Teixeira FAA et al.INTRODUÇÃO<strong>Macroglossia</strong> é uma condição relativamente incomum, queocorre em pacientes pediátricos e contribui para uma varie<strong>da</strong>dede problemas funcionais 1-8 . Mais comumente, a macroglossiadecorre do crescimento exagerado do tecido muscular e hipertrofia<strong>da</strong> língua (Quadro 1). Tal condição é vista com frequênciana síndrome de Beckwith-Wiedemann (Figura 1).Essa síndrome é uma desordem de crescimento caracteriza<strong>da</strong>pela macrossomia, macroglossia, visceromegalia, tumoresembriogênicos (como tumor de Wilms, hepatoblastoma,neuroblastoma e rabdomioblastoma), onfalocele, hiperglicemianeonatal, fístulas auriculares, citomegalia adrenocortical eanormali<strong>da</strong>des renais. Tem índice de mortali<strong>da</strong>de ao redor de20%, principalmente pela prematuri<strong>da</strong>de. A macrossomia e amacroglossia podem estar presente ao nascimento ou apareceremcom o desenvolvimento.Anormali<strong>da</strong>des genéticas do cromossomo 11p15 sãoencontra<strong>da</strong>s em menos de 1% dos casos. Testes demonstrarammutação no gen CDKN1C em 40% dos casos familiares e5-10% nos casos isolados 9 .Em nosso conhecimento, não há critérios diagnósticosobjetivos para macroglossia, nem técnicas de medi<strong>da</strong> diretapara descrever um tamanho de língua “normal” ou patologicamenteaumentado. Apesar de Wolford e Cottrell 8 terem relatadodiversas características clínicas e cefalométricas como sinaise sintomas <strong>da</strong> macroglossia, tais parâmetros foram utilizadosapenas para o aspecto ortodôntico, e não, como critériosdiagnósticos. Portanto, a inexistência de um método eficaz eprático para dimensionar a língua dificulta o diagnóstico <strong>da</strong>macroglossia 10,11 .A indicação imperiosa de intervenção cirúrgica em macroglossiaé a obstrução de vias aéreas, como no caso do lactente,com quadro de obstrução de vias aéreas (Figura 2). Outrasindicações para cirurgia incluem problemas de deglutição e dificul<strong>da</strong>desde articulação, secundárias ao aumento volumétrico<strong>da</strong> língua e a problemas de mobili<strong>da</strong>de associados (Figura 3).Figura 1 - Paciente do sexo feminino, nasci<strong>da</strong> a termo,APGAR 8/9, apresentava macroglossia, cisto sublingual ehérnia umbilical. Ultrassonografia abdominal não revelouanomalias. Ficou com hipótese diagnóstica <strong>da</strong> Síndromede Beckwith-Wiedemann. Aos 6 anos de i<strong>da</strong>de, retornoupor dificul<strong>da</strong>de de fala e de deglutição (A). Submeti<strong>da</strong> aglossectomia subtotal segundo técnica de Egyedi-Obwegeser(B, C e D). Após 6 meses de pós-operatório, pacienteencontra-se com melhora significativa <strong>da</strong> fonação e <strong>da</strong>deglutição (E).CABDQuadro 1 - Causas <strong>da</strong> macroglossia.Supercrescimento <strong>da</strong> língua• síndrome de Beckwith-WiedemannInfiltração dos tecidos• malformação linfática• malformação venosa• neoplasia• cistos congênitos• mucopolissacaridose• amiloidose<strong>Macroglossia</strong> relativa• síndrome de Down• micrognatia• hipotonia muscularFonte: Perkins 7 .Dios et al. 12 mencionaram ain<strong>da</strong>, como indicador de tratamentocirúrgico, desordens psicológicas, em consequencia à aparênciado paciente, tais como protrusão de língua, dislalia e sialorréia,o que dá a falsa impressão de deficiência mental.Os procedimentos cirúrgicos buscam reduzir o tamanhoe volume <strong>da</strong> língua, enquanto são manti<strong>da</strong>s mobili<strong>da</strong>de e afunção 6,13 . No entanto, ain<strong>da</strong> não há estudos prospectivosrandomizados comparando as abor<strong>da</strong>gens terapêuticas emmacroglossia 14 . Van Lierde et al. 15 demonstraram a melhora<strong>da</strong> fonação e do convívio social de pacientes tratados <strong>da</strong>macroglossia.Diversas técnicas para reduzir o tamanho <strong>da</strong> língua porexcisão cirúrgica <strong>da</strong> musculatura lingual já foram descritas 16-23(Figura 4). Hoje em dia, a maioria <strong>da</strong>s reduções é realiza<strong>da</strong> pormeio <strong>da</strong> remoção em forma cunha ou “em orifício de fechadura”de tecido lingual, na linha média. Em todos os procedimentoscirúrgicos dos nossos pacientes foi utiliza<strong>da</strong> a técnica deEgyedi-Obwergeser (Figura 1C). Nós acreditamos que estemétodo é adequado para preservar o feixe neurovascular eobter a redução deseja<strong>da</strong> <strong>da</strong> língua, uma vez que o principalsuprimento neurovascular <strong>da</strong> língua, artéria lingual, nervosRev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(2): 107-10108
<strong>Macroglossia</strong>: revisão <strong>da</strong> <strong>literatura</strong>Figura 2 - Paciente do sexo masculino, nascido de partonormal, pré-termo, gemelar. Encaminhado com 3 mesespor apresentar dificul<strong>da</strong>de em se alimentar e dispnéia.Apresentava importantes desconforto respiratório e aumento<strong>da</strong> língua, principalmente do lado direito, assimetria deface e desvio de língua para a esquer<strong>da</strong> (A). A tomografiacomputadoriza<strong>da</strong> evidenciou acentuado aumento volumétrico<strong>da</strong> língua, redução acentua<strong>da</strong> do conduto aéreopróprio <strong>da</strong> rinofaringe. A glossectomia parcial foi realiza<strong>da</strong>(B). Aos 4 anos de i<strong>da</strong>de, paciente retornou ao ambulatórioapresentando volume lingual acentuado (C), sendosubmeti<strong>da</strong> a nova glossectomia parcial (D), notar o usodo eletrocautério para a ressecção. Paciente no 2º ano depós-operatório, sem dificul<strong>da</strong>des de deglutição e com boafonação.Figura 3 - Paciente com epignathus, submeti<strong>da</strong> previamentea ressecção do teratoma oral, apresentava lesãoexofítica em dorso <strong>da</strong> língua (A). Foi submeti<strong>da</strong> à resseção<strong>da</strong> tumoração (B, C e D), que demonstrou ser umhamartoma.ABABCDCDFigura 4 - Técnicas de glossectomia parcial. A. Edgerton(1950); B. Dingman (1961); C. Egyedi (1964); D. Kole (1965);E. Gupta (1971); e F. Morgan (1996).lingual e hipoglosso entram lateralmente ao órgão, para sódepois seguirem anteriormente, sem cruzar a linha média 16 .Isso permite a excisão de grandes porções <strong>da</strong> linha média <strong>da</strong>língua, sem diminuir a mobili<strong>da</strong>de, sensibili<strong>da</strong>de ou comprometera vasculatura 24 . Cabe lembrar que, no terço posterior<strong>da</strong> língua, as papilas circunvala<strong>da</strong>s e fungiformes devem serpreserva<strong>da</strong>s para manter as funções gustativas.A redução cirúrgica <strong>da</strong> língua permite que o tamanho doórgão seja alterado em três dimensões. A excisão simplesem forma de cunha na linha média diminui, principalmente,a largura e o comprimento, além do volume. Se o comprimento<strong>da</strong> língua ain<strong>da</strong> continuar excessivo, a excisão em“orifício de fechadura” pode vir a ser utiliza<strong>da</strong>. Na Figura 2,o paciente apresentava desproporção relaciona<strong>da</strong> à largura, enão ao comprimento. É interessante citar que procedimentosde redução lateral ou <strong>da</strong> porção anterior <strong>da</strong> língua têm sidorelatados, porém diminuem a sensibili<strong>da</strong>de, afetando negativamentea fala e a deglutição.Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(2): 107-10109