Set-Out - Sociedade Brasileira de Oftalmologia

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Estudo comparativo da ação da toxina botulínica tipo A e da crotoxina sobre as células satélites da musculatura ...297INTRODUÇÃOOmúsculo esquelético é um tecido capaz de respondera estímulos fisiológicos (como exercíciosintensos) ou a traumas severos através derespostas regenerativas bem organizadas que restauramsua arquitetura em um período de duas semanas (1) . Essacapacidade de regeneração é atribuída a uma populaçãode células que foram, em 1961, identificadas e descritaspela primeira vez por Alexander Mauro, em fibramuscular esquelética de rãs. Ele denominou-as célulassatélites (CS) devido à sua localização na periferia dafibra muscular (2) . Enquanto o tecido muscular esqueléticoencontra-se livre de agressões, as CS permanecem emum estado não proliferativo, ou seja, em estadoquiescente. Em resposta a estímulos (como um trauma)as CS tornam-se ativas, proliferam-se, expressammarcadores miogênicos, fundem-se a fibras muscularespré-existentes ou a CS vizinhas para formar novas fibrasmusculares (1) .Ao contrário da musculatura esquelética, que épós-mitótica, os músculos oculares extrínsecos (MOE)apresentam-se em contínua renovação celular devidoàs CS. McLoon e Wirtschafter descreveram cerca de 2%a 4% de CS positivas para Myo D (myogenicdetermination gene D) em fibras da musculatura ocularexterna de coelhos, macacos e humanos adultos e semsinais de trauma. Observaram também, em ratos e coelhos,a adição de novos mionúcleos às fibras pré-existentes.Isso sugere que os MOE estão em contínua renovação,o que não ocorre, por exemplo, em músculoesquelético adulto dos membros (3-6) .O estrabismo é um desalinhamento dos olhos,freqüentemente associado à hiper ou hipofunção deMOE. O objetivo do tratamento cirúrgico do estrabismoé equilibrar as forças geradas pelos MOE, de maneiraque, na presença de impulsos motores eferentes anormais,o alinhamento binocular normal possa ser alcançadoou mantido. A cirurgia compromete a dinâmicamuscular normal e, inevitavelmente, provoca cicatrizes,incomitâncias e, ocasionalmente, estrabismos secundários(7, 8) .A toxina botulínica do tipo A, aprovada para usoclínico há mais de uma década, tem sido utilizada eficazmentepara o enfraquecimento de músculoshiperfuncionantes no estrabismo de adultos e crianças.Porém, a necessidade de se descobrir um tratamentofarmacológico para o estrabismo, que não cause enfraquecimentomuscular permanente, mas que tenha umaduração maior que a da toxina botulínica, estimula acomunidade científica a pesquisar novas substâncias.Estudos recentes verificaram que a crotoxina foi capazde induzir uma paralisia transitória em músculo retosuperior de coelhos; além disso, sua ação e seu efeitoforam semelhantes aos da toxina botulínica do tipo A. Oconhecimento da participação das células satélites nofuncionamento dos MOE, assim como os métodos de secontrolar a ativação dessas células, têm se tornado umcampo de estudo de grande interesse (9-11) .O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito datoxina botulínica do tipo A e da crotoxina na ativação deCS das fibras musculares de músculos retos superioresde coelhos.MÉTODOSEste estudo experimental e longitudinal foi realizadono biotério da Faculdade de Medicina Veterináriada Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC)– Juiz de Fora, Minas Gerais, e foi aprovado pelo Comitêde Ética em Experimentação Animal (CETEA/UFMG).Foram utilizados 29 coelhos machos albinos, da raçaNova Zelândia, com peso variando de 1,5 kg a 2,5 kg,clinicamente sadios, provenientes da Fazenda Veterináriada Universidade Federal de Minas Gerais (Igarapé– MG). A pesquisa foi conduzida obedecendo-se aos critériosrecomendados pelo Colégio Brasileiro de ExperimentaçãoAnimal (COBEA) e respeitando a Lei FederalBrasileira número 6 638, de maio de 1979. Os animaisforam mantidos em gaiolas suspensas, com água eração específica para a espécie ad libitum e divididosaleatoriamente em dois grupos: botoxina (GB) ecrotoxina (GCrtx).Após a instilação de colírio anestésico decloridrato de benoxinato a 0,4% (oxibuprocaína) no sacoconjuntival de cada olho direito, colocou-se umblefarostato. Usando-se uma pinça denteada para elevara conjuntiva, uma agulha acoplada à seringa de insulina(BD Plastipak – Becton Dickinson Ind. Cirúr. Ltda.,Curitiba – PR), contendo ou Botox® (AllerganPharmaceuticals Ltd – Westport, Irlanda) ou crotoxina(cedida pela Divisão de Imunológicos da FundaçãoEzequiel Dias de Belo Horizonte – Minas Gerais[FUNED]), foi introduzida transconjuntivalmente e penetradano músculo reto superior, a aproximadamente 4mm da inserção muscular. A toxina foi injetada lentamente.O mesmo processo foi executado no olho esquerdocom a aplicação de solução salina em igual volume.Rev Bras Oftalmol. 2009; 68 (5): 296-303

298Lacordia MHFA, Ribeiro GB, Almeida HC, Silva CHRA, Coelho MCJ, Lamim RFBO QUADRO 1 mostra as doses de toxina botulínica ede crotoxina aplicadas em cada coelho. O coelho 5 apresentavaatrofia ocular esquerda, por trauma perfurante,não tendo sido, portanto, aplicada a solução no músculoreto superior de tal olho.Após a aplicação das toxinas e da solução fisiológica,os coelhos foram examinados diariamente paraobservação de existência de efeitos adversos locais esistêmicos. Não houve mudança comportamental. Observou-septose palpebral moderada no olho direito doscoelhos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22,23 e 24 e ptose discreta nos coelhos 11, 12, 13, 14, 25, 26,27, 28 e 29, com duração média de cinco dias. No olhoesquerdo de todos os coelhos, não houve ptose palpebral.Houve sinais de hiperemia conjuntival em todos os coelhosno primeiro dia após a aplicação, mas tais sinaisdesapareceram, na maioria dos animais, no terceiro apósa aplicação. Não foi observada secreção conjuntival.Os animais foram sacrificados por médico veterinário,nos momentos estabelecidos (12, 18 ou 25 diasapós as aplicações), com tiopental sódico (Thiopentax®– Cristália), na dosagem de 20 mg/kg, seguido de injeçãointracardíaca de cloreto de potássio a 10%. Os coelhos1, 6, 11, 15, 20 e 25 foram sacrificados no 12º dia apósas aplicações; os coelhos 2, 3, 7, 8, 12, 16, 17, 21, 22, 26 e27, no 18º dia; os coelhos 4, 5, 9, 10, 13, 14, 18, 19, 23, 24, 28e 29 no 25º dia.Posteriormente, os olhos foram cuidadosamenteenucleados, mantendo-se os músculos retos superioresintactos. Os globos oculares foram colocados em frascosnumerados, com formol tamponado a 10%. Os músculosretos superiores foram desinseridos dos globos oculares.Cada músculo foi colocado em cassete plástico, identificadocom o mesmo número contido no frasco de origeme levado para processamento histológico. Lâminas forammontadas, preparadas e coradas com hematoxilinaeosina e marcadores de células satélites Myo D e PCNA(proliferating cell nuclear antigen).As lâminas tiveram suas identificações recobertasdurante a análise anátomo-patológica e também durantea contagem das CS, realizada por patologista experiente.Foram examinadas em microscópio da marca Nikoncem miofibras escolhidas ao acaso, com aumento de milvezes (ocular de dez vezes e objetiva de cem vezes); foifeita a contagem dos núcleos positivos para o Myo D epara o PCNA, bem como a contagem do total de CS(núcleos positivos e negativos para os marcadores).Os dados foram analisados, calculando-se asmédias aritméticas, o desvio padrão e a amplitude davariação. As variáveis independentes foram representadaspelas substâncias injetadas no músculo reto superiordo olho direito dos coelhos, bem como pelos co-fatorestempo de vida após a aplicação, volume aplicado e dosedas substâncias. As variáveis dependentes foram representadaspela porcentagem de núcleos de CS ativados.A avaliação do efeito foi realizada pela medidada ativação dos núcleos de células satélites, pelos doismarcadores, segundo o cálculo:% núcleos ativados = nº de núcleos ativados/100miofibras/total de núcleos/100 miofibrasO modelo estatístico empregou a comparaçãode médias de porcentagem de núcleos de CS ativadosentre os grupos definidos pelo tipo de substância. Paraavaliar a diferença das médias de porcentagem de núcleosde CS ativados entre os grupos de substâncias, utilizouseo teste de ANOVA, quando foram atendidos os pressupostosde normalidade e homogeneidade das variâncias.No caso do não atendimento dos pressupostos, foi utilizadoo teste não paramétrico de Kruskal-Wallis. Para avaliaçãoda normalidade, foi utilizado o teste de Kolmogorov-Smirnov. Para avaliação da homogeneidade dasvariâncias, utilizou-se o teste de Levene. Para avaliar aexistência de correlação entre o percentual de núcleosativados, as doses, os volumes e os dias de vida após aaplicação, foram utilizados o coeficiente de Pearson e ainspeção do diagrama de dispersão. A interferência dosco-fatores nas associações foi avaliada com o testeANOVA de dois critérios, quando atendidos os pressupostosdos testes paramétricos. Todos os resultados foramconsiderados significativos, em um nível de significânciade 5% (α = 0,05). Valores de p entre 0,05 e 0,10 foramconsiderados marginalmente significativos.RESULTADOSDos 57 músculos retos superiores de coelhos estudados,14 receberam aplicação de toxina botulínica (grupobotoxina), 15 receberam crotoxina (grupo crotoxina)e 28 receberam solução salina (grupo controle). A tabela1 esquematiza os percentuais de núcleos marcadospelo Myo D e pelo PCNA nos grupos estudados. Após arealização dos testes para a análise entre os grupos dospercentuais de contagem dos núcleos marcados respectivamentepelo Myo D e pelo PCNA, notou-se que adiferença entre os efeitos mensurados foi estatisticamentesignificativa (p = 0,000). Não houve diferença estatis-Rev Bras Oftalmol. 2009; 68 (5): 296-303

Estudo comparativo da ação da toxina botulínica tipo A e da crotoxina sobre as células satélites da musculatura ...297INTRODUÇÃOOmúsculo esquelético é um tecido capaz <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>ra estímulos fisiológicos (como exercíciosintensos) ou a traumas severos através <strong>de</strong>respostas regenerativas bem organizadas que restauramsua arquitetura em um período <strong>de</strong> duas semanas (1) . Essacapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regeneração é atribuída a uma população<strong>de</strong> células que foram, em 1961, i<strong>de</strong>ntificadas e <strong>de</strong>scritaspela primeira vez por Alexan<strong>de</strong>r Mauro, em fibramuscular esquelética <strong>de</strong> rãs. Ele <strong>de</strong>nominou-as célulassatélites (CS) <strong>de</strong>vido à sua localização na periferia dafibra muscular (2) . Enquanto o tecido muscular esqueléticoencontra-se livre <strong>de</strong> agressões, as CS permanecem emum estado não proliferativo, ou seja, em estadoquiescente. Em resposta a estímulos (como um trauma)as CS tornam-se ativas, proliferam-se, expressammarcadores miogênicos, fun<strong>de</strong>m-se a fibras muscularespré-existentes ou a CS vizinhas para formar novas fibrasmusculares (1) .Ao contrário da musculatura esquelética, que épós-mitótica, os músculos oculares extrínsecos (MOE)apresentam-se em contínua renovação celular <strong>de</strong>vidoàs CS. McLoon e Wirtschafter <strong>de</strong>screveram cerca <strong>de</strong> 2%a 4% <strong>de</strong> CS positivas para Myo D (myogenic<strong>de</strong>termination gene D) em fibras da musculatura ocularexterna <strong>de</strong> coelhos, macacos e humanos adultos e semsinais <strong>de</strong> trauma. Observaram também, em ratos e coelhos,a adição <strong>de</strong> novos mionúcleos às fibras pré-existentes.Isso sugere que os MOE estão em contínua renovação,o que não ocorre, por exemplo, em músculoesquelético adulto dos membros (3-6) .O estrabismo é um <strong>de</strong>salinhamento dos olhos,freqüentemente associado à hiper ou hipofunção <strong>de</strong>MOE. O objetivo do tratamento cirúrgico do estrabismoé equilibrar as forças geradas pelos MOE, <strong>de</strong> maneiraque, na presença <strong>de</strong> impulsos motores eferentes anormais,o alinhamento binocular normal possa ser alcançadoou mantido. A cirurgia compromete a dinâmicamuscular normal e, inevitavelmente, provoca cicatrizes,incomitâncias e, ocasionalmente, estrabismos secundários(7, 8) .A toxina botulínica do tipo A, aprovada para usoclínico há mais <strong>de</strong> uma década, tem sido utilizada eficazmentepara o enfraquecimento <strong>de</strong> músculoshiperfuncionantes no estrabismo <strong>de</strong> adultos e crianças.Porém, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se <strong>de</strong>scobrir um tratamentofarmacológico para o estrabismo, que não cause enfraquecimentomuscular permanente, mas que tenha umaduração maior que a da toxina botulínica, estimula acomunida<strong>de</strong> científica a pesquisar novas substâncias.Estudos recentes verificaram que a crotoxina foi capaz<strong>de</strong> induzir uma paralisia transitória em músculo retosuperior <strong>de</strong> coelhos; além disso, sua ação e seu efeitoforam semelhantes aos da toxina botulínica do tipo A. Oconhecimento da participação das células satélites nofuncionamento dos MOE, assim como os métodos <strong>de</strong> secontrolar a ativação <strong>de</strong>ssas células, têm se tornado umcampo <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> interesse (9-11) .O objetivo <strong>de</strong>ste estudo foi avaliar o efeito datoxina botulínica do tipo A e da crotoxina na ativação <strong>de</strong>CS das fibras musculares <strong>de</strong> músculos retos superiores<strong>de</strong> coelhos.MÉTODOSEste estudo experimental e longitudinal foi realizadono biotério da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina Veterináriada Universida<strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte Antônio Carlos (UNIPAC)– Juiz <strong>de</strong> Fora, Minas Gerais, e foi aprovado pelo Comitê<strong>de</strong> Ética em Experimentação Animal (CETEA/UFMG).Foram utilizados 29 coelhos machos albinos, da raçaNova Zelândia, com peso variando <strong>de</strong> 1,5 kg a 2,5 kg,clinicamente sadios, provenientes da Fazenda Veterináriada Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais (Igarapé– MG). A pesquisa foi conduzida obe<strong>de</strong>cendo-se aos critériosrecomendados pelo Colégio Brasileiro <strong>de</strong> ExperimentaçãoAnimal (COBEA) e respeitando a Lei Fe<strong>de</strong>ral<strong>Brasileira</strong> número 6 638, <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1979. Os animaisforam mantidos em gaiolas suspensas, com água eração específica para a espécie ad libitum e divididosaleatoriamente em dois grupos: botoxina (GB) ecrotoxina (GCrtx).Após a instilação <strong>de</strong> colírio anestésico <strong>de</strong>cloridrato <strong>de</strong> benoxinato a 0,4% (oxibuprocaína) no sacoconjuntival <strong>de</strong> cada olho direito, colocou-se umblefarostato. Usando-se uma pinça <strong>de</strong>nteada para elevara conjuntiva, uma agulha acoplada à seringa <strong>de</strong> insulina(BD Plastipak – Becton Dickinson Ind. Cirúr. Ltda.,Curitiba – PR), contendo ou Botox® (AllerganPharmaceuticals Ltd – Westport, Irlanda) ou crotoxina(cedida pela Divisão <strong>de</strong> Imunológicos da FundaçãoEzequiel Dias <strong>de</strong> Belo Horizonte – Minas Gerais[FUNED]), foi introduzida transconjuntivalmente e penetradano músculo reto superior, a aproximadamente 4mm da inserção muscular. A toxina foi injetada lentamente.O mesmo processo foi executado no olho esquerdocom a aplicação <strong>de</strong> solução salina em igual volume.Rev Bras Oftalmol. 2009; 68 (5): 296-303

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