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J. Carlos de Assis - Ibase

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Ciclo <strong>de</strong> semináriosFórum Social Brasileiro, Belo Horizonte, 7 e 8 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2003Um projeto <strong>Ibase</strong>, em parceria com ActionAid Brasil, Attac Brasil eFundação Rosa LuxemburgoO imperativo do pleno emprego no Brasil contemporâneoJ. <strong>Carlos</strong> <strong>de</strong> <strong>Assis</strong>EconomistaGostaria <strong>de</strong> abordar o tema <strong>de</strong>ste painel na perspectiva do exercício daliberda<strong>de</strong>. Liberda<strong>de</strong>, essencialmente, como direito <strong>de</strong> escolha. Foiproposta a discussão <strong>de</strong> um novo modo <strong>de</strong> produção e <strong>de</strong> consumo <strong>de</strong>massas. Supõe- se talvez que tenhamos esgotado, no capitalismo, algumpadrão único <strong>de</strong> produção e consumo que seria único, e que <strong>de</strong>vamosprocurar uma alternativa, ou eventualmente valorizar alternativas jáexistentes. É este, pelo menos em parte, o pressuposto latente da propostados organizadores.Vou cometer uma pequena <strong>de</strong>scortesia, <strong>de</strong> uma forma muito fraterna, aosque me convidaram para este seminário. Não vou falar das escolhas ou dasalternativas, mesmo porque não sou um especialista no assunto. Vou falardas condições objetivas para que as escolhas mencionadas, qualquer <strong>de</strong>las,possam ser feitas. Não é uma fuga completa do tema, porque outros itens1


– na realida<strong>de</strong>, todos os <strong>de</strong>mais itens da ementa que me <strong>de</strong>ram – serãoabordados. Mas é a questão das condições <strong>de</strong> escolha que me interessafocar centralmente.Para se escolher com liberda<strong>de</strong> um outro modo <strong>de</strong> produção e consumo épreciso ter acesso, pelo menos em tese, ao modo <strong>de</strong> produção e consumodominante. Do contrário, não se estará fazendo uma escolha real. Muitoprovavelmente, se estará seguindo uma das muitas estratégias <strong>de</strong>sobrevivência a que milhares, na verda<strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> brasileiros, <strong>de</strong> latinoamericanose <strong>de</strong> marginalizados <strong>de</strong> outros países procuram trilhar porimperativo das circunstâncias sociais e econômicas. Isto, insista- se, não éescolha. Nem liberda<strong>de</strong>.As circunstâncias que estão produzindo e reproduzindo o fenômeno <strong>de</strong>marginalização em massa nos nossos países não são uma característicaintrínseca do capitalismo. São uma característica intrínseca, sim, doliberalismo. O capitalismo é um modo <strong>de</strong> produção relativamente flexível.A Europa do Norte é capitalista, os Estados Unidos são capitalistas, o Japãoé capitalista, a China avança segundo o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> produção capitalista.Ninguém dirá, obviamente, que o modo <strong>de</strong> vida e mesmo a buscaindividual <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> sejam nestes países exatamente iguais. Poucosignoram que estes países vivem ou viveram em algum momento situações<strong>de</strong> virtual pleno emprego.O capitalismo é uma categoria econômica. O liberalismo econômico – parao distinguir do liberalismo político, que é outra coisa – é uma categoriapolítica. É o liberalismo econômico, na sua radicalização na <strong>de</strong>fesa doprimado absoluto da proprieda<strong>de</strong> privada, que torna o capitalismo ummodo <strong>de</strong> produção anti- social e um coveiro da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha. Pois osupremo ato <strong>de</strong> propotência liberal consiste exatamente em privar2


<strong>de</strong>snecessariamente milhões <strong>de</strong> pessoas do trabalho remunerado, pelo quea maioria <strong>de</strong>las não têm escolhas reais a fazer, a não ser a busca<strong>de</strong>sesperada da sobrevivêncica.O <strong>de</strong>semprego em massa tem sido, nas duas últimas décadas, uminstrumento <strong>de</strong>liberado <strong>de</strong> política fiscal e monetária para assegurarestabilida<strong>de</strong> financeira e <strong>de</strong> câmbio, <strong>de</strong> uma forma “amigável” para osespeculadores financeiros planetários. No tempo <strong>de</strong> Marx, falava- se emexército industrial <strong>de</strong> reserva. Era consi<strong>de</strong>rado, porém, um fenômenoconjuntural do ciclo capitalista <strong>de</strong>terminado pela concorrência tecnológica.Do fim dos anos 70 para cá, tornou- se crônico, e aceito politicamentecomo tal, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Europa (exceto do Norte) até a América Latina, para nãomencionar a África e outros países do Oriente.Os i<strong>de</strong>ólogos do capitalismo liberal, tendo os economistas vulgares àfrente, cunharam a expressão <strong>de</strong>semprego estrutural como uma fatalida<strong>de</strong>permanente, diante da qual todos, inclusive o mundo político, <strong>de</strong>veriam seacomodar. Aqui entre nós, acadêmicos pouco escrupulosos inventaram aexpressão “crise <strong>de</strong> empregabilida<strong>de</strong>”, pela qual atribuíram a culpa pelo<strong>de</strong>semprego aos próprios <strong>de</strong>sempregados. Não vou per<strong>de</strong>r tempo com arefutação <strong>de</strong>ssas sandices: o <strong>de</strong>sempenho norte- americano dos anos 90mostrou que o capitalismo <strong>de</strong> ponta não precisava ter crise <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempregomesmo com gran<strong>de</strong>s avanços tecnológicos. E candidatos com cursosuperior completo na fila <strong>de</strong> 131 mil preten<strong>de</strong>ntes a uma das 800 vagas <strong>de</strong>gari da Comlurb no Rio <strong>de</strong> Janeiro, no segundo trimestre <strong>de</strong>ste ano,evi<strong>de</strong>nciaram a falácia da “empregabilida<strong>de</strong>”.A crise <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego por que passa a América Latina e, com menosintensida<strong>de</strong>, os países industrializados da Europa Continental éconsequência direta da política macroeconômica ditada pela ressurgência3


liberal nos anos 80. Ela só tem um paralelo na história: a Gran<strong>de</strong>Depressão dos anos 30. Também na Gran<strong>de</strong> Depressão a prolongação dacrise <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego <strong>de</strong>pois do crash da bolsa <strong>de</strong> Nova Iorque resultou <strong>de</strong>políticas liberais, exatamente as mesmas que nos recomendam agora,baseadas no que chamam <strong>de</strong> “austerida<strong>de</strong>” fiscal e “finanças saudáveis”.Por uma estratégia <strong>de</strong> marketing, chamam agora o velho liberalismo <strong>de</strong>neoliberalismo. É essencialmente a mesma coisa, com os mesmosresultados.No caso brasileiro, por ainda não sermos industrializados, a Depressão dosanos 30 nos atingiu apenas marginalmente, via queda do mercado <strong>de</strong> café.Já a crise atual nos atinge em cheio. Em 2000, pelos resultados do Censo,o <strong>de</strong>semprego no país todo atingia 15,04% da força <strong>de</strong> trabalho. Os dadosmais recentes <strong>de</strong> amostras do IBGE dão conta <strong>de</strong> uma taxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempregoaberta <strong>de</strong> 13% nas seis maiores metrópoles, seguida <strong>de</strong> perto por uma taxa<strong>de</strong> 13,5% <strong>de</strong> ocupados com remuneração inferior a um salário mínimo. Jáas taxas do DIEESE apontam <strong>de</strong>semprego <strong>de</strong> 20% em São Paulo e <strong>de</strong> quase30% em Salvador e no Recife. É uma situação que po<strong>de</strong> caracterizar- secomo <strong>de</strong>pressão profunda.Para se ter uma base <strong>de</strong> comparação, o pico do <strong>de</strong>semprego nos anos 30nos Estados Unidos e na Alemanha foi 26%. Tratava- se então, como setrata agora, <strong>de</strong> uma tragédia social. Por trás do emprego vem osubemprego, por trás do subemprego a marginalida<strong>de</strong>, por trás damarginalida<strong>de</strong> o aumento da violência, a perda da auto- estima, amarginalização, o fim da liberda<strong>de</strong>. E a revolta. É justamente aí que mora operigo, mas é também aí que mora a salvação. Pois a revolta, semcondução política coerente, não vai além das sublevações. Entretanto, elatambém po<strong>de</strong> ter direção política bem <strong>de</strong>finida, no rumo da regeneração eda prosperida<strong>de</strong>. É a isso que voltarei mais adiante.4


Nos anos 20 e 30, que assinalam a primeira gran<strong>de</strong> crise do capitalismonuma situação <strong>de</strong> cidadania ampliada – on<strong>de</strong> pobres, trabalhadores emulheres passaram a participar plenamente do corpo político via direito <strong>de</strong>voto e <strong>de</strong> ser votado - , abriram- se, diante da grave crise social, quatroalternativas <strong>de</strong> projeto nacional: o fascismo italiano (o <strong>de</strong>semprego na Itáliajá era excessivamente alto nos anos 20), o nazismo alemão, a social<strong>de</strong>mocraciasueca e o New Deal norte- americano. Os dois primeiros,embora bem sucedidos no campo do combate ao <strong>de</strong>semprego,<strong>de</strong>generaram em guerra; o último, junto com o mo<strong>de</strong>lo sueco, <strong>de</strong>finiria operfil das socieda<strong>de</strong>s industriais no pós- guerra.O New Deal, no próprio coração do sistema capitalista, foi uma revoluçãopolítica sem prece<strong>de</strong>ntes. Contrapôs ao capitalismo liberal o capitalismoregulado, e ao liberalismo econômico a <strong>de</strong>mocracia social. O êxito do NewDeal se projetou sobre o quarto <strong>de</strong> século do pós- guerra no mundoindustrializado, caracterizado como a era do ouro do capitalismo. Era <strong>de</strong>ouro não apenas por conta do tremendo <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico,mas, sobretudo, em razão da notável afluência social. O <strong>de</strong>sempregopraticamente <strong>de</strong>sapareceu e a prosperida<strong>de</strong> avançou rapidamente nospaíses industrializados avançados. Entretanto, foi justamente este êxitoespetacular que está na origem da contra- revolução liberal.Na economia, os anos da ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouro caracterizaram- se pela aplicação<strong>de</strong> políticas keynesianas expansivas, baseadas no crédito generoso ebarato para a produção, e no gasto público, inclusive <strong>de</strong>ficitário, paramelhorar e ampliar os serviços públicos básicos e a infra- estruturaeconômica. Nós próprios, no Brasil e na América Latina, participamos namargem <strong>de</strong>sse processo, através das chamadas políticas<strong>de</strong>senvolvimentistas iniciadas por Vargas. Foram políticas visionárias, que5


monetária criou o ambiente <strong>de</strong> cassino nas relações financeirasinternacionais, e os donos do cassino, para aten<strong>de</strong>r a sua clientela,passaram a propor um tipo <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> que preservasse o jogo.As políticas keynesianas <strong>de</strong> expansão fiscal e monetária, <strong>de</strong> notória eficáciapara reverter uma recessão e garantir o pleno emprego, verificaram- seimpraticáveis para o controle da inflação. Por outro lado, comoconsequência <strong>de</strong> seu próprio êxito, moldaram uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> classesmédias afluentes, <strong>de</strong>spreocupadas com o <strong>de</strong>semprego (havia se perdido amemória dos anos 30) e incomodada pela inflação, que corroía sua renda eseus ativos financeiros acumulados. Em uma palavra, inverteu- se amotivação da maioria do corpo político nos países industrializados: antes,ela queria proteção social e garantia <strong>de</strong> emprego; agora, tendo- se tornadoafluente, passou a reivindicar estabilida<strong>de</strong> financeira, <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> que logose apropriaram os i<strong>de</strong>ólogos liberais.Sem a rememoração <strong>de</strong>sses processos seria incompreensível a eleição <strong>de</strong>Margareth Thatcher na Grã- Bretanha e <strong>de</strong> Helmut Kohl na Alemanha.Thatcher, antes <strong>de</strong> Reagan, simboliza o gran<strong>de</strong> momento inicial da contrarevoluçãokeynesiana. Mais sofisticada intelectualmente que o presi<strong>de</strong>ntenorte- americano, ela recolheu os <strong>de</strong>stroços do velho liberalismo e osremontou numa doutrina coerente <strong>de</strong> suposta mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, ancorada noprimado da iniciativa privada e na liberda<strong>de</strong> irrestrita dos mercados, emconfronto não apenas com o socialismo moribundo mas com a própriasocial <strong>de</strong>mocracia européia.É evi<strong>de</strong>nte que a classe dirigente <strong>de</strong> uma antiga potência industrial<strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte, nas bordas da Europa, não teria como formular a i<strong>de</strong>ologia domundo industrializado e exportá- la para a periferia, não fosse por suaassociação com Reagan, alimentada por motivações idênticas. Neste caso,9


porém, ficamos diante <strong>de</strong>sses casos singulares da história em que apotência hegemônica absorve uma i<strong>de</strong>ologia, pratica uma outra e exporta,através <strong>de</strong> seus mecanismos <strong>de</strong> influência, principalmente o crédito, umaterceira.É justamente isso o que foi o Governo Reagan: um missionário doliberalismo retórico, fazendo gigantescos déficits fiscais na melhor tradiçãokeynesiana, e impondo ao resto do mundo, através das agênciasmultilaterais que controla, o FMI e o Banco Mundial, as políticas fiscais emonetária mais restritivas <strong>de</strong> que se tem notícia. A União Européia, aocontrário, alinhou- se fielmente ao neoliberalismo: pelo Tratado <strong>de</strong>Maastricht impôs aos países membros tremendas restrições fiscais (déficitorçamentário máximo <strong>de</strong> 3% do PIB, dívida pública máxima <strong>de</strong> 60% do PIB)e, através do Banco Central Europeu, restringiu extremamente a políticamonetária – <strong>de</strong> forma que, nem pela política fiscal, nem pela políticamonetária, qualquer país da União po<strong>de</strong> fazer hoje políticas anti- cíclicas <strong>de</strong>pleno emprego. (Contudo, Alemanha e França já avisaram que vão romperos limites do déficit.)Não se po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista, porém, as condições sociológicas diversasdos Estados Unidos e da Europa Oci<strong>de</strong>ntal. Nesta última, a socieda<strong>de</strong> dobem estar avançou muito mais que na América. Por isso, a socieda<strong>de</strong>americana tolera menos o <strong>de</strong>semprego que a socieda<strong>de</strong> européia, on<strong>de</strong> aproteção ao <strong>de</strong>semprego é muito mais abrangente. O fato realmenteextraordinário <strong>de</strong>ssas últimas duas décadas não são as ambigüida<strong>de</strong>spolíticas das nações do Centro do sistema capitalista, mas a formasubalterna como as nações da periferia, com a Argentina e o Brasil à frente,aceitaram alinhar sua economia a um mo<strong>de</strong>lo em total contradição com asua realida<strong>de</strong> sociológica.10


E aqui, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ssa longa volta, regressamos ao ponto inicial: como po<strong>de</strong>a socieda<strong>de</strong> brasileira, que não é uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> bem estar, e cujamaioria do corpo político não é formada por afluentes, mas por miseráveis,acatar uma doutrina econômica e incorporá- la na política cotidiana quandoisso implica tolerar taxas <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego <strong>de</strong> 20% e até 30% em algumasmetrópoles?Não há uma resposta simples para esta pergunta, sobretudo porque não háuma classificação simples da socieda<strong>de</strong> brasileira. A extremaheterogeneida<strong>de</strong>, recoberta por um dos mais elevados índices <strong>de</strong>concentração <strong>de</strong> renda e <strong>de</strong> riqueza do mundo, reflete- se necessariamentenuma gran<strong>de</strong> ambigüida<strong>de</strong> no corpo político, i<strong>de</strong>ologicamente dominadopelas classes afluentes. Mesmo assim, é um equívoco supor que osresultados das quatro últimas eleições presi<strong>de</strong>nciais tenha sido produto <strong>de</strong>manipulação. Os candidatos vitoriosos, sem exceção, se apresentaramcomo portadores <strong>de</strong> mudanças que eram objetivamente reclamadas pelamaioria do eleitorado.Numa época em que a inflação atingia sobretudo as classes baixas, nãoprotegidas pela moeda in<strong>de</strong>xada, Collor não se apresentou como ocampeão do neoliberalismo, o que acabou sendo, mas como o único capaz<strong>de</strong> liquidar a inflação. Não conseguiu, nem po<strong>de</strong>ria conseguir com seuplano maluco, e acabou posto para fora. Itamar, no seu curto mandato,percebeu que sairia como um fracassado se não vencesse a inflação. Deu aFernando Henrique a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acabar com ela e, com isso, elegerse.A vitória contra a inflação <strong>de</strong> décadas ren<strong>de</strong>u a Fernando Henrique nãouma, mas duas eleições. Não conseguiu, porém, fazer o sucessor. E nãoconseguiu porque incorporou, com o neoliberalismo, a indiferença emrelação ao <strong>de</strong>semprego, que recru<strong>de</strong>sceu a partir <strong>de</strong> 99. Lula pareceu aopovo mais confiável neste terreno do que o candidato oficial.11


Emprego no Brasil, reunindo vários movimentos sociais e com um portal naInternet (www.<strong>de</strong>sempregozero.org.br) . Para ter êxito, qualquer propostaalternativa <strong>de</strong>ve estar colada à realida<strong>de</strong> sociológica. E como a realida<strong>de</strong>sociológica que nos caracteriza é a realida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>semprego generalizado,inspiramos nossa proposta no New Deal dos anos 30, o gran<strong>de</strong> plano <strong>de</strong>Roosevelt que reverteu a Gran<strong>de</strong> Depressão.O Movimento Desemprego Zero não é uma iniciativa <strong>de</strong> gerar empregos <strong>de</strong>um ponto <strong>de</strong> vista microeconômico. Isso, como dito acima, correspon<strong>de</strong> aestratégias <strong>de</strong> sobrevivência que temos <strong>de</strong> respeitar, seja na forma <strong>de</strong>camelôs ou perueiros, <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>dores ambulantes ou sacoleiros, <strong>de</strong>pequenos artesãos a coletadores <strong>de</strong> lixo. Entretanto, não po<strong>de</strong> se constituirnum projeto <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>. O Movimento Desemprego Zero é uma propostapolítica. A política <strong>de</strong> pleno emprego, num plano mais geral, é um projeto<strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> solidária, politicamente coesa, um ponto intermediário para osocialismo <strong>de</strong>mocrático.Tecnicamente, no plano econômico, a política <strong>de</strong> pleno emprego po<strong>de</strong> serresumida em três pontos: (i) aumento do dispêndio público, via redução oueventual eliminação do superávit do orçamento primário; (ii) reduçãodrástica da taxa <strong>de</strong> juros básica para patamares internacionais e expansãodo crédito interno; (iii) controle da conta <strong>de</strong> capitais e administração docâmbio, sem o que é inviável estabelecer as duas medidas anteriores. Noque diz respeito ao aumento do dispêndio público, a priorida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser areforma agrária (as classes dirigentes brasileiras nos <strong>de</strong>vem isso <strong>de</strong>s<strong>de</strong>19850), a educação, a saú<strong>de</strong>, a segurança, a habitação, o saneamento, aDefesa, assim como a infra- estrutura. Todos são setores que po<strong>de</strong>m sercontemplados com pesados investimentos internos sem pressionar asimportações e sem gerar tensões inflacionárias, gerando, ao contrário,milhões <strong>de</strong> empregos.13


Os neoliberais contestam a política <strong>de</strong> pleno emprego sob o argumento <strong>de</strong>que gera inflação. É uma falácia técnica. Enquanto houver alto <strong>de</strong>semprego,o dispêndio público, mesmo <strong>de</strong>ficitário, não gera inflação <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda. Ena medida em que a economia se aproximar do pleno emprego, po<strong>de</strong>- se e<strong>de</strong>ve- se recorrer a políticas <strong>de</strong> rendas, no âmbito <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> pactosocial, para compatibilizar as reivindicações salariais com o aumento daprodutivida<strong>de</strong>, contra a alternativa perversa <strong>de</strong> usar a política monetária <strong>de</strong>juros estratosféricos, como temos feito, para conter a inflação. Aliás, arelativa estabilida<strong>de</strong> da Ida<strong>de</strong> do Ouro do capitalismo na Europa Oci<strong>de</strong>ntalse <strong>de</strong>veu fundamentalmente aos pactos sociais em torno <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong>rendas.Não se trata <strong>de</strong> uma fantasia, pois a política <strong>de</strong> pleno emprego já foiaplicada com êxito para enfrentar as anteriores gran<strong>de</strong>s crises <strong>de</strong><strong>de</strong>semprego no capitalismo: foi aplicada na Suécia, na Alemanha, nosEstados Unidos antes da guerra. E praticamente em todos os paísesindustrializados <strong>de</strong>pois da guerra, até a contra- revolução liberal dos anos70. Po<strong>de</strong>ria ter sido aplicada aqui, e num sentido limitado o foi, se nãotivéssemos classes dominantes tão dissociadas das <strong>de</strong>mandas sociais porum sistema político restrito. Agora, porém, estamos numa situação <strong>de</strong>cidadania ampliada, e já votamos num Presi<strong>de</strong>nte que se comprometeu agerar em seu mandato 10 milhões <strong>de</strong> novos empregos.Ele não po<strong>de</strong>rá fazer isso a não ser por uma política <strong>de</strong> promoção do plenoemprego. Para aplicá- la, terá <strong>de</strong> romper com o mo<strong>de</strong>lo neoliberal. Terá <strong>de</strong>ser um Roosevelt brasileiro, um campeão do capitalismo regulado, umrealizador <strong>de</strong> esperanças.14


Quero terminar apresentando uma visão concreta das políticas <strong>de</strong> plenoemprego, a fim <strong>de</strong> inspirar uma antevisão do que po<strong>de</strong> vir a ser no Brasil.No New Deal, o governo norte- americano criou uma agência, a WorksProgress Administration, para gerenciar todos os programas governamentais<strong>de</strong> estímulo à economia e ao emprego. Sob esta agência, foramconstruídos ou reconstruídos 820 mil quilômetros <strong>de</strong> rodovias (temos 54mil km <strong>de</strong> rodovias fe<strong>de</strong>rais!), 124 mil pontes e viadutos, 120 mil prédiospúblicos, várias hidrelétricas, projetos <strong>de</strong> regularização <strong>de</strong> três cursos <strong>de</strong>gran<strong>de</strong>s rios junto projetos <strong>de</strong> irrigação; milhares <strong>de</strong> artistas foramcontratados pelo Estado para dar concertos <strong>de</strong> graça, pintores foramcontratados para ornamentar prédios públicos com obras <strong>de</strong> arte, milhares<strong>de</strong> professores, médicos e enfermeiros foram contratados para osprogramas <strong>de</strong> educação e saú<strong>de</strong>. Em uma palavra, o New Deal fez dosEstados Unidos a potência que são hoje.Nós não po<strong>de</strong>mos nos privar do sonho <strong>de</strong> também chegar lá, com umasocieda<strong>de</strong> mais justa e solidária que a socieda<strong>de</strong> norte- americana, apenaspor conta dos preconceitos liberais que seus i<strong>de</strong>ólogos tentam nos imporatravés da manipulação das nossas necessida<strong>de</strong>s financeiras, que elesmesmos fizeram escalar com choque dos juros dos anos 80. De fato, ocordão umbilical que une ao neoliberalismo é a dívida externa. É por causada dívida externa que capitulamos às políticas do FMI e do Banco Mundial.Temos <strong>de</strong> romper este cordão. A forma <strong>de</strong> fazer isso não é não pagar, massó pagar com o crescimento do produto, da renda e sobretudo do empregointernos.15

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