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Relíquias de Casa Velha

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SR. Prefeito do Distrito Fe<strong>de</strong>ral,A comissão que tomou a si erguer este monumento, incumbiu-me, como presi<strong>de</strong>nte daAca<strong>de</strong>mia Brasileira, <strong>de</strong> o entregar a V. Ex.a, como representante da cida<strong>de</strong>. O encargo é nãosomente honroso, mas particularmente agradável à Aca<strong>de</strong>mia e a mim.Se eu houvesse <strong>de</strong> dizer tudo o que este busto exprime para nós, faria um discurso, e éjustamente o que os autores da homenagem não <strong>de</strong>vem querer neste momento. Conta Renanque, uma hora antes dos funerais <strong>de</strong> George Sand, quando alguns cogitavam no que convinhaproferir à beira da sepultura, ouviu-se no parque da <strong>de</strong>funta cantar um rouxinol. "Ah! eis overda<strong>de</strong>iro discurso!" disseram eles consigo. O mesmo seria aqui, se cantasse um sabiá. A avedo nosso gran<strong>de</strong> poeta seria o melhor discurso da ocasião. Ela repetiria à alma <strong>de</strong> todos aquelacanção do exílio que ensinou aos ouvidos da antiga mãe-pátria uma lição nova da língua <strong>de</strong>Camões. Não importa! A canção está em todos nós, com os outros cantos que ele veioespalhando pela vida e pelo mundo, e o som dos golpes <strong>de</strong> Itajubá, a pieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> I-Juca-Pirama, os suspiros <strong>de</strong> Coema, tudo o que os mais velhos ouviram na mocida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois osmais jovens, e daqui em diante ouvirão outros e outros, enquanto a língua que falamos for alíngua dos nossos <strong>de</strong>stinos.Dizem que os cariocas somos pouco dados aos jardins públicos. Talvez este busto emen<strong>de</strong> ocostume; mas, supondo que não, nem por isso per<strong>de</strong>rão os que só vierem contemplar aquelafronte que meditou páginas tão magníficas. A solidão e o silêncio são asas robustas para ossurtos do espírito. Quem vier a este canto do jardim entre o mar e a rua, achará o que seencontra nas capelas solitárias, uma voz interior, e dirá pelo rosário da memória as preces emverso que ele compôs e ensinou aos seus compatrícios.E <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já ficam as duas obras juntas. Uma respon<strong>de</strong>rá pela outra. Nem V. Ex.a, nem os seussucessores consentirão que se <strong>de</strong>strua este abrigo <strong>de</strong> folhas ver<strong>de</strong>s, ou se arranque daqui essemonumento <strong>de</strong> arte. Se alguém propuser arrasar um e mudar outro, para trazer utilida<strong>de</strong> aoterreno, por meio <strong>de</strong> uma avenida, ou cousa equivalente, o Prefeito recusará a concessão,dizendo que este jardim, conservado por diversos regímens, está agora consagrado pelapoesia, que é um regímen só, universal, comum e perpétuo. Também po<strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar que aveneração dos seus gran<strong>de</strong>s homens é uma virtu<strong>de</strong> das cida<strong>de</strong>s. E isto farão os Prefeitos <strong>de</strong>todos os partidos, sem agravo do seu próprio, porque o poeta que ora celebramos, fiel àvocação, não teve outro partido que o <strong>de</strong> cantar maravilhosamente.Demais, se o caso for <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>, V. Ex.a e os seus sucessores acharão aqui o mais útilremédio às agruras administrativas. Este busto consolará do trabalho acerbo e ingrato; ele diráque há também uma prefeitura do espírito, cujo exercício não pe<strong>de</strong> mais que o mudo bronze ea capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser ouvido no seu eterno silêncio. E repetirá a todos o nome <strong>de</strong> V. Ex.a, que orecebeu e o dos outros que porventura vierem contemplá-lo. Também aqui vinha, há muitosanos, <strong>de</strong>senfadar-se da véspera, sem outro encargo nem magistratura que os seus livros, oautor <strong>de</strong> Iracema. Se já estivesse aqui este busto, ele se consolaria da vida com a memória, edo tempo com a perenida<strong>de</strong>. Mas então só existiam as árvores. Bernar<strong>de</strong>lli, que tinha <strong>de</strong>fundir o bronze <strong>de</strong> ambos, não povoara ainda as nossas praças com outras obras <strong>de</strong> artistailustre. Olavo Bilac, que promoveu a subscrição <strong>de</strong> senhoras a que se <strong>de</strong>ve esta obra, nãoafinara ainda pela lira <strong>de</strong> Gonçalves Dias a sua lira <strong>de</strong>liciosa.Aqui fica entregue o monumento a V. Ex.a, Sr. Prefeito, aqui on<strong>de</strong> ele <strong>de</strong>ve estar, como outroexemplo da nossa unida<strong>de</strong>, ligando a pátria inteira no mesmo ponto em que a história, melhorque leis, pôs a cabeça da nação perto daquele gigante <strong>de</strong> pedras que o gran<strong>de</strong> poeta cantou emversos másculos.UM LIVRO [CENAS DA VIDA AMAZÔNICA]

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