Síndrome do ápice orbitário causada por herpes zóster oftálmico: relato <strong>de</strong> caso e revisão da literatura305INTRODUÇÃOOHerpes zoster ocorre <strong>de</strong>vido à reativação tardia<strong>de</strong> uma infecção pelo vírus da varicelazoster.Embora se manifeste principalmente nos<strong>de</strong>rmátomos sensoriais torácicos, po<strong>de</strong> também acometeros nervos cranianos, como a divisão oftálmica do nervotrigêmeo, quando é <strong>de</strong>nominado herpes zoster oftálmico(HZO), e que ocorre em aproximadamente 10%dos casos. Embora várias complicações oftalmológicas<strong>de</strong>correntes da infecção pelo vírus varicela-zoster já tenhamsido <strong>de</strong>scritas, oftalmoplegia completa e perda visualsão manifestações iniciais raras. (1)Síndrome do ápice orbitário consiste <strong>de</strong> sinais <strong>de</strong>envolvimento das estruturas nervosas que atravessam oforame óptico e a fissura orbitária superior comprometendoos nervos oculomotor, troclear, abducente e da divisãooftálmica do nervo trigêmeo, juntamente com acometimentodo nervo óptico. (2) Po<strong>de</strong> ter várias etiologiasincluindo: afecção neoplásica, vascular, traumática, infecciosaou inflamatória. (3-8)O objetivo <strong>de</strong>ste é relatar a associação rara entrea síndrome do ápice orbitário e a meningite secundáriaà infecção pelo vírus varicela-zoster, além <strong>de</strong> revisaroutros casos na literatura, enfatizando a importância dai<strong>de</strong>ntificação precoce do acometimento do nervo ópticoe discutindo os mecanismos fisiopatogênicos envolvidos,bem como o tratamento <strong>de</strong>sta afecção.Relato do casoPaciente do sexo masculino, 19 anos, branco, previamentehígido, apresentou quadro <strong>de</strong> dor lancinantena hemiface esquerda há 15 dias. Cinco dias após o inícioda dor, houve aparecimento <strong>de</strong> eritema vesicular ee<strong>de</strong>ma periorbital na região inervada pelo ramo oftálmicodo nervo trigêmeo. Evoluiu com perda visual e ptoseà esquerda, associadas à sonolência, cefaléia, anorexia eemagrecimento. Negava febre e outros sintomas.Ao exame externo, o paciente apresentavaeritema máculo-papular, com crostas hemáticas e rarasvesículas na hemiface esquerda, envolvendo a ponta donariz. Ao exame ocular, apresentava acuida<strong>de</strong> visual <strong>de</strong>1,0 no olho direito (OD) e <strong>de</strong> conta-<strong>de</strong>dos a 10 centímetrosno olho esquerdo (OE). A pupila do OE era discretamentemaior que a do OD e havia diminuição da respostafotomotora direta no OE e <strong>de</strong>feito aferente relativoimportante à esquerda. Ao exame da motilida<strong>de</strong> ocularextrínseca foi observada oftalmoplegia completa aesquerda, inclusive ptose palpebral (Figura 1). Aexoftalmometria foi <strong>de</strong> 19 e 23 mm, no OD e OE, respectivamente.A sensibilida<strong>de</strong> corneana e cutânea dafronte estavam diminuídas à esquerda. Ao exame <strong>de</strong>biomicroscopia do segmento anterior, havia hiperemiae quemose conjuntival discreta, e<strong>de</strong>ma <strong>de</strong> córnea discretoe células inflamatórias (duas cruzes) na câmaraanterior. A tonometria <strong>de</strong> aplanação (Goldmann) foi <strong>de</strong>14 e 8 mmHg respectivamente à direita e esquerda. Àoftalmoscopia revelou fundo-<strong>de</strong>-olho normal em ambosos olhos, sem alterações do nervo óptico ou sinais <strong>de</strong>vasculite. O exame neurológico era normal, exceto pelasalterações ocasionadas pelo HZO.O hemograma completo, velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong>hemossedimentação e proteína C reativa eram normais.As sorologias para HIV e hepatite C foram negativas.Figura 1. Exame externo e da motilida<strong>de</strong> ocular extrínseca evi<strong>de</strong>nciando oftalmoplegia completa, com midríase, paralisia da musculaturaocular extrínseca e ptose palpebral.Rev Bras Oftalmol. 2009; 68 (5): 304-8
306Hokazono K, Oliveira M, Moura FC, Monteiro MLRFigura 2. Exames <strong>de</strong> tomografia computadorizada (A1 e A2) e <strong>de</strong> imagem por ressonância magnética (B1 e B2) evi<strong>de</strong>nciando oespessamento dos músculos extra-oculares, realce do nervo óptico e espessamento e realce meníngeo.Foi realizada tomografia computadorizada (TC) <strong>de</strong> órbitase seios da face com cortes axiais e coronais <strong>de</strong>monstrandoespessamento difuso da musculatura ocularextrínseca. A ressonância magnética (RM) <strong>de</strong> crânio eórbitas evi<strong>de</strong>nciou espessamento dos músculosextrínsecos da órbita esquerda, com aumento do sinal <strong>de</strong>impregnação da musculatura ocular extrínseca esquerda,em imagens enfatizando T2; tênue halo <strong>de</strong> realce nonervo óptico esquerdo após administração <strong>de</strong> contraste,realce leptomeníngeo na base do crânio (sugerindo inflamaçãomeníngea regional) e assimetria <strong>de</strong> seios cavernosos,maior à esquerda (indicativo <strong>de</strong> congestão)(Figura 2). A análise do líquor ,extraído por punção lombar,mostrou pressão <strong>de</strong> abertura normal,proteínas=149mg/dl, glicose=32mg/dl (glicemia=63mg/dl), células=418/mm³ (linfócitos=88%).O diagnóstico <strong>de</strong> HZO foi feito baseado no quadroclínico, laboratorial e radiológico. O tratamento, instituídoem regime <strong>de</strong> internação hospitalar, consistiu <strong>de</strong>aciclovir 10mg/kg/dose a cada 8 horas e pulsoterapiacom metilprednisolona intravenoso 500mg/dia por 3dias, seguido <strong>de</strong> prednisona 1mg/kg/dia via oral com reduçãogradual <strong>de</strong> acordo com a remissão dos sinais esintomas, além <strong>de</strong> tratamento tópico, utilizando colírios<strong>de</strong> <strong>de</strong>xametasona 0,1% e tropicamida 1% no olho esquerdo.No 3º dia <strong>de</strong> internação houve melhora daacuida<strong>de</strong> visual <strong>de</strong> conta-<strong>de</strong>dos para 0,3, associada à reduçãodo <strong>de</strong>feito pupilar aferente relativo. A melhora daptose e da motilida<strong>de</strong> ocular extrínseca foi mais lenta,com abertura palpebral parcial e discreta recuperaçãoda abdução após 4 semanas. No 4º mês <strong>de</strong> seguimento, opaciente apresentava acuida<strong>de</strong> visual <strong>de</strong> 1,0 em ambosos olhos, ausência <strong>de</strong> ptose palpebral e rotaçõesbinoculares normais, exceto por adução reduzida do olhoesquerdo (Figura 3).DISCUSSÃOO vírus varicela-zoster (VVZ) é um membro dafamília dos herpes vírus que provoca duas doenças clinicamentedistintas: a varicela e o Herpes zoster. O Herpeszoster é <strong>de</strong>corrente da reativação do VVZ que seencontrava latente, e se manifesta como erupçãovesiculosa aguda e dolorosa em <strong>de</strong>rmátomos, precedidaspor pródromos <strong>de</strong> febre e cefaléia. O Herpes zosteroftálmico (HZO) é <strong>de</strong>corrente da reativação do vírusvaricela-zoster que se encontrava latente no gângliotrigeminal, (9) resultando no comprometimento dos ra-Rev Bras Oftalmol. 2009; 68 (5): 304-8