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Segundo Georg Simmel, em “A Filosofia da Paisagem” - GPIT

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1. IntroduçãoA paisag<strong>em</strong>, <strong>em</strong> suas múltiplas possibili<strong>da</strong>des de enfoques, permite um olhar para aci<strong>da</strong>de que integra diversos aspectos sobre a relação hom<strong>em</strong>-natureza, e, ao expressar osdiferentes momentos <strong>da</strong> ação de uma cultura sobre o espaço é também uma acumulação det<strong>em</strong>pos. Ao ser pensa<strong>da</strong> como um momento de reconciliação frente aos conflitos e rupturascom os quais convive o habitante <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, a paisag<strong>em</strong>, desde o início de sua apreensãocomo fenômeno visível, esteve no centro do conflito entre objetivo e subjetivo, sensível efactual, físico e fenomenológico, portanto pensá-la <strong>em</strong> to<strong>da</strong> a sua complexi<strong>da</strong>de é estarciente destas dicotomias.A intenção de representar algo ausente ou no todo inapreensível revela o carátersubjetivo desse processo, assim, enquanto representação, a paisag<strong>em</strong> é portadora designificados e expressa os diferentes momentos de desenvolvimento de uma socie<strong>da</strong>de,adquirindo uma dimensão simbólica passível de leituras espaços-t<strong>em</strong>porais.Conduzidos por esse desafio de decifrar as representações, tendo a paisag<strong>em</strong> comot<strong>em</strong>a e objeto, é preciso desenvolver um olhar especial que permita alcançar as diversasdimensões do espaço e do t<strong>em</strong>po. Se admitirmos que a dimensão espacial que se oferece aoolhar t<strong>em</strong> marca<strong>da</strong> sobre si a passag<strong>em</strong> do t<strong>em</strong>po, é possível ver no espaço transformado,destruído, desgastado, renovado pelo t<strong>em</strong>po, a ci<strong>da</strong>de do passado e sua m<strong>em</strong>ória. Como umpalimpsesto, um enigma a ser interpretado, a paisag<strong>em</strong> se apresenta <strong>em</strong> imagens comopossibili<strong>da</strong>de de compreensão do t<strong>em</strong>po presente. Assim, a reflexão que pretende estetrabalho surge <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de melhor compreender a ci<strong>da</strong>de <strong>em</strong> relação às dinâmicas desuas paisagens interpretando-as através dos vestígios espaços-t<strong>em</strong>porais encontrados <strong>em</strong>fotografias.2. Por que estu<strong>da</strong>r a paisag<strong>em</strong>?Nos últimos anos, frente às rápi<strong>da</strong>s transformações urbanas – que <strong>em</strong> muitas ocasiõescolocam <strong>em</strong> risco os valores naturais, culturais e históricos <strong>da</strong>s paisagens – surg<strong>em</strong> diversasiniciativas com o objetivo de uma adequa<strong>da</strong> gestão <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>. Considerando anecessi<strong>da</strong>de de que a gestão <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong> passe a integrar as políticas públicas urbanas, um2


importante desafio, e contribuição que pretende este trabalho, é o de propor umapossibili<strong>da</strong>de metodológica para seu estudo, interpretação e avaliação.Normalmente, ao olhar para a paisag<strong>em</strong> cont<strong>em</strong>porânea de muitas ci<strong>da</strong>des brasileiras,nos deparamos com uma imag<strong>em</strong> confusa <strong>em</strong> sua organização espacial e <strong>em</strong> suasrepresentações simbólicas. Com freqüência somos tomados por um sentimento de nostalgiae acreditamos que no passado o espaço urbano era de melhor quali<strong>da</strong>de, sensações essasque caracterizam a inquietação estética e ecológica do momento <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>os. Essanostalgia ao nos depararmos com paisagens que foram degra<strong>da</strong>s ou transforma<strong>da</strong>s, levoumuitos estudiosos a admitir<strong>em</strong> a “morte <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>”, esquecendo-se que a mesma, comoresultado <strong>da</strong>s interações entre a socie<strong>da</strong>de e a natureza, é um sist<strong>em</strong>a de valores construídohistoricamente e apreendido diferent<strong>em</strong>ente, no t<strong>em</strong>po-espaço, pela percepção humana(LUCHIARI, 2001).Ao se referir a Alain Roger <strong>em</strong> seu “Breve tratado <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>”, Luchiari (2001)apresenta as duas principais posições que levaram a essa consideração sobre a “morte <strong>da</strong>paisag<strong>em</strong>”. A primeira r<strong>em</strong>ete à destruição e à descaracterização de paisagens tradicionaispela socie<strong>da</strong>de cont<strong>em</strong>porânea e se fun<strong>da</strong>menta na materiali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s paisagens e <strong>em</strong> certanostalgia pelas paisagens do passado, colocando <strong>em</strong> questão os modelos dedesenvolvimento e os processos que orientam o crescimento urbano. Nesse sentido, caberessaltar que a valorização dos el<strong>em</strong>entos simbólicos e <strong>da</strong> m<strong>em</strong>ória coletiva é essencial parao fortalecimento cultural e para a construção de uma socie<strong>da</strong>de <strong>em</strong> que os aspectoseconômicos não sejam os únicos determinantes nas transformações urbanas. A segun<strong>da</strong>posição aponta para a inexistência de um modelo visual que nos permita apreciar aspaisagens que t<strong>em</strong>os à nossa disposição no mundo cont<strong>em</strong>porâneo. S<strong>em</strong> dúvi<strong>da</strong>, t<strong>em</strong>os umnovo modelo de paisag<strong>em</strong>, mas não sab<strong>em</strong>os como decifrá-lo. Essa incapaci<strong>da</strong>de de leiturainvade nossa visão e não nos deixa ver que exist<strong>em</strong>, sim, belas paisagens i .Contudo, se considerarmos que a paisag<strong>em</strong> cont<strong>em</strong>porânea é decorrente de processosde transformação construídos socialmente, entender<strong>em</strong>os que a paisag<strong>em</strong> não se esgota, e,que o desaparecimento de uma paisag<strong>em</strong> significa a substituição <strong>da</strong>quela paisag<strong>em</strong> poroutra, não sua morte (<strong>em</strong>bora essas substituições n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre represent<strong>em</strong> mu<strong>da</strong>nçaspositivas, acontecendo muitas vezes de forma autoritária e aleatória).Ao pensarmos a paisag<strong>em</strong> como resultado <strong>da</strong> ação <strong>da</strong> cultura sobre a natureza, ver<strong>em</strong>osque a passag<strong>em</strong> do t<strong>em</strong>po também altera suas formas. Abrigando os espaços construídos <strong>em</strong>3


múltiplas combinações por superposição, substituição ou composição, a ci<strong>da</strong>de, enquantomateriali<strong>da</strong>de, é composta por várias cama<strong>da</strong>s, mais ou menos aparentes. Se as formas sealteram pela ação do t<strong>em</strong>po sobre o espaço, as funções e significados também setransformam, fazendo com que a ci<strong>da</strong>de esteja constant<strong>em</strong>ente se refazendo.Nessa construção, a paisag<strong>em</strong> cont<strong>em</strong>porânea é concebi<strong>da</strong> como uma paisag<strong>em</strong> híbri<strong>da</strong>,um palimpsesto, “uma paisag<strong>em</strong> de mil folhas” que exige a convivência de váriaspaisagens, ritmos, percepções, escalas e perspectivas (LUCHIARI, 2001). Ao contrário doque nos fez acreditar o projeto de moderni<strong>da</strong>de, a natureza não está mais “fora” para serdomina<strong>da</strong>, a socie<strong>da</strong>de e a natureza agora dev<strong>em</strong> ser vistas de forma integra<strong>da</strong> e o olharsobre a paisag<strong>em</strong> nos permite esta integração e uma possibili<strong>da</strong>de de reconciliação entresujeito e objeto. Reside nesse potencial um campo de revisitação <strong>da</strong>s práticas queexerc<strong>em</strong>os e <strong>da</strong> idéia de paisag<strong>em</strong> que propagamos ao longo do t<strong>em</strong>po enquanto umarelação entre natureza e cultura.3. Apontamentos sobre o conceito de paisag<strong>em</strong>A paisag<strong>em</strong> enquanto representação resulta <strong>da</strong> apreensão do olhar, é umenquadramento, uma seleção que existe a partir do indivíduo que organiza, combina epromove arranjos de conteúdo e forma. Comporta uma plurali<strong>da</strong>de s<strong>em</strong>ântica, s<strong>em</strong>preassocia<strong>da</strong> à idéia de recorte espacial, b<strong>em</strong> como evoca o caráter de coleção e conjunto.Entretanto, sua representação também comporta aspectos subjetivos, pois r<strong>em</strong>ete aouniverso do simbólico.<strong>Segundo</strong> <strong>Georg</strong> <strong>Simmel</strong>, <strong>em</strong> <strong>“A</strong> <strong>Filosofia</strong> <strong>da</strong> Paisag<strong>em</strong>” ii , para que se adquira aconsciência para “ver uma paisag<strong>em</strong>”, precisamos que um certo conteúdo do campo devisão cative o nosso espírito e tenha, além dos el<strong>em</strong>entos, um novo conjunto, uma novauni<strong>da</strong>de. “Um pe<strong>da</strong>ço de natureza”, conforme o autor argumenta, trata-se de umacontradição, pois a “natureza não t<strong>em</strong> pe<strong>da</strong>ços, ela é a uni<strong>da</strong>de de um todo”, e ao destacarlheum fragmento, este não será mais inteiramente natureza. Assim, olhar como umapaisag<strong>em</strong> é considerar uma parcela de natureza como uma uni<strong>da</strong>de. Para <strong>Simmel</strong> o quepermite um determinado “pe<strong>da</strong>ço de natureza” constituir-se <strong>em</strong> uma paisag<strong>em</strong> é umsentimento <strong>da</strong> ord<strong>em</strong> <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> afetivi<strong>da</strong>de, ao qual o autor denominaStimmung, um estado de espírito, tom, tonali<strong>da</strong>de, sentimento pessoal.4


Simone Maldonado iii , ao apresentar o texto de <strong>Simmel</strong>, mostra que o autor fala deStimmung como um “horizonte, o conceito unificador que confere sentido aos construtos doolhar que ao delimitar a base material <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>, isola um trecho, que nãonecessariamente se constituiria como paisag<strong>em</strong>”. É a subjetivi<strong>da</strong>de do olhar que permiteque se fale de paisag<strong>em</strong> quando o que se poderia ter ao “dissociar el<strong>em</strong>entos <strong>da</strong> naturezaseja na fruição <strong>da</strong> vista seja na inscrição pictórica <strong>da</strong> obra de arte, na<strong>da</strong> mais seria do queum pe<strong>da</strong>ço de natureza”. Pois, o que nós dominamos com um olhar não é a paisag<strong>em</strong>, masao máximo a sua matéria, porém torna-se uma a partir do instante <strong>em</strong> que um certo conceitounificador a envolve.Em relação à <strong>em</strong>ergência <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>, é importante destacar que a iniciativa de colocara natureza <strong>em</strong> perspectiva e de construí-la como paisag<strong>em</strong> se inscreve na moderni<strong>da</strong>de.Esse é um olhar do hom<strong>em</strong> <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, que por não estar mais <strong>em</strong> contato direto com anatureza, o que gera um distanciamento, faz este recorte estético. A ci<strong>da</strong>de também passa aser foco de atenção dos artistas que procuram encontrar o belo onde ele não eranormalmente encontrado, a valorizar o pitoresco e o cotidiano, que passam a serincorporados como paisag<strong>em</strong> de uma vi<strong>da</strong>. A ci<strong>da</strong>de passa a ser representa<strong>da</strong> comopaisag<strong>em</strong>, assim, o hom<strong>em</strong> se apropria <strong>da</strong> natureza e <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de como paisag<strong>em</strong> com umolhar que não mais nos abandonará.Na socie<strong>da</strong>de ocidental, a concepção de paisag<strong>em</strong> <strong>em</strong>erge no mesmo período <strong>em</strong> que aciência enfatiza a dicotomia entre socie<strong>da</strong>de e natureza. Porém, contraditoriamente, aoseparar-se <strong>da</strong> natureza, a socie<strong>da</strong>de moderna inventou e valorizou a concepção depaisag<strong>em</strong>. Seu significado estético, pleno de subjetivi<strong>da</strong>de, transformou o gosto pelapaisag<strong>em</strong> <strong>em</strong> antídoto para o hom<strong>em</strong> moderno (LUCHIARI, 2001).Esse dualismo, no qual, segundo <strong>Simmel</strong>, “o detalhe aspira a se tornar um todo,enquanto que o seu pertencimento a um conjunto mais amplo lhe concede apenas o papelde m<strong>em</strong>bro”, resulta <strong>em</strong> inúmeros conflitos e rupturas de ord<strong>em</strong> social e técnica, espiritual <strong>em</strong>oral. Porém, esse mesmo modelo, diante <strong>da</strong> natureza, produz “a riqueza conciliante <strong>da</strong>paisag<strong>em</strong>, enti<strong>da</strong>de individual, homogênea, apazigua<strong>da</strong> <strong>em</strong> si, que não obstante permanecetributária, s<strong>em</strong> contradição, do todo <strong>da</strong> natureza e <strong>da</strong> sua uni<strong>da</strong>de”.Ao pensar nesse duplo processo do olhar que seleciona e do sentimento que unifica(Stimmung) surge a questão a respeito de qual deles se desencadeia primeiro, <strong>Simmel</strong>afirma nesse sentido:5


S<strong>em</strong>pre que, diante <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong> por ex<strong>em</strong>plo, a uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> existência natural seesforça por nos integrar ao seu tecido, a brecha entre um eu que vê e um eu quesente, se mostra duplamente visível. É com to<strong>da</strong> a nossa pessoa que nosplantamos diante <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>, seja ela natural ou artística, e o ato que a cria paranós é simultaneamente um ver e um sentir, cindido <strong>em</strong> instâncias isola<strong>da</strong>s pelareflexão.Na perspectiva <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong> como mediação <strong>da</strong>s dicotomias entre subjetivo e objetivo,sensível e factual, físico e fenomenológico, o geógrafo Augustin Berque afirma que “apaisag<strong>em</strong> não reside somente no objeto, n<strong>em</strong> somente no sujeito, mas na interaçãocomplexa entre os dois termos. Esta relação que coloca <strong>em</strong> jogo diversas escalas de t<strong>em</strong>po eespaço, implica tanto a instituição mental <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de quanto a constituição material <strong>da</strong>scoisas” (BERQUE, 1998).Nessa mu<strong>da</strong>nça filosófica e epist<strong>em</strong>ológica de uma rejeição ao dualismo cartesiano,Berque (1998) apresenta a idéia de trajection:A idéia expressa por trans (tra) é a de um limite, de passar para o outro lado. Olimite, no caso, é aquele que o dualismo moderno instituiu entre o mundo interiorsubjetivo e o mundo exterior objetivo. Ora, essa dicotomia é radicalmente incapazde explicar a reali<strong>da</strong>de do ecúmeno, logo, <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>. Com efeito, comomostrou a fenomenologia (principalmente Watsuji) e a antropologia pré-histórica(principalmente Leroi-Gourhan), os ambientes humanos são, por assim dizer,uma extensão de nosso próprio corpo, tanto pelo símbolo quanto pela técnica. Atécnica estende materialmente as funções do corpo humano (...). O símbolo,inversamente, anula materialmente as distâncias. A trajection conjuga, assim,transferência material e metáfora imaterial (BERQUE, 1998).Entend<strong>em</strong>os, pois, que a paisag<strong>em</strong> no contexto <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de cont<strong>em</strong>porânea oportuniza umtrabalho de cruzamento de <strong>da</strong>dos objetivos – obras, traços, sinais que nos chegam, sob aforma de imagens – com as subjetivi<strong>da</strong>des e suas possibili<strong>da</strong>des de leitura para muito alémdo espaço, encaminhando-se para as representações simbólicas <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>.4. A paisag<strong>em</strong> como fenômeno visível e sua dimensão culturalAs paisagens de artistas, geógrafos, arquitetos, turistas, ecologistas, planejadores epessoas comuns não recobr<strong>em</strong> a mesma reali<strong>da</strong>de, a materiali<strong>da</strong>de pode ser a mesma, massão diferentes representações. Ao longo <strong>da</strong> história, a paisag<strong>em</strong> assumiu váriossignificados, sendo usa<strong>da</strong> com as mais varia<strong>da</strong>s conotações. Assim, ao tratar <strong>da</strong>s6


epresentações simbólicas buscando interpretar a (re)significação <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong> na socie<strong>da</strong>decont<strong>em</strong>porânea, expressa sua ligação direta à dimensão cultural.Para se entender o papel que as paisagens des<strong>em</strong>penham dentro dos sist<strong>em</strong>asculturais, é necessário centrar nossa atenção na significação <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>, assimcomo investigar o papel <strong>da</strong> intertextuali<strong>da</strong>de no debate dos discursos e nosconflitos sobre o significado <strong>da</strong>s paisagens (DUNCAN, 2001).Se as intervenções humanas na natureza envolv<strong>em</strong> sua transformação <strong>em</strong> cultura, to<strong>da</strong>sas paisagens possu<strong>em</strong> significados simbólicos enquanto produto <strong>da</strong> apropriação etransformação <strong>da</strong> natureza pelo hom<strong>em</strong>. Dessa forma, a paisag<strong>em</strong> existe na sua relação comum sujeito coletivo: a socie<strong>da</strong>de que a produziu, que a reproduz e a transforma <strong>em</strong> funçãode uma certa lógica. Procurar definir essa lógica para compreender seu sentido é o ponto devista cultural (BERQUE, 1998).Em relação às representações <strong>em</strong> imag<strong>em</strong>, a pintura busca reproduzir objetivamente umfragmento de natureza, mas o ponto de observação, o ângulo e o enquadramento <strong>da</strong> vistaresultam de uma escolha, existe, portanto, uma dimensão subjetiva na base de umarepresentação. A representação de paisag<strong>em</strong> aparece como uma expressão popular,acompanha<strong>da</strong> por uma arte florescente de incluir a paisag<strong>em</strong> na pintura, na poesia, no teatroe na concepção de parques e jardins (COSGROVE, 1998).A idéia de paisag<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre esteve intimamente relaciona<strong>da</strong> à sua representação.<strong>Simmel</strong> (1996) argumenta que essa visão <strong>da</strong> forma artística é naturalmente desencadea<strong>da</strong> aovermos uma paisag<strong>em</strong>:O que o artista faz – subtrair ao fluxo caótico e infinito do mundo, comoimediatamente <strong>da</strong>do, um pe<strong>da</strong>ço delimitado, o alcançar e o formar como uni<strong>da</strong>deaquilo que até então encontra <strong>em</strong> si seu próprio sentido e cortar os fios que aligam ao universo – é precisamente o que nós também faz<strong>em</strong>os, <strong>em</strong> dimensõesmenores, s<strong>em</strong> tantos princípios e de modo fragmentário, pouco seguro <strong>da</strong>s suasfronteiras, quando t<strong>em</strong>os a visão de uma paisag<strong>em</strong> no lugar de um prado e de umacasa, de um riacho e de um cortejo de nuvens. (...) S<strong>em</strong>pre que vejamos umapaisag<strong>em</strong> e não mais um agregado de objetos naturais, ter<strong>em</strong>os uma obra de artein statu nascendi (...) uma tal visão <strong>da</strong> forma artística se torna viva <strong>em</strong> nós, atua,e que, s<strong>em</strong> poder aceder a essa criativi<strong>da</strong>de própria, vibra pelo menos no desejodesta, <strong>da</strong> sua antecipação anterior.Enquanto gênero artístico as origens <strong>da</strong> representação de paisag<strong>em</strong> r<strong>em</strong>ontam aoQuattrocento quando surge na Europa o seu enquadramento pictórico (DONADIEU, 2007).7


O surgimento <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong> como forma de pintura é uma <strong>da</strong>s conseqüências <strong>da</strong>revolução que o uso <strong>da</strong> perspectiva introduz. Para Paul Claval (2004) a invenção decisiva,na história <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong> ocidental, é a <strong>da</strong> janela na pintura flamenga <strong>da</strong> primeira metade doséculo XV. A aparição <strong>da</strong> janela no interior do quadro permite que a perspectiva isole oexterior, <strong>da</strong>ndo autonomia à paisag<strong>em</strong>, Jan Van Eyck na pintura Madona com o ChancelerRolin (1433), Figura 1, representa três planos sucessivos de uma característica paisag<strong>em</strong>flamenga.Ao conceber um enquadramento, um quadro no quadro, permite-se que a passag<strong>em</strong> poressa veduta (a vista pela janela) – <strong>em</strong>bora se deva a uma redução, ou seja, a umaminiaturização –, afaste o observador <strong>da</strong> cena religiosa, que geralmente ocupava a frente <strong>da</strong>cena, assim, ao se laicizar a vista ela se transforma <strong>em</strong> paisag<strong>em</strong> autônoma (CLAVAL,2004).Figura 1 – Jan Van Eyck, Madona com o Chanceler Rolin, 1433.É importante ressaltar que a representação de paisag<strong>em</strong> foi altera<strong>da</strong> sucessivamente nahistória. No Ocidente medieval, a paisag<strong>em</strong> não existia como representação. É a partir doséculo XVI que a noção de paisag<strong>em</strong> <strong>em</strong>erge <strong>da</strong>s novas técnicas de pintura e se expande8


para a literatura, ain<strong>da</strong> s<strong>em</strong> possuir um sentido de uni<strong>da</strong>de, era um sentimento <strong>da</strong> natureza,reproduzido.Até o século XVIII, a paisag<strong>em</strong> era sinônimo de pintura, e foi na mediação com a arteque o sítio adquiriu estatuto de paisag<strong>em</strong>. Um momento significativo na história <strong>da</strong>representação de paisagens é aquele quando as paisagens pinta<strong>da</strong>s se apropriam <strong>da</strong>totali<strong>da</strong>de do quadro, tratando não somente dos objetos, mas <strong>da</strong> relação entre eles. Nasce aarte <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong> moderna. Com Patinir e Dürer, as paisagens ocupam to<strong>da</strong> a cena e nãooferec<strong>em</strong> a ver somente os objetos, mas a relação entre eles. Na Figura 2, pod<strong>em</strong>os verex<strong>em</strong>plos de paisagens representativas desse momento.Figura 2 – À esquer<strong>da</strong> pintura de Patinir (s/d), e à direita de Albrecht Dürer, 1495.Estes quadros apresentam paisagens panorâmicas realistas e oferec<strong>em</strong> visões bastantediferentes do “quadro-janela”, s<strong>em</strong> um ponto de fuga central. Jan Van Goyen (1596-1656),Vermeer (1632-1675) e Meindert Hobb<strong>em</strong>a (1638-1709) são representantes prestigiados napintura de paisagens, graças a suas representações realistas de ci<strong>da</strong>des, rios e campanhasflamengas, conforme nos mostra as pinturas <strong>da</strong> Figura 3.Figura 3 – À esquer<strong>da</strong> pintura de Johannes Vermeer, 1659-60 e à direita de Jan van Goyen, 1650.9


O século XIX é paisagista por excelência, tanto na Europa quanto nos países <strong>da</strong>colonização, período esse que corresponde às grandes transformações advin<strong>da</strong>s <strong>da</strong>moderni<strong>da</strong>de. Na França foi marcado por duas importantes escolas de pintura: a escola deBabizon (com Jean-Baptiste Corot) e a dos impressionistas (Monet, Daubigny, Pissaro eoutros). A subjetivi<strong>da</strong>de ganha maior expressão com Van Gogh, Cézanne e os fauvistas atésuperar o dualismo que distanciava o artista <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong> – Figura 4.Figura 4 – Cézanne (esquer<strong>da</strong>) e Van Gogh (direita), ex<strong>em</strong>plos de expressão subjetiva na pintura.Após a invenção do <strong>da</strong>guerreótipo <strong>em</strong> 1838, é a fotografia que dá continui<strong>da</strong>de àprodução de imagens de paisag<strong>em</strong>, contribuindo para popularizar as cenas de paisagenspitorescas graças aos cartões postais, e posteriormente a todo tipo de mídia desenvolvi<strong>da</strong> nofim do século XX. A imag<strong>em</strong> de paisag<strong>em</strong> é assim torna<strong>da</strong> popular.A transição <strong>da</strong> pintura para a fotografia na representação de paisagens envolve algumasmu<strong>da</strong>nças conceituais, pois o surgimento <strong>da</strong> fotografia representou também uma mu<strong>da</strong>nçana maneira de olhar. A fotografia surge no momento <strong>em</strong> que o mundo vive grandestransformações na forma de produção e consumo, gerando um desejo por novas imagens. Abusca por captar o instantâneo e registrar as mu<strong>da</strong>nças que estavam ocorrendo faz com quea arte também se preocupe <strong>em</strong> registrar a transitorie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> moderna. A fotografiagera uma revolução na pintura devido aos processos de mu<strong>da</strong>nça do olhar, e a paisag<strong>em</strong>também está inseri<strong>da</strong> nessa transformação <strong>da</strong> representação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. Diversos pintorespassam a utilizar a fotografia como recurso técnico, produzindo vistas <strong>da</strong> natureza a partirde fotografias.Conforme Walter Benjamin iv , no momento <strong>em</strong> que Daguerre conseguiu fixar asimagens – Figura 5, os técnicos substituíram os pintores; contudo, a pintura de paisag<strong>em</strong>não foi a maior vítima <strong>da</strong> fotografia, pois não chegou a ser substituí<strong>da</strong> por esta, como nocaso do retrato <strong>em</strong> miniatura.10


Figura 5 – fotografias de Daguérre, final século XIX.Em relação à representação <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong> na fotografia, difunde-se no final do séculoXIX a produção de panoramas e vistas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de vendidos <strong>em</strong> álbuns. Esse estilo defotografia conhecido como “vistas urbanas” seria o precursor dos instantâneos, técnica quejá permitiria maior agili<strong>da</strong>de na reprodução, atingindo seu ápice com a febre dos cartõespostais, onde os novos padrões visuais urbanos de acordo com o ideário <strong>da</strong> burguesia eramveiculados. Na Figura 6 encontram-se ex<strong>em</strong>plos de vistas urbanas fotografa<strong>da</strong>s por MarcFerrez na ci<strong>da</strong>de do Rio de Janeiro.Figura 6 – Vistas do Rio de Janeiro fotografa<strong>da</strong>s por Marc Ferrez no final do século XIX.5. A imag<strong>em</strong> como fonte para o estudo <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>Ao adotar a imag<strong>em</strong> como fonte pod<strong>em</strong>os realizar um percurso no t<strong>em</strong>po, através douso de fotografias de diferentes períodos, <strong>em</strong> busca dos traços que revel<strong>em</strong> as dinâmicas de(trans)formação <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>. As imagens históricas serv<strong>em</strong> de subsídio para acompreensão do t<strong>em</strong>po presente, possibilitando desvelar as diferentes cama<strong>da</strong>s espaçost<strong>em</strong>poraissuperpostas na paisag<strong>em</strong>.11


Nessa perspectiva, somos conduzidos a um campo do conhecimento que trata <strong>da</strong>scriações e produções humanas e valoriza os registros deixados pelo hom<strong>em</strong> como umaexperiência sensível do mundo, podendo se oferecer à leitura e permitindo a apreensão deseus significados (PESAVENTO, 2002).<strong>Segundo</strong> Sandra Pesavento v , a história cultural, ao trabalhar com as representações,opera um retorno sobre o social, pois centra a atenção sobre as estratégias simbólicasvalorizando não somente os processos econômicos que ocorr<strong>em</strong> na ci<strong>da</strong>de, mas asrepresentações que se constro<strong>em</strong> na e sobre a ci<strong>da</strong>de, levando ao estudo do imagináriourbano.Assim, a proposta desse campo do conhecimento está centra<strong>da</strong> <strong>em</strong> decifrar a reali<strong>da</strong>dedo passado por meio de suas representações, tentando acessar àquelas formas discursivas eimagéticas, pelas quais os homens expressaram a si próprios e o mundo. Um processocomplexo que busca a leitura dos códigos de outros t<strong>em</strong>pos através de registros e indíciosdo passado que chegam até o t<strong>em</strong>po presente.Esses indícios substitu<strong>em</strong> os fatos ocorridos, e ao encará-los como registros designificado para as questões que levanta, o pesquisador transforma essas representações dopassado <strong>em</strong> fontes ou documentos para sua pesquisa, que muitas vezes pod<strong>em</strong> parecerestranhas aos códigos e valores do momento presente.São as experiências sensíveis do mundo – expressas <strong>em</strong> atos, <strong>em</strong> ritos, <strong>em</strong> palavras eimagens, <strong>em</strong> objetos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> material, <strong>em</strong> materiali<strong>da</strong>des do espaço construído – querevelam uma subjetivi<strong>da</strong>de ou uma sensibili<strong>da</strong>de partilha<strong>da</strong>, coletiva, e se oferece à leituraenquanto fonte, r<strong>em</strong>etendo ao mundo do imaginário, <strong>da</strong> cultura e de seu conjunto designificações construído sobre determina<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de.A partir <strong>da</strong> interpretação de traços e registros de uma determina<strong>da</strong> cultura, acionamosuma estrutura espaço-t<strong>em</strong>poral que permite a elaboração de tramas <strong>em</strong> um trabalho deconstrução capaz de produzir sentido, como <strong>em</strong> um puzzle. Aos poucos, as peças searticulam, oferec<strong>em</strong> diferentes combinações e revelam explicações que permit<strong>em</strong> umaleitura do espaço <strong>em</strong> diferentes t<strong>em</strong>pos.Se <strong>em</strong> ca<strong>da</strong> época os homens constro<strong>em</strong> representações para conferir sentido ao real, oimaginário torna-se, assim, uma possibili<strong>da</strong>de de acessar as sensibili<strong>da</strong>des de outros t<strong>em</strong>posatravés dos registros e dos rastros que chegam até o presente, sejam eles falados, imagéticosou materiais, são passíveis de ser<strong>em</strong> resgatados pelo pesquisador. Na construção do12


imaginário, o real é s<strong>em</strong>pre o referente e r<strong>em</strong>ete ao cotidiano <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> dos homens, mascomporta também utopias e elaborações mentais sobre coisas que não exist<strong>em</strong>, e ambos osaspectos constitu<strong>em</strong> o que se entende por real.Para ler uma imag<strong>em</strong>, deve-se ter <strong>em</strong> mente alguns objetivos, principalmente sobre oque se quer ver/ ler. Pod<strong>em</strong> ser identificados na leitura de uma imag<strong>em</strong> os aspectosreferentes ao sentido e ao significado, que r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> ao plano do simbólico; pode-se buscartambém a orig<strong>em</strong>, a explicação de determina<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, pois as imagens guar<strong>da</strong>m <strong>em</strong> sivestígios <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, caracterizando-se dessa forma como uma narrativa que conduz oespectador pelos caminhos do imaginário, pois, ao representar o real, cria-se uma novareali<strong>da</strong>de.Nesse sentido, Alberto Manguel (2003) lança algumas questões:“Qualquer imag<strong>em</strong> pode ser li<strong>da</strong>? Qualquer imag<strong>em</strong> admite tradução <strong>em</strong> umalinguag<strong>em</strong> compreensível, revelando ao espectador aquilo que pod<strong>em</strong>os chamarde Narrativa?” (MANGUEL, 2003).A partir dessas in<strong>da</strong>gações, esse mesmo autor traz para o debate o fato de que sópod<strong>em</strong>os ver as coisas para as quais já possuímos imagens identificáveis, acionando, aoentrar <strong>em</strong> contato com uma imag<strong>em</strong>, outras imagens que t<strong>em</strong>os à disposição <strong>em</strong> nossoarquivo de imagens, formado por el<strong>em</strong>entos ligados a uma iconografia mundial, mastambém por diferentes circunstâncias sociais, culturais, individuais. Ao acionar ovocabulário para interpretar uma imag<strong>em</strong>, as narrativas constro<strong>em</strong>-se por meio de outrasnarrativas, como conseqüência desse conhecimento técnico e histórico.5.1. Reflexões sobre o trabalho com a fotografiaHistoricamente, a fotografia compõe, juntamente com outros tipos de texto decaráter verbal e não-verbal, a textuali<strong>da</strong>de de uma determina<strong>da</strong> época. Tal idéiaimplica a noção de intertextuali<strong>da</strong>de para a compreensão ampla <strong>da</strong>s maneiras deser e agir de um determinado contexto histórico: à medi<strong>da</strong> que os textoshistóricos não são autônomos, necessitam de outros para sua interpretação. Damesma forma, a fotografia - para ser utiliza<strong>da</strong> como fonte histórica, ultrapassandoseu mero aspecto ilustrativo - deve compor uma série extensa e homogênea nosentido de <strong>da</strong>r conta <strong>da</strong>s s<strong>em</strong>elhanças e diferenças próprias ao conjunto deimagens que se escolheu analisar (MAUAD, 1996).Se considerarmos que as imagens são históricas, nos deparamos com as variáveistécnicas e estéticas do contexto <strong>em</strong> que foram produzi<strong>da</strong>s e com as diferentes visões d<strong>em</strong>undo <strong>em</strong> torno <strong>da</strong>s relações sociais envolvi<strong>da</strong>s. Assim, as fotografias são suportes que13


guar<strong>da</strong>m, <strong>em</strong> sua superfície sensível, as marcas do passado. No momento de sua produçãoforam m<strong>em</strong>ória presente, e ao “entrar <strong>em</strong> contato com este presente/ passado o investimosde sentido, um sentido diverso <strong>da</strong>quele <strong>da</strong>do pelos cont<strong>em</strong>porâneos <strong>da</strong> imag<strong>em</strong>, maspróprio à probl<strong>em</strong>ática ser estu<strong>da</strong><strong>da</strong>” (MAUAD, 1996). Aquele que analisa imagens dopassado precisa desenvolver habili<strong>da</strong>des para a partir do probl<strong>em</strong>a proposto e <strong>da</strong> construçãodo objeto de estudo fazer a imag<strong>em</strong> falar, e para isso é necessário que perguntas sejamfeitas.Nesse sentido, se tivermos a intenção de compreender a paisag<strong>em</strong> cont<strong>em</strong>porânea comoresultado de uma superposição de t<strong>em</strong>pos <strong>em</strong> um mesmo espaço, partindo <strong>da</strong> situaçãopresente para resgatar no passado os vestígios deixados pelos homens de outras épocas,algumas questões poderiam ser feitas:Na paisag<strong>em</strong> cont<strong>em</strong>porânea, quais são os indícios que nos informam sobre as rupturase as permanências que simbolizam as expressões <strong>da</strong> relação socie<strong>da</strong>de-natureza –significativas para a m<strong>em</strong>ória coletiva? Como fazer a identificação e interpretação <strong>da</strong>paisag<strong>em</strong> para revelar seus valores e potenciais (para além do valor comercial) passíveis deser<strong>em</strong> incorporados/ traduzidos <strong>em</strong> políticas de planejamento e gestão de paisagens?6. Delineando uma proposição metodológicaAs principais referências teórico-metodológicas para a descrição e interpretação <strong>da</strong>paisag<strong>em</strong> na fotografia são ofereci<strong>da</strong>s pela História Cultural, através <strong>da</strong> leitura de imagens edo método <strong>da</strong> montag<strong>em</strong> de Walter Benjamin, associa<strong>da</strong>s a construções metodológicas decaracterização <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong> ofereci<strong>da</strong>s pela Geografia.O procedimento metodológico aqui apresentado propõe a leitura de imagens comoforma de compreensão <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>. Essa leitura, a ser realiza<strong>da</strong> pelo pesquisadorintérprete,acontece através de um processo de observação, descrição, análise einterpretação <strong>da</strong>s imagens fotográficas. A abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong>, entendi<strong>da</strong> como uma maneira deolhar, articula e confronta as múltiplas duali<strong>da</strong>des que caracterizam a essência <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>,assim, entre o subjetivo e o objetivo, se o objeto não deve ser absorvido pelo sujeito, osujeito está, portanto onipresente na paisag<strong>em</strong> (BERINGUIER, 1991).Cabe salientar, que o método <strong>da</strong> montag<strong>em</strong> surge como possibili<strong>da</strong>de teóricometodológicapara trabalhar as informações de maneira a construir uma trama que relacionaos traços e registros do passado através de um trabalho de construção, de quebra-cabeças,14


para então produzir sentido para uma “leitura” e obter a revelação <strong>da</strong> coerência de sentidode uma época. Sandra Pesavento (2005) enfatiza o processo <strong>da</strong> montag<strong>em</strong>:(...) é preciso recolher traços e registros do passado, mas realizar com eles umtrabalho de construção, ver<strong>da</strong>deiro quebra-cabeças, capaz de produzir sentido.Assim, as peças se articulam <strong>em</strong> composição ou justaposição, cruzando-se <strong>em</strong>to<strong>da</strong>s as combinações possíveis, de modo a revelar analogias e relações designificado, ou então se combinam por contraste, a expor oposições oudiscrepâncias. Nas múltiplas combinações que se estabelec<strong>em</strong>, argumentaBenjamin, algo será revelado, conexões serão desnu<strong>da</strong><strong>da</strong>s, explicações seoferec<strong>em</strong> para a leitura do passado.Analisando a obra de Benjamin, Willi Bolle (1994) analisa a técnica <strong>da</strong> montag<strong>em</strong>,toma<strong>da</strong> de <strong>em</strong>préstimo <strong>da</strong>s vanguar<strong>da</strong>s artísticas do início do século XX, afirmando que ométodo benjaminiano, como construção, pressupõe um trabalho de “destruição edesmontag<strong>em</strong>” <strong>da</strong>quilo que o passado oferece, visando a uma nova construção, dita<strong>da</strong> pelo“agora”.O autor sugere que, a partir dos diferentes métodos de montag<strong>em</strong> propostos porBenjamin, as técnicas de montag<strong>em</strong> por contraste e montag<strong>em</strong> por superposição seriam asmais indica<strong>da</strong>s para trabalhar a ci<strong>da</strong>de. A montag<strong>em</strong> <strong>em</strong> forma de contraste, confronta asimagens antitéticas e, por conseguinte, dialéticas, para promover o “despertar” ou arevelação. Seguindo a estratégia metodológica <strong>da</strong> montag<strong>em</strong> por contraste, é possível pôrfrente a frente as representações antagônicas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de que propicia aos seus habitantesvisões contraditórias do espaço e <strong>da</strong>s vivências que aí ocorr<strong>em</strong>, como aquelas que falam deprogresso ou tradição, as que celebram o urbano ou idealizam o rural, o imaginário dosconsumidores frente ao dos produtores do espaço, a visão <strong>da</strong>s elites frente a dos populares(PESAVENTO, 2002).Ain<strong>da</strong> obedecendo ao princípio <strong>da</strong> desmontag<strong>em</strong> e r<strong>em</strong>ontag<strong>em</strong> dos fragmentos dourbano, obtidos por idéias e imagens de representação coletiva que são contrasta<strong>da</strong>s com ointuito de revelar uma nova constelação de significados, Willi Bolle indica uma outratécnica de inteligibili<strong>da</strong>de: a montag<strong>em</strong> por superposição. Refere que esta seria talvez “amais propícia para radiografar o imaginário coletivo”, pois nela a toma<strong>da</strong> de consciência se<strong>da</strong>ria aos poucos e não por efeito <strong>da</strong> revelação por choque, menciona<strong>da</strong> anteriormente.Seria o processo metodológico através do qual se justapõ<strong>em</strong> personagens, imagens,discursos, eventos, performances “reais” ou “imaginárias” <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.15


Para Pesavento (1995), essa seria “a técnica que mais se aproxima ao que comumentese chamaria a contextualização, o referencial de circunstância ou, ain<strong>da</strong>,o quadro decontingências que d<strong>em</strong>arca a situação a ser analisa<strong>da</strong>”. As técnicas de montag<strong>em</strong> porjustaposição e contraste não são, <strong>em</strong> si, excludentes, e, na prática, tanto se pode utilizar umaquanto a outra, contextualizando e opondo imagens e discursos antitéticos, na busca designificados e correspondências.Nessa perspectiva, a estratégia metodológica pretende desenvolver algumas reflexões arespeito de como realizar a leitura e interpretação <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong> como possibili<strong>da</strong>de para acompreensão de processos urbanos <strong>em</strong> uma trama construí<strong>da</strong> a partir dos registroshumanos.6.1. Desmontag<strong>em</strong> e (re) montag<strong>em</strong> – etapas a ser<strong>em</strong> percorri<strong>da</strong>s6.1.1. ETAPA 1 – Escolha <strong>da</strong>s imagensA escolha <strong>da</strong>s imagens inicia com a documentação encontra<strong>da</strong> <strong>em</strong> pesquisaspreliminares (acervos, coleções, álbuns, etc). <strong>Segundo</strong> Panofsky (1991) “essa seleção domaterial para observação e exame é predetermina<strong>da</strong>, por uma teoria ou por uma concepçãohistórica genérica. Isso é ain<strong>da</strong> evidente dentro do próprio processo, onde ca<strong>da</strong> passo rumoao sist<strong>em</strong>a que ‘faça sentido’ pressupõe os precedentes e os subseqüentes”.A partir <strong>da</strong> seleção prévia pod<strong>em</strong> ser compostos alguns “conjuntos de imagens” quepermit<strong>em</strong> a identificação de características comuns – a linguag<strong>em</strong> estética, osenquadramentos, a técnica de representação, os artistas, o período – assim as imagenspossibilitam um percurso no t<strong>em</strong>po através de diferentes olhares.Essa etapa permite reconhecer uma visão de conjunto. Os modos de observação e osolhares lançados para a paisag<strong>em</strong> dev<strong>em</strong> ser múltiplos para permitir que a diversi<strong>da</strong>de deinformações se compl<strong>em</strong>ente, oferecendo diferentes combinações possíveis. A escolha <strong>da</strong>simagens caracteriza-se como o momento de delimitação <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong> no espaço, é a suaamplitude, olha<strong>da</strong> como um espaço globalmente abarcado pela visão.Para orientar a seleção e os agrupamentos na formação dos “conjuntos de imagens”,alguns critérios pod<strong>em</strong> ser seguidos:a. Enquadramentos e pontos de vista: as escolhas buscam cont<strong>em</strong>plar visõespanorâmicas, que englobam o conjunto, oferecendo uma plurali<strong>da</strong>de de pontos de vista eenquadramentos.16


. Ângulos de visão: <strong>em</strong> função <strong>da</strong>s direções <strong>da</strong> visão (horizontal e oblíqua) nasrepresentações <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>. Esse critério permite observar as variações na maneira derepresentar a paisag<strong>em</strong> ao longo do t<strong>em</strong>po.c. Escalas/ zoom: refere-se ao grau de distanciamento do observador. Observa-se,também nesse critério, a multiplici<strong>da</strong>de de escalas, considerando que as imagens“distancia<strong>da</strong>s” permit<strong>em</strong> a visão <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de reforçando o efeito de massa, mas também dedistanciamento do observador, e que as imagens “aproxima<strong>da</strong>s” facilitam a apreensão dosdetalhes, do refinamento do olhar sobre os el<strong>em</strong>entos e principalmente aproximam oobservador do el<strong>em</strong>ento humano, sujeitos <strong>da</strong> interação com a paisag<strong>em</strong>.d. Períodos: <strong>em</strong> relação aos períodos as imagens são agrupa<strong>da</strong>s segundo uma ord<strong>em</strong>cronológica, permitindo a observação <strong>da</strong>s transformações ocorri<strong>da</strong>s na paisag<strong>em</strong>, ou,reunindo <strong>em</strong> um mesmo período as diferentes formas de apropriação e de manifestações <strong>da</strong>vi<strong>da</strong> social cotidiana presentes na paisag<strong>em</strong>.6.1.2. ETAPA 2 – Análise – desmontag<strong>em</strong>Esta etapa dá início à análise <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong> e t<strong>em</strong> o propósito de decompor as imagenscomo estratégia analítica.Ao ser feita a opção de compreender a paisag<strong>em</strong> cont<strong>em</strong>porânea enquanto resultado dediversas transformações espaços-t<strong>em</strong>porais, prioriza-se na análise o aspecto <strong>da</strong> dinâmica <strong>da</strong>paisag<strong>em</strong>, sua história ou evolução como via primordial de entendimento.As paisagens são produtos históricos, que fixam o processo que as forma, poisacumulam heranças. A história de uma paisag<strong>em</strong> é, assim, um método e também um deseus valores, possibilitando a distinção de cronologias muito distintas segundo seuscomponentes. Contém <strong>em</strong> sua essência a característica <strong>da</strong> transformação através de suasmodificações estruturais, morfológicas e funcionais, assim, o estudo de suas dinâmicas têmespecial importância.Está claro que a paisag<strong>em</strong> não é um cenário morto. É ativa como conjunto no t<strong>em</strong>po eno espaço e está composta por constituintes não inertes, senão também ativos. Não só estáafeta<strong>da</strong> por dinâmicas, senão que a paisag<strong>em</strong> é dinâmica, e esta é uma de suas proprie<strong>da</strong>desfun<strong>da</strong>mentais que perpassa tanto o conjunto <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong> como os seus componentes. A luzdessa compreensão, inicia-se a desmontag<strong>em</strong> <strong>da</strong> imag<strong>em</strong> segundo suas diferentes cama<strong>da</strong>s17


superpostas com o objetivo de realizar a leitura de formas, funções, el<strong>em</strong>entos e estruturas<strong>em</strong> relação às suas dinâmicas próprias:a. Forma – pode ser entendi<strong>da</strong> como a configuração adquiri<strong>da</strong> <strong>em</strong> um <strong>da</strong>do momento, éo volume <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong> visível, <strong>em</strong> cuja textura se realiza a existência. É a conformação e afigura, sendo o objetivo nessa fase o de identificar a “geometria” <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>, a partir desuas linhas, seus volumes e suas massas.b. El<strong>em</strong>entos – os el<strong>em</strong>entos de uma paisag<strong>em</strong> são múltiplos, diversificados e aparec<strong>em</strong>mesclados, combinados. As agrupações de el<strong>em</strong>entos, se exist<strong>em</strong>, são igualmenteindividualizáveis e classificáveis e pod<strong>em</strong> ser compostas por: el<strong>em</strong>entos edificados,ambiente físico e ambiente biológico.c. Função – as funções preench<strong>em</strong> as paisagens de substância. A paisag<strong>em</strong> se insere <strong>em</strong>redes territoriais e regionais maiores e t<strong>em</strong> funcionali<strong>da</strong>de <strong>em</strong> muitos níveis, fort<strong>em</strong>enteformaliza<strong>da</strong> com el<strong>em</strong>entos materiais relacionando-se aos aspectos de utili<strong>da</strong>de no sentidode suprir as necessi<strong>da</strong>des humanas.d. Estrutura – revela a totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s relações na paisag<strong>em</strong>: transformações,autoregulação, formalização. Como um conjunto de el<strong>em</strong>entos solidários entre si ou cujaspartes são funções umas <strong>da</strong>s outras, cujos componentes se inter-relacionam, articulam,compenetram funcionalmente.A partir <strong>da</strong> desmontag<strong>em</strong> realiza<strong>da</strong> através <strong>da</strong> leitura nas diferentes cama<strong>da</strong>s t<strong>em</strong>porais,parte-se para a identificação dos diferentes traços presentes nessa paisag<strong>em</strong>.Os traços refer<strong>em</strong>-se aos vestígios relativos ao t<strong>em</strong>po, pod<strong>em</strong> ser atuais como antigos.<strong>Segundo</strong> Beringuier (1991), tomando a paisag<strong>em</strong> como um palimpsesto, os traços r<strong>em</strong>et<strong>em</strong>ao relevo <strong>da</strong> história com seus múltiplos vestígios acomo<strong>da</strong>dos através <strong>da</strong>s dinâmicasespaciais ao longo do t<strong>em</strong>po. Pode-se, então, descobrir na paisag<strong>em</strong> as tramas sucessivas desua construção segundo os legados her<strong>da</strong>dos e transformados, assim, a paisag<strong>em</strong> sedecompõe <strong>em</strong> cama<strong>da</strong>s superpostas.Para estu<strong>da</strong>r esses t<strong>em</strong>pos <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>, o mesmo autor sugere que se elabore umaestratificação <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong> a partir dos processos de criação-decomposição-recomposição<strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>. Assim, quatro gêneros pod<strong>em</strong> ser distinguidos nas paisagens atuais:a. Os traços fósseis, que resultam de formas de ordenação produzi<strong>da</strong>s pelos sist<strong>em</strong>associais atualmente desaparecidos ou quase. Esses traços não necessariamente18


desapareceram, pod<strong>em</strong> ser muito visíveis, mas são abandonados, s<strong>em</strong> real utilização social.Compõ<strong>em</strong> paisagens do abandono com suas formas mais ou menos degra<strong>da</strong><strong>da</strong>s.b. Os traços reinseridos têm graus de desaparecimento diversos. O essencial é que essestraços foram reutilizados por novas funções, freqüent<strong>em</strong>ente por uma mu<strong>da</strong>nça de uso. Emalgumas situações, mais ou menos modificados, continuam a obedecer à lógica funcionaloriginal.c. Os traços mantidos no estado de orig<strong>em</strong>, mesmo que sua função social tenha sidomodifica<strong>da</strong>, eles são os vestígios conservados de épocas anteriores, e por vezes as relíquiascui<strong>da</strong>dosamente preserva<strong>da</strong>s por políticas de proteção do patrimônio.d. Os traços <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de, são componentes cont<strong>em</strong>porâneos <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>. Essestraços novos pod<strong>em</strong> ser mais ou menos integrados à paisag<strong>em</strong>, mais ou menos aceitos peloshabitantes.A paisag<strong>em</strong> resulta do entrecruzamento desses quatro tipos de traços, mesclados,justapostos, segundo sua própria ordenação. O pesquisador recomporá essas cama<strong>da</strong>s maisou menos harmoniosas s<strong>em</strong> esquecer a dimensão dos usos sociais.6.1.3. ETAPA 3 – Síntese – (re)montag<strong>em</strong>Com os <strong>da</strong>dos produzidos anteriormente, essa etapa opera o cruzamento <strong>da</strong>sinformações e a interpretação <strong>da</strong>s análises, incorporando como resultado a síntese. Nométodo <strong>da</strong> montag<strong>em</strong>, proposto por Walter Benjamin, o momento de entrelaçamento <strong>da</strong>sinformações e reconstrução <strong>da</strong> trama, que relaciona e articula os diversos significados,pretende aprofun<strong>da</strong>r a análise e explorar suas possibili<strong>da</strong>des interpretativas produzindosentido a “leitura” realiza<strong>da</strong>. Nessa construção <strong>da</strong>s tramas para produzir o sentido a leitura,busca-se atribuir as quali<strong>da</strong>des e os “valores” <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>, seus aspectos simbólicos e asmarcas <strong>da</strong> m<strong>em</strong>ória coletiva.Nesse agrupamento <strong>da</strong>s informações e reconstrução do mosaico <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong> a síntese éguia<strong>da</strong> pela busca <strong>da</strong>quilo que é dominante na paisag<strong>em</strong>, nos dois sentidos do termo, o maisvigoroso ou forte, e também aquilo que é específico do meio estu<strong>da</strong>do. O observadorseleciona, escolhe e reúne os el<strong>em</strong>entos que informam e dão a significação que permit<strong>em</strong>compreender e sentir a natureza <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>, aqueles que evocam o melhor movimento,que manifestam mais claramente os princípios de organização espacial do meio. Essestraços dominantes faz<strong>em</strong> a “assinatura” <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>, permitindo que se reconheça a suaespecifici<strong>da</strong>de, a sua identi<strong>da</strong>de. A partir <strong>da</strong>í existe a possibili<strong>da</strong>de de ser<strong>em</strong> aponta<strong>da</strong>s as19


potenciali<strong>da</strong>des e ameaças com vistas à proteção, gestão e ordenação <strong>da</strong> paisag<strong>em</strong>,enquanto possibili<strong>da</strong>des de cenários resultantes <strong>da</strong>s dinâmicas espaços-t<strong>em</strong>poraisanteriormente analisa<strong>da</strong>s.7. ConsideraçõesTomando a paisag<strong>em</strong> enquanto representação, acredita-se que sua leitura através <strong>da</strong>fotografia possa ser um instrumento teórico-metodológico que possibilite a construção deuma, <strong>da</strong>s tantas, interpretações possíveis de paisagens. As fotografias nos transportam paraoutros t<strong>em</strong>pos e nos levam a reconstruir narrativas sobre as formas de interação que umasocie<strong>da</strong>de constrói na relação com a natureza e na transformação do espaço onde vive. Aoacessar alguns dos múltiplos significados contidos <strong>em</strong> uma paisag<strong>em</strong>, abre-se uma portaque permite compreender os diversos processos sociais e culturais impressos como traços evestígios a ser<strong>em</strong> decifrados.Mas para que nasça a paisag<strong>em</strong> é necessário, é preciso inegavelmente que apulsação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, na percepção e no sentimento, seja arranca<strong>da</strong> <strong>da</strong>homogenei<strong>da</strong>de <strong>da</strong> natureza e que o produto especial assim criado, depois detransferido para uma cama<strong>da</strong> inteiramente nova, se abra ain<strong>da</strong> por assim dizer, àvi<strong>da</strong> universal e acolha o ilimitado nos seus limites s<strong>em</strong> falhas. vi8. Referências BibliográficasAUMONT, Jacques. A imag<strong>em</strong>. cap. A parte do espectador. Campinas: Papirus, 1993.BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios literatura e história <strong>da</strong>cultura. 7ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1994 (Tradução de Sérgio Paulo Rouanet), ObrasEscolhi<strong>da</strong>s, v.1.BERINGUIER, C. Manieres paysageres une methode d’etude, des pratiques. Geodoc,documents de recherche de l’UFR Geographie et Amenag<strong>em</strong>ent – Université de Toulouse-Le Mirail, n.35, 1991.BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de. SãoPaulo: Companhia <strong>da</strong>s Letras, 2007 (Tradução de Carlos Felipe Moisés, Ana Maria L.Ioriatti).BERQUE, Augustin. Paisag<strong>em</strong>-marca, paisag<strong>em</strong>-matriz: el<strong>em</strong>entos <strong>da</strong> probl<strong>em</strong>ática parauma geografia cultural. In: CORRÊA, Roberto Lobato. ROSENDAHL, Zeny (orgs).Paisag<strong>em</strong>, t<strong>em</strong>po e cultura. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998.20


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