1. IntroduçãoA paisag<strong>em</strong>, <strong>em</strong> suas múltiplas possibili<strong>da</strong>des de enfoques, permite um olhar para aci<strong>da</strong>de que integra diversos aspectos sobre a relação hom<strong>em</strong>-natureza, e, ao expressar osdiferentes momentos <strong>da</strong> ação de uma cultura sobre o espaço é também uma acumulação det<strong>em</strong>pos. Ao ser pensa<strong>da</strong> como um momento de reconciliação frente aos conflitos e rupturascom os quais convive o habitante <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, a paisag<strong>em</strong>, desde o início de sua apreensãocomo fenômeno visível, esteve no centro do conflito entre objetivo e subjetivo, sensível efactual, físico e fenomenológico, portanto pensá-la <strong>em</strong> to<strong>da</strong> a sua complexi<strong>da</strong>de é estarciente destas dicotomias.A intenção de representar algo ausente ou no todo inapreensível revela o carátersubjetivo desse processo, assim, enquanto representação, a paisag<strong>em</strong> é portadora designificados e expressa os diferentes momentos de desenvolvimento de uma socie<strong>da</strong>de,adquirindo uma dimensão simbólica passível de leituras espaços-t<strong>em</strong>porais.Conduzidos por esse desafio de decifrar as representações, tendo a paisag<strong>em</strong> comot<strong>em</strong>a e objeto, é preciso desenvolver um olhar especial que permita alcançar as diversasdimensões do espaço e do t<strong>em</strong>po. Se admitirmos que a dimensão espacial que se oferece aoolhar t<strong>em</strong> marca<strong>da</strong> sobre si a passag<strong>em</strong> do t<strong>em</strong>po, é possível ver no espaço transformado,destruído, desgastado, renovado pelo t<strong>em</strong>po, a ci<strong>da</strong>de do passado e sua m<strong>em</strong>ória. Como umpalimpsesto, um enigma a ser interpretado, a paisag<strong>em</strong> se apresenta <strong>em</strong> imagens comopossibili<strong>da</strong>de de compreensão do t<strong>em</strong>po presente. Assim, a reflexão que pretende estetrabalho surge <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de melhor compreender a ci<strong>da</strong>de <strong>em</strong> relação às dinâmicas desuas paisagens interpretando-as através dos vestígios espaços-t<strong>em</strong>porais encontrados <strong>em</strong>fotografias.2. Por que estu<strong>da</strong>r a paisag<strong>em</strong>?Nos últimos anos, frente às rápi<strong>da</strong>s transformações urbanas – que <strong>em</strong> muitas ocasiõescolocam <strong>em</strong> risco os valores naturais, culturais e históricos <strong>da</strong>s paisagens – surg<strong>em</strong> diversasiniciativas com o objetivo de uma adequa<strong>da</strong> gestão <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>. Considerando anecessi<strong>da</strong>de de que a gestão <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong> passe a integrar as políticas públicas urbanas, um2
importante desafio, e contribuição que pretende este trabalho, é o de propor umapossibili<strong>da</strong>de metodológica para seu estudo, interpretação e avaliação.Normalmente, ao olhar para a paisag<strong>em</strong> cont<strong>em</strong>porânea de muitas ci<strong>da</strong>des brasileiras,nos deparamos com uma imag<strong>em</strong> confusa <strong>em</strong> sua organização espacial e <strong>em</strong> suasrepresentações simbólicas. Com freqüência somos tomados por um sentimento de nostalgiae acreditamos que no passado o espaço urbano era de melhor quali<strong>da</strong>de, sensações essasque caracterizam a inquietação estética e ecológica do momento <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>os. Essanostalgia ao nos depararmos com paisagens que foram degra<strong>da</strong>s ou transforma<strong>da</strong>s, levoumuitos estudiosos a admitir<strong>em</strong> a “morte <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>”, esquecendo-se que a mesma, comoresultado <strong>da</strong>s interações entre a socie<strong>da</strong>de e a natureza, é um sist<strong>em</strong>a de valores construídohistoricamente e apreendido diferent<strong>em</strong>ente, no t<strong>em</strong>po-espaço, pela percepção humana(LUCHIARI, 2001).Ao se referir a Alain Roger <strong>em</strong> seu “Breve tratado <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>”, Luchiari (2001)apresenta as duas principais posições que levaram a essa consideração sobre a “morte <strong>da</strong>paisag<strong>em</strong>”. A primeira r<strong>em</strong>ete à destruição e à descaracterização de paisagens tradicionaispela socie<strong>da</strong>de cont<strong>em</strong>porânea e se fun<strong>da</strong>menta na materiali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s paisagens e <strong>em</strong> certanostalgia pelas paisagens do passado, colocando <strong>em</strong> questão os modelos dedesenvolvimento e os processos que orientam o crescimento urbano. Nesse sentido, caberessaltar que a valorização dos el<strong>em</strong>entos simbólicos e <strong>da</strong> m<strong>em</strong>ória coletiva é essencial parao fortalecimento cultural e para a construção de uma socie<strong>da</strong>de <strong>em</strong> que os aspectoseconômicos não sejam os únicos determinantes nas transformações urbanas. A segun<strong>da</strong>posição aponta para a inexistência de um modelo visual que nos permita apreciar aspaisagens que t<strong>em</strong>os à nossa disposição no mundo cont<strong>em</strong>porâneo. S<strong>em</strong> dúvi<strong>da</strong>, t<strong>em</strong>os umnovo modelo de paisag<strong>em</strong>, mas não sab<strong>em</strong>os como decifrá-lo. Essa incapaci<strong>da</strong>de de leiturainvade nossa visão e não nos deixa ver que exist<strong>em</strong>, sim, belas paisagens i .Contudo, se considerarmos que a paisag<strong>em</strong> cont<strong>em</strong>porânea é decorrente de processosde transformação construídos socialmente, entender<strong>em</strong>os que a paisag<strong>em</strong> não se esgota, e,que o desaparecimento de uma paisag<strong>em</strong> significa a substituição <strong>da</strong>quela paisag<strong>em</strong> poroutra, não sua morte (<strong>em</strong>bora essas substituições n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre represent<strong>em</strong> mu<strong>da</strong>nçaspositivas, acontecendo muitas vezes de forma autoritária e aleatória).Ao pensarmos a paisag<strong>em</strong> como resultado <strong>da</strong> ação <strong>da</strong> cultura sobre a natureza, ver<strong>em</strong>osque a passag<strong>em</strong> do t<strong>em</strong>po também altera suas formas. Abrigando os espaços construídos <strong>em</strong>3