Set-Out - Sociedade Brasileira de Oftalmologia

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Avaliação da aplicabilidade e do custo da profilaxia da oftalmia neonatal em maternidades da grande Florianópolis265INTRODUÇÃOAprofilaxia da oftalmia neonatal (ON)gonocócica foi iniciada em 1880. Credé a descreveu como transmitida da mãe para oneonato pelo contágio durante o parto sendo causadaprincipalmente pela bactéria Neisseria gonorrhoeae.Introduziu a técnica de limpar os olhos dos recém-nascidoscom uma solução aquosa de nitrato de prata a 2%.Tal intervenção reduziu o número de casos de ON nohospital-maternidade de Credé em Leipzig de aproximadamente30 casos por ano, para somente um caso nasegunda metade de 1880. 1 O método de Credé foi regulamentadono Brasil pelo Decreto nº 9.713 (1977) e alteradopelo Decreto nº 19.941 (1982), tornando-se entãoobrigatório por lei. 2,3O termo oftalmia neonatal (ON) é usado com freqüênciapara definir a conjuntivite que ocorre nas primeirasquatro semanas de vida, mas alguns autores preferemo termo conjuntivite neonatal devido à diminuiçãoda freqüência do gonococo como microorganismoetiológico e ao aumento da freqüência de outrosmicroorganismos, 4 como Chlamydia trachomatis,Staphylococcus aureus, Haemophilus sp, Streptococcuspneumoniae, Streptococcus faecalis, Pseudomonasaeruginosa, vírus herpes simples tipo II e o agente nitratode prata. 2 A infecção ocular é usualmente adquirida durantea passagem do feto através do canal de parto, sendoincomum afetar recém-nascidos por via cesariana. 5Em países industrializados, taxas de incidênciade oftalmia neonatal variam na conjuntivite porclamídia entre 5 e 60 por 1.000 nascidos vivos, enquantona conjuntivite gonocócica variam entre 0,1 e 0,6por 1.000 nascidos vivos, 6 e sua prevalência varia consideravelmenteao redor do mundo. 7 No Brasil, existempoucos estudos sobre a ON. Um deles foi realizado emPernambuco, registrando uma incidência de 3% deconjuntivite neonatal infecciosa, não registrada aprevalência dos agentes infecciosos por tal incidência. 8Entre os agentes causadores da conjuntiviteneonatal, a bactéria Chlamydia trachomatis infecta aproximadamente50% das crianças nascidas por via vaginalde mães infectadas e tem sido identificada como acausa mais comum de conjuntivite neonatal em algumasregiões do mundo. 9 Embora a C. trachomatis seja oagente mais freqüente de ON na América do Norte, ascomplicações da oftalmia gonocócica são mais severas,aparecem mais rapidamente e são prováveis causas deperda da acuidade visual. 10O quadro clínico da conjuntivite neonatal variade acordo com o agente etiológico. A conjuntivite química,causada pelo nitrato de prata, ocorre nas primeirashoras até dois dias após a instilação, é autolimitadae se manifesta com ligeira secreção catarral, hiperemiaconjuntival e tem duração de vinte e quatro horas namaioria dos casos, não necessitando de tratamento. 11As infecções causadas pela Chlamydia trachomatissurgem do terceiro ao décimo dia de vida, com secreçãomucopurulenta e hiperemia conjuntival, tendocomo antibioticoterapia de escolha a eritromicina. 12Nos casos provocados pela Neisseria gonorrhoeae, quesurgem três a cinco dias após o nascimento por partonormal, com secreção purulenta abundante, edemapalpebral e quemose 13 , a ceftriaxone e a penicilina cristalinaendovenosas são as drogas recomendadas parao tratamento. 6,14O diagnóstico definitivo do agente causador daON é realizado através da cultura da secreção ocular,que por ser um procedimento bastante demorado, o tratamentodeve ser iniciado com base na suspeita clínica eachado de diplococos intracelulares Gram-negativos nabacterioscopia e coloração de raspados conjuntivais, paraevitar as complicações locais das conjuntivitesbacterianas, tais como perfuração da córnea, perda oudiminuição da acuidade visual e complicações sistêmicas:sepse aguda, meningite bacteriana aguda, pneumonia eotite média aguda. 2,14Segundo referências americanas, a prevenção daON pode ser feita com nitrato de prata a 1%, eritromicinaa 0,5%, tetraciclina a 1% ou iodopovidona a 2,5%. 14 OArgirol ® (vitelinato de prata a 10%), somentecomercializado no Brasil e Argentina, também é utilizadona profilaxia da ON. 15 Atualmente, a Academia Americanade Pediatria recomenda a profilaxia em todos osrecém-nascidos independentemente da via do parto.Entretanto, no parto cesáreo, quando a ruptura das membranasse deu há menos de três horas, não é necessária aprofilaxia ocular. 16Uma resolução da 56ª Assembléia Mundial daSaúde, realizada em 2003, definiu que os países membrosdeveriam comprometer-se a apoiar a iniciativaglobal para eliminação da cegueira evitável, lançandoa nível mundial o plano “VISÃO 2020: o direito àvisão”. Estima-se que a ON provoque anualmente, acegueira em mais de 10.000 recém-nascidos ao redordo mundo. 17O presente trabalho tem como objetivo avaliar aaplicabilidade da profilaxia da oftalmia neonatal emcinco serviços de obstetrícia de maternidades da GrandeFlorianópolis.Rev Bras Oftalmol. 2009; 68 (5): 264-70

266Netto AA, Goedert MEOBJETIVOO presente trabalho tem como objetivo avaliar aaplicabilidade da profilaxia da oftalmia neonatal emcinco serviços de obstetrícia de maternidades da GrandeFlorianópolis.MÉTODOSDesenho do estudoO estudo realizado foi uma avaliação em saúde,pelo qual a aplicabilidade do método de Credé foi avaliada.LocalO presente trabalho foi desenvolvido nos cincoprincipais serviços de obstetrícia de maternidades daGrande Florianópolis, sendo quatro instituições públicase uma instituição privada.Coleta dos dadosO levantamento dos dados foi realizado no mêsde março de 2007, através de entrevista oral com aplicaçãode um questionário a neonatologistas e/ou equipesde enfermagem responsáveis pelos berçários das instituições.Foi escolhido ,de forma aleatória, apenas umentrevistado por instituição, num total de 3neonatologistas e 2 membros da equipe de enfermagem.Variáveis de estudoNo questionário constavam dados sobre o métodoprofilático empregado:(Anexo 1)a) agente profilático e sua concentração;b) forma de armazenamento e tempo de troca do agente;c) tempo de instilação da solução após o parto e quantidadede gotas;d) local de aplicação: sala de parto, berçário ou outros;e) qualificação do profissional que aplicou o método;f) casos indicados para aplicação;g) complicações do método;h) prazo entre as desinfecções terminais do berçário;i) existência de casos de conjuntivite neonatal na instituiçãoe se era realizada a cultura da secreção ocular;j) freqüência da conjuntivite química;k) local de produção do colírio utilizado;l) custo financeiro por unidade do colírio em) conhecimento do método de Credé e legislação vigente.RESULTADOSTodos os serviços de obstetrícia participantes doestudo aplicavam a profilaxia da oftalmia neonatal.Dentre os cinco serviços avaliados, três utilizavamvitelinato de prata a 10% e dois empregavamiodopovidona a 2,5%.Todos os agentes profiláticos utilizados eram industrializados,protegidos da luz por frascos escuros earmazenados na geladeira. Somente uma maternidade,que empregava a iodopovidona a 2,5%, o agente erafracionado pela farmácia da instituição.Em todas as maternidades analisadas no estudo,as soluções eram instiladas na primeira hora após o partopelas auxiliares de enfermagem ou enfermeiras, sendoinstilada uma gota em cada olho do recém-nascido,Nos serviços que utilizavam vitelinato de prata a 10%,além de uma gota em cada olho, os neonatos do sexofeminino recebiam uma gota em suas genitálias.A aplicação da profilaxia da oftalmia neonatalera indicada para todos os neonatos, exceto em duasmaternidades, que indicavam o vitelinato de prata a 10%apenas para os recém-nascidos de parto por via vaginal.O tempo de troca dos frascos utilizados com ovitelinato de prata a 10% foi semanal em dois serviços ede acordo com a validade do frasco em uma das maternidades.Para a iodopovidona a 2,5% a troca foi mensalem uma delas e a cada 10 dias na maternidade quefracionava o produto.A conjuntivite química, relatada como uma complicaçãodo método, ocorreu em todas as maternidadesexceto uma que não referiu complicação comiodopovidona a 2,5%, em uso há um ano. Um dos serviços,que instilava vitelinato de prata a 10%, e outro serviço,que instilava iodopovidona a 2,5%, relataram haverconjuntivite química.Todos os serviços fizeram referência à ocorrênciade raros casos de oftalmia neonatal, sendo realizadaa cultura da secreção ocular em todas as maternidadesdo estudo.As desinfecções terminais do berçário eram realizadasa cada semana e quinzenalmente nas maternidadesque utilizavam a iodopovidona a 2,5%. Dentre asmaternidades que empregavam vitelinato de prata a10%, duas realizavam-nas a cada trimestre e uma a cadaalta no alojamento conjunto.Diferentes locais de aplicação da profilaxia daoftalmia neonatal foram relatados. A sala de parto foi olocal de aplicação referido pelas cinco maternidades.Em uma das maternidades era usado o colírio vitelinatoRev Bras Oftalmol. 2009; 68 (5): 264-70

Avaliação da aplicabilida<strong>de</strong> e do custo da profilaxia da oftalmia neonatal em maternida<strong>de</strong>s da gran<strong>de</strong> Florianópolis265INTRODUÇÃOAprofilaxia da oftalmia neonatal (ON)gonocócica foi iniciada em 1880. Credé a <strong>de</strong>screveu como transmitida da mãe para oneonato pelo contágio durante o parto sendo causadaprincipalmente pela bactéria Neisseria gonorrhoeae.Introduziu a técnica <strong>de</strong> limpar os olhos dos recém-nascidoscom uma solução aquosa <strong>de</strong> nitrato <strong>de</strong> prata a 2%.Tal intervenção reduziu o número <strong>de</strong> casos <strong>de</strong> ON nohospital-maternida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Credé em Leipzig <strong>de</strong> aproximadamente30 casos por ano, para somente um caso nasegunda meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1880. 1 O método <strong>de</strong> Credé foi regulamentadono Brasil pelo Decreto nº 9.713 (1977) e alteradopelo Decreto nº 19.941 (1982), tornando-se entãoobrigatório por lei. 2,3O termo oftalmia neonatal (ON) é usado com freqüênciapara <strong>de</strong>finir a conjuntivite que ocorre nas primeirasquatro semanas <strong>de</strong> vida, mas alguns autores preferemo termo conjuntivite neonatal <strong>de</strong>vido à diminuiçãoda freqüência do gonococo como microorganismoetiológico e ao aumento da freqüência <strong>de</strong> outrosmicroorganismos, 4 como Chlamydia trachomatis,Staphylococcus aureus, Haemophilus sp, Streptococcuspneumoniae, Streptococcus faecalis, Pseudomonasaeruginosa, vírus herpes simples tipo II e o agente nitrato<strong>de</strong> prata. 2 A infecção ocular é usualmente adquirida durantea passagem do feto através do canal <strong>de</strong> parto, sendoincomum afetar recém-nascidos por via cesariana. 5Em países industrializados, taxas <strong>de</strong> incidência<strong>de</strong> oftalmia neonatal variam na conjuntivite porclamídia entre 5 e 60 por 1.000 nascidos vivos, enquantona conjuntivite gonocócica variam entre 0,1 e 0,6por 1.000 nascidos vivos, 6 e sua prevalência varia consi<strong>de</strong>ravelmenteao redor do mundo. 7 No Brasil, existempoucos estudos sobre a ON. Um <strong>de</strong>les foi realizado emPernambuco, registrando uma incidência <strong>de</strong> 3% <strong>de</strong>conjuntivite neonatal infecciosa, não registrada aprevalência dos agentes infecciosos por tal incidência. 8Entre os agentes causadores da conjuntiviteneonatal, a bactéria Chlamydia trachomatis infecta aproximadamente50% das crianças nascidas por via vaginal<strong>de</strong> mães infectadas e tem sido i<strong>de</strong>ntificada como acausa mais comum <strong>de</strong> conjuntivite neonatal em algumasregiões do mundo. 9 Embora a C. trachomatis seja oagente mais freqüente <strong>de</strong> ON na América do Norte, ascomplicações da oftalmia gonocócica são mais severas,aparecem mais rapidamente e são prováveis causas <strong>de</strong>perda da acuida<strong>de</strong> visual. 10O quadro clínico da conjuntivite neonatal varia<strong>de</strong> acordo com o agente etiológico. A conjuntivite química,causada pelo nitrato <strong>de</strong> prata, ocorre nas primeirashoras até dois dias após a instilação, é autolimitadae se manifesta com ligeira secreção catarral, hiperemiaconjuntival e tem duração <strong>de</strong> vinte e quatro horas namaioria dos casos, não necessitando <strong>de</strong> tratamento. 11As infecções causadas pela Chlamydia trachomatissurgem do terceiro ao décimo dia <strong>de</strong> vida, com secreçãomucopurulenta e hiperemia conjuntival, tendocomo antibioticoterapia <strong>de</strong> escolha a eritromicina. 12Nos casos provocados pela Neisseria gonorrhoeae, quesurgem três a cinco dias após o nascimento por partonormal, com secreção purulenta abundante, e<strong>de</strong>mapalpebral e quemose 13 , a ceftriaxone e a penicilina cristalinaendovenosas são as drogas recomendadas parao tratamento. 6,14O diagnóstico <strong>de</strong>finitivo do agente causador daON é realizado através da cultura da secreção ocular,que por ser um procedimento bastante <strong>de</strong>morado, o tratamento<strong>de</strong>ve ser iniciado com base na suspeita clínica eachado <strong>de</strong> diplococos intracelulares Gram-negativos nabacterioscopia e coloração <strong>de</strong> raspados conjuntivais, paraevitar as complicações locais das conjuntivitesbacterianas, tais como perfuração da córnea, perda oudiminuição da acuida<strong>de</strong> visual e complicações sistêmicas:sepse aguda, meningite bacteriana aguda, pneumonia eotite média aguda. 2,14Segundo referências americanas, a prevenção daON po<strong>de</strong> ser feita com nitrato <strong>de</strong> prata a 1%, eritromicinaa 0,5%, tetraciclina a 1% ou iodopovidona a 2,5%. 14 OArgirol ® (vitelinato <strong>de</strong> prata a 10%), somentecomercializado no Brasil e Argentina, também é utilizadona profilaxia da ON. 15 Atualmente, a Aca<strong>de</strong>mia Americana<strong>de</strong> Pediatria recomenda a profilaxia em todos osrecém-nascidos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da via do parto.Entretanto, no parto cesáreo, quando a ruptura das membranasse <strong>de</strong>u há menos <strong>de</strong> três horas, não é necessária aprofilaxia ocular. 16Uma resolução da 56ª Assembléia Mundial daSaú<strong>de</strong>, realizada em 2003, <strong>de</strong>finiu que os países membros<strong>de</strong>veriam comprometer-se a apoiar a iniciativaglobal para eliminação da cegueira evitável, lançandoa nível mundial o plano “VISÃO 2020: o direito àvisão”. Estima-se que a ON provoque anualmente, acegueira em mais <strong>de</strong> 10.000 recém-nascidos ao redordo mundo. 17O presente trabalho tem como objetivo avaliar aaplicabilida<strong>de</strong> da profilaxia da oftalmia neonatal emcinco serviços <strong>de</strong> obstetrícia <strong>de</strong> maternida<strong>de</strong>s da Gran<strong>de</strong>Florianópolis.Rev Bras Oftalmol. 2009; 68 (5): 264-70

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