12.07.2015 Views

A Questão Democrática, 2010. - Instituto de Humanidades

A Questão Democrática, 2010. - Instituto de Humanidades

A Questão Democrática, 2010. - Instituto de Humanidades

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

1 7A relevância da noção <strong>de</strong> interesseNa busca do reconhecimento daqueles princípios queconstituiriam os pilares <strong>de</strong> uma cultura <strong>de</strong>mocrática, tenho a impressão <strong>de</strong>que esbarramos com uma certa incompreensão acerca não só daquilo a quecorrespon<strong>de</strong>riam os interesses como também na avaliação que <strong>de</strong>les se faz.Supõe-se geralmente que os interesses seriam sobretudo pecuniários e atémesmo que a tanto se reduziriam. Semelhante i<strong>de</strong>ntificação, predispõe aencará-los com uma certa <strong>de</strong>sconfiança, se simplesmente não oscon<strong>de</strong>namos.Basicamente, o interesse correspon<strong>de</strong> a uma inclinação, que po<strong>de</strong>ser espontânea (espécie <strong>de</strong> dom natural) ou resultante do contexto cultural.Os interesses, como as inclinações, são gran<strong>de</strong>mente diversificados. Numafamília numerosa, essa diversida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> mesmo constituir-se numdiferencial expressivo entre as pessoas. Ao que tudo indica, o meio socialestimula certos interesses. No Brasil, se num encontro casual (por exemplo,numa sala <strong>de</strong> espera) quisermos manter uma conversa <strong>de</strong>scontraída,dificilmente o futebol não interessará ao interlocutor eventual.Os interesses econômicos são relevantes mas nem por isto seriamexclusivos. Em muitas circunstâncias, os interesses morais ou religiosospo<strong>de</strong>m tornar-se mais relevantes e mobilizadores. Muitos dos conflitos <strong>de</strong>nosso tempo têm essa origem. Ainda mais: a universalização da tolerânciareligiosa tem esbarrado com gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s.Na construção <strong>de</strong> uma cultura <strong>de</strong>mocrática, a regra básica consisteem aceitar a legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos os interesses. Num <strong>de</strong>bate <strong>de</strong>ssa tese, umsacerdote pelo qual tenho um gran<strong>de</strong> apreço, apresentou uma objeçãosegundo a qual o interesse pela pornografia não <strong>de</strong>veria ser tolerado.Objeções <strong>de</strong>sse tipo, facilmente passam a constituir-se em lei, como éjustamente o caso. Assim, a regra em apreço completa-se pela afirmação <strong>de</strong>que os interesses que a socieda<strong>de</strong> não tolera terão que ser estabelecidos emlei. Naturalmente, uma complementação <strong>de</strong>sse tipo po<strong>de</strong>ria ser classificadacomo acaciana (o personagem e Eça <strong>de</strong> Queiróz que só dizia coisas óbvias).Entretanto, em nosso meio, ainda é muito freqüente que li<strong>de</strong>ranças sindicais(e até mesmo religiosas) consi<strong>de</strong>rem o lucro como ilegítimo (senão imoral).Predisposições <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong>notam a dificulda<strong>de</strong> na construção <strong>de</strong> umacultura <strong>de</strong>mocrática permitindo mesmo supor-se que, se existe, não seriaforte o suficiente para assegurar a consolidação do sistema <strong>de</strong>mocráticorepresentativo.No curso da Revolução Francesa popularizou-se a tese, <strong>de</strong>vida aRousseau, <strong>de</strong> que os interesses particulares seriam contrapostos ao interessegeral. A doutrina da representação política, segundo a qual seria <strong>de</strong>interesses, <strong>de</strong>vida a Benjamin Constant, teve que <strong>de</strong>monstrar ainconsistência <strong>de</strong> tal afirmativa. Trata-se assim <strong>de</strong> um pressuposto daa<strong>de</strong>quada compreensão do papel que incumbe ao partido político.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!