMARANTE, 1995, p. 45).A <strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong> terapêutica e a psicoterapia institucional buscavamtransformar a instituição psiquiátrica, pois acreditavam que o fracasso estava naforma <strong>de</strong> gerenciá-la. No entanto, as questões relaciona<strong>da</strong>s ao social e a reinserção<strong>da</strong>s <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental não foram objetos <strong>de</strong> preocupação em ambosos mo<strong>de</strong>los (AMARANTE, 2007).A partir <strong>de</strong> 1960, também na França, foi incorpora<strong>da</strong> à política nacional apsiquiatria <strong>de</strong> setor, que adotava os serviços <strong>com</strong>unitários <strong>com</strong>o meio <strong>de</strong> <strong>da</strong>rcontinui<strong>da</strong><strong>de</strong> ao <strong>tratamento</strong> <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental fora <strong>da</strong> instituiçãopsiquiátrica, visando à diminuição <strong>de</strong> novas internações e reinternamentos. OsCentros <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental foram distribuídos <strong>de</strong> acordo <strong>com</strong> o território e ocontingente populacional pelas diversas regiões francesas. Do mesmo modo,seguindo as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Lucien Bonnafé o hospital passou a ser organizado emenfermarias correspon<strong>de</strong>ntes a ca<strong>da</strong> Centro <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental, <strong>de</strong> modo que amesma equipe multiprofissional a<strong>com</strong>panhasse o paciente tanto no hospitalpsiquiátrico quanto na <strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong>, explorando os vínculos já estabelecidos. Surgiaa noção <strong>da</strong> equipe multiprofissional e o <strong>tratamento</strong> <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> ser exclusivi<strong>da</strong><strong>de</strong> dopsiquiatra (AMARANTE, 2007).A estas iniciativas <strong>de</strong> reforma <strong>da</strong> assistência psiquiátrica, na luta contra aspráticas <strong>de</strong> exclusão, isolamento <strong>familiar</strong>/social e tutela soma-se a experiência <strong>da</strong>psiquiatria preventiva que nasceu nos Estados Unidos em 1963. O foco <strong>da</strong>psiquiatria preventiva era a prevenção <strong>da</strong> enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong> psíquica e a manutenção <strong>da</strong>saú<strong>de</strong> mental, pois acreditava que o transtorno mental po<strong>de</strong>ria ser prevenido <strong>de</strong>s<strong>de</strong>que fosse diagnosticado precocemente. A i<strong>de</strong>ntificação dos momentos <strong>de</strong> crise erauma <strong>da</strong>s maneiras <strong>de</strong> intervir <strong>com</strong>o prevenção <strong>da</strong> doença mental. O termo criseaparece fun<strong>da</strong>mentado nas noções <strong>de</strong> a<strong>da</strong>ptação/<strong>de</strong>sa<strong>da</strong>ptação e as crises são


24classifica<strong>da</strong>s em evolutivas (as que fazem parte do <strong>de</strong>senvolvimento do serhumano) e as aci<strong>de</strong>ntais (aquelas em que ocorre uma <strong>de</strong>sa<strong>da</strong>ptação frente aper<strong>da</strong>s ou riscos) (AMARANTE, 2007).Outra questão emergente na psiquiatria preventiva era o processo <strong>de</strong><strong>de</strong>sinstitucionalização, referenciado pela primeira vez, mais no sentido <strong>de</strong><strong>de</strong>sospitalizar <strong>com</strong>o política <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> nos Estados Unidos, <strong>da</strong>ndo ênfase aosserviços extra-hospitalares e aos períodos mais curtos <strong>de</strong> hospitalização.Entretanto, essa experiência não conseguiu sanar o problema <strong>da</strong> exclusão social,visto que, se iniciou uma busca a suspeitos (possíveis loucos) e <strong>com</strong> o aumento <strong>da</strong><strong>de</strong>man<strong>da</strong>, “os próprios serviços <strong>com</strong>unitários se transformaram em gran<strong>de</strong>scaptadores e encaminhadores <strong>de</strong> novas clientelas para os hospitais psiquiátricos”(AMARANTE, 2007, p. 51).A psiquiatria <strong>de</strong> setor e a preventivista entendiam que o mo<strong>de</strong>lohospitalocêntrico estava ultrapassado e <strong>de</strong>veria ser substituído por serviçosassistenciais que qualificassem o cui<strong>da</strong>do em saú<strong>de</strong> mental. Com isso pretendiamdiminuir a importância e necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> do hospital psiquiátrico (AMARANTE, 2007).As experiências <strong>da</strong> <strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong> terapêutica, psicoterapia institucional,psiquiatria <strong>de</strong> setor e psiquiatria preventiva, tinham por finali<strong>da</strong><strong>de</strong> a reformulação doespaço asilar, a transformação <strong>da</strong> instituição psiquiátrica. Entretanto, a partir <strong>de</strong>1960 surgiram dois movimentos que visavam a ruptura <strong>de</strong>finitiva <strong>com</strong> o mo<strong>de</strong>lobiomédico, cartesiano centrado na doença e na relação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r entre o saber e aloucura, a antipsiquiatria na Inglaterra e a psiquiatria <strong>de</strong>mocrática na Itália(AMARANTE, 2007).A antipsiquiatria teve início na Inglaterra na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 60 do século XX eapresentava uma crítica insidiosa à hegemonia médica e o seu saber na relação<strong>com</strong> a loucura, <strong>de</strong>nunciava as condições insalu<strong>br</strong>es, a cronificação dos sujeitos, aviolência nos espaços institucionais e propunha a ruptura radical <strong>com</strong> o manicômio.Defendia a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que as <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental sofriam violência eopressão não só <strong>da</strong> instituição, mas também <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> família. Dessemodo, <strong>com</strong>preendiam que a loucura não estava no corpo ou na mente doente <strong>da</strong>s<strong>pessoa</strong>s, mas nas relações que estas estabeleciam <strong>com</strong> a sua família e asocie<strong>da</strong><strong>de</strong> (AMARANTE, 2007). Esse mo<strong>de</strong>lo negava a doença mental <strong>com</strong>o objeto<strong>de</strong> intervenção proposto pela psiquiatria e a consi<strong>de</strong>rava “uma <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>experiência do sujeito em sua relação <strong>com</strong> o ambiente social”. Visto sob essa


26bem sucedi<strong>da</strong>s evi<strong>de</strong>nciam a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> atenção<strong>com</strong>unitária que possa oferecer cui<strong>da</strong>dos dignos, efetivos e construir espaços <strong>de</strong>sociabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> e autonomia consi<strong>de</strong>rando antes <strong>da</strong> doença asubjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>queles que necessitam <strong>de</strong> atendimento psiquiátrico (AMARANTE,1995).Propor novas formas <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r a loucura exige um novo objeto para apsiquiatria, não mais a doença na perspectiva <strong>da</strong> lineari<strong>da</strong><strong>de</strong> causa-efeito, mas a<strong>pessoa</strong> e sua relação <strong>com</strong> o social. O entendimento <strong>da</strong>s questões relaciona<strong>da</strong>s aoexistir-sofrer propõe centrar as práticas na relação existência-sofrimento doindivíduo (AMARANTE, 2007; MELMAN, 2006).A psiquiatria <strong>de</strong>mocrática, movimento político e social não se restringiu aostécnicos do saber, mas fez alianças <strong>com</strong> sindicatos, organizações nãogovernamentaise associações. Ao concentrar seus esforços no campo social,buscou apoio em diversos espaços <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e luta por melhorescondições <strong>de</strong> atendimento. Dessa forma, trouxe ao cenário político, “a incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> transformar a assistência sem reinventar o território <strong>da</strong>s relações entre ci<strong>da</strong><strong>da</strong>niae justiça” (AMARANTE, 1995, p. 48; MELMAN, 2006).A crítica à instituição psiquiátrica na Itália tinha <strong>de</strong>ntre seus objetivos aintenção <strong>de</strong> propor e aprovar uma lei que <strong>de</strong> fato orientasse a <strong>de</strong>sconstrução dosmanicômios e a construção <strong>de</strong> dispositivos extra-hospitalares que não seguissem alógica <strong>de</strong> isolar e normatizar. Frente a essas iniciativas, reivindicações etransformações na assistência em saú<strong>de</strong> mental, foi aprova<strong>da</strong> na Itália, em 1978, aLei n. 180, que sustenta<strong>da</strong> nas i<strong>de</strong>ias inovadoras <strong>de</strong> Basaglia, prevê a extinção domanicômio (MELMAN, 2006; AMARANTE, 1995).Maftum (2004) refere que as experiências inovadoras <strong>de</strong> Gorizia e Triesteestimularam nos mais diversos países, consi<strong>de</strong>rando seu contexto histórico, políticoe social, os esforços em se prestar assistência centra<strong>da</strong> no ser humano e suasubjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, uma assistência humaniza<strong>da</strong> capaz <strong>de</strong> produzir possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s à<strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental. Também se constata a inclusão <strong>da</strong> família e <strong>da</strong>socie<strong>da</strong><strong>de</strong> no cui<strong>da</strong>do e nas discussões acerca <strong>da</strong> <strong>de</strong>sinstitucionalização.Percebe-se <strong>de</strong>ssa maneira que as críticas à institucionalização <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong>em sofrimento psíquico não se iniciaram recentemente, mas insinuam o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>mu<strong>da</strong>nça ao longo <strong>da</strong> história, porém assume novas dimensões e perspectivas <strong>com</strong>a reforma psiquiátrica a partir <strong>da</strong> experiência italiana.


272.2 A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRAO hospício Dom Pedro II, inaugurado em 1852 no Rio <strong>de</strong> Janeiro, primeiromanicômio <strong>br</strong>asileiro, a<strong>br</strong>igava mendigos, negros alforriados que vagavam pelasruas <strong>da</strong> capital e os sujeitos que subvertiam as regras sociais. Com o intuito <strong>de</strong>construir um local específico para tratar a loucura ocorreu nas diversas regiões dopaís a construção <strong>de</strong> manicômios (FRAGA; SOUZA; BRAGA, 2006; MORENO;ALENCASTRE, 2003).A função <strong>da</strong> instituição psiquiátrica era ser responsável por controlar emol<strong>da</strong>r os <strong>com</strong>portamentos por meio <strong>da</strong> vigilância, do controle, <strong>da</strong> disciplina e <strong>da</strong>violência institucional, o que pressupunha tratar indivíduos insanos, irresponsáveis eirrecuperáveis (AMARANTE, 2007).No Brasil República a dinâmica dos hospícios e <strong>da</strong> assistência empsiquiatria, continuava pauta<strong>da</strong> no restabelecimento <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m, portanto os sujeitosque não atendiam a essa premissa <strong>de</strong>veriam ser levados às instituições asilaresconsi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s lugares mais a<strong>de</strong>quados para a reprogramação <strong>da</strong>s formas <strong>de</strong> existir.Essa conduta se reflete nos dias atuais quando nos <strong>de</strong>paramos <strong>com</strong> um contingenteconsi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> pacientes cronificados resi<strong>de</strong>ntes nos hospitais psiquiátricos, semi<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>, sem vínculo <strong>familiar</strong> e que não raras às vezes, nunca tiveram umproblema <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m psiquiátrica (MORENO; ALENCASTRE, 2003).Como se po<strong>de</strong> constatar, a assistência dispensa<strong>da</strong> às <strong>pessoa</strong>s emsofrimento psíquico no Brasil não era muito diferente <strong>da</strong>quela ofereci<strong>da</strong> nos países<strong>da</strong> Europa, calca<strong>da</strong> na institucionalização, o que é retratado nos relatórios dospresi<strong>de</strong>ntes dos estados <strong>de</strong> São Paulo, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Pernambuco e Parádurante to<strong>da</strong> a segun<strong>da</strong> meta<strong>de</strong> do século XIX. Estes versavam so<strong>br</strong>e as precáriascondições sanitárias e <strong>de</strong> espaço físico <strong>da</strong>s instituições psiquiátricas. Evi<strong>de</strong>nciava-sea necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> qualificação e transformações na assistência psiquiátrica (ODA;DALGALARRONDO, 2005).Do mesmo modo <strong>com</strong>o acontecia em outros países, os asilos espalhadospelo Brasil logo se tornaram superlotados. As dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s em estabelecer limitesentre o que é normal e anormal; a evi<strong>de</strong>nte função segregadora e <strong>de</strong> tutela exerci<strong>da</strong>pelas instituições psiquiátricas e as constantes <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> maus-tratos aos


28internos contribuíram para o questionamento <strong>da</strong> credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e resolutivi<strong>da</strong><strong>de</strong> dohospital psiquiátrico (AMARANTE, 2007).Como tentativa <strong>de</strong> recuperar a função terapêutica <strong>da</strong> instituição psiquiátricasão incentivados após a proclamação <strong>da</strong> república, os projetos <strong>da</strong>s colônias <strong>de</strong>alienados, mo<strong>de</strong>lo importado <strong>da</strong> Alemanha, construí<strong>da</strong>s em gran<strong>de</strong>s áreas agrícolas.Nas colônias, acreditava-se que “o trabalho seria o meio terapêutico mais precioso,que estimulava a vonta<strong>de</strong> e a energia e consoli<strong>da</strong>va a resistência cere<strong>br</strong>al ten<strong>de</strong>ndofazer <strong>de</strong>saparecer os vestígios do <strong>de</strong>lírio”. Registra-se que a Colônia <strong>de</strong> Juquery, emSão Paulo chegou a ter 16 mil internos. No entanto, as colônias logo seassemelharam ou se tornaram iguais aos hospitais psiquiátricos até entãoquestionados (AMARANTE, 2007, p.39).A situação lastimável <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> mental no Brasil se agravouquando a assistência psiquiátrica foi incorpora<strong>da</strong> à previdência social, visando aosinteresses puramente econômicos. Crescia <strong>de</strong> forma assustadora o número <strong>de</strong>hospitais psiquiátricos privados, visto que a previdência contratava leitos particularespara a internação <strong>da</strong>s <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental. No entanto, os hospitais nãose mostravam resolutivos, os internos eram concebidos <strong>com</strong>o agentes passivos,privados <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s humanas básicas, e cerceados nos seus direitos maislegítimos. Evi<strong>de</strong>nciava-se uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira indústria <strong>da</strong> loucura (FRAGA; SOUZA;BRAGA, 2006).Assim, explicitava-se a necessária transformação no campo <strong>da</strong> assistênciaem saú<strong>de</strong> mental. Na atual reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>br</strong>asileira o processo <strong>de</strong> reforma psiquiátrica seespelha no mo<strong>de</strong>lo <strong>da</strong> psiquiatria <strong>de</strong>mocrática italiana e <strong>com</strong>eçou a ser articuladopor volta <strong>de</strong> 1980. Nesse estudo por utilizar <strong>com</strong>o referencial os i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong>fendidospor Paulo Amarante, reconhecido no cenário nacional por ser um estudioso <strong>da</strong> área,optei por adotar o período <strong>de</strong> 1979 a 1980 <strong>com</strong>o início do movimento reformista noBrasil, em consonância <strong>com</strong> a re<strong>de</strong>mocratização que acontecia no país ao final <strong>da</strong>mesma déca<strong>da</strong> e a reforma sanitária. Assim, se inicia um movimento no sentido <strong>de</strong>repensar práticas, conceito e espaço <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtornomental (AMARANTE, 1995).Alguns fatos históricos traduzem <strong>de</strong> certo modo a trajetória <strong>da</strong> reformapsiquiátrica no Brasil, <strong>com</strong>o: o surgimento do Movimento dos Trabalhadores emSaú<strong>de</strong> Mental (MTSM) <strong>de</strong> 1978, a criação <strong>da</strong> primeira associação <strong>de</strong> <strong>familiar</strong>es(Sosintra) que ain<strong>da</strong> hoje é atuante, a I Conferência Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental <strong>de</strong>


291987, a criação do primeiro CAPS do país em 1987, a intervenção na Casa <strong>de</strong>Saú<strong>de</strong> Anchieta em 1989, a criação <strong>da</strong> Portaria Ministerial n. 224, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> janeiro<strong>de</strong> 1992, a II Conferência Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental em 1992, na qual foramdiscutidos três gran<strong>de</strong>s temas: crise, <strong>de</strong>mocracia e reforma psiquiátrica; mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong>atenção em saú<strong>de</strong> mental; e direitos e ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. A promulgação <strong>da</strong> Lei Fe<strong>de</strong>ral n.10.216, <strong>de</strong> 06 <strong>de</strong> a<strong>br</strong>il <strong>de</strong> 2001 e as várias normativas acerca dos serviçossubstitutivos no país contribuíram <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>cisiva para a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> reformapsiquiátrica <strong>br</strong>asileira (AMARANTE, 2007; COSTA-ROSA; LUZIO; YASUI, 2001).O fato que se caracterizou <strong>com</strong>o o estopim para a disseminação dos i<strong>de</strong>ais<strong>da</strong> reforma psiquiátrica no Brasil foi a crise em 1978, na Divisão <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental(DINSAM), Departamento do Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> encarregado <strong>de</strong> elaborar aspolíticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental. Os profissionais <strong>da</strong>s quatro uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s que formavam aDINSAM, to<strong>da</strong>s localiza<strong>da</strong>s no Rio <strong>de</strong> Janeiro, a saber: o Centro Psiquiátrico PedroII, o Hospital Pinel, a Colônia Juliano Moreira e o Manicômio Judiciário HeitorCarrilho <strong>de</strong>flagraram uma greve em 1978, em segui<strong>da</strong> houve <strong>de</strong>missão em massa<strong>de</strong> 260 estagiários e profissionais (AMARANTE, 1995).Eram muitos os problemas enfrentados pela DINSAM <strong>com</strong>o um quadro<strong>de</strong>fasado <strong>de</strong> profissionais, a irregulari<strong>da</strong><strong>de</strong> no trabalho dos bolsistas (profissionais ougraduando <strong>de</strong> medicina, enfermagem, assistência social, psicologia) que muitasvezes assumiam cargos <strong>de</strong> chefia <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s e as precárias condições <strong>de</strong>trabalho. A crise se acentuou quando três médicos bolsistas apontaram asirregulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s e as precárias condições <strong>de</strong> atendimento e assistência às <strong>pessoa</strong>s<strong>com</strong> transtorno mental no Centro Psiquiátrico Pedro II, instituição na qualtrabalhavam. Com o apoio <strong>de</strong> outras instâncias <strong>com</strong>o a Comissão <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mentaldo Sindicato Médico, o Movimento <strong>de</strong> Renovação Médica e as Universi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, surgiuo Movimento dos Trabalhadores <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental. Este tinha <strong>com</strong>o objetivo formarum espaço <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate e mobilização dos trabalhadores <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>para a proposição <strong>de</strong> transformação <strong>da</strong> assistência psiquiátrica em vigor(AMARANTE, 1995).O ano <strong>de</strong> 1978 configurou um marco na reforma psiquiátrica <strong>br</strong>asileira, pois<strong>de</strong>u início a muitas <strong>de</strong>núncias e reivindicações vincula<strong>da</strong>s à imprensa e adocumentos <strong>com</strong>o abaixo assinados e cartas a autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Nestes,figuravam exigências <strong>de</strong> melhores condições salariais, <strong>de</strong> atendimento, visto quefaltava medicação e o número <strong>de</strong> profissionais era insuficiente para aten<strong>de</strong>r a


30<strong>de</strong>man<strong>da</strong>. Ain<strong>da</strong>, exigências <strong>de</strong> formação e capacitação <strong>de</strong> recursos humanos,críticas às instituições psiquiátricas e à política <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> vigente que enfocavapredominantemente a lógica biologicista no <strong>tratamento</strong> <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtornomental (AMARANTE, 1995).A I Conferência Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental ocorreu em junho <strong>de</strong> 1987, <strong>com</strong>o<strong>de</strong>sdo<strong>br</strong>amento <strong>da</strong> 8ª Conferência Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> e os temas discutidosabor<strong>da</strong>vam a ampliação do conceito <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> participaçãopopular na saú<strong>de</strong> mental. São re<strong>com</strong>en<strong>da</strong>ções <strong>de</strong>sta Conferência que osprofissionais <strong>da</strong> área se empenhem no <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> repensar as formas <strong>de</strong> fazernesse campo do conhecimento, que a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> se envolva nas discussões,elaboração e implementação <strong>da</strong>s políticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pertinentes à saú<strong>de</strong> mental e apriorização dos investimentos financeiros na formação <strong>de</strong> recursos humanosvoltados ao atendimento <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> em sofrimento psíquico em serviços extrahospitalares<strong>com</strong>unitários (AMARANTE, 1995; COSTA-ROSA; LUZIO; YASUI,2001).Em 1987 foi criado o primeiro CAPS (Centro <strong>de</strong> Atenção Psicossocial) doBrasil, o CAPS Prof. Luiz <strong>da</strong> Rocha Cerqueira na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, experiênciaque mais tar<strong>de</strong> seria reproduzi<strong>da</strong> em outros municípios <strong>com</strong>o em Santos (LUZIO;L’ABBATE, 2006). Em 1989, dois outros acontecimentos marcaram a trajetóriareformista no Brasil, o primeiro foi a intervenção pela Prefeitura <strong>de</strong> Santos, na Casa<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Anchieta, um hospício privado que contava <strong>com</strong> mais <strong>de</strong> quinhentosinternos. A intervenção <strong>de</strong>u início à substituição do mo<strong>de</strong>lo assistencialhospitalocêntrico pelos serviços <strong>com</strong>unitários <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>com</strong> a criação dos NAPS(Núcleo <strong>de</strong> Atenção Psicossocial), que funcionavam 24 horas, aten<strong>de</strong>ndo to<strong>da</strong>s assituações relaciona<strong>da</strong>s ao estado mental (AMARANTE, 1995).A intervenção na Casa <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Anchieta propôs a adoção <strong>de</strong> medi<strong>da</strong>svolta<strong>da</strong>s ao resgate <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>, digni<strong>da</strong><strong>de</strong> e ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia dos pacientes internos. Asações iniciais <strong>com</strong>preendiam: a criação <strong>de</strong> um ambiente que oferecesse mínimascondições <strong>de</strong> salu<strong>br</strong>i<strong>da</strong><strong>de</strong> sendo proibi<strong>da</strong> to<strong>da</strong> e qualquer forma <strong>de</strong> violência, osaparelhos <strong>de</strong> eletrochoques foram <strong>de</strong>sativados, os pacientes passaram a serchamados pelo nome e os diagnósticos e as medicações foram revistas. Instauravasenova concepção <strong>de</strong> <strong>com</strong>o se relacionar <strong>com</strong> o sofrimento psíquico (LUZIO;L’ABBATE, 2006).


31Po<strong>de</strong>-se consi<strong>de</strong>rar <strong>com</strong>o um primeiro avanço na legislação fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> mental, a promulgação <strong>da</strong> Portaria n. 224, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1992, a qualdiscorre so<strong>br</strong>e novas alternativas <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> às <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mentalque não a institucionalização e regulamenta a internação psiquiátrica. Além disso,explicita a <strong>com</strong>posição <strong>da</strong> equipe mínima para o atendimento em NAPS/CAPS, esta<strong>de</strong>ve ser <strong>com</strong>posta por 1 médico psiquiatra; 1 enfermeiro; 4 outros profissionais <strong>de</strong>nível superior (psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional e/ou outroprofissional necessário à realização aos trabalhos); profissionais <strong>de</strong> níveis médio eelementar necessários ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Ressalta-se que em2002 uma nova portaria entrou em vigor <strong>com</strong> o propósito <strong>de</strong> regulamentar osserviços substitutivos na mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> CAPS, conheci<strong>da</strong> <strong>com</strong>o a Portaria 336/GM,<strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002 (BRASIL, 2004a).As leis estaduais e municipais que eram aprova<strong>da</strong>s enquanto se discutiauma lei fe<strong>de</strong>ral mais explícita em relação às transformações na assistência emsaú<strong>de</strong> mental, foram <strong>de</strong> vital importância para o avanço <strong>da</strong> reforma psiquiátrica<strong>br</strong>asileira, citam-se os estados do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (1992), Ceará (1993),Pernambuco (1994), Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, Minas Gerais, Paraná e Distrito Fe<strong>de</strong>ral(1995) e Espírito Santo (1996) (AMARANTE, 2007).Após 12 anos <strong>de</strong> tramitação do projeto <strong>de</strong> Lei nº. 3.657/89, do DeputadoPaulo Delgado, apresentado em 1989, <strong>com</strong> algumas restrições do que havia sidoproposto inicialmente, <strong>com</strong>o a extinção progressiva dos manicômios, é aprovado em6 <strong>de</strong> a<strong>br</strong>il <strong>de</strong> 2001, no Brasil, a Lei Fe<strong>de</strong>ral n. 10.216, que dispõe so<strong>br</strong>e a ReformaPsiquiátrica Brasileira e prevê a proteção e o direito <strong>da</strong>s <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtornomental, bem <strong>com</strong>o reorganiza e redireciona a assistência psiquiátrica no país, aopriorizar o <strong>tratamento</strong> nos serviços extra-hospitalares (BRASIL, 2004a; AMARANTE,2007).A partir <strong>de</strong> 2001 diversas resoluções e portarias vem sendo aprova<strong>da</strong>sprevendo a regulamentação dos serviços extra-hospitalares <strong>com</strong>o o CAPS, HospitalDia, SRT (Serviço Resi<strong>de</strong>ncial Terapêutico) e a instituição <strong>de</strong> programas <strong>com</strong>o o “DeVolta Para Casa” e <strong>da</strong>s propostas <strong>de</strong> reestruturação e diminuição <strong>de</strong> leitos emhospitais psiquiátricos.O CAPS surgiu <strong>com</strong>o dispositivo estratégico nesse novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> atençãoà saú<strong>de</strong> mental <strong>com</strong> a função <strong>de</strong> organizar a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental respeitando oprincípio <strong>da</strong> territoriali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Prestar assistência direta, regular, articular e tecer a


32re<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e outras re<strong>de</strong>s sociais e <strong>de</strong> outros setores para aten<strong>de</strong>r à<strong>com</strong>plexa <strong>de</strong>man<strong>da</strong> <strong>de</strong> inclusão <strong>da</strong>s <strong>pessoa</strong>s que se encontram excluí<strong>da</strong>s <strong>da</strong>socie<strong>da</strong><strong>de</strong> em <strong>de</strong>corrência do transtorno mental. Deve ain<strong>da</strong> trabalhar em conjunto<strong>com</strong> a atenção básica e articular os recursos existentes em outras re<strong>de</strong>ssociossanitárias, jurídicas, cooperativas <strong>de</strong> trabalho, escolas, empresas <strong>com</strong> vistas àpromoção <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>com</strong>unitária e autonomia dos usuários (BRASIL, 2004b).Ain<strong>da</strong>, ca<strong>da</strong> usuário é orientado a participar <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s ofereci<strong>da</strong>s peloCAPS <strong>de</strong> acordo <strong>com</strong> as suas necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, <strong>de</strong>scritas no plano terapêuticoindividual (PTI), <strong>de</strong>sse modo, o <strong>tratamento</strong> oferecido conta <strong>com</strong> três mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s:intensivo, semi-intensivo e não-intensivo. O atendimento intensivo é diário e se<strong>de</strong>stina às <strong>pessoa</strong>s que se encontram em intenso sofrimento psíquico, em situação<strong>de</strong> crise ou dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s intensas <strong>de</strong> relacionamento <strong>familiar</strong> e social, necessitando<strong>de</strong> a<strong>com</strong>panhamento contínuo pela equipe multiprofissional (BRASIL, 2004b).A mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> semi-intensiva é ofereci<strong>da</strong> àquelas <strong>pessoa</strong>s cujo sofrimentopsíquico e as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> relacionamento diminuíram, no entanto ain<strong>da</strong> precisam<strong>de</strong> atenção direta <strong>da</strong> equipe, o usuário nessa forma <strong>de</strong> atendimento <strong>de</strong>ve participaraté 12 dias em um mês. Já o atendimento não-intensivo é sugerido às <strong>pessoa</strong>s queestão <strong>de</strong>sempenhando suas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e se relacionando <strong>de</strong> forma satisfatória, nãonecessitando <strong>de</strong> a<strong>com</strong>panhamento contínuo <strong>da</strong> equipe, participam do CAPS até trêsdias em um mês e po<strong>de</strong>m ser a<strong>com</strong>panha<strong>da</strong>s por visitas domiciliares (BRASIL,2004b).Outra estratégia relaciona<strong>da</strong> ao processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sinstitucionalizaçãorelaciona-se aos Serviços Residências Terapêuticos (SRTs), ou residênciasterapêuticas. Estes são instituídos pela Portaria/GM nº. 106, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong>2000. São moradias inseri<strong>da</strong>s na <strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>stina<strong>da</strong>s ao acolhimento e areinserção social <strong>da</strong>s <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental, egressos <strong>de</strong> internaçõespsiquiátricas <strong>de</strong> longa permanência, que não possuam suporte social e laços<strong>familiar</strong>es, bem <strong>com</strong>o as que possuem família, mas sua transferência é indica<strong>da</strong>para este serviço ao consi<strong>de</strong>rar a in<strong>com</strong>patibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> viver <strong>com</strong> a família (BRASIL,2004c).Estas moradias acolhem cerca <strong>de</strong> oito moradores, <strong>de</strong>vem sera<strong>com</strong>panha<strong>da</strong>s por uma equipe <strong>de</strong> profissionais do CAPS ou <strong>da</strong> Atenção Básica(Estratégia Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> Família), no entanto é preciso enten<strong>de</strong>r que as residênciasterapêuticas <strong>de</strong>vem se constituir em espaços <strong>de</strong> morar, <strong>de</strong> habitar e não mais uma


33forma <strong>de</strong> institucionalização. Portanto, se organizam no seu espaço interno <strong>de</strong>acordo <strong>com</strong> o gosto <strong>de</strong> seus moradores, haja vista que se constitui uma moradia.Existem dois tipos <strong>de</strong> SRTs: o SRT I, <strong>de</strong>stinado a reinserção social <strong>da</strong>s <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong>transtorno mental consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s mais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e o SRT II, moradias <strong>com</strong>a<strong>com</strong>panhamento profissional 24 horas uma vez que aten<strong>de</strong> uma clientela <strong>com</strong>limitações tanto físicas quanto cognitivas que necessitam <strong>de</strong> atenção contínua(BRASIL, 2004c).A reinserção social <strong>de</strong> pacientes que viveram os últimos 30, 40 anosfechados <strong>de</strong>ntro do manicômio não é tarefa fácil, uma vez que estes na instituiçãonão tinham o direito <strong>de</strong> opinar a respeito <strong>de</strong> coisas simples relaciona<strong>da</strong>s ao cotidiano<strong>com</strong>o, por exemplo, horário <strong>de</strong> tomar banho, roupa que <strong>de</strong>sejava usar e, <strong>de</strong> repente,tem a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer e viver em um mundo cujos avanços e asinovações tecnológicas estão presentes e em constante processo <strong>de</strong> crescimento(MAFTUM, 2004).Diante <strong>de</strong>ssas iniciativas, as novas políticas <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> mentalorientam a transição dos cui<strong>da</strong>dos antes focados no hospital psiquiátrico para a<strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong>, entretanto, a instituição psiquiátrica continua a fazer parte <strong>da</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong>serviços disponíveis ao atendimento <strong>da</strong>s <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental,principalmente, no momento <strong>de</strong> agudização dos sintomas psicóticos (RANDEMARK;BARROS, 2007).Exigiu-se a reformulação <strong>de</strong>sse espaço <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> ao preconizar ahumanização <strong>da</strong>s práticas e o resgate <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia do indivíduo em sofrimentopsíquico, no entanto, as transformações em sua maioria se restringem a estruturafísica dos manicômios. Isto porque o discurso na área <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> mental continuaorientado pelo paradigma tradicional biologicista e por condutas punitivas, vigilantes,discriminatórias que visam à correção dos <strong>com</strong>portamentos que fogem aos padrões<strong>da</strong> aceitação social (RANDEMARK; BARROS, 2007).Há que se consi<strong>de</strong>rar que os serviços substitutivos em sua maioria nãoestão conseguindo ser a porta <strong>de</strong> entra<strong>da</strong> dos casos graves e persistentes eresolutivos o suficiente para que efetivamente as <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mentalpossam ser trata<strong>da</strong>s sem necessitar do internamento. Na reali<strong>da</strong><strong>de</strong> atual <strong>br</strong>asileira oque se configura é a instituição psiquiátrica <strong>com</strong>o referência no atendimento nosmomentos <strong>de</strong> agudização dos sintomas clínicos.


342.3 A FAMÍLIA E SUA RELAÇÃO COM A PESSOA EM SOFRIMENTO PSÍQUICOA instituição família, na história <strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong>, sempre sofreu intervenções.Na i<strong>da</strong><strong>de</strong> medieval foi submeti<strong>da</strong> ao po<strong>de</strong>r <strong>da</strong> Igreja que sob o discurso <strong>da</strong>morali<strong>da</strong><strong>de</strong> se ocupava do casamento e <strong>da</strong>s questões <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>. A partir doséculo XIX a medicina higienista faz sua interferência <strong>com</strong> as prescrições <strong>de</strong>indicações e contra-indicações para o casamento (MELMAN, 2006).Na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> medieval a família era concebi<strong>da</strong> <strong>com</strong>o um gran<strong>de</strong>agrupamento, portanto sua <strong>com</strong>posição extrapolava àqueles unidos por laços <strong>de</strong>sangue. Incluíam-se os empregados, protegidos e amigos e, todos tinham livreacesso à casa <strong>da</strong> família (casa gran<strong>de</strong>, espaçosa, <strong>com</strong> muitos cômodos), localreconhecido <strong>com</strong>o espaço <strong>de</strong> sociabili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Nessas habitações não havia separaçãoentre a vi<strong>da</strong> social, <strong>familiar</strong> e profissional (MELMAN, 2006).Nos séculos XVIII e XIX a concepção <strong>de</strong> família sofreu alterações, <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong>ser um local público, passou a ser um local <strong>de</strong> privaci<strong>da</strong><strong>de</strong>, os empregadospassaram a morar em casas separa<strong>da</strong>s e os visitantes <strong>com</strong>o sinal <strong>de</strong> boa educaçãoanunciavam <strong>com</strong> antecedência sua vin<strong>da</strong>. A família se constituiu uni<strong>da</strong><strong>de</strong> priva<strong>da</strong>,porém essa i<strong>de</strong>ia em um primeiro momento ficou limita<strong>da</strong> à classe burguesa(MELMAN, 2006).Na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, a estrutura <strong>familiar</strong> passou a ser representa<strong>da</strong> pelafigura do pai, mãe e filhos. O pai, chefe <strong>da</strong> família, responsável por prover o sustentoe a so<strong>br</strong>evivência. A mãe, <strong>com</strong> a incumbência <strong>de</strong> assumir os cui<strong>da</strong>dos domésticos ea criação dos filhos. Esta era a chama<strong>da</strong> família nuclear, pais e filhos vivendo emuma casa <strong>com</strong> privaci<strong>da</strong><strong>de</strong> e unidos por fortes vínculos <strong>de</strong> pertencimento ao grupo.Assim, a família mo<strong>de</strong>rna foi marca<strong>da</strong> pela dicotomia <strong>de</strong> papéis e por <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong>dos sexos (MELMAN, 2006).Ao longo <strong>da</strong> história a família vem sofrendo transformações na suaconfiguração, no modo <strong>de</strong> ser conceitua<strong>da</strong> e no estabelecimento <strong>da</strong>s relações <strong>de</strong>po<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> forma mais efetiva a partir dos anos 60 do século XX. As mu<strong>da</strong>nças dizemrespeito a sua organização e a forma <strong>de</strong> conviver em razão <strong>da</strong> nova dimensão nasrelações entre a mulher e o homem e <strong>de</strong>stes <strong>com</strong> os filhos e a divisão dos papéis<strong>familiar</strong>es (SARTI, 2003; ROMANELLI, 2003).


35Ao tentar conceituar família, se torna necessário enten<strong>de</strong>r o que vem a serum conceito. Estes são imagens mentais <strong>de</strong> algum objeto real, que assumemdiferentes significados e perspectivas, pois são influenciados por nossa própriapercepção, estão em constante transformação. Assim, o conceito <strong>de</strong> família évariável para ca<strong>da</strong> sujeito e para ca<strong>da</strong> grupo <strong>familiar</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>da</strong> sua visão <strong>de</strong>mundo e do significado que este tem para si (PENNA, 1994).A família, alicerça<strong>da</strong> no respeito à individuali<strong>da</strong><strong>de</strong> é reconheci<strong>da</strong> <strong>com</strong>oambiente privilegiado <strong>de</strong> socialização, próprio para o aprendizado e o exercício <strong>da</strong>ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e <strong>da</strong>s relações <strong>de</strong>mocráticas, além <strong>de</strong> constituir espaço para as práticas<strong>de</strong> tolerância, responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> e busca coletiva <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> so<strong>br</strong>evivência(KALOUSTIAN, 1998; TAKASHIMA, 1998). Corroborando <strong>com</strong> esse pensamentoCarvalho (1998, p. 93), se refere à família <strong>com</strong>o “o primeiro sujeito que referencia etotaliza a proteção e a socialização dos indivíduos”, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong>s múltiplasformas e contornos que ela assuma é nela que se inicia o aprendizado dos afetos e<strong>da</strong>s relações sociais.Patrício (1994, p. 97) se refere à família <strong>com</strong>o um:[...] sistema inter<strong>pessoa</strong>l formado por <strong>pessoa</strong>s que interagem porvariados motivos, tais <strong>com</strong>o afetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e reprodução <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> umprocesso histórico <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, mesmo sem habitar o mesmo espaçofísico. É uma relação social dinâmica que durante todo o seuprocesso <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, assume formas, tarefas e sentidoselaborados a partir <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> crenças, valores e normas.Para Penna (1993), a família é dinâmica, po<strong>de</strong> ser conceitua<strong>da</strong> <strong>com</strong>ouni<strong>da</strong><strong>de</strong> em constante movimento, constituí<strong>da</strong> não apenas por aqueles que mantêmuma união pelos laços <strong>de</strong> sangue, mas por todos que se percebem <strong>com</strong>o família,unidos por afeto, que convivem organizados em <strong>de</strong>terminado tempo e visam oalcance <strong>de</strong> objetivos <strong>com</strong>uns. Ain<strong>da</strong>, para as autoras é função <strong>da</strong> família assistir osseus mem<strong>br</strong>os, aten<strong>de</strong>r suas necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e prover meios a<strong>de</strong>quados <strong>de</strong>crescimento e <strong>de</strong>senvolvimento; é um espaço <strong>de</strong> conflitos e contradições queinfluencia e é influenciado pelo ambiente em que vive.Nessa perspectiva, se enten<strong>de</strong> família <strong>com</strong>o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira uni<strong>da</strong><strong>de</strong> básica <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>, capaz <strong>de</strong> resolver os problemas do viver cotidiano. Contudo, para<strong>de</strong>sempenhar o papel <strong>de</strong> provedora <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>do, ela necessita <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> social


36ampla e resolutiva, <strong>de</strong> preparo, acolhimento, apoio e orientação por parte dosprofissionais (PEREIRA; PEREIRA JR, 2003).A re<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte social envolve to<strong>da</strong>s as relações que os integrantes <strong>da</strong>família estabelecem <strong>com</strong> amigos, associações, instituições religiosas e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,vizinhos e relações <strong>de</strong> trabalho, enfim todos os vínculos inter<strong>pessoa</strong>is que sãoimportantes para o sujeito viver e <strong>de</strong>senvolver-se <strong>com</strong>o ser sociável (MELMAN,2006).Elsen et al (1994) chama a atenção para o fato <strong>de</strong> que a família entendi<strong>da</strong><strong>com</strong>o uma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> na qual o cui<strong>da</strong>do é prestado, nem sempre é eficiente naexecução <strong>de</strong>ssa ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, bem <strong>com</strong>o po<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvê-lo muito bem em<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s situações e apresentar dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s em outras. A autora conceitua ocui<strong>da</strong>do <strong>de</strong>senvolvido pela família, <strong>com</strong>o cui<strong>da</strong>do familial.O cui<strong>da</strong>do familial é concretizado por meio <strong>da</strong>s crenças, percepções epráticas que a família dispõe e agrega ao longo <strong>de</strong> sua trajetória. Visto que ca<strong>da</strong>família é única, o cui<strong>da</strong>do prestado para a manutenção ou restabelecimento do bemestardos seus mem<strong>br</strong>os é individual e acontece <strong>de</strong> maneira diferente <strong>de</strong> acordo <strong>com</strong>a fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento que os integrantes <strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>familiar</strong> se encontram.Deste modo, o cui<strong>da</strong>do familial se reflete nos valores, nos sentimentos <strong>de</strong> pertença aum grupo, <strong>de</strong> sentir-se amado e protegido, o que interfere <strong>de</strong> maneira positiva no<strong>de</strong>senvolver-se <strong>de</strong> qualquer ser humano (ELSEN, 2002).Para Elsen (2002, p. 17) o cui<strong>da</strong>do familial objetiva “o crescimento,<strong>de</strong>senvolvimento, saú<strong>de</strong> e bem-estar, realização <strong>pessoa</strong>l, inserção e contribuiçãosocial” dos mem<strong>br</strong>os <strong>da</strong> família individualmente e/ou <strong>com</strong>o grupo, no qual osvínculos são estreitados e solidificados. Este cui<strong>da</strong>do po<strong>de</strong> ser reconhecido por meio<strong>de</strong> atributos <strong>com</strong>o: proteção, presença, promoção <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e do bem-estar eorientação.O cui<strong>da</strong>do por meio <strong>da</strong> proteção garante as medi<strong>da</strong>s referentes à segurançasocial e psíquico-física do grupo <strong>familiar</strong>, bem <strong>com</strong>o é responsável pela orientação ea<strong>com</strong>panhamento do sujeito <strong>com</strong>o um ser social. A presença é representa<strong>da</strong> pelasações, interações e interpretações por meio <strong>da</strong>s quais a família expressasoli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> aos seus integrantes. Este atributo é fun<strong>da</strong>mental para o crescimentoe <strong>de</strong>senvolvimento integral do ser humano na fase <strong>de</strong> infância e ao vivenciar umapatologia. A promoção <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e bem-estar está relaciona<strong>da</strong> à criação oumanutenção <strong>de</strong> uma ambiência a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> para a promoção, o zelo e a recuperação


37do estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Esse atributo do cui<strong>da</strong>do familial mesmo sendo importante paraa coletivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>familiar</strong> é <strong>de</strong>senvolvido ao consi<strong>de</strong>rar as peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>s do individual.A orientação acontece fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> pela visão <strong>de</strong> mundo <strong>da</strong> família em que<strong>com</strong>partilha suas opiniões e crenças acerca do que consi<strong>de</strong>ra a<strong>de</strong>quado ouina<strong>de</strong>quado para a educação, postura, <strong>com</strong>portamento e atitu<strong>de</strong> dos seusintegrantes (ELSEN, 2002).Por constituir a primeira re<strong>de</strong> social do sujeito, a família torna-se elementoimprescindível no cui<strong>da</strong>do e atenção à <strong>pessoa</strong> em sofrimento psíquico para que estapossa viver em seu meio social e não em instituições psiquiátricas. Atualmente sepreconiza a inclusão <strong>da</strong> família e a utilização dos recursos e <strong>da</strong>s estratégias<strong>com</strong>unitárias <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong>, na atenção em saú<strong>de</strong> mental e nas <strong>de</strong>mais áreas <strong>da</strong>saú<strong>de</strong>, em consonância <strong>com</strong> a proposta <strong>de</strong> humanização e <strong>da</strong>s políticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>do país (PEREIRA; PEREIRA JR, 2003). Entretanto, nem sempre essa reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>inclusão <strong>da</strong> família no cui<strong>da</strong>do às <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental esteve presente,ao contrário, a família por muito tempo foi vista <strong>com</strong>o a causadora <strong>da</strong> enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>mental.Acreditava-se que a família <strong>de</strong>veria permanecer distante do seu <strong>familiar</strong>doente, pois este era entendido <strong>com</strong>o indisciplinado e responsável pela <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>msocial, <strong>de</strong>sse modo o seu convívio em família po<strong>de</strong>ria prejudicar os mem<strong>br</strong>os maisvulneráveis, <strong>com</strong>o as crianças. Outro fator que fortalecia a dinâmica <strong>de</strong>institucionalização <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental era a culpabilização <strong>da</strong> famíliapelo <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>amento do quadro psicótico. A psiquiatria sustenta<strong>da</strong> pelo discursomoralizante insistia na necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> isolar a <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno psíquico, emmantê-la distante <strong>de</strong> seu ambiente <strong>familiar</strong>, propondo o mínino contato possível <strong>com</strong>a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> exterior (MELMAN, 2006).A psicanálise <strong>com</strong>o parte do campo <strong>da</strong> psiquiatria exerceu gran<strong>de</strong> influênciana forma <strong>de</strong> perceber a relação <strong>da</strong> família <strong>com</strong> a loucura. Em 1948, um trabalho<strong>de</strong>senvolvido por Reichmamm trouxe à <strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong> científica o conceito <strong>da</strong> mãeesquizofrenogênica, ao evi<strong>de</strong>nciar que a relação entre mãe e filho contribuía <strong>de</strong>forma <strong>de</strong>cisiva no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> esquizofrenia (MELMAN, 2006).No mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> orientação psicanalítica, a ca<strong>da</strong> integrante <strong>da</strong> família eramatribuídos papéis e funções. Aquele que adoecia era consi<strong>de</strong>rado o ‘bo<strong>de</strong> expiatório’do grupo, assim, a <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental carregava, as mazelas dorelacionamento <strong>familiar</strong> e, ao manifestar os sintomas <strong>da</strong> doença se sacrificava para


38manter o equilí<strong>br</strong>io e bem-estar psíquico dos <strong>de</strong>mais mem<strong>br</strong>os <strong>da</strong> família (MELMAN,2006).A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que um ambiente <strong>familiar</strong> estressante, carente <strong>de</strong> afeto e <strong>de</strong>cui<strong>da</strong>dos, perpassado por relações conflitantes e uma situação financeira<strong>de</strong>sfavorável po<strong>de</strong>ria contribuir para o surgimento <strong>da</strong> enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong> mental terminoupor ser equivoca<strong>da</strong>mente generaliza<strong>da</strong>. Todos os casos <strong>de</strong> doença mental eramconcebidos <strong>com</strong>o resultado <strong>de</strong> relações <strong>familiar</strong>es ina<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>s e fracassa<strong>da</strong>s. Esta<strong>com</strong>preensão <strong>de</strong> família e loucura foi reafirma<strong>da</strong> pela antipsiquiatria (MELMAN,2006).Somente a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 60 do século passado, estudo <strong>de</strong>senvolvido<strong>com</strong> <strong>familiar</strong>es <strong>de</strong> pacientes esquizofrênicos permitiu afirmar que o ambiente <strong>familiar</strong>em <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s circunstâncias, principalmente quando não há a<strong>da</strong>ptação àconvivência <strong>com</strong> as perturbações do pensamento e o <strong>com</strong>portamento ina<strong>de</strong>quadoconstitui um fator <strong>de</strong> estresse. Deste modo, o ambiente <strong>familiar</strong> não constitui oprincipal agente por si só causal do transtorno mental (MELMAN, 2006).A família oci<strong>de</strong>ntal concebi<strong>da</strong> <strong>com</strong>o a responsável pela formação e<strong>de</strong>senvolvimento dos filhos ao <strong>de</strong>parar-se <strong>com</strong> a enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong> psíquica ten<strong>de</strong> aoisolamento social em virtu<strong>de</strong> <strong>da</strong>s recaí<strong>da</strong>s, reinternamentos, distanciamento <strong>da</strong>possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> cura e os constantes fracassos na vi<strong>da</strong> social <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong>transtorno mental, situações produtoras <strong>de</strong> frustração e incertezas. Porquanto, asituação <strong>de</strong> enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong> crônica representa para a família “o colapso dos esforços,o atestado <strong>de</strong> incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>r a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>mente do outro, o fracasso <strong>de</strong> umprojeto <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, o <strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong> muitos anos <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação e investimento”.Destaca-se que a gravi<strong>da</strong><strong>de</strong> do quadro clínico não reflete a intensi<strong>da</strong><strong>de</strong> dossentimentos <strong>da</strong> família (MELMAN, 2006, p. 23).


393 METODOLOGIAEsta é uma pesquisa qualitativa cuja mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> tem a preocupação <strong>com</strong>um nível <strong>de</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que não po<strong>de</strong> ser quantificado, não se propõe a generalizar,mas preten<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a questões muito particulares, intrinsecamenterelaciona<strong>da</strong>s ao mais profundo <strong>da</strong>s relações, dos processos e dos fenômenos.Busca revelar o significado e as dimensões <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> em estudo por meio <strong>da</strong>coleta <strong>de</strong> materiais narrativos, portanto carregados <strong>de</strong> subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Caracteriza-sepor assumir um <strong>de</strong>lineamento flexível, porém sem infringir o rigor metodológico dométodo escolhido. Porquanto, pesquisa é uma prática que se caracteriza porprocesso constante <strong>de</strong> aproximação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que não se esgota (POLIT; BECK;HUNGLER, 2004; MINAYO, 2004).3.1 MÉTODOO referencial metodológico adotado nesta pesquisa foi o <strong>da</strong> História Oral, poracreditar que para conhecer a vivência dos atores sociais acerca do <strong>tratamento</strong> emsaú<strong>de</strong> mental em face <strong>de</strong> um processo social e político <strong>com</strong>plexo <strong>com</strong>o é omovimento <strong>da</strong> reforma psiquiátrica, torna-se imprescindível <strong>da</strong>r às famílias que temum integrante <strong>com</strong> transtorno mental a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se expressarem.A História Oral tem-se revelado instrumento importante para possibilitarmelhor <strong>com</strong>preensão <strong>da</strong> construção <strong>da</strong>s estratégias <strong>de</strong> ação e <strong>da</strong>s representações<strong>de</strong> grupos ou indivíduos em <strong>da</strong><strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> (FERREIRA, 1994). Ela po<strong>de</strong> serentendi<strong>da</strong> <strong>com</strong>o: ferramenta, técnica, método, forma <strong>de</strong> saber e disciplina. Nesteestudo a opção foi por utilizá-la <strong>com</strong>o método, o qual centra sua atenção em torno<strong>de</strong> entrevistas, pois o maior interesse está no que é expresso pelo colaborador <strong>com</strong>oponto fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong>s análises (MEIHY; HOLANDA, 2007).Como método, a História Oral aten<strong>de</strong> à elaboração <strong>de</strong> estudos que sepropõem a <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r a experiência social individual ou coletiva doscolaboradores frente a <strong>de</strong>terminados acontecimentos que afetam e transformam seumodo <strong>de</strong> ser e estar na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> (MEIHY; HOLANDA, 2007).


40Ao consi<strong>de</strong>rar as multifacetas e a <strong>com</strong>plexi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a História Oral<strong>de</strong> uma forma ampla permite a apreensão <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> vista originais, possibilita aabertura <strong>de</strong> novos e importantes focos <strong>de</strong> investigação e se mostra um métodopromissor para a pesquisa em diferentes áreas do conhecimento (THOMPSON,1998). Ela é utiliza<strong>da</strong> para a “elaboração <strong>de</strong> registros, documentos, arquivamento eestudos referentes à experiência social <strong>de</strong> <strong>pessoa</strong>s e grupos”. A História Oral é umprocesso dinâmico, <strong>de</strong>senvolvido no presente e <strong>de</strong>ve respon<strong>de</strong>r a questões <strong>de</strong>utili<strong>da</strong><strong>de</strong> prática e social, haja vista que permite a reflexão e a avaliação dosprocessos sociais em curso (MEIHY; HOLANDA, 2007, p. 17).Desta maneira, a História Oral dá:[...] ênfase aos fenômenos e eventos que permitam através <strong>da</strong>orali<strong>da</strong><strong>de</strong>, oferecer interpretações qualitativas <strong>de</strong> processos históricosociais.Para isso, conta <strong>com</strong> métodos e técnicas precisas, em que aconstituição <strong>de</strong> fontes e arquivos orais <strong>de</strong>sempenha um papelimportante. Desta forma, a história oral, ao se interessar pelaorali<strong>da</strong><strong>de</strong>, procura <strong>de</strong>stacar e centrar sua análise na visão e versãoque emanam do interior e do mais profundo <strong>da</strong> experiência dosatores sociais (LOZANO 1 1996, citado por MEIHY; HOLANDA, 2007,p. 84).A história oral <strong>com</strong>o método <strong>de</strong> pesquisa assume três mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s, <strong>de</strong>acordo <strong>com</strong> a forma e <strong>com</strong>o as entrevista são conduzi<strong>da</strong>s: a) história oral <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, b)tradição oral e c) história oral temática. Estas têm <strong>com</strong>o eixo fun<strong>da</strong>mental asnarrativas orais, do indivíduo ou <strong>de</strong> grupos que se dispõem a serem colaboradores(MEIHY; HOLANDA, 2007).Nesta pesquisa o método escolhido foi a História Oral Temática, para aqual os <strong>de</strong>talhes <strong>da</strong> história <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>pessoa</strong>l do colaborador entrevistado sóinteressam na medi<strong>da</strong> em que se revelam aspectos úteis à informação <strong>da</strong> temáticacentral. Esse gênero é mais utilizado “pelas <strong>pessoa</strong>s que se valem <strong>da</strong>s entrevistas<strong>com</strong>o forma dialógica <strong>de</strong> promover discussões em torno <strong>de</strong> um assunto específico”,em geral a História Oral Temática é usa<strong>da</strong> <strong>com</strong>o “metodologia ou técnica e, <strong>da</strong>do ofoco temático precisado no projeto, se torna um meio <strong>de</strong> busca <strong>de</strong> esclarecimentos<strong>de</strong> situações conflitantes, polêmicas, contraditórias” (MEIHY; HOLANDA, 2007, p.38).1 LOZANO, J. E. A. Prática e estilos <strong>de</strong> pesquisa na história oral contemporânea. In: FERREIRA, M.M. (Org.). Usos e abusos <strong>da</strong> história oral. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Fun<strong>da</strong>ção Getúlio Vargas, 1996. p.16.


41In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> adota<strong>da</strong>, se po<strong>de</strong> classificar a História Oral emhistória oral hí<strong>br</strong>i<strong>da</strong> e história oral pura. Na história oral hí<strong>br</strong>i<strong>da</strong>, as narrativas secruzam entre si <strong>de</strong> maneira a promover uma discussão, e dialogam <strong>com</strong> outrasfontes ou documentos. Já, a história oral pura trabalha exclusivamente <strong>com</strong> anarrativa do colaborador, é mais <strong>com</strong>um nos trabalhos que seguem a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>História Oral <strong>de</strong> Vi<strong>da</strong> (MEIHY; HOLANDA, 2007).Esta pesquisa é caracteriza<strong>da</strong> <strong>com</strong>o história oral hí<strong>br</strong>i<strong>da</strong>, haja vista que asnarrativas dialogam entre si e <strong>com</strong> a literatura. Para Meihy e Holan<strong>da</strong> (2007, p.129)na “história oral hí<strong>br</strong>i<strong>da</strong> se preza o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> ‘conversa’, contatos ou diálogos <strong>com</strong>outros documentos, sejam iconográficos ou escritos <strong>com</strong>o: historiográficos,filosóficos ou literários”.A História Oral envolve seis momentos principais para a sua realização:elaboração do projeto, gravação, estabelecimento do documento escrito, eventualanálise, arquivamento e <strong>de</strong>volução social (MEIHY; HOLANDA, 2007).O projeto em História Oral representa o planejamento dos procedimentos aserem realizados para a operacionalização <strong>da</strong> pesquisa, são <strong>de</strong>scritos eesclarecidos os três princípios básicos <strong>da</strong> História Oral: <strong>de</strong> quem, <strong>com</strong>o e por que,<strong>da</strong>ndo ênfase ao <strong>com</strong>o. Aspectos importantes relacionados ao projeto são o tema, ajustificação e o estabelecimento do corpus documental (MEIHY; HOLANDA, 2007).O tema, preferencialmente, além <strong>de</strong> explicitar a importância social do estudo,<strong>de</strong>ve ser capaz <strong>de</strong> orientar a reflexão so<strong>br</strong>e a efetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s políticas públicasatuais, bem <strong>com</strong>o sugerir novas políticas, haja vista que ao término do estudo, épossível construir uma memória coletiva acerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado acontecimento. Ajustificação se relaciona à motivação para realização <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong>ssa natureza.Os motivos po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m <strong>pessoa</strong>l, acadêmica, historiográfica, mas sempre<strong>com</strong> enfoque social, voltados ao entendimento do tempo presente e <strong>de</strong>vem refletir arelevância do tema, bem <strong>com</strong>o evi<strong>de</strong>nciar a pertinência do assunto visto por ângulosdiferentes (MEIHY; HOLANDA, 2007).A gravação é a materialização inicial do projeto, se <strong>de</strong>ve atentar para osfatores ambientais que po<strong>de</strong>m interferir na gravação <strong>da</strong>s entrevistas (priorizar umlugar reservado e longe <strong>de</strong> ruídos). O estabelecimento do documento escrito envolvea passagem do oral para o escrito ao seguir as fases <strong>de</strong> transcrição, textualização etranscriação, culminando <strong>com</strong> o estabelecimento <strong>de</strong> textos, a conferência do produtoescrito e a autorização para o uso do texto final. Outra etapa é a eventual análise,


42dita <strong>de</strong>ssa forma em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> na História Oral se aceitar escrever um projeto <strong>com</strong> oobjetivo <strong>de</strong> estabelecer textos para arquivamento e não necessariamente sejao<strong>br</strong>igatório proce<strong>de</strong>r à análise (MEIHY; HOLANDA, 2007).O arquivamento refere-se aos cui<strong>da</strong>dos e a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> na manutençãodo material, uma vez que o <strong>de</strong>scarte do material construído é con<strong>de</strong>nado. A últimaetapa dos passos seguidos na História Oral é a <strong>de</strong>volução social, os resultados<strong>de</strong>vem em primeiro lugar, voltar ao grupo e/ou colaboradores que os gerou, po<strong>de</strong> serem forma <strong>de</strong> publicação, <strong>de</strong> livros ou exposições (MEIHY; HOLANDA, 2007).3.2 LOCALEsta pesquisa foi <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> na Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba e região metropolitanae envolveu famílias e <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental em seus domicílios eambientes <strong>de</strong> duas Associações, ambas <strong>com</strong> se<strong>de</strong> em Curitiba.3.3 COLABORADORESOs estudos qualitativos não têm a preocupação <strong>com</strong> o tamanho <strong>da</strong> amostra,uma vez que seu objetivo é a <strong>com</strong>preensão do objeto <strong>de</strong> investigação e não ageneralização. Os sujeitos são escolhidos <strong>de</strong> forma não aleatória e em númerosuficiente para se fazer <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r o fenômeno que está em estudo (POLIT;BECK; HUNGLER, 2004).Em consonância ao referencial metodológico <strong>da</strong> história oral os participantessão consi<strong>de</strong>rados colaboradores, uma vez que participam <strong>de</strong> forma espontânea esão agentes ativos do processo <strong>de</strong> pesquisa, não meros informantes (MEIHY;HOLANDA, 2007).Participaram <strong>de</strong>sta pesquisa oito colaboradores os quais pertencem a trêsfamílias conforme Quadro 1.


43Famílias Integrantes I<strong>da</strong><strong>de</strong> DiagnósticoatualI<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>1ª crise/AnoOcupaçãoEstadoCivilCódigo doscolaboradoresFamília 1Família 2Família 3MãePaiIrmãEduar<strong>da</strong>*MãePaulo*MãeGustavo*61 anos72 anos38 anos40anos**67 anos38anos**66 anos47anos**TranstornoAfetivoBipolarTranstornoAfetivoBipolar19 anos/198523 anos/1994DiaristaAutônomoDo LarDo LarDo LarDo larDo LarAposentadoCasa<strong>da</strong>Casa<strong>da</strong>Casa<strong>da</strong>SolteiraViúvaSolteiroViúvaSolteiroF1MãeF1PaiF1IrmãF1Eduar<strong>da</strong>F2MãeF2PauloF3MãeF3GustavoEsquizofrenia 17 anos/1982QUADRO 1 – CARACTERIZAÇÃO DOS COLABORADORES DE ACORDO COM A IDADE,DIAGNÓSTICO ATUAL, IDADE DA 1ª CRISE E ANO, OCUPAÇÃO, ESTADO CIVIL E CÓDIGO DEIDENTIFICAÇÃOFONTE: O AUTOR.* Nomes fictícios** Em i<strong>da</strong><strong>de</strong> produtivaOs critérios <strong>de</strong> inclusão dos colaboradores nesta pesquisa foram: família <strong>com</strong>pelo menos uma <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental que adoeceu anteriormente a 1980(ano que marca o início <strong>da</strong> reforma psiquiátrica no país) até 1994, aproxima<strong>da</strong>mente(quando efetivamente se estabelece uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> assistência na área <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>mental orienta<strong>da</strong> pelos princípios do mo<strong>de</strong>lo psicossocial). Familiares quea<strong>com</strong>panham a trajetória <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental, serreferido pelo portador <strong>de</strong> transtorno mental <strong>com</strong>o família, os maiores <strong>de</strong> <strong>de</strong>zoito anose aqueles que aceitaram participar <strong>da</strong> pesquisa por meio <strong>da</strong> assinatura do Termo <strong>de</strong>Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE A).Foram excluídos <strong>de</strong>ssa pesquisa os colaboradores menores <strong>de</strong> 18 anos, osmaiores <strong>de</strong> 18 anos que após a explicação dos objetivos e <strong>da</strong> metodologia senegaram a participar do estudo e não assinaram o Termo <strong>de</strong> Consentimento Livre eEsclarecido, <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental cujos sintomas apareceram após 1994,<strong>familiar</strong>es que não a<strong>com</strong>panham a trajetória <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong>transtorno mental e famílias nas quais a <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental seencontrava interna<strong>da</strong> em instituição psiquiátrica ou sob interdição legal no período<strong>da</strong> coleta dos <strong>da</strong>dos.Para a seleção dos colaboradores consi<strong>de</strong>rei os passos <strong>de</strong>finidores do“<strong>com</strong>o fazer” pesquisa <strong>com</strong> o método <strong>da</strong> História Oral, os quais também orientaram a


44realização <strong>da</strong>s entrevistas. Esses passos consistem em estabelecer a <strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>stino, a colônia e a re<strong>de</strong> (MEIHY; HOLANDA, 2007, p. 54).A <strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino é <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> consi<strong>de</strong>rando que o que marca aunião <strong>da</strong>s <strong>pessoa</strong>s são dramas <strong>com</strong>uns, vivenciados <strong>com</strong> intensi<strong>da</strong><strong>de</strong> econsequências importantes que <strong>de</strong> certo modo acabam por impor mu<strong>da</strong>nças nadinâmica <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do grupo. Porquanto, é a partir <strong>de</strong> uma situação coletiva que seforma a <strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino (MEIHY; HOLANDA, 2007, p. 54). Nesta pesquisa a<strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino é representa<strong>da</strong> pelas famílias que vivenciam o <strong>tratamento</strong> <strong>de</strong>um integrante <strong>com</strong> transtorno mental em face <strong>da</strong> reforma psiquiátrica <strong>br</strong>asileira.A colônia é a primeira divisão <strong>da</strong> <strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino e sua finali<strong>da</strong><strong>de</strong> éfacilitar o entendimento do todo e tornar viável a realização do estudo. No entanto, épreciso atentar para a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> manter o elo entre os colaboradores que aconstituem e o grupo <strong>da</strong> <strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino. Portanto, nesta pesquisa a colôniaé representa<strong>da</strong> pelas famílias que vivenciam o <strong>tratamento</strong> <strong>de</strong> um integrante <strong>com</strong>transtorno mental em face <strong>da</strong> reforma psiquiátrica e que resi<strong>de</strong>m em Curitiba eregião metropolitana.Re<strong>de</strong> é a subdivisão <strong>da</strong> colônia, ela <strong>de</strong>ve ser plural, porque nas diferençasinternas dos grupos se expõem formas diversifica<strong>da</strong>s <strong>de</strong> entendimento do fenômeno.Ressalta-se que “um dos fun<strong>da</strong>mentos do bom estabelecimento <strong>da</strong>s re<strong>de</strong>s preza oentendimento em profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s razões <strong>de</strong> segmentos organizados que <strong>com</strong>põeo todo” (MEIHY; HOLANDA, 2007, p. 54). Nesta pesquisa a re<strong>de</strong> é constituí<strong>da</strong> <strong>de</strong>famílias (entendi<strong>da</strong> <strong>com</strong>o a <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental e as <strong>pessoa</strong>s que elereferiu e consi<strong>de</strong>rou <strong>com</strong>o sua família) que vivenciam a trajetória <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> <strong>da</strong><strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental anterior a 1980 ou <strong>de</strong> 1980 a 1994.Para estabelecer esta re<strong>de</strong>, procedi a articulação <strong>com</strong> duas associações <strong>de</strong><strong>familiar</strong>es e <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental. Em uma <strong>de</strong>las participei <strong>de</strong> ro<strong>da</strong>s <strong>de</strong>conversa, na outra <strong>de</strong>senvolvi dois grupos <strong>de</strong> discussão acerca <strong>de</strong> família e seupapel <strong>com</strong> a <strong>pessoa</strong> em sofrimento mental, além <strong>de</strong> participar <strong>de</strong> algumas reuniões e<strong>da</strong> manifestação organiza<strong>da</strong> no dia <strong>da</strong> luta antimani<strong>com</strong>ial. A partir <strong>de</strong>ssaexperiência foi possível i<strong>de</strong>ntificar prováveis colaboradores.Na História Oral a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> colaboradores é forma<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong>s entrevistasiniciais, <strong>de</strong>nomina<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ponto zero (MEIHY; HOLANDA, 2007). Contudo, nessapesquisa <strong>com</strong>o os primeiros colaboradores não sugeriram outros para <strong>da</strong>rseguimento às entrevistas, todos os participantes foram escolhidos


45intencionalmente. Após realizar contato <strong>com</strong> os responsáveis por duas Associações<strong>de</strong> <strong>familiar</strong>es e <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental, eles indicaram os colaboradores queaten<strong>de</strong>riam aos critérios <strong>de</strong> inclusão <strong>de</strong>scritos anteriormente e assim, procedi aoconvite aos mesmos.3.4 ASPECTOS ÉTICOSOs aspectos éticos nesta pesquisa foram salvaguar<strong>da</strong>dos mediante aassinatura do Termo <strong>de</strong> Consentimento Livre e Esclarecido, conforme asre<strong>com</strong>en<strong>da</strong>ções <strong>da</strong> Resolução n° 196, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> outu<strong>br</strong>o <strong>de</strong> 1996, do ConselhoNacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, que dispõe acerca <strong>da</strong>s pesquisasenvolvendo seres humanos.Os colaboradores foram informados quanto aos objetivos e a metodologia <strong>da</strong>investigação e, após se sentirem esclarecidos a respeito do estudo e que a suaparticipação não implicaria em ônus, tampouco remuneração <strong>de</strong> qualquer espécie,sendo os ganhos subjetivos, lhes foi solicita<strong>da</strong> a assinatura do Termo <strong>de</strong>Consentimento Livre e Esclarecido, bem <strong>com</strong>o a autorização para a gravação <strong>da</strong>sentrevistas.Foi assegurado o sigilo e o anonimato <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> dos colaboradoresmediante codificação (Quadro 1) para a família e, para o portador <strong>de</strong> transtornomental através <strong>de</strong> nome fictício <strong>com</strong>o, por exemplo, Eduar<strong>da</strong>, Paulo e Gustavo.Ain<strong>da</strong> lhes foi garantido o livre acesso aos <strong>da</strong>dos assim <strong>com</strong>o, ao produto final.Também lhes foi assegurado o direito à participação voluntária e a <strong>de</strong>sistência aqualquer momento do estudo. Foi solicita<strong>da</strong> aos colaboradores a assinatura <strong>da</strong> Carta<strong>de</strong> Autorização e uso <strong>da</strong>s Entrevistas (ANEXO A) elabora<strong>da</strong> a partir do mo<strong>de</strong>lore<strong>com</strong>en<strong>da</strong>do por Meihy e Holan<strong>da</strong> (2007, p. 149). In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte se o objetivo <strong>da</strong>pesquisa foi a gravação <strong>da</strong> entrevista para o arquivamento ou se foi para além doarquivamento o estabelecimento do texto final, a carta <strong>de</strong> cessão consiste emimportante documento para <strong>de</strong>finir a legali<strong>da</strong><strong>de</strong> do uso <strong>da</strong> entrevista.Consi<strong>de</strong>rando que para o referencial proposto por Meihy e Holan<strong>da</strong> (2007)os textos finais se tornam documentos históricos e <strong>de</strong>ve ser explicitado o <strong>de</strong>stino


46<strong>da</strong>do a eles, os torno públicos ao trazê-los em forma <strong>de</strong> apêndice nesse estudo(APÊNDICE B).Este projeto foi aprovado pelo Comitê <strong>de</strong> Ética em Pesquisa do Setor <strong>de</strong>Ciências <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Paraná (UFPR) em reunião do dia29 <strong>de</strong> Outu<strong>br</strong>o <strong>de</strong> 2008, inscrição CEP/SD: 617.154.08.09; CAAE 3168.0.000.091-08(ANEXO B).3. 5 COLETA DOS DADOSA entrevista é o epicentro <strong>da</strong>s pesquisas que adotam a História Oral <strong>com</strong>ométodo. Trata-se <strong>de</strong> centralizar as narrativas <strong>com</strong>o ponto fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong>s análises.Portanto, <strong>de</strong>ve haver uma preocupação <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do projeto <strong>com</strong> os critériospara sua realização, a passagem do oral para o escrito e <strong>com</strong> os resultadosanalíticos (MEIHY; HOLANDA, 2007).Para Thompson (1998, p. 271) a entrevista é “uma relação social entre<strong>pessoa</strong>s, <strong>com</strong> suas convenções próprias”, <strong>de</strong>sse modo se espera que oentrevistador <strong>de</strong>monstre interesse pelo colaborador, “permitindo-lhe falar o que tema dizer sem interrupções constantes e que, se necessário, proporcione ao mesmotempo alguma orientação so<strong>br</strong>e o que discorrer”. Isso indica uma “i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>cooperação, confiança e respeito mútuos.”A História Oral Temática tem um caráter social e as entrevistas não sesustentam em versões únicas, é importante certa repetição nas narrativas para aformação <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>da</strong> memória social coletiva <strong>da</strong> re<strong>de</strong> em estudo. Entretanto,apesar dos colaboradores terem vivido o mesmo acontecimento, estes têmpercepções diferentes, isso possibilita o confronto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias, assim po<strong>de</strong> não haverrepetições. Destarte, a mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> pesquisa do tipo História Oral Temáticaadmite o uso <strong>de</strong> um instrumento <strong>de</strong> coleta <strong>da</strong>s informações contendo perguntasdirigi<strong>da</strong>s ao colaborador <strong>com</strong> a finali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que este discorra so<strong>br</strong>e <strong>de</strong>terminadoacontecimento do qual fez parte, bem <strong>com</strong>o exige do entrevistador domínio doassunto em questão (MEIHY; HOLANDA, 2007).Os <strong>da</strong>dos <strong>de</strong>sta pesquisa foram obtidos mediante entrevista semiestrutura<strong>da</strong>orienta<strong>da</strong> por um roteiro (APÊNDICE C) foi <strong>com</strong>posto <strong>de</strong> duas partes: a primeira


47parte a coleta dos <strong>da</strong>dos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação dos colaboradores e a outra contendo duasquestões abertas: Relate <strong>com</strong>o você vivencia a trajetória <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> do seu<strong>familiar</strong> na saú<strong>de</strong> mental, questão dirigi<strong>da</strong> aos <strong>familiar</strong>es, e, relate <strong>com</strong>o vocêvivencia a sua trajetória <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> na saú<strong>de</strong> mental, dirigi<strong>da</strong> à <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong>transtorno mental.A técnica <strong>de</strong> entrevista semiestrutura<strong>da</strong> permite o uso <strong>de</strong> um instrumentoorientador para a sua condução no qual constam tópicos que necessitam serabor<strong>da</strong>dos durante o procedimento (TOBAR, 2001). Ela oferece a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>apreen<strong>de</strong>r fatos, sentimentos, maneiras <strong>de</strong> pensar, i<strong>de</strong>ias, crenças, atitu<strong>de</strong>s, enfiminformações mais profun<strong>da</strong>s acerca <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Na entrevista semiestrutura<strong>da</strong> setêm perguntas abertas, po<strong>de</strong> ser utilizado um guia <strong>com</strong> tópicos, que permitam aoentrevistado condições <strong>de</strong> discorrer so<strong>br</strong>e o assunto proposto, sem resposta préestabeleci<strong>da</strong>pelo entrevistador (MINAYO, 2004).As entrevistas foram grava<strong>da</strong>s por meio <strong>de</strong> dois gravadores <strong>de</strong> modo aassegurar o registro <strong>da</strong>s narrativas, um gravador era ligado e apósaproxima<strong>da</strong>mente 15 minutos era ligado o outro. Portanto, quando havia anecessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> trocar a fita ou um dos gravadores parava <strong>de</strong> gravar sem euperceber, não havia prejuízo <strong>da</strong> coleta <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos, pois as narrativas eram grava<strong>da</strong>sem pelo menos um dos dispositivos eletrônicos.Uma importante contribuição para a realização <strong>da</strong> História Oral foi o<strong>de</strong>senvolvimento eletrônico, principalmente <strong>com</strong> o surgimento do gravador nadéca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 60 do século passado. Ele permite a gravação <strong>da</strong>s entrevistas, antescapta<strong>da</strong>s por meio <strong>de</strong> anotações e memorizações, o que colabora na quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>pesquisa. No entanto, a presença dos colaboradores (entrevistado e entrevistador) éindispensável, pois a percepção do entrevistador acerca <strong>da</strong>s emoções, dos gestos,<strong>da</strong>s expressões é muito mais <strong>com</strong>plexa do que o gravador é capaz <strong>de</strong> captar(MEIHY; HOLANDA, 2007).Realizar entrevistas constitui um <strong>de</strong>safio para quem trabalha <strong>com</strong> HistóriaOral, expressões faciais, sorriso e o próprio silêncio <strong>de</strong>vem ser integrados àsnarrativas para possibilitar ao leitor entendimento <strong>da</strong> dimensão física do que foiexpresso em uma entrevista <strong>de</strong> História Oral. Portanto, o diário <strong>de</strong> campo constituiseimportante ferramenta para a coleta dos <strong>da</strong>dos. Nele <strong>de</strong>vem ser registra<strong>da</strong>s asimpressões do entrevistador; a relação entre as entrevistas; aspectos <strong>com</strong>o, quando


48foram feitos os contatos; os eventuais inci<strong>de</strong>ntes na gravação; os gestos, a emoção,<strong>de</strong>vem ser registrados (MEIHY; HOLANDA, 2007).Ao todo foram realiza<strong>da</strong>s cinco entrevistas (Quadro 2) no período <strong>de</strong> a<strong>br</strong>il ajunho <strong>de</strong> 2009, sendo que uma durou aproxima<strong>da</strong>mente duas horas e as <strong>de</strong>mais emmédia uma hora. As entrevistas foram realiza<strong>da</strong>s nos locais indicados peloscolaboradores <strong>de</strong> acordo <strong>com</strong> a disponibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um. Antes <strong>de</strong> iniciar asentrevistas, in<strong>da</strong>guei a ca<strong>da</strong> colaborador se <strong>de</strong>sejavam narrar a sua história emconjunto ou separa<strong>da</strong>mente dos outros mem<strong>br</strong>os <strong>familiar</strong>es. Alguns preferiramserem entrevistados sozinhos e outros optaram por ser em conjunto, sendo queesse procedimento foi realizado <strong>com</strong> todos os colaboradores <strong>de</strong>sta pesquisa.Essa atitu<strong>de</strong> do pesquisador é necessária, uma vez que a entrevista <strong>de</strong>veocorrer em lugar acor<strong>da</strong>do entre os colaboradores, em que se sintam à vonta<strong>de</strong>(THOMPSON, 1998; MEIHY; HOLANDA, 2007). Para Thompson (1998), é sempremelhor ficar sozinho <strong>com</strong> o colaborador, pois a presença <strong>de</strong> mais <strong>pessoa</strong>s po<strong>de</strong>constranger e <strong>com</strong>prometer a exposição do que a <strong>pessoa</strong> realmente pensa. Existeuma tendência dos entrevistados quando na presença <strong>de</strong> mais <strong>pessoa</strong>s expressaropiniões socialmente aceitas e alguns pontos <strong>de</strong> divergência po<strong>de</strong>m não seri<strong>de</strong>ntificados ou se <strong>da</strong>r ênfase a opiniões muito convergentes.Entretanto, se fossem entrevistados separa<strong>da</strong>mente, é possível que<strong>de</strong>scrições e opiniões mais individualiza<strong>da</strong>s fossem verbaliza<strong>da</strong>s. Porém, umencontro em grupo po<strong>de</strong> ser útil na medi<strong>da</strong> em que se po<strong>de</strong>m explorar os conflitos,um colaborador po<strong>de</strong> aju<strong>da</strong>r o outro a lem<strong>br</strong>ar <strong>de</strong> algum fato, corrigir um engano ouexpressar um ponto <strong>de</strong> vista diferente, uma vez que discutem e trocam i<strong>de</strong>ias nomomento <strong>da</strong> entrevista (THOMPSON, 1998).A primeira entrevista que realizei foi <strong>com</strong> a colaboradora <strong>da</strong> família <strong>de</strong>codinome F1, mãe <strong>de</strong> uma portadora <strong>de</strong> transtorno mental a qual foi entrevista<strong>da</strong>posteriormente e recebeu o codinome Eduar<strong>da</strong>. Nesta família ao todo foramrealiza<strong>da</strong>s três entrevistas, uma <strong>com</strong> a colaboradora F1Mãe, em uma sala <strong>de</strong> uma<strong>da</strong>s Associações, pois no contato prévio ela solicitou que antes <strong>de</strong> entrevistar a filha,<strong>de</strong>sejava que eu a entrevistasse primeiro, separa<strong>da</strong> dos <strong>de</strong>mais. A segun<strong>da</strong>entrevista ocorreu no mesmo dia, no domicílio <strong>de</strong> Eduar<strong>da</strong> que escolher serentrevista<strong>da</strong> sozinha. Na sequência, a terceira entrevista que também ocorreu nomesmo dia e no domicílio <strong>de</strong> Eduar<strong>da</strong> foi conjunta <strong>com</strong> seu pai, sua mãe novamentee uma <strong>de</strong> suas irmãs. Com a família 2 e 3 realizei uma única entrevista, haja vista


49que os colaboradores externaram o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> contarem a trajetória <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong>em conjunto e preferiram fazer em uma sala <strong>da</strong> associação que frequentam.Família Tipo <strong>de</strong> entrevista (coletiva ou individual) LocalFamília 1 1ª Entrevista: realiza<strong>da</strong> <strong>com</strong> a Mãe.2ª Entrevista: realiza<strong>da</strong> <strong>com</strong> Eduar<strong>da</strong>, portadora <strong>de</strong>transtorno mental.3ª Entrevista: realiza<strong>da</strong> coletivamente <strong>com</strong> a Mãe,Em uma sala <strong>de</strong> uma <strong>da</strong>sassociações.No domicílio <strong>de</strong> Eduar<strong>da</strong>.No domicílio <strong>de</strong> Eduar<strong>da</strong>.o Pai e a Irmã <strong>de</strong> Eduar<strong>da</strong>.Família 2 4ª Entrevista: realiza<strong>da</strong> <strong>com</strong> Paulo e sua mãejuntos.Em uma sala <strong>de</strong> uma <strong>da</strong>sassociações.Família 3 5ª Entrevista: realiza<strong>da</strong> <strong>com</strong> Gustavo e sua mãejuntos.Em uma sala <strong>de</strong> uma <strong>da</strong>sassociações.QUADRO 2 – IDENTIFICAÇÃO DAS ENTREVISTAS REALIZADAS COM OS COLABORADORESDO ESTUDO.FONTE: O AUTOR.3.6 ANÁLISE DOS DADOSEsta etapa <strong>da</strong> pesquisa é <strong>com</strong>plexa, haja vista que “a análise qualitativa éuma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> intensiva, que exige criativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> conceitual e trabalhoárduo” e não acontece <strong>de</strong> maneira linear. Sua finali<strong>da</strong><strong>de</strong> consiste em “organizar,fornecer estrutura e extrair significado dos <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> pesquisa” (POLIT; BECK;HUNGLER, 2004, p. 358).Após a coleta dos <strong>da</strong>dos em História Oral há duas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s: manter umbanco <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos para consulta (arquivamento) ou analisar os <strong>da</strong>dos posteriormente àconstrução <strong>de</strong> um texto final. O arquivamento refere-se aos cui<strong>da</strong>dos e aresponsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> na manutenção do material, uma vez que o <strong>de</strong>scarte do materialconstruído é con<strong>de</strong>nado. Destarte, na História Oral há a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> escreverum projeto <strong>com</strong> o objetivo <strong>de</strong> estabelecer textos para arquivamento e nãonecessariamente seja o<strong>br</strong>igatório proce<strong>de</strong>r à análise (MEIHY; HOLANDA, 2007).A análise dos <strong>da</strong>dos após a construção do texto final envolve a passagemdo oral para o escrito ao seguir as fases <strong>de</strong> transcrição, textualização e transcriação,a conferência do produto escrito e a autorização pelos colaboradores para opesquisador fazer uso do texto final (MEIHY; HOLANDA, 2007).A transcrição envolve a conversão do oral para o escrito, o texto permanecetal qual o entrevistado referiu, <strong>com</strong> erros semânticos, ruídos, interferências do


50pesquisador. Na textualização é realizado um refinamento <strong>da</strong> transcrição em que sefazem correções <strong>de</strong> vícios <strong>de</strong> linguagem, se exclui ruídos <strong>de</strong> modo a obter um textomais “limpo”. Nesta etapa se faz a i<strong>de</strong>ntificação do tom vital <strong>da</strong> entrevista, que é aessência, a mensagem central que o colaborador emitiu na sua narrativa. Este é<strong>de</strong>terminante so<strong>br</strong>e o que po<strong>de</strong> ser excluído ou não do texto. Ele requalifica aentrevista. Nesse estudo, seguindo a orientação do referencial metodológico <strong>da</strong>História Oral, <strong>de</strong> que o tom vital é <strong>de</strong>terminante para a construção do texto final,apresento no Quadro 3, o tom vital <strong>da</strong>s entrevistas.ENTREVISTAFAMÍLIA 1F1MãeF1Eduar<strong>da</strong>F1Mãe; F1Paie F1IrmãFAMÍLIA 2F2Paulo eF2MãeFAMÍLIA 3TOM VITALEla passou por vários internamentos, não aceitava o <strong>tratamento</strong>, saia <strong>de</strong> umacrise entrava em outra. Além do mais, ficou quase seis anos sem reavalição, <strong>com</strong>a mesma medicação. Foi muito difícil, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o <strong>com</strong>eço do problema <strong>de</strong>la, nãotivemos mais sossego <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira crise. Nós <strong>de</strong>moramos a enten<strong>de</strong>r adoença, a exposição social <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental. A reformapsiquiátrica eu acredito que se funcionasse realmente seria muito bom para todos,mas no momento funciona apenas no papel. Para mim não mudou na<strong>da</strong>, é umadificul<strong>da</strong><strong>de</strong> para internar quando precisa, os serviços extra-hospitalares sãoinsuficientes, o diálogo <strong>com</strong> atenção básica e o serviço <strong>de</strong> urgência e emergênciaé conflituoso, falta capacitação aos profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Nos momentos <strong>de</strong>crise nos sentimos perdidos, sem ter a quem recorrer.Passei por vários internamentos até me conscientizar que precisava a<strong>de</strong>rir ao<strong>tratamento</strong> farmacológico, porque no <strong>com</strong>eço eu não tomava a medicação. MasHospital Dia e CAPS eu não quero fazer, estou esperando a vaga para fazerambulatório, e, os profissionais <strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> básica <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> estão vindo aqui emcasa, estão me a<strong>com</strong>panhando. Minha família pensa que o que eu tenho não édoença, é fingimento, que eu sou capaz <strong>de</strong> controlar meu <strong>com</strong>portamento. Eu melem<strong>br</strong>o <strong>de</strong> tudo, mas não quero mais aquela vi<strong>da</strong>, eu quero viver uma vi<strong>da</strong> normal,cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> minha casa, é uma casa humil<strong>de</strong>, mas é aqui que me sinto bem. Eu sóqueria que minha família me enten<strong>de</strong>sse, porque esse problema que eu tenhopo<strong>de</strong> acontecer <strong>com</strong> qualquer <strong>pessoa</strong>.Até hoje não dá para enten<strong>de</strong>r o que aconteceu <strong>com</strong> ela, ela saía <strong>de</strong> casa esumia. Era um problema, mas hoje ela está melhor. Quanto ao <strong>tratamento</strong>, antesera na base <strong>da</strong> força, agora tem a medicação, até a equipe <strong>da</strong> UBS veio fazeruma visita para ela. Não entendo o que po<strong>de</strong> ser isso, ela era uma meninatranquila, se ela não tivesse esse problema, acho que seria a melhor <strong>pessoa</strong> paraconviver conosco. Mas aconteceu isso aí, e não tem cura, nós precisamos aceitar.Nossa convivência já foi muito difícil, eu não entendia o transtorno mental, achavaque ela tinha condições <strong>de</strong> se controlar, que tinha esses <strong>com</strong>portamentos porbirra, mas hoje, eu entendo que tudo isso faz parte <strong>da</strong> doença <strong>de</strong>la.Eu fui internado nove vezes. Ser internado, passar pela contenção no leito, ficarlonge <strong>da</strong> família era traumatizante para mim. Foi só anos <strong>de</strong>pois que eu <strong>com</strong>eceia frequentar o CAPS, <strong>de</strong>pois ambulatório e a Associação e esses recursos todosforam imprescindíveis para me manter estabilizado. Ele vivia <strong>de</strong> internamento eminternamento, era um sofrimento. Há tempo eu estava à procura <strong>de</strong> um serviçoque o aju<strong>da</strong>sse. Quando <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>imos o CAPS, em 2003, tudo mudou, aí<strong>com</strong>eçou a melhora <strong>de</strong>le e ele nunca mais precisou ser internado. Apesar <strong>de</strong>nossa dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> financeira e dos atritos em família por conta do maior cui<strong>da</strong>doque preciso oferecer para ele e do preconceito <strong>de</strong> algumas <strong>pessoa</strong>s em relaçãoao transtorno mental, estamos convivendo bem.Passei por vários internamentos e acredito que atualmente a forma <strong>de</strong> tratar <strong>da</strong><strong>pessoa</strong> em sofrimento mental é bem diferente. Antes era na base <strong>da</strong> força, a


51maioria <strong>da</strong>s terapêuticas eram utiliza<strong>da</strong>s sem critério. Nossa vi<strong>da</strong> era um inferno,foi <strong>de</strong>pois que ele <strong>com</strong>eçou a participar do NAPS que passamos a aceitar eenten<strong>de</strong>r a doença. Faz oito anos que ele não é mais internado.QUADRO 3 – TOM VITAL DAS ENTREVISTASFONTE: O AUTOR.Na etapa <strong>de</strong> transcriação o pesquisador recria o texto seguindo umraciocínio lógico, o qual <strong>de</strong>ve ser vali<strong>da</strong>do <strong>com</strong> ca<strong>da</strong> colaborador a fim <strong>de</strong> não alteraro sentido <strong>da</strong>s consi<strong>de</strong>rações por este expressa, pois, o colaborador precisa sei<strong>de</strong>ntificar <strong>com</strong> o resultado e é isso que confere quali<strong>da</strong><strong>de</strong> ao texto final (MEIHY;HOLANDA, 2007). Desse modo, após o término <strong>da</strong> transcriação retomei o contato<strong>com</strong> os colaboradores <strong>de</strong>sta pesquisa a fim <strong>de</strong> lhes apresentar os textos finais paravali<strong>da</strong>ção. Entretanto, ao fazer contato <strong>com</strong> os colaboradores, estes referiram quenão havia necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conferirem o texto final, e que eu po<strong>de</strong>ria utilizar asnarrativas <strong>da</strong> forma <strong>com</strong>o julgasse melhor.Re<strong>com</strong>en<strong>da</strong>-se analisar as entrevistas <strong>de</strong> forma conjunta, consi<strong>de</strong>rando queo reforço dos argumentos ou as divergências em relação a um <strong>de</strong>terminado pontofazem <strong>com</strong> que as narrativas se entrelacem e dialoguem entre si, o interessante é ocoletivo, a totali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s entrevistas (MEIHY; HOLANDA, 2007).As entrevistas por si só não se sustentam <strong>com</strong>o História Oral, ao seremfragmenta<strong>da</strong>s em uma suposta análise em pequenas falas, na<strong>da</strong> mais são do quetextos estabelecidos. Ao contrário, a dimensão social, objetivo <strong>da</strong> metodologia emquestão é alcança<strong>da</strong> na medi<strong>da</strong> em que se é capaz <strong>de</strong> indicar pontos <strong>com</strong>uns <strong>da</strong>sdiversas entrevistas. Assim, a análise é o resultado <strong>de</strong>ssas constatações. É indicadotratar as entrevistas na íntegra, não é a<strong>de</strong>quado proce<strong>de</strong>r à análise <strong>de</strong> partesfragmenta<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s narrativas, no entanto quando é inevitável trabalhar <strong>com</strong>fragmentos <strong>da</strong>s mesmas a entrevista <strong>de</strong>ve vir anexa ao relatório final (MEIHY;HOLANDA, 2007).Na História Oral Temática se admite o uso do recorte, consi<strong>de</strong>rando que emalgumas situações o fragmento po<strong>de</strong> ter sentido exato. Contudo, erro muito <strong>com</strong>um<strong>com</strong>etido pelos pesquisadores que adotam a História Oral <strong>com</strong>o método <strong>de</strong> pesquisaé transformar “a experiência apreendi<strong>da</strong> em entrevistas únicas, ou isola<strong>da</strong>s, <strong>com</strong>oanálise do discurso” (MEIHY; HOLANDA, 2007, p.118).Existe uma lacuna na História Oral quando se trata <strong>de</strong> analisar os <strong>da</strong>dos,visto que as propostas para a análise dos resultados ain<strong>da</strong> é incipiente, mas é certoque exige uma reflexão aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong> em relação às narrativas (FERREIRA;


52AMADO 2 , 1996, citado por SILVA; ALMEIDA, 2005). Nessa perspectiva, proce<strong>de</strong>r àanálise <strong>da</strong>s narrativas evitando cair nas conclusões óbvias ou repetir <strong>de</strong> mododiferente a mesma história conta<strong>da</strong> pelo colaborador é um <strong>de</strong>safio posto à HistóriaOral (BARBOSA, 2006).As entrevistas foram analisa<strong>da</strong>s à luz <strong>da</strong> Análise Temática <strong>de</strong> Minayo (2004,p. 234-8), que sugere três fases: or<strong>de</strong>nação dos <strong>da</strong>dos, classificação e análise final.A fase <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>nação dos <strong>da</strong>dos inclui a transcrição <strong>de</strong> fitas cassetes; releiturado material; organização dos relatos e dos <strong>da</strong>dos <strong>de</strong> observação. É nesse momentoque o pesquisador consegue ter uma visão geral <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>scobertas no campo.Assim, nesta fase, realizei a transcrição na íntegra <strong>da</strong>s entrevistas grava<strong>da</strong>s segui<strong>da</strong>do processo <strong>de</strong> textualização e transcriação, isso resultou em três textos que forami<strong>de</strong>ntificados <strong>com</strong>o Família 1, Família 2 e Família 3, para facilitar os repetidosretornos às leituras. Desse modo, <strong>com</strong>o Minayo (2004) refere que é possível ter umavisão geral dos <strong>da</strong>dos que emergiram, percebi que as narrativas eram fartas e ricasem quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> e quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> material a ser explorado.Na Classificação dos <strong>da</strong>dos, é importante lem<strong>br</strong>ar que não é o campo quetraz o <strong>da</strong>do, este é construído a partir <strong>da</strong> relação dos questionamentos dopesquisador, <strong>com</strong> base em uma fun<strong>da</strong>mentação teórica. A leitura exaustiva erepeti<strong>da</strong> dos textos permite apreen<strong>de</strong>r as i<strong>de</strong>ias centrais. Essa ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> auxilia opesquisador a elaborar as categorias específicas. Nesta fase, feitas as leiturasexaustivas <strong>da</strong>s entrevistas me ocupei em apreen<strong>de</strong>r a relevância entre as narrativase as i<strong>de</strong>ias centrais, estabelecer o tom vital e uma sequência <strong>de</strong> apresentação quepossibilitasse ao leitor a<strong>com</strong>panhar as formas <strong>de</strong> tratar e cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong>transtorno mental, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o mo<strong>de</strong>lo hospitalocêntrico ao psicossocial na perspectivados colaboradores.Na Análise Final, se estabelece a articulação entre os <strong>da</strong>dos e afun<strong>da</strong>mentação teórica, promovendo o movimento entre o empírico e o teórico, oconcreto e abstrato, o particular e o geral. Esta fase <strong>com</strong>põe o item a seguir <strong>de</strong>stapesquisa em que são apresentados os <strong>da</strong>dos construídos durante o processo,promovendo uma discussão entre as narrativas e a literatura relaciona<strong>da</strong> <strong>com</strong> atemática estu<strong>da</strong><strong>da</strong>. Nesta etapa emergiu a caracterização dos colaboradores e ascategorias a partir <strong>da</strong>s entrevistas realiza<strong>da</strong>s.2 FERREIRA, M. M.; AMADO, J. Apresentação. In: FERREIRA, M. M.; AMADO, J. (Org.). Usos eabusos <strong>da</strong> história oral. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Fun<strong>da</strong>ção Getúlio Vargas, 1996.


53Em consonância ao método <strong>da</strong> História Oral, a qual estabelece <strong>com</strong>o últimopasso a <strong>de</strong>volução social, ou seja, os resultados <strong>de</strong>vem em primeiro lugar, voltar aogrupo e/ou colaboradores que os gerou, po<strong>de</strong>ndo ocorrer em forma <strong>de</strong> publicação,<strong>de</strong> livros ou exposições (MEIHY; HOLANDA, 2007). Portanto, além <strong>de</strong> tornar públicoo relatório <strong>de</strong>sta pesquisa <strong>com</strong> exemplares disponíveis nas bibliotecas <strong>da</strong> UFPR e,posteriormente, por intermédio <strong>de</strong> apresentações em eventos e publicações emperiódicos científicos, os colaboradores foram convi<strong>da</strong>dos a participarem <strong>da</strong> sessãopública <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> dissertação <strong>de</strong> mestrado.


544 RESULTADOS E DISCUSSÃOCom o intuito <strong>de</strong> apresentar <strong>br</strong>eves informações a respeito doscolaboradores <strong>de</strong>sta pesquisa, na sequência, apresento uma síntese dos principais<strong>da</strong>dos que caracterizam as três famílias (F1, F2 e F3) entrevista<strong>da</strong>s. Posteriormente,apresento as narrativas dos colaboradores obti<strong>da</strong>s mediante entrevista,con<strong>com</strong>itante, à discussão sustenta<strong>da</strong> em literatura pertinente.As narrativas foram organiza<strong>da</strong>s em três categorias temáticas: 1. Atitu<strong>de</strong>s esentimentos <strong>da</strong> família em face do adoecimento do seu integrante. 2. Assistência emsaú<strong>de</strong> mental: do mo<strong>de</strong>lo hospitalocêntrico ao psicossocial, forma<strong>da</strong> por três subcategorias:2.1 O (<strong>de</strong>s)cui<strong>da</strong>do à <strong>pessoa</strong> interna<strong>da</strong> em hospital psiquiátrico; 2.2 Assucessivas internações em hospitais psiquiátricos, e, 2.3 Assistência na área <strong>da</strong>saú<strong>de</strong> mental sustenta<strong>da</strong> no mo<strong>de</strong>lo psicossocial: avanços, fragili<strong>da</strong><strong>de</strong>s e <strong>de</strong>safios.3. A convivência <strong>familiar</strong> em face do transtorno mental.4.1 CARACTERIZAÇÃO DAS FAMÍLIAS ENTREVISTADASFamília 1 - Entrevistas realiza<strong>da</strong>s em 25 <strong>de</strong> junho e 04 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2009Eduar<strong>da</strong>, solteira, <strong>com</strong> 40 anos, resi<strong>de</strong> em Curitiba, tem diagnóstico <strong>de</strong> transtornoafetivo bipolar. A primeira crise aconteceu no Natal <strong>de</strong> 1985, aos 19 anos. Elapassou por vários internamentos em instituição psiquiátrica e, no momento, aguar<strong>da</strong>vaga para o <strong>tratamento</strong> ambulatorial, pois se recusa ser trata<strong>da</strong> em Hospital Dia ouCAPS. Está aguar<strong>da</strong>ndo esta vaga <strong>de</strong>s<strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2009, quando teve alta <strong>de</strong> seuúltimo internamento. Eduar<strong>da</strong> resi<strong>de</strong> em uma casa dividi<strong>da</strong> em duas partes. A elacabem três cômodos (cozinha, quarto e banheiro), mas segundo ela se sente melhorassim, cui<strong>da</strong>ndo <strong>de</strong> suas coisas, no seu espaço. Na parte <strong>da</strong> frente <strong>da</strong> casa morauma <strong>de</strong> suas irmãs, <strong>com</strong> a qual segundo Eduar<strong>da</strong> não mantém bom relacionamento.Os pais resi<strong>de</strong>m na região metropolitana <strong>de</strong> Curitiba, são idosos (o pai tem 72 anose a mãe 61 anos), mas ativos, o pai é autônomo e a mãe trabalha <strong>com</strong>o diaristamensalista em uma casa há 15 anos. Eles estão sempre presentes, a<strong>com</strong>panhamEduar<strong>da</strong> no <strong>tratamento</strong>, se responsabilizam por seu sustento e o provimento <strong>de</strong>


55qualquer outra necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> que se apresente. O pai tem <strong>com</strong>ércio muito próximo <strong>da</strong>residência <strong>de</strong> Eduar<strong>da</strong>. Assim, todos os dias ele a vê, pois é encarregado <strong>de</strong> levarlhea dosagem do medicamento para 24 horas. O casal teve sete filhos, entretanto, aconvivência <strong>de</strong> Eduar<strong>da</strong> <strong>com</strong> os <strong>de</strong>mais irmãos é permea<strong>da</strong> por conflitos em razão<strong>de</strong> sua doença e a não aceitação dos <strong>de</strong>mais ou o não <strong>com</strong>prometimento em aju<strong>da</strong>rno seu cui<strong>da</strong>do.Família 2 - Entrevista realiza<strong>da</strong> em 13 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2009Paulo <strong>com</strong> 38 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, solteiro e sua mãe <strong>com</strong> 67 anos resi<strong>de</strong>m na regiãometropolitana <strong>de</strong> Curitiba. Ele apresentou os primeiros sintomas do transtornomental em 1994, três anos após o falecimento do pai. A mãe <strong>de</strong> Paulo apresentavaexpressão sofri<strong>da</strong> e relatou que seu esposo era alcoólatra e ela foi responsável porseu cui<strong>da</strong>do após este ter sofrido um aci<strong>de</strong>nte vascular cere<strong>br</strong>al que o <strong>de</strong>ixouimpossibilitado <strong>de</strong> realizar as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> diária em virtu<strong>de</strong> <strong>da</strong>s sequelasneurológicas. Ela e o esposo tiveram cinco filhos, Paulo o único homem e quatromulheres, uma <strong>da</strong>s filhas faleceu há aproxima<strong>da</strong>mente um ano vitima<strong>da</strong> por câncer e<strong>de</strong>ixou um filho <strong>de</strong> oito anos que resi<strong>de</strong> atualmente <strong>com</strong> o pai. Este menino háalguns meses iniciou <strong>tratamento</strong> infantil psiquiátrico. Uma <strong>da</strong>s irmãs <strong>de</strong> Paulo nãoaceita o fato <strong>de</strong> o irmão ter transtorno mental, acredita que ele tem <strong>de</strong>terminados<strong>com</strong>portamentos por opção e não em <strong>de</strong>corrência do transtorno, ela no momentoresi<strong>de</strong> nos fundos <strong>da</strong> casa on<strong>de</strong> moram Paulo e a Mãe, pois está em processo <strong>de</strong>separação. Essa irmã não foi entrevista<strong>da</strong> por não obe<strong>de</strong>cer aos critérios <strong>de</strong>inclusão, haja vista que antes <strong>de</strong> separar-se ela não morava <strong>com</strong> o colaborador <strong>com</strong>transtorno mental e pelos conflitos entre os dois mantinha-se afasta<strong>da</strong> <strong>da</strong> trajetória<strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> <strong>de</strong> Paulo. Ele concordou que entrevistasse outra <strong>de</strong> suas irmãs, <strong>com</strong>a qual realizei vários contatos e tentativas, negociação entre o pesquisador e a irmã<strong>pessoa</strong>lmente e media<strong>da</strong> pela colaboradora (F2Mãe), no entanto sem sucesso.Assim, essa irmã foi excluí<strong>da</strong> <strong>da</strong> pesquisa por não aceitar participar <strong>da</strong> mesma. Amãe relatou que há dias não sabe o que fazer, pois sua condição financeira nomomento não é boa. Paulo não recebe nenhum auxílio, ele e a mãe vivem <strong>com</strong> aaposentadoria <strong>de</strong>la e <strong>com</strong> algumas ven<strong>da</strong>s <strong>de</strong> artesanato confeccionado por elesmesmos, que apren<strong>de</strong>ram durante as oficinas no CAPS ou na Associação. Mesmodiante <strong>da</strong>s várias dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s que estão passando Paulo e a mãe são muito unidos,


56são participantes ativos <strong>de</strong> uma Associação <strong>de</strong> <strong>familiar</strong>es e <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtornomental <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba. Ela sempre o a<strong>com</strong>panhou durante a trajetória <strong>de</strong><strong>tratamento</strong> em saú<strong>de</strong> mental. Paulo no <strong>com</strong>eço do <strong>tratamento</strong> não aceitava o fato <strong>de</strong>ter transtorno mental, consequentemente não a<strong>de</strong>ria ao <strong>tratamento</strong> e tem em seuhistórico internações sucessivas em hospitais psiquiátricos <strong>de</strong> Curitiba. Des<strong>de</strong> queele iniciou o <strong>tratamento</strong> no CAPS há cinco anos não foi mais internado em instituiçãopsiquiátrica e hoje além <strong>de</strong> frequentar a Associação que funciona <strong>com</strong>o serviço <strong>de</strong>convivência, também faz a<strong>com</strong>panhamento ambulatorial.Família 3 - Entrevista realiza<strong>da</strong> em 08 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2009Gustavo e sua mãe moram juntos na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba. Com 47 anos, Gustavo temdiagnóstico <strong>de</strong> Esquizofrenia e faz <strong>tratamento</strong> na saú<strong>de</strong> mental <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 17 anos.Passou por vários períodos <strong>de</strong> internação em hospital psiquiátrico, foi um dosprimeiros usuários a participar do 1º Núcleo <strong>de</strong> Atenção Psicossocial – NAPS <strong>da</strong>ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba. Des<strong>de</strong> pequeno conviveu <strong>com</strong> o alcoolismo, pois seu pai eraalcoólatra e quando estava sob o efeito <strong>da</strong> sustância se tornava agressivo <strong>com</strong> osfilhos e <strong>com</strong> a esposa. Sua avó materna tem Mal <strong>de</strong> Alzheimer e mora em umaresidência localiza<strong>da</strong> no mesmo terreno on<strong>de</strong> Gustavo resi<strong>de</strong> <strong>com</strong> sua mãe, porémem casas separa<strong>da</strong>s. Seus pais se separaram ain<strong>da</strong> na sua adolescência e seu paifaleceu tempo <strong>de</strong>pois sem nunca ter aceito o fato <strong>de</strong> o filho ter transtorno mental.Gustavo e sua mãe participam <strong>de</strong> uma Associação <strong>de</strong> <strong>familiar</strong>es e <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong>transtorno mental. Sua mãe tem estado presente durante to<strong>da</strong> a trajetória <strong>de</strong><strong>tratamento</strong>, faz aproxima<strong>da</strong>mente oito anos que Gustavo não é internado <strong>de</strong>vido aotranstorno mental. Apesar <strong>de</strong> algumas limitações pela doença leva uma vi<strong>da</strong> normal.Ele tem um irmão que resi<strong>de</strong> na região metropolitana <strong>de</strong> Curitiba, é casado e tem umfilho, no <strong>com</strong>eço não aceitava a doença <strong>de</strong> Gustavo, mas <strong>com</strong> o passar do tempo<strong>com</strong>eçou a participar <strong>da</strong>s reuniões no NAPS e foi enten<strong>de</strong>ndo o transtorno mental,atualmente eles convivem bem. Nesse estudo somente foram entrevistados Gustavoe sua Mãe, pois seguindo os critérios <strong>de</strong> inclusão e exclusão, o colaborador Gustavoreferiu que para ele família é constituí<strong>da</strong> pelas <strong>pessoa</strong>s que habitam a mesma casae nela atualmente moram somente ele e sua mãe.


574.2 AS CATEGORIAS4.2.1 Atitu<strong>de</strong>s e sentimentos <strong>da</strong> família em face do adoecimento do seu integranteOs colaboradores ao narrar a trajetória <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> em saú<strong>de</strong> mental <strong>de</strong>seu <strong>familiar</strong>, explicitaram as providências que tomaram quando ocorreu a primeiracrise. Inicialmente tomaram para si a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>r do <strong>familiar</strong> nodomicílio, lançaram mão do <strong>tratamento</strong> medicamentoso e psicológico, bem <strong>com</strong>obuscaram apoio na religião. Essas atitu<strong>de</strong>s foram sustenta<strong>da</strong>s pela crença <strong>de</strong> que setratava <strong>de</strong> doença passageira, <strong>com</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> cura e que o <strong>tratamento</strong> po<strong>de</strong>riaocorrer no âmbito domiciliar.Entretanto, frente à agudização dos sintomas <strong>de</strong>correntes do transtornomental, a alternativa que visualizaram foi o internamento do <strong>familiar</strong> em sofrimentopsíquico, momento marcado por intenso sofrimento, angústia, constrangimento, poiseste não aceitava ser internado. Por isso, muitas vezes necessitava sera<strong>com</strong>panhado pela ambulância e pela polícia e <strong>de</strong>vido os vizinhos presenciar talsituação, a família se sentia constrangi<strong>da</strong>.Em <strong>de</strong>corrência do sofrimento que a família vivenciava durante aexacerbação dos sinais e sintomas, os quais ultrapassavam a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>cui<strong>da</strong>r do <strong>familiar</strong> no domicílio, os períodos em que a <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mentalconseguia permanecer sem internamento representavam uma luta <strong>da</strong> família paraque ele se mantivesse bem.“[...] meu esposo trabalhou muitos anos em um hospital no Sul do Brasil e nãoaceitava interná-la por causa do transtorno mental. Levamo-na para casa <strong>com</strong> areceita <strong>de</strong> todos os remédios e <strong>com</strong>eçamos a administrar a medicação em casa.Meu Deus! Ela ficou tão ruim! Mesmo tomando to<strong>da</strong> aquela medicação, quandomenos esperávamos ela sumia, ninguém via. Eu já estava trabalhando nessa época,chegava do serviço cadê a Eduar<strong>da</strong>, ela ficava dias fora <strong>de</strong> casa. O primeirointernamento foi aos 19 anos, no [nome do hospital psiquiátrico], <strong>de</strong>pois ela ficoutempo em casa, foi interna<strong>da</strong> no [nome <strong>de</strong> outro hospital psiquiátrico], ficou unsquatro meses. Lá, nesse hospital ela ficou interna<strong>da</strong> quatro vezes”. (F1Mãe)


58“O início do problema do Paulo foi <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> morte do meu esposo, ele morreu em1991. Eu sofri muito, cui<strong>da</strong>ndo <strong>de</strong>le durante sete anos, ele teve um aci<strong>de</strong>nte vascularcere<strong>br</strong>al, teve muitas sequelas neurológicas e ficou paralisado. Quando eu estavarespirando um pouco, o Paulo adoeceu, entrou em uma <strong>de</strong>pressão profun<strong>da</strong> e ali<strong>com</strong>eçou. Eu tentei <strong>de</strong> tudo, psicologia, religião, <strong>de</strong> tudo, para tentar ajudá-lo, eu nãosabia que esse problema iria se prolongar, não teve jeito tive que apelar para ointernamento aí <strong>com</strong>eçou a luta. [...] Para mim também era triste, porque você veja,tinha que falar <strong>com</strong> a assistente social <strong>da</strong> Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, ela man<strong>da</strong>va aambulância, mas sem a polícia estar a<strong>com</strong>panhando eles não iam, porque não sesabia a reação <strong>de</strong>le, aquilo era traumatizante para nós, paravam na frente <strong>de</strong> casa,todo mundo ficava olhando e aquela situação, ele se revoltava e não queria ir. Noúltimo internamento <strong>de</strong>le tinha o motorista do carro, três policiais mais o cunhado<strong>de</strong>le, olha <strong>de</strong>u um baile para levar esse rapaz. Nossa! Meu Deus! Quanta angústia,sofrimento! [...] Espero que nunca mais precise disso”. (F2Mãe)Salles e Barros (2007) i<strong>de</strong>ntificaram em seu estudo, que os entrevistadosacreditavam que o <strong>tratamento</strong> <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental no domicílioconsistia apenas em administrar o medicamento conforme orientação médica, <strong>com</strong>ose o êxito <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>sse unicamente <strong>da</strong> terapia medicamentosa sem mencionara participação ativa <strong>da</strong> família e <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental no <strong>tratamento</strong>.Isso coaduna o expresso pela colaboradora F1Mãe (pág. 57) quando referiu que naprimeira crise <strong>de</strong> sua filha acreditava que administrando o medicamento no domicílioseria possível tratar <strong>com</strong> efetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> em sofrimento mental.Quanto aos sentimentos <strong>da</strong> família diante do adoecimento <strong>de</strong> um <strong>de</strong> seusintegrantes, sabe-se que este evento é consi<strong>de</strong>rado adverso e estressante para afamília, sendo que seus <strong>com</strong>ponentes dificilmente se encontram preparados osuficiente para enfrentá-lo e sentem-se incapacitados para realizar qualquerintervenção (MELMAN, 2006; ZANETTI; GALERA, 2007).Nesse sentido, Barroso et al (2004) apreen<strong>de</strong>u nas falas <strong>de</strong> seusentrevistados que para a família ter um integrante <strong>com</strong> transtorno mental significaestar permanentemente em estado <strong>de</strong> alerta, <strong>de</strong>vido a manifestação dos sintomaspsiquiátricos. Além disso, os entrevistados externaram sentimentos <strong>de</strong> não saber<strong>com</strong>o agir diante do quadro psiquiátrico e <strong>da</strong> frustração em ver seus projetos <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>e sonhos não realizados ou adiados em função <strong>da</strong> doença do <strong>familiar</strong>.


59Porém, as famílias mesmo sem orientações suficientes so<strong>br</strong>e a doença, nãose poupam <strong>de</strong> investir em <strong>tratamento</strong> farmacológico e recorrem também a outrasalternativas <strong>com</strong>o a religião (BARROSO et al., 2004). Isso coaduna o expresso porF2Mãe (pág. 58): “Eu tentei <strong>de</strong> tudo, psicologia, religião, <strong>de</strong> tudo para tentar ajudálo”.Ain<strong>da</strong>, para a colaboradora F2Mãe (pág. 58) o internamento em instituiçãopsiquiátrica foi consi<strong>de</strong>rado um período <strong>de</strong> muito sofrimento e angústia para osenvolvidos. O que se contrapõem ao estudo realizado por Salles e Barros (2007)so<strong>br</strong>e a reinternação em hospital psiquiátrico, no qual o internamento foi referidopelos sujeitos <strong>com</strong>o o tempo em que se sentem aliviados <strong>da</strong> so<strong>br</strong>ecarga <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>rdo <strong>familiar</strong> e po<strong>de</strong>m viver <strong>com</strong> tranquili<strong>da</strong><strong>de</strong>, uma vez que tinham muita dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>em conviver <strong>com</strong> a alteração do <strong>com</strong>portamento <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> em sofrimento mental.4.2.2 Assistência em saú<strong>de</strong> mental: do mo<strong>de</strong>lo hospitalocêntrico ao psicossocial4.2.2.1 O (<strong>de</strong>s)cui<strong>da</strong>do à <strong>pessoa</strong> interna<strong>da</strong> em hospital psiquiátricoOs colaboradores <strong>familiar</strong>es fizeram referência ao medo <strong>da</strong>s terapêuticasutiliza<strong>da</strong>s pela instituição psiquiátrica, conferindo à reali<strong>da</strong><strong>de</strong> do internamento eventotraumatizante para todos os envolvidos, tanto para a família quanto para a <strong>pessoa</strong><strong>com</strong> transtorno mental:“Nessa primeira crise nós a levamos em uma clínica particular no [nome <strong>de</strong> umbairro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba] e o médico disse que precisávamos interná-la porqueela estava <strong>de</strong>sequili<strong>br</strong>a<strong>da</strong> mentalmente. Mas nós não quisemos interná-la, porqueem 1985 para internar alguém <strong>com</strong> problema mental se pensava bastante, poistínhamos medo <strong>da</strong>s terapêuticas utiliza<strong>da</strong>s, <strong>com</strong>o o eletrochoque”. (F1Mãe)“Eu trabalhei <strong>de</strong>z anos em hospital e tinha esse tipo <strong>de</strong> doença, o <strong>tratamento</strong> era àbase <strong>de</strong> choque, a base <strong>da</strong> força. [...] Eu cansei <strong>de</strong> ver maltratar as <strong>pessoa</strong>s. O queeles faziam, receitavam eletrochoque, aplicavam injeção endovenosa <strong>de</strong>sse


60tamanho [mostrou <strong>com</strong> as mãos que a injeção era gran<strong>de</strong>] que <strong>de</strong>rrubava a <strong>pessoa</strong>,era à base <strong>da</strong> força”. (F1Pai)Em relação ao medo <strong>da</strong>s terapêuticas utiliza<strong>da</strong>s em 1985 no <strong>tratamento</strong> dotranstorno mental, citado por F1Mãe (pág. 59), Silva e Cal<strong>da</strong>s (2008) explicitam quea concepção <strong>da</strong> época era a <strong>de</strong> que à instituição psiquiátrica cabia aresponsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> eliminar os sintomas <strong>da</strong> <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m psíquica. Para o <strong>tratamento</strong>utilizava um acervo <strong>de</strong> recursos que iam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a internação, técnicas <strong>de</strong>hidroterapia, administração excessiva <strong>de</strong> psicofármacos, até aplicação <strong>de</strong> estímuloselétricos ou o uso <strong>de</strong> procedimentos cirúrgicos.O objetivo <strong>da</strong>s instituições psiquiátricas era utilizar dispositivos quecaminhassem na direção <strong>da</strong> correção do que sinaliza “anormali<strong>da</strong><strong>de</strong>”.Caracterizados por utilizarem métodos <strong>de</strong> exclusão, segregação e violência,predominava nesses serviços as relações <strong>de</strong> tutela, disciplina e controle, exercidossob mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> institucional pouco flexível quanto ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> contratuali<strong>da</strong><strong>de</strong> dosinternos (SILVA; CALDAS, 2008).Em relação aos maus tratos à <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental em instituiçõespsiquiátricas, o colaborador F1Pai (pág. 59) ao expressar “[...] cansei <strong>de</strong> vermaltratar as <strong>pessoa</strong>s” insere a discussão so<strong>br</strong>e essa triste reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que por muitosanos fez parte do contexto <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> nessa área do conhecimento. Parasustentar essa narrativa discorro so<strong>br</strong>e o caso <strong>de</strong> Damião Ximenes Lopes, pois oBrasil é o único país no mundo que foi julgado e con<strong>de</strong>nado pela CorteInteramericana <strong>de</strong> Direitos Humanos por violação dos direitos humanos <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong><strong>com</strong> transtorno mental (FRIEDRICH, 2006).Damião Ximenes Lopes, portador <strong>de</strong> transtorno mental e epilepsia, haviasido internado por sua mãe, na única clínica psiquiátrica <strong>da</strong> região <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>So<strong>br</strong>al, no Ceará, no dia 1º <strong>de</strong> outu<strong>br</strong>o <strong>de</strong> 1999. A mãe, após três dias <strong>da</strong>internação, ao visitá-lo foi informa<strong>da</strong> por um funcionário que seu filho não tinhacondições <strong>de</strong> receber visitas, ela forçou sua entra<strong>da</strong> na clínica e encontrou Damião<strong>com</strong> as mãos amarra<strong>da</strong>s, passando mal, sangrando e apresentando escoriações ehematomas, <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> maus tratos. Logo após sua saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> clínica recebeu anotícia <strong>de</strong> que seu filho havia ido a óbito, por para<strong>da</strong> respiratória (FRIEDRICH,2006).


61Os colaboradores <strong>familiar</strong>es e portadores <strong>de</strong> transtorno mental tambémdiscorreram so<strong>br</strong>e as terapêuticas utiliza<strong>da</strong>s no <strong>tratamento</strong> em psiquiatria <strong>com</strong>o acontenção física no leito <strong>com</strong> faixas <strong>de</strong> tecido <strong>de</strong> algodão, o enfaixamento, o uso <strong>de</strong>“celas”, “solitárias”, a eletroconvulsoterapia, a camisa <strong>de</strong> força, o lençol <strong>de</strong>contenção, a terapêutica pela disciplina, rigi<strong>de</strong>z e mo<strong>de</strong>lagem do <strong>com</strong>portamento.Quanto à contenção física no leito <strong>com</strong> faixas <strong>de</strong> tecido <strong>de</strong> algodão, estarepresentou para um dos colaboradores um momento traumatizante, que marcousua vi<strong>da</strong> e pela qual nunca pensou ter que passar. Para outro colaborador, acontenção era realiza<strong>da</strong> <strong>de</strong> forma indiscrimina<strong>da</strong>, sem critérios estabelecidos e semuma avaliação integral do paciente. A avaliação <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> do uso <strong>de</strong>ssatécnica se restringia as manifestações <strong>de</strong> alteração do <strong>com</strong>portamento, haja vistaque realiza<strong>da</strong> <strong>de</strong> forma ina<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> causou lesão física no paciente e esta só foii<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong> muito tempo <strong>de</strong>pois.“Eu fui contido uma vez, foi porque eu queria fugir, não queria mais ficar no hospital,eles me levaram para a contenção, foi muito traumatizante para mim. Eu nuncaimaginei que teria que passar por isso, passei uma noite contido, eles me injetaramtranquilizante e não tive mais problema, mas foi muito traumatizante para mim, issome marcou”. (F2Paulo)“[...] no [nome <strong>de</strong> um hospital psiquiátrico] era tudo muito rigoroso, por exemplo, ir <strong>de</strong>um local para outro, eles proibiam, chamavam a atenção, quando eu era internadoeu costumava gritar e não podia, se eu gritasse, qualquer coisa, se eu cantasse altosempre me continham. Já no [nome <strong>de</strong> outro hospital psiquiátrico] é livre, tem umpátio, lá você po<strong>de</strong> gritar, po<strong>de</strong> fazer o que quiser, só não po<strong>de</strong> <strong>br</strong>igar. Tinha hospitalque eu gritava, cantava. Eu achava que era normal cantar, gritar, mas me aplicavaminjeção, aplicavam duas injeções por noite em mim, eu perguntava por que asenhora está fazendo isso? Perguntava para a enfermeira e ela me respondia queera o médico que tinha autorizado. Não falava para o que era, só aplicava”.(F3Gustavo)“Eles falavam para mim: vai dormir. Eu continuava falando, eles chamavam o<strong>pessoa</strong>l. Vamos fazer um grupo <strong>de</strong> oito porque ele não quer obe<strong>de</strong>cer. Eu nãoqueria ir dormir, me levavam e me continham. De dia eu não me lem<strong>br</strong>o o que eu


62fazia, mas me continham também. Então na reunião, eu pedi para ser contido a noiteinteira”. (F3Gustavo)“[o colaborador apresentava uma escara em região coccígea por conta <strong>da</strong>realização ina<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> <strong>da</strong> técnica <strong>de</strong> contenção no leito <strong>com</strong> faixas <strong>de</strong> tecido <strong>de</strong>algodão, cujo nó permanecia nesta região causando atrito e lesão <strong>de</strong> pele] Eugritava e eles perguntavam: por que você está gritando? Eu não conseguia explicar,eles me aplicavam remédio e eu dormia. No outro dia eu gritava <strong>de</strong> novo, ficavacontido. Eu não sabia que tinha essa feri<strong>da</strong>, eu não notava, só percebi <strong>de</strong>pois,quando as auxiliares <strong>de</strong> enfermagem passavam a poma<strong>da</strong> e diziam que tinha umaferi<strong>da</strong>, quando eu saí <strong>de</strong> alta e fui tomar banho, que eu olho, na coluna tinha umburaco”. (F3Gustavo)Pelos relatos dos colaboradores é possível inferir que a técnica <strong>da</strong>contenção física no leito <strong>com</strong> faixas <strong>de</strong> tecido <strong>de</strong> algodão foi realiza<strong>da</strong> muitas vezes<strong>de</strong> maneira ina<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> e sem avaliação <strong>de</strong> sua necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Além disso, há anegação <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois ao manifestar qualquer <strong>com</strong>portamento diferente doesperado e aceito pelos padrões sociais a <strong>pessoa</strong> em sofrimento psíquico sofriapunição. Porquanto, não se aceitava e nem se acolhia a manifestação do sofrimentopara intervir, mas se preocupava em punir e reprimir os <strong>com</strong>portamentos que fugiamao padrão consi<strong>de</strong>rado “normal”.A prescrição <strong>da</strong> técnica <strong>de</strong> contenção física é legalmente uma atribuiçãomédica, conforme consta na Resolução nº. 1.598/2000 do Conselho Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>Medicina (BRASIL, 2000). No entanto, não há nenhuma re<strong>com</strong>en<strong>da</strong>ção do ConselhoFe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Enfermagem para essa prática, o que consiste importante lacuna para osprofissionais <strong>da</strong> Enfermagem no cui<strong>da</strong>do às <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental (PAES,2007; ESTELMHSTS et al., 2008).É importante <strong>de</strong>stacar que na atual conjuntura <strong>de</strong> assistência em saú<strong>de</strong>mental não é aceitável que a contenção física se constitua procedimento <strong>de</strong> rotinanos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Preconiza-se que essa técnica seja utiliza<strong>da</strong> <strong>com</strong>o últimorecurso, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> esgota<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> abor<strong>da</strong>gem do paciente por<strong>com</strong>unicação terapêutica. Nas situações <strong>de</strong> emergência psiquiátrica o uso <strong>da</strong> escutaativa e respeitosa, o acolhimento do sofrimento e as técnicas <strong>de</strong> <strong>com</strong>unicação


63terapêutica se configuram cui<strong>da</strong>do humano que foge a concepção tradicional <strong>de</strong><strong>tratamento</strong> em instituição mani<strong>com</strong>ial (ESTELMHSTS et al., 2008).De acordo <strong>com</strong> o Protocolo Integrado <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>Curitiba, alguns cui<strong>da</strong>dos <strong>com</strong> o paciente em contenção <strong>de</strong>vem ser respeitados eenvolvem: a presença <strong>de</strong> um profissional durante todo o momento que o pacientepermanecer contido; a observação constante <strong>da</strong> segurança do paciente; mantertronco e cabeça levemente elevados; monitorar sinais vitais e nível <strong>de</strong> consciência aca<strong>da</strong> 15 minutos. É importante <strong>de</strong>stacar que se houver necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> manter opaciente contido por período superior a 1 hora, o paciente <strong>de</strong>ve ser reavaliado pelomédico <strong>de</strong> hora em hora (VERNETIKIDES et al., 2002).Quando for imprescindível lançar mão <strong>de</strong>sse recurso é importante esclarecerao paciente no momento <strong>da</strong> contenção o motivo <strong>da</strong> conduta, permitir e possibilitar aele externar os sentimentos referentes à situação que está vivenciando, para que <strong>de</strong>fato a técnica seja terapêutica (VERNETIKIDES et al., 2002; PAES, 2007;ESTELMHSTS et al., 2008). Visto que se for entendi<strong>da</strong> <strong>com</strong>o medi<strong>da</strong> <strong>de</strong> repressãopo<strong>de</strong> gerar traumas e sentimentos negativos <strong>com</strong>o o relatado por F2Paulo (pág. 61).As falas <strong>de</strong> F3Gustavo (pág. 61 e 62) explicitam o uso ina<strong>de</strong>quado eindiscriminado <strong>da</strong> técnica <strong>de</strong> contenção física, em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> uma prática quevalorize a abor<strong>da</strong>gem sustenta<strong>da</strong> no referencial <strong>da</strong> <strong>com</strong>unicação terapêutica.Evi<strong>de</strong>ncia-se <strong>de</strong>sse modo a <strong>de</strong>svalorização <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental <strong>com</strong>osujeito que tem por direito o acesso a cui<strong>da</strong>do humano e científico. Haja vista, que,quando a abor<strong>da</strong>gem verbal se mostra insuficiente <strong>de</strong>ve-se avaliar <strong>com</strong> muito critérioa necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se utilizar outros recursos terapêuticos.So<strong>br</strong>e a técnica <strong>de</strong> contenção <strong>de</strong>nomina<strong>da</strong> enfaixamento, os colaboradoresfizeram apontamentos <strong>com</strong>o:“Já passei pela contenção física no leito e pelo enfaixamento, e me sentia ruim <strong>com</strong>aquilo, eu me lem<strong>br</strong>o, quando estava nervosa, <strong>com</strong>o que se diz, fora do limite elesme pegavam e me amarravam <strong>com</strong> uma faixa úmi<strong>da</strong>. O enfaixamento que é feito<strong>com</strong> faixa úmi<strong>da</strong> e <strong>de</strong>pois <strong>com</strong> mais duas secas [enquanto falava a colaboradora foi<strong>de</strong>monstrando <strong>com</strong>o ocorria o enfaixamento] me lem<strong>br</strong>o <strong>de</strong> tudo <strong>com</strong>o que era.Ficava duas horas enfaixa<strong>da</strong>, às vezes até três. Fui muitas vezes para a faixa, masnaquela sala fecha<strong>da</strong> eu nunca fui, nem sei se existe aquilo ain<strong>da</strong>. Isso tudo naquele


64tempo, porque agora não sei <strong>com</strong>o é, nesse último internamento [em <strong>de</strong>zem<strong>br</strong>o <strong>de</strong>2008 a março <strong>de</strong> 2009] não fui para o enfaixamento, nem para a contenção no leito<strong>com</strong> faixas <strong>de</strong> tecido <strong>de</strong> algodão”. (F1Eduar<strong>da</strong>)“Tinha o enfaixamento também, eu ficava <strong>com</strong>o uma múmia, não me lem<strong>br</strong>o se é umpano molhado primeiro, <strong>de</strong>pois outro seco para a <strong>pessoa</strong> ficar calma, ficava trêshoras assim”. (F3Gustavo)A técnica <strong>de</strong> enfaixamento referi<strong>da</strong> pelos colaboradores consiste em conter opaciente <strong>com</strong> várias cama<strong>da</strong>s <strong>de</strong> faixas largas confecciona<strong>da</strong>s em tecido <strong>de</strong> algodãosendo que necessita <strong>de</strong> pelo menos oito <strong>pessoa</strong>s para sua realização e um <strong>de</strong>sses<strong>de</strong>ve assumir a li<strong>de</strong>rança. As duas cama<strong>da</strong>s internas são embebi<strong>da</strong>s em águamorna e as duas voltas externas são feitas <strong>com</strong> faixa seca. A <strong>pessoa</strong> é <strong>de</strong>spi<strong>da</strong>,permanecendo somente <strong>com</strong> a calcinha ou cueca e uma proteção tipo “travesseiro”pequeno é coloca<strong>da</strong> nas proeminências ósseas entre os joelhos para evitar atritopela movimentação ou tentativa <strong>de</strong> se soltar (SILVA, 199?).Inicia-se a técnica enfaixando a <strong>pessoa</strong> a partir <strong>da</strong>s extremi<strong>da</strong><strong>de</strong>s dosmem<strong>br</strong>os inferiores <strong>de</strong>ixando os pés livres, para que seja feita o controle <strong>da</strong>circulação sanguínea. A faixa é enrola<strong>da</strong> em volta do corpo em sentido ascen<strong>de</strong>nteem espiral até os om<strong>br</strong>os passando por cima dos <strong>br</strong>aços que são mantidos emposição anatômica (SILVA, 199?). O que coaduna o expresso pelo colaboradorF3Gustavo (pág. 64) “Tinha o enfaixamento também, eu ficava <strong>com</strong>o uma múmia”.Os quatro aju<strong>da</strong>ntes que se posicionam no lado direito e no esquerdo vãorolando a <strong>pessoa</strong> no leito para que o lí<strong>de</strong>r passe a faixa por cima e por baixo <strong>da</strong>ndoa volta ao redor do corpo e, ao passo que a faixa vai sendo <strong>de</strong>sloca<strong>da</strong> para cima olí<strong>de</strong>r troca <strong>de</strong> posição <strong>com</strong> um dos aju<strong>da</strong>ntes. Esse movimento <strong>de</strong> rolamentojuntamente <strong>com</strong> o toque firme <strong>da</strong>s mãos dos aju<strong>da</strong>ntes faz efeito similar ao embalo eaconchego do berço. Tal procedimento é repetido quatro vezes, sendo duas <strong>com</strong> asfaixas molha<strong>da</strong>s e torci<strong>da</strong>s e as duas últimas <strong>com</strong> as faixas secas (SILVA, 199?).Essa técnica para ter efeito terapêutico não <strong>de</strong>ve ser utiliza<strong>da</strong> para punir ecastigar o paciente <strong>de</strong>ve ser feita em silêncio por todos os aju<strong>da</strong>ntes, que muitasvezes são pacientes que estão em estado melhor <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, o lí<strong>de</strong>r ao mesmo tempoem que vai fazendo o enfaixamento explica o procedimento, os motivos que levaramà contenção, acolhe a expressão <strong>de</strong> sentimentos e a <strong>com</strong>unicação do paciente. Ao


65final o paciente é coberto <strong>com</strong> cobertores para que a as faixas úmi<strong>da</strong>s se aqueçam epromovam o relaxamento muscular, permita a sensação <strong>de</strong> uma pele ou uminvólucro ao seu redor em similari<strong>da</strong><strong>de</strong> ao interior do útero materno (SILVA, 199?).O tempo estabelecido pela equipe referente à permanência do paciente,normalmente é em torno <strong>de</strong> duas a três horas e, após isso, faz-se uma avaliação <strong>da</strong>necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> prosseguir por mais uma hora ou remover o enfaixamento caso opaciente já se sinta mais calmo ou porque necessite se alimentar, tomar banho, semovimentar para ativar a circulação sanguínea. Existem situações que após removero enfaixamento o paciente é reavaliado e se houver necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>, a técnica érealiza<strong>da</strong> novamente (SILVA, 199?).Durante todo o tempo em que o paciente estiver no enfaixamento, oambiente <strong>de</strong>verá ser mantido o mais silencioso possível, <strong>com</strong> pouca luz e <strong>com</strong> uma<strong>com</strong>panhante escalado pelo enfermeiro. Ele não po<strong>de</strong>rá ficar sozinho à mercê <strong>de</strong>outros pacientes <strong>com</strong> estado <strong>de</strong> consciência alterado ou por aquele que porventuratenham sido um dos envolvidos na situação <strong>de</strong> estresse (por exemplo, <strong>de</strong> agressão)que motivou a contenção. Também não po<strong>de</strong>rá receber alimentos, água (somenteter seus lábios ume<strong>de</strong>cidos <strong>com</strong> gaze), as eliminações vesico-intestinais são feitasna contenção (SILVA, 199?).De acordo <strong>com</strong> a literatura consulta<strong>da</strong>, essa mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> contenção físicaera indica<strong>da</strong> para pacientes muito agitados, <strong>com</strong> <strong>com</strong>portamento heteroagressivo eque a abor<strong>da</strong>gem pela <strong>com</strong>unicação, a realização <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s recreativas e amedicação se mostrassem insuficientes naquele momento para sua proteção e <strong>de</strong>outros ao seu redor (SILVA, 199?; PAES, 2007). O que corrobora a fala <strong>de</strong>F1Eduar<strong>da</strong> (pág 63) “eu me lem<strong>br</strong>o, quando estava nervosa, <strong>com</strong>o que se diz, forado limite eles me pegavam e me amarravam <strong>com</strong> uma faixa úmi<strong>da</strong>”.Os colaboradores verbalizaram que a cela forte ou cubículo era umapequena sala fecha<strong>da</strong>, na qual a <strong>pessoa</strong> ficava isola<strong>da</strong>, sem supervisão <strong>de</strong> umprofissional <strong>da</strong> equipe, e que no período <strong>de</strong> reclusão o interno não podia alimentarsee nem ingerir líquidos. Desse modo, o paciente perdia <strong>com</strong>pletamente a noçãoespacial, temporal e ao ser liberado do “castigo” apresentava-se confuso e<strong>de</strong>sorientado. Não tinha tempo estabelecido, a <strong>pessoa</strong> po<strong>de</strong>ria ficar <strong>de</strong> 2 a 3 horasaté 12 horas na solitária, instrumento consi<strong>de</strong>rado terapêutico no <strong>tratamento</strong> dotranstorno mental.


66“O cubículo é uma salinha, no canto tem uma porta <strong>com</strong> um furo para olhar para<strong>de</strong>ntro e para fora e uma janela <strong>de</strong> ferro, pegavam a <strong>pessoa</strong> pelo pescoço e osoutros pegavam pelos <strong>br</strong>aços e jogavam lá <strong>de</strong>ntro para se acalmar. Lá tinha umacama <strong>de</strong> pedra, aquela tipo cimento, só tinha um cobertor, eles jogavam ali, ficavasem <strong>com</strong>er e sem beber. Ficava umas três, quatro horas mais ou menos. Agoratinha uns, por exemplo, a <strong>pessoa</strong> agredia, era quinze para as seis, eles falavam paraa <strong>pessoa</strong> ir jantar, <strong>de</strong>pois que jantava eles pegavam a <strong>pessoa</strong> e jogavam lá nocubículo, amanhecia. Eu só fiquei uma vez que eu me <strong>de</strong>sentendi <strong>com</strong> outropaciente, aí pegaram e me jogaram lá, fecharam a porta, eu fiquei <strong>da</strong>s 14 às 18horas, só que no escuro a gente acabava dormindo, eu dormi, não vi mais na<strong>da</strong>,quando me tiraram eu fiquei meio sem noção”. (F3Gustavo)Os cubículos ou celas fortes foram proibidos por meio <strong>da</strong> Portaria SNAS n.224, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1992, que em suas disposições gerais estabelece aproibição <strong>da</strong> existência <strong>de</strong> espaços restritivos, e celas fortes <strong>com</strong> vistas ànecessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> humanizar a assistência e assegurar os direitos <strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia <strong>da</strong>s<strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental interna<strong>da</strong>s nas instituições psiquiátricas (BRASIL,2004a).Essa Portaria juntamente <strong>com</strong> a Portaria n. 189, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> novem<strong>br</strong>o <strong>de</strong>1991, marcam o início <strong>da</strong> implementação <strong>de</strong> legislação específica <strong>com</strong> vistas àmu<strong>da</strong>nça do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> mental em <strong>de</strong>corrência <strong>da</strong>s articulações econsoli<strong>da</strong>ção do movimento <strong>da</strong> reforma psiquiátrica <strong>br</strong>asileira. Além <strong>de</strong> estabelecer aproibição <strong>de</strong> medi<strong>da</strong>s restritivas, a Portaria 224 orienta a criação <strong>de</strong> novosdispositivos <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> e dispõe so<strong>br</strong>e a equipe mínima e atendimento que <strong>de</strong>veser oferecido à clientela em todos os serviços substitutivos criados por ela (BRASIL,2004a).Isso ratifica a fala <strong>de</strong> F1Eduar<strong>da</strong> (pág. 63) “Fui muitas vezes para a faixa,mas naquela sala fecha<strong>da</strong> eu nunca fui, nem sei se existe aquilo ain<strong>da</strong>”. Acolaboradora ao verbalizar não saber se essas salas restritivas ain<strong>da</strong> existem,acredita que na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong> esses espaços não façam mais parte do acervo <strong>de</strong>recursos utilizados no <strong>tratamento</strong> em psiquiatria.A eletroconvulsoterapia se constitui tema polêmico e divi<strong>de</strong> opiniões. Um doscolaboradores F3Gustavo apesar <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver a forma <strong>de</strong>sumana pela qual foi


68CALDAS, 2008).Defendi<strong>da</strong> por representantes <strong>da</strong>s ciências naturais, questiona<strong>da</strong> e critica<strong>da</strong>pelos representantes <strong>da</strong>s ciências humanas a técnica <strong>de</strong> eletroconvulsoterapia é umtema polêmico à medi<strong>da</strong> que há controvérsias so<strong>br</strong>e a sua necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> e eficácia.Alguns acreditam que essa técnica faz parte do passado, pelo menos <strong>de</strong> umpassado i<strong>de</strong>ológico. Entretanto, há cinco anos, o Conselho Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Medicina anormatizou por meio <strong>da</strong> Resolução nº 1.640/2002 (SILVA; CALDAS, 2008; BRASIL,2002). Pon<strong>de</strong>ra-se que até mesmo os profissionais que admitem a importância douso <strong>da</strong> eletroconvulsoterapia reconhecem que há muitas limitações no que dizrespeito aos seus mecanismos <strong>de</strong> ação. Desse modo, se po<strong>de</strong> pensar que, se osmecanismos <strong>de</strong> ação são pouco conhecidos, as consequências também o são. Osdistúrbios <strong>de</strong> memória são apontados <strong>com</strong>o o principal efeito secundário a essaterapêutica, bem <strong>com</strong>o os estados confusionais, a cefaléia e as náuseas (SILVA;CALDAS, 2008).Ao estu<strong>da</strong>r os critérios e re<strong>com</strong>en<strong>da</strong>ções <strong>da</strong> Associação Mundial <strong>de</strong>Psiquiatria acerca <strong>da</strong> prática <strong>da</strong> eletroconvulsoterapia, acredita-se que esta <strong>de</strong>ve serconsi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> somente após avaliação criteriosa e <strong>com</strong> a mensuração do balançoentre potenciais benefícios e riscos, incluindo: risco <strong>da</strong> anestesia, condição física,eventos adversos anteriores, principalmente per<strong>da</strong> cognitiva. Ain<strong>da</strong>, <strong>de</strong>ve seradministra<strong>da</strong> somente após a obtenção do consentimento informado dos pacientesque apresentem capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> para tanto ou <strong>de</strong> seus responsáveis (SALLEH et al.,2006).Acredito que a eletroconvulsoterapia é uma prática incoerente ao mo<strong>de</strong>loque se preten<strong>de</strong> na atenção a saú<strong>de</strong> mental em face <strong>da</strong> reforma psiquiátrica. Nessalinha <strong>de</strong> pensamento, Silva e Cal<strong>da</strong>s (2008) consi<strong>de</strong>ram que a mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong>paradigma, <strong>da</strong> instituição exclu<strong>de</strong>nte para os espaços <strong>com</strong>unitários <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong>,implica no ato <strong>de</strong> não eleger a suposta doença <strong>com</strong>o o objeto exclusivo <strong>de</strong>intervenção, e sim, o sofrimento e sua relação <strong>com</strong> o social.Essa atitu<strong>de</strong> requer uma concepção amplia<strong>da</strong> <strong>de</strong> ser humano, nãopuramente biológica. É preciso consi<strong>de</strong>rar a sua plurali<strong>da</strong><strong>de</strong>, ao enten<strong>de</strong>r osofrimento psíquico “não <strong>com</strong>o sintoma ou disfunção que pe<strong>de</strong> correção e ajustes,mas <strong>com</strong>o estado que necessita <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>do” e <strong>de</strong> uma perspectiva <strong>de</strong> valores quetrabalhem <strong>com</strong> o respeito e aceitação <strong>da</strong> diferença e a inclusão social na busca <strong>da</strong>produção <strong>de</strong> sociabili<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong> subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>s (SILVA; CALDAS, 2008, p. 359).


70imobilizados, entretanto <strong>com</strong> os mem<strong>br</strong>os inferiores soltos. Dessa forma o pacientepo<strong>de</strong>ria an<strong>da</strong>r, machucar outros pacientes e o que era muito <strong>com</strong>um machucar-se,haja vista que ao imobilizar os mem<strong>br</strong>os superiores o paciente tinha seu equilí<strong>br</strong>ioalterado, ficava sem condições <strong>de</strong> se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> possíveis agressões <strong>de</strong> outrospacientes e <strong>de</strong> se segurar, se apoiar ou se proteger contra que<strong>da</strong>s <strong>de</strong> nível, queacarretavam cortes graves <strong>com</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> sutura (PAES, 2007; PAES et al.,2009).FIGURA 2: ILUSTRAÇÃO DE UMA CAMISA DE FORÇAFONTE: BRASIL (2008).O lençol <strong>de</strong> contenção, também conhecido <strong>com</strong>o Jacaré era confeccionado<strong>com</strong> lona grossa, <strong>com</strong> locais específicos para colocar a cabeça, mem<strong>br</strong>os inferiorese superiores e <strong>com</strong> fivelas nas quatro laterais para pren<strong>de</strong>r o lençol na cama (SILVA,199?). Isso reafirma a fala <strong>de</strong> F3Gustavo (pág. 69) ao referir que “o lençol <strong>de</strong>contenção, que era uma lona <strong>com</strong> cinco buracos, para colocar a cabeça, os <strong>br</strong>aços eas pernas”.Em relação a esta técnica <strong>de</strong> contenção, no estudo realizado por Paes(2007) <strong>com</strong> a equipe <strong>de</strong> Enfermagem <strong>de</strong> um hospital psiquiátrico, os sujeitosreferiram que esse instrumento foi extinto, que sua estrutura era rudimentar, pois<strong>com</strong>o era <strong>de</strong> lona grossa, pesava so<strong>br</strong>e o paciente, in<strong>com</strong>o<strong>da</strong>va-o e muitas vezeslhe causava ferimentos.Os relatos dos colaboradores nos remetem à reflexão do modo <strong>com</strong>o as<strong>pessoa</strong>s em sofrimento psíquico eram trata<strong>da</strong>s nas instituições psiquiátricas aoexpressarem as terapêuticas arcaicas que eram utiliza<strong>da</strong>s no <strong>tratamento</strong>. Chama


71atenção o fato <strong>de</strong> que algumas <strong>de</strong>las eram preconiza<strong>da</strong>s pelo estatuto do hospícioDom Pedro II há quase dois séculos.O estatuto estabelecido pelo Decreto <strong>de</strong> Lei n. 1.077, <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zem<strong>br</strong>o <strong>de</strong>1852, em seu artigo 32 abor<strong>da</strong>va os meios <strong>de</strong> repressão e punição permitidos eutilizados na busca do restabelecimento <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m e <strong>da</strong> postura <strong>de</strong> obediência dosinternos <strong>com</strong>o proibições <strong>de</strong> visitas e passeios, restrição alimentar, isolamento emcelas fortes, colete <strong>de</strong> força e banhos <strong>de</strong> emborcação, algumas presentes ain<strong>da</strong> hojeem <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s instituições mani<strong>com</strong>iais (AMARANTE, 2007).Os colaboradores ao mencionarem <strong>com</strong>o instrumentos terapêuticos nocui<strong>da</strong>do à <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental antes <strong>da</strong> consoli<strong>da</strong>ção do mo<strong>de</strong>lopsicossocial a contenção no leito <strong>com</strong> faixas <strong>de</strong> tecido <strong>de</strong> algodão, a contenção <strong>com</strong>faixa úmi<strong>da</strong> (enfaixamento), as selas fortes, a camisa <strong>de</strong> força, a se<strong>da</strong>ção intensa ea força coadunam o expresso por Maftum (2004) <strong>de</strong> que as maneiras <strong>de</strong> tratar,reconhecer e enten<strong>de</strong>r a loucura e a <strong>pessoa</strong> em sofrimento mental é diretamenteinfluencia<strong>da</strong> pela concepção <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> época acerca <strong>de</strong> loucura e ser humano.Ressalta-se que a psiquiatria por muito tempo utilizou métodos <strong>de</strong><strong>tratamento</strong>, atualmente consi<strong>de</strong>rados iatrogênicos, coercitivos e repressivos <strong>com</strong>o ainsulinoterapia, reclusão em cubículos, lobotomias, camisa <strong>de</strong> força, eletrochoque,segregação, <strong>tratamento</strong> punitivo e não individualizado <strong>com</strong>o formas terapêuticas <strong>de</strong>tratar a <strong>pessoa</strong> em sofrimento psíquico (MAFTUM, 2004).Para enten<strong>de</strong>r a lógica mani<strong>com</strong>ial é preciso conhecer a função do hospitalpsiquiátrico que segundo Melman (2006) era normatizar os <strong>com</strong>portamentos, o queé observado pela dinâmica institucional <strong>de</strong> controle do tempo, <strong>da</strong> rigi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> regras,do isolamento do paciente, sua falta <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e referência, pois o pacientepermanecia afastado <strong>da</strong> família e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, além <strong>de</strong> que todos os internoseram tratados <strong>da</strong> mesma forma. Essas práticas entendi<strong>da</strong>s <strong>com</strong>o terapêuticas na<strong>da</strong>mais tinham do que o objetivo <strong>de</strong> reprogramar a existência dos sujeitos queestavam em crise, aten<strong>de</strong>ndo as exigências <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m e <strong>da</strong> disciplina. Essaconcepção é semelhante à <strong>de</strong>scrita pelos colaboradores <strong>de</strong>ste estudo.Assim, no hospital psiquiátrico se estabelecia uma rotina <strong>com</strong> regrasrigorosas e horários pré-estabelecidos para serem cumpridos e não havia apossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> flexibili<strong>da</strong><strong>de</strong> ou <strong>de</strong> diálogo, neste sentido, o mo<strong>de</strong>lo mani<strong>com</strong>ial foimarcado por rígi<strong>da</strong> estrutura normativa institucional (SALLES; BARROS, 2007).


72A instituição psiquiátrica tinha a função <strong>de</strong> controlar e mol<strong>da</strong>r os<strong>com</strong>portamentos por meio <strong>da</strong> vigilância, do controle, <strong>da</strong> disciplina e <strong>da</strong> violênciainstitucional, o que pressupunha tratar indivíduos insanos, irresponsáveis eirrecuperáveis (AMARANTE, 2007). Ao fim <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> guerra mundial, osmanicômios foram <strong>com</strong>parados aos campos <strong>de</strong> concentração, haja vista a situação<strong>de</strong> miséria vivencia<strong>da</strong> pelos internos. A psiquiatria avançava o século XX <strong>com</strong> ummo<strong>de</strong>lo assistencial asilar e segregador fortemente arraigado (AMARAL; DURMAN,2004).A literatura coaduna a narrativa <strong>da</strong> colaboradora F3Mãe, quando esta referiuque as <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental interna<strong>da</strong>s em instituição psiquiátricapermaneciam sujas, <strong>de</strong>scalças, nuas ou <strong>com</strong> roupas que não eram as suas, mesmoquando a família as tivesse provido no momento do internamento. Além disso, aovisitar o paciente, se este tivesse perdido suas roupas na instituição ou mesmo seoutro paciente as tivesse pegado, ele permanecia nu, isolado e sem permissão paraver seus <strong>familiar</strong>es.Mencionou a superlotação dos hospitais psiquiátricos, janelas <strong>com</strong> gra<strong>de</strong>s, aper<strong>da</strong> <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> escolha dos pacientes, uma vezque em uma <strong>da</strong>s instituições psiquiátricas todos vestiam a mesma roupa, em umaespécie <strong>de</strong> uniformização.“Tinham hospitais que eram ruins, lá no [nome <strong>de</strong> um hospital psiquiátrico] nóschegávamos lá, ele estava sujo, <strong>de</strong>scalço, sem roupa, ele <strong>da</strong>va os calçados para osoutros ou roubavam <strong>de</strong>le, não sei, nós <strong>de</strong>ixávamos a roupa <strong>de</strong>le, mas íamos lá eleestava <strong>com</strong> uma roupa estranha, era muita gente, era aquele povo, nós chegávamoslá, tinham gra<strong>de</strong>s nas janelas, era enorme <strong>de</strong> alto, eles lá agarrados pedindo pão,<strong>com</strong>i<strong>da</strong>, nós íamos chegando e eles pedindo. No [nome <strong>de</strong> outro hospitalpsiquiátrico] era muita gente, todos misturados, eram três an<strong>da</strong>res. A primeira vezque ele ficou internado, eu chegava lá para <strong>da</strong>r <strong>com</strong>i<strong>da</strong> para ele, esse homem <strong>da</strong>vato<strong>da</strong> a roupa <strong>de</strong>le, chegava lá e ele nu. Ah! A senhora não po<strong>de</strong> visitá-lo porque eleestá sem roupa. Mas, olha! Que ele per<strong>de</strong>u roupa nesses hospitais. Meu Deus docéu! Até ele melhorar ele <strong>da</strong>va to<strong>da</strong> a roupa <strong>de</strong>le para os outros e ficava fechado”.(F3Mãe)


73Em relatórios so<strong>br</strong>e a situação dos hospícios era registrado que aquanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> internos crescia <strong>de</strong> forma assustadora, as vagas não eramsuficientes, os internos viviam em condições subumanas e não havia <strong>pessoa</strong>lqualificado para o trabalho. Assim, <strong>com</strong>o acontecia em outros países, os hospitaispsiquiátricos espalhados pelo Brasil logo se tornaram superlotados e sustentadospor terapêuticas que tinham por objetivo a repressão e violência institucional. Areali<strong>da</strong><strong>de</strong> que se apresentava era a do abandono, do <strong>de</strong>scaso, <strong>da</strong> miséria e <strong>da</strong>solidão, ao a<strong>de</strong>ntrar na instituição mani<strong>com</strong>ial o que se via eram centenas <strong>de</strong><strong>pessoa</strong>s nuas, imun<strong>da</strong>s, féti<strong>da</strong>s (ODA; DALGALARRONDO, 2005; AMARANTE,2007). Dessa forma, a literatura ratifica a fala <strong>da</strong> colaboradora F3Mãe (pág. 72) “nóschegávamos lá, ele estava sujo, <strong>de</strong>scalço, sem roupa”.A fala <strong>de</strong> F3Mãe expressa claramente a imagem <strong>da</strong> instituição tipicamentemani<strong>com</strong>ial, segregadora e exclu<strong>de</strong>nte, ao <strong>com</strong>entar so<strong>br</strong>e as gra<strong>de</strong>s altas nasjanelas e os internos a elas agarrados, pedindo alimentos.Atualmente, para evitar que situações <strong>com</strong>o a <strong>de</strong>scrita acima aconteçam e, afim <strong>de</strong> não permitir o uso <strong>de</strong> práticas <strong>de</strong>sumanas nas instituições psiquiátricas foicriado o Programa Nacional <strong>de</strong> Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria(PNASH/Psiquiatria) que tem <strong>de</strong>ntre seus objetivos a busca <strong>da</strong> humanização <strong>da</strong>spráticas <strong>de</strong> assistência à <strong>pessoa</strong> em sofrimento mental, fiscalização e fechamento<strong>de</strong> instituições insalu<strong>br</strong>es que ain<strong>da</strong> tenham <strong>com</strong>o terapêuticas a violênciainstitucional (BRASIL, 2003).Compõe a equipe <strong>de</strong> avaliadores <strong>de</strong>sse programa profissionais, <strong>familiar</strong>es eusuários dos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental. São avaliados vinte itens referentes à:estrutura física e funcional do local, limpeza, roupa, farmácia, almoxarifado,prevenção e controle <strong>de</strong> infecções relaciona<strong>da</strong>s à assistência, condições paraatendimento <strong>de</strong> intercorrências clínicas, aspectos gerais do paciente, alimentação dopaciente, recursos humanos, enfermagem, prontuário do paciente, projetoterapêutico/prática institucional, projeto terapêutico/alta hospitalar eencaminhamento, espaços restritivos-punitivos, contenção física,eletroconvulsoterapia, reuniões, vinculação e direitos, aspectos gerais <strong>da</strong>assistência. Destaca-se que para o hospital ser avaliado <strong>com</strong> o conceito bom elenão <strong>de</strong>ve permitir a prática do eletrochoque (BRASIL, 2003).


74Aspecto que merece discussão é o registro nos prontuários dos pacientesinternados em instituição psiquiátrica. Miran<strong>da</strong> (1994, p. 92), refere à inexistência <strong>de</strong>arquivos nos hospícios e chama a atenção para o “<strong>de</strong>sassistir” o doente mental, aoafirmar “do louco asilado não se sabe a i<strong>da</strong><strong>de</strong>, o sexo, a profissão, as causas <strong>da</strong>internação, nem quais <strong>tratamento</strong>s estaria recebendo para alcançar a curaacena<strong>da</strong>”.Isso é confirmado no estudo <strong>de</strong> Maftum (2004) em que a autora relata queao solicitar documentos dos antigos internos <strong>da</strong>s instituições, campos <strong>da</strong>s aulaspráticas e estágio <strong>de</strong> Enfermagem, era informa<strong>da</strong> que os “prontuários” na<strong>da</strong>acrescentariam a algum estudo, porque, quando muito, traziam o nome do paciente,número <strong>de</strong> registro e prescrição médica <strong>de</strong> eletrochoque, contenção física em caso<strong>de</strong> agitação psi<strong>com</strong>otora e manutenção <strong>da</strong> medicação.Atualmente a Portaria n. 251, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2002, em seu anexo,preconiza que <strong>de</strong>ve haver registro a<strong>de</strong>quado em prontuário único dos procedimentosdiagnósticos e terapêuticos aos quais o paciente internado em instituição psiquiátricafor submetido. Fica garanti<strong>da</strong>, no mínimo, o registro do profissional médico e <strong>de</strong>ca<strong>da</strong> um dos <strong>de</strong>mais profissionais <strong>de</strong> nível superior uma vez por semana, bem <strong>com</strong>oanotação diária <strong>da</strong> equipe <strong>de</strong> Enfermagem (BRASIL, 2004a).O apresentado até o momento constitui críticas ao mo<strong>de</strong>lo hospitalocêntrico.Entretanto, não é possível generalizar o <strong>de</strong>scaso ou (<strong>de</strong>s)cui<strong>da</strong>do na atenção emsaú<strong>de</strong> mental às <strong>pessoa</strong>s em sofrimento psíquico, uma vez que os colaboradoresconsi<strong>de</strong>raram algumas instituições <strong>com</strong>o espaço <strong>de</strong> repressão, coerção emedicalização <strong>da</strong> loucura, mas pon<strong>de</strong>raram que em outras, o <strong>tratamento</strong> oferecido aseus <strong>familiar</strong>es era bom.Para os colaboradores <strong>familiar</strong>es e portadores <strong>de</strong> transtorno mental osaspectos positivos em <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s instituições eram o fato <strong>de</strong> participarem <strong>de</strong>ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>com</strong>o oficinas terapêuticas, psicoterapias, ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s relaciona<strong>da</strong>s aocotidiano do lar <strong>com</strong>o a manutenção e <strong>de</strong>coração do ambiente, varrer, auxiliar nacozinha, participar <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s esportivas <strong>com</strong>o vôlei, corri<strong>da</strong>, momentos <strong>de</strong> lazer ediversão <strong>com</strong>o o “baile”.As ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s eram dividi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> acordo <strong>com</strong> a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> funcional <strong>de</strong> ca<strong>da</strong>paciente e que isso era uma forma <strong>de</strong> ocupar a mente, passar o tempo. Em algumas<strong>de</strong>ssas instituições na concepção dos colaboradores o paciente era bem cui<strong>da</strong>do,


75estava sempre <strong>com</strong> bom asseio <strong>pessoa</strong>l, auxiliava a equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> em algumasativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Isso é expresso pelas narrativas a seguir:“Eu gosto <strong>de</strong> <strong>da</strong>nçar, chutar bola, nos meus internamentos também, quando tinha<strong>da</strong>nça, eu gostava <strong>de</strong> <strong>da</strong>nçar, porque no hospital psiquiátrico também tem diversão,não é só medicação, tem as conversas <strong>com</strong> os terapeutas, e isso é importante,porque é necessário conversar, não é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>? Tem a hora <strong>de</strong> fazer as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s,não era o<strong>br</strong>igado fazer, mas eu gostava <strong>de</strong> fazer, <strong>de</strong> ocupar o tempo, eramativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s relaciona<strong>da</strong>s ao lar, não sei se agora continua <strong>de</strong>sse modo. Tinha queaju<strong>da</strong>r a servir a <strong>com</strong>i<strong>da</strong>, a passar a vassoura, assim <strong>com</strong>o é na nossa casa, paraque quando a <strong>pessoa</strong> saísse do hospital fizesse as atribuições em casa, <strong>com</strong>opassar uma vassoura no chão, lavar uma louça, coisas do dia a dia”. (F1Eduar<strong>da</strong>)“No hospital também tinham coisas boas, tinham ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> higiene, <strong>de</strong> culinária,até <strong>de</strong> diversão, eles <strong>de</strong>ixavam às vezes sair no pátio, ir ao sol, eu não tinhareclamação”. (F2Paulo)“Nos internamentos também tinham ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>com</strong>o: corri<strong>da</strong>, vôlei, sinuca, que eugosto bastante, baile [lem<strong>br</strong>a a mãe], baile tinha também [risos], bocha eu aprendi ajogar lá, tinha futebol <strong>de</strong> salão, uns tinham que varrer o banheiro, cui<strong>da</strong>vam <strong>da</strong>cozinha, ca<strong>da</strong> um tinha uma tarefa. Agora se a <strong>pessoa</strong> não fazia aquela tarefa elestiravam, colocavam em uma mais fácil”. (F3Gustavo)“Agora lá no [nome <strong>de</strong> outro hospital psiquiátrico] não, lá se ele <strong>de</strong>sse a roupa, elesarrumavam outra, to<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> ele estava limpinho, vestido [...]. Eu saia às 5 horas <strong>da</strong>manhã <strong>da</strong> minha casa para ir para o hospital, chegava lá às 8 horas, na hora <strong>da</strong>reunião, chegava lá ele estava limpo, esperando. Quando ele melhorou, nóschegávamos e ele já estava aju<strong>da</strong>ndo na or<strong>de</strong>m <strong>da</strong> fila, recebia um, pegava o nomedo outro. Nesse hospital tinha corte <strong>de</strong> cabelo, chegava lá ele estava aju<strong>da</strong>ndo,limpinho, lá era bom, ele era bem tratado. No [nome <strong>de</strong> outro hospital psiquiátrico]quando eu trazia ele na sexta-feira ele não queria mais voltar, eu tinha que mentirque íamos ao cinema, quando estava chegando na porta do hospital eu dizia: vamoschegar aqui que aqui tem baile, chegava lá e ficava”. (F3Mãe)


76“Nos internamentos no hospital psiquiátrico sempre trataram bem <strong>de</strong>la, essa partenós não temos o que reclamar <strong>de</strong> hospital nenhum”. (F1Pai)Consi<strong>de</strong>rando o exposto pelos colaboradores quando verbalizaram que: “nohospital tinham coisas boas [...] eu não tinha reclamação” (pág. 75); “nesse hospitaltinha corte <strong>de</strong> cabelo, chegava lá ele estava aju<strong>da</strong>ndo, limpinho, lá era bom, ele erabem tratado” (pág. 75); “nos internamentos no hospital psiquiátrico sempre tratarambem <strong>de</strong>la” (pág. 76). Isso <strong>de</strong>monstra <strong>com</strong>o ocorreu uma reformulação <strong>da</strong>s práticas<strong>de</strong> cui<strong>da</strong>do em saú<strong>de</strong> mental, até mesmo, <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> instituição psiquiátrica.O que vai ao encontro <strong>da</strong> literatura ao fazer menção que, a partir <strong>da</strong> PortariaSNAS n. 224, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1992, enten<strong>de</strong>-se por hospital psiquiátrico,instituição na qual a maioria dos leitos se <strong>de</strong>stina ao <strong>tratamento</strong> especializado <strong>da</strong>clientela psiquiátrica em regime <strong>de</strong> internação. Estes serviços <strong>de</strong>vem oferecer, <strong>de</strong>acordo <strong>com</strong> a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> paciente, ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> avaliação médicopsicológicae social; psicoterapia <strong>br</strong>eve, terapia ocupacional, atendimento grupal(grupo operativo, psicoterapia em grupo, ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s socioterápicas, bem <strong>com</strong>oabor<strong>da</strong>gem à família). Além <strong>de</strong> oferecer e ter espaço físico disponível para a prática<strong>de</strong> esportes, jogos, salas <strong>com</strong> televisão, música e ambiente para os momentos <strong>de</strong>lazer (BRASIL, 2004a).Ressalto que o mo<strong>de</strong>lo proposto pela reforma psiquiátrica pressupõem amanutenção do vínculo social e não se caracteriza no Brasil por um movimentocontrário a internação psiquiátrica, haja vista que os serviços extra-hospitalares<strong>com</strong>o o CAPS III, leitos psiquiátricos em hospital geral e pronto atendimentosoferecem leitos para internação. Outra pon<strong>de</strong>ração pertinente é a <strong>de</strong> que hoje oshospitais psiquiátricos são fiscalizados e avaliados pelo PNASH <strong>com</strong>o já foi <strong>de</strong>scritonesse estudo, e também sofreram reformulação na sua estrutura física e na forma<strong>de</strong> tratar e cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> em sofrimento mental.4.2.2.2 As sucessivas internações em hospitais psiquiátricosOs colaboradores <strong>familiar</strong>es e portadores <strong>de</strong> transtorno mental <strong>de</strong>ste estudomencionaram as sucessivas internações em hospitais psiquiátricos, conheci<strong>da</strong> <strong>com</strong>o


77o fenômeno <strong>da</strong> porta giratória, a não a<strong>de</strong>são ao <strong>tratamento</strong> farmacológico, e oslongos períodos <strong>de</strong> internamento que contribuíram so<strong>br</strong>emaneira para a que<strong>br</strong>a <strong>de</strong>vínculo:“Ela era assim, ficava interna<strong>da</strong> ficava boa, voltava para casa passava uns dias beme saia para a rua”. (F1Mãe)“[...] ele não aceitava o <strong>tratamento</strong>, ia para o hospital, tomava a medicação, ficavabem, voltava para casa, ele não tomava o remédio, caia tudo <strong>de</strong> novo, lá tinha queeu ir atrás e internar novamente, isso era um sofrimento porque ele não aceitava,tinha que ser tudo às escondi<strong>da</strong>s, era uma dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> tremen<strong>da</strong>, e assim foi quase<strong>de</strong>z anos nessa luta”. (F2Mãe)“Eu vivia <strong>de</strong> internamento em internamento, passei por todos os hospitais <strong>da</strong>qui,ficava em média seis meses internado. Eu era internado ficava bem voltava paracasa, ficava ruim, novamente era internado. Era assim <strong>de</strong> hospital psiquiátrico emhospital psiquiátrico. Meu último internamento foi no [nome <strong>de</strong> um hospitalpsiquiátrico], fiquei 110 dias”. (F3Gustavo)“Eu fiquei cinco anos passando por internação em hospitais psiquiátricos, primeirofoi no [nome <strong>de</strong> um hospital psiquiátrico], fiquei bastante tempo lá, <strong>de</strong>pois fiquei no[nome <strong>de</strong> outros três hospitais psiquiátricos] e agora o último foi no [nome <strong>de</strong> umhospital psiquiátrico], nesse foi o que eu fiquei menos tempo interna<strong>da</strong>, quatromeses [internação do ano <strong>de</strong> <strong>de</strong>zem<strong>br</strong>o <strong>de</strong> 2008 4 ]”. (F1Eduar<strong>da</strong>)“[...] ela ficava interna<strong>da</strong>, tomava o medicamento ficava bem, vinha para casa, saiapara a rua, <strong>de</strong> repente tinha que voltar para o hospital, vinha e voltava”. (F1Pai)“O internamento foi muito difícil para mim, eu venho <strong>de</strong> uma família humil<strong>de</strong>, mastinha certo padrão, vivia do lado <strong>da</strong> mãe, <strong>da</strong>s irmãs, e cair no hospital <strong>com</strong> todosaqueles pacientes juntos, ficar longe <strong>da</strong> família, foi muito difícil para mim. Depois fuime acostumando, eu chegava, fazia amiza<strong>de</strong> e o tempo ia passando, eu tinha alta,4 No último internamento <strong>da</strong> colaboradora, já estava em curso no Brasil uma nova política volta<strong>da</strong> aassistência psiquiátrica, sustenta<strong>da</strong> pela Lei 10.216, aprova<strong>da</strong> em 2001.


78voltava para casa, mas parava <strong>de</strong> tomar o remédio, não <strong>da</strong>va sequência ao<strong>tratamento</strong> tinha que voltar para o hospital psiquiátrico”. (F2Paulo)Esses <strong>da</strong>dos vão ao encontro do resultado <strong>de</strong> uma pesquisa realiza<strong>da</strong> porAmaral (1997), a qual mostrou que 32% dos pacientes psicóticos necessitaram <strong>de</strong>reinternação em um período <strong>de</strong> quatro meses após a alta.Esta dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental permanecer no convíviosocial po<strong>de</strong> estar relaciona<strong>da</strong> a não a<strong>de</strong>são ao <strong>tratamento</strong>, a falta <strong>de</strong> suporte àfamília, a exclusão social pela estigmatização <strong>da</strong> loucura e à ausência <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong><strong>de</strong> serviços que <strong>de</strong>em conta do atendimento e intervenção nos momentos <strong>de</strong> crise.Essas situações contribuem <strong>de</strong>cisivamente para a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> recorrerao internamento em instituição psiquiátrica para o <strong>tratamento</strong>, estabelecendo-se umciclo. Isso é reforçado <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> que quando o paciente recebe alta dohospital psiquiátrico muitas vezes a família não recebeu informações suficientesso<strong>br</strong>e <strong>com</strong>o cuidá-lo, a <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental não tem a<strong>com</strong>panhamentoespecífico na <strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>sse modo recai e necessita novamente <strong>da</strong>institucionalização.O fenômeno <strong>da</strong> porta giratória na área <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> mental evi<strong>de</strong>ncia o fracassodo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> predominantemente biomédico, sustentado na relação objetocurae sem resolutivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois este consi<strong>de</strong>ra apenas os aspectos biológicos e nãoa <strong>com</strong>plexi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s relações, <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, do ambiente e do social so<strong>br</strong>e asaú<strong>de</strong> <strong>da</strong>s <strong>pessoa</strong>s. Assim, a produção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> nos serviços fechados é<strong>com</strong>prometi<strong>da</strong> e a produção <strong>de</strong> cronici<strong>da</strong><strong>de</strong> é prepon<strong>de</strong>rante. Destarte, estabeleceseuma relação <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência entre o sujeito e o serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que fragiliza aautonomia e a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> reinserção social do paciente após o período que esteficou sob a custódia <strong>da</strong> instituição psiquiátrica (ROTELLI; LEONARDIS; MAURI,1990; MARTÍ, 2006).Uma forma <strong>de</strong> romper o ciclo <strong>da</strong>s internações é implantar e ampliar osserviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> base <strong>com</strong>unitária nos quais o sujeito é tratado em seu meiosocial, incorporar ações que o auxiliem a <strong>de</strong>senvolver novas habili<strong>da</strong><strong>de</strong>s em busca<strong>de</strong> autonomia, e aumento <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> contratuali<strong>da</strong><strong>de</strong> (ROTELLI; LEONARDIS;MAURI, 1990; MARTÍ, 2006).Ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s relaciona<strong>da</strong>s ao lazer, cultura, artesanato, ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> física,articulação <strong>com</strong> a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte social <strong>com</strong>o igrejas, escolas, centros <strong>de</strong>


79convivência e clubes <strong>de</strong>vem fazer parte do <strong>tratamento</strong> em saú<strong>de</strong> mental. Essa re<strong>de</strong><strong>de</strong> cui<strong>da</strong>dos alia<strong>da</strong> à mu<strong>da</strong>nça no estilo <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, à terapia farmacológica e aoa<strong>com</strong>panhamento em serviços <strong>de</strong> base <strong>com</strong>unitária são imprescindíveis para oprocesso <strong>de</strong> ressocialização, reinserção social, resgate e construção <strong>de</strong> novosvínculos, bem <strong>com</strong>o o favorecimento do exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e <strong>da</strong> autonomia(JORGE et al., 2006; JORGE et al., 2008; MORASKI; HILDEBRANDT, 2005).Em relação ao <strong>tratamento</strong> farmacológico é preciso pon<strong>de</strong>rar que sem oadvento <strong>da</strong> psicofarmacologia, seria difícil pensar a <strong>de</strong>sinstitucionalização <strong>de</strong>portadores <strong>de</strong> transtorno mental. A a<strong>de</strong>são ao <strong>tratamento</strong> farmacológico facilita aestabilização dos sintomas psiquiátricos e a diminuição <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> recorrera internação em regime integral. O que é corroborado pelas falas <strong>de</strong> F1Pai (pág. 77)“ela ficava interna<strong>da</strong>, tomava o medicamento ficava bem” e F2Paulo (pág. 78)”voltava para casa, mas parava <strong>de</strong> tomar o remédio, não <strong>da</strong>va sequência ao<strong>tratamento</strong> tinha que voltar para o hospital psiquiátrico”.Contudo, o <strong>tratamento</strong> medicamentoso não <strong>de</strong>ve ser utilizado <strong>de</strong> formaisola<strong>da</strong>, mas associado a outros recursos disponíveis que permitam a <strong>pessoa</strong> seexpressar e conquistar o maior nível <strong>de</strong> autonomia possível, pois a falta <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>influencia <strong>de</strong> maneira negativa o <strong>com</strong>portamento, ao favorecer a condição <strong>de</strong>alienação (JORGE et al., 2006, JORGE et al., 2008; MORASKI; HILDELBRANDT,2005).Outro aspecto mencionado pelos colaboradores <strong>de</strong>sta pesquisa diz respeitoaos longos períodos <strong>de</strong> internação em instituição psiquiátrica, <strong>com</strong>o se observa nasfalas <strong>de</strong> F2Paulo (pág. 77) “O internamento foi muito difícil para mim, eu venho <strong>de</strong>uma família humil<strong>de</strong>, mas tinha certo padrão, e cair no hospital <strong>com</strong> todos aquelespacientes juntos, ficar longe <strong>da</strong> família, foi muito difícil para mim”; F3Gustavo (pág.77) “Eu vivia <strong>de</strong> internamento em internamento, passei por todos os hospitais <strong>da</strong>qui,ficava em média seis meses internado” e F1Eduar<strong>da</strong> (pág. 77) “[...] eu fiquei cincoanos passando por internação em hospitais psiquiátricos [...] fiquei bastante tempolá”.Isso é corroborado por Amaral e Durman (2004) ao mencionar que asinstituições psiquiátricas prestavam seus serviços <strong>de</strong> forma arcaica, ao manter opaciente por longos períodos enclausurado, distante <strong>da</strong> família, isso contribuía paraa alienação e dificultava o retorno ao convívio social.


80É importante <strong>de</strong>stacar que durante muito tempo no Brasil a única forma <strong>de</strong><strong>tratamento</strong> disponível às <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental foram as prolonga<strong>da</strong>sinternações em hospitais psiquiátricos, <strong>com</strong> consequente que<strong>br</strong>a <strong>de</strong> vínculo,abandono do emprego e dos estudos, exclusão social e a cronificação <strong>da</strong> doençapela institucionalização (WAIDMAN; JOUCLAS; STEFANELLI, 1999).4.2.2.3 A assistência na área <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> mental sustenta<strong>da</strong> no mo<strong>de</strong>lo psicossocial:avanços, fragili<strong>da</strong><strong>de</strong>s e <strong>de</strong>safiosOs colaboradores expressaram os avanços, as fragili<strong>da</strong><strong>de</strong>s e os <strong>de</strong>safios domo<strong>de</strong>lo psicossocial emergente. Referiram que há algum tempo almejavamdispositivos <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> sustentados por práticas mais humanas, resolutivas e queconsi<strong>de</strong>rassem a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> inserção social, resgate <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e autonomia<strong>da</strong>s <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental, bem <strong>com</strong>o o acolhimento e aceitação <strong>da</strong>sdiferenças. Mencionaram o NAPS, o CAPS, e o atendimento ambulatorial <strong>com</strong>o osprincipais dispositivos <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> relacionados às mu<strong>da</strong>nças na assistência emface <strong>da</strong> reforma psiquiátrica.Uma <strong>da</strong>s colaboradoras referiu que conheceu o CAPS por intermédio <strong>de</strong>uma amiga, pois na alta hospitalar o <strong>familiar</strong> não recebia esclarecimentos so<strong>br</strong>e aexistência <strong>de</strong>sses serviços, tampouco encaminhamento. Atribuíram à dinâmica dosserviços <strong>com</strong>o o NAPS e o CAPS a a<strong>de</strong>são ao <strong>tratamento</strong>, a melhora <strong>da</strong>s relaçõesinter<strong>pessoa</strong>is, a diminuição <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos internamentos em instituiçãopsiquiátrica e a reinserção social, uma vez que o usuário passa boa parte do tempono serviço e o restante no convívio <strong>familiar</strong> e social. Ain<strong>da</strong>, relataram que os serviços<strong>de</strong> base <strong>com</strong>unitária seguem o princípio <strong>da</strong> territoriali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Com a implantação dosCAPS em vários municípios <strong>br</strong>asileiros, houve a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> do remanejamento <strong>de</strong>usuários para serem tratados o mais próximo possível <strong>de</strong> seu meio social.Outro aspecto relacionado à nova forma <strong>de</strong> tratar e cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong>transtorno mental diz respeito à dinâmica dos serviços <strong>com</strong>o o NAPS e o CAPS, tal<strong>com</strong>o a importância do <strong>tratamento</strong> ser realizado por equipe multiprofissional eoferecer diversas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s terapêuticas. Dentre as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, mencionaramjardinagem, leitura, convivência, culinária, artes, espaço para lazer, grupos


81terapêuticos, frequentes assembléias, reuniões <strong>de</strong> <strong>familiar</strong>es, e as <strong>com</strong>emoraçõesem <strong>da</strong>tas festivas. Esta última na busca <strong>de</strong> integrar a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e a família nocui<strong>da</strong>do às <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental, <strong>com</strong> vistas à diminuição do estigma.Percebe-se a inclusão <strong>da</strong> família no processo <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>do, ao ser convi<strong>da</strong><strong>da</strong> eincentiva<strong>da</strong> a estar presente, a<strong>com</strong>panhar e apoiar o usuário <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental,Externaram que a convivência <strong>da</strong> família <strong>com</strong> a <strong>pessoa</strong> em sofrimentopsíquico antes <strong>de</strong> esta iniciar o <strong>tratamento</strong> no NAPS ou no CAPS era insustentável,permea<strong>da</strong> por sucessivas discussões e <strong>br</strong>igas, a família não entendia a doença nemo <strong>com</strong>portamento manifestado pela <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental. Entretanto, após<strong>com</strong>eçarem a participar <strong>da</strong>s reuniões ofereci<strong>da</strong>s à família por esses serviços, aconvivência melhorou, pois passaram a receber esclarecimentos e orientaçõesso<strong>br</strong>e a doença. Foi a partir disso que <strong>com</strong>eçaram a aceitar e enten<strong>de</strong>r o<strong>com</strong>portamento e a maneira <strong>de</strong> ser do integrante <strong>familiar</strong> <strong>com</strong> transtorno mental.Explicitaram que a gran<strong>de</strong> contribuição do mo<strong>de</strong>lo psicossocial para suasvi<strong>da</strong>s foi justamente a melhora na convivência a partir do momento que aceitaram eenten<strong>de</strong>ram a doença. Evi<strong>de</strong>nciaram ain<strong>da</strong> o papel <strong>de</strong> mediação <strong>de</strong> conflitos<strong>de</strong>sempenhado pelo CAPS. Consi<strong>de</strong>raram que a reunião <strong>de</strong> família nos serviçossubstitutivos se constitui espaço para <strong>com</strong>partilhar experiências, sentimentos,momentos nos quais se sentiam acolhidos e recebiam informações pertinentes aotranstorno, ao manejo e ao <strong>tratamento</strong>, uma vez que no hospital, os <strong>familiar</strong>es nãoconseguiam esclarecer suas dúvi<strong>da</strong>s, pois o foco dos profissionais <strong>da</strong> equipe <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> era obter informações so<strong>br</strong>e o <strong>com</strong>portamento do paciente enquanto estavaem casa e não, <strong>de</strong> esclarecer e informar so<strong>br</strong>e a doença, conforme segue:“Ele teve nove internamentos, na pior crise que ele teve, eu pedia que Deus meiluminasse, que eu encontrasse uma forma <strong>de</strong> ajudá-lo, que o aju<strong>da</strong>sse a enten<strong>de</strong>rque precisava a<strong>de</strong>rir ao <strong>tratamento</strong>. Eu a<strong>com</strong>panhava na televisão, no rádio, asexplicações <strong>de</strong> que se a <strong>pessoa</strong> tomasse a medicação corretamente, po<strong>de</strong>ria viveruma vi<strong>da</strong> normal e eu sonhava isso para ele. [...] Meu Deus! Foi um dia, porintermédio <strong>de</strong> uma amiga minha que conhecia uma moça que fazia <strong>tratamento</strong> noCAPS que apareceu o CAPS, <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>i o CAPS, aí <strong>com</strong>eçou a melhora. Eu já entreiem contato <strong>com</strong> o CAPS, fizemos a entrevista e ele <strong>com</strong>eçou o <strong>tratamento</strong>, aceitou o<strong>tratamento</strong>. Graças a Deus! Foi a partir do <strong>tratamento</strong> no CAPS que <strong>com</strong>eçou omeu alívio, ele nunca mais foi internado, agora toma a medicação corretamente. Ele


82<strong>com</strong>eçou a participar do CAPS. Vinha todo dia <strong>de</strong> manhã, voltava à tar<strong>de</strong>. Ali temuma assistência no geral, a<strong>com</strong>panhamento médico, psicólogo, assistente social,assistente ocupacional, ele <strong>com</strong>eçou a fazer as terapias. Foi o meu alívio. Nósnunca tínhamos ouvido falar do CAPS, que eu me lem<strong>br</strong>e no hospital psiquiátriconunca me falaram na<strong>da</strong>, talvez quem sabe até falavam, mas eu estava tãoperturba<strong>da</strong>. E eu an<strong>da</strong>va à procura <strong>de</strong> um serviço assim. No hospital psiquiátrico<strong>da</strong>vam alta, ele ia para casa, eu ficava to<strong>da</strong> esperançosa que não precisaria maispassar por aquilo, passado uns dias <strong>com</strong>eçava tudo <strong>de</strong> novo. Depois que ele<strong>com</strong>eçou no CAPS, aí melhorou, <strong>com</strong>eçou a melhorar tudo, porque lá tinhamreuniões frequentemente, quando tinha <strong>com</strong> os <strong>familiar</strong>es eu nunca <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong>participar, nas <strong>com</strong>emorações eu sempre estava presente, apoiando. No CAPS nósvíamos a situação um do outro, todo mundo contando sua história, seu problema,eles explicavam <strong>com</strong>o que era a doença, o que tinha que fazer. Nossa! Era umamaravilha! Tinha o atendimento <strong>familiar</strong>, as assembléias, eu sempre estavapresente, tinha atendimento <strong>com</strong> equipe multiprofissional, vários profissionais oaten<strong>de</strong>ndo, várias ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s para ele fazer, ocupar a mente, era muito bom. Eusempre procurei apoiá-lo”. (F2Mãe)“Meu último internamento foi em 2003, no período <strong>de</strong> 1993 a 2003 eu não faziaCAPS. Eu entrei no CAPS em setem<strong>br</strong>o <strong>de</strong> 2003, só <strong>de</strong>pois <strong>da</strong>s nove internaçõesque eu conheci o CAPS, aí estabilizou, eu me conscientizei que tinha que tomar amedicação, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong> eu me conscientizei <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> última internação que eurealmente cansei mesmo. Os enfermeiros me falaram que era para eu tomar oremédio que não teria problema, então eu me conscientizei, eu vou <strong>com</strong>eçar a tomaro remédio certo e não vou mais precisar ir para o hospital psiquiátrico e foi o queaconteceu. Logo <strong>de</strong>pois que eu saí a mãe me apresentou o CAPS, no <strong>com</strong>eço eunão queria, na época eu não sabia, até disse para a mãe que eu não queria ir, masacabei indo e estou até hoje me cui<strong>da</strong>ndo. No CAPS era muito bom, tinham osoutros pacientes, nós fazíamos ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, tinha almoço que era muito bom. Faziaas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s à tar<strong>de</strong> <strong>com</strong> a pe<strong>da</strong>goga e a terapeuta ocupacional, <strong>com</strong>o <strong>de</strong>senhar,ler, jardinagem. No CAPS eu fiquei <strong>de</strong> 2003 até 2004, foi nesse tempo que criaramum sistema, não sei se na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> ou no Estado, seria implantado um sistema quequem morasse em uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> que tivesse CAPS seria transferido aqui do CAPS <strong>de</strong>Curitiba para o <strong>da</strong> sua ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, por exemplo, se a<strong>br</strong>issem um CAPS em [nome <strong>de</strong> um


83município <strong>da</strong> região metropolitana <strong>de</strong> Curitiba] a <strong>pessoa</strong> que estivesse fazendo<strong>tratamento</strong> no CAPS em Curitiba tinha que ser transferi<strong>da</strong>. Em 2004 eu tive alta doCAPS para fazer ambulatório, mas <strong>com</strong>o não tinha ambulatório na minha ci<strong>da</strong><strong>de</strong>eles me pediram para fazer mais um pouco <strong>de</strong> CAPS, <strong>com</strong>o fui transferido euconsultava <strong>com</strong> o psiquiatra em [nome <strong>de</strong> um município <strong>da</strong> região metropolitana <strong>de</strong>Curitiba] e frequentava o CAPS uma vez por mês, mas isso porque não tinhaambulatório na minha ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. [...] Quanto à Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> eu faço assim,pego a receita e vou a Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> retirar a medicação, lá eles me fornecem o carbolítio,o risperidona eu consigo no ambulatório, agora visita domiciliar, isso a UBS não faz.Então é isso, fiquei internado em hospital psiquiátrico, fiz CAPS, agora estou naAssociação e faço ambulatório”. (F2Paulo)“Esse foi o último internamento <strong>de</strong>le, faz uns oito anos. Ah! Ele foi um dos primeirosusuários a participar do NAPS em Curitiba, foi fun<strong>da</strong>dor [colaboradora fala <strong>com</strong>orgulho]. [...] Nesse tempo <strong>de</strong> doença <strong>de</strong>le, sem participar do NAPS, a nossa vi<strong>da</strong>era um ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro inferno, era só <strong>br</strong>iga porque achávamos que era ruin<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>le,meu marido achava que era ruin<strong>da</strong><strong>de</strong> e eu também, <strong>de</strong>pois que o pai <strong>de</strong>le morreu,ele <strong>com</strong>eçou a ir ao NAPS, lá tinham as reuniões para nós [a família] irmos. To<strong>da</strong>semana tinha reunião, foi lá que nós, eu e meu outro filho apren<strong>de</strong>mos <strong>com</strong>o é quetratava <strong>de</strong>le. No hospital psiquiátrico não falavam, naquelas reuniões <strong>de</strong> família, nãoexplicavam, só perguntavam o que ele fazia quando ia <strong>de</strong> visita para casa, <strong>com</strong>o queele estava. Quando ele estava <strong>de</strong> alta em casa, quando ele <strong>com</strong>eçava a ficardoente, meu Deus do céu! Brigavam, <strong>br</strong>igavam, mas era só <strong>br</strong>iga, mas não era <strong>de</strong>bater, ele nunca foi agressivo, só discussão, mas <strong>com</strong> o irmão então, meu Deus!Brigavam, <strong>br</strong>igavam que nossa. Porque lá em casa ninguém entendia o problema doGustavo. [...] Foi quando <strong>com</strong>eçou a ter as reuniões no NAPS, eu e o irmão <strong>de</strong>leíamos, lá ensinavam, conversavam conosco, aí que nós <strong>com</strong>eçamos a aceitar, nósnão aceitávamos a doença <strong>de</strong>le, que ele era doente. Nossa! Agora vivemos que éuma beleza, em harmonia, porque naquele tempo não <strong>da</strong>va, era um inferno. Possodizer que essas mu<strong>da</strong>nças pela reforma psiquiátrica foram para melhor, eu ia àsreuniões do NAPS eu via o trabalho <strong>de</strong>les, o que eles faziam lá, estava tudo expostopara ver, ele fez até um tubarão <strong>de</strong> mosaico que foi premiado lá em São Paulo, foimuito bom ele ficar no NAPS. [...] Foi lá que nós fizemos amiza<strong>de</strong> <strong>com</strong> to<strong>da</strong>s as<strong>pessoa</strong>s que até hoje temos amiza<strong>de</strong>. Foi muito bom. O meu outro filho quando


84<strong>com</strong>eçou a ir às reuniões que tinha no NAPS <strong>com</strong>eçou a enten<strong>de</strong>r <strong>com</strong>o que eratudo, nós víamos um o problema do outro, é assim que se trata. Agora está umabeleza! Posso dizer que a gran<strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> reforma, <strong>de</strong>sses serviços foienten<strong>de</strong>rmos a doença. Além disso, no NAPS ele tinha atendimento <strong>com</strong> umaequipe multiprofissional”. (F3Mãe)“Eu gostava <strong>de</strong> ir ao NAPS. Lá fazia ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> jardinagem, curso <strong>de</strong> confeiteiro,jogava futebol, nas quartas-feiras tinha teatro, as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s são dividi<strong>da</strong>s. Tinhaatendimento <strong>com</strong> equipe multiprofissional. Além disso, ca<strong>da</strong> um tinha um projetoterapêutico individual, uns faziam jardinagem, outros cui<strong>da</strong>vam <strong>da</strong> cozinha, outrosfaziam <strong>com</strong>pras no supermercado, eles <strong>da</strong>vam licença para fazer <strong>com</strong>pras. NoNAPS eu ficava <strong>da</strong>s 8 horas <strong>da</strong> manhã até às 16 horas. Lá eu me sentia bem, mastinha hora que cansava, era cansativo”. Eu preferia o NAPS do que o internamentoem hospital psiquiátrico, porque no internamento não me sentia bem”. (F3Gustavo)“É uma situação difícil porque veja, eu sempre procurei apoiá-lo. [...] Eu me lem<strong>br</strong>o<strong>de</strong> uma conversa, que o Paulo achava que eu não o amava, que o internava porquenão gostava <strong>de</strong>le e foi em uma reunião no CAPS que eu disse para ele: eu amovocê, se eu não amasse você eu não estaria aqui <strong>da</strong>ndo todo o apoio. Eu te internoporque amo você e não quero vê-lo na rua, feito um mendigo, jogado, sofrendo, e aforma que eu encontrei <strong>de</strong> te aju<strong>da</strong>r foi o internamento porque lá eu sei que vocêestá sendo cui<strong>da</strong>do. Não é falta <strong>de</strong> amor. Parece que ele foi enten<strong>de</strong>ndo melhor”.(F2Mãe)Em relação aos avanços, os colaboradores F2Mãe, F2Paulo, F3Mãe eF3Gustavo referiram que foi <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> implantação dos serviços abertos, <strong>com</strong>o oNAPS e o CAPS que oferecem acolhimento e práticas mais humaniza<strong>da</strong>s <strong>de</strong> tratarque a convivência <strong>com</strong> o <strong>familiar</strong> portador <strong>de</strong> transtorno mental melhorou. Houve aa<strong>de</strong>são <strong>de</strong>ste ao <strong>tratamento</strong> e não foi mais preciso recorrer à internação eminstituição psiquiátrica. Evi<strong>de</strong>nciaram os avanços do mo<strong>de</strong>lo psicossocial naproposição <strong>de</strong> uma nova maneira <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r, relacionar-se e tratar a <strong>pessoa</strong> emsofrimento psíquico.Os colaboradores consi<strong>de</strong>raram <strong>com</strong>o avanço na assistência à <strong>pessoa</strong> emsofrimento mental, o surgimento dos serviços extra-hospitalares <strong>com</strong>o NAPS-CAPS.


85Na mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço substitutivo, os Centros <strong>de</strong> Atenção Psicossocial (CAPS)são serviços abertos e <strong>com</strong>unitários mantidos pelo Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (SUS),regulamentados pela Portaria nº. 336, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2002, a qual estabelecediretrizes para o seu funcionamento (BRASIL, 2004b).Eles são consi<strong>de</strong>rados dispositivos estratégicos para a organização <strong>da</strong> re<strong>de</strong><strong>de</strong> atenção em saú<strong>de</strong> mental, têm por metas, prestar atendimento diário às <strong>pessoa</strong>sem sofrimento psíquico, promover a reinserção social dos usuários por meio <strong>de</strong>ações intersetoriais que articulam educação, trabalho, esporte, cultura e lazer.Ain<strong>da</strong>, tem a finali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> regular a porta <strong>de</strong> entra<strong>da</strong> para a assistência em saú<strong>de</strong>mental em seu território e se responsabilizar por supervisionar a atenção em saú<strong>de</strong>mental na atenção básica (BRASIL, 2004b). Esse papel é reconhecido pela narrativados colaboradores F2Mãe (pág. 81 e 82), F2Paulo (pág. 82 e 83), F3Mãe (pág. 83 e84) e F3Gustavo (pág. 84) em que se percebe a satisfação <strong>de</strong> todos <strong>com</strong> relação àdinâmica do CAPS, suas várias ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, o atendimento e o funcionamento.Além disso, no CAPS ca<strong>da</strong> usuário <strong>de</strong>ve ter um projeto terapêutico individual(PTI) estabelecido que respeite suas necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, propondo ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>spara serem <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s. O CAPS oferece atendimento individual (psicoterapia,orientações), atendimento em grupo por meio <strong>da</strong> participação em oficinasterapêuticas, oficinas culturais, <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> ren<strong>da</strong>, <strong>de</strong> expressão, <strong>de</strong>alfabetização, ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s esportivas, atendimento <strong>familiar</strong>, ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>com</strong>unitárias eassembléia ou reuniões <strong>de</strong> organização do serviço (BRASIL, 2004b).A literatura sustenta o que referem F2Mãe (pág. 81 e 82), F2Paulo (pág. 82),F3Mãe (pág. 83 e 84) e F3Gustavo (pág. 84) so<strong>br</strong>e as várias ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s que eramdisponibiliza<strong>da</strong>s durante a permanência do usuário no serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mentalsubstitutivo, há existência <strong>de</strong> um plano terapêutico individual, do atendimento serrealizado por equipe multiprofissional, e o rompimento do ciclo <strong>de</strong> sucessivasinternações em instituições psiquiátricas.O CAPS <strong>de</strong>ve se responsabilizar pelo acolhimento <strong>de</strong> 100% <strong>da</strong> <strong>de</strong>man<strong>da</strong><strong>da</strong>s <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental, em especial os transtornos severos epersistentes no seu território <strong>de</strong> a<strong>br</strong>angência. Garantir a presença <strong>de</strong> profissionaisresponsáveis e capacitados durante todo o período <strong>de</strong> funcionamento <strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> ecriar ambiente acolhedor no serviço que possa incluir pacientes muito<strong>de</strong>sestruturados que não consigam a<strong>com</strong>panhar as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s estrutura<strong>da</strong>s doserviço. Este dispositivo estratégico <strong>de</strong>ve articular recursos <strong>de</strong> natureza clínica,


86incluir medicamentos, moradia, trabalho, lazer, por meio do cui<strong>da</strong>do oportuno eprogramas <strong>de</strong> reabilitação psicossocial (BRASIL, 2004b).Em um estudo <strong>de</strong>senvolvido <strong>com</strong> profissionais <strong>de</strong> enfermagem <strong>de</strong> um CAPS,Soares (2007) refere que os seus sujeitos expressaram que o CAPS ofereceatendimento diferenciado do ofertado nos hospitais psiquiátricos, pois extrapola asações técnicas, para um estar mais perto e <strong>com</strong> o paciente, além <strong>da</strong> <strong>com</strong>posição e otrabalho em equipe, a inserção do usuário no seu projeto terapêutico, acorresponsabilização no <strong>tratamento</strong> e a própria organização do serviço. Dessaforma, relataram que o CAPS contribui muito mais para o processo <strong>de</strong> recuperaçãoe reinserção social do usuário <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental do que o hospital psiquiátrico.No serviço substitutivo o atendimento é realizado por equipe multiprofissionale são oferecidos atendimentos em grupos e individuais, oficinas terapêuticas,ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> física, ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s lúdicas, geração <strong>de</strong> ren<strong>da</strong>, além <strong>da</strong> medicação que antesera consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> a principal necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> no <strong>tratamento</strong>. Nesses serviços, a família éentendi<strong>da</strong> <strong>com</strong>o ator social fun<strong>da</strong>mental no processo <strong>de</strong> reestruturação que sepreten<strong>de</strong>, sendo-lhes oferecido atendimento específico e acolhimento nas situaçõesque se fizer necessário (MIELKE et al., 2009).Em estudo realizado por Camatta e Schnei<strong>de</strong>r (2009) os autoresi<strong>de</strong>ntificaram que alguns usuários do serviço substitutivo apresentam recaí<strong>da</strong>s enecessitam <strong>de</strong> internação, no entanto reconhecem que isso acontece <strong>com</strong> menosfrequência que antes do <strong>tratamento</strong> no CAPS. Ain<strong>da</strong>, mostram que outrosparticipantes referiram que após o <strong>tratamento</strong> nesse dispositivo, o <strong>familiar</strong> não foimais internado, e que se tivesse tido acesso mais cedo a esse serviço po<strong>de</strong>ria terevitado uma série <strong>de</strong> internações. Isso também foi referido neste estudo pelascolaboradoras F2Mãe (pág. 81 e 82) e F3Mãe (pág. 83 e 84).Consi<strong>de</strong>rando as narrativas dos colaboradores e a literatura apresenta<strong>da</strong>,concordo <strong>com</strong> Mielke et al (2009) ao explicitarem que a transformação dos modos<strong>de</strong> cui<strong>da</strong>do em saú<strong>de</strong> mental mostra-se viável e favorece a efetivação <strong>da</strong> propostado mo<strong>de</strong>lo psicossocial, no qual o usuário e sua família recebem atendimento querespeite sua ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e autonomia.As ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s propostas pelos serviços extra-hospitalares <strong>de</strong>vem ter porobjetivo, “mediar a <strong>de</strong>scoberta e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>s do usuárioe <strong>de</strong> suas relações inter<strong>pessoa</strong>is, possibilitando-lhes o exercício pleno <strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>niae contratuali<strong>da</strong><strong>de</strong> social” (RANDEMARK; BARROS, 2007, p. 17).


87Nessa mesma linha <strong>de</strong> pensamento, Mielke et al (2009) acreditam que asativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s artísticas e artesanais realiza<strong>da</strong>s nas oficinas terapêuticas são possíveisformas <strong>de</strong> incluir socialmente a <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental. Porquanto, a <strong>da</strong>nça,a música, a arte, a culinária, a marcenaria, <strong>de</strong>ntre tantas outras ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssanatureza <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s em grupo, oportuniza ao usuário a interrelação <strong>com</strong> os<strong>de</strong>mais pacientes. Além <strong>de</strong> incentivar e preparar para o mercado <strong>de</strong> trabalho,promovendo a retoma<strong>da</strong> pelo usuário <strong>de</strong> suas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> novashabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s, na busca <strong>de</strong> sua in<strong>de</strong>pendência.Também foi referido pelos colaboradores <strong>de</strong>ste estudo <strong>com</strong>o avanços domo<strong>de</strong>lo psicossocial, a inclusão <strong>da</strong> família no <strong>tratamento</strong>, nesse novo mo<strong>de</strong>lo não seaceita a culpabilização, a vitimização e a função <strong>de</strong> meros informantes <strong>de</strong>stina<strong>da</strong> àfamília, mas exige-se a reformulação <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem <strong>familiar</strong> pelos serviçossubstitutivos. Assim, os serviços <strong>de</strong>vem se constituir espaço <strong>de</strong> negociação, paraque a família sinta-se <strong>com</strong>o sujeito <strong>de</strong> um projeto, haja vista que o que se temobservado ain<strong>da</strong> é uma prática centra<strong>da</strong> no usuário e não <strong>com</strong> intervenções queconsi<strong>de</strong>rem seu contexto <strong>familiar</strong> (CAMATTA; SCHNEIDER, 2009).Nesse sentido, os serviços <strong>de</strong> atenção <strong>com</strong>unitária em saú<strong>de</strong> mentalprecisam incluir ações dirigi<strong>da</strong>s aos <strong>familiar</strong>es e <strong>com</strong>prometer-se <strong>com</strong> a construçãodos projetos <strong>de</strong> inserção social, respeitando as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s individuais e princípios<strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia que minimizem o estigma e promovam a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> e inclusãosocial <strong>da</strong>s <strong>pessoa</strong>s em sofrimento psíquico (BRASIL, 2004b).Ao envolver a família e a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> no <strong>tratamento</strong> <strong>da</strong>s <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong>transtorno mental, a <strong>de</strong>sinstitucionalização do portador <strong>de</strong> transtorno mental torna-sepossível <strong>com</strong> a construção <strong>de</strong> um novo espaço social no qual as diferenças e aindividuali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> sujeito sejam <strong>com</strong>preendi<strong>da</strong>s e respeita<strong>da</strong>s. No entanto,para que isto se constitua <strong>de</strong> fato uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, é preciso proporcionar ascondições a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>s à família, a fim <strong>de</strong> que ela seja capaz <strong>de</strong> contribuir para amanutenção <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> em sofrimento psíquico nos serviços extra-hospitalares,dispositivos estes que precisam estar abertos ao conflito e à negociação(WAIDMAN; JOUCLAS; STEFANELLI, 1999).Neste sentido, chamo atenção para a fala <strong>de</strong> F2Mãe (pág. 84) quando dizque foi no CAPS, que conseguiu resolver o conflito <strong>com</strong> F2Paulo so<strong>br</strong>e relação mãefilho.Ele acreditava que a mãe não o amava, a partir <strong>de</strong> um diálogo mediado pelo


88profissional, no CAPS, foi possível administrar o conflito, negociar e contribuir para amelhoria <strong>da</strong>s relações entre mãe e filho.Promover espaço <strong>de</strong> sociabili<strong>da</strong><strong>de</strong> e administração <strong>de</strong> conflitos faz domo<strong>de</strong>lo psicossocial processo <strong>com</strong>plexo, que não se reduz à reestruturação etransformação dos serviços <strong>com</strong>o objetivos centrais, mas <strong>com</strong>o necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>transformar e superar o manicômio. Por meio <strong>da</strong> implementação <strong>de</strong> ações eestratégias que se so<strong>br</strong>epõe à institucionalização (AMARANTE, 2007).Evi<strong>de</strong>ncia-se que a família precisa receber orientações e suporte para quepossa elaborar melhor seus sentimentos, reorganizar e reor<strong>de</strong>nar seus papéis diante<strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> do transtorno mental. Isso equivale a receber informações a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>sdos profissionais quanto à sintomatologia, as causas do sofrimento psíquico, osmodos <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong>, <strong>de</strong> abor<strong>da</strong>gem e convivência, entre outros. O <strong>tratamento</strong>aliado aos espaços <strong>de</strong> socialização <strong>de</strong> experiências po<strong>de</strong> favorecer e melhorar aestabili<strong>da</strong><strong>de</strong> emocional <strong>da</strong> família, sua <strong>com</strong>preensão acerca <strong>da</strong> <strong>com</strong>plexi<strong>da</strong><strong>de</strong> doquadro psiquiátrico e restituir ou possibilitar <strong>com</strong>partilhar/criar estratégias eficazes <strong>de</strong>enfrentamento <strong>da</strong> situação (PEREIRA; PEREIRA JR, 2003; WAIDMAN; JOUCLAS;STEFANELLI, 1999; MELMAN, 2006; BORBA; SCHWARTZ; KANTORSKI, 2008).Assim, a narrativa <strong>de</strong> F3Mãe (pág. 83 e 84) ao referir que a gran<strong>de</strong> contribuição domo<strong>de</strong>lo psicossocial pela reforma psiquiátrica foi a família ter entendido o transtornomental nas reuniões <strong>de</strong> <strong>familiar</strong>es no NAPS, é corrobora<strong>da</strong> pela literatura.Desse modo, as novas diretrizes nacionais <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> e cui<strong>da</strong>do emsaú<strong>de</strong> mental requerem que os profissionais <strong>da</strong> área <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>, estejam preparadospara aten<strong>de</strong>r as <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s e trabalhar <strong>com</strong> a questão <strong>da</strong> família. Esta atuação,entretanto, não po<strong>de</strong>rá ocorrer <strong>de</strong> modo linear, unidirecional, mas <strong>de</strong>verá ser<strong>com</strong>partilha<strong>da</strong>, <strong>de</strong> inclusão, respeito e vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> oferecer cui<strong>da</strong>do qualificado queextrapole a lógica tecnicista <strong>com</strong>o vem ocorrendo predominantemente até início <strong>da</strong>sdéca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 80 do século XX (PEREIRA; PEREIRA JR, 2003; WAIDMAN; JOUCLAS;STEFANELLI, 1999).Nas falas <strong>de</strong> F2Mãe (pág. 81 e 82) e F3Mãe (pág. 83 e 84) so<strong>br</strong>e a inclusão<strong>da</strong> família no <strong>tratamento</strong>, percebe-se que uma boa estratégia para isso é arealização <strong>de</strong> reuniões <strong>familiar</strong>es, assembléias e festivi<strong>da</strong><strong>de</strong> em <strong>da</strong>tas<strong>com</strong>emorativas. Isso confirma o estudo <strong>de</strong> Schrank e Olschowsky (2008) que apontaalgumas estratégias possíveis <strong>de</strong> inserção e cui<strong>da</strong>do <strong>da</strong> família, nesse novo mo<strong>de</strong>lo<strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> mental que se preten<strong>de</strong>, <strong>com</strong>o por exemplo, o grupo <strong>de</strong>


89<strong>familiar</strong>es, o atendimento individual, a visita domiciliar, a participação nasassembléias <strong>de</strong> usuários e nos eventos promovidos pelos serviços.Nessa perspectiva, a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> dinâmica <strong>familiar</strong> po<strong>de</strong> ser conheci<strong>da</strong> eintervenções mais pontuais po<strong>de</strong>m ser propostas, a família tem a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>expressar seus sentimentos, <strong>com</strong>partilhar experiências, esclarecer dúvi<strong>da</strong>s, sentir-seapoia<strong>da</strong> e cui<strong>da</strong><strong>da</strong>, bem <strong>com</strong>o conhecer as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s do serviço e as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>sterapêuticas que esse dispõe (SCHRANK; OLSCHOWSKY, 2008; JORGE et al.,2006; JORGE et al., 2008; BORBA, 2007).No mo<strong>de</strong>lo psicossocial as dimensões sociais, éticas, econômicas eculturais, são variáveis que se articulam entre si para ser possível intervir so<strong>br</strong>e areali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>com</strong> resolutivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e, principalmente, consi<strong>de</strong>rar a subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do ser eexistir do outro (COSTA-ROSA; LUZIO; YASUI, 2003). Isso vai ao encontro do quefoi expresso por F2Mãe (pág. 81 e 82) e F3Mãe (pág. 83 e 84) ao referirem que oobjetivo dos profissionais na instituição psiquiátrica estava centrado na doença, nobiológico, enquanto que nos serviços substitutivos <strong>com</strong>o o NAPS e o CAPS além<strong>de</strong>sses aspectos, o social e o cultural são consi<strong>de</strong>rados.Nesta nova proposta, existe uma mu<strong>da</strong>nça na concepção do <strong>tratamento</strong> emsaú<strong>de</strong> mental, <strong>da</strong> ênfase na doença para o sujeito em sofrimento. Isso implica emtrabalhar <strong>com</strong> as necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, os <strong>de</strong>sejos, os problemas <strong>de</strong> inserção social, osconflitos <strong>familiar</strong>es. Requer que os serviços não mais se constituam lugar <strong>de</strong>repressão, vigilância e punição, mas espaço <strong>de</strong> sociabili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Nesse contexto, ocampo <strong>da</strong> atenção psicossocial enten<strong>de</strong> os serviços <strong>com</strong>o espaço <strong>de</strong> acolhimento,cui<strong>da</strong>do e relações sociais, <strong>com</strong>o dispositivos estratégicos (AMARANTE, 2007).O novo mo<strong>de</strong>lo assistencial referido pelos colaboradores <strong>de</strong>sta pesquisa éorientado pelos pressupostos <strong>da</strong> reforma psiquiátrica e sustentado portransformações nos campos teórico-assistencial, jurídico-político, técnicoassistenciale sociocultural <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> mental. Nessa nova perspectiva <strong>de</strong> assistênciaacontecem mu<strong>da</strong>nças também conceituais, o sujeito em sofrimento hoje é<strong>de</strong>nominado pela legislação <strong>br</strong>asileira <strong>de</strong> portador <strong>de</strong> transtorno mental. No campo<strong>da</strong> atenção psicossocial sugere-se nova <strong>de</strong>nominação, “se tem utilizado falar <strong>de</strong>sujeitos em sofrimento psíquico ou mental, pois a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> sofrimento nos remete apensar em um sujeito que sofre, em uma experiência vivi<strong>da</strong>” (AMARANTE, 2007, p.68; COSTA-ROSA; LUZIO; YASUI, 2003).


90No campo teórico-assistencial tem-se trabalhado <strong>com</strong> a construção doconceito <strong>de</strong> existência-sofrimento em contraposição ao binômio doença-cura, o quecoloca o sujeito em sofrimento no centro <strong>da</strong>s ações e questiona a relação <strong>de</strong> sujeitoobjeto.Incorpora às suas práticas o acolhimento, o cui<strong>da</strong>do, a emancipação, aautonomia e o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> contratuali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos sujeitos (COSTA-ROSA; LUZIO;YASUI, 2003). Essa iniciativa era aguar<strong>da</strong><strong>da</strong> pelos <strong>familiar</strong>es <strong>da</strong>s <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong>transtorno mental conforme se constata na narrativa <strong>da</strong> colaboradora F2Mãe (pág.81) ao enfatizar que procurava por serviços <strong>de</strong> base <strong>com</strong>unitária para aju<strong>da</strong>r seufilho a ter uma vi<strong>da</strong> normal.Na dimensão técnico-assistencial, o avanço é evi<strong>de</strong>nciado pela construção<strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços, que se constituem ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iros espaços <strong>de</strong> sociabili<strong>da</strong><strong>de</strong>.Além <strong>da</strong> noção <strong>de</strong> re<strong>de</strong>, ganha <strong>de</strong>staque a questão do território, visto que os novosequipamentos em saú<strong>de</strong> são geridos e organizados para aten<strong>de</strong>r a <strong>de</strong>man<strong>da</strong> <strong>de</strong> suaárea <strong>de</strong> a<strong>br</strong>angência (COSTA-ROSA; LUZIO; YASUI, 2003; MAFTUM, 2004;AMARANTE, 2007). A re<strong>de</strong> que se preten<strong>de</strong> em saú<strong>de</strong> mental e proposta pelomo<strong>de</strong>lo psicossocial é a explicita<strong>da</strong> na ilustração a seguir.FIGURA 3: ILUSTRAÇÃO DA REDE DE SERVIÇOS E DE APOIO NA ÁREA DA SAÚDE MENTALFONTE: BRASIL (2004b).


91A noção <strong>de</strong> território vai além do espaço geográfico, embora este se façaimportante para a sua caracterização, mas no contexto psicossocial “é construídofun<strong>da</strong>mentalmente pelas <strong>pessoa</strong>s que nele habitam, <strong>com</strong> seus conflitos, interesses,amigos, vizinhos, família, as instituições, cenários (igreja, cultos, escola, trabalho)”(BRASIL, 2004b, p. 11; AMARANTE, 2007). Isso coaduna <strong>com</strong> a fala do colaboradorF2Paulo (pág. 82 e 83) ao referir que foi transferido para o CAPS <strong>de</strong> sua ci<strong>da</strong><strong>de</strong>,sendo que antes ele precisava vir até Curitiba para fazer o <strong>tratamento</strong>.É preciso consi<strong>de</strong>rar que estas transformações implicam na mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong>atitu<strong>de</strong> dos profissionais, pois para cui<strong>da</strong>r orientado pelos pressupostos do mo<strong>de</strong>lopsicossocial requer sair <strong>da</strong> posição vertical do saber, do po<strong>de</strong>r para assumir umapostura horizontal. Isso pressupõe <strong>de</strong>senvolver uma relação <strong>com</strong> a <strong>pessoa</strong> emsofrimento psíquico <strong>com</strong> a <strong>com</strong>preensão do ser humano muito além <strong>da</strong>s limitaçõespela doença, mas percebê-lo <strong>com</strong>o ser <strong>de</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s, relações e <strong>de</strong>subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Consi<strong>de</strong>ra-se o “potencial <strong>de</strong> reestruturação <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> em sofrimentomental, <strong>da</strong> sua família e dos próprios profissionais, agora orientados pela reflexão<strong>de</strong> sua prática” (MAFTUM, 2004, p. 103).No campo jurídico-político estão os aparatos legais, a aprovação <strong>da</strong> LeiFe<strong>de</strong>ral n. 10.216, e <strong>de</strong>mais leis que normatizam os serviços substitutivos ereorientam a assistência psiquiátrica no país. Além, <strong>da</strong>s <strong>com</strong>issões <strong>de</strong> fiscalizaçãodos serviços institucionais forma<strong>da</strong>s por <strong>familiar</strong>es e técnicos, enfim pelaparticipação <strong>da</strong> <strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong> por meio dos Conselhos Municipais e Estaduais <strong>de</strong>Saú<strong>de</strong> (COSTA-ROSA; LUZIO; YASUI, 2003; MAFTUM, 2004; AMARANTE, 2007).As ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s propostas no campo sociocultural estão relaciona<strong>da</strong>s atransformar o imaginário coletivo acerca <strong>da</strong> loucura, a instituição passa a ser<strong>com</strong>preendi<strong>da</strong> <strong>com</strong>o espaço <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, não <strong>de</strong> vigilância e violência e o louco,perigoso e incapaz <strong>com</strong>o ci<strong>da</strong>dão (COSTA-ROSA; LUZIO; YASUI, 2003).As propostas <strong>de</strong> transformação <strong>da</strong> assistência psiquiátrica constituem-seesforço constante <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstrução <strong>da</strong>s condutas até então reconheci<strong>da</strong>s <strong>com</strong>over<strong>da</strong><strong>de</strong>s absolutas. Reconstruí-las sob nova perspectiva, consi<strong>de</strong>rar amultidisciplinari<strong>da</strong><strong>de</strong> dos fatores que passam pelo relacionar-se <strong>com</strong> o fenômeno <strong>da</strong>loucura, permite tratar e cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental junto à família,possibilitando que estes possam conviver e estabelecer uma relação saudável(MORENO; ALENCASTRE, 2003).


92Acredito que seja pertinente nesse momento <strong>da</strong> discussão, possibilitar aoleitor visualizar as diferenças entre os dois mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> mental emum <strong>com</strong>parativo entre o mo<strong>de</strong>lo clássico psiquiátrico e o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> atençãopsicossocial proposto <strong>com</strong>o paradigma emergente no cui<strong>da</strong>do e <strong>tratamento</strong> <strong>da</strong>s<strong>pessoa</strong>s em sofrimento psíquico, conforme o Quadro 4.Mo<strong>de</strong>lo Asilar- A crise é entendi<strong>da</strong> <strong>com</strong>o umasituação <strong>de</strong> grave disfunção <strong>de</strong>causa exclusivamente biológica.- Terapêutica centra<strong>da</strong> nainternação.- Instituição psiquiátrica <strong>com</strong>função <strong>de</strong> vigiar e punir.- Relação medicina-doença.Atenção volta<strong>da</strong> à doença.- Equipe multiprofissional, mascui<strong>da</strong>dos fragmentados, serviçosfechados que colaboram para oisolamento social.Mo<strong>de</strong>lo Psicossocial- A crise é entendi<strong>da</strong> <strong>com</strong>o resultado <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> fatores,além do biológico, envolve o social e as relações entre ossujeitos.- Os serviços <strong>com</strong>unitários <strong>de</strong>vem possibilitar o acolhimento<strong>da</strong>s <strong>pessoa</strong>s em sofrimento psíquico no momento <strong>da</strong> crise,para tanto precisam dispor <strong>de</strong> serviços flexíveis e resolutivos,que disponham <strong>de</strong> leitos para internação por <strong>br</strong>eve período.- Instituição <strong>com</strong>o espaço <strong>de</strong> diálogo e interlocução.- Se preten<strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações entre os sujeitos –profissionais – família e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. O foco está no sujeito.- Dispõem <strong>de</strong> equipe multiprofissional sustenta<strong>da</strong> no conceito<strong>de</strong> integrali<strong>da</strong><strong>de</strong>, trabalha <strong>com</strong> a noção <strong>de</strong> re<strong>de</strong>, <strong>de</strong>territorialização, intersetoriali<strong>da</strong><strong>de</strong> (estratégias que perpassamvários setores sociais), acolhimento, participação social e<strong>de</strong>mocratização. Oferece uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços abertos que searticulam entre si, <strong>com</strong> a atenção básica e os recursosdisponíveis na <strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong> (integrali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s ações noterritório).- Paradigma doença-cura - Conceito existência – sofrimento na sua relação <strong>com</strong> o corposocial.- Verticalização <strong>da</strong>s relações - Horizontalização <strong>da</strong>s relaçõesQUADRO 4 - COMPARATIVO ENTRE O MODELO CLÁSSICO PSIQUIÁTRICO E A ATENÇÃOPSICOSSOCIALFONTE: AMARANTE (2007) E COSTA-ROSA, LUZIO E YASUI (2003).Os colaboradores também relataram a importância <strong>da</strong>s Associações, bem<strong>com</strong>o <strong>de</strong> ambientes <strong>de</strong> convivência. E o colaborador F3Gustavo referiu a introdução<strong>de</strong> diferentes formas <strong>de</strong> abor<strong>da</strong>gem do paciente nos momentos <strong>de</strong> agitação eagressivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Segundo ele, antes o paciente era abor<strong>da</strong>do pela força, essa condutamuitas vezes machucava-o, pois era pego <strong>de</strong> qualquer forma, torciam-lhe o <strong>br</strong>aço,<strong>de</strong>rrubavam e até mesmo colocavam o pé em sua face para imobilizá-lo. Para ocolaborador, na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, o modo <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>r é diferente do que vivenciou em anosanteriores, mencionou, por exemplo, a técnica <strong>de</strong> grupo <strong>de</strong> 8, apesar <strong>de</strong> haver<strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> uso <strong>de</strong>ssa técnica em literatura <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1972. Conforme o evi<strong>de</strong>nciadonas narrativas a seguir:


93“Foi no CAPS que me informaram so<strong>br</strong>e a Associação, foram às próprias pacientesque me trouxeram até a Associação, eu vim, conheci a [nome <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong>] que erapresi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Associação naquele tempo e <strong>com</strong>ecei a participar”. (F2Paulo)“Depois do CAPS, eu <strong>com</strong>ecei a a<strong>com</strong>panhar o Paulo na Associação, porque teveuma época que ele não queria mais vir. Eu disse não Paulo, você não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sistir,se você ficar só em casa vai <strong>de</strong>cair, vai ficar só em casa, não vai fazer na<strong>da</strong>, não dá.Eu já participava <strong>da</strong> oficina no CAPS e disse para ele: vamos os dois para aAssociação, quero apren<strong>de</strong>r a fazer coisas diferentes, eu nunca tive chance <strong>de</strong> fazeressas coisas, quando nova eu não tinha <strong>com</strong>o estu<strong>da</strong>r, naquela época era tudodifícil, eu não sabia fazer na<strong>da</strong>, disse: agora eu vou apren<strong>de</strong>r <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> velha, umtricô, um bor<strong>da</strong>do, um biquinho <strong>de</strong> crochê, o que eu pu<strong>de</strong>r apren<strong>de</strong>r, vou apren<strong>de</strong>r efoi aí que eu <strong>com</strong>ecei a participar <strong>da</strong> Associação”. (F2Mãe)“Antes não tinha o grupo <strong>de</strong> oito, quando um agredia o outro, o enfermeiro chamavao <strong>pessoa</strong>l, uns <strong>de</strong>z, quinze, pegavam à força e colocavam na camisa <strong>de</strong> força. Lá no[nome <strong>de</strong> um hospital psiquiátrico] pegavam pelo pescoço, puxavam e jogavam nocubículo, já no [nome <strong>de</strong> outro hospital psiquiátrico] chegavam e pegavam à força,tinham uns que pisavam <strong>com</strong> o pé na face do outro, pegavam torciam o <strong>br</strong>aço elevavam para colocar na contenção, amarravam, ficava duas, três horas, não tinhatempo certo. Agora não, agora tem o grupo <strong>de</strong> oito, essa técnica já existia, mas amaioria <strong>da</strong>s instituições psiquiátricas aqui <strong>de</strong> Curitiba não a executavam, agorafazem. Caso um agri<strong>da</strong> o outro um fala grupo <strong>de</strong> oito e <strong>de</strong>pois levam para acontenção, é mais mo<strong>de</strong>rno que antes, antes usavam a força”. (F3Gustavo)Para os colaboradores as Associações <strong>de</strong> <strong>familiar</strong>es e <strong>pessoa</strong>s emsofrimento psíquico, são importantes organizações no processo <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong>paradigma em saú<strong>de</strong> mental. Isso vai ao encontro do que Melman (2006) refere ao<strong>com</strong>partilhar a experiência <strong>da</strong> Associação Franco Basaglia, que busca oportunizarampla participação dos <strong>familiar</strong>es, organizar ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s culturais, <strong>de</strong> lazer e <strong>de</strong>geração <strong>de</strong> ren<strong>da</strong>. Porquanto, essas iniciativas são repletas <strong>de</strong> valores e sentidopara as <strong>pessoa</strong>s envolvi<strong>da</strong>s, profissionais, voluntários, usuários e <strong>familiar</strong>es.Quanto à técnica do grupo <strong>de</strong> oito, esta é <strong>de</strong>scrita <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1972 <strong>com</strong>o sendoutiliza<strong>da</strong> na clínica Pinel em Porto Alegre, porém nos hospitais psiquiátricos <strong>de</strong>


94Curitiba sua difusão mais ampla aconteceu nos últimos anos, a partir <strong>de</strong> 1990.Segundo Siqueira Júnior e Otani (1998), a técnica consiste em uma contenção físicarealiza<strong>da</strong> por oito <strong>pessoa</strong>s, estas ao perceber a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer limites aalgum paciente que esteja manifestando risco para si ou para outrem, realizam umacontenção <strong>com</strong> os próprios corpos, se posicionando lateralmente e ao redor dopaciente. Nessa condição o lí<strong>de</strong>r se posiciona à frente do paciente e tentaestabelecer um diálogo <strong>com</strong> o objetivo <strong>de</strong> limitar as atitu<strong>de</strong>s agressivas do pacientee mostrar-lhe a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Caso a <strong>com</strong>unicação terapêutica e a contenção peloscorpos não seja suficiente para acalmar o paciente, a equipe <strong>de</strong>ve conduzi-lo acontenção física no leito.Ain<strong>da</strong>, Paes (2007, p. 15) ressalta que o grupo <strong>de</strong> oito é:uma técnica estu<strong>da</strong><strong>da</strong>, testa<strong>da</strong>, e adota<strong>da</strong> em diversas instituiçõespsiquiátricas, sendo este o número a<strong>de</strong>quado <strong>de</strong> <strong>pessoa</strong>s paraconter um paciente em estado <strong>de</strong> intensa agitação física semmachucá-lo. O seu uso tem a finali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> proteger o paciente e as<strong>de</strong>mais <strong>pessoa</strong>s à sua volta e não <strong>de</strong> dominá-lo ou puni-lo por seusatos.De acordo <strong>com</strong> a proposição do método <strong>da</strong> história oral temática, adotadonesta pesquisa, é por meio <strong>da</strong>s diferentes versões e visões acerca do mesmofenômeno, que se torna possível conhecer to<strong>da</strong>s as facetas <strong>de</strong> um acontecimentoque foi vivenciado por uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> colaboradores. Assim, as narrativasapresenta<strong>da</strong>s até o momento versam acerca do <strong>tratamento</strong> oferecido pelo mo<strong>de</strong>loasilar em <strong>com</strong>paração ao <strong>tratamento</strong> <strong>de</strong> base <strong>com</strong>unitária, no entanto, é possívelinferir que muitas são as fragili<strong>da</strong><strong>de</strong>s e os <strong>de</strong>safios postos aos profissionais <strong>da</strong>saú<strong>de</strong> e <strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>com</strong> vistas à consoli<strong>da</strong>ção do mo<strong>de</strong>lo psicossocial.Para F1Mãe, o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mentalcontinua o mesmo, ela não percebeu nenhuma mu<strong>da</strong>nça que acreditasse estarrelaciona<strong>da</strong> às novas concepções no campo <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> mental, evi<strong>de</strong>nciando em suanarrativa uma série <strong>de</strong> fragili<strong>da</strong><strong>de</strong>s e <strong>de</strong>safios do mo<strong>de</strong>lo psicossocial. Reconheceuque há um processo <strong>de</strong> transformação <strong>da</strong> assistência, mas que funciona no papel,ain<strong>da</strong> é muito mais um mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>ológico que concreto, ao consi<strong>de</strong>rar que nareali<strong>da</strong><strong>de</strong> o que se tem vivenciado é muito diferente do que se preten<strong>de</strong>. Mas, a


95colaboradora refere que se o mo<strong>de</strong>lo emergente realmente fosse posto em práticatodos os envolvidos seriam beneficiados.Outro aspecto evi<strong>de</strong>nciado na narrativa <strong>de</strong> F1Mãe, e corrobora<strong>da</strong> pela fala<strong>de</strong> F3Mãe <strong>com</strong>o fragili<strong>da</strong><strong>de</strong>, diz respeito à dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> internar a <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong>transtorno mental nos dias atuais, uma vez que no passado era mais fácil ter acessoao internamento. A colaboradora F1Mãe fez críticas à redução do tempo <strong>de</strong>internação, no novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> mental o paciente permanece nomáximo 45 dias em internamento integral. Ain<strong>da</strong>, criticou a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> altapedi<strong>da</strong> (quando o <strong>familiar</strong> solicita a alta do paciente <strong>da</strong> instituição psiquiátrica, antesque o mesmo tenha plena condição <strong>de</strong> retornar para casa). Mencionou também, ofato <strong>de</strong> que em algumas situações a reinternação é necessária e o paciente vainecessitar esperar novamente por uma vaga. Assim, corre-se o risco <strong>de</strong> nãoconseguir esta vaga, ou quando consegue termina por ser atendido em outrainstituição e a<strong>com</strong>panhado por outros profissionais. Consi<strong>de</strong>rou a diminuição dosleitos em hospital psiquiátrico <strong>com</strong>o ponto negativo, haja vista que não há segurança<strong>de</strong> que a <strong>pessoa</strong> em quadro agudo psiquiátrico conseguirá o internamento.Nesse sentido, a colaboradora percebeu a redução do número <strong>de</strong> leitos noshospitais psiquiátricos e a reorientação <strong>da</strong> assistência, na qual a instituiçãopsiquiátrica passa a ser o último recurso no <strong>tratamento</strong> <strong>com</strong>o pontos frágeis noprocesso <strong>de</strong> reorientação <strong>da</strong>s práticas em saú<strong>de</strong> mental.Mencionou talvez <strong>com</strong>o o maior <strong>de</strong>safio ao mo<strong>de</strong>lo psicossocial, aarticulação entre a atenção básica e a saú<strong>de</strong> mental, ao consi<strong>de</strong>rar que sua filha naúltima crise, já estava <strong>com</strong> alteração do <strong>com</strong>portamento há algum tempo, masquando a família procurava atendimento na Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, osprofissionais referiam que somente teria necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> atendimento caso apaciente apresentasse i<strong>de</strong>ação suici<strong>da</strong> ou risco <strong>de</strong> agredir outrem, evi<strong>de</strong>nciando o<strong>de</strong>spreparo <strong>de</strong> alguns profissionais em aten<strong>de</strong>r as <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s oriun<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s situaçõespsiquiátricas.Assim, ela referiu que <strong>de</strong>veria existir um serviço que os <strong>familiar</strong>es entrassemem contato nas situações <strong>de</strong> agudização dos sintomas psiquiátricos para que osprofissionais pu<strong>de</strong>ssem ir até a residência avaliar a situação. Também, relatou quena última crise <strong>da</strong> <strong>familiar</strong> <strong>com</strong> transtorno mental, <strong>com</strong> manifestação <strong>de</strong><strong>com</strong>portamento ina<strong>de</strong>quado, alucinações e <strong>de</strong>lírios a levaram à Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> 24 horas,pois segundo a colaboradora não adianta recorrer a UBS quando o sujeito está em


96intenso sofrimento. Como esse serviço não tem psiquiatra, os profissionais quandoprestam atendimento ao paciente o fazem superficialmente e o encaminham paraoutro serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, não oferecendo atendimento resolutivo.Ain<strong>da</strong>, referiu que no último episódio psicótico <strong>da</strong> <strong>familiar</strong> ela ficou interna<strong>da</strong>na própria Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> 24 horas por cinco horas e só conseguiram uma vaga para ointernamento em instituição psiquiátrica porque o plantonista solicitou um leito àcentral <strong>de</strong> vagas referindo tratar-se <strong>de</strong> paciente <strong>com</strong> tentativa <strong>de</strong> suicídio, o que nãoera o caso, mas se não fosse <strong>de</strong>ssa maneira, dificilmente teriam conseguindo ainternação.A colaboradora relatou que em to<strong>da</strong> a trajetória <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> <strong>de</strong> sua filha,eles não receberam atendimento a<strong>de</strong>quado nas UBSs, e verbalizou <strong>com</strong>inconformi<strong>da</strong><strong>de</strong> que na última crise <strong>da</strong> <strong>familiar</strong> ela e o esposo procuraram poratendimento nesse serviço, mas não foram sequer ouvidos acerca do que estavaacontecendo e foram informados que o serviço não estaria prestando atendimentono período <strong>da</strong> tar<strong>de</strong> em razão <strong>de</strong> uma reunião <strong>de</strong> equipe que aconteceria naqueledia. Nesse sentido, também fez críticas ao atendimento dispensado pelo Serviço <strong>de</strong>Atendimento Móvel <strong>de</strong> Urgência (SAMU).A colaboradora em sua narrativa evi<strong>de</strong>ncia a dispari<strong>da</strong><strong>de</strong> entre a diminuiçãodos leitos em hospitais psiquiátricos e a oferta dos serviços extra-hospitalares, aoconsi<strong>de</strong>rar que a filha aguar<strong>da</strong> há mais <strong>de</strong> quatro meses vaga no atendimentoambulatorial. Entretanto, a mesma saiu do hospital psiquiátrico <strong>com</strong>encaminhamento para o Hospital Dia (HD), mas ela se recusa a fazer o <strong>tratamento</strong>nesse dispositivo <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong>, disse que sua filha chegou a frequentar o HD,mas saia <strong>de</strong> casa para ir ao hospital e ficava na rua.Em meio as diversas críticas <strong>da</strong> colaboradora em relação à articulação <strong>da</strong>atenção básica <strong>com</strong> a saú<strong>de</strong> mental, ela referiu que apesar <strong>de</strong>sse cenário, neste anoa família encontrou uma UBS que está a<strong>com</strong>panhando a <strong>familiar</strong> <strong>com</strong> transtornomental e que a médica, a assistente social e a enfermeira já realizaram uma visitadomiciliar. Verbalizou <strong>com</strong> entusiasmo que é a primeira vez ao longo dos 24 anos <strong>de</strong><strong>tratamento</strong> na saú<strong>de</strong> mental que uma UBS se manifesta e mostra interesse na coresponsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>pelo cui<strong>da</strong>do e que <strong>com</strong> esse atendimento a situação <strong>de</strong><strong>tratamento</strong> <strong>de</strong> sua filha está melhor.Pois, qualquer alteração no <strong>com</strong>portamento <strong>da</strong> <strong>familiar</strong> há uma equipe quesabe seu histórico, a a<strong>com</strong>panha e formou vínculo. Referiu que durante os quatro


97meses que aguar<strong>da</strong>m a vaga para <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong><strong>de</strong> ao <strong>tratamento</strong> no ambulatório <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> mental a <strong>familiar</strong> <strong>com</strong> transtorno mental está somente recebendo oa<strong>com</strong>panhamento <strong>da</strong> equipe <strong>da</strong> atenção básica e está se mantendo bem. O referidoé observado nas narrativas a seguir:“Em relação às mu<strong>da</strong>nças no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> mental por conta <strong>da</strong>reforma psiquiátrica, eu não sei se mudou alguma coisa, eu acho que a única coisaque mudou, que mudou mesmo, foi agora, nesse último internamento <strong>de</strong>la, mas issonão tem na<strong>da</strong> a ver <strong>com</strong> a reforma, eu acho que isso é do lugar, eu penso assim,que é o lugar. Para mim, <strong>de</strong> todos os internamentos, eu achei que esse foi o melhorque ela já teve, porque ela aceitou o <strong>tratamento</strong> <strong>de</strong>ntro do hospital e está tomando omedicamento corretamente agora. Para mim antes e <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> reforma é tudo amesma coisa, tudo do mesmo jeito. Quer dizer para mim, que nem eu disse paravocê, não influenciou muita coisa porque a Eduar<strong>da</strong> não tem isso <strong>de</strong> agredir, poisisso sim precisa <strong>de</strong> um a<strong>com</strong>panhamento direto, quando tem esse problema <strong>de</strong>agressão, fica mais <strong>com</strong>plicado, mas eu vejo os outros se queixarem, <strong>com</strong>o é quefunciona. Mas para nós, foi só agora <strong>de</strong>ssa vez que tivemos um atendimentodiferente. Porque se fosse do jeito que falam que <strong>de</strong>veria ser, seria muito bom paratodos nós, mas é <strong>com</strong>o se fala, no papel tudo é muito bom, mas na hora <strong>de</strong>funcionar, não funciona, <strong>com</strong>o muita coisa, funciona mais no papel do que nareali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Uma coisa que mudou foi o período <strong>de</strong> internamento que agora é menostempo, antes quando ela ficava no [nome <strong>de</strong> um hospital psiquiátrico] ela ficavabastante tempo, quatro, cinco meses, menos <strong>de</strong> quatro meses ela nunca ficou,agora é menos, conforme o quadro <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> fica quarenta e cinco dias, às vezesquinze dias. Eu preferia quando ficava mais tempo, sempre que ela saia <strong>de</strong> uminternamento ela <strong>de</strong>morava bastante tempo para se internar novamente, a única vezfoi aquela que o menino faleceu, assim que ela saiu, no prazo <strong>de</strong> uma semana elavoltou. Essas mu<strong>da</strong>nças que aconteceram eu acho ruim, isso <strong>de</strong> não ter umasegurança <strong>de</strong> que a <strong>pessoa</strong> será interna<strong>da</strong>, isso <strong>da</strong> alta pedi<strong>da</strong>, a <strong>pessoa</strong> pedir altasem o paciente ter condições <strong>de</strong> ir para casa, <strong>de</strong>pois se arrepen<strong>de</strong>, aí tem queesperar vaga novamente, às vezes vai para outro hospital, <strong>com</strong> outra equipe, entãoeu acho ruim. Outra coisa, acabaram <strong>com</strong> esses leitos do hospital psiquiátrico, agoraé muito difícil você conseguir internar, é só em último caso mesmo, porque nós <strong>com</strong>a Eduar<strong>da</strong>, nessa última crise, nossa, fazia tempo que ela estava <strong>da</strong>ndo sinal, nós


98íamos na Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> conversávamos <strong>com</strong> os profissionais, explicávamos, eeles diziam: mas ela está agressiva fisicamente? Está fazendo alguma coisa <strong>de</strong> malpara ela? Tentando se suici<strong>da</strong>r? Nós respondíamos que não, que ela estava falandosem parar, só falava bobagem, estava dizendo coisas sem nexo, essas coisasacerca do <strong>com</strong>portamento <strong>de</strong>la. E eles: ah, <strong>de</strong>ixa ela. Falavam assim para nós, atéque ela entrou em crise mesmo, e assim mesmo se não fôssemos nós pegá-la àforça e levar, eles não iam fazer na<strong>da</strong>, ninguém ia fazer na<strong>da</strong>, ninguém ia buscá-la.Eu acho que <strong>de</strong>via ter um serviço que a <strong>pessoa</strong> ligasse, um <strong>familiar</strong> liga, a <strong>pessoa</strong>aqui está precisando, está se maltratando, porque eles sofrem também, você jáimaginou? Nós sofremos, mas e eles? Como sofrem. Meu Deus do céu! Umatendimento assim na hora, que tivesse alguém que fosse à casa, que sei lá, quepelo menos fizesse uma injeção, mas isso não tem, se você quiser, você leva a<strong>pessoa</strong> à força no serviço, aí eles aten<strong>de</strong>m. Isso não é na<strong>da</strong> bom”. (F1Mãe)“Em <strong>de</strong>zem<strong>br</strong>o a Eduar<strong>da</strong> teve outra crise. Meu Deus! Ela estava há dois dias semse alimentar, só caminhava em volta <strong>da</strong> casa, caminhava e falava, caminhava,falava e <strong>da</strong>nçava no meio <strong>da</strong> grama. Na quarta-feira eu estava <strong>de</strong> folga, nóstentamos levá-la, mas não conseguimos, eu <strong>com</strong> os meus dois filhos nãoconseguimos levá-la, passou quarta, na quinta-feira <strong>de</strong> manhã eu cheguei paratrabalhar <strong>de</strong>z e pouquinho, onze horas tocou o telefone, era a minha nora, a senhoravenha para levar a Eduar<strong>da</strong> porque ela está muito mal. Minha patroa disse: <strong>de</strong>ixatudo do jeito que está, pega o ônibus e vai embora, mas você já pensou ir <strong>da</strong>qui do[nome <strong>de</strong> um bairro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba] para lá do [nome <strong>de</strong> outro bairro <strong>da</strong>ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba], para lá <strong>da</strong> BR? Meu Deus do céu! Peguei o ônibus 11:20cheguei lá na casa <strong>de</strong>la 12:40, ela caminhava em volta <strong>da</strong> casa, vestia uma calçacor <strong>da</strong> pele e a parte <strong>de</strong> cima do baby dol <strong>de</strong> ren<strong>da</strong> preta. Perto <strong>da</strong> casa <strong>de</strong>la temuma firma terceiriza<strong>da</strong> que trabalha um monte <strong>de</strong> homens, todos na hora do almoçoaplaudindo, mas ela estava <strong>de</strong>s<strong>de</strong> às <strong>de</strong>z horas <strong>da</strong> manhã em volta <strong>da</strong> casa, a casa<strong>de</strong>la estava vira<strong>da</strong>, uma bagunça, e sempre ela tem tudo bem arrumado e naqueledia a roupa estava to<strong>da</strong> joga<strong>da</strong> em cima <strong>da</strong> cama, misturado roupa suja <strong>com</strong> roupalimpa, mas aquilo estava horrível, nos pratos <strong>de</strong>ntro do armário tinha capim, capimassim grama, que ela arrancava a grama, picava <strong>com</strong> faca e colocava nos pratos<strong>com</strong>o se estivesse <strong>br</strong>incando <strong>de</strong> casinha e a <strong>com</strong>i<strong>da</strong> posta no fogão para cozinhar.Não teve jeito, eu chamei meu neto, os meus dois filhos <strong>de</strong> novo, nós a pegamos do


99jeito que ela estava, colocamos <strong>de</strong>ntro do carro e levamos, para o 24 horas do[nome <strong>de</strong> uma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> 24 horas <strong>da</strong> re<strong>de</strong> pública <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba].Olha, não adianta levar a Eduar<strong>da</strong> na Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, eles nãoaten<strong>de</strong>m, dizem que no posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> não tem psiquiatra, é assim que funciona,nem no 24 horas tem, eu pensava que tinha, também não tem, eles tem o médico láque mais ou menos enten<strong>de</strong> disso e as enfermeiras, eles aten<strong>de</strong>m e passam parafrente. Tantos postos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que nós batemos e to<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> fomos mal atendidos.No dia que ela teve a última crise, nós fomos à Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> [nome <strong>de</strong> umaUBS <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba], veja o absurdo, eles disseram que não tinhaatendimento, não tinha ninguém para ir à casa e que inclusive naquele dia na parte<strong>da</strong> tar<strong>de</strong> o posto não ia funcionar porque iria ter uma reunião. Eu an<strong>da</strong>va <strong>com</strong> o meumarido <strong>de</strong> carro bem maluca <strong>de</strong> um lugar no outro, para ver se alguém ia buscá-lana casa, que na<strong>da</strong>, não foram buscar <strong>de</strong> jeito nenhum. Nós tivemos que levá-la àforça. Olha o quanto se fala, porque agora é bem falado so<strong>br</strong>e o transtorno mental,mas só que é só falado, é a mesma coisa que o SAMU, não funciona. Eles ficamfazendo um monte <strong>de</strong> perguntas para as <strong>pessoa</strong>s por telefone, é <strong>de</strong>sse jeito quefunciona, não adianta dizer que esse serviço funciona, eles fazem o atendimento narua, se uma mulher ganhar bebê ou se um em<strong>br</strong>iagado está na rua, eles vão, masna casa eles não vão, não vão buscar ninguém <strong>de</strong> jeito nenhum. Quantos casos queeu já vi, quantas <strong>pessoa</strong>s que se queixaram <strong>da</strong> mesma coisa. Esse negócio <strong>de</strong>dizerem que liga para o SAMU, que eles vem e levam, mas isso é tudo conversa,porque nós ligamos para o serviço, fomos na uni<strong>da</strong><strong>de</strong> 24 horas conversar <strong>com</strong> osprofissionais, eles não foram buscar a Eduar<strong>da</strong> <strong>de</strong> jeito nenhum. A não ser que a<strong>pessoa</strong> esteja agredindo alguém ou esteja tentando se suici<strong>da</strong>r. Outra coisa, elesnão tocam a mão na <strong>pessoa</strong> enquanto ela não está lá <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong>, você <strong>de</strong>ixaa <strong>pessoa</strong> <strong>de</strong>ntro do posto aí que eles vão <strong>da</strong>r atendimento, [...]. Então pegamos e alevamos, eles aplicaram uma medicação, <strong>de</strong>ram um banho, porque a menina estavato<strong>da</strong> suja, era um dia <strong>de</strong> chuva, ela pegava barro e passava no corpo, colocavagrama na boca. Ficou lá na Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> 24 horas umas cinco horas interna<strong>da</strong>. Eu conteipara o médico on<strong>de</strong> que ela morava, o que ela estava fazendo, ele ligou para acentral <strong>de</strong> vagas e falou que ela estava tentando se matar, você veja só <strong>com</strong>o quefuncionam as coisas, abaixo <strong>de</strong> mentira, mas se ele não tivesse dito, nós nãoteríamos conseguido interná-la. Ele falou: a moça mora na beira <strong>da</strong> BR e estavatentando se jogar embaixo <strong>de</strong> um caminhão, se o caminhão não freasse tinha


100atropelado ela. Eu fiquei pensando, meu Deus do céu, nós não quisemos mentir,porque achamos que no hospital eles iam perguntar, <strong>com</strong>o que nós íamos mentirque ela estava tentando se matar se ela não estava? Mas o médico do 24 horasmentiu, a moça está aqui e tem que <strong>da</strong>r um jeito, tem que arrumar uma vaga, ascinco horas saiu a vaga. Ela foi para o [nome <strong>de</strong> um hospital psiquiátrico] e lá ficou<strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zem<strong>br</strong>o <strong>de</strong> 2008 até 13 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2009, saiu <strong>com</strong> os papéis parafazer o Hospital Dia, isso sempre que ela era interna<strong>da</strong> a equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> no plano<strong>de</strong> alta indicava seguir o <strong>tratamento</strong> no Hospital Dia, mas ela nunca quis fazer, nãoadianta, nós até experimentamos, ela <strong>com</strong>eçou a ir, mas <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>imos que ela saia<strong>de</strong> casa e ficava an<strong>da</strong>ndo na rua em vez <strong>de</strong> ir ao Hospital Dia, ain<strong>da</strong> tínhamos otrabalho <strong>de</strong> ir procurá-la na rua. Nesse último internamento foi a mesma coisa,conseguiram a vaga, ela não quis, eu cheguei a ir <strong>com</strong> ela lá, meu marido nos levou,conversamos e ela disse: eu não vou fazer Hospital Dia, não vou fazer, a única coisaque eu posso fazer é ambulatório, se for umas duas vezes por mês eu vou consultar.A médica me falou: eu não posso fazer na<strong>da</strong>, a senhora vai assinar o papel aqui queela não quer fazer, eu assinei. Aí ficou marcado para agen<strong>da</strong>rem o ambulatório duasvezes por mês, só que até agora a vaga ain<strong>da</strong> não saiu, você veja, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> março,estamos em julho e ain<strong>da</strong> não conseguiram uma vaga para ela [...]. Agora euacredito que conseguindo essa vaga para fazer ambulatório, ela vá”. (F1Mãe)“Naquele tempo era mais fácil internar, não era <strong>com</strong>o hoje. Hoje é difícil parainternar, naquele tempo nós pedíamos para o médico, eu falava para ele, olhaprecisa internar o Gustavo dá para arrumar uma vaga? Ele conversava <strong>com</strong> aequipe e arrumava a vaga”. (F3Mãe)“Como a Eduar<strong>da</strong> saiu do hospital <strong>com</strong> a prescrição, a Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do [nome<strong>de</strong> uma Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba] está fornecendo amedicação para ela. Sexta-feira passa<strong>da</strong> meu esposo foi buscar o remédio porquequando fica só uma dose para amanhã já precisamos ir pegar a medicação. Elesperguntaram so<strong>br</strong>e ela e ele disse que ela estava bem, <strong>de</strong>ram a medicação e areceita para <strong>com</strong>prar o outro, porque eles fornecem o carbolítio, mas o clonazepamprecisamos <strong>com</strong>prar. Esses dias, era 13:30 chegou o carro <strong>da</strong> Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong>Saú<strong>de</strong> na casa <strong>da</strong> Eduar<strong>da</strong>, foi a médica, a enfermeira e a assistente social, foramem três, eu fiquei muito contente, porque nesse tempo todo <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> nunca


101nenhuma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> se manifestou <strong>de</strong> ir na casa, nós nunca conseguimosum lugar assim certo que aten<strong>de</strong>sse ela. Ela recebeu a médica, a enfermeira, aassistente social, elas não queriam entrar. Do outro lado <strong>da</strong> BR tem uma firma e elesficaram olhando o jeito que ela ia receber o <strong>pessoa</strong>l, porque todo mundo ali conhecea Eduar<strong>da</strong>, eles acharam que ela não ia man<strong>da</strong>r entrar. Eles contaram que a moçapuxou um papel e <strong>com</strong>eçou a conversar <strong>com</strong> ela e que ela fez sinal para entrarem elevou eles para <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> casa, conversaram bastante <strong>com</strong> ela. Depois Eduar<strong>da</strong> medisse que os profissionais disseram para ela: você não vai até nós, nós viemos atévocê [risos], foi na uni<strong>da</strong><strong>de</strong> 24 horas do [nome <strong>de</strong> uma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> 24 horas<strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba] que indicaram essa Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> para nós. Nossa! É aprimeira vez que uma UBS está <strong>da</strong>ndo suporte. Esta foi a primeira vez que osprofissionais <strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> se preocuparam em ir fazer uma visita, porque osoutros, ninguém foi. Agora está ótimo, porque qualquer coisa eles estão ali a parpara ver. Nessa Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do [nome <strong>de</strong> uma Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong>Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba] estão aten<strong>de</strong>ndo ela, não tem psiquiatra, mas estãofornecendo a receita até sair a consulta <strong>com</strong> o psiquiatra que vai ser lá noambulatório, mas <strong>com</strong>o não saiu essa vaga ain<strong>da</strong>, durante esse período <strong>de</strong> março ajulho a Eduar<strong>da</strong> está indo só no posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Desse modo, ela está sema<strong>com</strong>panhamento <strong>com</strong> psiquiatra, psicólogo. Antes, era assim, nós a levávamos aopsiquiatra quando nós víamos que ela estava muito mal, dávamos um jeito <strong>de</strong> alevar para consultar <strong>com</strong> o médico do hospital já. Então agora ela vai mais é naUni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois que ela saiu do internamento ela já foi, a médicaqueria vê-la porque ela estava muito gripa<strong>da</strong>, ela foi, consultou, pegou a medicaçãopara tomar. Então eu acredito que agora nessa Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> ela vácontinuar a ir”. (F1Mãe)Em relação às narrativas <strong>de</strong> F1Mãe (pág. 98) e F3Mãe (pág. 101) so<strong>br</strong>e adificul<strong>da</strong><strong>de</strong> que se tem atualmente em internar a <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental,evi<strong>de</strong>ncia-se o cumprimento <strong>da</strong> legislação vigente no Brasil em relação ao tempo <strong>de</strong>internação no hospital psiquiátrico. A Lei n. 10.216, <strong>de</strong> 06 <strong>de</strong> a<strong>br</strong>il <strong>de</strong> 2001,conheci<strong>da</strong> <strong>com</strong>o a lei <strong>da</strong> reforma psiquiátrica <strong>br</strong>asileira em seu artigo quartopreconiza a internação em instituição psiquiátrica <strong>com</strong>o último recurso no <strong>tratamento</strong><strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental, requeri<strong>da</strong> quando os serviços extra-hospitalaresforem consi<strong>de</strong>rados insuficientes (BRASIL, 2004a).


102Desse modo, houve uma diminuição progressiva no número <strong>de</strong> leitos emhospitais psiquiátricos, isso é criticado e apontado pela colaboradora F1Mãe (pág.98) <strong>com</strong>o fragili<strong>da</strong><strong>de</strong> do novo mo<strong>de</strong>lo em saú<strong>de</strong> mental, pois para ela há umadispari<strong>da</strong><strong>de</strong> entre a diminuição <strong>de</strong>sses leitos e a oferta <strong>de</strong> serviços substitutivos.Corroborando <strong>com</strong> as i<strong>de</strong>ias <strong>da</strong> colaboradora, Maftum (2004) refere que há um<strong>de</strong>s<strong>com</strong>passo referente à implementação dos serviços substitutivos nas diferentesci<strong>da</strong><strong>de</strong>s do país. Isso prejudica a aceitação e a própria efetivação <strong>da</strong>s estratégiasdos serviços <strong>com</strong>unitários que na sua maioria ou são inexistentes ou em númeromuito reduzido, <strong>com</strong> poucos profissionais e sem condições <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r a real<strong>de</strong>man<strong>da</strong> que necessita <strong>de</strong> atendimento e <strong>tratamento</strong> psiquiátrico.Mello (2005) coaduna o expresso por Maftum (2004) ao referir que não bastareduzir o número <strong>de</strong> leitos psiquiátricos, é preciso investir na contratação <strong>de</strong>recursos humanos qualificados para aten<strong>de</strong>r a <strong>de</strong>man<strong>da</strong> nos serviços substitutivos,aplicar financeiramente nos serviços extra-hospitalares já existentes e na ampliação<strong>de</strong> dispositivos <strong>com</strong>unitários <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental.Desafio importante posto à efetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do mo<strong>de</strong>lo psicossocial referido nasnarrativas, é a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> articulação entre a saú<strong>de</strong> mental e atenção básica.Para Amarante (2007) e Brasil (2004b), a atenção psicossocial <strong>de</strong>ve ser organiza<strong>da</strong>em re<strong>de</strong>, articular os diversos dispositivos presentes em seu território <strong>de</strong>a<strong>br</strong>angência, formar uma série <strong>de</strong> pontos que se interligam e em <strong>de</strong>terminadomomento se cruzam <strong>de</strong> iniciativas e atores sociais envolvidos no processo. Auni<strong>da</strong><strong>de</strong> básica <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> passa a ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> prestadora <strong>de</strong> serviços<strong>com</strong>plexos, haja vista que acolhe a família, a crise e as relações sociais. Dessemodo, constitui-se lugar privilegiado na construção e orientação <strong>da</strong> nova lógica <strong>de</strong>atendimento.A formação <strong>de</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços em saú<strong>de</strong> mental é <strong>com</strong>plexa e permea<strong>da</strong>por singulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s, visto que somente alicerça<strong>da</strong> em construções coletivas é capaz<strong>de</strong> garantir a resolutivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e a promoção <strong>de</strong> autonomia e ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia às <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong>transtornos mentais. Nesse sentido, “a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental é <strong>com</strong>plexa,diversifica<strong>da</strong>, <strong>de</strong> base territorial, e <strong>de</strong>ve constituir-se <strong>com</strong>o conjunto vivo e concreto<strong>de</strong> referências para o usuário dos serviços” (BRASIL, 2007, p. 11).Brasil (2003, p. 3) refere que 56% <strong>da</strong>s equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> família realizamalguma ação <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental. Há que se consi<strong>de</strong>rar ain<strong>da</strong>, que qualquer doença é


103fonte <strong>de</strong> sofrimento subjetivo, muitas vezes, esse sofrimento atua <strong>com</strong>o entrave àa<strong>de</strong>são a práticas preventivas ou <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> mais saudável. Desse modo, acredita-seque “todo problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> é também – e sempre – mental, e que to<strong>da</strong> saú<strong>de</strong>mental é também – e sempre – produção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>”. Nesse sentido, evi<strong>de</strong>ncia-se aimportância <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> articulação <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> mental <strong>com</strong> a atenção básica.Porém, nem sempre a atenção básica apresenta condições para<strong>de</strong>sempenhar seu papel <strong>com</strong> resolutivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Na reali<strong>da</strong><strong>de</strong> o que se observa é que afalta <strong>de</strong> recursos humanos e o déficit <strong>de</strong> capacitação acabam por prejudicar o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma ação integral pelas equipes. Além disso, acolher e aten<strong>de</strong>ra <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental é <strong>de</strong> fato tarefa <strong>com</strong>plexa, pois envolve o trabalhar<strong>com</strong> situações <strong>de</strong> intenso sofrimento (BRASIL, 2003).A articulação entre atenção básica e saú<strong>de</strong> mental está sustenta<strong>da</strong> naspremissas do Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> e <strong>da</strong> reforma psiquiátrica, <strong>de</strong>sse modo, tem<strong>com</strong>o princípios a noção <strong>de</strong> território, a organização do fluxo <strong>da</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços, a<strong>de</strong>sinstitucionalização con<strong>com</strong>itante à reabilitação psicossocial e à promoção <strong>da</strong>ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia <strong>de</strong> seus usuários, além do trabalho em equipe, <strong>da</strong> intersetoriali<strong>da</strong><strong>de</strong> einsterdisciplinari<strong>da</strong><strong>de</strong>. Assim, o estabelecimento <strong>de</strong> vínculos e o acolhimento sãotransversais às ações (BRASIL, 2003).Entretanto, a visão <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>do <strong>com</strong>o rotina <strong>de</strong> procedimentos é dominanteem relação ao estabelecimento do vínculo e do acolhimento. Desse modo, osprofissionais <strong>de</strong>sempenham suas funções <strong>de</strong> forma mecaniza<strong>da</strong>, sem reflexão so<strong>br</strong>ea escuta do usuário (COELHO; JORGE, 2009). Esses autores coadunam o expressopor F1Mãe (pág. 99 e 100) ao relatar que ela e seu esposo sequer foram ouvidos nauni<strong>da</strong><strong>de</strong> básica <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> no dia em que procuravam aju<strong>da</strong> para auxiliá-los aenfrentar a crise <strong>da</strong> filha.Outro aspecto que repercute negativamente na relação do usuário <strong>com</strong> oserviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> é o não cumprimento do seu horário <strong>de</strong> funcionamento, este gera<strong>de</strong>scrédito por parte <strong>da</strong> <strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong> (COELHO; JORGE, 2009). Isso corrobora oexpresso por F1Mãe (pág. 100) “veja o absurdo, eles disseram que não tinhaatendimento, não tinha ninguém para ir à casa e que inclusive naquele dia na parte<strong>da</strong> tar<strong>de</strong> o posto não ia funcionar porque ia ter uma reunião”.Fato que me chamou a atenção foi à narrativa <strong>de</strong> F1Mãe (pág. 98) <strong>de</strong> queantes <strong>da</strong> filha entrar em crise, ela mesma procurou a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> básica para pediraju<strong>da</strong>, entretanto, <strong>com</strong>o sua filha não apresentava i<strong>de</strong>ação suici<strong>da</strong> ou manifestação


104agressiva F1Mãe retornava para casa sem saber <strong>com</strong>o proce<strong>de</strong>r. Em seu estudoCoelho e Jorge (2009) evi<strong>de</strong>nciaram que quando o paciente não consegueencaminhamento ou atendimento resolutivo e necessita <strong>da</strong> espera, muitas vezesnesse período os sintomas do transtorno são agravados.Consi<strong>de</strong>ram ain<strong>da</strong>, quea garantia <strong>de</strong> acesso ao serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> para os usuáriosrepresenta a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> do serviço para <strong>com</strong> suasnecessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Sem o acolhimento, o serviço não po<strong>de</strong>rágarantir nem o acesso nem as priori<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> atendimento. Quando ousuário sente a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> atendimento mais rápido, muitasvezes esta não está expressa fisicamente. Nesse caso, somente <strong>com</strong>a escuta <strong>de</strong>sse usuário é que se po<strong>de</strong>rá saber <strong>de</strong> suas necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s(COELHO; JORGE, 2009, p. 1528).Evi<strong>de</strong>ncia-se a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> em organizar o fluxo <strong>de</strong> atendimento, realizar oacolhimento pelos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> (UBS e Uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s 24 horas) e a falta <strong>de</strong>efetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental. Vale <strong>de</strong>stacar que o acolhimento não ésomente premissa do mo<strong>de</strong>lo psicossocial, mas <strong>da</strong> política do Sistema Único <strong>de</strong>Saú<strong>de</strong>. Além disso, foi referido pelos colaboradores o <strong>de</strong>spreparo dos profissionaissem formação específica para atuar na saú<strong>de</strong> mental diante <strong>de</strong> situações <strong>de</strong> intensosofrimento psíquico que requerem intervenções imediatas, mostrando <strong>com</strong>o ocui<strong>da</strong>do à saú<strong>de</strong> ain<strong>da</strong> é fragmentado por meio <strong>da</strong>s especializações.Melman (2006) coaduna o <strong>de</strong>safio evi<strong>de</strong>nciado por meio <strong>da</strong> narrativa <strong>de</strong>F1Mãe ao referir que a psiquiatria <strong>de</strong>mocrática não se preocupa apenas em fecharambientes insalu<strong>br</strong>es, que não oferecem mínimas condições <strong>de</strong> higiene e <strong>de</strong>digni<strong>da</strong><strong>de</strong> para aten<strong>de</strong>r as <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental. Muito além <strong>de</strong>ultrapassar as barreiras do hospital psiquiátrico, <strong>da</strong>s gra<strong>de</strong>s e dos muros é precisotransformar a forma <strong>de</strong> ver, <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r, é <strong>de</strong>smontar aparatos arraigados nopensamento e nas práticas dos profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Destaca-se que a atenção básica tem potencial para <strong>de</strong>tectar as queixasrelativas ao sofrimento psíquico, prover escuta qualifica<strong>da</strong> <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> problemáticae <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r as várias formas <strong>de</strong> li<strong>da</strong>r <strong>com</strong> os problemas <strong>de</strong>tectados, bem <strong>com</strong>ooferecer <strong>tratamento</strong> na própria atenção básica ou encaminhando os pacientes paraserviços especializados (TANAKA; RIBEIRO; TOBAR, 2009).


105Entretanto, a fala <strong>da</strong> colaboradora F1Mãe (pág. 98 e pág. 100) expressa aincongruência do serviço <strong>de</strong> atenção básica no atendimento <strong>da</strong>s <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> mental, haja vista a sua <strong>de</strong>sorganização e dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> em cumprir seu papelenquanto porta <strong>de</strong> entra<strong>da</strong> no fluxo <strong>de</strong> serviços em saú<strong>de</strong> mental. Portanto, énecessária uma efetiva articulação entre atenção básica e saú<strong>de</strong> mental noatendimento <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental. Porém, a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> mostra que are<strong>de</strong> <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> mental <strong>de</strong> base <strong>com</strong>unitária continua sendo um gran<strong>de</strong><strong>de</strong>safio para a efetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s novas perspectivas <strong>de</strong> orientação e <strong>tratamento</strong> <strong>da</strong><strong>pessoa</strong> em sofrimento psíquico (BRASIL, 2007).De acordo <strong>com</strong> o Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> nos últimos anos foram incluí<strong>da</strong>s naspolíticas <strong>de</strong> expansão, formulação, formação e avaliação <strong>da</strong> atenção básica,diretrizes que remetessem à dimensão subjetiva dos usuários e aos problemas maisgraves <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental. Porquanto, a formação <strong>da</strong>s equipes <strong>da</strong> atenção básica e oapoio matricial <strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental junto a essas equipes sãoimprescindíveis para a efetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> mental na atenção básica. Assim, oMinistério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> refere que as equipes que atuam na atenção básica estãorecebendo capacitação em saú<strong>de</strong> mental, esses cursos tem sido <strong>de</strong>senvolvido emestados <strong>com</strong>o: CE, SE, PA, PR, RS, MG, RJ, entre outros (BRASIL, 2007).A equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental do CAPS, <strong>com</strong>o apoio matricial à atenção básicaé responsável pela capacitação, supervisão, atendimento em conjunto e específicodos casos <strong>de</strong> transtornos mentais graves e persistentes. O que se preten<strong>de</strong> é umacorresponsabilização pela assistência, <strong>com</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ações conjuntas,visto que <strong>com</strong>partilhar os casos favorece a intersetoriali<strong>da</strong><strong>de</strong> e possibilita excluir alógica do encaminhamento, pois o que se espera é o aumento <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>resolutiva dos problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pela equipe local (BRASIL, 2003).Menciono <strong>com</strong>o exemplo positivo <strong>de</strong>ssa articulação estudo realizado porDelfini et al (2009) quando <strong>de</strong>screvem que os profissionais <strong>da</strong> Estratégia Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong>Família e do CAPS <strong>de</strong> um bairro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo se reúnem semanalmente,por período aproximado <strong>de</strong> três horas, na própria UBS para discussão <strong>de</strong> casos.O apoio matricial em saú<strong>de</strong> se propõe a oferecer suporte assistencial àsequipes <strong>de</strong> referência, que tem por sua responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> a condução <strong>de</strong> um casoindividual, <strong>familiar</strong> ou <strong>com</strong>unitário ao encarregar-se por longo tempo <strong>da</strong> atenção aousuário, semelhante ao preconizado pelas equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> família que atam naatenção básica. Dessa forma, se preten<strong>de</strong> construir e manter vínculo entre os


106profissionais e os usuários do serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e aumentar o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> resolução<strong>da</strong>s situações i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong>s (CAMPOS; DOMITTI, 2007; DELFINI et al., 2009).Assim, o ganho <strong>da</strong> articulação entre equipes <strong>de</strong> referência e apoio matricial éo fim <strong>da</strong> tradicional noção <strong>de</strong> referência e contra-referência vigente nos sistemas <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>. Quando o paciente utiliza um serviço matricial, ele nunca <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> serpaciente <strong>da</strong> equipe <strong>de</strong> referência. Assim, a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> do encaminhamento <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong>existir e passa a <strong>da</strong>r lugar à construção <strong>de</strong> projetos terapêuticos que são executadospor equipe interdisciplinar, há uma corresponsabilização pelo paciente. Nessearranjo, a equipe <strong>de</strong> referência (equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> família) <strong>com</strong>partilha algunscasos <strong>com</strong> a equipe que oferece o apoio matricial (equipe do CAPS). As estratégiasutiliza<strong>da</strong>s para esse <strong>com</strong>partilhamento são reuniões (nas quais a equipe <strong>de</strong>referência relata os casos relacionados à saú<strong>de</strong> mental, <strong>com</strong> os quais necessitam <strong>de</strong>um suporte para administrar as situações) e visitas domiciliares conjuntas(CAMPOS; DOMITTI, 2007; DELFINI et al., 2009).Os encontros para discussão entre a equipe <strong>de</strong> referência e os profissionaisque <strong>com</strong>põe o apoio matricial são campo fértil para o aprendizado e a apropriação<strong>de</strong> um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> trabalho. Este é outro <strong>de</strong>safio posto à articulação entreatenção básica e saú<strong>de</strong> mental, o <strong>de</strong> capacitar as equipes para pensar e agir emsaú<strong>de</strong> mental sem recorrer às velhas estruturas do mo<strong>de</strong>lo hospitalocêntrico, masorientar o fazer e pensar voltado aos novos dispositivos <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong>, que possam<strong>de</strong> fato aju<strong>da</strong>r as <strong>pessoa</strong>s a cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> e reorganizar suas vi<strong>da</strong>s. Uma questãoimportante é ampliar a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> escuta dos trabalhadores, possibilitandopensar juntos em intervenções que possam aju<strong>da</strong>r as famílias a superar suasdificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Apesar dos <strong>de</strong>safios, é viável e necessário que a atenção básica sejaespaço <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>do em saú<strong>de</strong> mental (DELFINI et al., 2009, p. 1489).No município <strong>de</strong> Curitiba, <strong>de</strong> acordo <strong>com</strong> o Protocolo <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental,conforme ilustra a Figura 3, a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> constitui-se <strong>com</strong>o porta <strong>de</strong> entra<strong>da</strong>no sistema e tem <strong>com</strong>o <strong>com</strong>petência: avaliar o usuário, inscrevê-lo no programa <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> mental, tratá-lo na própria UBS quando indicado, monitorar o <strong>tratamento</strong>,fornecer a medicação e interligar-se <strong>com</strong> os <strong>de</strong>mais pontos <strong>de</strong> atenção (grifo doautor) (VERNETIKIDES et al., 2002).


107FIGURA 4: FLUXO DE ATENDIMENTO EM SAÚDE MENTAL DO MUNICÍPIO DE CURITIBA/PRFONTE: VERNETIKIDES ET AL (2002).A colaboradora F1Mãe (pág. 100) refere também <strong>com</strong>o as equipes doServiço <strong>de</strong> Atendimento Móvel <strong>de</strong> Urgências (SAMU) têm trabalhado <strong>com</strong> a questão<strong>da</strong>s urgências e emergências psiquiátricas, configurando outro <strong>de</strong>safio ao mo<strong>de</strong>lopsicossocial, a articulação entre SAMU e saú<strong>de</strong> mental.Em 2004 em Aracaju (SE) foi organiza<strong>da</strong> a primeira Oficina Nacional <strong>de</strong>Atenção às Urgências e Saú<strong>de</strong> Mental, esta tinha por objetivo estabelecerarticulação entre a Política Nacional <strong>de</strong> Atenção às Urgências e a Política Nacional<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental. Esse diálogo é <strong>de</strong> fato essencial para fortalecer e ampliar asações <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental no SUS. A partir <strong>de</strong>sta oficina, o SAMU assumiu, emconjunto <strong>com</strong> a área <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> mental, a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> pelo atendimento àsurgências psiquiátricas e pelo fomento à implantação <strong>de</strong> CAPS e <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong>urgências em hospitais gerais nos municípios on<strong>de</strong> está implantado (BRASIL, 2007).O <strong>com</strong>promisso <strong>de</strong> apoio <strong>da</strong> re<strong>de</strong> CAPS à re<strong>de</strong> SAMU também foiestabelecido, <strong>de</strong>vendo ser realizado <strong>de</strong> forma matricial e incluir supervisão,capacitação continua<strong>da</strong>, atendimento <strong>com</strong>partilhado <strong>de</strong> casos e apoio à regulação.Um protocolo mínimo <strong>de</strong> atenção às urgências psiquiátricas foi estabelecido. Ain<strong>da</strong>que em construção em todo o país, a articulação efetiva entre as equipes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>mental e as equipes do SAMU já é reali<strong>da</strong><strong>de</strong> em alguns municípios <strong>br</strong>asileiros. Are<strong>de</strong> SAMU conta <strong>com</strong> 111 serviços implantados, oferece cobertura a 905


108municípios, e a articulação saú<strong>de</strong> mental/SAMU <strong>de</strong>ve ain<strong>da</strong> se expandir e seconsoli<strong>da</strong>r nos próximos anos (BRASIL, 2007).Outra questão importante a ser discuti<strong>da</strong> enquanto <strong>de</strong>safio, são osambulatórios <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental. Em geral, estes serviços prestam assistênciaso<strong>br</strong>etudo às <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtornos mentais menores - cerca <strong>de</strong> 9% <strong>da</strong>população (to<strong>da</strong>s as faixas etárias), e apresentam, em sua gran<strong>de</strong> maioria,funcionamento pouco articulado à re<strong>de</strong> <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> (BRASIL, 2007).São referência para inúmeras consultas em psiquiatria e psicologia, contudo,sua resolutivi<strong>da</strong><strong>de</strong> tem sido baixa, ao consi<strong>de</strong>rar que a maioria dos Ambulatórios <strong>de</strong>Saú<strong>de</strong> Mental possuem imensas listas <strong>de</strong> espera. Portanto, faz-se necessárioreformular o seu modo <strong>de</strong> funcionamento e rediscutir o seu papel na re<strong>de</strong> <strong>de</strong>atenção à saú<strong>de</strong> mental. Dessa forma, a literatura coaduna a narrativa <strong>da</strong>colaboradora F1Mãe (pág. 101) ao referir que sua filha <strong>com</strong> transtorno mentalaguar<strong>da</strong> há mais <strong>de</strong> quatro meses vaga no ambulatório <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental (BRASIL,2007).4.2.3 A convivência <strong>familiar</strong> em face do transtorno mentalEm relação à convivência <strong>familiar</strong>, os colaboradores <strong>de</strong>ssa pesquisarelataram que ela é altera<strong>da</strong> em face <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> família ter um integrante <strong>com</strong>transtorno mental. Referiram que as discussões entre os mem<strong>br</strong>os <strong>familiar</strong>es setornam frequentes, e até mesmo agressão física acontece em razão <strong>da</strong> nãoaceitação, preconceito e <strong>da</strong> falta <strong>de</strong> habili<strong>da</strong><strong>de</strong> em trabalhar <strong>com</strong> a alteração do<strong>com</strong>portamento do <strong>familiar</strong> que adoeceu. Entretanto, após a família participar <strong>da</strong>sreuniões <strong>de</strong>stina<strong>da</strong>s a <strong>familiar</strong>es nos CAPS a convivência melhorouconsi<strong>de</strong>ravelmente.Referiram que a <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental na maioria <strong>da</strong>s vezes écolaborativa, aju<strong>da</strong> na organização <strong>da</strong> casa e também contribui financeiramente paramelhorar as questões relaciona<strong>da</strong>s ao conforto no domicílio, <strong>com</strong>prando algunseletroeletrônicos.


109A temática do preconceito e <strong>da</strong> estigmatização <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> em sofrimentopsíquico aparece nas falas dos colaboradores incisivamente. Segundo eles, opreconceito está <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> própria família, gran<strong>de</strong> parte dos <strong>familiar</strong>es acreditam quea <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental tem condições <strong>de</strong> controlar os sintomaspsiquiátricos, que os pais, nessa pesquisa os responsáveis direto pelo cui<strong>da</strong>do <strong>da</strong><strong>pessoa</strong> em sofrimento mental, centram sua atenção mais na <strong>pessoa</strong> em <strong>de</strong>trimentodos <strong>de</strong>mais filhos.Além disso, também foi relatado que os mem<strong>br</strong>os <strong>da</strong> família extensa nãoaceitam a internação do <strong>familiar</strong> em instituição psiquiátrica. Ressalta-se que aatitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> internar o <strong>familiar</strong> só acontece <strong>de</strong> acordo <strong>com</strong> o referido peloscolaboradores quando todos os <strong>de</strong>mais recursos que a família tem acesso seesgotaram.De acordo <strong>com</strong> os colaboradores <strong>de</strong>sta pesquisa, há cansaço físico eemocional envolvido no cui<strong>da</strong>do familial, <strong>com</strong>o por exemplo, não saber on<strong>de</strong> o<strong>familiar</strong> <strong>com</strong> transtorno mental está ou <strong>com</strong>o seria a reação <strong>de</strong>ste quandocontrariado. Isso gera tensão e angústia, consi<strong>de</strong>rando ain<strong>da</strong>, as críticas que osresponsáveis diretos pelo cui<strong>da</strong>do recebem dos <strong>de</strong>mais <strong>familiar</strong>es em relação a suamaneira <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>r, a atenção redo<strong>br</strong>a<strong>da</strong>, o fato <strong>de</strong> ter que conviver <strong>com</strong><strong>com</strong>portamentos ina<strong>de</strong>quados.Referiram que manter uma convivência mais harmoniosa possível é uma lutadiária, um exercício <strong>de</strong> aceitação <strong>da</strong>s diferenças e <strong>de</strong> tolerância, mas que hoje aconvivência está bem melhor do que era algum tempo atrás, quando o <strong>familiar</strong> <strong>com</strong>transtorno mental apresentava mais episódios <strong>de</strong> crise. Outra colaboradora referiuque a filha <strong>com</strong> transtorno mental foi morar sozinha, mas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> dos pais parasuprir to<strong>da</strong>s suas necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Contudo, na casa <strong>da</strong> paciente tudo está muitoorganizado, ela está mais sociável, vai visitar os pais, participa <strong>da</strong>s <strong>da</strong>tas<strong>com</strong>emorativas espontaneamente, sendo que antes ela participava contraria<strong>da</strong> e jáqueria voltar para casa.Chamo atenção para a narrativa <strong>da</strong> colaboradora <strong>com</strong> transtorno mental querefere que a convivência <strong>de</strong>la <strong>com</strong> seus irmãos é permea<strong>da</strong> por muitos conflitos.Segundo ela, eles não a enten<strong>de</strong>m, não aceitam a sua doença, quando adoecia lhesdiziam que era porque não se cui<strong>da</strong>va. Também não <strong>com</strong>preendiam a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong>la dormir mais, pois não acreditam que fosse uma reação adversa domedicamento psiquiátrico. Na sua percepção esta convivência é força<strong>da</strong>. Entretanto,


110convive muito melhor agora <strong>com</strong> seus pais após ter ido morar sozinha. Referiu queos pais lhe dão todo o suporte necessário, que ela tem personali<strong>da</strong><strong>de</strong> forte, éteimosa e que muitas vezes dificultou a convivência <strong>familiar</strong> e optou por morarsozinha para não in<strong>com</strong>o<strong>da</strong>r ninguém. Mas relata que essa iniciativa <strong>de</strong> morarsozinha foi importante, pois julga necessário ter o lugar <strong>de</strong>la e <strong>de</strong>seja viver uma vi<strong>da</strong>normal.Ela referiu que no momento prefere estar sozinha (sem <strong>com</strong>panheiro), quequando encontrar alguém, esta <strong>pessoa</strong> precisa entendê-la e aceitá-la <strong>com</strong>o ela é,que no momento está em busca <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong>, e <strong>de</strong> ser alguém. Se sente muitoenvergonha<strong>da</strong> pelo <strong>com</strong>portamento ina<strong>de</strong>quado nos momentos <strong>de</strong> crise e gostariamuito que a convivência <strong>com</strong> os <strong>de</strong>mais <strong>familiar</strong>es melhorasse, que eles aenten<strong>de</strong>ssem.Segundo a colaboradora sua convivência <strong>com</strong> seus pais está melhor, e quese ela tivesse permanecido morando <strong>com</strong> eles, as discussões seriam maisfrequentes. Referiu que no último internamento, a maioria dos <strong>familiar</strong>es foi visitá-la.Relatou ain<strong>da</strong>, que não se escon<strong>de</strong> atrás <strong>da</strong> doença, que não a usa <strong>com</strong>o pretextopara ser vítima <strong>da</strong> situação e que seus irmãos po<strong>de</strong>riam ser mais colaborativos, hajavista que ela aju<strong>da</strong>va a mãe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequena a tomar conta <strong>de</strong>les. O relatadoanteriormente é exemplificado nas falas a seguir:“[...] Toma o remédio Gustavo! Ele respondia. Eu não estou doente. Não tomava,voltava para o hospital, eu ia trabalhar <strong>de</strong>ixava ele e o outro [o irmão <strong>de</strong> Gustavo] emcasa, estava bom, mas <strong>br</strong>igavam, o outro não aceitava que ele era doente, ele faziaqualquer coisinha chamava ele <strong>de</strong> louco. Ah! Um dia ele [Gustavo] <strong>de</strong>u um chute noirmão lá na esca<strong>da</strong> que ele caiu lá embaixo. Cheguei lá no pronto socorro, ele tinhafraturado três arcos costais. Cheguei em casa, fui procurar o Gustavo e na<strong>da</strong>, nooutro dia achei ele e o levei ao médico, aí internamos ele <strong>de</strong> novo. Mas eles<strong>br</strong>igavam, <strong>br</strong>igavam que não podiam se ver. [...] Foi quando <strong>com</strong>eçou a ter asreuniões no NAPS, eu e o irmão <strong>de</strong>le íamos, lá ensinavam, conversavam conosco,aí que nós <strong>com</strong>eçamos a aceitar [...] Nossa! Agora vivemos que é uma beleza, emharmonia”. (F3Mãe)“A nossa convivência, agora é muito boa, o Gustavo me aju<strong>da</strong>, limpa a casa, saipara pagar conta. Ele faz tudo. Tudo que eu tenho <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa foi ele que


111<strong>com</strong>prou, ele vai <strong>com</strong>prando em prestação. Comprou máquina <strong>de</strong> lavar roupa, fogão,jogo <strong>de</strong> cozinha, pia, sofá, televisão, ví<strong>de</strong>o, <strong>com</strong>putador, filmadora. Ele é aposentadopor invali<strong>de</strong>z”. (F3Mãe)“Deus o livre! Foi muito difícil para nós, inclusive eu tenho uma filha que ain<strong>da</strong> tempreconceito. E a que morreu também, era preconceituosa, implicavam porque eu<strong>da</strong>va atenção para ele. Ah! Porque a mãe só falta <strong>da</strong>r a mama<strong>de</strong>ira para o Paulo.Ah! A mãe só falta trocar fraldinha, coisas assim que machucavam. Eu nunca <strong>de</strong>ixei<strong>de</strong> <strong>da</strong>r atenção para ele, porque eu passei por tantas situações que olhe, em um dosinternamentos, uma tia <strong>de</strong>le me bateu a porta na cara, disse que eu não era mãeporque on<strong>de</strong> que se viu internar o filho lá no [nome <strong>de</strong> um hospital psiquiátrico]. Eudisse. Escute aqui, quem está sofrendo <strong>com</strong> ele sou eu, não é você. Eu faço aquiloque eu acho que eu tenho que fazer, <strong>com</strong>o que vai ficar <strong>com</strong> uma <strong>pessoa</strong><strong>de</strong>sequili<strong>br</strong>a<strong>da</strong>, fazendo coisas que eu ficava boba <strong>de</strong> ver, eu ia aguentando, até acerta altura, mas tinha uma hora que eu tinha que tomar uma atitu<strong>de</strong>, eu sozinha emcasa, não tinham outros homens para me aju<strong>da</strong>rem. Eu procurei a assistente sociale o internei. Como que eu ia ficar <strong>com</strong> ele? Um dia eu estava tão nervosa, tão tensaque eu não lem<strong>br</strong>o o que eu chamei a atenção <strong>de</strong>le, ele veio para cima <strong>de</strong> mim <strong>com</strong>tudo me empurrando assim contra a pare<strong>de</strong>, já pensou se ele me dá um tapa <strong>com</strong>to<strong>da</strong> a força <strong>de</strong>le? Então você veja a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>, eu já passei tanta dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>, tantosofrimento, tanta angústia que não gosto nem <strong>de</strong> lem<strong>br</strong>ar, só nunca mais eu fui acasa <strong>de</strong>ssa cunha<strong>da</strong>, fiz amiza<strong>de</strong> <strong>com</strong> ela tudo, oi, bom dia, boa tar<strong>de</strong>,conversamos, mas nunca mais eu fui a casa <strong>de</strong>la, porque <strong>da</strong>quela vez ela só faltoume bater, porque on<strong>de</strong> que se viu internar o filho, você não é mãe, você é um bicho!Olha, é tanta situação que a gente passa <strong>com</strong> um problema assim que agra<strong>de</strong>ço aDeus por ter surgido o CAPS, porque eu pedia que Deus me <strong>de</strong>sse uma luz, queaparecesse uma solução para ajudá-lo, aju<strong>da</strong>r a mim também porque eu não estavamais aguentando a situação que nós estávamos vivendo, eu não podia abandonar,tinham dias que eu tinha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> sair pulando, <strong>de</strong>ixar tudo, mas <strong>com</strong>o que eu iafazer? Essas duas filhas que eu te falei elas são preconceituosas. As outras duasirmãs o enten<strong>de</strong>m, tratam-no bem, tem uma <strong>de</strong>las que se forma no próximo mês,técnica em enfermagem. Esses dias ela estava me mostrando uns livros queexplicam o problema <strong>de</strong>le, então a gente foi levando assim, mas foi muito difícil,mesmo assim eu procurava sempre apoiá-lo. Mas eu fui cria<strong>da</strong> naquele sistema


112tradicional, eu não sabia, não sei ser muito carinhosa, hoje eu estou bem diferente.Mas tempos atrás não, criei todos os meus filhos naquele regime mais ou menos<strong>com</strong>o eu fui cria<strong>da</strong>, a convivência ficava difícil, a convivência <strong>com</strong> as filhas era difícilporque as opiniões eram diferentes e todo o sofrimento que eu tive <strong>com</strong> o marido.Ele era alcoólatra, era um inferno a nossa vi<strong>da</strong>, nós vivíamos <strong>br</strong>igando, porque tododia ele bebia, <strong>de</strong>pois eu <strong>com</strong>ecei a participar do ALANON e <strong>com</strong>ecei a apren<strong>de</strong>r queeu tinha que me <strong>de</strong>sviar <strong>de</strong>le quando ele tava bêbado. Tinha dias que parecia queeu ia explodir, porque <strong>com</strong> cinco filhos ao redor <strong>da</strong>s minhas pernas, uma casapequena sem conforto, não tinha, naquela época, nem água encana<strong>da</strong>, não tinhabanheiro, não tinha na<strong>da</strong> sabe, olha o que eu sofri. Eu agra<strong>de</strong>ço a Deus <strong>de</strong> eu ain<strong>da</strong>estar aqui <strong>com</strong> 67 anos, porque o que eu passei. Agora nossa convivência estámelhor, mas essa irmã <strong>de</strong>le que agora está morando conosco [irmã <strong>de</strong> Paulo que seseparou, e está morando em uma casa nos fundos <strong>da</strong> casa que Paulo resi<strong>de</strong> <strong>com</strong> amãe], ain<strong>da</strong> tem, inclusive tem um cunhado que é assim também, sabe ela nãoaceita, só critica, às vezes eu fico magoa<strong>da</strong>, às vezes nós discutimos. Eu engulocoisas que às vezes eu fico me segurando para evitar confusão <strong>com</strong> ela, porque nósprecisamos conviver junto. É uma dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> a nossa convivência <strong>com</strong> ela. Mas eununca fiquei ausente <strong>de</strong>les. Minha convivência <strong>com</strong> o Paulo é boa, nós estamosvivendo bem melhor, ele é meu <strong>com</strong>panheiro, às vezes eu <strong>br</strong>igo <strong>com</strong> ele, co<strong>br</strong>osabe, porque eu não venço tudo, eu não dou conta <strong>de</strong> tudo. Ele não faz economia<strong>de</strong> luz, <strong>de</strong> água, vai lavar uma louça não faz economia <strong>de</strong> <strong>de</strong>tergente, eu co<strong>br</strong>onesse sentido, Paulo você tem capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r que está difícil.Mas nós dois vivemos bem, quando era só nós dois lá em casa era difícil <strong>da</strong>rconfusão, nós nos <strong>da</strong>mos muito bem, sempre moramos sozinhos os dois, ele metolera, eu também o tolero, às vezes eu co<strong>br</strong>o <strong>de</strong>le, às vezes ele co<strong>br</strong>a <strong>de</strong> mim queeu estou muito nervosa, mas eu acho que ele também <strong>de</strong>ve enten<strong>de</strong>r que a minhasituação não é fácil, na i<strong>da</strong><strong>de</strong> que eu estou. Eu estou forte <strong>de</strong>mais, porque tenhovisto <strong>pessoa</strong>s até mais novas que eu que estão entregando os pontos, e eu estoulutando. Eu co<strong>br</strong>o, eu não vou viver para sempre, chego até conscientizar ele, olhauma hora ou outra eu me vou <strong>com</strong>o tua irmã se foi e <strong>da</strong>í <strong>com</strong>o que fica? Vocêprecisa se aju<strong>da</strong>r, fazer aquilo que está na tua capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>, porque se eu não meaju<strong>da</strong>r aí a casa caí <strong>de</strong> vez”. [F2Mãe]


113“Meu marido pegou o carro e foi buscá-la <strong>com</strong> minha outra filha. Eu não fui juntobuscá-la, eu não tive coragem <strong>de</strong> ir, graças a Deus que eu nunca encontrei ela narua, eu acho que eu não iria aguentar”. [...] A Eduar<strong>da</strong> morava <strong>com</strong>igo e meu esposona nossa casa em [nome do município <strong>da</strong> região metropolitana <strong>de</strong> Curitiba], mas elainvocou que não queria mais ficar lá. Ela não se acerta <strong>com</strong> ninguém, ela tem umgênio ruim, por exemplo, se ela colocar um copo aqui, ela não quer que tire o copo<strong>da</strong>li, é assim que funciona. Ela me disse que queria morar na casa <strong>da</strong> chácara, quefica na BR. Eu falei, mas <strong>com</strong>o que você vai morar sozinha? Ela disse: ah! Mas o paivai todo dia lá na banca <strong>de</strong>le. Meu esposo tem uma banca do outro lado <strong>da</strong> BR etem meu outro filho também que morava na parte <strong>da</strong> frente <strong>da</strong> casa. Eu fui conversar<strong>com</strong> a médica <strong>de</strong>la lá do [nome <strong>de</strong> hospital psiquiátrico] so<strong>br</strong>e o assunto e ela falouassim: não, a senhora experimente, ela não vai ficar, não vai ficar longe. No entanto,vai fazer quatro anos que ela mora lá, na parte <strong>de</strong> trás <strong>da</strong> casa, tem o quarto, obanheiro e a cozinha <strong>de</strong>la. Só que nós precisamos estar to<strong>da</strong> hora lá, aten<strong>de</strong>ndo elapara não faltar às coisas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o gás, tudo”. [F1Mãe]“Nossa convivência agora está melhor. Nossa! Melhorou bastante, às vezes euconverso <strong>com</strong> meu esposo e falo: meu Deus! Nós não temos do que reclamar,porque era assim, ela saia <strong>de</strong> casa, nós ficávamos só esperando o pior. Eu estavatão <strong>de</strong>sanima<strong>da</strong>, que qualquer bati<strong>da</strong> no portão, qualquer toque <strong>de</strong> telefone eu jáimaginava é notícia <strong>da</strong> Eduar<strong>da</strong>. Depois quando ela parou <strong>de</strong> sair <strong>de</strong> casa acalmoubastante. Nossa! Mas ela é muito queri<strong>da</strong> pela família to<strong>da</strong>. Ela <strong>br</strong>iga bastante <strong>com</strong> opai, mas eu acho que eu fiz errado, porque quando somos novos não pensamosmuito. Eu tive um casamento meio que por aci<strong>de</strong>nte [risos], eu e meu esposo nãonos entendíamos muito, mas os meus filhos sabiam <strong>de</strong> tudo o que se passava, eucriei meus filhos conversando <strong>com</strong> eles assim <strong>com</strong>o estou conversando <strong>com</strong> vocêaqui. Os outros escutaram e não guar<strong>da</strong>ram, ela <strong>com</strong>o <strong>de</strong>u esse problema, guardoutudo que eu contei para ela, quase posso dizer que ela per<strong>de</strong>u o respeito pelo pai,quando ela fica <strong>br</strong>ava ela diz as coisas para ele tudo <strong>com</strong>o eu contei para ela. Detodos os tempos eu acho que ela está melhor agora, e ela é tão organiza<strong>da</strong>, vocêchega na casa <strong>de</strong>la, tudo arrumadinho, limpinho, ela cui<strong>da</strong> <strong>da</strong> roupa <strong>de</strong>la, cui<strong>da</strong> <strong>da</strong><strong>com</strong>i<strong>da</strong>, faz a <strong>com</strong>i<strong>da</strong> sozinha, faz pão, só que quando dá aquele negócio nela, aíDeus o livre, ela xinga, diz coisas assim que..., mas não é agressiva fisicamente.Teve um tempo que ela escutava vozes, igual aquele cara <strong>da</strong> novela, mas <strong>de</strong> agredir


114assim, ela nunca foi <strong>de</strong> agredir ninguém. Nossa! É tanta coisa para contar que euvou lem<strong>br</strong>ando mais coisas. [...] Ela vai à minha casa, que <strong>de</strong> on<strong>de</strong> ela mora até[nome <strong>de</strong> um município <strong>da</strong> região metropolitana <strong>de</strong> Curitiba], dá 12 Km, mas para ocentro ela não vem, mas ela já está pegando o ônibus e indo à minha casa, antesela não fazia isso, ela ficou três anos lá na chácara e não ia lá em casa. Quando eraNatal ou ano novo, dia do aniversário <strong>de</strong> alguém, um dos meus filhos vinha, pegavaela e levava, mas ela almoçava, limpava a louça e já tinham que trazer ela <strong>de</strong> voltapara casa. Agora não, ela vai, fica na minha casa dois, três dias, e vai também aosdomingos <strong>de</strong> manhã, ela chega, almoça, limpa a cozinha e vem embora para a casa<strong>de</strong>la”. [F1Mãe]“A minha família pensa que isso que eu tenho não é doença. Eles acham, não todos,mais as irmãs e as outras <strong>pessoa</strong>s, porque não é aquela convivência, assim <strong>de</strong> estarno dia a dia. Eu sou sincera, assim <strong>com</strong>o eu falei para minha mãe antes <strong>de</strong> vocêchegar que eu ia ser sincera <strong>com</strong>o sou <strong>com</strong> ela, <strong>com</strong>o ela também já disse paravocê que ela até achou melhor eu sair <strong>de</strong> casa, porque ca<strong>da</strong> um tem um gênio, eumoro aqui e ela mora lá na casa <strong>de</strong>la. Mas eles sempre estão por aqui. Agora aminha outra irmã está morando aí na parte <strong>da</strong> frente <strong>da</strong> casa, mas não é assimaquela convivência <strong>de</strong> família sabe, é uma convivência e ao mesmo tempo não é,porque eu me sinto assim, porque a família não enten<strong>de</strong>, acha que é fingimento, queeu posso controlar meu <strong>com</strong>portamento. Faz cinco anos que eu moro aqui, eu saí <strong>de</strong>casa porque não me acertava, não me acertava nem quando estávamos todos nósem casa, nem quando meus irmãos foram casando e saindo <strong>de</strong> casa. Essa minhairmã que está aqui hoje, veio me visitar, eu gostei <strong>de</strong>la ter vindo, mas eu sei que nãoé sempre que eles vem. Eu acho falso, eu não queria que eles se sentissemo<strong>br</strong>igados a gostar <strong>de</strong> mim, porque ninguém o<strong>br</strong>iga ninguém a gostar <strong>de</strong> ninguém.Como eu gosto que sejam sinceros <strong>com</strong>igo, também eu gosto <strong>de</strong> ser sincera <strong>com</strong> osoutros, porque eu também tenho um lado ruim, não posso dizer que sou boazinhaporque eu não sou, acho que às vezes todo mundo amanhece num dia não muitobom. Quando eu tinha as crises, eu ia para a rua, bebia, passava a noite to<strong>da</strong>an<strong>da</strong>ndo, às vezes passava mal na rua, chegava em casa no outro dia, ou passavadias sem ir para casa, chegava em casa to<strong>da</strong> suja. Eu me lem<strong>br</strong>o <strong>de</strong> tudo queaconteceu, por isso que eu não quero mais isso para mim, eu quero viver uma vi<strong>da</strong>normal, cui<strong>da</strong>r do meu cantinho, você bem vê <strong>com</strong>o minha casa é humil<strong>de</strong> mas, é


115aqui que eu me sinto bem. Para mim é importante morar aqui, sozinha, porque eusempre quis ter o meu cantinho. Graças a Deus que o pai <strong>de</strong>ixou eu morar aqui,mesmo se eu tivesse morando <strong>com</strong> eles não iria <strong>da</strong>r certo, porque nós íamos mais, eeu não quero isso, eu quero viver a minha vi<strong>da</strong>, ir levando a minha vi<strong>da</strong>. É <strong>com</strong>o eufalei, eles lá, eu aqui e vamos vivendo, eles não <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> vir me ver, a mãe, o paisempre estão por aqui. Mas, tem os que não enten<strong>de</strong>m, minha cunha<strong>da</strong>, porexemplo, ela vem bem pouco aqui, até a filha <strong>de</strong>la é minha afilha<strong>da</strong>, mas eu achoque a <strong>pessoa</strong> que gosta <strong>de</strong> mim, eu não preciso man<strong>da</strong>r dizer para vir na minhacasa, não é vir só quando a mãe está por aqui, não é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>? É bem difícil elesvirem me visitar, mas eles também tem a casa <strong>de</strong>les para cui<strong>da</strong>r, tem a vi<strong>da</strong> <strong>de</strong>les. Aminha irmã que mora do lado aí, eu não me dou muito bem <strong>com</strong> ela, mas isso nãovem ao caso agora. Então, não é aquele amor <strong>de</strong> família, assim <strong>com</strong>o <strong>de</strong>veria ser,<strong>com</strong>o eu tenho que enten<strong>de</strong>r o problema dos outros, eu quero que enten<strong>da</strong>m o meu.Eu não quero que fiquem me bajulando, <strong>de</strong> jeito nenhum, que não sou nenhumacriancinha. Quando eu tomava medicação muito forte, eu não conseguia levantar <strong>de</strong>noite, meus irmãos não entendiam, achavam que eu queria atenção, que estavafingindo. Até agora, tem vezes que a casa fica bagunça<strong>da</strong>, porque <strong>de</strong>pois do almoçoeu sempre vou dormir, vou <strong>de</strong>itar um pouquinho, mesmo que eu não durma, mas eutenho que ir porque me sinto cansa<strong>da</strong>. Então para mim seria importante que elesagissem <strong>de</strong> outra forma <strong>com</strong>igo. Em casa eu era muito ruim, quando eu fico nervosageralmente eu pego e falo o que tenho para falar, eu não estou nem aí. Minhafamília qualquer coisa eles falavam assim: Ah! Mas você qualquer coisa você alega.Não, mas não é bem assim, eles têm que ver que se eu fosse uma <strong>pessoa</strong> normal,eu estava trabalhando, estu<strong>da</strong>ndo, tentando ser alguém. Eu já acho que estoutentando ser alguém, pelo fato <strong>de</strong> eu ter saído <strong>da</strong> rua, <strong>de</strong>les não precisar estaresquentando a cabeça <strong>de</strong> chegar oito, <strong>de</strong>z horas e eu não estar em casa e eles nãosaber on<strong>de</strong> que eu an<strong>da</strong>va, ou chegar em casa to<strong>da</strong> suja, porque eu vivia emlanchonete, bebendo, e eu vou querer isso para mim? Claro que sempre é bom sair,se divertir, mas saber se divertir, tudo tem um momento certo. Para mim não é que avi<strong>da</strong> acabou, porque não acabou, só que eu vivo a minha vi<strong>da</strong> do jeito que eu estouvivendo e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> se eu tenho alguém ou não, claro que eu sinto falta, to<strong>da</strong><strong>pessoa</strong> sente, mas eu vou continuar vivendo. Eles achavam que eu ia sair dohospital e ia para a rua procurar alguém, eu não quero isso para mim. Eu também játive uma vi<strong>da</strong> assim <strong>com</strong>o a <strong>de</strong>les, sei o que é uma vi<strong>da</strong> a dois, tentei morar <strong>com</strong>


116duas <strong>pessoa</strong>s, mas não <strong>de</strong>u certo. Se um dia tiver que aparecer uma <strong>pessoa</strong> paraviver <strong>com</strong>igo e aceitar a minha doença, me aceitar do jeito que eu sou não vaiprecisar eu an<strong>da</strong>r na rua atrás, não é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>? Os outros po<strong>de</strong>m até achar ridículo<strong>da</strong> minha parte eu agir <strong>de</strong>sse modo, mas é a maneira que eu encontrei para meescon<strong>de</strong>r dos falatórios que aconteciam. Quando eu tinha namorado, claro que eugostava <strong>de</strong> sair, <strong>de</strong> namorar, <strong>de</strong> passear, quem que não gosta? Todo mundo gosta,mas acho que isso é liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um. As <strong>pessoa</strong>s ficam falando porque vocênão sai? Ninguém me proíbe <strong>de</strong> sair, se eu quiser sair, eu saio, se eu quiser, euposso sair, posso voltar, posso, mas eu acho que já escutei <strong>de</strong>mais <strong>da</strong>s <strong>pessoa</strong>s mecriticando. A nossa convivência agora que estou morando aqui está mais ou menos,no último internamento gran<strong>de</strong> parte <strong>da</strong> família foi me visitar mais do que uma vez.Mas se eu ficasse morando <strong>com</strong> eles nós íamos discutir mais. Agora não discutimostanto, mas uma discussão ou outra sempre vai ter, também não é aquela coisa <strong>da</strong>família vir sempre aqui em casa. A mãe conversou <strong>com</strong> você, disse que tambémachou melhor eu ter vindo para cá, eu também achei, mas sinto falta <strong>de</strong> ficar <strong>com</strong>ela, conversar sabe, não só aos pouquinhos. O que eu queria mesmo era que elesme enten<strong>de</strong>ssem, enten<strong>de</strong>ssem o meu transtorno, que se eu fosse uma <strong>pessoa</strong>normal <strong>com</strong>o as outras são eu não precisaria ser trata<strong>da</strong> <strong>de</strong>sse jeito. Se eu nãotivesse essa doença, não teria nem o porquê você estar aqui, não é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>? Terum transtorno mental eu acho ruim e ao mesmo tempo não acho, eu lido <strong>com</strong> minhadoença sem saber li<strong>da</strong>r, sabe, li<strong>da</strong>r sem saber li<strong>da</strong>r <strong>com</strong> aquilo? Às vezes vocêescuta <strong>da</strong> própria família, que você tem isso, tem aquilo, que você não é certa, euescuto ain<strong>da</strong>. Eu mesma já cheguei a escutar, ninguém me falou. Olha lá! Aquela láé doente, aquela lá é a louca, então tem <strong>pessoa</strong>s que se afastam <strong>da</strong> gente não éver<strong>da</strong><strong>de</strong>? Não só os <strong>da</strong> família, mas as outras <strong>pessoa</strong>s, <strong>de</strong>pois que eu tive oproblema muitos se afastaram, eu converso bastante <strong>com</strong> a irmã do meu pai quetambém tem essa doença. Agora dos outros eu já escutei <strong>de</strong> tudo. No <strong>com</strong>eço, nosprimeiros internamentos, até isso eu tinha que escutar dos outros, que eu não mecui<strong>da</strong>va, eu não isso e aquilo. No meu primeiro internamento antes <strong>de</strong>les melevarem para internar a mãe precisou me <strong>da</strong>r um banho porque eu estava numestado, eu tinha voltado <strong>da</strong> rua. Até hoje quando eu saio na vila, eu tenho aimpressão que as <strong>pessoa</strong>s estão falando, eu fico <strong>com</strong> vergonha, eu sinto vergonha<strong>da</strong>quilo que eu fazia. Eu queria que a minha família me <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>sse, essadoença assim <strong>com</strong>o <strong>de</strong>u em mim po<strong>de</strong> <strong>da</strong>r em qualquer <strong>pessoa</strong>, eu não me escondo


117atrás <strong>da</strong> doença, se eu precisar enfrentar um serviço pesado eu enfrento [choro]. Àsvezes eu fico pensando: quando eles eram pequenos [voz embarga<strong>da</strong>, silêncio] eume lem<strong>br</strong>o às vezes que eu [choro] lavava a roupa <strong>de</strong>les, <strong>br</strong>incava. É eu cui<strong>da</strong>va<strong>de</strong>les, a mãe ia trabalhar eu levantava cedo, fazia café, <strong>com</strong>i<strong>da</strong> [choro], para agoraacabar sozinha [choro], sozinha numa casa que ao mesmo tempo se tem umafamília e ao mesmo tempo não tem. Mas eu gosto <strong>de</strong> morar aqui, se eu estivesse lámorando <strong>com</strong> meus pais, <strong>com</strong>o não <strong>da</strong>ria certo do mesmo jeito, além <strong>de</strong> não <strong>da</strong>rcerto a minha vi<strong>da</strong>, ia atrapalha a vi<strong>da</strong> <strong>de</strong>les e eu não quero isso. Fico aqui no meucanto, acho que é o melhor para mim, cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong>s coisas do meu jeito, eles não me<strong>de</strong>ixam faltar na<strong>da</strong>, eu prefiro viver assim”. [F1Eduar<strong>da</strong>]A narrativa dos colaboradores F2Mãe (pág. 112 e 113), F3Mãe (pág. 111 e112), F1Mãe (pág. 114 e 115) e F1Eduar<strong>da</strong> (pág. 115 a 118), ao mencionarem osconflitos <strong>familiar</strong>es após o diagnóstico do transtorno mental é corrobora<strong>da</strong> por Borba(2007), quando refere que quando a família enfrenta situação <strong>de</strong> doença,experiencia mu<strong>da</strong>nças em seu ciclo que são permanentes e muitas vezes <strong>de</strong>finitivas,o curso <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> ao qual estavam a<strong>da</strong>ptados é modificado e <strong>com</strong>o to<strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça,<strong>de</strong>sperta sentimentos <strong>de</strong> increduli<strong>da</strong><strong>de</strong>, per<strong>da</strong> do controle, medo, incerteza equestionamentos frente à nova situação.Nesse contexto, Radovanovic et al (2004) e Bielemann (2002) expressamque durante o ciclo <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> família existem momentos <strong>de</strong> crise, principalmente empresença <strong>da</strong> doença, que acabam por indireta ou diretamente interferir na rotina<strong>familiar</strong> e impor mu<strong>da</strong>nças e a<strong>da</strong>ptações no cotidiano <strong>da</strong> família. Seus mem<strong>br</strong>osprecisam interagir, <strong>com</strong>partilhar os significados que atribuem a doença e aos seussentimentos mesmo que ca<strong>da</strong> um vivencie <strong>de</strong> forma particular essa situação<strong>de</strong>sgastante.Quando um integrante <strong>da</strong> família adoece, é impossível omitir que esse fatosurte efeito na convivência diária <strong>da</strong> família ocasionando ansie<strong>da</strong><strong>de</strong> e preocupação.O adoecer constitui-se evento imprevisto que <strong>de</strong>sorganiza o modo <strong>de</strong> funcionamento<strong>familiar</strong>, o trabalho e o estudo <strong>de</strong> seus integrantes. As relações <strong>pessoa</strong>is jáestabeleci<strong>da</strong>s <strong>de</strong>ntro do universo <strong>familiar</strong> precisam <strong>de</strong> novo ajuste à doença e aoseu enfrentamento (SCHRANK, 2006).Essa questão <strong>da</strong> doença no meio <strong>familiar</strong> parece assumir maioresproporções quando se trata do transtorno mental, uma vez que ligados a ele estão


118associados o preconceito, o estigma social, sentimentos <strong>de</strong> vergonha e medo. Tantoo <strong>familiar</strong> enfermo <strong>com</strong>o a família diante <strong>da</strong> <strong>com</strong>plexi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sse fenômeno além do<strong>tratamento</strong> precisa apren<strong>de</strong>r a li<strong>da</strong>r <strong>com</strong> o imaginário <strong>da</strong> periculosi<strong>da</strong><strong>de</strong> eincapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> que são associados à doença mental, evitando e corrigindo os própriospreconceitos e os <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> (SCHRANK, 2006).A literatura evi<strong>de</strong>ncia o que foi relatado pelos colaboradores <strong>de</strong>ssa pesquisaquando verbalizaram que o preconceito antes <strong>de</strong> tudo acontece na própria família,<strong>com</strong>o na fala <strong>de</strong> F2Mãe (pág. 112) “inclusive eu tenho uma filha que ain<strong>da</strong> tempreconceito. E a que morreu também, era preconceituosa [...]” e em relação aquestão <strong>da</strong> vergonha na fala <strong>de</strong> F1Eduar<strong>da</strong> (pág. 117) “eu sinto vergonha do que eufazia”.Além disso, as recaí<strong>da</strong>s e o curso <strong>da</strong> doença crônica exigem rigorosoesquema <strong>de</strong> controle e cui<strong>da</strong>dos permanentes em função <strong>da</strong>s possíveis sequelasque po<strong>de</strong>m provocar incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s funcionais, evi<strong>de</strong>nciando o papel <strong>da</strong> família, noque diz respeito às suas responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s na condução do cui<strong>da</strong>do doméstico(MARCON et al., 2004). Entretanto, o que se percebe analisando as narrativas, éque o cui<strong>da</strong>do na maioria <strong>da</strong>s vezes é assumido pelos pais e que os <strong>de</strong>mais filhosco<strong>br</strong>am o porquê <strong>de</strong>sse esquema <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>dos especiais para <strong>com</strong> a <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong>transtorno mental.A literatura vai ao encontro do narrado por F2Mãe (pág. 112 e 113) e F1Mãe(pág. 114 e 115) quando Marcon et al (2004) concor<strong>da</strong> <strong>com</strong> os autores Watsh eMcGoldrick (1998), estes afirmam que na fase crônica <strong>da</strong> doença as famíliasenfrentam vários dilemas, pois <strong>com</strong> a <strong>de</strong>man<strong>da</strong> <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>dos, a exaustão e aambivalência <strong>de</strong> sentimentos se tornam <strong>com</strong>uns à medi<strong>da</strong> que os recursosfinanceiros e emocionais se esgotam. Ain<strong>da</strong>, Waidman e Gusmão (2001)consi<strong>de</strong>ram que a falta <strong>de</strong> habili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> família em trabalhar <strong>com</strong> essas questõesimplica em sentimentos <strong>de</strong> impotência e ao mesmo tempo <strong>de</strong> culpa, o que fazexpressar seus sentimentos em forma <strong>de</strong> choro ou irritabili<strong>da</strong><strong>de</strong>.A família constitui espaço <strong>de</strong> acolhimento e apoio ao doente e quando écapaz <strong>de</strong> enfrentar a situação <strong>da</strong> doença, mostra-se flexível as mu<strong>da</strong>nças no seufuncionamento, aciona a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte social e as suas próprias reservas físicas epsíquicas na busca <strong>da</strong> estabili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ao agir <strong>de</strong>ssa maneira, auxilia na reabilitação do<strong>familiar</strong> enfermo, na sua permanência pelo maior tempo possível sem hospitalizaçãoe colabora na a<strong>de</strong>são ao <strong>tratamento</strong> (ELSEN, 1994).


119De acordo <strong>com</strong> o que emergiu dos <strong>da</strong>dos <strong>de</strong>sta pesquisa, concordo <strong>com</strong>Elsen (1994) e consi<strong>de</strong>ro que as famílias <strong>de</strong>ste estudo em um primeiro momento nãoconseguiram enfrentar a situação <strong>da</strong> doença. Houve um intenso <strong>de</strong>sgaste físico eemocional dos envolvidos, uma vez que antes <strong>de</strong> se tornarem espaço <strong>de</strong>acolhimento e exercício <strong>de</strong> prática <strong>de</strong> tolerância, essas famílias precisavam <strong>de</strong>cui<strong>da</strong>do, para po<strong>de</strong>rem oferecer cui<strong>da</strong>do à <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental.As mu<strong>da</strong>nças no meio <strong>familiar</strong>, em consequência <strong>de</strong> uma doença, po<strong>de</strong>malterar a rotina <strong>familiar</strong> e sua dinâmica interna. Visando a solução <strong>de</strong> seus problemasa família termina por <strong>de</strong>man<strong>da</strong>r mais recursos <strong>com</strong> consultas médicas, internações emedicamentos. Contudo, é preciso pon<strong>de</strong>rar, que nem sempre os rearranjosrealizados pela família solucionam os problemas que surgem após o diagnóstico <strong>da</strong>enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong> em um <strong>de</strong> seus integrantes (SCHWARTZ, 2002).Outro aspecto que merece discussão é a questão <strong>da</strong> so<strong>br</strong>ecarga <strong>de</strong> quemconvive <strong>com</strong> o transtorno mental, pois o déficit dos pacientes no <strong>de</strong>sempenho <strong>da</strong>sativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s do dia a dia limita sua autonomia, aumentando sua <strong>de</strong>pendência <strong>da</strong>família (BANDEIRA; BARROSO, 2005). Desse modo,Se para a família que convive <strong>com</strong> o sofrimento psíquico, o fardo selimitasse ao problema financeiro, às dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s domésticas e aosproblemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, um programa social pré-estabelecido e vertical po<strong>de</strong>riaser resolutivo. Entretanto, muitos outros aspectos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do portador <strong>de</strong>transtorno mental são alterados <strong>com</strong> o estabelecimento <strong>da</strong> doença,expressos através <strong>de</strong> sua conduta nas relações consigo mesmo, <strong>com</strong> as<strong>pessoa</strong>s ao seu redor e <strong>com</strong> os <strong>de</strong>mais setores <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>(KOGA; FUREGATO, 2002, p. 77).Pereira e Pereira Júnior (2003) ao analisarem as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s enfrenta<strong>da</strong>spela família <strong>de</strong> portadores <strong>de</strong> transtorno mental classificam a so<strong>br</strong>ecarga emencargos objetivos e subjetivos. Os encargos objetivos incluem as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>seconômicas, o tempo utilizado para a assistência, redução <strong>da</strong>s relações sociais e dotempo <strong>de</strong> lazer. Fazem parte dos encargos subjetivos o <strong>de</strong>senvolvimento dossintomas <strong>de</strong> ansie<strong>da</strong><strong>de</strong>, efeitos psicossomáticos, sentimentos <strong>de</strong> culpa, vergonha,<strong>de</strong>sorientação quanto às informações so<strong>br</strong>e os distúrbios mentais e o isolamentosocial. O <strong>de</strong>s<strong>com</strong>passo entre o ritmo <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> do paciente e o <strong>da</strong> família/ socie<strong>da</strong><strong>de</strong> érepresentado pelo <strong>de</strong>sânimo e <strong>de</strong>sesperança frente às possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>reabilitação.


120A convivência <strong>com</strong> o transtorno mental implica em so<strong>br</strong>ecarga <strong>familiar</strong>caracteriza<strong>da</strong> por dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>com</strong>o: problemas no relacionamento <strong>com</strong> o <strong>familiar</strong>,estresse por conviverem <strong>com</strong> o humor instável e a <strong>de</strong>pendência <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> emsofrimento psíquico, medo <strong>da</strong>s recaí<strong>da</strong>s e do <strong>com</strong>portamento do <strong>familiar</strong> doente noperíodo <strong>de</strong> crise (WAIDMAN, 2004).Schrank (2006) reforça que a convivência <strong>com</strong> o portador <strong>de</strong> transtornomental po<strong>de</strong> acarretar ônus à família, mas <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que assumir a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>so<strong>br</strong>e o cui<strong>da</strong>do <strong>de</strong> seu <strong>familiar</strong> também po<strong>de</strong> ser positiva no sentido <strong>de</strong> intensificaras relações e tornar o <strong>familiar</strong> envolvido no cui<strong>da</strong>do <strong>com</strong>o um parceiro <strong>da</strong> equipe <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>, sendo facilitador nas ações <strong>de</strong> promoção <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> mental e reinserção doportador <strong>de</strong> sofrimento psíquico na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Isso é corroborado por esta pesquisa,uma vez que as <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental convivem muito melhor <strong>com</strong> aquelesque são responsáveis pelo seu cui<strong>da</strong>do.Waidman e Stamm (2003) refletindo so<strong>br</strong>e famílias que convivem <strong>com</strong> osofrimento psíquico acreditam somente ser possível conhecer e ajudá-las se nosdispusermos a ouvi-las e enten<strong>de</strong>r sua reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois apesar dos muitos problemasvivenciados <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>familiar</strong>es serem <strong>com</strong>uns, ca<strong>da</strong> família possui suaindividuali<strong>da</strong><strong>de</strong> e peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong> na forma <strong>de</strong> perceber, sentir, conhecer e reagirdiante <strong>da</strong>s situações inespera<strong>da</strong>s. Os <strong>familiar</strong>es necessitam <strong>de</strong> esclarecimento arespeito do transtorno mental, do uso <strong>de</strong> psicofármacos, <strong>de</strong> orientações so<strong>br</strong>erelacionamento no domicílio, so<strong>br</strong>e <strong>com</strong>o enfrentar os problemas socioeconômicos,<strong>de</strong> acolhimento.A convivência <strong>familiar</strong> também é permea<strong>da</strong> por tensões ao se conceber queé no espaço <strong>familiar</strong> que as emoções são mais facilmente expressas, a família <strong>com</strong>ogrupo <strong>de</strong> convivência requer <strong>de</strong> seus integrantes a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> constante <strong>de</strong>repensar, reorganizar suas estratégias e a sua dinâmica interna (SARTI, 2003;ROMANELLI, 2003).A longa duração do curso <strong>da</strong> doença, os episódios <strong>de</strong> recidivas e aspossíveis <strong>com</strong>plicações presentes na enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong> crônica requerem diferentesintervenções. Isso implica no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um esquema <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>dosconstantes em relação à administração <strong>de</strong> fármacos, ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> física, repouso,alimentação e higiene, visando a manutenção do melhor estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> do <strong>familiar</strong>enfermo e a prevenção <strong>da</strong>s possíveis <strong>com</strong>plicações. A família po<strong>de</strong> constituir uma


121ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira uni<strong>da</strong><strong>de</strong> básica <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> para seus mem<strong>br</strong>os, haja vista que estaassume a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> pela continui<strong>da</strong><strong>de</strong> do cui<strong>da</strong>do (MARCON et al., 2004).O cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> em sofrimento psíquico representa para a família um<strong>de</strong>safio, pois esta precisa trabalhar <strong>com</strong> os sentimentos intrínsecos à vivência <strong>de</strong> umacontecimento imprevisto e <strong>com</strong> seus próprios preconceitos em relação à doença, oque implica em modificar a forma <strong>de</strong> ver a <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental. Perceber oser humano <strong>com</strong>o um ser <strong>de</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s, capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s e potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>s éperceber a <strong>pessoa</strong> muito além <strong>da</strong>s limitações impostas por sua enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>(SCHRANK; OLSCHOWSKY, 2008).A agudização dos sintomas psiquiátricos é vista pela família <strong>com</strong>o ummomento muito difícil, no qual ela se vê <strong>de</strong>sorienta<strong>da</strong>, insegura, fragiliza<strong>da</strong>, <strong>com</strong>dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> aceitação e sem subsídios para li<strong>da</strong>r <strong>com</strong> a <strong>com</strong>plexi<strong>da</strong><strong>de</strong> do<strong>com</strong>portamento que é apresentado, marcado por imprevisibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>scuido <strong>com</strong> ahigiene <strong>pessoa</strong>l, agitação intensa e quadro <strong>de</strong> agressivi<strong>da</strong><strong>de</strong> (MORASKI;HILDEBRANDT, 2005). Isso corrobora a fala <strong>de</strong> F2Mãe (pág. 112) ao relatar que elaia tolerando <strong>de</strong>terminados <strong>com</strong>portamentos, mas que em certo momento não viaoutra alternativa senão o internamento do filho <strong>com</strong> transtorno mental.Em muitas situações os <strong>familiar</strong>es <strong>de</strong> pacientes psiquiátricos referem passarnoites em claro, as preocupações <strong>com</strong> o <strong>de</strong>s<strong>com</strong>passo temporal, o <strong>com</strong>portamentoina<strong>de</strong>quado apresentado pelo <strong>familiar</strong> doente, a falta <strong>de</strong> informação e habili<strong>da</strong><strong>de</strong>snecessárias ao convívio <strong>com</strong> a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> do transtorno mental, o que implica emdificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s e <strong>de</strong>sorganização (REINALDO, SAEKI, 2004; MELMAN, 2006).Nesse momento em sua maioria, ela não consegue impor limites nem dirigirrespostas negativas à <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental, pois tem medo <strong>da</strong> forma <strong>com</strong>oeste reagirá, assim, busca auxílio nos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, solicitando por vezes ainternação <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> em sofrimento psíquico. Ao assumir esse discurso a famílianormalmente é rotula<strong>da</strong> pelos profissionais <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> <strong>com</strong>o não colaboradora e nãodisposta a cui<strong>da</strong>r do <strong>familiar</strong> (MORASKI; HILDEBRANDT, 2005).As dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s enfrenta<strong>da</strong>s pelas famílias na relação <strong>com</strong> a doença mentalsão permea<strong>da</strong>s pelo <strong>de</strong>s<strong>com</strong>passo temporal (paciente/família/socie<strong>da</strong><strong>de</strong>), ossentimentos <strong>de</strong> culpa (a família não enten<strong>de</strong> em que momento errou ou falhou aonão ter percebido antes os sintomas), <strong>de</strong> per<strong>da</strong>, <strong>de</strong> impotência, a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>com</strong>unicação, <strong>de</strong> interação, conflitos <strong>familiar</strong>es, momentos estes cheios <strong>de</strong> incertezae perplexi<strong>da</strong><strong>de</strong>. A não remissão dos sintomas psiquiátricos, os fracassos sociais, o


122<strong>com</strong>portamento bizarro do portador <strong>de</strong> transtorno psíquico contribui para emersão <strong>de</strong>tensões no núcleo <strong>familiar</strong>, e altera sua rotina diária (PEREIRA; PEREIRA JR, 2003;JORGE et al., 2006; JORGE et al., 2008).É necessário consi<strong>de</strong>rar que a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ajustar-se à uma novasituação em razão <strong>de</strong> uma enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong> crônica <strong>com</strong>o o transtorno mental, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><strong>da</strong>s fortalezas que a família possui, dos laços <strong>de</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> que agrega e <strong>da</strong>possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> acessar apoio <strong>de</strong> outras <strong>pessoa</strong>s e instituições (BORBA;SCHWARTZ; KANTORSKI, 2008).Desse modo, algumas famílias são capazes <strong>de</strong> construir um modo peculiar<strong>de</strong> perceber e conviver <strong>com</strong> os problemas <strong>de</strong>correntes <strong>da</strong> cronici<strong>da</strong><strong>de</strong> do transtornomental, o que lhes permite administrar seu mundo cotidiano, reduzindo em partes,os prejuízos que a convivência <strong>com</strong> essas adversi<strong>da</strong><strong>de</strong>s possa trazer para os outrosmem<strong>br</strong>os <strong>da</strong> família (DELGADO, 2002).


1235 CONSIDERAÇÕES FINAISNesse momento, aponto algumas reflexões que a realização <strong>de</strong>sseestudo me possibilitou fazer acerca <strong>da</strong> temática <strong>da</strong> vivência <strong>familiar</strong> <strong>de</strong><strong>tratamento</strong> <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental em face <strong>da</strong> reforma psiquiátrica,<strong>da</strong> oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer e trabalhar <strong>com</strong> famílias e <strong>com</strong> o referencialmetodológico <strong>da</strong> história oral temática.Quando iniciei este trabalho tinha a consciência <strong>de</strong> que para alcançar oobjetivo ao qual me propunha teria muitos <strong>de</strong>safios a serem superados aolongo <strong>da</strong> trajetória. Sei que alguns foram transpostos, outros foramresponsáveis por algumas limitações, entretanto, acredito que essasconsi<strong>de</strong>rações são temporárias, haja vista que, todos nós vemos, percebemose interpretamos o mesmo objeto por perspectivas diferentes.Julgo imprescindível esclarecer que abor<strong>da</strong>r a temática <strong>da</strong> reformapsiquiátrica não significa referir-se ao passado, mas ao presente e futuro, aoconsi<strong>de</strong>rar que esse movimento social e político está em curso no país <strong>de</strong>forma lenta e ain<strong>da</strong> incipiente. Contudo, capaz <strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar que assistir a<strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental na <strong>com</strong>uni<strong>da</strong><strong>de</strong>, próxima <strong>da</strong>queles que lhe sãoqueridos e inseri<strong>da</strong> em seu contexto social é mais eficaz e humano do queexcluir e segregar em nome <strong>de</strong> uma ciência que tem se mostrado falha eprodutora <strong>de</strong> cronici<strong>da</strong><strong>de</strong>. Assim, acredito que esse estudo contribui naaproximação <strong>da</strong> <strong>com</strong>plexi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> temática e <strong>da</strong>s ações que envolvem areali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> assistência em saú<strong>de</strong> mental.Quanto aos colaboradores do estudo, famílias e <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong>transtorno mental, ouvir suas histórias, os caminhos que tiveram e que ain<strong>da</strong>tem para percorrer, as limitações <strong>com</strong> as quais apren<strong>de</strong>ram a conviver, envolveacolher o sofrimento do outro. Durante as entrevistas me perguntava <strong>com</strong>oaquelas <strong>pessoa</strong>s tinham tanta força e fé na vi<strong>da</strong>, <strong>com</strong>o era possível queaqueles, pelo fato <strong>de</strong> não correspon<strong>de</strong>r ao padrão <strong>de</strong> normali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>socie<strong>da</strong><strong>de</strong> vivessem <strong>com</strong> um estigma que é muito maior do que aquele que euimaginava.Conhecer <strong>com</strong>o essas <strong>pessoa</strong>s, que são, <strong>com</strong> to<strong>da</strong> justiça, coautores<strong>de</strong>sse trabalho, vivenciaram a trajetória <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong>


124transtorno mental em face <strong>da</strong> reforma psiquiátrica, é sem dúvi<strong>da</strong> aproximar-me<strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> concreta. Porquanto, a história vem <strong>da</strong>queles que são a históriaviva, que experienciaram to<strong>da</strong> uma mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> paradigma na área <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>mental que vai do (<strong>de</strong>s)cuido, exclusão, <strong>de</strong>sespero à assistência que visa areinserção social, a autonomia, o respeito a diferença.Para tanto, era preciso encontrar uma metodologia que possibilitasse<strong>da</strong>r voz e vez àqueles que por tanto tempo foram mantidos afastados <strong>da</strong>socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Assim, surgiu a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver um estudo sustentado noreferencial metodológico <strong>da</strong> História Oral. Portanto, <strong>de</strong>spontava outro <strong>de</strong>safiopara mim, talvez o maior <strong>de</strong>les, estu<strong>da</strong>r e me aproximar ao máximo possível<strong>de</strong>sse referencial em um período curto <strong>de</strong> tempo que é o reservado para aconstrução <strong>da</strong> dissertação.A História Oral Temática se apresenta <strong>com</strong>o uma possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> viável<strong>de</strong> método <strong>de</strong> pesquisa para a Enfermagem, conduz o pesquisador para <strong>de</strong>ntro<strong>da</strong> história dos colaboradores. Desta forma, permite a ele escrever uma históriaque nasce <strong>da</strong>s narrativas <strong>da</strong>s <strong>pessoa</strong>s que <strong>de</strong> fato vivenciaram ou vivenciamuma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que merece atenção por parte dos profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, nesteestudo, a <strong>da</strong> vivência do <strong>tratamento</strong> em saú<strong>de</strong> mental pela família.Contudo, pontuo algumas limitações e vantagens em se trabalhar <strong>com</strong>esse método. Consi<strong>de</strong>ro <strong>com</strong>o limitações a não clareza na forma <strong>com</strong>oproce<strong>de</strong>r análise dos <strong>da</strong>dos, exigindo do pesquisador tempo precioso parabuscar a melhor maneira <strong>de</strong> fazê-lo; exigência <strong>de</strong> tempo consi<strong>de</strong>rável para acoleta <strong>da</strong>s narrativas, seu processamento (transcrição, textualização etranscriação) e sua análise, haja vista a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> e quali<strong>da</strong><strong>de</strong> do material queé coletado ao utilizar esse método. Como vantagens ressalto a riqueza <strong>de</strong>material que é possível coletar, o vínculo construído entre pesquisadorcolaborador,a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> realmente conhecer <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> sobvários pontos <strong>de</strong> vista, <strong>da</strong>r voz e vez as <strong>pessoa</strong>s que na maioria <strong>da</strong>s vezes nãotem oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se expressar. Isso se evi<strong>de</strong>nciava nas expressões doscolaboradores <strong>de</strong> satisfação e orgulho em po<strong>de</strong>r aju<strong>da</strong>r, em saber que suahistória seria ouvi<strong>da</strong> e a esperança que a partir disso, <strong>com</strong>o resultado <strong>de</strong>ssaco-autoria fosse possível incrementar as discussões acerca do novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>atenção em saú<strong>de</strong> mental.


125Este novo mo<strong>de</strong>lo, o psicossocial se ocupa em propor assistênciasustenta<strong>da</strong> nos serviços extra-hospitalares, <strong>de</strong> base <strong>com</strong>unitária, que busqueoferecer aos seus usuários o exercício <strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, autonomia, reinserçãosocial, que traz a família e a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> para a discussão <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças emface <strong>da</strong> reforma psiquiátrica. Isso foi relatado pela maioria dos colaboradores<strong>com</strong>o um avanço na forma <strong>de</strong> assistir a <strong>pessoa</strong> em sofrimento psíquico.Em contra parti<strong>da</strong>, as fragili<strong>da</strong><strong>de</strong>s e os <strong>de</strong>safios postos à consoli<strong>da</strong>ção<strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo foram relata<strong>da</strong>s <strong>com</strong>o a dispari<strong>da</strong><strong>de</strong> entre a redução do número<strong>de</strong> leitos em hospitais psiquiátricos e a oferta <strong>de</strong> serviços que sejamsubstitutivos ao mo<strong>de</strong>lo hospitalocêntrico. A falta <strong>de</strong> capacitação dosprofissionais, as mu<strong>da</strong>nças não somente <strong>da</strong>s estruturas físicas, mas <strong>da</strong>sformas <strong>de</strong> pensar o fazer e as limitações <strong>da</strong> articulação entre atenção básica esaú<strong>de</strong> mental. Portanto, o que se po<strong>de</strong> inferir acerca do mo<strong>de</strong>lo psicossocial naperspectiva <strong>da</strong> família <strong>com</strong> um integrante <strong>com</strong> transtorno mental é que asmu<strong>da</strong>nças ain<strong>da</strong> são incipientes, mas já causaram impacto positivo na forma<strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> <strong>de</strong>ssa clientela.Outra consi<strong>de</strong>ração importante a ser feita relaciona-se à mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong>paradigma em saú<strong>de</strong> mental, esta requer que os profissionais <strong>da</strong> área <strong>da</strong>saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> maneira geral reflitam so<strong>br</strong>e suas ações, haja vista que nessaespecifici<strong>da</strong><strong>de</strong> o trabalho se dá por meio <strong>de</strong> equipe interdisciplinar. Para queisso ocorra é importante haver capacitação dos profissionais para acolher eelaborar estratégias <strong>de</strong> intervenção que sejam capazes <strong>de</strong> <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>r areali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> família e <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental.Além <strong>da</strong> capacitação dos profissionais que atuam nos serviços <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>, é importante a conscientização e discussão so<strong>br</strong>e o mo<strong>de</strong>lopsicossocial nos cursos <strong>de</strong> graduação <strong>da</strong>s diferentes profissões <strong>da</strong> área <strong>da</strong>saú<strong>de</strong>. No que se refere à <strong>com</strong>preensão amplia<strong>da</strong> do sofrimento mental,partindo <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> concreta <strong>de</strong> que o portador <strong>de</strong> transtorno mental e suafamília estão em todos os serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, solicitando atendimento <strong>de</strong>quali<strong>da</strong><strong>de</strong>.Apesar dos <strong>de</strong>safios apresentados nesse trabalho, salientam-se asconquistas na melhora <strong>da</strong> assistência na área <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> mental quando<strong>com</strong>para<strong>da</strong> a anos <strong>de</strong> exclusão e preconceito. Acredito que a ampliação dosserviços <strong>com</strong>o CAPS, ambulatórios <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental e leitos psiquiátricos em


126hospital geral constituem necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> em caráter <strong>de</strong> urgência para aconcretização do mo<strong>de</strong>lo psicossocial. Além disso, estes dispositivos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>são substitutivos e não <strong>com</strong>plementares à instituição psiquiátrica.Outro aspecto que se po<strong>de</strong> concluir nesse estudo, diz respeito àconvivência <strong>familiar</strong> que foi possível constatar que é permea<strong>da</strong> por tensões econflitos, e essa condição é agrava<strong>da</strong> pela não aceitação do fato do <strong>familiar</strong> terum transtorno <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m mental e pelo preconceito. Este último percebido <strong>de</strong>forma forte no núcleo <strong>familiar</strong>. Apesar disso, as famílias buscam algumaestratégia para que possam conviver o melhor possível.Percebe-se uma divergência no discurso dos colaboradores, o quesentem os <strong>familiar</strong>es, por vezes esgotados <strong>com</strong> o cui<strong>da</strong>do do outro e <strong>com</strong>o a<strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental sofre <strong>com</strong> o distanciamento, o preconceito e ascríticas dos <strong>de</strong>mais <strong>familiar</strong>es. Registro aqui a importância <strong>de</strong>ssas famíliasserem orienta<strong>da</strong>s, contar <strong>com</strong> suporte profissional, serem cui<strong>da</strong><strong>da</strong>s, parapo<strong>de</strong>rem <strong>de</strong> fato oferecer cui<strong>da</strong>do e fortalecer os vínculos <strong>familiar</strong>es em umarelação <strong>de</strong> respeito e tolerância. Do mesmo modo, ressalto a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>dos serviços substitutivos nessa tarefa, uma vez que são responsáveis pormediar os conflitos e se constituir espaço aberto para a participação <strong>da</strong> família.Ao chegar ao “fim” <strong>de</strong>sta pesquisa, percebo a <strong>com</strong>plexi<strong>da</strong><strong>de</strong> do objetoque me propus investigar. Tenho a certeza <strong>de</strong> que do exposto se po<strong>de</strong> concluire mesmo preconizar que novos estudos avancem nesta direção, somandoesforços na busca <strong>da</strong> melhoria <strong>da</strong> assistência em saú<strong>de</strong> mental e <strong>da</strong>consoli<strong>da</strong>ção do mo<strong>de</strong>lo psicossocial.


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APÊNDICES137


138APÊNDICE AConsentimento Livre e Esclarecido para Participação na Pesquisa(Resolução 196/96 do Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>)Você está sendo convi<strong>da</strong>do a participar por meio do presente termo <strong>de</strong>consentimento livre e informado <strong>da</strong> pesquisa intitula<strong>da</strong>: “A vivência <strong>familiar</strong> <strong>de</strong><strong>tratamento</strong> <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtorno mental em face <strong>da</strong> reformapsiquiátrica”. O referido estudo tem <strong>com</strong>o objetivo: conhecer <strong>com</strong>o a família eo portador <strong>de</strong> transtorno mental vivenciam a assistência em face <strong>da</strong> reformapsiquiátrica. Esta pesquisa está sendo <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> por Letícia <strong>de</strong> OliveiraBorba, aluna do Curso <strong>de</strong> Mestrado em Enfermagem <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>raldo Paraná – UFPR.A sua participação nesta pesquisa é livre, não cabendo qualquerbenefício ou remuneração. Não há riscos, prejuízos, <strong>de</strong>sconforto ou lesões quepossam ser provocados pela pesquisa, não havendo necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>in<strong>de</strong>nização ou ressarcimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas. Não há benefícios <strong>pessoa</strong>is<strong>de</strong>correntes <strong>da</strong> sua participação na pesquisa. O estudo não envolve riscos, porse tratar <strong>de</strong> uma pesquisa em que a coleta <strong>de</strong> informações acontece por meio<strong>de</strong> entrevista, e você po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>clinar sua participação na pesquisa a qualquermomento caso sinta-se afetado.Os <strong>da</strong>dos serão coletados por meio <strong>de</strong> observação e entrevistautilizando o recurso do gravador, sendo garantidos o sigilo e anonimato dossujeitos em estudo, o livre acesso aos <strong>da</strong>dos, bem <strong>com</strong>o, a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> nãoparticipação em qualquer <strong>da</strong>s fases do processo.Está garantido o cumprimento <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as <strong>de</strong>terminações ético-legaisantes, durante e após o término <strong>de</strong>sta pesquisa.A pesquisadora Letícia <strong>de</strong> Oliveira Borba, Enfermeira, RG 7085199359SJS/RS, coloca-se a sua disposição para os esclarecimentos a respeito <strong>de</strong>qualquer etapa <strong>de</strong>sta pesquisa e po<strong>de</strong>rá ser encontra<strong>da</strong> na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba,<strong>de</strong> segun<strong>da</strong> a sexta-feira, <strong>da</strong>s 8hs às 17horas, pelo telefone (41) 8874-6983.Letícia <strong>de</strong> Oliveira Borba – Aluna do PPGENF/UFPR.CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITOEu, _______________________________________, li o texto acima e<strong>com</strong>preendi a natureza e o objetivo do estudo do qual fui convi<strong>da</strong>do aparticipar. Abaixo assinado, concordo em participar do estudo “A vivência <strong>da</strong>família e do portador <strong>de</strong> transtorno mental em face <strong>da</strong> reforma psiquiátrica”<strong>com</strong>o sujeito. Fui <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>mente informado e esclarecido pela pesquisadoraso<strong>br</strong>e os objetivos <strong>da</strong> pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim <strong>com</strong>onão haver riscos e benefícios <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> minha participação. Foi-megarantido o direito <strong>de</strong> retirar meu consentimento a qualquer momento, semsofrer qualquer penali<strong>da</strong><strong>de</strong>.___________________________Curitiba, ___/___/___.Assinatura


139APÊNDICE BTextos finais elaborados a partir <strong>da</strong> entrevistas <strong>com</strong> os colaboradoresFAMÍLIA 1Entrevista <strong>com</strong> F1MãeTom vital: Ela passou por vários internamentos, não aceitava o <strong>tratamento</strong>,saia <strong>de</strong> uma crise entrava em outra. Além do mais, ficou quase seis anos semreavalição, <strong>com</strong> a mesma medicação. Foi muito difícil, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o <strong>com</strong>eço doproblema <strong>de</strong>la, não tivemos mais sossego <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira crise. Nós<strong>de</strong>moramos a enten<strong>de</strong>r a doença, a exposição social <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> <strong>com</strong> transtornomental. A reforma psiquiátrica eu acredito que se funcionasse realmente seriamuito bom para todos, mas no momento funciona apenas no papel. Para mimnão mudou na<strong>da</strong>, é uma dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> para internar quando precisa, os serviçosextra-hospitalares são insuficientes, o diálogo <strong>com</strong> atenção básica e o serviço<strong>de</strong> urgência e emergência é conflituoso, falta capacitação aos profissionais <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>. Nos momentos <strong>de</strong> crise nos sentimos perdidos, sem ter a quemrecorrer.Contando a trajetória <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> <strong>de</strong> sua filhaFoi uma coisa bem estranha, porque ela vinha <strong>da</strong>ndo sinal, <strong>de</strong> longe já.Ela estudou até a sexta série, não quis mais estu<strong>da</strong>r, também não queriatrabalhar fora, queria só ficar em casa. Depois disso, ela foi contrata por umafirma para fazer cafezinho e limpeza. No Natal <strong>de</strong> 1985 foi quando <strong>com</strong>eçou oproblema <strong>de</strong>la, ela queria <strong>com</strong>prar uma colcha para mim, mas ain<strong>da</strong> não tinharecebido o pagamento, ia receber só dia 26, que caia na segun<strong>da</strong>-feira.


140Eu disse que ela não se preocupasse, <strong>de</strong>pois quando ela recebesse,<strong>com</strong>prava. Nesse dia ela foi trabalhar, pegou o pagamento e foi à uma loja no[nome <strong>de</strong> um bairro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba] que vendia roupas <strong>de</strong> cama,<strong>com</strong>prar a colcha. Nesse mesmo dia o motorista do coletivo teve que parar oônibus no acostamento e ajudá-la, porque não conseguiu atravessar a BRsozinha.Daquele dia em diante, menina do céu, nunca mais eu tive sossego.Mas ela ficou <strong>de</strong> um jeito, não <strong>de</strong>ixava você a<strong>br</strong>ir a janela, tinha medo, diziaque estavam atrás <strong>de</strong>la, queriam pegar todo mundo, queimar a casa, em umacrise <strong>br</strong>ava mesmo. Mas nós não conhecíamos, não imaginávamos que fosseuma coisa assim.Nessa primeira crise nós a levamos em uma clínica particular no [nome<strong>de</strong> um bairro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba] e o médico disse que precisávamosinterná-la porque ela estava <strong>de</strong>sequili<strong>br</strong>a<strong>da</strong> mentalmente. Mas nós nãoquisemos interná-la, porque em 1985 para internar alguém <strong>com</strong> problemamental se pensava bastante, pois tínhamos medo <strong>da</strong>s terapêuticas utiliza<strong>da</strong>s,<strong>com</strong>o o eletrochoque. Além disso, meu esposo trabalhou muitos anos em umhospital no sul do Brasil e não aceitava interná-la por causa do transtornomental.Levamo-na para casa <strong>com</strong> a receita <strong>de</strong> todos os remédios e<strong>com</strong>eçamos a administrar a medicação em casa. Meu Deus! Ela ficou tão ruim!Mesmo tomando to<strong>da</strong> aquela medicação, quando menos esperávamos elasumia, ninguém via. Eu já estava trabalhando nessa época, chegava do serviçocadê a Eduar<strong>da</strong>, ela ficava dias fora <strong>de</strong> casa.O primeiro internamento foi aos 19 anos, no [nome do hospitalpsiquiátrico], <strong>de</strong>pois ela ficou tempo em casa, foi interna<strong>da</strong> no [nome <strong>de</strong> outrohospital psiquiátrico], ficou uns quatro meses. Lá, nesse hospital ela ficouinterna<strong>da</strong> quatro vezes.Era assim, ficava interna<strong>da</strong> ficava boa, voltava para casa passava unsdias bem e saia para a rua. Porque ela não tomava o medicamento, setomasse não entrava em crise <strong>de</strong> novo, tanto que uma, duas vezes, que ela foiinterna<strong>da</strong> eu encontrei no armário a medicação, ela tirava <strong>da</strong> boca, fazia quetomava e guar<strong>da</strong>va o remédio.


141Em 2000, no quarto internamento <strong>de</strong>la no [nome <strong>de</strong> hospitalpsiquiátrico] um so<strong>br</strong>inho <strong>de</strong>la muito querido, <strong>de</strong> 14 anos, filho <strong>da</strong> minha filhamais velha se aci<strong>de</strong>ntou e faleceu. Isso foi um episódio importante na vi<strong>da</strong> <strong>de</strong>la,ela tinha saído <strong>de</strong> casa na sexta-feira e o menino faleceu no sábado, nós aencontramos dois dias <strong>de</strong>pois.Era terça-feira quando ela <strong>de</strong>u notícia, ela estava em uma favela, elasaia para a rua, a<strong>com</strong>panhava os catadores <strong>de</strong> papel e ia para as favelas. MeuDeus do céu! Uma conheci<strong>da</strong> que a levou para uma Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> e <strong>de</strong>unotícia para nós irmos buscá-la, pois ela não estava bem.A Eduar<strong>da</strong> nunca avisava, mas não esquecia o telefone <strong>da</strong> minha casanem o en<strong>de</strong>reço, ela <strong>de</strong>u o telefone <strong>de</strong> casa para essa conheci<strong>da</strong>. Meu maridopegou o carro e foi buscá-la <strong>com</strong> minha outra filha. Eu nunca fui junto buscá-la,eu não tive coragem <strong>de</strong> ir, graças a Deus que eu nunca encontrei ela na rua, euacho que eu não iria aguentar.Não teve jeito, ela já estava em crise, quando soube <strong>da</strong> morte domenino aí piorou, tivemos que interná-la, ela ficou quatro meses no [nome <strong>de</strong>hospital psiquiátrico], quando ela teve alta, o médico nos disse para não alevarmos no cemitério. E teve jeito? Ela chegou em casa, nós não quisemoslevar, pois ela foi sozinha, tivemos que ir atrás <strong>de</strong>la <strong>de</strong> novo e internar, ficoumais cinco meses interna<strong>da</strong>.No [nome <strong>de</strong> hospital psiquiátrico] eles acharam que ela não iria maisvoltar ao normal. Ela ficou em uma espécie <strong>de</strong> enfermaria lá no hospital, massó tinha ela, eu fui visitá-la. Meu Deus! Até <strong>com</strong>i<strong>da</strong> <strong>da</strong>vam na boca <strong>de</strong>la, porqueela per<strong>de</strong>u totalmente o movimento do corpo, por causa <strong>da</strong> crise, elaendureceu as mãos, tinham que <strong>da</strong>r banho nela, ela ficou muito mal. Passadoum mês aos poucos ela foi voltando ao normal e ficou em casa tomandoremédio permanente. Depois ela ficou interna<strong>da</strong> no [nome <strong>de</strong> hospitalpsiquiátrico] e no [nome <strong>de</strong> outro hospital psiquiátrico].Acho que é importante contar também, que teve um tempo que elapegava remédio <strong>com</strong> receita permanente do médico do [nome <strong>de</strong> um hospitalpsiquiátrico], ela ficou muito tempo tomando a mesma medicação e semavaliação, só ia lá pegar o remédio. Eu acho que chegou um tempo o remédionem fazia mais efeito, seis anos assim.


142A Eduar<strong>da</strong> morava <strong>com</strong>igo e meu esposo na nossa casa em [nome domunicípio <strong>da</strong> região metropolitana <strong>de</strong> Curitiba], mas ela invocou que não queriamais ficar lá. Ela não se acerta <strong>com</strong> ninguém, ela tem um gênio ruim, porexemplo, se ela colocar um copo aqui, ela não quer que tire o copo <strong>da</strong>li, éassim que funciona.Ela me disse que queria morar na casa <strong>da</strong> chácara, que fica na BR. Eufalei, mas <strong>com</strong>o que você vai morar sozinha? Ela disse: ah! Mas o pai vai tododia lá na banca <strong>de</strong>le. Meu esposo tem uma banca do outro lado <strong>da</strong> BR e temmeu outro filho também que morava na parte <strong>da</strong> frente <strong>da</strong> casa. Eu fuiconversar <strong>com</strong> a médica <strong>de</strong>la lá do [nome <strong>de</strong> hospital psiquiátrico] so<strong>br</strong>e oassunto e ela falou assim: não, a senhora experimente, ela não vai ficar, nãovai ficar longe.No entanto, vai fazer quatro anos que ela mora lá, na parte <strong>de</strong> trás <strong>da</strong>casa, tem o quarto, o banheiro e a cozinha <strong>de</strong>la. Só que nós precisamos estarto<strong>da</strong> hora lá, aten<strong>de</strong>ndo ela para não faltar às coisas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o gás, tudo. Sei lá<strong>com</strong>o que po<strong>de</strong> uma coisa assim, às vezes eu fico pensando, será que a<strong>pessoa</strong> não po<strong>de</strong> se dominar? Mas não, acho que não po<strong>de</strong>. Para fazer ascoisas que ela faz. Meu Deus do céu! Não <strong>de</strong>ve po<strong>de</strong>r mesmo. É só ver o<strong>com</strong>portamento <strong>de</strong>la nesse último internamento.Em <strong>de</strong>zem<strong>br</strong>o a Eduar<strong>da</strong> teve outra crise. Meu Deus! Ela estava hádois dias sem se alimentar, só caminhava em volta <strong>da</strong> casa, caminhava efalava, caminhava, falava e <strong>da</strong>nçava no meio <strong>da</strong> grama. Na quarta-feira euestava <strong>de</strong> folga, nós tentamos levá-la, mas não conseguimos, eu <strong>com</strong> os meusdois filhos não conseguimos levá-la, passou quarta, na quinta-feira <strong>de</strong> manhãeu cheguei para trabalhar <strong>de</strong>z e pouquinho, onze horas tocou o telefone, era aminha nora, a senhora venha para levar a Eduar<strong>da</strong> porque ela está muito mal.Minha patroa disse: <strong>de</strong>ixa tudo do jeito que está, pega o ônibus e vaiembora, mas você já pensou ir <strong>da</strong>qui do [nome <strong>de</strong> um bairro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>Curitiba] para lá do [nome <strong>de</strong> outro bairro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba], para lá <strong>da</strong>BR? Meu Deus do céu! Peguei o ônibus 11:20 cheguei lá na casa <strong>de</strong>la 12:40,ela caminhava em volta <strong>da</strong> casa, vestia uma calça cor <strong>da</strong> pele e a parte <strong>de</strong>cima do baby dol <strong>de</strong> ren<strong>da</strong> preta.Perto <strong>da</strong> casa <strong>de</strong>la tem uma firma terceiriza<strong>da</strong> que trabalha um monte<strong>de</strong> homens, todos na hora do almoço aplaudindo, mas ela estava <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as <strong>de</strong>z


143horas <strong>da</strong> manhã em volta <strong>da</strong> casa, a casa <strong>de</strong>la estava vira<strong>da</strong>, uma bagunça, esempre ela tem tudo bem arrumado e naquele dia a roupa estava to<strong>da</strong> joga<strong>da</strong>em cima <strong>da</strong> cama, misturado roupa suja <strong>com</strong> roupa limpa, mas aquilo estavahorrível, nos pratos <strong>de</strong>ntro do armário tinha capim, capim assim grama, que elaarrancava a grama, picava <strong>com</strong> faca e colocava nos pratos <strong>com</strong>o se estivesse<strong>br</strong>incando <strong>de</strong> casinha e a <strong>com</strong>i<strong>da</strong> posta no fogão para cozinhar. Não teve jeito,eu chamei meu neto, os meus dois filhos <strong>de</strong> novo, nós a pegamos do jeito queela estava, colocamos <strong>de</strong>ntro do carro e levamos, para o 24 horas do [nome <strong>de</strong>uma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> 24 horas <strong>da</strong> re<strong>de</strong> pública <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba].Olha, não adianta levar a Eduar<strong>da</strong> na Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, elesnão aten<strong>de</strong>m, dizem que no posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> não tem psiquiatra, é assim quefunciona, nem no 24 horas tem, eu pensava que tinha, também não tem, elestem o médico lá que mais ou menos enten<strong>de</strong> disso e as enfermeiras, elesaten<strong>de</strong>m e passam para frente. Tantos postos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que nós batemos eto<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> fomos mal atendidos.No dia que ela teve a última crise, nós fomos à Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong>[nome <strong>de</strong> uma UBS <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba], veja o absurdo, eles disseram quenão tinha atendimento, não tinha ninguém para ir à casa e que inclusivenaquele dia na parte <strong>da</strong> tar<strong>de</strong> o posto não iria funcionar porque iria ter umareunião. Eu an<strong>da</strong>va <strong>com</strong> o meu marido <strong>de</strong> carro bem maluca <strong>de</strong> um lugar nooutro, para ver se alguém ia buscá-la na casa, que na<strong>da</strong>, não foram buscar <strong>de</strong>jeito nenhum. Nós tivemos que levá-la à força.Olha o quanto se fala, porque agora é bem falado so<strong>br</strong>e o transtornomental, mas só que é só falado, é a mesma coisa que o SAMU, não funciona.Eles ficam fazendo um monte <strong>de</strong> perguntas para as <strong>pessoa</strong>s por telefone. É<strong>de</strong>sse jeito que funciona, não adianta dizer que esse serviço funciona, elesfazem o atendimento na rua, se uma mulher ganhar bebê ou se umem<strong>br</strong>iagado está na rua, eles vão, mas na casa eles não vão, não vão buscarninguém <strong>de</strong> jeito nenhum. Quantos casos que eu já vi, quantas <strong>pessoa</strong>s que sequeixaram <strong>da</strong> mesma coisa. Esse negócio <strong>de</strong> dizerem que liga para o SAMU,que eles vem e levam, mas isso é tudo conversa, porque nós ligamos para oserviço, fomos na uni<strong>da</strong><strong>de</strong> 24 horas conversar <strong>com</strong> os profissionais, eles nãoforam buscar a Eduar<strong>da</strong> <strong>de</strong> jeito nenhum. A não ser que a <strong>pessoa</strong> estejaagredindo alguém ou esteja tentando se suici<strong>da</strong>r.


144Outra coisa, eles não tocam a mão na <strong>pessoa</strong> enquanto ela não está lá<strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong>, você <strong>de</strong>ixa a <strong>pessoa</strong> <strong>de</strong>ntro do posto aí que eles vão <strong>da</strong>ratendimento, segundo eles porque estava ocorrendo muita confusão, eles iambuscar o paciente, o doente se batia, se machucava, a família caia em cimados profissionais.Então pegamos e a levamos, eles aplicaram uma medicação, <strong>de</strong>ramum banho, porque a menina estava to<strong>da</strong> suja, era um dia <strong>de</strong> chuva, ela pegavabarro e passava no corpo, colocava grama na boca. Ficou lá na Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> 24horas umas cinco horas interna<strong>da</strong>. Eu contei para o médico on<strong>de</strong> que elamorava, o que ela estava fazendo, ele ligou para a central <strong>de</strong> vagas e falou queela estava tentando se matar, você veja só <strong>com</strong>o que funcionam as coisas,abaixo <strong>de</strong> mentira, mas se ele não tivesse dito, nós não teríamos conseguidointerná-la.Ele falou: a moça mora na beira <strong>da</strong> BR e estava tentando se jogarembaixo <strong>de</strong> um caminhão, se o caminhão não freasse tinha atropelado ela. Eufiquei pensando, meu Deus do céu, nós não quisemos mentir, porque achamosque no hospital eles iam perguntar, <strong>com</strong>o que nós íamos mentir que ela estavatentando se matar se ela não estava? Mas o médico do 24 horas mentiu, amoça está aqui e tem que <strong>da</strong>r um jeito, tem que arrumar uma vaga, as cincohoras saiu a vaga.Ela foi para o [nome <strong>de</strong> um hospital psiquiátrico] e lá ficou <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong><strong>de</strong>zem<strong>br</strong>o <strong>de</strong> 2008 até 13 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2009, saiu <strong>com</strong> os papéis para fazer oHospital Dia, isso sempre que ela era interna<strong>da</strong> a equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> no plano <strong>de</strong>alta indicava seguir o <strong>tratamento</strong> no Hospital Dia, mas ela nunca quis fazer, nãoadianta, nós até experimentamos, ela <strong>com</strong>eçou a ir, mas <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>imos que elasaia <strong>de</strong> casa e ficava an<strong>da</strong>ndo na rua em vez <strong>de</strong> ir no Hospital Dia, ain<strong>da</strong>tínhamos o trabalho <strong>de</strong> ir procurá-la na rua.Nesse último internamento foi a mesma coisa, conseguiram a vaga, elanão quis, eu cheguei a ir <strong>com</strong> ela lá, meu marido nos levou, conversamos e eladisse: eu não vou fazer Hospital Dia, não vou fazer, a única coisa que eu possofazer é ambulatório, se for umas duas vezes por mês eu vou consultar. Amédica me falou: eu não posso fazer na<strong>da</strong>, a senhora vai assinar o papel aquique ela não quer fazer, eu assinei. Aí ficou marcado para agen<strong>da</strong>rem oambulatório duas vezes por mês, só que até agora a vaga ain<strong>da</strong> não saiu, você


145veja, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> março, estamos em julho e ain<strong>da</strong> não conseguiram uma vaga paraela.E não adianta ela não quer ir, ela não vai a nenhuma associação na<strong>da</strong>,eu vim umas duas vezes na [nome <strong>de</strong> uma Associação <strong>de</strong> <strong>familiar</strong>es e <strong>pessoa</strong>s<strong>com</strong> transtorno mental], queria que ela viesse, ela não quis vir. Ela não vai <strong>de</strong>jeito nenhum, ela diz: vou fazer o que? O que eu vou fazer no centro mãe?Fazer o que? Procurar problema? Eu não! Estou muito bem aqui no meucantinho. Agora eu acredito que conseguindo essa vaga para fazer ambulatórioela vá.Nesse último internamento já fazia três anos que ela morava sozinha<strong>com</strong>o eu te expliquei. Pensei que no hospital eles fossem dizer que elaprecisava morar <strong>com</strong> mais <strong>pessoa</strong>s, porque nós contamos tudo <strong>com</strong>o que era,as coisas que ela estava fazendo, porque eles perguntam tudo na hora quevocê vai internar. Meu filho foi lá conversar <strong>com</strong> a equipe, eles disseram queela po<strong>de</strong>ria ficar morando na casa <strong>da</strong> BR, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>com</strong> meu filho morandona parte <strong>da</strong> frente <strong>da</strong> casa. Meu esposo vai todo dia <strong>de</strong> manhã e fica até a noitena banca <strong>de</strong>le [a banca fica localiza<strong>da</strong> em frente à residência <strong>de</strong> Eduar<strong>da</strong>].Atualmente quem mora na parte <strong>da</strong> frente <strong>da</strong> casa é minha outra filha, elatrocou <strong>de</strong> casa <strong>com</strong> esse meu filho.Então estamos fazendo assim, meu esposo traz o remédio <strong>de</strong> manhãpara ela tomar a noite e no outro dia cedo. Todo dia assim, porque nãopo<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar to<strong>da</strong> a medicação <strong>com</strong> ela e assim está funcionando, está<strong>da</strong>ndo certo. Teve uma vez que meu marido estava na banca <strong>com</strong> os freguesese estava perto <strong>da</strong>s cinco horas <strong>da</strong> tar<strong>de</strong> [horário <strong>da</strong> medicação], ele não foilevar o remédio, ela bateu lá na banca. Pai, o meu remédio. Estamos vendoque ela está melhor, ela nunca agiu assim, é a primeira vez que por conta elaestá indo atrás.Como a Eduar<strong>da</strong> saiu do hospital <strong>com</strong> a prescrição, a Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do [nome <strong>de</strong> uma Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba]está fornecendo a medicação para ela. Sexta-feira passa<strong>da</strong> meu esposo foibuscar o remédio porque quando fica só uma dose para amanhã já precisamosir pegar a medicação. Eles perguntaram so<strong>br</strong>e ela e ele disse que ela estavabem, <strong>de</strong>ram a medicação e a receita para <strong>com</strong>prar o outro, porque elesfornecem o carbolítio, mas o clonazepam precisamos <strong>com</strong>prar.


146Esses dias, era 13:30 chegou o carro <strong>da</strong> Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> nacasa <strong>da</strong> Eduar<strong>da</strong>, foi a médica, a enfermeira e a assistente social, foram emtrês, eu fiquei muito contente, porque nesse tempo todo <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> nuncanenhuma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> se manifestou <strong>de</strong> ir na casa, nós nuncaconseguimos um lugar assim certo que aten<strong>de</strong>sse ela. Ela recebeu a médica, aenfermeira, a assistente social, elas não queriam entrar.Do outro lado <strong>da</strong> BR tem uma firma e eles ficaram olhando o jeito queela ia receber o <strong>pessoa</strong>l, porque todo mundo ali conhece a Eduar<strong>da</strong>, elesacharam que ela não ia man<strong>da</strong>r entrar. Eles contaram que a moça puxou umpapel e <strong>com</strong>eçou a conversar <strong>com</strong> ela e que ela fez sinal para entrarem e levoueles para <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> casa, conversaram bastante <strong>com</strong> ela. Depois Eduar<strong>da</strong> medisse que esses profissionais disseram para ela: você não vai até nós, nósviemos até você [risos], foi na uni<strong>da</strong><strong>de</strong> 24 horas do [nome <strong>de</strong> uma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> 24 horas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba] que indicaram essa uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>para nós.Nossa! É a primeira vez que uma UBS está <strong>da</strong>ndo suporte. Esta foi aprimeira vez que os profissionais <strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> se preocuparam em irfazer uma visita, porque os outros, ninguém foi. Agora está ótimo, porquequalquer coisa eles estão ali a par para ver. Nessa Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>do [nome <strong>de</strong> uma Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba] estãoaten<strong>de</strong>ndo ela, não tem psiquiatra, mas estão fornecendo a receita até sair aconsulta <strong>com</strong> o psiquiatra que vai ser lá no ambulatório, mas <strong>com</strong>o não saiuessa vaga ain<strong>da</strong>, durante esse período <strong>de</strong> março a julho a Eduar<strong>da</strong> está indosó na uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Desse modo, ela está sem a<strong>com</strong>panhamento <strong>com</strong> psiquiatra,psicólogo. Antes, era assim, nós a levávamos ao psiquiatra quando víamos queela estava muito mal, dávamos um jeito <strong>de</strong> a levar para consultar <strong>com</strong> o médicodo hospital já. Então agora ela vai mais é na Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong>poisque ela saiu do internamento ela já foi, a médica queria vê-la porque ela estavamuito gripa<strong>da</strong>, ela foi, consultou, pegou a medicação para tomar. Então euacredito que agora nessa Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> ela vá continuar a ir.Em relação às mu<strong>da</strong>nças no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> mental porconta <strong>da</strong> reforma psiquiatra, eu não sei se mudou alguma coisa, eu acho que aúnica coisa que mudou, que mudou mesmo, foi agora, nesse último


147internamento <strong>de</strong>la, mas isso não tem na<strong>da</strong> a ver <strong>com</strong> a reforma, eu acho queisso é do lugar, eu penso assim, que é o lugar. Para mim, <strong>de</strong> todos osinternamentos, eu achei que esse foi o melhor que ela já teve, porque elaaceitou o <strong>tratamento</strong> <strong>de</strong>ntro do hospital e está tomando o medicamentocorretamente agora.Para mim antes e <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> reforma é tudo a mesma coisa, tudo domesmo jeito. Quer dizer para mim, que nem eu disse para você, nãoinfluenciou muita coisa porque a Eduar<strong>da</strong> não tem isso <strong>de</strong> agredir, pois isso simprecisa <strong>de</strong> um a<strong>com</strong>panhamento direto, quando tem esse problema <strong>de</strong>agressão, fica mais <strong>com</strong>plicado, mas eu vejo os outros se queixarem, <strong>com</strong>o éque funciona. Mas para nós, foi só agora <strong>de</strong>ssa vez que tivemos umatendimento diferente.Porque se fosse do jeito que falam que <strong>de</strong>veria ser, seria muito bompara todos nós, mas é <strong>com</strong>o se fala, no papel tudo é muito bom, mas na hora<strong>de</strong> funcionar, não funciona, <strong>com</strong>o muita coisa, funciona mais no papel do quena reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Uma coisa que mudou foi o período <strong>de</strong> internamento que agora émenos tempo, antes quando ela ficava no [nome <strong>de</strong> um hospital psiquiátrico]ela ficava bastante tempo, quatro, cinco meses, menos <strong>de</strong> quatro meses elanunca ficou, agora é menos, conforme o quadro <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> fica só quarenta ecinco dias, às vezes só quinze dias.Eu preferia quando ficava mais tempo, sempre que ela saia <strong>de</strong> uminternamento ela <strong>de</strong>morava bastante tempo para se internar novamente, aúnica vez foi aquela que o menino faleceu, assim que ela saiu, no prazo <strong>de</strong>uma semana ela voltou. Essas mu<strong>da</strong>nças que aconteceram eu acho ruim, isso<strong>de</strong> não ter uma segurança <strong>de</strong> que a <strong>pessoa</strong> será interna<strong>da</strong>, isso <strong>da</strong> alta pedi<strong>da</strong>,a <strong>pessoa</strong> pedir alta sem o paciente ter condições <strong>de</strong> ir para casa, <strong>de</strong>pois searrepen<strong>de</strong>, aí tem que esperar vaga novamente, às vezes vai para outrohospital, <strong>com</strong> outra equipe, então eu acho ruim.Outra coisa, acabaram <strong>com</strong> esses leitos no hospital psiquiátrico, agoraé muito difícil você conseguir internar, é só em último caso mesmo, porque nós<strong>com</strong> a Eduar<strong>da</strong>, nessa última crise, nossa, fazia tempo que ela estava <strong>da</strong>ndosinal, nós íamos na Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> conversávamos <strong>com</strong> os profissionais,explicávamos, e eles diziam: mas ela está agressiva fisicamente? Está fazendoalguma coisa <strong>de</strong> mal para ela? Tentando se suici<strong>da</strong>r? Nós respondíamos que


148não, que ela estava falando sem parar, só falava bobagem, estava dizendocoisa que não tinha na<strong>da</strong> a ver, essas coisas acerca do <strong>com</strong>portamento <strong>de</strong>la. Eeles: ah, <strong>de</strong>ixa ela. Falavam assim para nós, até que ela entrou em crisemesmo, e assim mesmo se não fossemos nós pegá-la à força e levar, eles nãoiam fazer na<strong>da</strong>, ninguém ia fazer na<strong>da</strong>, ninguém ia buscá-la.Eu acho que <strong>de</strong>via ter um serviço que a <strong>pessoa</strong> ligasse, um <strong>familiar</strong>liga, a <strong>pessoa</strong> aqui está precisando, está se maltratando, porque eles sofremtambém, você já imaginou? Nós sofremos, mas e eles? Como sofrem. MeuDeus do céu! Um atendimento assim na hora, que tivesse alguém que fosse àcasa, sei lá, que pelo menos fizesse uma injeção, mas isso não tem, se vocêquiser, você leva a <strong>pessoa</strong> à força no serviço, aí eles aten<strong>de</strong>m. Isso não é na<strong>da</strong>bom.Ela tinha crise nós a internávamos, é muito <strong>com</strong>plicado. Nossa! Eu àsvezes chegava num ponto assim que eu achava que mal e mal valia à pena,porque é muito <strong>com</strong>plicado e a família, não adianta você achar que a família vaicolaborar, porque eles empurram tudo para mãe e o pai. Uma <strong>da</strong>s irmãs <strong>de</strong>lanão enten<strong>de</strong> a doença, acha que é fingimento, é contra, não aceita, acha que a<strong>pessoa</strong> faz porque quer. Tenho sete filhos, o mais velho aju<strong>da</strong> a cui<strong>da</strong>r <strong>de</strong>la, omais novo aju<strong>da</strong> também, ela é a quinta filha, tem mais dois <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>la, aúnica que não dá a mínima importância é a minha menina mais velha, essa queestá morando <strong>com</strong> ela lá agora, ela não acredita na doença, acha que aquilo alié uma coisa que a Eduar<strong>da</strong> faz porque quer.Nossa convivência agora está melhor. Nossa! Melhorou bastante, àsvezes eu fico conversando <strong>com</strong> meu esposo e falo: meu Deus! Nós não temosdo que reclamar, porque era assim, ela saia <strong>de</strong> casa, nós ficávamos sóesperando o pior. Eu estava tão <strong>de</strong>sanima<strong>da</strong>, qualquer bati<strong>da</strong> no portão,qualquer toque <strong>de</strong> telefone eu já imaginava é notícia <strong>da</strong> Eduar<strong>da</strong>. Depoisquando ela parou <strong>de</strong> sair <strong>de</strong> casa acalmou bastante.Nossa! Mas ela é muito queri<strong>da</strong> pela família to<strong>da</strong>. Ela <strong>br</strong>iga bastante<strong>com</strong> o pai, mas eu acho que fiz errado, porque quando somos novos nãopensamos muito. Eu tive um casamento meio que por aci<strong>de</strong>nte [risos], eu emeu esposo não nos entendíamos muito, mas os meus filhos sabiam <strong>de</strong> tudo oque se passava, eu criei meus filhos conversando <strong>com</strong> eles assim <strong>com</strong>o estouconversando <strong>com</strong> você aqui. Os outros escutaram e não guar<strong>da</strong>ram, ela <strong>com</strong>o


149<strong>de</strong>u esse problema, guardou tudo que eu contei para ela, quase posso dizerque ela per<strong>de</strong>u o respeito pelo pai, quando ela fica <strong>br</strong>ava ela diz as coisas paraele tudo <strong>com</strong>o eu contei para ela.De todos os tempos eu acho que ela está melhor agora, e ela é tãoorganiza<strong>da</strong>, você chega na casa <strong>de</strong>la, tudo arrumadinho, limpinho, ela cui<strong>da</strong> <strong>da</strong>roupa <strong>de</strong>la, cui<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>com</strong>i<strong>da</strong>, faz a <strong>com</strong>i<strong>da</strong> sozinha, faz pão, só que quando dáaquele negócio nela, aí Deus o livre, ela xinga, diz coisas assim que..., masnão é agressiva fisicamente. Teve um tempo que ela escutava vozes, igualaquele cara <strong>da</strong> novela, mas <strong>de</strong> agredir, ela nunca foi <strong>de</strong> agredir ninguém.Nossa! É tanta coisa para contar que eu vou lem<strong>br</strong>ando mais coisas.Em relação aos internamentos <strong>de</strong>la em hospital psiquiátrico nóssempre estávamos presentes na reunião <strong>de</strong> família. Sempre que chegávamoslá ela estava bem cui<strong>da</strong><strong>da</strong>. Nessas reuniões no hospital eles falavam bastantecoisas <strong>com</strong> todo mundo junto, e <strong>de</strong>pois ca<strong>da</strong> um que queria falar em particulartinha que solicitar. A reunião era nas quintas-feiras, e quando nós queríamosconversar <strong>com</strong> o médico tínhamos que ir na segun<strong>da</strong>-feira pela parte <strong>da</strong>manhã. Também tinham finais <strong>de</strong> semana que ela vinha <strong>de</strong> visita para casa,nós íamos buscá-la e levá-la <strong>de</strong> volta ao hospital. A partir <strong>de</strong> uns 15 dias queela estava interna<strong>da</strong> eles já liberavam para ir fazer a visita em casa, saia nasexta-feira e voltava no domingo.No hospital até disseram para ela que podia sair <strong>de</strong> casa, passear, virao centro, ela gostava muito <strong>de</strong> ir ao Passeio Público, mas ela nunca quis sair.Graças a Deus que ela nunca levou eletrochoque, eu nunca vi ela conti<strong>da</strong>, masela já foi conti<strong>da</strong>, <strong>com</strong>o eles falam, é nas faixas, ela mesmo contava para nós.Nós chegávamos ao hospital eles falavam: ah! A Eduar<strong>da</strong> não vai po<strong>de</strong>rreceber visita porque está na faixa, ela mesma contava que perdia o controle eeles a enfaixavam.Em relação as minhas expectativas frente à doença e ao <strong>tratamento</strong>,eu penso que agora a tendência é só melhorar, se fizer tudo certo, fazerambulatório, tomar a medicação. Porque os médicos disseram que ficar bommesmo, não fica, mas já melhorou bastante. Nossa! Eu tinha tanto medo <strong>de</strong>quando ela saia para a rua, <strong>de</strong> virem avisar coisa ruim que aconteceu <strong>com</strong> ela,mas <strong>de</strong>pois que ela parou <strong>de</strong> sair para a rua melhorou. Eu não queria na<strong>da</strong>disso, pois você veja, não é fácil para nós, ela é nova ain<strong>da</strong>, virar assim. Mas


150alguma coisa <strong>de</strong>ve ter acontecido <strong>de</strong> muito ruim na rua, para ela ficar <strong>com</strong> tantomedo <strong>de</strong> sair, pois ninguém nunca a proibiu <strong>de</strong> sair, <strong>de</strong> repente ela sozinhatomou a iniciativa.Antes ela tomava a medicação, mas saia para a rua, eu não sei o queacontecia na rua, <strong>com</strong>o é que eu vou saber? Às vezes eu penso que até drogapodia ser que ela usava, porque ela tomava a medicação não fazia efeitonenhum, beber eu sei que ela bebia. Agora ela toma o remédio e fica em casa.Ela vai à minha casa, que <strong>da</strong> on<strong>de</strong> ela mora até [nome <strong>de</strong> um município <strong>da</strong>região metropolitana <strong>de</strong> Curitiba], dá 12 Km, mas para o centro ela não vem,mas já está pegando o ônibus e indo à minha casa, antes ela não fazia isso,ela ficou três anos lá na chácara e não ia lá em casa.Quando era Natal ou ano novo, dia do aniversário <strong>de</strong> alguém, um dosmeus filhos vinha, pegava ela e levava, mas ela almoçava, limpava a louça e játinham que trazer ela <strong>de</strong> volta para casa. Agora não, ela vai, fica na minha casadois, três dias, e vai também aos domingos <strong>de</strong> manhã, ela chega, almoça,limpa a cozinha e vem embora para a casa <strong>de</strong>la. Ela sempre teve o sonho <strong>de</strong>ter a casa <strong>de</strong>la, sempre dizia: mãe um dia eu vou ter meu canto para eu cui<strong>da</strong>r.Porque tentar viver <strong>com</strong> <strong>pessoa</strong>s, ela tentou, mas não <strong>de</strong>u certo, não <strong>de</strong>u certopor causa do problema <strong>de</strong>la. Mas <strong>de</strong> todo esse tempo <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong>, acho queagora foi o que ela está melhor, está centra<strong>da</strong>, não está mais <strong>com</strong>o era, e foipor causa <strong>de</strong>la parar <strong>de</strong> sair <strong>de</strong> casa.Entrevista <strong>com</strong> F1Eduar<strong>da</strong>Tom vital: Passei por vários internamentos até me conscientizar que precisavaa<strong>de</strong>rir ao <strong>tratamento</strong> farmacológico, porque no <strong>com</strong>eço eu não tomava amedicação. Mas Hospital Dia e CAPS eu não quero fazer, estou esperando avaga para fazer ambulatório, e, os profissionais <strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> básica <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>estão vindo aqui em casa, estão me a<strong>com</strong>panhando. Minha família pensa queo que eu tenho não é doença, é fingimento, que eu sou capaz <strong>de</strong> controlar meu<strong>com</strong>portamento. Eu me lem<strong>br</strong>o <strong>de</strong> tudo, mas não quero mais aquela vi<strong>da</strong>, euquero viver uma vi<strong>da</strong> normal, cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> minha casa, é uma casa humil<strong>de</strong>, masé aqui que me sinto bem. Eu só queria que minha família me enten<strong>de</strong>sse,porque esse problema que eu tenho po<strong>de</strong> acontecer <strong>com</strong> qualquer <strong>pessoa</strong>.


151Contando a história <strong>da</strong> própria doençaA minha história <strong>com</strong>eçou <strong>com</strong> treze para quatorze anos, eu melem<strong>br</strong>o <strong>com</strong>o se fosse hoje, eu fui passear <strong>com</strong> a minha família. Na época nóséramos todos pequenos, nós fomos a um parque e eu e aquela mania, que osoutros sempre me chamaram <strong>de</strong> exibi<strong>da</strong>, fui an<strong>da</strong>r nas pedras perto do rio e caium tombo, bati a cabeça bem forte. Eu sempre fui a mais saidinha <strong>de</strong> casa, é<strong>com</strong>o se diz: quem muito quer na<strong>da</strong> tem.Eu fiquei cinco anos passando por internação em hospitaispsiquiátricos, primeiro foi no [nome <strong>de</strong> um hospital psiquiátrico], fiquei bastantetempo lá, <strong>de</strong>pois fiquei no [nome <strong>de</strong> outros três hospitais psiquiátricos], e agorao último foi no [nome <strong>de</strong> um hospital psiquiátrico], nesse foi o que eu fiqueimenos tempo interna<strong>da</strong>, quatro meses.Eu gosto <strong>de</strong> <strong>da</strong>nçar, chutar bola, nos meus internamentos também,quando tinha <strong>da</strong>nça, eu gostava <strong>de</strong> <strong>da</strong>nçar, porque no hospital psiquiátricotambém tem diversão, não é só medicação, tem as conversas <strong>com</strong> osterapeutas, e isso é importante, porque é necessário conversar, não éver<strong>da</strong><strong>de</strong>? Tem a hora <strong>de</strong> fazer as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, não era o<strong>br</strong>igado fazer, mas eugostava <strong>de</strong> fazer, <strong>de</strong> ocupar o tempo, eram ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s relaciona<strong>da</strong>s ao lar, nãosei se agora continua <strong>de</strong>sse modo. Tinha que aju<strong>da</strong>r a servir a <strong>com</strong>i<strong>da</strong>, apassar a vassoura, assim <strong>com</strong>o é na nossa casa, para que quando a <strong>pessoa</strong>saísse do hospital fizesse as atribuições em casa, <strong>com</strong>o passar uma vassourano chão, lavar uma louça, coisas do dia a dia.Já passei pelo enfaixamento, e me sentia ruim <strong>com</strong> aquilo, eu melem<strong>br</strong>o, quando estava nervosa, <strong>com</strong>o que se diz, fora do limite eles mepegavam e me amarravam <strong>com</strong> uma faixa úmi<strong>da</strong>, e tinha também a contençãofísica no leito <strong>com</strong> faixas <strong>de</strong> algodão. Naquele tempo, porque agora não sei<strong>com</strong>o é, nesse último internamento não fui nem para o enfaixamento, nem paraa contenção. Eles me enfaixavam <strong>com</strong> uma faixa úmi<strong>da</strong> e <strong>de</strong>pois <strong>com</strong> maisduas secas [enquanto falava a colaboradora foi <strong>de</strong>monstrando <strong>com</strong>o ocorria oenfaixamento] me lem<strong>br</strong>o <strong>de</strong> tudo <strong>com</strong>o que era. Ficava duas horas enfaixa<strong>da</strong>,às vezes até três. Fui muitas vezes para a faixa, mas naquela sala fecha<strong>da</strong> eununca fui, nem sei se existe aquilo ain<strong>da</strong>.A alimentação era a do dia a dia, nesse último internamento tinha atéso<strong>br</strong>emesa [referiu <strong>com</strong> entusiasmo]. O que eu vivenciei nesse internamento <strong>de</strong>


152diferente dos outros todos que eu tive foi a parte musical, que tinha música, eugostava <strong>de</strong> ver tocarem os instrumentos, pan<strong>de</strong>iro, nesse último internamentoteve essas coisas.No Hospital Dia, no CAPS eu não fui porque eu não tenho vonta<strong>de</strong>, eujá me acostumei <strong>com</strong> minha vi<strong>da</strong> assim, eu não quero ficar indo sozinha para ocentro. Até na mãe eu ain<strong>da</strong> consigo ir, mas para o centro eu não me arrisqueia ir ain<strong>da</strong>, só saí mesmo <strong>com</strong> meu irmão e minha cunha<strong>da</strong>. Agora estouesperando a vaga lá do ambulatório para ter a<strong>com</strong>panhamento médico, amédica <strong>da</strong> Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica, a assistente social e a enfermeira estiveram aqui.Eu também <strong>de</strong>pois do último internamento fui uma vez na Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>do [nome <strong>de</strong> uma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> básica <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba], me tratarambem lá. Agora eles <strong>com</strong>eçaram a vir em casa, eu gostei, eles verificaram minhapressão, perguntaram se eu estava tomando os remédios corretamente, eufalei que estava.O remédio eu estou tomando certo, o pai e a mãe <strong>de</strong>ixam aqui para eutomar, eles estão sempre aqui, o pai traz o remédio porque ele tem o negócio<strong>de</strong>le aqui perto, só não <strong>de</strong>ixa todo o remédio, ele <strong>de</strong>ixa o que é para eu tomar,eles tem medo <strong>de</strong> que aconteça alguma coisa, eles <strong>de</strong>ixam só a dose para eutomar <strong>de</strong> noite e <strong>de</strong> manhã.Mas antigamente, no <strong>com</strong>eço do <strong>tratamento</strong> eu não tomava, eu fui meconscientizando, puxa vi<strong>da</strong> se eu não tomar o remédio eu vou ter que parar sóem hospital psiquiátrico, então, eu vou fazer diferente, eu vou tomar o meuremédio direito <strong>de</strong> manhã e <strong>de</strong> noite, cui<strong>da</strong>r do meu cantinho, aqui sozinha. Osremédios que eu tomava antes eram muito fortes, o neozine era pior que essesque eu estou tomando, agora eu tomo um <strong>com</strong>primido e meio <strong>de</strong> manhã eain<strong>da</strong> assim <strong>de</strong>pois do almoço tenho que <strong>de</strong>itar um pouco, para passar aquelamoleza do remédio, <strong>de</strong>pois continuo fazendo o meu serviço, escutando asminhas músicas, inventando uma <strong>br</strong>inca<strong>de</strong>ira, porque me sinto muito sozinha.A minha família pensa que isso que eu tenho não é doença. Elesacham, não todos, mais as irmãs e as outras <strong>pessoa</strong>s, porque não é aquelaconvivência, assim <strong>de</strong> estar no dia a dia. Eu sou sincera, assim <strong>com</strong>o eu faleipara minha mãe antes <strong>de</strong> você chegar que eu ia ser sincera <strong>com</strong>o sou <strong>com</strong> ela,<strong>com</strong>o ela também já disse para você que ela até achou melhor eu sair <strong>de</strong> casa,


153porque ca<strong>da</strong> um tem um gênio, eu moro aqui e ela mora lá na casa <strong>de</strong>la. Maseles sempre estão por aqui.Agora a minha outra irmã está morando aí na parte <strong>da</strong> frente <strong>da</strong> casa,mas não é assim aquela convivência <strong>de</strong> família sabe, é uma convivência e aomesmo tempo não é, porque eu me sinto assim, porque a família não enten<strong>de</strong>,acha que é fingimento, que eu posso controlar meu <strong>com</strong>portamento.Faz cinco anos que eu moro aqui, eu saí <strong>de</strong> casa porque não meacertava, não me acertava nem quando estávamos todos nós em casa, nemquando meus irmãos foram casando e saindo <strong>de</strong> casa. Essa minha irmã queestá aqui hoje, veio me visitar, eu gostei <strong>de</strong>la ter vindo, mas eu sei que não ésempre que eles vem. Eu acho falso, eu não queria que eles se sentissemo<strong>br</strong>igados a gostar <strong>de</strong> mim, porque ninguém o<strong>br</strong>iga ninguém a gostar <strong>de</strong>ninguém.Como eu gosto que sejam sinceros <strong>com</strong>igo, também eu gosto <strong>de</strong> sersincera <strong>com</strong> os outros, porque eu também tenho um lado ruim, não posso dizerque sou boazinha porque eu não sou, acho que às vezes todo mundoamanhece num dia não muito bom. Quando eu tinha as crises, eu ia para a rua,bebia, passava a noite to<strong>da</strong> an<strong>da</strong>ndo, às vezes passava mal na rua, chegavaem casa no outro dia, ou passava dias sem ir para casa, chegava em casa to<strong>da</strong>suja. Eu me lem<strong>br</strong>o <strong>de</strong> tudo que aconteceu, por isso que eu não quero maisisso para mim, eu quero viver uma vi<strong>da</strong> normal, cui<strong>da</strong>r do meu cantinho, vocêbem vê <strong>com</strong>o minha casa é humil<strong>de</strong> mas, é aqui que eu me sinto bem.Para mim é importante morar aqui, sozinha, porque eu sempre quis tero meu cantinho. Graças a Deus que o pai <strong>de</strong>ixou eu morar aqui, mesmo se eutivesse morando <strong>com</strong> eles não iria <strong>da</strong>r certo, porque nós íamos discutir mais, eeu não quero isso, eu quero viver a minha vi<strong>da</strong>, ir levando a minha vi<strong>da</strong>. É<strong>com</strong>o eu falei, eles lá, eu aqui e vamos vivendo, eles não <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> vir me ver,a mãe, o pai sempre estão por aqui. Mas, tem os que não enten<strong>de</strong>m, minhacunha<strong>da</strong>, por exemplo, ela vem bem pouco aqui, até a filha <strong>de</strong>la é minhaafilha<strong>da</strong>, mas eu acho que a <strong>pessoa</strong> que gosta <strong>de</strong> mim, eu não preciso man<strong>da</strong>rdizer para vir na minha casa, não é vir só quando a mãe está por aqui, não éver<strong>da</strong><strong>de</strong>?É bem difícil eles virem me visitar, mas eles também tem a casa <strong>de</strong>lespara cui<strong>da</strong>r, tem a vi<strong>da</strong> <strong>de</strong>les. A minha irmã que mora do lado aí, eu não me


154dou muito bem <strong>com</strong> ela, mas isso não vem ao caso agora. Então, não é aqueleamor <strong>de</strong> família, assim <strong>com</strong>o <strong>de</strong>veria ser, <strong>com</strong>o eu tenho que enten<strong>de</strong>r oproblema dos outros, eu quero que enten<strong>da</strong>m o meu. Eu não quero que fiquemme bajulando, <strong>de</strong> jeito nenhum, que não sou nenhuma criancinha.Quando eu tomava medicação muito forte, eu não conseguia levantar<strong>de</strong> noite, meus irmãos não entendiam, achavam que eu queria atenção, queestava fingindo. Até agora, tem vezes que a casa fica bagunça<strong>da</strong>, porque<strong>de</strong>pois do almoço eu sempre vou dormir, vou <strong>de</strong>itar um pouquinho, mesmo queeu não durma, mas eu tenho que ir porque me sinto cansa<strong>da</strong>. Então para mimseria importante que eles agissem <strong>de</strong> outra forma <strong>com</strong>igo.Em casa eu era muito ruim, quando eu fico nervosa geralmente eupego e falo o que tenho para falar, não estou nem aí. Minha família qualquercoisa eles falavam assim: Ah! Mas você qualquer coisa você alega. Não, masnão é bem assim, eles têm que ver que se eu fosse uma <strong>pessoa</strong> normal, euestava trabalhando, estu<strong>da</strong>ndo, tentando ser alguém. Eu já acho que estoutentando ser alguém, pelo fato <strong>de</strong> eu ter saído <strong>da</strong> rua, <strong>de</strong>les não precisar estaresquentando a cabeça <strong>de</strong> chegar oito, <strong>de</strong>z horas e eu não estar em casa e elesnão saber on<strong>de</strong> que eu an<strong>da</strong>va, ou chegar em casa to<strong>da</strong> suja, porque eu viviaem lanchonete, bebendo, e eu vou querer isso para mim?Claro que sempre é bom sair, se divertir, mas saber se divertir, tudotem um momento certo. Para mim não é que a vi<strong>da</strong> acabou, porque nãoacabou, só que eu vivo a minha vi<strong>da</strong> do jeito que eu estou vivendo ein<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte se eu tenho alguém ou não, claro que eu sinto falta, to<strong>da</strong> <strong>pessoa</strong>sente, mas eu vou continuar vivendo. Eles achavam que eu ia sair do hospital eia para a rua procurar alguém, eu não quero isso para mim. Eu também já tiveuma vi<strong>da</strong> assim <strong>com</strong>o a <strong>de</strong>les, sei o que é uma vi<strong>da</strong> a dois, tentei morar <strong>com</strong>duas <strong>pessoa</strong>s mas não <strong>de</strong>u certo. Se um dia tiver que aparecer uma <strong>pessoa</strong>para viver <strong>com</strong>igo e aceitar a minha doença, me aceitar do jeito que eu sou nãovai precisar eu an<strong>da</strong>r na rua atrás, não é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>?Os outros po<strong>de</strong>m até achar ridículo <strong>da</strong> minha parte agir <strong>de</strong>sse modo,mas é a maneira que eu encontrei para me escon<strong>de</strong>r dos falatórios queaconteciam. Quando eu tinha namorado, claro que eu gostava <strong>de</strong> sair, <strong>de</strong>namorar, <strong>de</strong> passear, quem não gosta? Todo mundo gosta, mas acho que issoé liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um. As <strong>pessoa</strong>s ficam falando porque você não sai?


155Ninguém me proíbe <strong>de</strong> sair, se eu quiser sair, eu saio, se eu quiser, eu possosair, posso voltar, posso, mas eu acho que já escutei <strong>de</strong>mais <strong>da</strong>s <strong>pessoa</strong>s mecriticando.A nossa convivência agora que estou morando aqui está mais oumenos, no último internamento gran<strong>de</strong> parte <strong>da</strong> família foi me visitar mais doque uma vez. Mas se eu ficasse morando <strong>com</strong> eles nós íamos discutir mais.Agora não discutimos tanto, mas uma discussão ou outra sempre vai ter,também não é aquela coisa <strong>da</strong> família vir sempre aqui em casa. A mãeconversou <strong>com</strong> você, disse que também achou melhor eu ter vindo para cá, eutambém achei, mas sinto falta <strong>de</strong> ficar <strong>com</strong> ela, conversar, não só aospouquinhos.O que eu queria mesmo era que eles me enten<strong>de</strong>ssem, enten<strong>de</strong>ssem omeu transtorno, que se eu fosse uma <strong>pessoa</strong> normal <strong>com</strong>o as outras são eunão precisaria ser trata<strong>da</strong> <strong>de</strong>sse jeito. Se eu não tivesse essa doença, não terianem o porquê você estar aqui, não é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>? Ter um transtorno mental euacho ruim e ao mesmo tempo não acho, eu lido <strong>com</strong> minha doença sem saberli<strong>da</strong>r, sabe, li<strong>da</strong>r sem saber li<strong>da</strong>r <strong>com</strong> aquilo?Às vezes você escuta <strong>da</strong> própria família, que você tem isso, tem aquilo,que você não é certa, eu escuto ain<strong>da</strong>. Eu mesma já cheguei a escutar,ninguém me falou. Olha lá! Aquela lá é doente, aquela lá é a louca, então tem<strong>pessoa</strong>s que se afastam <strong>da</strong> gente não é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>? Não só os <strong>da</strong> família, mas asoutras <strong>pessoa</strong>s, <strong>de</strong>pois que eu tive o problema muitos se afastaram, euconverso bastante <strong>com</strong> a irmã do meu pai que também tem essa doença.Agora dos outros eu já escutei <strong>de</strong> tudo.No <strong>com</strong>eço, nos primeiros internamentos, até isso eu tinha que escutardos outros, que eu não me cui<strong>da</strong>va, eu não isso e aquilo. No meu primeirointernamento antes <strong>de</strong>les me levarem para internar a mãe precisou me <strong>da</strong>r umbanho porque eu estava num estado, eu tinha voltado <strong>da</strong> rua. Até hoje quandoeu saio na vila, eu tenho a impressão que as <strong>pessoa</strong>s estão falando, eu fico<strong>com</strong> vergonha, eu sinto vergonha <strong>da</strong>quilo que eu fazia.Eu queria que a minha família me <strong>com</strong>preen<strong>de</strong>sse, essa doença assim<strong>com</strong>o <strong>de</strong>u em mim po<strong>de</strong> <strong>da</strong>r em qualquer <strong>pessoa</strong>, eu não me escondo atrás <strong>da</strong>doença, se eu precisar enfrentar um serviço pesado eu enfrento [choro]. Àsvezes eu fico pensando: quando eles eram pequenos [voz embarga<strong>da</strong>, silêncio]


156eu me lem<strong>br</strong>o às vezes que eu [choro] lavava a roupa <strong>de</strong>les, <strong>br</strong>incava. É eucui<strong>da</strong>va <strong>de</strong>les, a mãe ia trabalhar eu levantava cedo, fazia café, <strong>com</strong>i<strong>da</strong> [choro],para agora acabar sozinha [choro], sozinha numa casa que ao mesmo tempose tem uma família e ao mesmo tempo não tem.Mas eu gosto <strong>de</strong> morar aqui, se eu estivesse lá morando <strong>com</strong> meupais, <strong>com</strong>o não <strong>da</strong>ria certo do mesmo jeito, além <strong>de</strong> não <strong>da</strong>r certo a minha vi<strong>da</strong>,ia atrapalhar a vi<strong>da</strong> <strong>de</strong>les e eu não quero isso. Fico aqui no meu canto, achoque é o melhor para mim, cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong>s coisas do meu jeito, eles não me <strong>de</strong>ixamfaltar na<strong>da</strong>, eu prefiro viver assim.Minhas expectativas frente à doença e ao <strong>tratamento</strong> são: seguir mecui<strong>da</strong>ndo, espero continuar levando a minha vi<strong>da</strong> do jeito que está, tomandoremédio e se um dia eu tiver que viver uma vi<strong>da</strong> diferente vou viver, tem que<strong>da</strong>r tempo ao tempo, viver ca<strong>da</strong> dia, nós não po<strong>de</strong>mos dizer que vamos saber oque vai acontecer amanhã ou <strong>de</strong>pois, somente amanhã que nós saberemos oque vai acontecer, tem que <strong>da</strong>r graças a Deus, eu sempre agra<strong>de</strong>ço a Deus <strong>de</strong>ter vivido o hoje, é só isso.Entrevista <strong>com</strong> F1Pai, F1Mãe e F1irmã juntosTom vital: Até hoje não dá para enten<strong>de</strong>r o que aconteceu <strong>com</strong> ela, ela saía <strong>de</strong>casa e sumia. Era um problema, mas hoje ela está melhor. Quanto ao<strong>tratamento</strong>, antes era na base <strong>da</strong> força, agora tem a medicação, até a equipe<strong>da</strong> UBS veio fazer uma visita para ela. Não entendo o que po<strong>de</strong> ser isso, elaera uma menina tranquila, se ela não tivesse esse problema, acho que seria amelhor <strong>pessoa</strong> para conviver conosco. Mas aconteceu isso aí, e não tem cura,nós precisamos aceitar. Nossa convivência já foi muito difícil, eu não entendia otranstorno mental, achava que ela tinha condições <strong>de</strong> se controlar, que tinhaesses <strong>com</strong>portamentos por birra, mas hoje, eu entendo que tudo isso faz parte<strong>da</strong> doença <strong>de</strong>la.Continuando a história...F1Mãe: Eu estava ouvindo ela se queixar para você, mas ela não é fácil,quando foi para a internarmos, nós a seguramos e ela arrastou os pés no


157formigueiro, <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> crise, disse que fomos nós que a pegamos para surrar,que a surramos no meio <strong>da</strong> grama. Eu disse para ela: meu Deus do céu!Eduar<strong>da</strong>, não foi assim, não mãe vocês me surraram e me jogaram noformigueiro. Eu a peguei <strong>de</strong> um lado e o meu filho que morava aqui pegou dooutro lado e vínhamos trazendo quando ela viu o formigueiro passou os doispés. Ela também tem muito ciúme <strong>da</strong>s irmãs, porque elas têm filhos, tem uma<strong>pessoa</strong> para viver junto, e ela não têm, mas ninguém tem culpa disso.F1Pai: Da primeira crise <strong>de</strong>la, no <strong>com</strong>eço eu também não entendi direito, <strong>de</strong>uaquele negócio nela. Mas às vezes eu acho que isso foi porque ela teve umaque<strong>da</strong> quando pequena.F1Mãe: Isso eu me esqueci <strong>de</strong> falar. Ela caiu <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um rio, nós fomospassar o domingo eu <strong>com</strong> minha cunha<strong>da</strong> e as crianças nesse lugar, nós fomos<strong>de</strong> Kombi e eles todos se <strong>de</strong>spencaram <strong>br</strong>incando por lá e ela foi an<strong>da</strong>r naspedras do rio e caiu, ela já tinha afun<strong>da</strong>do duas vezes, na terceira vez ele [opai] pulou.F1Pai: Eu pulei, tirei-a do rio, mas achei que não <strong>da</strong>va mais.F1Mãe: Ela tinha 14 anos, às vezes eu penso será que não foi por causadisso? Depois ela dizia que tinha uma zoa<strong>da</strong> na cabeça quando ia <strong>de</strong>scer amenstruação para ela, ela ficava assim.F1Pai: Olha essa doença [o transtorno mental] antes era um problema, agoraque para nós não é mais problema. Dizer que [suspiro] no <strong>com</strong>eço foi difícil[suspiro], nós não entendíamos direito, não tínhamos i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>com</strong>o que eraessa doença, <strong>de</strong>pois <strong>com</strong> o tempo, ela foi interna<strong>da</strong> umas cinco ou seis vezes,então <strong>com</strong> o tempo nós fomos nos a<strong>da</strong>ptando [se emociona].No <strong>com</strong>eço era ruim, agora está mais ou menos, porque ela está bem.Bem melhor agora, antigamente era diferente, ela saia, não <strong>da</strong>va notícia, àsvezes ficava uma semana ou mais sem nós sabermos on<strong>de</strong> ela estava. Aquelaépoca era ruim, hoje em dia mudou, foi assim <strong>de</strong> uma hora para outra elaresolveu não sair mais, e não sai, não sei se aconteceu alguma coisa diferentepara ela lá fora.Lá em casa tem o quarto <strong>de</strong>la, tudo direitinho, mas ela quis vir morarsozinha, disse que queria tocar a vi<strong>da</strong> <strong>de</strong>la sozinha, então nós pensamos queela po<strong>de</strong>ria morar aqui nestes cômodos nos fundos <strong>da</strong> casa <strong>da</strong> BR. Assim elanão nos in<strong>com</strong>o<strong>da</strong> mais, antigamente in<strong>com</strong>o<strong>da</strong>va. É mais <strong>com</strong>igo, parece que


158ela tem uma revolta, uma coisa assim, agora está melhor, ela já estáenten<strong>de</strong>ndo melhor, às vezes ela ain<strong>da</strong> parece que quer man<strong>da</strong>r em nós. Ela éassim, não sei direito, não entendo o que po<strong>de</strong> ser isso, porque ela era umamenina tranquila, não <strong>com</strong>parando <strong>com</strong> as outras, mas se ela fosse uma<strong>pessoa</strong> que não tivesse esse problema, eu diria que ela seria a melhor <strong>pessoa</strong>para conviver conosco.Mas aconteceu isso aí, nós já conversamos <strong>com</strong> os médicos, elesdisseram que cura não tem, não tem o que nós fazermos, tem que levar a vi<strong>da</strong><strong>de</strong>sse jeito. Até quando? Eu não sei. Por enquanto não tem cura, mas quemsabe mais para frente, tanta doença que antigamente não tinha cura, hoje tem,a medicina está sempre avançando.Nos internamentos no hospital psiquiátrico sempre trataram bem <strong>de</strong>la,essa parte nós não temos o que reclamar <strong>de</strong> hospital nenhum, ela ficavainterna<strong>da</strong>, tomava o medicamento ficava bem, vinha para casa, saia para a rua,<strong>de</strong> repente tinha que voltar para o hospital, vinha e voltava. Nas reuniões <strong>de</strong>família realiza<strong>da</strong>s no hospital psiquiátrico eles queriam saber o estado <strong>de</strong>la,<strong>com</strong>o ela tinha passado a semana, tinha que contar <strong>com</strong>o ela se <strong>com</strong>portava.Mas so<strong>br</strong>e a doença, o <strong>com</strong>portamento eles não explicavam.F1Mãe: Nós íamos à reunião e às vezes voltávamos para casa sem enten<strong>de</strong>rcoisa nenhuma. Porque o atendimento não era individual, era coletivo, entãonós ficávamos sem enten<strong>de</strong>r muita coisa. Nós <strong>com</strong>eçamos a enten<strong>de</strong>r algumacoisa conversando <strong>com</strong> os médicos. Hoje em dia você vê na televisão também.Nós queríamos que ela fosse uma <strong>pessoa</strong> normal, mas também eu penso quepo<strong>de</strong>ria ser algo muito pior, nós precisamos nos conformar que a nossa vi<strong>da</strong> épara ser assim, temos que nos conformar, aceitar e pronto. Normal, ninguém<strong>de</strong> nós é.F1Pai: Nós não queríamos que ela tivesse essa doença, mas o que nós vamosfazer? Temos que aceitar.F1Mãe: Mas agora essa doença já está bem conheci<strong>da</strong>, as <strong>pessoa</strong>s estãoaceitando mais, mas há alguns anos atrás era difícil, nós mesmos, quando ela<strong>com</strong>eçou, se nós conhecêssemos o problema, tínhamos tratado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<strong>com</strong>eço, mas nós achávamos que era ruin<strong>da</strong><strong>de</strong>, tudo que ela fazia era ruin<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong>la.


159F1Pai: Nós não entendíamos, queríamos o<strong>br</strong>igá-la a não se <strong>com</strong>portar <strong>da</strong>quelemodo, mas não é assim. Agora eu entendo, entendo que não é ela que quer teraquele <strong>com</strong>portamento, isso faz parte <strong>da</strong> doença, mas tem <strong>pessoa</strong>s que nãoenten<strong>de</strong>m.F1Mãe: Isso é muito triste, ain<strong>da</strong> existem <strong>pessoa</strong>s que não aceitam <strong>de</strong> jeitonenhum, não enten<strong>de</strong>m, <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> própria família tem <strong>pessoa</strong>s que nãoenten<strong>de</strong>m.F1Pai: Uma questão importante é so<strong>br</strong>e o <strong>tratamento</strong>. Hoje em dia já édiferente. Eu trabalhei <strong>de</strong>z anos em hospital e tinha esse tipo <strong>de</strong> doença, o<strong>tratamento</strong> era à base <strong>de</strong> choque, a base <strong>da</strong> força. Agora o <strong>tratamento</strong> estábem melhor, bem mais humano. Eu cansei <strong>de</strong> ver maltratar as <strong>pessoa</strong>s. O queeles faziam, receitavam eletrochoque, aplicavam injeção endovenosa <strong>de</strong>ssetamanho [mostrou <strong>com</strong> as mãos que a injeção era gran<strong>de</strong>] que <strong>de</strong>rrubava a<strong>pessoa</strong>, era à base <strong>da</strong> força. Atualmente também tem os medicamentos queaju<strong>da</strong>m. Veja ela está bem! Mas, se parar <strong>de</strong> tomar o remédio mu<strong>da</strong>, mu<strong>da</strong>tudo.A nossa convivência é normal, po<strong>de</strong> ver, não é uma coisa normal?Chego aqui, ela faz <strong>com</strong>i<strong>da</strong>, não tem no mundo uma <strong>pessoa</strong> para tratar osoutros melhor do que ela, só que se ficar sem o remédio um dia, aí mu<strong>da</strong> tudo.Antes quando ela não aceitava o remédio a convivência era difícil, <strong>com</strong>eçava aconversar não tinha jeito, eram duas palavras e já <strong>da</strong>va discussão e ela saiapara a rua. Meu Deus do céu! Não era vi<strong>da</strong> para nós.F1Irmã: eu convivo muito pouco <strong>com</strong> ela, quando eu convivia mais, é difícil<strong>com</strong>o irmã você ver o que ela passou, tem <strong>pessoa</strong>s que não sabem <strong>com</strong>o queaconteceu isso, <strong>com</strong>o que vai ser tratado. Dizem que essa doença não temcura, mas eu creio em Deus que ela vai melhorar ca<strong>da</strong> vez mais, eu esperoque ela melhore.No <strong>com</strong>eço eu pensava que ela fazia por ruin<strong>da</strong><strong>de</strong>, por querer maltratarminha mãe e meu pai, mas agora <strong>de</strong>pois que eu fui à uma reunião no hospitaleu entendi que não é ela que está fazendo, é a própria doença que faz.Eu entendi que a <strong>pessoa</strong> não faz por querer, nós quando ficamosnervosos tentamos nos controlar, mas tem <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong>o ela que nãoconseguem se controlar. Para mim está sendo difícil ver a condição <strong>de</strong>la.Graças a Deus que ela agora está bem. A nossa convivência agora é normal,


160mas quantas vezes eu chegava aqui, quando ela não estava tomando oremédio, nossa ela xingava tanto, agora <strong>com</strong> o remédio, olha aí <strong>com</strong>o ela estábem.


161FAMÍLIA 2Entrevista <strong>com</strong> F2Mãe e F2Paulo juntosTom vital: Eu fui internado nove vezes. Ser internado, passar pela contençãono leito, ficar longe <strong>da</strong> família era traumatizante para mim. Foi só anos <strong>de</strong>poisque eu <strong>com</strong>ecei a frequentar o CAPS, <strong>de</strong>pois ambulatório e a Associação eesses recursos todos foram imprescindíveis para me manter estabilizado. Elevivia <strong>de</strong> internamento em internamento, era um sofrimento. Há tempo eu estavaà procura <strong>de</strong> um serviço que o aju<strong>da</strong>sse. Quando <strong>de</strong>sco<strong>br</strong>imos o CAPS, em2003, tudo mudou, aí <strong>com</strong>eçou a melhora <strong>de</strong>le e ele nunca mais precisou serinternado. Apesar <strong>de</strong> nossa dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> financeira e dos atritos em família porconta do maior cui<strong>da</strong>do que preciso oferecer para ele e do preconceito <strong>de</strong>algumas <strong>pessoa</strong>s em relação ao transtorno mental, estamos convivendo bem.F1Paulo: Fiquei internado em hospital psiquiátrico, passei por noveinternamentos, fiz CAPS, agora estou frequentando a Associação e façoambulatório. O internamento foi muito difícil para mim, eu venho <strong>de</strong> uma famíliahumil<strong>de</strong>, mas tinha certo padrão, vivia do lado <strong>da</strong> mãe, <strong>da</strong>s irmãs, e cair nohospital <strong>com</strong> todos aqueles pacientes juntos, ficar longe <strong>da</strong> família, foi muitodifícil para mim. Depois fui me acostumando, eu chegava, fazia amiza<strong>de</strong> e otempo ia passando, eu tinha alta, voltava para casa, mas parava <strong>de</strong> tomar oremédio, não <strong>da</strong>va sequência ao <strong>tratamento</strong> tinha que voltar para o hospitalpsiquiátrico.Em um dos internamentos, eu fui contido uma vez, foi porque eu queriafugir, não queria mais ficar no hospital, eles me levaram para a contenção, foimuito traumatizante para mim. Eu nunca imaginei que teria que passar porisso, passei uma noite contido, eles me injetaram tranquilizante e não tive maisproblema, mas foi muito traumatizante para mim, isso me marcou. Mas nohospital também tinham coisas boas, tinham ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> higiene, <strong>de</strong> culinária,até <strong>de</strong> diversão, eles <strong>de</strong>ixavam às vezes sair no pátio, ir ao sol, eu não tinhareclamação.


162Na última crise que eu tive, eu sai à noite. Na praça central <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>tinha uma gangue e eu sem noção do perigo, passei no meio <strong>de</strong>les, eles meabor<strong>da</strong>ram, me <strong>de</strong>ram uma garrafa <strong>de</strong> bebi<strong>da</strong>, eu falei que não queria e já fuisaindo, nisso veio um <strong>de</strong>les, me agarrou na manga <strong>da</strong> blusa, eu quis baternele, e eles acabaram me batendo, vieram todos e me espancaram, me <strong>de</strong>ramum golpe <strong>com</strong> faca que pegou só na calça, se tivesse pegado na minha pernatinham me matado, eu consegui escapar e sai correndo sem parar. Hoje melem<strong>br</strong>o disso <strong>com</strong> dor, ter passado por essas coisas, foi por Deus mesmo, porisso que eu me apeguei a frequentar o CAPS, tomar os remédios, porque não éfácil.Foi só <strong>de</strong>pois <strong>da</strong>s nove internações que eu conheci o CAPS, aíestabilizou o problema, eu me conscientizei que tinha que tomar a medicação efazer o <strong>tratamento</strong> para não retornar ao hospital psiquiátrico e estou assim atéhoje. Eu conheci o CAPS por intermédio <strong>de</strong> uma amiga <strong>da</strong> minha mãe que nos<strong>de</strong>u o en<strong>de</strong>reço e o telefone do serviço. Eu não queria ir ao CAPS, na época eunão sabia <strong>com</strong>o era, mas acabei indo e gostando.Meu último internamento foi em 2003, no período <strong>de</strong> 1993 a 2003 eunão fazia CAPS. Eu entrei no CAPS em setem<strong>br</strong>o <strong>de</strong> 2003, só <strong>de</strong>pois <strong>da</strong>s noveinternações que eu conheci o CAPS, aí estabilizou, eu me conscientizei quetinha que tomar a medicação, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong> eu me conscientizei <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> últimainternação que eu realmente cansei mesmo. Os enfermeiros me falaram queera para eu tomar o remédio que não teria problema, então eu meconscientizei, eu vou <strong>com</strong>eçar a tomar o remédio certo e não vou mais precisarir para o hospital psiquiátrico e foi o que aconteceu.Logo <strong>de</strong>pois que eu saí a mãe me apresentou o CAPS, no <strong>com</strong>eço eunão queria, na época eu não sabia, até disse para a mãe que eu não queria ir,mas acabei indo e estou até hoje me cui<strong>da</strong>ndo. No CAPS era muito bom,tinham os outros pacientes, nós fazíamos ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, tinha almoço que eramuito bom. Fazia as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s à tar<strong>de</strong> <strong>com</strong> a pe<strong>da</strong>goga e a terapeutaocupacional, <strong>com</strong>o <strong>de</strong>senhar, ler, jardinagem.No CAPS eu fiquei <strong>de</strong> 2003 até 2004, foi nesse tempo que criaram umsistema, não sei se na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> ou no Estado, seria implantado um sistema quequem morasse em uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> que tivesse CAPS seria transferido do CAPS <strong>de</strong>Curitiba para o <strong>da</strong> sua ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, por exemplo, se a<strong>br</strong>isse um CAPS em [nome <strong>de</strong>


163um município <strong>da</strong> região metropolitana <strong>de</strong> Curitiba] a <strong>pessoa</strong> que estivessefazendo <strong>tratamento</strong> no CAPS em Curitiba tinha que ser transferi<strong>da</strong>.Em 2004 eu tive alta do CAPS para fazer ambulatório, mas <strong>com</strong>o não tinhaambulatório na minha ci<strong>da</strong><strong>de</strong> eles me pediram para fazer mais um pouco <strong>de</strong>CAPS, <strong>com</strong>o fui transferido eu consultava <strong>com</strong> o psiquiatra em [nome <strong>de</strong> ummunicípio <strong>da</strong> região metropolitana <strong>de</strong> Curitiba] eu frequentava o CAPS uma vezpor mês, mas isso porque não tinha ambulatório na minha ci<strong>da</strong><strong>de</strong>.Foi no CAPS que me informaram so<strong>br</strong>e a Associação, foram àspróprias pacientes que me trouxeram até a Associação, eu vim, conheci a[nome <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong>] que era presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Associação naquele tempo e <strong>com</strong>eceia participar e não pretendo sair, porque é muito bom. As medicações estoupegando no [nome <strong>de</strong> um serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental do município <strong>de</strong> Curitiba] ena minha ci<strong>da</strong><strong>de</strong>.F2Mãe: mas já aconteceu várias vezes <strong>de</strong> eu ter que <strong>com</strong>prar a medicação<strong>de</strong>le quando faltava nas uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s básicas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, ultimamente não estáfaltando.F2Paulo: quanto à Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> eu faço assim, pego a receita evou à Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> retirar a medicação, lá eles me fornecem o carbolítio, orisperidona eu consigo no ambulatório, agora visita domiciliar, isso a Uni<strong>da</strong><strong>de</strong>Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> não faz. Então é isso, fiquei internado em hospitalpsiquiátrico, fiz CAPS, agora estou na Associação e faço ambulatório.F2Mãe: o início do problema do Paulo foi <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> morte do meu esposo, elemorreu em 1991. Eu sofri muito, cui<strong>da</strong>ndo <strong>de</strong>le durante sete anos, ele teve umaci<strong>de</strong>nte vascular cere<strong>br</strong>al, teve muitas sequelas neurológicas e ficouparalisado. Quando eu estava respirando um pouco, o Paulo adoeceu, entrouem uma <strong>de</strong>pressão profun<strong>da</strong> e ali <strong>com</strong>eçou.Eu tentei <strong>de</strong> tudo, psicologia, religião, <strong>de</strong> tudo, para tentar ajudá-lo, eunão sabia que esse problema iria se prolongar, não teve jeito tive que apelarpara o internamento, aí <strong>com</strong>eçou a luta, ele não aceitava o <strong>tratamento</strong>, ia parao hospital, tomava a medicação, ficava bem, voltava para casa, ele não tomavao remédio, caia tudo <strong>de</strong> novo, lá tinha que eu ir atrás e internar novamente, issoera um sofrimento porque ele não aceitava, tinha que ser tudo às escondi<strong>da</strong>s,era uma dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> tremen<strong>da</strong>, e assim foi por <strong>de</strong>z anos nessa luta.


164Ele teve nove internamentos, na pior crise que ele teve, eu pedia queDeus me iluminasse, que eu encontrasse uma forma <strong>de</strong> ajudá-lo, que oaju<strong>da</strong>sse a enten<strong>de</strong>r que precisava a<strong>de</strong>rir ao <strong>tratamento</strong>. Eu a<strong>com</strong>panhava natelevisão, no rádio, as explicações <strong>de</strong> que se a <strong>pessoa</strong> tomasse a medicaçãocorretamente, po<strong>de</strong>ria viver uma vi<strong>da</strong> normal e eu sonhava isso para ele. Paramim também era triste, porque você veja, tinha que falar <strong>com</strong> a assistentesocial <strong>da</strong> Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, ela man<strong>da</strong>va a ambulância, mas sem apolícia estar a<strong>com</strong>panhando eles não iam, porque não se sabia a reação <strong>de</strong>le,aquilo era traumatizante para nós, parava na frente <strong>de</strong> casa, todo mundo ficavaolhando e aquela situação, ele se revoltava e não queria ir.No último internamento <strong>de</strong>le tinha o motorista do carro, três policiaismais o cunhado <strong>de</strong>le, olha <strong>de</strong>u um baile para levar esse rapaz. Nossa! MeuDeus! Quanta angústia, sofrimento, veja o que ele contou <strong>da</strong> gangue, olhequanta preocupação que eu passava, espero que nunca mais precise disso.Sem falar no preconceito. Deus o livre! Foi muito difícil para nós,inclusive eu tenho uma filha que ain<strong>da</strong> tem preconceito. E a que morreutambém, era preconceituosa, implicavam porque eu <strong>da</strong>va atenção para ele. Ah!Porque a mãe só falta <strong>da</strong>r a mama<strong>de</strong>ira para o Paulo. Ah! A mãe só falta trocarfraldinha, coisas assim que machucavam. Eu nunca <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> <strong>da</strong>r atenção paraele, porque eu passei por tantas situações que olhe, em um dos internamentos,uma tia <strong>de</strong>le me bateu a porta na cara, disse que eu não era mãe porque on<strong>de</strong>que se viu internar o filho lá no [nome <strong>de</strong> um hospital psiquiátrico].Eu disse. Escute aqui, quem está sofrendo <strong>com</strong> ele sou eu, não é você.Eu faço aquilo que eu acho que tenho que fazer, <strong>com</strong>o que vai ficar <strong>com</strong> uma<strong>pessoa</strong> <strong>de</strong>sequili<strong>br</strong>a<strong>da</strong>, fazendo coisas que eu ficava boba <strong>de</strong> ver, eu iaaguentando, até a certa altura, mas tinha uma hora que eu tinha que tomaruma atitu<strong>de</strong>, eu sozinha em casa, não tinha outros homens para me aju<strong>da</strong>r. Euprocurei a assistente social e o internei. Como que eu ia ficar <strong>com</strong> ele? Um diaeu estava tão nervosa, tão tensa que eu não lem<strong>br</strong>o o que eu chamei aatenção <strong>de</strong>le, ele veio para cima <strong>de</strong> mim <strong>com</strong> tudo me empurrando assimcontra a pare<strong>de</strong>, já pensou se ele me dá um tapa <strong>com</strong> to<strong>da</strong> a força <strong>de</strong>le?Então você veja a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>, eu já passei tanta dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>, tantosofrimento, tanta angústia que não gosto nem <strong>de</strong> lem<strong>br</strong>ar, só nunca mais eu fuia casa <strong>de</strong>ssa cunha<strong>da</strong>, fiz amiza<strong>de</strong> <strong>com</strong> ela tudo, oi, bom dia, boa tar<strong>de</strong>,


165conversamos, mas nunca mais eu fui a casa <strong>de</strong>la, porque <strong>da</strong>quela vez ela sófaltou me bater, porque on<strong>de</strong> que se viu internar o filho, você não é mãe, vocêé um bicho!Olha, é tanta situação que a gente passa <strong>com</strong> um problema assim queagra<strong>de</strong>ço a Deus por ter surgido o CAPS, porque eu pedia que Deus me <strong>de</strong>sseuma luz, que aparecesse uma solução para ajudá-lo, aju<strong>da</strong>r a mim tambémporque eu não estava mais aguentando a situação que nós estávamos vivendo,eu não podia abandonar, tinha dias que eu tinha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> sair pulando,<strong>de</strong>ixar tudo, mas <strong>com</strong>o que eu ia fazer?Essas duas filhas que eu te falei elas são preconceituosas. As outrasduas irmãs o enten<strong>de</strong>m, tratam-no bem, tem uma <strong>de</strong>las que se forma nopróximo mês, técnica em enfermagem. Esses dias ela estava me mostrandouns livros que explicam o problema <strong>de</strong>le, então a gente foi levando assim, masfoi muito difícil, mesmo assim eu procurava sempre apoiá-lo.Mas eu fui cria<strong>da</strong> naquele sistema tradicional, eu não sabia, não seiser muito carinhosa, hoje eu estou bem diferente. Mas tempos atrás não, crieitodos os meus filhos naquele regime mais ou menos <strong>com</strong>o eu fui cria<strong>da</strong>, aconvivência ficava difícil, a convivência <strong>com</strong> as filhas era difícil porque asopiniões eram diferentes e todo o sofrimento que eu tive <strong>com</strong> o marido.Ele era alcoólatra, era um inferno a nossa vi<strong>da</strong>, nós vivíamos <strong>br</strong>igando,porque todo dia ele bebia, <strong>de</strong>pois eu <strong>com</strong>ecei a participar do ALANON e<strong>com</strong>ecei a apren<strong>de</strong>r que eu tinha que me <strong>de</strong>sviar <strong>de</strong>le quando ele tava bêbado.Tinha dias que parecia que eu ia explodir, porque <strong>com</strong> cinco filhos ao redor <strong>da</strong>sminhas pernas, uma casa pequena sem conforto, não tinha, naquela época,nem água encana<strong>da</strong>, não tinha banheiro, não tinha na<strong>da</strong>, olha o que eu sofri.Eu agra<strong>de</strong>ço a Deus <strong>de</strong> eu ain<strong>da</strong> estar aqui <strong>com</strong> 67 anos, porque o que eupassei.Agora nossa convivência está melhor, mas essa irmã <strong>de</strong>le que agoraestá morando conosco [irmã <strong>de</strong> Paulo que se separou, e está morando em umacasa nos fundos <strong>da</strong> casa que Paulo resi<strong>de</strong> <strong>com</strong> a mãe], ain<strong>da</strong> tem, inclusivetem um cunhado que é assim também, sabe ela não aceita, só critica, às vezeseu fico magoa<strong>da</strong>, às vezes nós discutimos. Eu engulo coisas que às vezes eufico me segurando para evitar confusão <strong>com</strong> ela, porque nós precisamos


166conviver juntos. É uma dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> a nossa convivência <strong>com</strong> ela. Mas eu nuncafiquei ausente <strong>de</strong>les.Minha convivência <strong>com</strong> o Paulo é boa, nós estamos vivendo bemmelhor, ele é meu <strong>com</strong>panheiro, às vezes eu <strong>br</strong>igo <strong>com</strong> ele, co<strong>br</strong>o sabe, porqueeu não venço tudo, eu não dou conta <strong>de</strong> tudo. Ele não faz economia <strong>de</strong> luz, <strong>de</strong>água, vai lavar uma louça não faz economia <strong>de</strong> <strong>de</strong>tergente, eu co<strong>br</strong>o nessesentido, Paulo você tem capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r que está difícil.Mas nós dois vivemos bem, quando era só nós dois lá em casa era difícil <strong>da</strong>rconfusão, nós nos <strong>da</strong>mos muito bem, sempre moramos sozinhos os dois, eleme tolera, eu também o tolero, às vezes eu co<strong>br</strong>o <strong>de</strong>le, às vezes ele co<strong>br</strong>a <strong>de</strong>mim que eu estou muito nervosa, mas eu acho que ele também <strong>de</strong>ve enten<strong>de</strong>rque a minha situação não é fácil, na i<strong>da</strong><strong>de</strong> que eu estou.Eu estou forte <strong>de</strong>mais, porque tenho visto <strong>pessoa</strong>s até mais novas queeu que estão entregando os pontos, e eu estou lutando. Eu co<strong>br</strong>o, eu não vouviver para sempre, chego até conscientizar ele, olha uma hora ou outra eu mevou <strong>com</strong>o tua irmã se foi e <strong>da</strong>í <strong>com</strong>o que fica? Você precisa se aju<strong>da</strong>r, fazeraquilo que está na tua capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>, porque se eu não me aju<strong>da</strong>r aí a casa caí<strong>de</strong> vez.Nestes nove internamentos, na pior crise que ele teve eu rezava, pediaque Deus me iluminasse para que eu encontrasse uma forma <strong>de</strong> ajudá-lo, ummétodo <strong>de</strong> conscientizá-lo so<strong>br</strong>e a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> medicação porque eu via natelevisão, ouvia no rádio muitas vezes as <strong>pessoa</strong>s falarem que esse problemase tomasse a medicação corretamente, era possível viver uma vi<strong>da</strong> normal eeu sonhava isso para ele.Meu Deus! Foi um dia, por intermédio <strong>de</strong> uma amiga minha queconhecia uma moça que fazia <strong>tratamento</strong> no CAPS que apareceu o CAPS,<strong>de</strong>sco<strong>br</strong>i o CAPS, aí <strong>com</strong>eçou a melhora. Eu já entrei em contato <strong>com</strong> o CAPS,fizemos a entrevista e ele <strong>com</strong>eçou o <strong>tratamento</strong>, aceitou o <strong>tratamento</strong>. Graçasa Deus! Foi a partir do <strong>tratamento</strong> no CAPS que <strong>com</strong>eçou o meu alívio, elenunca mais foi internado, agora toma a medicação corretamente. Ele <strong>com</strong>eçoua participar do CAPS. Vinha todo dia <strong>de</strong> manhã, voltava à tar<strong>de</strong>. Ali tem umaassistência no geral, a<strong>com</strong>panhamento médico, psicólogo, assistente social,assistente ocupacional, ele <strong>com</strong>eçou a fazer as terapias. Foi o meu alívio.


167Nós nunca tínhamos ouvido falar do CAPS, que eu me lem<strong>br</strong>e nohospital psiquiátrico nunca me falaram na<strong>da</strong>, talvez quem sabe até falavam,mas eu estava tão perturba<strong>da</strong>. E eu an<strong>da</strong>va a procura <strong>de</strong> um serviço assim. Nohospital psiquiátrico <strong>da</strong>vam alta, ele ia para casa, eu ficava to<strong>da</strong> esperançosaque não precisaria mais passar por aquilo, passado uns dias <strong>com</strong>eçava tudo <strong>de</strong>novo. Depois que ele <strong>com</strong>eçou no CAPS, aí sim, aí melhorou, <strong>com</strong>eçou amelhorar tudo, porque lá tinham reuniões frequentemente, quando tinha <strong>com</strong> os<strong>familiar</strong>es eu nunca <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> participar, nas <strong>com</strong>emorações eu sempre estavapresente, apoiando.No CAPS nós víamos a situação um do outro, todo mundo contandosua história, seu problema, eles explicavam <strong>com</strong>o que era a doença, o quetinha que fazer. Nossa! Era uma maravilha! Tinha o atendimento <strong>familiar</strong>, asassembléias, eu sempre estava presente, tinha atendimento <strong>com</strong> equipemultiprofissional, vários profissionais o aten<strong>de</strong>ndo, várias ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s para elefazer, ocupar a mente, era muito bom. Eu sempre procurei apoiá-lo.Eu me lem<strong>br</strong>o <strong>de</strong> uma conversa, que o Paulo achava que eu não oamava, que o internava porque não gostava <strong>de</strong>le e foi em uma reunião noCAPS que eu disse para ele: eu amo você, se eu não amasse você eu nãoestaria aqui <strong>da</strong>ndo todo o apoio. Eu te interno porque amo você e não querovê-lo na rua, feito um mendigo, jogado, sofrendo, e a forma que eu encontrei <strong>de</strong>te aju<strong>da</strong>r foi o internamento porque lá eu sei que você está sendo cui<strong>da</strong>do. Nãoé falta <strong>de</strong> amor. Parece que ele foi enten<strong>de</strong>ndo melhor.Depois do CAPS, eu <strong>com</strong>ecei a a<strong>com</strong>panhar o Paulo na Associação,porque teve uma época que ele não queria mais vir. Eu disse não Paulo, vocênão po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sistir, se você ficar só em casa vai <strong>de</strong>cair, vai ficar só em casa, nãovai fazer na<strong>da</strong>, não dá. Eu já participava <strong>da</strong> oficina no CAPS e disse para ele:vamos os dois para a Associação, quero apren<strong>de</strong>r a fazer coisas diferentes, eununca tive chance <strong>de</strong> fazer essas coisas, quando nova eu não tinha <strong>com</strong>oestu<strong>da</strong>r, naquela época era tudo difícil, eu não sabia fazer na<strong>da</strong>, disse: agoraeu vou apren<strong>de</strong>r <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> velha, um tricô, um bor<strong>da</strong>do, um biquinho <strong>de</strong>crochê, o que eu pu<strong>de</strong>r apren<strong>de</strong>r, vou apren<strong>de</strong>r e foi aí que eu <strong>com</strong>ecei aparticipar <strong>da</strong> Associação.Eu tenho muita dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> financeira, e às vezes eu co<strong>br</strong>o <strong>de</strong>le aquestão do trabalho, eu entendo, que tem ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s que ele não tem <strong>com</strong>o


168fazer, por exemplo, trabalhar em uma empresa, é difícil, tanto que ele está<strong>de</strong>sempregado, sem ganho nenhum, às vezes eu co<strong>br</strong>o no sentido <strong>de</strong> fazeraquilo que ele tem capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer, <strong>com</strong>o as esteirinhas que ele faz muitobem. Eu digo para ele fazer as esteirinhas em casa, para nós sairmos ven<strong>de</strong>r,porque eu faço chinelos, estou ven<strong>de</strong>ndo artesanatos na Associação. Alémdisso, frequentar a Associação me aju<strong>da</strong> muito, é uma terapia para mim, estouapren<strong>de</strong>ndo várias coisas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> velha [risos].Eu nunca trabalhei fora, meu marido não me <strong>de</strong>ixou trabalhar, então eunão tenho outro meio <strong>de</strong> ganhar dinheiro. É por isso que eu o incentivotambém, não po<strong>de</strong> parar, tem que apren<strong>de</strong>r o que está na sua capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>,vamos nos aju<strong>da</strong>r. É nesse sentido que eu co<strong>br</strong>o <strong>de</strong>le, Paulo você tem muitacapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>, você é inteligente, po<strong>de</strong> fazer aquilo que você tem ao teu alcance,mas faça, para nós conseguirmos um dinheiro extra, porque eu sozinha, só<strong>com</strong> um salário mínimo não estou conseguindo <strong>da</strong>r conta, está difícil. Estou mecansando, porque tudo é <strong>com</strong>igo, tudo é minha cabeça que tem que funcionare ain<strong>da</strong> tenho que correr atrás <strong>de</strong> um dinheirinho. Está <strong>com</strong>plicado, tem diasque estou explodindo <strong>de</strong> nervosa.Eu espero ain<strong>da</strong> conseguir um trabalho ou um beneficio para que elepossa receber alguma coisa, isso eu ain<strong>da</strong> tenho que procurar, mas eu já an<strong>de</strong>ime batendo, só que eu teria que pagar o INSS assim por conta por certo tempopara <strong>de</strong>pois ele adquirir uma aposentadoria, mas meu dinheiro não dá. Euespero encontrar um meio que eu possa ter um ganho para ele, porque eu sóme preocupo que amanhã ou <strong>de</strong>pois eu vá e quem vai <strong>da</strong>r apoio para ele? Asirmãs não vão <strong>da</strong>r.


169FAMÍLIA 3Entrevista <strong>com</strong> F3Mãe e F3 Gustavo juntosTom vital: Passei por vários internamentos e acredito que atualmente a forma<strong>de</strong> tratar <strong>da</strong> <strong>pessoa</strong> em sofrimento mental é bem diferente. Antes era na base<strong>da</strong> força, a maioria <strong>da</strong>s terapêuticas eram utiliza<strong>da</strong>s sem critério. Nossa vi<strong>da</strong>era um inferno, foi <strong>de</strong>pois que ele <strong>com</strong>eçou a participar do NAPS quepassamos a aceitar e enten<strong>de</strong>r a doença. Faz oito anos que ele não é maisinternado.F3Gustavo: Eu vou contando a minha história e a mãe vai <strong>com</strong>plementando.F3Mãe: Ele quer <strong>com</strong>eçar.F3Gustavo: Eu <strong>com</strong>ecei a apresentar os sintomas do quadro psiquiátrico aos<strong>de</strong>zessete anos, antes disso eu estu<strong>da</strong>va, fazia SENAI, não tinha nenhumproblema. Acho que isso aconteceu porque meu pai bebia muito, ele chegavaem casa em<strong>br</strong>iagado, <strong>com</strong>eçava a <strong>br</strong>igar <strong>com</strong> minha mãe, a discutir, e euficava no quarto escutando, aquilo foi me afetando e eu <strong>com</strong>ecei a ficar ruim,saia <strong>de</strong> casa sem <strong>de</strong>stino.A mãe <strong>com</strong>eçou perceber que alguma coisa estava erra<strong>da</strong> e me levouao Instituto Freud. Chegando lá, primeiro passei pela consulta, <strong>de</strong>pois resolvifugir. Meu irmão e o padrinho <strong>de</strong>le foram me encontrar lá no [nome <strong>de</strong> umbairro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba], me pegaram e me levaram para casa, <strong>de</strong>poisdisso, parece que fui encaminhado para o [nome <strong>de</strong> um pronto atendimentopsiquiátrico <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba] e lá fiquei uma semana, <strong>de</strong> lá me levaram <strong>de</strong>ambulância para o [nome <strong>de</strong> um hospital psiquiátrico].Eu vivia <strong>de</strong> internamento em internamento, passei por todos oshospitais <strong>da</strong>qui, ficava em média seis meses internado. Eu era internado ficavabem voltava para casa, ficava ruim, novamente era internado. Era assim <strong>de</strong>hospital psiquiátrico em hospital psiquiátrico. Meu último internamento foi no[nome <strong>de</strong> um hospital psiquiátrico], fiquei 110 dias.No [nome <strong>de</strong> um hospital psiquiátrico] era tudo muito rigoroso, porexemplo, ir <strong>de</strong> um local para o outro, eles proibiam, chamavam a atenção,


170quando eu era internado eu costumava gritar e não podia, se eu gritasse,qualquer coisa, se eu cantasse alto sempre me continham. Já no [nome <strong>de</strong>outro hospital psiquiátrico] é livre, tem um pátio, lá você po<strong>de</strong> gritar, po<strong>de</strong> fazero que quiser, só não po<strong>de</strong> <strong>br</strong>igar. Tinha hospital que eu gritava, cantava. Euachava que era normal cantar, gritar, mas me aplicavam injeção, aplicavamduas injeções por noite em mim, eu perguntava por que o senhor está fazendoisso? Perguntava para a enfermeira e ela me respondia que era o médico quetinha autorizado. Não falava para o que era, só aplicava.Tinha a camisa <strong>de</strong> força, e o lençol <strong>de</strong> contenção que era uma lona<strong>com</strong> cinco buracos, para os <strong>br</strong>aços, as pernas e a cabeça, eu ficava assim[enquanto falava o colaborador foi <strong>de</strong>monstrando <strong>com</strong>o ele ficava no lençol <strong>de</strong>contenção]. Tinha o enfaixamento também, eu ficava igual uma múmia, não melem<strong>br</strong>o se é um pano molhado primeiro, <strong>de</strong>pois outro seco para a <strong>pessoa</strong> ficarcalma, ficava três horas assim.Eles falavam para mim: vai dormir. Eu continuava falando, eleschamavam o <strong>pessoa</strong>l. Vamos fazer um grupo <strong>de</strong> oito porque ele não querobe<strong>de</strong>cer. Eu não queria ir dormir, me levavam e me continham. De dia eu nãome lem<strong>br</strong>o o que eu fazia, mas me continham também. Então na reunião, eupedi para ser contido a noite inteira.F3Mãe: ele pedia, eles continham. Um dia me chamaram no hospital, tinhauma feri<strong>da</strong> <strong>de</strong>sse tamanho atrás na coluna verte<strong>br</strong>al <strong>de</strong>le e ficou um buracão, omédico ligou para mim para eu <strong>com</strong>prar a poma<strong>da</strong> e levar lá para passaremnele, ficou todo machucado, <strong>de</strong>morou para ficar bom, quando continham ele,eles <strong>da</strong>vam um nó e <strong>de</strong>ixavam o nó bem na parte <strong>de</strong>baixo.F3Gustavo: eu gritava e eles perguntavam: por que você está gritando? Eunão conseguia explicar, eles me aplicavam remédio e eu dormia.F3Mãe: ele não contava o que estava se passando.F3Gustavo: no outro dia eu gritava <strong>de</strong> novo, ficava contido. Eu não sabia quetinha essa feri<strong>da</strong>, eu não notava, só percebi <strong>de</strong>pois, quando os auxiliares <strong>de</strong>enfermagem passavam a poma<strong>da</strong> e diziam que tinha uma feri<strong>da</strong>, quando eusaí <strong>de</strong> alta e fui tomar banho, que eu olho, na coluna tinha um buraco.Antes não tinha o grupo <strong>de</strong> oito, quando um agredia o outro, oenfermeiro chamava o <strong>pessoa</strong>l, uns <strong>de</strong>z, quinze, pegavam à força e colocavamna camisa <strong>de</strong> força. Lá no [nome <strong>de</strong> um hospital psiquiátrico] pegavam pelo


171pescoço, puxavam e jogavam no cubículo, já no [nome <strong>de</strong> outro hospitalpsiquiátrico] chegavam e pegavam à força, tinham uns que pisavam <strong>com</strong> o péna face do outro, pegavam torciam o <strong>br</strong>aço e levavam para colocar nacontenção, amarravam, ficava duas, três horas, não tinha tempo certo.Agora não, agora tem o grupo <strong>de</strong> oito, essa técnica já existia, mas amaioria <strong>da</strong>s instituições psiquiátricas aqui <strong>de</strong> Curitiba não a executavam, agorafazem. Caso um agri<strong>da</strong> o outro um fala grupo <strong>de</strong> oito e <strong>de</strong>pois levam para acontenção, é mais mo<strong>de</strong>rno que antes, antes usavam a força.O cubículo é uma salinha, no canto tem uma porta <strong>com</strong> um furo paraolhar para <strong>de</strong>ntro e para fora e uma janela <strong>de</strong> ferro, pegavam a <strong>pessoa</strong> pelopescoço e os outros pegavam pelos <strong>br</strong>aços e jogavam lá <strong>de</strong>ntro para seacalmar. Lá tinha uma cama <strong>de</strong> pedra, aquela tipo cimento, só tinha umcobertor, eles jogavam a <strong>pessoa</strong> ali, ficava sem <strong>com</strong>er e sem beber. Ficavaumas três, quatro horas mais ou menos.Agora tinha uns, por exemplo, a <strong>pessoa</strong> agredia, era quinze para asseis, eles falavam para a <strong>pessoa</strong> ir jantar, <strong>de</strong>pois que jantava eles pegavam a<strong>pessoa</strong> e jogavam lá no cubículo, amanhecia. Eu só fiquei uma vez que eu me<strong>de</strong>sentendi <strong>com</strong> outro paciente, aí pegaram e me jogaram lá, fecharam a porta,eu fiquei <strong>da</strong>s 14 às 18 horas, só que no escuro a gente acabava dormindo, eudormi, não vi mais na<strong>da</strong>, quando me tiraram <strong>de</strong> lá eu fiquei meio sem noção.Eletrochoque eu levei no [nome <strong>de</strong> um hospital psiquiátrico] porque eunão sentia alegria, tristeza, eles colocavam um colchão, me colocavam ali, umsegurava as pernas para não tremer, outro os <strong>br</strong>aços, colocavam uma borrachapara eu mor<strong>de</strong>r e colocavam dois negócios assim [<strong>de</strong>monstra os eletrodos nacabeça] que vinham <strong>de</strong> um aparelho parecido <strong>com</strong> um rádio. Quando ligavamesse aparelho, eu sentia <strong>com</strong>o se fosse um soco e dormia, acor<strong>da</strong>va em outrasala. Aí fui melhorando.F3Mãe: ele não melhorava, ca<strong>da</strong> vez pior, mais variado ele ficava, mais falandobobagem, uns três meses ficou lá e não melhorava aí <strong>de</strong>ram esse eletrochoquenele, ele endireitou.F3Gustavo: quando eu era internado sempre aju<strong>da</strong>va os técnicos e auxiliares<strong>de</strong> enfermagem <strong>com</strong> o banho dos pacientes que eram mais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes.Também tinha a questão <strong>da</strong> alimentação, no [nome <strong>de</strong> um hospital psiquiátrico]eu gostava do almoço, <strong>da</strong> janta, à noite era sopa. Nos internamentos também


172tinham ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s: corri<strong>da</strong>, vôlei, sinuca, que eu gosto bastante, baile [lem<strong>br</strong>a amãe], baile tinha também [risos], eu aprendi a jogar bocha, tinha futebol <strong>de</strong>salão, uns varriam o banheiro, cui<strong>da</strong>vam <strong>da</strong> cozinha, ca<strong>da</strong> um tinha uma tarefa.Agora se a <strong>pessoa</strong> não fazia aquela tarefa eles tiravam, colocavam em umamais fácil.So<strong>br</strong>e o <strong>tratamento</strong>, hoje é mais mo<strong>de</strong>rno, antes era a base <strong>da</strong> força.“Eu gostava <strong>de</strong> ir ao NAPS [...]. Lá fazia ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> jardinagem, curso <strong>de</strong>confeiteiro, jogava futebol, nas quartas-feiras tinha teatro, as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s sãodividi<strong>da</strong>s. Tinha atendimento <strong>com</strong> equipe multiprofissional. Além disso, ca<strong>da</strong>um tinha um projeto terapêutico individual, uns faziam jardinagem, outroscui<strong>da</strong>vam <strong>da</strong> cozinha, outros faziam <strong>com</strong>pras no supermercado, eles <strong>da</strong>vamlicença para fazer <strong>com</strong>pras. No NAPS eu ficava <strong>da</strong>s 8 horas <strong>da</strong> manhã até às16 horas. Lá eu me sentia bem, mas tinham horas que cansava, era cansativo”.Eu preferia o NAPS do que o internamento em hospital psiquiátrico, porque nointernamento não me sentia bem.F3Mãe: tudo <strong>com</strong>eçou dos 17 para os 18 anos, um dia ele amanheceu e nãoanoiteceu. O pai bebia, chegava em<strong>br</strong>iagado, surrando a mim e os meus filhos,então se o Gustavo não trabalhasse, o pai <strong>br</strong>igava, aí ele ia trabalhar, to<strong>da</strong> vezsaia para procurar serviço <strong>de</strong> servente <strong>de</strong> pedreiro, ele trabalhava por dia, àsvezes chegava em casa <strong>com</strong> os pés queimados <strong>com</strong> cal. Um dia eu chamei elepara jantar, disse: tem virado <strong>de</strong> feijão, só tem isso hoje, ele <strong>com</strong>eu e foidormir.Naquele tempo não tinha guar<strong>da</strong> roupa no quarto <strong>de</strong>les tinha só umaprateleira, entrei no quarto, ele estava do<strong>br</strong>ando roupa, eu ah ele apren<strong>de</strong>u aarrumar as roupas, está arrumando a roupa, fui dormir, quando eu levantei nooutro dia, cadê o homem? O que ele po<strong>de</strong> levar no corpo, ele levou, ficou<strong>de</strong>ssa grossura <strong>de</strong> roupa, vestiu várias peças, encheu a mochila <strong>de</strong> roupa,ca<strong>de</strong>rno e sumiu. Eu <strong>de</strong>i parte na polícia e fui procurar ele, no [nome <strong>de</strong> umbairro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba] on<strong>de</strong> o pai <strong>de</strong>le estava fazendo uma casa, masnão o encontrei. Quando voltei para casa o Gustavo estava lá.Foi a partir <strong>de</strong>sse dia que eu fui perguntar para as meninas que eramcolegas <strong>de</strong> escola <strong>de</strong>le e elas disseram: mas a senhora não sabe que oGustavo não está certo <strong>da</strong> cabeça? Ele não está bem, porque na escola eleconta que sai apostar corri<strong>da</strong> <strong>com</strong> os ônibus. Aí eu resolvi levar ele no médico,


173o médico <strong>de</strong>u remédio para ele tomar por 15 dias e disse para ele ficar emcasa, mas ele parava um pouquinho, ah eu vou ao pátio, tem alguém mechamando, eu achava que era ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixava ele sair, anoitecia e nãoamanhecia.Tinha que an<strong>da</strong>r procurando ele, um dia eu o levei à uma consulta,<strong>de</strong>ixei ele na porta do consultório e fui ao banheiro, quando voltei, ele tinhasumido, ele pensou que seria internado e fugiu. Era meia noite quando oachamos, ele estava em um campo no [nome <strong>de</strong> um bairro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>Curitiba], internamos ele e ele ficou bem, voltou a trabalhar <strong>de</strong> novo, um dia<strong>de</strong>pois do trabalho ele foi <strong>com</strong>prar um sapato, <strong>com</strong>prou sapato, relógio e sumiu.E não vinha, não vinha para casa, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cinco dias ele ligou dizendo queestava indo para Apareci<strong>da</strong> do Norte. Eu perguntei se ele estava indo <strong>de</strong>ônibus, ele disse que não, estava indo a pé. Perguntei do dinheiro, ele disseque não tinha um tostão.Falei para ele ligar novamente para me passar o en<strong>de</strong>reço <strong>de</strong> on<strong>de</strong> eleestava para irmos buscá-lo. Eu chorava dia e noite, ficava na janela esperandoque ele aparecesse, para mim ele já estava morto, pois ele ligou 15 dias<strong>de</strong>pois, o que se espera <strong>de</strong> uma <strong>pessoa</strong> que some? Foram 15 dias <strong>de</strong>pois queele ligou e pediu para um senhor <strong>da</strong>r o en<strong>de</strong>reço <strong>de</strong> on<strong>de</strong> ele estava para irmosbuscá-lo, imagine, ele foi 18 km para adiante <strong>de</strong> Registro (SP).O pé <strong>de</strong>le estava horrível, e<strong>de</strong>maciado que chegava estar para fora dosapato, ele estava barbudo, parecia um mendigo, a blusa rasga<strong>da</strong>, um carrobateu nele, os <strong>br</strong>aços estavam bem machucados, o cabelo gran<strong>de</strong>,encontramos ele assim, parecia que fazia muito tempo que ele estava perdido.Eu penso que as <strong>pessoa</strong>s que viram mendigos são aquelas que saem doenteassim, se per<strong>de</strong>m e nunca mais po<strong>de</strong>m voltar para casa. Nós tivemos a sortedo Gustavo sempre que saia assim, lem<strong>br</strong>ar o telefone <strong>de</strong> casa e ligaravisando.Trazia ele para casa, internava <strong>de</strong> novo, tomava a medicação ficavabom, ele chegou a tomar apenas meio <strong>com</strong>primido <strong>de</strong> haldol, mas <strong>com</strong>eçou adizer: eu não sou doente, não quero tomar remédio. Parava <strong>de</strong> tomar amedicação caia tudo <strong>de</strong> novo. Agora ele estava tomando <strong>de</strong>zesseis<strong>com</strong>primidos, mas o psiquiatra está tentando reduzir ao máximo a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> medicação <strong>de</strong>le.


174Tinham hospitais que eram ruins, lá no [nome <strong>de</strong> um hospitalpsiquiátrico] nós chegávamos lá, ele estava sujo, <strong>de</strong>scalço, sem roupa, ele<strong>da</strong>va os calçados para os outros ou roubavam <strong>de</strong>le, não sei, nós <strong>de</strong>ixávamos aroupa <strong>de</strong>le, mas íamos lá ele estava <strong>com</strong> uma roupa estranha, era muita gente,era aquele povo, nós chegávamos lá, tinham gra<strong>de</strong>s nas janelas, era enorme<strong>de</strong> alto, eles lá agarrados pedindo pão, <strong>com</strong>i<strong>da</strong>, nós íamos chegando e elespedindo. No [nome <strong>de</strong> outro hospital psiquiátrico] era muita gente, todosmisturados, eram três an<strong>da</strong>res. A primeira vez que ele ficou internado, euchegava lá para <strong>da</strong>r <strong>com</strong>i<strong>da</strong> para ele, esse homem <strong>da</strong>va to<strong>da</strong> a roupa <strong>de</strong>le,chegava lá e ele nu. Ah! A senhora não po<strong>de</strong> visitá-lo porque ele está semroupa. Mas, olha! Que ele per<strong>de</strong>u roupa nesses hospitais. Meu Deus do céu!Até ele melhorar ele <strong>da</strong>va to<strong>da</strong> a roupa <strong>de</strong>le para os outros e ficava fechado.Agora lá no [nome <strong>de</strong> outro hospital psiquiátrico] não, lá se ele <strong>de</strong>sse aroupa, eles arrumavam outra, to<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> ele estava limpo, vestido. Já no [nome<strong>de</strong> um hospital psiquiátrico], não levava roupa, chegava lá man<strong>da</strong>vam tomarbanho e <strong>da</strong>vam outra roupa, todos usavam um macacão ver<strong>de</strong>. Eu saia às 5horas <strong>da</strong> manhã <strong>da</strong> minha casa para ir para o hospital, chegava lá às 8 horas,na hora <strong>da</strong> reunião, chegava lá ele estava limpo, esperando.Quando ele melhorou, nós chegávamos e ele já estava aju<strong>da</strong>ndo naor<strong>de</strong>m <strong>da</strong> fila, recebia um, pegava o nome do outro. Nesse hospital tinha corte<strong>de</strong> cabelo, chegava lá ele estava aju<strong>da</strong>ndo, limpinho, lá era bom, ele era bemtratado. No [nome <strong>de</strong> outro hospital psiquiátrico] quando eu trazia ele na sextafeiraele não queria mais voltar, eu tinha que mentir que íamos ao cinema,quando estava chegando na porta do hospital eu dizia: vamos chegar aqui queaqui tem baile, chegava lá e ele ficava.Quando ele estava na camisa <strong>de</strong> força, eles <strong>de</strong>ixavam entrar para <strong>da</strong>rágua, iogurte para ele, mas tinham hospitais que se ele estava contido eles não<strong>de</strong>ixavam entrar. To<strong>da</strong> quinta-feira tinha reunião <strong>de</strong> manhã, eu chegava lá eleestava bem, <strong>com</strong>ia o lanche que eu levava, um dia eu cheguei, fiqueiescutando perto <strong>da</strong> pare<strong>de</strong>, escutando ele gritando, eu disse para a outravizinha que estava <strong>com</strong> a filha <strong>de</strong>la lá, disse parece que ele está amarrado,nisso o médico apareceu e disse: a senhora po<strong>de</strong> entrar, eu entrei ele estavalá, <strong>com</strong> as mãos amarra<strong>da</strong>s, as pernas.


175Naquele tempo era mais fácil internar, não era <strong>com</strong>o hoje. Hoje é difícilpara internar, naquele tempo nós pedíamos para o médico, eu falava para ele,olha precisa internar o Gustavo dá para arrumar uma vaga? Ele conversava<strong>com</strong> a equipe e arrumava a vaga.Da primeira vez que o Gustavo foi internado eu cheguei no hospital omédico queria saber o que estava acontecendo <strong>com</strong> ele, eu disse: ele saiucaminhar, eu não contava <strong>com</strong>o era minha vi<strong>da</strong> em casa, eu não sabia que eutinha que contar tudo que acontecia na minha casa. Quando chegou a vez domeu filho conversar <strong>com</strong> o médico ele foi e contou tudo, disse meu pai éalcoólatra ele bate na minha mãe, ele bate no meu irmão, bate em mim, contoutudo. O médico saiu <strong>da</strong> sala e disse: a senhora entre aqui <strong>de</strong> novo, a senhoraquer que o seu filho melhore? Eu respondi: É a coisa que eu mais quero navi<strong>da</strong>. Então, a senhora não venha mentir aqui no hospital, <strong>com</strong>o que a senhoravem contar que a sua vi<strong>da</strong> é <strong>de</strong> um jeito que não é? Eu disse: para mim é umavergonha eu vir aqui contar o que eu passo na minha casa. O médico: maspara seu filho melhorar a senhora tem que contar o que aconteceu <strong>com</strong> ele.Retomando o que eu estava falando, <strong>com</strong>o ele já era adulto, eu penseique ele tomava a medicação direito, quando foi um dia eu disse: nós vamos aomédico para consultar e fui aten<strong>de</strong>r o telefone, que eu vejo, o Gustavo <strong>com</strong> amochila nas costas. Aon<strong>de</strong> que você vai Gustavo? Volta aqui! Não volto. Voltasenão eu chamo a polícia. Ele respon<strong>de</strong>u: eu não matei, não roubei, quero ir aomédico agora. Eu fui lá a<strong>br</strong>i o portão e disse: volte para <strong>de</strong>ntro, que o médico ésó <strong>de</strong> tar<strong>de</strong>. Eu fiz um virado <strong>de</strong> feijão, ele <strong>com</strong>eu, ah eu vou agora e esperovocês lá no hospital, eu disse: então espere lá, que nós vamos <strong>de</strong>pois doalmoço, ia eu e meu irmão.Chegamos no hospital e na<strong>da</strong> do Gustavo, e foi cinco horas e foi seishoras, o médico disse: agora a hora que encontrar ele tem que internar. Euvoltei para casa, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> três dias ele ligou, disse: ah! Eu estou trabalhandona política. Mas isso tudo era coisa <strong>da</strong> cabeça <strong>de</strong>le. Disse: eu vim <strong>de</strong> bicicleta,passei em Matinhos, Caiobá, Guaratuba, e estou aqui em uma estra<strong>da</strong> que vaie vem e faz um oito, vem me buscar. Imagine! Eu ia procurar aon<strong>de</strong>? Aviseiuma vizinha do que estava acontecendo e que ela aten<strong>de</strong>sse ao telefone lá emcasa caso o Gustavo ligasse e eu fui à polícia, conversei <strong>com</strong> eles, elesmostraram as ruas por on<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>sse ser que o Gustavo estivesse e nós (eu e


176meu filho) fomos <strong>de</strong> atrás <strong>de</strong>le pela estra<strong>da</strong> velha <strong>da</strong> graciosa, na<strong>da</strong> <strong>de</strong>encontrar, eu já estava há três noites e três dias sem <strong>com</strong>er e sem dormir, sóna janela esperando, eu já estava variando o meu juízo.Quando nós estávamos chegando perto <strong>de</strong> atravessar a BR, para mimnós estávamos ain<strong>da</strong> muito longe <strong>de</strong> Curitiba, a vizinha ligou para o meu filho edisse: encontraram o Gustavo lá em Santa Catarina. Meu filho disse: <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>uns minutos estou chegando. Eu pensei, meu Deus! Dentro <strong>de</strong> alguns minutos?Nós íamos era nos matar naquela BR. Quando chegamos na frente do portão<strong>da</strong> minha casa eles <strong>de</strong>sembarcaram, meu filho passou no serviço <strong>da</strong> minhanora pegar ela, eles <strong>de</strong>sceram, eu fiquei, eles disseram: você não vai<strong>de</strong>sembarcar? A senhora não vai <strong>de</strong>scer? Eu disse já? Ele disse é nós estamosem casa, eu não sabia mais aon<strong>de</strong> que eu an<strong>da</strong>va.Quando entrei em casa, tocou o telefone, eu atendi, era a polícia <strong>de</strong>Guaramirim, a polícia militar achou ele caído, ele <strong>de</strong>smaiou <strong>de</strong> certo <strong>de</strong> fome,caiu, só que<strong>br</strong>ou o pe<strong>da</strong>l <strong>da</strong> bicicleta, levaram ele para a polícia civil, <strong>de</strong>ram<strong>com</strong>i<strong>da</strong>. Nós fomos buscá-lo, chegamos lá, ele estava faceiro, <strong>com</strong> umarranhãozinho na face. Às duas horas <strong>da</strong> manhã nós estávamos ali no [nome<strong>de</strong> uma emergência psiquiátrica <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba], três e pouco nósestávamos lá no [nome <strong>de</strong> um hospital psiquiátrico] internando ele, ficou 110dias lá.Eu fui ver os remédios <strong>de</strong>le, ele tomava hoje um, acho que amanhãtomava outro, ele tomava a medicação <strong>de</strong> forma irregular, eu larguei por conta,achei que ele tomava certinho, por isso que ele voltou para o hospital, hoje, euatendo ele, arrumo em uma xícara o remédio e to<strong>da</strong> noite eu pergunto: tomou oremédio? Tem que tomar o remédio! Vai tomar! É por isso que ele está bom atéagora. Esse foi o último internamento <strong>de</strong>le, faz uns oito anos. Ah! Ele foi umdos primeiros usuários a participar do NAPS em Curitiba, foi fun<strong>da</strong>dor[colaboradora fala <strong>com</strong> orgulho].Agora ele toma a medicação corretamente, ele aceitou que tem umproblema, antes ele não aceitava, não queria aceitar que era doente. Como nóstambém <strong>de</strong>moramos a aceitar. Eu dizia: toma o remédio Gustavo! Elerespondia. Eu não estou doente. Não tomava, voltava para o hospital, eu iatrabalhar <strong>de</strong>ixava ele e o outro [o irmão <strong>de</strong> Gustavo] em casa, estava bom, mas<strong>br</strong>igavam, o outro não aceitava que ele era doente, ele fazia qualquer coisinha


177chamava ele <strong>de</strong> louco. Ah! Um dia ele [Gustavo] <strong>de</strong>u um chute no irmão lá naesca<strong>da</strong> que ele caiu lá embaixo. Cheguei lá no pronto socorro, ele tinhafraturado três arcos costais. Cheguei em casa, fui procurar o Gustavo e na<strong>da</strong>,no outro dia achei ele e o levei ao médico, aí internamos ele <strong>de</strong> novo. Mas eles<strong>br</strong>igavam, <strong>br</strong>igavam que não podiam se ver.Nesse tempo <strong>de</strong> doença <strong>de</strong>le, sem participar do NAPS, a nossa vi<strong>da</strong>era um ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro inferno, era só <strong>br</strong>iga porque achávamos que era ruin<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong>le, meu marido achava que era ruin<strong>da</strong><strong>de</strong> e eu também, <strong>de</strong>pois que o pai <strong>de</strong>lemorreu, ele <strong>com</strong>eçou a ir no NAPS, lá tinham as reuniões para nós [a família]irmos. To<strong>da</strong> semana tinha reunião, foi lá que nós, eu e meu outro filhoapren<strong>de</strong>mos <strong>com</strong>o é que tratava <strong>de</strong>le. No hospital psiquiátrico não falavam,naquelas reuniões <strong>de</strong> família, não explicavam, só perguntavam o que ele faziaquando ia <strong>de</strong> visita para casa, <strong>com</strong>o que ele estava. Quando ele estava <strong>de</strong> altaem casa, quando ele <strong>com</strong>eçava a ficar doente, meu Deus do céu! Brigavam,<strong>br</strong>igavam, mas era só <strong>br</strong>iga, mas não era <strong>de</strong> bater, ele nunca foi agressivo, sódiscussão, mas <strong>com</strong> o irmão então, meu Deus! Brigavam, <strong>br</strong>igavam que nossa.Porque lá em casa ninguém entendia o problema do Gustavo.Até hoje eu fico pensando, a gente é ignorante quando é o filho <strong>da</strong>gente, ou um <strong>familiar</strong> que está doente, a gente tem vergonha, o pai <strong>de</strong>le morreue não aceitava que ele era doente, o irmão <strong>br</strong>igava, <strong>br</strong>igava <strong>de</strong> se que<strong>br</strong>arem,porque achava que ele era ruim. Quando o Gustavo ia ser internado pelaprimeira vez, eu ligava para casa, o pai perguntava: já mu<strong>da</strong>ram o Gustavo <strong>de</strong>hospital? Ain<strong>da</strong> não? Eu não quero que ele vá para o [nome <strong>de</strong> um hospitalpsiquiátrico], eu não quero que interne ele em hospital <strong>de</strong> louco.Além disso, tem o preconceito dos outros, o Gustavo era catequista, eleera amigo <strong>de</strong> todo mundo <strong>da</strong> rua, quando ele ficou doente, só diziam: lá vai olouquinho, o louquinho, e até hoje somos eu, ele, o irmão e aqui as meninaspara conversar <strong>com</strong> ele [quando se refere às meninas, a colaboradora está sereferindo aos participantes <strong>de</strong> uma Associação <strong>de</strong> <strong>familiar</strong>es e <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong>transtorno mental]. Ele não tem amigo. E assim foi nós tínhamos vergonha <strong>de</strong>ter um filho <strong>com</strong> transtorno mental. Nossa! Era a coisa mais triste do mundo.Foi quando <strong>com</strong>eçou a ter as reuniões no NAPS, eu e o irmão <strong>de</strong>leíamos, lá ensinavam, conversavam conosco, aí que nós <strong>com</strong>eçamos a aceitar,nós não aceitávamos a doença <strong>de</strong>le, que ele era doente. Nossa! Agora


178vivemos que é uma beleza, em harmonia, porque naquele tempo não <strong>da</strong>va, eraum inferno. Posso dizer que essas mu<strong>da</strong>nças pela reforma psiquiátrica forampara melhor, eu ia às reuniões do NAPS eu via o trabalho <strong>de</strong>les, o que elesfaziam lá, estava tudo exposto para ver, ele fez até um tubarão <strong>de</strong> mosaico quefoi premiado lá em São Paulo, foi muito bom ele ficar no NAPS.Eu saia <strong>de</strong> madruga<strong>da</strong> <strong>de</strong> casa para levar ele no NAPS, <strong>de</strong>pois que jáfazia certo tempo que ele frequentava o NAPS, o médico disse para <strong>de</strong>ixá-lo irsozinho, para sabermos <strong>com</strong>o ele estava, aí ele <strong>com</strong>eçou a ir sozinho, jáestava bom, ficou dois anos a primeira vez e na segun<strong>da</strong> vez ficou um ano emeio. Foi lá que nós fizemos amiza<strong>de</strong> <strong>com</strong> to<strong>da</strong>s as <strong>pessoa</strong>s que até hojetemos amiza<strong>de</strong>. Foi muito bom. O meu outro filho quando <strong>com</strong>eçou a ir àsreuniões que tinha no NAPS <strong>com</strong>eçou a enten<strong>de</strong>r <strong>com</strong>o que era tudo, nósvíamos um o problema do outro, é assim que se trata. Agora está uma beleza!Posso dizer que a gran<strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> reforma, <strong>de</strong>sses serviços foienten<strong>de</strong>rmos a doença. Além disso, no NAPS ele tinha atendimento <strong>com</strong> umaequipe multiprofissional.Ele saiu do NAPS, não foi mais a lugar nenhum, foi na oficina <strong>de</strong>mosaico, foi lá um dia, <strong>de</strong>pois não quis ir mais. A Associação pagou um curso<strong>de</strong> mosaico para ele. Aí ele fez o curso e ficou fazendo mosaico em casa, àsvezes eu acordo e pergunto: o que está assistindo Gustavo? Estoutrabalhando, fazendo mosaico. Agora eu e ele participamos há sete anos <strong>da</strong>Associação, fomos um dos fun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong> [nome <strong>de</strong> uma Associação <strong>de</strong><strong>familiar</strong>es e <strong>pessoa</strong>s <strong>com</strong> transtorno mental].Tem as medicações também, atualmente a UBS fornece todos osmedicamentos, antes, o salário <strong>de</strong>le era só para <strong>com</strong>prar os remédios, antesnão <strong>da</strong>vam, tinha que pagar tudo, agora a UBS fornece.A nossa convivência, agora é muito boa, o Gustavo me aju<strong>da</strong>, limpa acasa, sai para pagar conta. Ele faz tudo. Tudo que eu tenho <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa foiele que <strong>com</strong>prou, ele vai <strong>com</strong>prando em prestação. Comprou máquina <strong>de</strong> lavarroupa, fogão, jogo <strong>de</strong> cozinha, pia, sofá, televisão, ví<strong>de</strong>o, <strong>com</strong>putador,filmadora. Ele é aposentado por invali<strong>de</strong>z.


179APÊNDICE CInstrumento <strong>de</strong> Coleta <strong>de</strong> Dados1. Dados <strong>de</strong> I<strong>de</strong>ntificação:1.1. Nome: ______________________________________________________1.2. En<strong>de</strong>reço: ___________________________________________________1.3. Contato: ____________________________________________________1.4. I<strong>da</strong><strong>de</strong>: ______________________________________________________2. Composição <strong>familiar</strong>: ____________________________________________3. Grau <strong>de</strong> Parentesco <strong>com</strong> o portador <strong>de</strong> transtorno mental:a) Familiar A: __________b) Familiar B: __________4. Antece<strong>de</strong>ntes <strong>familiar</strong>es psiquiátricos (grau <strong>de</strong> parentesco e tipo <strong>de</strong>transtorno): Ex. Mãe-esquizofrenia; pai-alcoolismo, tia materna-<strong>de</strong>pressão__________________5. Quantas e quais <strong>pessoa</strong>s na família têm diagnóstico e faz <strong>tratamento</strong> <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> mental:2. Relate <strong>com</strong>o você vivencia a trajetória <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> do seu <strong>familiar</strong> nasaú<strong>de</strong> mental.Relate <strong>com</strong>o você vivencia a sua trajetória <strong>de</strong> <strong>tratamento</strong> na saú<strong>de</strong> mental.


ANEXOS180


181ANEXO ACarta <strong>de</strong> cessão dos direitos *Curitiba, <strong>de</strong> ________ <strong>de</strong> 2009Destinatário,Eu, __________________(nome, estado civil, documento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>),<strong>de</strong>claro para os <strong>de</strong>vidos fins que cedo os direitos <strong>de</strong> minha entrevista, grava<strong>da</strong>para a mestran<strong>da</strong> do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Enfermagem <strong>da</strong>Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Paraná Letícia <strong>de</strong> Oliveira Borba, usá-la integralmenteou em partes, sem restrições <strong>de</strong> prazos e limites <strong>de</strong> citação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a presente<strong>da</strong>ta.Subscrevo a presente.____________________Assinatura do Colaborador* A<strong>da</strong>ptado do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> carta <strong>de</strong> cessão proposto por Meihy (2007) p. 149.


182ANEXO BParecer do Comitê <strong>de</strong> Ética em Pesquisa

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