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o cinema da retomada: estado e cinema no brasil da dissolução da ...

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MELINA IZAR MARSON“O CINEMA DA RETOMADA: ESTADO E CINEMA NO BRASILDA DISSOLUÇÃO DA EMBRAFILME À CRIAÇÃO DA ANCINE”Dissertação de Mestrado apresenta<strong>da</strong> aoDepartamento de Sociologia do Institutode Filosofia e Ciências Humanas <strong>da</strong>Universi<strong>da</strong>de Estadual de Campinas sob aorientação do Prof. Dr. José Mário OrtizRamos.Este exemplar corresponde àre<strong>da</strong>ção final <strong>da</strong> dissertaçãodefendi<strong>da</strong> e aprova<strong>da</strong> pelaComissão Julgadora em23/02/2006.BANCAProf. Dr. José Mário Ortiz RamosProf. Dr. Marcelo Siqueira RidentiProf. Dr. Arthur Autran Franco de Sá NetoFEVEREIRO / 2006


2FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELABIBLIOTECA CENTRAL DA UNICAMPBibliotecária: Helena Joana Flipsen – CRB-8ª / 5283M359cMarson, Melina Izar.O Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> : Estado e <strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil <strong>da</strong>dissolução <strong>da</strong> Embrafilme à criação <strong>da</strong> Ancine / Melina IzarMarson. -- Campinas, SP : [s.n.], 2006.Orientador: José Mário Ortiz Ramos.Dissertação (Mestrado) - Universi<strong>da</strong>de Estadual deCampinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.1. Cinema - Brasil - 1990-. 2. Cinema e Estado.I. Ramos, José Mário Ortiz. II. Universi<strong>da</strong>de Estadual deTítulo em inglês: Brazilian contemporary <strong>cinema</strong>.Palavras-chave em inglês (Keywords): Cinema – Brazil – 1990-,Cinema and state.Área de concentração: Sociologia.Titulação: Mestre em Sociologia.Banca examinadora: José Mário Ortiz Ramos, Marcelo Siqueira Ridenti, ArthurAutran Franco de Sá Neto.Data <strong>da</strong> defesa: 23/02/2006.


3UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASINSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANASMestrado em Sociologia“O CINEMA DA RETOMADA: ESTADO E CINEMA NO BRASILDA DISSOLUÇÃO DA EMBRAFILME À CRIAÇÃO DA ANCINE”Melina Izar MarsonCampinasFevereiro / 2006


5AGRADECIMENTOSO trabalho intelectual é geralmente muito solitário. São horas e horas, manhãs,tardes e <strong>no</strong>ites, dias e meses passados em bibliotecas, arquivos, salas de leitura, emfrente ao computador – e, nesse caso, nas salas de <strong>cinema</strong>, nas locadoras e em frenteà televisão. Leituras, análises, considerações, ligações, conclusões e dúvi<strong>da</strong>s que seapresentam ao pesquisador, que ele elabora, re-elabora, compila, organiza,desorganiza, reorganiza, arruma, desarruma e re-arruma. Embora o grosso do trabalhodepen<strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentalmente do esforço individual, todo esse esforço seria nulo semalgumas valiosas contribuições, que merecem seus créditos.Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. José Mário Ortiz Ramos, pela confiançadeposita<strong>da</strong> em mim, pela auto<strong>no</strong>mia com que me permitiu trabalhar, pelos conselhos esugestões durante todo o período do mestrado e, principalmente, por me orientar <strong>no</strong>scaminhos do trabalho intelectual e <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> acadêmica.Sem a compreensão e o incentivo de minha família, seria impossível concluiresse trabalho. O apoio de meus pais, principalmente, foi fun<strong>da</strong>mental para meuequilíbrio e a necessária tranqüili<strong>da</strong>de para realizar essa empreita<strong>da</strong>.Agradeço ain<strong>da</strong> aos amigos e colegas do IFCH, pelas eventuais leituras,conversas e pelo estímulo. E também aos meus caros amigos “não-ifichia<strong>no</strong>s”, unspróximos e outros distantes, pelas conversas, filmes, sugestões e, principalmente, peloapoio e pelo ombro. Vocês foram e são vitais.


7RESUMOEssa dissertação apresenta uma análise <strong>da</strong>s relações entre Cinema e Estado <strong>no</strong>Brasil entre 1990 e 2002, período que corresponde à elaboração e à institucionalizaçãode uma <strong>no</strong>va política <strong>cinema</strong>tográfica.A produção <strong>cinema</strong>tográfica <strong>no</strong> Brasil enfrentou uma grave crise <strong>no</strong> início dosa<strong>no</strong>s 90, após a extinção dos órgãos estatais financiadores e fiscalizadores (Embrafilmee Concine). Devido à implantação de medi<strong>da</strong>s de renúncia fiscal, que se traduziramnum significativo aumento <strong>da</strong> produção de filmes, o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro “retomou o fôlego”e passou a ser conhecido como o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>. Através <strong>da</strong>s movimentaçõesinternas do campo <strong>cinema</strong>tográfico e de seu constante diálogo com o Estado, essasmedi<strong>da</strong>s foram aperfeiçoa<strong>da</strong>s e incorpora<strong>da</strong>s a um <strong>no</strong>vo órgão estatal, a AgênciaNacional de Cinema (Ancine) cria<strong>da</strong> em 2001 e efetiva<strong>da</strong> em 2002.Por meio de análises dos discursos elaborados pelo campo <strong>cinema</strong>tográfico e <strong>da</strong>documentação oficial, esse trabalho abor<strong>da</strong> o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> enquanto resultado<strong>da</strong> <strong>no</strong>va concepção de política <strong>cinema</strong>tográfica e de <strong>no</strong>vas configurações e jogos depoder dentro do campo <strong>cinema</strong>tográfico, percebi<strong>da</strong>s em uma <strong>no</strong>va forma de fazer<strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil.


9INDICEINTRODUÇÃO............................................................................................................... 11I. PREPARANDO O TERRENO DO CINEMA DA RETOMADA (1990 – 1994)1. O fim de mais um ciclo ............................................................................172. O <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro pode ser auto-sustentável? ......................................243. A i<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s trevas: o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro morreu? .................................... 344. Uma <strong>no</strong>va esperança: Rouanet ............................................................... 425. Longe do Estado, entre Estados e Municípios .........................................516. Depois de Collor, o resgate do <strong>cinema</strong> nacional .....................................56II. A FASE DE EUFORIA (1995 – 1998)1. A <strong>no</strong>va política <strong>cinema</strong>tográfica mostra seus primeiros frutos ................ 672. Cinema é um bom negócio. Começam as superproduções e ocampo <strong>cinema</strong>tográfico se divide ................................................................ 783. Uma indústria audiovisual? .................................................................... 904. O <strong>cinema</strong> <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de ......................................................................... 1025. Prenúncio de uma crise. A euforia <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> chega ao fim ............ 114III. A CRISE E A RE-POLITIZAÇÃO DO CINEMA BRASILEIRO (1999 – 2002)1. Chatô (Guilherme Fontes) e a crise <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> ................................ 1232. A volta do discurso político ................................................................... 1363. Por uma política <strong>cinema</strong>tográfica mais abrangente .............................. 1464. Re-politização e televisão na <strong>cinema</strong>tografia do período ..................... 155IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 171BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 175ANEXO ........................................................................................................................ 189


11INTRODUÇÃOEm meados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1990, o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, após um período de crise,se recuperou: ganhou visibili<strong>da</strong>de e respeito, conseguiu cativar o público, voltou a sermanchete na imprensa e ganhou até torci<strong>da</strong> durante as premiações do Oscar às quaisconcorreu. Nas telas <strong>brasil</strong>eiras surgiu o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>. Mas o que aconteceu?Por que o <strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil havia sido <strong>da</strong>do como morto e como ele renasceu? Essasforam as principais questões que geraram esse trabalho e <strong>no</strong>rtearam seudesenvolvimento.O termo Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> não diz respeito a uma <strong>no</strong>va proposta estéticapara o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, nem mesmo se refere a um movimento organizado decineastas em tor<strong>no</strong> de um projeto coletivo (uma formação, de acordo com os termos deRaymond Williams 1 ). O Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> se refere ao mais recente ciclo <strong>da</strong> históriado <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, surgido graças a <strong>no</strong>vas condições de produção que seapresentaram a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 90, condições essas viabiliza<strong>da</strong>s através de umapolítica cultural basea<strong>da</strong> em incentivos fiscais para os investimentos <strong>no</strong> <strong>cinema</strong>. Aelaboração dessa política <strong>cinema</strong>tográfica alterou as relações entre os cineastas, e,simultaneamente, exigiu <strong>no</strong>vas formas de relacionamento desses com o Estado, seuprincipal interlocutor.Muito se falou sobre o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> na mídia, <strong>no</strong> discurso oficial doEstado e em obras específicas sobre <strong>cinema</strong> 2 . Mas, em geral, as análises sobre operíodo tiveram como foco principal os filmes ou os seus diretores e não se fixaram nascondições de produção. Partindo <strong>da</strong> perspectiva de que há uma estreita relação entreas obras e suas condições de produção, o que, segundo José Mário Ortiz Ramos,1 WILLIAMS, Raymond. Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, página 62.2 Veja-se a este respeito, principalmente, NAGIG, Lúcia. O Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>: Depoimentos de 90Cineastas dos A<strong>no</strong>s 90. São Paulo: Editora 34, 2002; ORICCHIO, Luiz Zanin. Cinema de Novo: UmBalanço Crítico <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>. São Paulo: Estação Liber<strong>da</strong>de, 2003 e BUTCHER, Pedro. CinemaBrasileiro Hoje. São Paulo: Publifolha, 2005.


12“consiste em conceber os filmes como produtos culturais, ou bens simbólicos,caminhando <strong>no</strong> sentido de delinear as determinantes sociais de sua produção” 3 , essetrabalho propõe a investigação do campo <strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiro <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 90 e suasrelações com o Estado na elaboração de uma <strong>no</strong>va política <strong>cinema</strong>tográfica. A análiseaqui apresenta<strong>da</strong>, portanto, não é sobre os filmes do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, ou seja,não se trata de uma análise fílmica ou estética – embora alguns filmes tenham sidoobservados mais atentamente – mas sim uma análise <strong>da</strong>s lutas internas <strong>no</strong> campo<strong>cinema</strong>tográfico e seu constante diálogo com o Estado.A referência ao campo <strong>cinema</strong>tográfico revela a ligação metodológica dessetrabalho com a obra de Pierre Bourdieu, com especial ênfase em seus trabalhos acerca<strong>da</strong> constituição dos campos artísticos enquanto esferas autô<strong>no</strong>mas e, maisespecificamente, acerca <strong>da</strong> formação do campo <strong>da</strong> indústria cultural 4 . A utilização <strong>da</strong>teoria dos campos para analisar o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> mostrou-se adequa<strong>da</strong> porquepermite perceber o campo <strong>cinema</strong>tográfico como um importante lócus de produçãomaterial e simbólica que obedece a uma lógica própria de funcionamento, emboraesteja em constante relação com outros campos, como o Estado.Além de Bourdieu, outro importante referencial teórico utilizado para essapesquisa foi a metodologia de investigação <strong>cinema</strong>tográfica elabora<strong>da</strong> por PierreSorlin 5 . Através do método desse autor, foi possível analisar a produção do Cinema <strong>da</strong>Retoma<strong>da</strong> como um conjunto não-homogêneo, mas que apresentou característicascomuns relativas às <strong>no</strong>vas condições de produção estabeleci<strong>da</strong>s <strong>no</strong> período.Assim, partindo desse referencial teórico e metodológico, esse trabalho analisouo Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, entendendo que para essa análise foi necessário perceberesse <strong>cinema</strong> como produto de disputas e acertos inter<strong>no</strong>s do campo <strong>cinema</strong>tográfico, ede movimentações e articulações do Estado na elaboração de uma <strong>no</strong>va política<strong>cinema</strong>tográfica.3 RAMOS, José Mário Ortiz. Cinema, Estado e Lutas Culturais: A<strong>no</strong>s 50/60/70. Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1983, página 12.4 BOURDIEU, Pierre. As Regras <strong>da</strong> Arte: Gênese e Estrutura do Campo Literário. São Paulo:Companhia <strong>da</strong>s Letras, 1996 e BOURDIEU, Pierre. “O mercado de bens simbólicos” in A Eco<strong>no</strong>mia <strong>da</strong>sTrocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1992.5 SORLIN, Pierre. Sociología del Cine. México: Fondo de Cultura Económica, 1977.


13O recorte <strong>da</strong> pesquisaA história do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro é uma história feita de ciclos 6 : a Bela Época(primeira déca<strong>da</strong> do século XX), o período <strong>da</strong> Cinédia (déca<strong>da</strong> de 1920), a época <strong>da</strong>Atlânti<strong>da</strong> Cinematográfica (1940-50), a Vera Cruz (1950), o Cinema Novo (1960), oCinema Marginal (1960-70), o período <strong>da</strong> Embrafilme (1969-90), o <strong>cinema</strong> <strong>da</strong> Boca doLixo (déca<strong>da</strong>s de 1970-80). Em todos esses ciclos, um ponto em comum se apresentaem relação ao campo <strong>cinema</strong>tográfico: sua constante luta pela manutenção <strong>da</strong>produção, pela sobrevivência do fazer <strong>cinema</strong>tográfico <strong>no</strong> Brasil. Em sua história demais de cem a<strong>no</strong>s, o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro não conseguiu se tornar uma ativi<strong>da</strong>de autosustentável,fazendo com que ca<strong>da</strong> uma dessas etapas ou ciclos se encerrasse semque fosse garanti<strong>da</strong> a continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> produção <strong>cinema</strong>tográfica.Observar os ciclos <strong>da</strong> produção <strong>cinema</strong>tográfica <strong>no</strong> Brasil é também observar asrelações entre cineastas e Estado <strong>brasil</strong>eiro. Desde 1932 (a<strong>no</strong> de criação <strong>da</strong> primeiralei federal de proteção ao <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro) até hoje, inúmeros projetos e propostaspara o <strong>cinema</strong> nacional foram elaborados, tanto por parte de cineastas como por partedo Estado, para tentar fazer com que o <strong>cinema</strong> se torne uma ativi<strong>da</strong>de profissional, senão altamente lucrativa, ao me<strong>no</strong>s, viável.Em março de 1990, o ciclo de produção <strong>da</strong> Embrafilme se encerrou, quando opresidente eleito Fernando Collor acabou com o Ministério <strong>da</strong> Cultura – que passou aser parte do Ministério <strong>da</strong> Educação - e encerrou políticas culturais que vinham sendopratica<strong>da</strong>s pelo Estado. No caso do <strong>cinema</strong>, Collor extinguiu a Embrafilme (órgãoresponsável pelo financiamento, co-produção e distribuição dos filmes nacionais) e oConcine (órgão responsável pelas <strong>no</strong>rmas e fiscalização <strong>da</strong> indústria e do mercado<strong>cinema</strong>tográfico <strong>no</strong> Brasil, controlando a obrigatorie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> exibição de filmesnacionais).6 Veja-se a este respeito: BERNARDET, Jean-Claude. Cinema Brasileiro: Propostas para umaHistória. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979; CALIL, Carlos Augusto. “Pa<strong>no</strong>rama Histórico <strong>da</strong> Produçãode Filmes <strong>no</strong> Brasil” in Estudos de Cinema. São Paulo: EDUC, 2000, nº 3; RAMOS, Fernão (org.).Historia do Cinema Brasileiro. São Paulo: Art Editora, 1987 e RAMOS, José Mário Ortiz. Cinema,Estado e Lutas Culturais: A<strong>no</strong>s 50/60/70. op. cit.


16filmes e iniciaram as primeiras lutas internas do campo <strong>cinema</strong>tográfico do período. Énesse período que o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> conquista o público <strong>brasil</strong>eiro, comproduções como Carlota Joaquina (Carla Camurati, 1995), O Quatrilho (Fábio Barreto,1996) e Central do Brasil (Walter Salles, 1998), ganha prêmios internacionais ereadquire legitimi<strong>da</strong>de frente à socie<strong>da</strong>de e força dentro do Estado.O terceiro capítulo, intitulado “A crise e a re-politização do <strong>cinema</strong>”, analisa operíodo compreendido entre 1999 e 2002, durante o segundo man<strong>da</strong>to de FernandoHenrique Cardoso. Esse capítulo assinala os questionamentos e a volta do discursopolítico <strong>no</strong> <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, gerados pela crise que se abateu sobre o Cinema <strong>da</strong>Retoma<strong>da</strong> <strong>no</strong> início de 1999, repercutindo na imprensa e abalando o modelo deprodução <strong>da</strong>s leis de incentivo. Tal crise também levou à realização de doisCongressos Brasileiros de Cinema (2000 e 2001) e à criação <strong>da</strong> Ancine em 2002.Nesse período, foi considera<strong>da</strong> a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> elaboração de uma política multimídia<strong>no</strong> Brasil que englobasse <strong>cinema</strong>, vídeo, televisão e publici<strong>da</strong>de – necessi<strong>da</strong>de essaque não foi concretiza<strong>da</strong> com a Ancine.** *Ponto de parti<strong>da</strong> e importante precedente em relação a esse trabalho foi apesquisa coordena<strong>da</strong> por Lúcia Nagib, Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>: Depoimentos de 90cineastas dos a<strong>no</strong>s 90, que traça um painel <strong>da</strong> produção do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> apartir do depoimento de seus realizadores. Esse material foi fun<strong>da</strong>mental para apesquisa, e é um dos primeiros trabalhos a abor<strong>da</strong>r a <strong>cinema</strong>tografia <strong>brasil</strong>eiracontemporânea do ponto de vista dos cineastas, abrangendo questões estéticas,políticas e de produção.


17I. PREPARANDO O TERRENO DO CINEMA DA RETOMADA(1990 – 1994)1. O FIM DE MAIS UM CICLOMarço de 1990 marcou o fim de mais um ciclo na história do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro: <strong>no</strong>dia 16 <strong>da</strong>quele mês o presidente Fernando Collor de Mello pôs fim à política culturalpratica<strong>da</strong> até então, quando extinguiu a única lei <strong>brasil</strong>eira de incentivo fiscal parainvestimentos em cultura (lei nº 7.505/86, conheci<strong>da</strong> como lei Sarney), e através <strong>da</strong>medi<strong>da</strong> provisória 151 8 , dissolveu e extinguiu autarquias, fun<strong>da</strong>ções e empresaspúblicas federais, como a Fun<strong>da</strong>ção Nacional <strong>da</strong>s Artes (Funarte), a Fun<strong>da</strong>ção doCinema Brasileiro (FCB), a Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme) e o Concine(Conselho de Cinema, órgão vinculado a Embrafilme, responsável pelas <strong>no</strong>rmas e pelafiscalização <strong>da</strong> indústria <strong>cinema</strong>tográfica do mercado de <strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil, controlando aobrigatorie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> exibição de filmes nacionais). O mesmo pacote de medi<strong>da</strong>sdissolveu o Ministério <strong>da</strong> Cultura, transformando-o em uma secretaria do gover<strong>no</strong>, ecriou o Instituto Nacional de Ativi<strong>da</strong>des Culturais (INAC) - que deveria receber asatribuições, receitas e acervos <strong>da</strong>s fun<strong>da</strong>ções e empresas culturais extintas.A concepção política adota<strong>da</strong> por Collor 9 tratou a cultura como um “problema demercado”, eximindo o Estado de qualquer responsabili<strong>da</strong>de nesta área. Isto significadizer que a produção cultural passou a ser vista como qualquer outra área produtiva,que deve se sustentar sozinha através de sua inserção <strong>no</strong> mercado. A partir <strong>da</strong>smedi<strong>da</strong>s adota<strong>da</strong>s por esta <strong>no</strong>va postura política – ou melhor dizendo, a partir <strong>da</strong>8 Medi<strong>da</strong> Provisória 151, de 15 de Março de 1990.9 Collor foi o primeiro presidente <strong>brasil</strong>eiro a adotar claramente uma política neoliberal, em consonânciacom as diretrizes do FMI e seguindo exemplos de países europeus e dos Estados Unidos. Segundo estemodelo, muito resumi<strong>da</strong>mente, tem que haver um “enxugamento do Estado”, que deve intervirminimamente na eco<strong>no</strong>mia e na socie<strong>da</strong>de.


18ausência de medi<strong>da</strong>s adota<strong>da</strong>s – to<strong>da</strong> a produção cultural foi afeta<strong>da</strong>. No casoespecífico do <strong>cinema</strong>, que tinha um vínculo muito forte com o Estado desde a criação<strong>da</strong> Embrafilme, a saí<strong>da</strong> de cena do gover<strong>no</strong> federal foi um abalo muito forte,considera<strong>da</strong> por cineastas e pesquisadores a morte do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro.A Embrafilme, empresa de eco<strong>no</strong>mia mista com capital majoritariamente estatalcria<strong>da</strong> em 1969, era desde então a maior financiadora do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, além de serresponsável pela sua distribuição quase total. Apesar de ter surgido em ple<strong>no</strong> regimemilitar e de ter sido produto de intenções dirigistas conservadoras, a Embrafilmeatendeu perfeitamente aos interesses dos cineastas que, desde a déca<strong>da</strong> de 50, jápropunham ações estatais mais enérgicas para o <strong>cinema</strong> 10 . Só para se ter uma idéia <strong>da</strong>ligação entre a Embrafilme (formula<strong>da</strong> e idealiza<strong>da</strong> pela ditadura) e os cineastas(inclusive os de esquer<strong>da</strong>), o cineasta Roberto Farias, ligado ao grupo do Cinema Novo,foi dirigente <strong>da</strong> Embrafilme em um dos seus períodos mais produtivos, entre 1974 e1979.Durante mais de duas déca<strong>da</strong>s de atuação, entre 1969 e 1990, a Embrafilme foiresponsável pela regulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> produção do <strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil, através dofinanciamento <strong>da</strong> produção, <strong>da</strong> garantia <strong>da</strong> exibição (pela obrigatorie<strong>da</strong>de instituí<strong>da</strong> viacota de tela para o produto nacional) e <strong>da</strong> distribuição dos filmes <strong>brasil</strong>eiros. Alémdisso, em seu período mais produtivo, a Embrafilme ajudou a proporcionar o encontrodo filme nacional com o público, durante meados dos a<strong>no</strong>s 70 e início dos a<strong>no</strong>s 80,quando o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro bateu recordes de público que até hoje não se repetiram.Segundo o historiador america<strong>no</strong> Ran<strong>da</strong>l Johnson 11 , entre 1974 e 1978 o número deespectadores do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro passou de 30 milhões para 60 milhões, e a fatia do<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro em seu próprio mercado chegou a 30% em 1978. Até hoje, a maiorbilheteria do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro é Dona Flor e seus Dois Maridos (Bru<strong>no</strong> Barreto, 1976),10 RAMOS, José Mário Ortiz. Cinema, Estado e Lutas Culturais: A<strong>no</strong>s 50/60/70, op. cit; MICELISérgio (org.) Estado e Cultura <strong>no</strong> Brasil. São Paulo: Difel, 1984.; AMÂNCIO, Tunico. Artes e Manhas<strong>da</strong> Embrafilme: Cinema Estatal Brasileiro em sua Época de Ouro (1977-1981). Niterói, RJ: EdUFF,2000; AUTRAN, Arthur. O Pensamento Industrial Cinematográfico Brasileiro. Campinas, SP: tese dedoutorado apresenta<strong>da</strong> ao Programa de Pós Graduação em Multimeios, Instituto de Artes, Unicamp,2005.11 JOHNSON, Ran<strong>da</strong>l. The Film Industry in Brazil: culture and the state. Pittsburg: University ofPittsburg, 1987.


19que teve mais de 10 milhões de espectadores 12 – enquanto a maior bilheteria doCinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> foi Ci<strong>da</strong>de de Deus (Fernando Meirelles, 2002), que atingiu maisde 3 milhões de espectadores 13 .Embora a Embrafilme fosse a maior produtora e distribuidora do <strong>cinema</strong><strong>brasil</strong>eiro durante seu período de existência, ela não era a única. Paralelamente àEmbrafilme havia também os produtores independentes, isto é, aqueles que faziamseus filmes sem o financiamento do Estado. As por<strong>no</strong>chancha<strong>da</strong>s na déca<strong>da</strong> de 1970e depois os filmes por<strong>no</strong>gráficos <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 80, produzidos <strong>no</strong> Rio de Janeiro eprincipalmente na Boca do Lixo, em São Paulo, são exemplos dessa produção queexistiu à margem <strong>da</strong> Embrafilme, graças a um particular mecanismo de produção,distribuição e exibição desenvolvido nestes “pólos <strong>cinema</strong>tográficos” 14 . Os filmes eramproduzidos nestes pólos utilizando-se práticas de produção semelhantes às do <strong>cinema</strong><strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>, distribuídos por pequenas empresas locais e exibidos <strong>no</strong>s <strong>cinema</strong>s <strong>da</strong>região em que foram produzidos. Segundo José Mário Ortiz Ramos, o <strong>cinema</strong> <strong>da</strong> Bocapaulista apresentou “alguns esboços de produção industrializa<strong>da</strong>, e mesmo ensaios deuma produção de estúdio” 15 . De certa forma, o <strong>cinema</strong> <strong>da</strong> Boca conseguiu realizar atão sonha<strong>da</strong> integração vertical <strong>no</strong> <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, aliando produção, distribuição eexibição. Essa mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de produção <strong>cinema</strong>tográfica ficou conheci<strong>da</strong> como“cineminha”, em contraposição ao “cinemão”, herdeiro <strong>da</strong> tradição do Cinema Novo,mais “culto” e financiado através <strong>da</strong> Embrafilme.A partir de meados dos a<strong>no</strong>s 1980, tanto o “cinemão” produzido pela Embrafilmequanto o “cineminha” <strong>da</strong>s produtoras independentes entraram em crise, graças a umaconjunção de fatores: as crises econômicas (nacional e internacional), que deixaram aEmbrafilme sem caixa e abalaram a auto-sustentabili<strong>da</strong>de dos produtoresindependentes; a popularização do videocassete; a e<strong>no</strong>rme penetração <strong>da</strong> televisão <strong>no</strong>cotidia<strong>no</strong> <strong>brasil</strong>eiro 16 ; e principalmente, o aumento dos preços dos ingressos de <strong>cinema</strong>,12 Segundo <strong>da</strong>dos apresentados pela própria Embrafilme. Cinejornal Embrafilme nº 6, 1986.13 Segundo <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> Filme B, empresa priva<strong>da</strong> especializa<strong>da</strong> em estatísticas <strong>cinema</strong>tográficas.14 GATTI, André. “Começar de Novo ou o Cinema Brasileiro Contemporâneo” in Revista D’Art nº 8. SãoPaulo: Divisão de Pesquisas do Centro Cultural São Paulo, dezembro de 2001.15 RAMOS, José Mário Ortiz. Cinema, Televisão e Publici<strong>da</strong>de: Cultura Popular de Massa <strong>no</strong> Brasil<strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 1970-1980. São Paulo: Annablume, 2004, página 21.16 É interessante <strong>no</strong>tar que o filme Bye, Bye, Brasil (Cacá Diegues, 1979) já atentava para este fato,apresentando a televisão em to<strong>da</strong> sua força, ocupando todo o território nacional.


20fazendo com que este deixe de ser uma forma de entretenimento popular e se torneca<strong>da</strong> vez mais elitizado 17 . Para termos uma idéia desta “elitização” do <strong>cinema</strong>, é sóanalisarmos o preço médio do ingresso de <strong>cinema</strong>, que subiu muito neste período:segundo <strong>da</strong>dos do Ministério <strong>da</strong> Cultura, 18 um ingresso de <strong>cinema</strong> em 1979 nãochegava a US$ 0,50; na déca<strong>da</strong> de oitenta a média do valor do ingresso é de US$ 2,62(cinco vezes mais do que na déca<strong>da</strong> anterior), e em 1990, após uma que<strong>da</strong>, vai a US$1,70.Com o agravamento <strong>da</strong> crise econômica durante o gover<strong>no</strong> Sarney, a Embrafilmepassou a <strong>da</strong>r sinais de cansaço, e começou a ser questiona<strong>da</strong> dentro do própriogover<strong>no</strong>, entre os cineastas e, principalmente, pela mídia. O Ministro <strong>da</strong> Cultura<strong>no</strong>meado por Sarney, o eco<strong>no</strong>mista Celso Furtado, já acenava para um gra<strong>da</strong>tivoabando<strong>no</strong> do financiamento estatal do <strong>cinema</strong>, através <strong>da</strong> divisão a Embrafilme emduas empresas: a distribuidora (Embrafilme S/A) e a produtora (Fun<strong>da</strong>ção do CinemaBrasileiro), sendo que a primeira foi prioriza<strong>da</strong> dentro do gover<strong>no</strong>.Em relação ao campo <strong>cinema</strong>tográfico, as críticas feitas à Embrafilme vêm desdesua criação, e podem ser percebi<strong>da</strong>s através <strong>da</strong> polarização “cinemão” e “cineminha”,que dividiu o campo em dois grupos opostos. As principais críticas elabora<strong>da</strong>s peloscineastas do “cineminha” eram dirigi<strong>da</strong>s ao privilégio de um grupo de cineastas para orecebimento de financiamento (em geral, os remanescentes do Cinema Novo) emdetrimento de outros cineastas que nunca conseguiam ter seus projetos financiados.Mas, nesse momento, até mesmo os cineastas agraciados com o financiamento <strong>da</strong>Embrafilme também começam a criticar a empresa. Tanto que o produtor Luiz CarlosBarreto, um dos mais importantes <strong>no</strong>mes do “cinemão”, em meio às discussõesgera<strong>da</strong>s pela crise alegou que o problema do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro se concentrava naEmbrafilme. Para Barreto 19“Só existe crise na cabeça <strong>da</strong>s pessoas mal informa<strong>da</strong>s e mal intenciona<strong>da</strong>s. Acrise é administrativa e financeira, pois a Embrafilme se transformou numamáquina paralisante, com seus mais de setecentos funcionários que não vivem17 JOHNSON, Ran<strong>da</strong>l. “Ascensão e que<strong>da</strong> do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, 1960-1990” in Revista USP nº 19. SãoPaulo: USP, Setembro / Outubro / Novembro 1993.18 Secretaria do Audiovisual - Ministério <strong>da</strong> Cultura. Cinema Brasileiro: Um Balanço dos 5 A<strong>no</strong>s <strong>da</strong>Retoma<strong>da</strong> do Cinema Nacional. Brasília: SAV/MinC, 1999, páginas 253 a 255.19 “Em cartaz, a crise do <strong>cinema</strong>”. Folha de São Paulo, 10 de Maio de 1984, Ilustra<strong>da</strong>, página 06.


21para o <strong>cinema</strong>, mas do <strong>cinema</strong>. Os cineastas fazem filmes, não sãoadministradores, portanto não tem na<strong>da</strong> a ver com esta crise. Do ponto de vistatécnico, os filmes estão ca<strong>da</strong> vez mais ricos, então a crise é de administração,crise de um gover<strong>no</strong> que não tem a me<strong>no</strong>r consciência <strong>da</strong> importância que um<strong>cinema</strong> pode ter para um país.”Na mídia, não cessavam de surgir críticas quanto ao dirigismo e à i<strong>no</strong>perância <strong>da</strong>Embrafilme – críticas que muitas vezes levavam ao questionamento <strong>da</strong> viabili<strong>da</strong>de do<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, <strong>da</strong><strong>da</strong> sua necessi<strong>da</strong>de de tutela, sua incapaci<strong>da</strong>de de “an<strong>da</strong>r comsuas próprias pernas”. Nesse momento, começava a ser orquestra<strong>da</strong> uma ver<strong>da</strong>deiracampanha contra a Embrafilme e o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro na Folha de São Paulo,principalmente através dos artigos de Paulo Francis e Matinas Suzuki 20 .O próprio público, que durante a déca<strong>da</strong> de 1970 se aproximou do <strong>cinema</strong><strong>brasil</strong>eiro, neste momento de crise se afastou. Apareceram críticas em relação àtemática dos filmes (principalmente em relação às por<strong>no</strong>chancha<strong>da</strong>s) e à quali<strong>da</strong>detécnica <strong>da</strong> produção nacional. Os índices de aceitação do <strong>cinema</strong> nacionaldespencaram, e a situação se agravou a partir de denúncias de corrupção e usoindevido do dinheiro público pela Embrafilme. Em 1988, a Folha de São Paulo realizouuma pesquisa entre o público de <strong>cinema</strong>, e apontou que 49% deles achavam que oEstado não deveria financiar o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro 21 .Enquanto a Embrafilme enfrentava a crise econômica geral e o desgaste de suaimagem, os cineastas independentes <strong>da</strong> Boca do Lixo também enfrentavamdificul<strong>da</strong>des para manter a regulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> produção. A crise fez com que as pessoasdeixassem de ir ao <strong>cinema</strong>, principalmente nas classes mais baixas, principaisespectadores dos filmes <strong>da</strong> Boca. Além <strong>da</strong> crise econômica, a Boca sofreu com adificul<strong>da</strong>de de “acompanhar” a modernização pela qual passou o audiovisual <strong>brasil</strong>eirona déca<strong>da</strong> de 1980, já que para tanto seria necessário um grande investimento em<strong>no</strong>vas tec<strong>no</strong>logias, investimento esse também inviabilizado pelos problemas financeiros.20 ESTEVINHO, Telmo Antônio Dinelli. Este Milhão é Meu: Estado e Cinema <strong>no</strong> Brasil (1984-1989).São Paulo: dissertação de mestrado apresenta<strong>da</strong> ao Programa de Estudos Pós-Graduados em CiênciasSociais <strong>da</strong> PUC-SP, 2003.21 Apud. SOUZA, José Inácio de Melo. “A Morte e as Mortes do Cinema Brasileiro e Outras Histórias deArrepiar” in Revista USP nº 19. São Paulo: USP, Setembro / Outubro / Novembro 1993, página 57.


22Para agravar ain<strong>da</strong> mais a crise que o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro viveu durante a segun<strong>da</strong>metade dos a<strong>no</strong>s 80, i<strong>no</strong>vações técnicas e <strong>no</strong>vas tec<strong>no</strong>logias já utiliza<strong>da</strong>s emHollywood fizeram com que o padrão audiovisual america<strong>no</strong> se tornasse tecnicamentemuito superior ao <strong>brasil</strong>eiro, contribuindo para distanciar o <strong>cinema</strong> nacional do públicointer<strong>no</strong>. Desde o final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 60 a indústria <strong>cinema</strong>tográfica <strong>no</strong>rte-americanainvestiu pesa<strong>da</strong>mente em tec<strong>no</strong>logia, o que acabou por permitir a realização de filmescomo Guerra nas Estrelas (George Lucas, 1979), com efeitos especiais que naquelemomento e mesmo <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s seguintes, estavam muito distantes do <strong>cinema</strong> nacional.Em meio a esta conjuntura, quando Collor extinguiu de forma autoritária aEmbrafilme, ele acabou com um modelo de produção <strong>cinema</strong>tográfica que já estavadesgastado e com poucas possibili<strong>da</strong>des de continui<strong>da</strong>de, e que não encontravalegitimi<strong>da</strong>de <strong>no</strong> campo <strong>cinema</strong>tográfico, <strong>no</strong> Estado nem na opinião pública. Por isso,mesmo <strong>no</strong> interior do campo <strong>cinema</strong>tográfico, entre aqueles cineastas que pertenciamao grupo privilegiado pela Embrafilme (o “cinemão”), poucos foram os que levantaram avoz para criticar sua extinção. É interessante <strong>no</strong>tar que, como o surgimento <strong>da</strong>empresa veio ao encontro dos interesses de um determinado grupo de cineastas (emespecial os <strong>cinema</strong><strong>no</strong>vistas), sua dissolução também contou com o aval deste mesmogrupo. E não apenas deste grupo, mas do “cineminha”, isto é, <strong>da</strong>queles cineastas quesempre se sentiram injustiçados pela Embrafilme. Segundo Carlos Augusto Calil, quefoi diretor <strong>da</strong> Embrafilme <strong>no</strong> início <strong>da</strong> crise (1984 - 1986) 22 :“O inconformismo destes cineastas engrossava o coro dos descontentes e dosinteresses contrariados, enfraquecendo politicamente a empresa, quedesapareceu me<strong>no</strong>s por perfídia do presidente Collor que por falta de sustentaçãona classe, acresci<strong>da</strong> dos efeitos de administrações temerárias e <strong>da</strong> per<strong>da</strong> decompetitivi<strong>da</strong>de do filme nacional. Sua crise agu<strong>da</strong> <strong>da</strong>tava de 1985 e o gover<strong>no</strong>Sarney pouco fez para saneá-la ou reformulá-la. Quando desapareceu, em 90, aEmbrafilme simplesmente não era mais administrável.”O fim do modelo de produção <strong>cinema</strong>tográfica <strong>da</strong> Embrafilme já era esperado <strong>no</strong>campo <strong>cinema</strong>tográfico – fato totalmente inesperado foi a ausência de qualquer contra-22 CALIL, Carlos Augusto. “Pa<strong>no</strong>rama Histórico <strong>da</strong> Produção de Filmes <strong>no</strong> Brasil” in Revista Estudos deCinema nº 3. São Paulo: EDUC, 2000, página 30.


23proposta de política cultural por parte do Estado. Havia indícios de que isso poderiaacontecer quando Collor <strong>no</strong>meou para Secretário de Cultura o cineasta Ipojuca Pontes,<strong>no</strong>tório opositor do modelo de financiamento <strong>cinema</strong>tográfico praticado pelaEmbrafilme 23 e também defensor <strong>da</strong> cultura como “problema de mercado”. Mas foidifícil para a classe <strong>cinema</strong>tográfica acreditar que, depois <strong>da</strong> extinção <strong>da</strong> Embrafilme,na<strong>da</strong> fosse colocado em seu lugar, deixando o campo <strong>cinema</strong>tográfico à deriva.Segundo José Inácio de Melo Souza 24 :“O que podemos avaliar com alguma certeza <strong>no</strong> <strong>no</strong>sso mundinho de imagensverde-amarelas é que em março de 1990, depois de quase cinco a<strong>no</strong>s de crise, omeio <strong>cinema</strong>tográfico aceitou, sem maiores discussões, a extinção <strong>da</strong> Embrafilme,<strong>da</strong> reserva do mercado e o fim do nacionalismo protecionista. Collor não inventouna<strong>da</strong>; o áulico paraiba<strong>no</strong> só atendeu aquilo que Hector Babenco, Silvio Back,Carlos Reichenbach, Chico Botelho, Carlos Augusto Calil, Roberto Farias, NelsonPereira dos Santos e a crítica na imprensa liberal pediram. Depois de cinco a<strong>no</strong>sde crise todos carimbaram seu passaporte para o mercado neoliberal, e sembilhete de volta. Só houve frustração quando o avião decolou. Aí, todosperceberam que tinham ido pro espaço, literalmente. De Deus, Collor passou aser o Diabo na Terra do Sol.”A crise do final dos a<strong>no</strong>s 80 deixou a classe <strong>cinema</strong>tográfica <strong>brasil</strong>eiradesmoraliza<strong>da</strong>, desorganiza<strong>da</strong> e sem crédito junto à socie<strong>da</strong>de, e as primeiras reaçõesao desmonte <strong>da</strong>s políticas culturais foram de espanto, inércia e apatia. O campo do<strong>cinema</strong> estava enfraquecido devido às lutas internas ocorri<strong>da</strong>s <strong>no</strong> período <strong>da</strong>Embrafilme, impotente diante <strong>da</strong>s acusações e críticas feitas pelas instâncias delegitimação (a imprensa principalmente) e sem o apoio do Estado. Nesse momento defragili<strong>da</strong>de, o campo não conseguiu reagir à política <strong>cinema</strong>tográfica neoliberal deCollor, que previa que o <strong>cinema</strong> deveria sair <strong>da</strong> “tutela” do Estado e ficar nas mãos domercado – mas o mercado não se interessou por um <strong>cinema</strong> que não <strong>da</strong>va lucros, e<strong>cinema</strong> lucrativo, só em Hollywood ou em Bombaim.23 PONTES, Ipojuca. Cinema Cativo: Reflexões sobre a Miséria do Cinema Nacional. São Paulo:EMW Editores, 1987.24 SOUZA, José Inácio de Melo. “A Morte e as Mortes do Cinema Brasileiro e Outras Histórias deArrepiar” in Revista USP nº 19. São Paulo: USP, Setembro / Outubro / Novembro 1993, página 54.


242. O CINEMA BRASILEIRO PODE SER AUTO-SUSTENTÁVEL?O fim <strong>da</strong> Embrafilme, do Concine e <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção do Cinema Brasileiro, em marçode 1990, representam o encerramento de um ciclo <strong>da</strong> história <strong>cinema</strong>tográfica<strong>brasil</strong>eira. E não somente porque, a partir de então, o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro perdeu seuprincipal financiador e distribuidor, mas principalmente porque perdeu seus mecanismosde proteção frente ao <strong>cinema</strong> estrangeiro. Além <strong>da</strong> extinção destes órgãosgovernamentais de apoio ao <strong>cinema</strong>, Collor também promoveu uma desregulamentação<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de, acabou com a cota de tela (isto é, a obrigatorie<strong>da</strong>de de uma quanti<strong>da</strong>demínima de dias de exibição para o filme nacional) e promoveu a abertura irrestrita <strong>da</strong>simportações. Com isso, o <strong>cinema</strong> estrangeiro – em especial o <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> – tomouconta <strong>da</strong>s salas de projeções, confirmando sua hegemonia. Em 1990, o público de<strong>cinema</strong> nacional foi de 10,51%, contra 35,93% em 1983, período mais produtivo <strong>da</strong>Embrafilme. Chegamos a um terço do mercado <strong>no</strong> início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1980 pararetroceder a me<strong>no</strong>s de um quinto em 1990 25 .A implantação de uma cota de tela, conquista histórica <strong>da</strong> classe <strong>cinema</strong>tográfica<strong>brasil</strong>eira, foi (e ain<strong>da</strong> é) uma importante forma de defesa do filme nacional frente apenetração maciça do <strong>cinema</strong> <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>, hegemônico há quase um século nagrande maioria dos países do mundo. Os mecanismos de proteção <strong>da</strong>s<strong>cinema</strong>tografias nacionais, adotados em vários países, são fun<strong>da</strong>mentais para amanutenção <strong>da</strong> produção local, pois representam a única forma de fazer frente àpoderosa indústria de Hollywood. Para que se perceba a importância deste tipo delegislação protecionista, é imprescindível que se enten<strong>da</strong> a força do <strong>cinema</strong> dos EUA,através <strong>da</strong> história de sua industrialização.A hegemonia global do <strong>cinema</strong> <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> 26 é resultado de determinadosfatores históricos que fizeram com que a <strong>cinema</strong>tografia dos EUA conquistasse as telasdos cinco continentes. O <strong>cinema</strong> surgiu <strong>no</strong> final do século XIX, e <strong>no</strong> início do século XX25 Segundo <strong>da</strong>dos apresentados pelo gover<strong>no</strong> federal em Cinema Brasileiro: Um Balanço dos 5 A<strong>no</strong>s<strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> do Cinema Nacional. Op. cit., páginas 253 a 256.26 O <strong>cinema</strong> <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> é hegemônico não apenas <strong>no</strong>s países em desenvolvimento, como o Brasil,mas também na Europa. Ver tabela 02, em anexo, sobre a participação do filme america<strong>no</strong> na Europa etabela sobre a porcentagem do filme <strong>brasil</strong>eiro em território nacional <strong>no</strong> mesmo período.


25já estava bastante desenvolvido <strong>no</strong>s EUA, na França, na Inglaterra e na Alemanha.Mas depois <strong>da</strong> I Guerra Mundial, quando os <strong>cinema</strong>s europeus estavam enfraquecidosdevido às dificul<strong>da</strong>des do pós-guerra, os EUA ca<strong>da</strong> vez mais investiam e desenvolviamo fazer <strong>cinema</strong>tográfico. No início do século XX o <strong>cinema</strong> <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> sofreu umprocesso de industrialização radical, através de mu<strong>da</strong>nças estruturais <strong>no</strong> modo deprodução dos filmes, mu<strong>da</strong>nças essas que fizeram com que a <strong>no</strong>va forma de fazer<strong>cinema</strong> dos estúdios america<strong>no</strong>s fosse compara<strong>da</strong> ao fordismo, um sistema deprodução industrial utilizado em fábricas de automóveis. O <strong>cinema</strong> <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> seindustrializou, e os estúdios tornaram-se ver<strong>da</strong>deiras fábricas de filmes, trabalhandocom linhas de produção e uma consistente divisão de trabalho 27 .Para entender como o <strong>cinema</strong> <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> se transformou em um produtoindustrial e os estúdios de Hollywood em fábricas de filmes, se faz necessário voltar àsorigens <strong>da</strong> industrialização do <strong>cinema</strong> <strong>no</strong>s EUA. O primeiro passo para aindustrialização se deu através do que ficou conhecido como integração vertical, quena<strong>da</strong> mais foi do que uma reestruturação <strong>da</strong> cadeia <strong>cinema</strong>tográfica, quando, a partir de1907, ca<strong>da</strong> empresa passou a controlar a produção, a distribuição e a exibição de seusfilmes. As grandes empresas <strong>cinema</strong>tográficas (majors) produziam seus filmes,distribuíam e construíam suas salas de <strong>cinema</strong>, que exibiam apenas filmes próprios.Entre as majors firmou-se um acordo, formando um oligopólio, isto é, essas empresaspassaram a operar em conjunto para controlar o mercado, inviabilizando empresasme<strong>no</strong>res e criando dificul<strong>da</strong>des para o <strong>cinema</strong> estrangeiro 28 . A integração verticalproporcio<strong>no</strong>u uma maior deman<strong>da</strong> por filmes, e essa maior deman<strong>da</strong> fez com que omodo de fazer filmes fosse repensado a partir de uma mentali<strong>da</strong>de industrial, buscandoredução de custos e eficiência. Iniciou-se então uma reorganização <strong>no</strong> modo deprodução dos filmes. Ou seja, a partir de então os estúdios passaram a funcionar comofábricas de filmes: com diferentes “operários” realizando suas funções específicas, sobum comando central. Passou-se do “sistema do câmera” (onde o realizador exercia asfunções de câmera, diretor, roteirista e montador – isto é, fazia todo o filme) para um27 BORDWELL, David, STAIGER, Janet e THOMPSON, Kristin. The Classical Hollywood Cinema: FilmStyle and Mode of Production to 1960. New York: Columbia University Press, 1985.28 KOCHBERG, Searle. “Cinema as a institution” in NELMES, Jim. An Introduction to Film Studies.London / New York: Routledge, 1996.


26hierarquizado sistema de produção, com uma elabora<strong>da</strong> divisão do trabalho. Os filmesagora eram planejados pelas majors, que contratavam roteiristas, diretores, elenco,montadores, etc., divididos em várias uni<strong>da</strong>des de produção (a elaboração do roteiro, ossets de filmagens, a montagem) – tudo isso controlado pelos executivos <strong>da</strong>s grandesempresas <strong>cinema</strong>tográficas.Simultaneamente à integração vertical e à produção dos filmes em ritmo fabril,outro importante fator responsável pela consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> indústria <strong>cinema</strong>tografia <strong>no</strong>rteamericanase deu através <strong>da</strong> criação do star system. As majors contratavam atores eatrizes e investiam pesa<strong>da</strong>mente em publici<strong>da</strong>de para transformar este elenco em“estrelas”, através de divulgação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> particular em revistas de fofocas, promoção defestas, eventos, participação em campanhas publicitárias, políticas etc. As estrelas de<strong>cinema</strong> se tornaram ver<strong>da</strong>deiros mitos <strong>da</strong> cultura <strong>no</strong>rte-americana, e sua influência epenetração ultrapassou as fronteiras dos EUA 29 .Através <strong>da</strong> integração vertical, <strong>da</strong> adoção do modo de produção de fábrica(fordismo), e <strong>da</strong> criação do star system, o <strong>cinema</strong> de Hollywood se consolidou, e passoua ser conhecido, a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1930, como o <strong>cinema</strong> clássico. O <strong>cinema</strong>clássico de Hollywood, além dessas características específicas de seu modo deprodução, trouxe consigo um estilo de filmes, uma narrativa e uma estética próprias: oclássico se refere, então, não só a um específico modo de produção, mas também auma estética.O <strong>cinema</strong> clássico <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> é um <strong>cinema</strong> totalmente subordinado à lógicado mercado, um produto <strong>da</strong> indústria cultural, concebido enquanto uma forma deentretenimento – e não uma forma artística. Essa subordinação ao mercado fez comque esse <strong>cinema</strong> alterasse seu modo de produção e, consequentemente, seusprodutos. Pierre Bourdieu em seus estudos sobre a indústria cultural 30 diz que “osistema <strong>da</strong> industrial cultural (...) obedece, fun<strong>da</strong>mentalmente, aos imperativos <strong>da</strong>concorrência pela conquista do mercado, ao passo que a estrutura de seu produtodecorre <strong>da</strong>s condições econômicas e sociais de sua produção.” Se um <strong>no</strong>vo modo defazer filmes foi adotado, uma <strong>no</strong>va forma de filmes surgiu: o <strong>cinema</strong> industrial. Como29 MORIN, Edgar. As Estrelas: Mito e Sedução <strong>no</strong> Cinema. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.30 BOURDIEU, Pierre. A Eco<strong>no</strong>mia <strong>da</strong>s Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1992, página 136.


27esse modelo de <strong>cinema</strong> criado <strong>no</strong>s EUA se consolidou e tor<strong>no</strong>u-se extremamentelucrativo, em pouco tempo foi exportado para o mundo todo através de estratégias demarketing <strong>da</strong>s majors e do próprio gover<strong>no</strong> <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>.Além <strong>da</strong> expansão mundial dos filmes <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>s, o próprio processo deprodução do <strong>cinema</strong> clássico tor<strong>no</strong>u-se um modelo mundial de industrialização<strong>cinema</strong>tográfica, tendo sido tentado inclusive <strong>no</strong> Brasil, com a Atlânti<strong>da</strong>Cinematográfica, nas déca<strong>da</strong>s de 1940 e 1950. A Atlânti<strong>da</strong> produzia chancha<strong>da</strong>s comum elenco de estrelas já consagra<strong>da</strong>s <strong>no</strong> rádio (star system), tinha uma produção emgrande escala e em ritmo industrial (embora em condições precárias) e esboçou umaintegração vertical através <strong>da</strong> associação com Severia<strong>no</strong> Ribeiro, proprietário de umdos maiores grupos exibidores do Brasil. Outra tentativa de industrialização basea<strong>da</strong><strong>no</strong>s grandes estúdios (majors) se deu com a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, nadéca<strong>da</strong> de 1940. Mas ambas as tentativas de industrialização do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro <strong>no</strong>smoldes <strong>da</strong> industrialização <strong>no</strong>rte-americana não tiveram sucesso 31 .No final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1940, o <strong>cinema</strong> industrializado e hegemônico deHollywood entrou em crise, depois <strong>da</strong> proibição <strong>da</strong> integração vertical pela legislaçãoamericana de combate à formação de oligopólios. Sem a integração vertical, que eraum dos principais pilares de sustentação do <strong>cinema</strong> clássico <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>, houveum enfraquecimento <strong>da</strong>s grandes empresas <strong>cinema</strong>tográficas que passaram a competircom as produtoras independentes pelas salas de exibição e, principalmente, peladistribuição. Neste momento de crise, as majors perceberam que o maior poder estavana distribuição, e passaram a se dedicar a controlar esse elo <strong>da</strong> cadeia <strong>cinema</strong>tográfica.O período de crise se estendeu até meados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1970, iniciado pela quebra<strong>da</strong> integração vertical e potenciado pelo surgimento de outro meio de entretenimento demassa, a televisão.Para reverter essa crise, a indústria <strong>cinema</strong>tográfica americana respondeuatravés de alterações <strong>no</strong> modo de produção, como a descentralização <strong>da</strong> produção dosfilmes, a incorporação de produtoras independentes, uma maior flexibilização naprodução e associações com grandes conglomerados de mídia. O modo de produção31 BASTOS, Mônica Rugai. Tristezas Não Pagam Dívi<strong>da</strong>s: Cinema e Política <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s <strong>da</strong> Atlânti<strong>da</strong>.São Paulo: Olho D´Água, 2001. GALVÃO, Maria Rita. Burguesia e Cinema: o caso Vera Cruz. Rio deJaneiro: Civilização Brasileira, 1981.


28em série (fordismo) adotado em Hollywood, a partir de então começou a ser revisto 32 .As alterações efetua<strong>da</strong>s, na prática, funcionavam <strong>da</strong> seguinte forma: as majors ficaramresponsáveis pela distribuição, e as produtoras independentes ficaram responsáveispela produção – arcando com os riscos inerentes a esta ativi<strong>da</strong>de. Assim, o controle doprocesso produtivo do <strong>cinema</strong> ain<strong>da</strong> pertencia às grandes corporações, já que elasdominavam a distribuição, selecionando que filmes queriam comercializar - e de na<strong>da</strong>valia fazer um filme se ele não fosse distribuído, exibido. Houve uma flexibilização <strong>no</strong>modo de produção, que deixou de ser tão rígido quanto era durante o clássico, e estaflexibilização proporcio<strong>no</strong>u relativa auto<strong>no</strong>mia na realização dos filmes, mas umaauto<strong>no</strong>mia controla<strong>da</strong>, permiti<strong>da</strong>, regula<strong>da</strong> através do controle sobre a distribuição.Outro agravante <strong>da</strong> crise do <strong>cinema</strong> industrial <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> foi o surgimento<strong>da</strong> televisão, também na déca<strong>da</strong> de 1940. A opção encontra<strong>da</strong> para a concorrência <strong>da</strong>televisão foi uma aliança com a mesma, o que ocorreu na déca<strong>da</strong> de 1950, através <strong>da</strong>ven<strong>da</strong> para a televisão de filmes que já haviam estreado <strong>no</strong> <strong>cinema</strong> e <strong>da</strong>s produçõesdos grandes estúdios feitas especialmente para este <strong>no</strong>vo veículo (os telefilmes, porexemplo). A aliança entre o <strong>cinema</strong> e a televisão <strong>no</strong>s EUA foi muito bem sucedi<strong>da</strong>.Mas mesmo com a flexibilização do estilo clássico, a aliança com a televisão e asalterações <strong>no</strong> modo de produção, a crise ain<strong>da</strong> ron<strong>da</strong>va Hollywood, e inúmerassoluções e respostas a essa crise foram tenta<strong>da</strong>s. Só durante a déca<strong>da</strong> de 1960,quando as majors começaram a se unir com outras grandes empresas deentretenimento num processo de conglomeração, é que a indústria <strong>cinema</strong>tográficavoltou a se estabilizar <strong>no</strong>vamente. O processo de conglomeração permitiu atransformação do filme em um “pacote” de vários outros produtos a ele associados,como roupas, jogos, trilha so<strong>no</strong>ra, ven<strong>da</strong> para televisão a cabo e vídeo, brinquedos etc.Só através desses “pacotes” é que os altos custos de produção do <strong>cinema</strong> foramcompensados. Vale lembrar que foi a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 60 que ocorreram grandesavanços tec<strong>no</strong>lógicos na área do audiovisual, permitindo i<strong>no</strong>vações ca<strong>da</strong> vez maiselabora<strong>da</strong>s <strong>no</strong>s filmes, mas simultaneamente fazendo com que os custos do <strong>cinema</strong>ficassem ca<strong>da</strong> vez mais altos.32 SMITH, Murray. “Theses on the philosophy of Hollywood history” in SMITH, Murray. ContemporaryHollywood Cinema. London / New York: Routledge, 1998.


29Na déca<strong>da</strong> de 1970, graças à transformação <strong>da</strong>s empresas <strong>cinema</strong>tográficas emgrandes conglomerados de entretenimento, surgiram os high concept movies 33 , que sãofilmes de narrativa simples, facilmente assimila<strong>da</strong> e basea<strong>da</strong> em estereótipos, comênfase na trilha so<strong>no</strong>ra e <strong>no</strong>s produtos correlatos e precedidos por um investimentopublicitário massivo. O principal exemplo deste tipo de filme, que se tor<strong>no</strong>u um marcopara consoli<strong>da</strong>r o <strong>no</strong>vo período <strong>da</strong> indústria <strong>cinema</strong>tográfica americana é Tubarão(1975) de Steven Spilberg. O filme teve uma imensa campanha publicitária, estreousimultaneamente em 464 salas americanas e vendia diversos produtos correlatos, comotrilha so<strong>no</strong>ra, camisetas, bonés, livros infantis etc.A partir de então, a indústria <strong>cinema</strong>tográfica americana entrou em um <strong>no</strong>voperíodo, que se estende até os dias de hoje, e que ficou conhecido como estratégia desinergia: um filme agora envolve televisão, vídeo, disco (CD), jogos de computador,roupas etc. – e é produzido já se tendo em mente todos estes produtos. A sinergia, istoé, a concepção do filme visando vários produtos e sua divulgação em diversas mídias,não trouxe de volta a integração vertical, mas conseguiu estabilizar a indústria<strong>cinema</strong>tográfica <strong>no</strong>rte-americana através <strong>da</strong> consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> indústria doentretenimento, agindo <strong>no</strong> mundo inteiro.Se até a consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> indústria do <strong>cinema</strong> <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> foi obriga<strong>da</strong> a sereestruturar, a partir <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças ocorri<strong>da</strong>s <strong>no</strong> final do século XX, o abalo foi muitomaior para o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, que nunca conseguiu se industrializar (<strong>no</strong>s moldeshollywoodia<strong>no</strong>s) e sempre teve que enfrentar a hegemonia deste <strong>cinema</strong>. O filme<strong>brasil</strong>eiro teve que se deparar com a concorrência <strong>da</strong> televisão e <strong>da</strong>s estratégiasmassivas de ataque dos grandes conglomerados de mídia, agora vendendo os filmesde Hollywood em diversas mídias.O <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, mesmo em sua fase mais produtiva (o período <strong>da</strong>Embrafilme) esteve dependente do Estado e nunca conseguiu uma efetiva união com atelevisão - a ver<strong>da</strong>deira indústria cultural <strong>brasil</strong>eira formula<strong>da</strong> <strong>no</strong>s moldes do <strong>cinema</strong><strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>, já que possui integração vertical, modo de produção fabril e starsystem próprio. Algumas tentativas de união do <strong>cinema</strong> com a televisão foram feitas,33 MALTBY, Richard. “’Nobody k<strong>no</strong>ws everything’: post-classical historiographies and consoli<strong>da</strong>tedentertainment” in SMITH, Murray. Contemporary Hollywood Cinema. London / New York: Routledge,1998, páginas 34-35.


30como por exemplo, através dos filmes dos Trapalhões, campeões de bilheteria do<strong>cinema</strong> nacional. Mas essa foi uma união às avessas, já que partiu do sucesso <strong>da</strong>televisão para chegar ao filme – o contrário do que ocorreu <strong>no</strong>s EUA. Além disso, ofazer <strong>cinema</strong>tográfico <strong>no</strong> Brasil sempre esteve distante <strong>da</strong> idéia de sinergia, estratégiaque desde a déca<strong>da</strong> de 1970 mantém o <strong>cinema</strong> <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> como uma ativi<strong>da</strong>dealtamente rentável.Nesse sentido, é importante ressaltar que a concepção de <strong>cinema</strong> que orienta ofazer fílmico <strong>no</strong> Brasil é a de produto artístico, enquanto a concepção de <strong>cinema</strong> que<strong>no</strong>rteia a indústria <strong>cinema</strong>tográfica dos EUA é a de produto de entretenimento. O campo<strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiro, grosso modo, não encara sua ativi<strong>da</strong>de enquanto parte deuma indústria cultural – portanto dependente do mercado – mas sim como arte –portanto dependente do reconhecimento dentro do próprio campo <strong>cinema</strong>tográfico.Assim, de acordo com os termos de Pierre Bourdieu, a análise <strong>da</strong> indústria<strong>cinema</strong>tográfica <strong>no</strong>rte-americana deve levar em conta o campo <strong>da</strong> indústria cultural,enquanto que a análise do campo <strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiro tem que levar em conta,também, o campo erudito, que obedece as regras <strong>da</strong> arte 34 .Esta concepção de <strong>cinema</strong> enquanto arte, que não precisa necessariamente serrentável e que pode perfeitamente ser subsidia<strong>da</strong> pelo Estado, começou a serquestiona<strong>da</strong>, principalmente a partir <strong>da</strong> crise pela qual o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro atravessouna segun<strong>da</strong> metade dos a<strong>no</strong>s 1980, já discuti<strong>da</strong> anteriormente. Mas nesse momento,mais um agravante contribui para desestruturar o campo <strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiro: asi<strong>no</strong>vações tec<strong>no</strong>lógicas, que desde o final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1960 já modificavam o <strong>cinema</strong><strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>, demoraram muito a chegar ao Brasil. Só em meados dos a<strong>no</strong>s 80 éque isso ocorreu, mas justamente <strong>no</strong> momento em que a crise já se abatia <strong>no</strong> <strong>cinema</strong><strong>brasil</strong>eiro. Segundo José Mário Ortiz Ramos 35 :“A crise profun<strong>da</strong> <strong>da</strong> industrialização do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, inicia<strong>da</strong> na segun<strong>da</strong>metade dos a<strong>no</strong>s 80, eclode num momento em que um padrão técnico e artístico34 As teorias acerca dos campos <strong>da</strong> arte e <strong>da</strong> indústria cultural deste autor, que foram centrais naelaboração deste trabalho, encontram-se principalmente em BOURDIEU, Pierre. A Eco<strong>no</strong>mia <strong>da</strong>sTrocas Simbólicas. op. cit. e BOURDIEU, Pierre. As Regras <strong>da</strong> Arte: Gênese e Estrutura do CampoLiterário, op. cit.35 RAMOS, José Mário Ortiz. Cinema, Televisão e Publici<strong>da</strong>de: Cultura Popular de Massa <strong>no</strong> Brasil<strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 1970-1980, op.cit., página 41.


31estava se consoli<strong>da</strong>ndo. To<strong>da</strong> a construção problemática de um <strong>cinema</strong>sintonizado com o audiovisual do país e do mercado internacional foi, como vimos,atravessa<strong>da</strong> tanto pela incipiência dos bens materiais <strong>da</strong> produção quanto pelorearranjo de tradições culturais e <strong>cinema</strong>tográficas.”A defasagem tec<strong>no</strong>lógica foi mais um fator a dificultar a competição entre o<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro e o <strong>cinema</strong> <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>. O <strong>cinema</strong> publicitário e a televisão doperíodo tiveram avanços tec<strong>no</strong>lógicos imensos, já que movimentavam grandes quantiasde dinheiro e conseguiam altos investimentos – mas esses avanços não chegaram ao<strong>cinema</strong>, isolado em seu campo e garantido pelo Estado. A integração do <strong>cinema</strong> com atelevisão e a publici<strong>da</strong>de só se realizará, em parte, com o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, nadéca<strong>da</strong> de 1990. Também nesse período, em meio à on<strong>da</strong> neoliberal e ao burburinhodos ventos globalizantes, o campo <strong>cinema</strong>tográfico começou a apostar na sinergia, naven<strong>da</strong> do produto em blocos, na ligação com a televisão, na tec<strong>no</strong>logia de ponta e nalinguagem <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de. Mas antes disso, faz-se necessário analisar o contexto emque essas alterações <strong>no</strong> fazer <strong>cinema</strong>tográfico começam a se esboçar, isto é, em meioao neoliberalismo do período Collor.O presidente Collor promoveu uma ampla liberalização <strong>da</strong> eco<strong>no</strong>mia, abrindo opaís para as importações sem preocupações muito grandes com o produto nacional e omercado inter<strong>no</strong>, e essa liberalização se aplicava também aos produtos culturais. Nocaso do <strong>cinema</strong>, deixou de haver fiscalização sobre a entra<strong>da</strong> do filme estrangeiro eobrigatorie<strong>da</strong>de de exibição do filme <strong>brasil</strong>eiro. O Brasil, de forma apressa<strong>da</strong> edesestrutura<strong>da</strong>, entrou na <strong>no</strong>va fase do capitalismo, em que os bens culturais setornavam ca<strong>da</strong> vez mais importantes, graças à <strong>no</strong>va configuração do capital que fez doconsumo o elemento central.As socie<strong>da</strong>des contemporâneas têm sido classifica<strong>da</strong>s enquanto socie<strong>da</strong>des deconsumo, e é através desse ponto de vista que a literatura sociológica analisa oconsumo <strong>no</strong> mundo atual. A expressão socie<strong>da</strong>de de consumo representa umatransformação na organização <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des capitalistas, que antes eram organiza<strong>da</strong>sa partir <strong>da</strong> esfera <strong>da</strong> produção e agora se organizam a partir <strong>da</strong> esfera do consumo: aesfera do consumo se sobrepõe à esfera <strong>da</strong> produção. Com os avanços científicos etec<strong>no</strong>lógicos que permitiram um grande aumento <strong>da</strong> produção de mercadorias e


32geraram uma quanti<strong>da</strong>de de produtos disponíveis <strong>no</strong> mercado nunca antes alcança<strong>da</strong>,fez-se necessário que essa produção girasse, isto é, que fosse consumi<strong>da</strong> na mesmamedi<strong>da</strong> do aumento <strong>da</strong> produção. Assim, com a produção equilibra<strong>da</strong> em níveis altos, oelemento central passa a ser o consumo desses produtos e não mais a sua produção. Éa fase do capitalismo tardio ou pós-industrial, em que os altos níveis de produção ecirculação de mercadorias, além de redimensionarem e supervalorizarem a esfera doconsumo, também são responsáveis por mu<strong>da</strong>nças nas formas de trabalho, de poder,de cultura etc 36 .No contexto <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de de consumo, que a partir do gover<strong>no</strong> Collor ganhoumaior visibili<strong>da</strong>de <strong>no</strong> Brasil, a cultura e os bens culturais adquiriram <strong>no</strong>vo status,tornando-se mais importantes na medi<strong>da</strong> em que foram utilizados como fatores dedistinção 37 , de constituição <strong>da</strong>s identi<strong>da</strong>des e como símbolos de pertencimento agrupos. Para Fredric Jameson 38 , ocorreu uma estetização <strong>da</strong> mercadoria esimultaneamente uma mercantilização <strong>da</strong> cultura, isto é, as mercadorias, além do valorutilitário passaram a agregar também valor estético, e a cultura, além do valor estéticotor<strong>no</strong>u-se ca<strong>da</strong> vez mais um produto valorizado <strong>no</strong> mercado. Melhor exemplificando: <strong>no</strong>mundo do consumo, ocorreu uma mu<strong>da</strong>nça do consumo padronizado de bens duráveispara uma maior flexibilização do consumo, através <strong>da</strong> segmentação do mercado e doaumento <strong>da</strong> importância do consumo de lazer e entretenimento. No campo <strong>da</strong>produção e do consumo culturais, essa mu<strong>da</strong>nça pôde ser percebi<strong>da</strong> através <strong>da</strong> análise<strong>da</strong> história <strong>da</strong> produção <strong>cinema</strong>tográfica <strong>no</strong>rte-americana, que passa <strong>da</strong> produçãopadroniza<strong>da</strong> e fabril do modo clássico para a produção segmenta<strong>da</strong> e diversifica<strong>da</strong> doshigh concept movies, como acabamos de ver.É possível traçar um paralelo entre história <strong>da</strong> indústria <strong>cinema</strong>tográfica <strong>no</strong>rteamericana,que se tor<strong>no</strong>u hegemônica mundialmente, e a história <strong>da</strong> televisão <strong>no</strong> Brasil– em especial <strong>da</strong> Rede Globo, que se tor<strong>no</strong>u hegemônica nacionalmente. No Brasil, a36 BAUDRILLARD, Jean. A socie<strong>da</strong>de de consumo. Lisboa: Edições 70, 1995; FEATHERSTONE, Mike.Cultura de Consumo e Pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995; GIDDENS, Anthony. AsConseqüências <strong>da</strong> Moderni<strong>da</strong>de. São Paulo: Unesp, 1991; JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: aLógica Cultural do Capitalismo Tardio. São Paulo: Ática, 1996; ORTIZ, Renato. Mundialização eCultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.37 BOURDIEU, Pierre. Distinciton: a Social Critique of the Judgement of Taste. London: Routledgeand Kegan Paul, 1984.38 JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a Lógica Cultural do Capitalismo Tardio, op. cit.


33indústria audiovisual globaliza<strong>da</strong> se deu com a televisão: a televisão <strong>brasil</strong>eiraconseguiu se industrializar <strong>no</strong>s modelos do <strong>cinema</strong> america<strong>no</strong>, passando <strong>da</strong> produção<strong>no</strong>s moldes fabris (fordismo) à sinergia – que <strong>no</strong>s últimos a<strong>no</strong>s vem acontecendoatravés dos investimentos <strong>da</strong>s emissoras de televisão em <strong>cinema</strong> (Globo, Record, SBTe Bandeirantes já produzem filmes), dos canais a cabo ligados às principais redes, <strong>da</strong>ven<strong>da</strong> de produtos relacionados a programas de televisão, como bonecas, roupas etc.Além disso, assim como o <strong>cinema</strong> <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>, a televisão <strong>brasil</strong>eira também passaa estruturar seus produtos tendo em vista a segmentação do mercado consumidor,através dos gêneros 39 .A televisão <strong>brasil</strong>eira facilmente se a<strong>da</strong>ptou a esta mais recente fase docapitalismo, mas o mesmo não se pode dizer sobre o <strong>cinema</strong>. Como <strong>no</strong> Brasil atelevisão e o <strong>cinema</strong> não se integraram numa indústria audiovisual – o <strong>cinema</strong> sedesenvolveu como uma forma artística e na dependência do Estado, enquanto atelevisão sempre esteve mais liga<strong>da</strong> ao mercado como parte <strong>da</strong> indústria cultural – adiscrepância entre ambos se agravou com a liberação <strong>da</strong>s importações por Collor, quepermitiu a entra<strong>da</strong> de tec<strong>no</strong>logias importa<strong>da</strong>s, absorvi<strong>da</strong>s pela televisão e pelapublici<strong>da</strong>de, mas que não chegaram ao <strong>cinema</strong>, naquele momento falido e fragilizado.As mu<strong>da</strong>nças <strong>no</strong> modo de produção, as <strong>no</strong>vas tec<strong>no</strong>logias, a sinergia e aglobalização ampliaram ain<strong>da</strong> mais a hegemonia dos EUA <strong>no</strong> competitivo mercadoaudiovisual durante a segun<strong>da</strong> metade do século XX. No Brasil, problemas paradesenvolver ou adquirir <strong>no</strong>vas tec<strong>no</strong>logias e equipamentos, crises financeiras, falta deintegração com a televisão, diminuição do público e falta de apoio <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil(principalmente <strong>da</strong> mídia) tornaram a sobrevivência <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de <strong>cinema</strong>tográfica <strong>no</strong>país uma ver<strong>da</strong>deira batalha. Era essa a conjuntura em que se encontrava o <strong>cinema</strong><strong>brasil</strong>eiro em 1990: com a televisão já consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> e indiferente, sem as modernizaçõestécnicas que poderiam torná-lo mais atraente, sem público e sem apoio na socie<strong>da</strong>de.39 ORTIZ, Renato, BORELLI, Sílvia Helena Simões e RAMOS, José Mário Ortiz. Tele<strong>no</strong>vela: História eProdução. São Paulo: Brasiliense, 1991.


343. A IDADE DAS TREVAS: O CINEMA BRASILEIRO MORREU?A ruptura <strong>da</strong> sóli<strong>da</strong> ligação entre o Estado e o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, decreta<strong>da</strong>através de uma medi<strong>da</strong> provisória, representou um forte abalo <strong>no</strong> campo<strong>cinema</strong>tográfico, desestruturando-o totalmente. É possível entender esse momento <strong>da</strong>história <strong>cinema</strong>tográfica <strong>brasil</strong>eira através de um paralelo com o filme Terra Estrangeira(Walter Salles e Daniela Thomas, 1995), que mostra o duro golpe que o Pla<strong>no</strong> Collorrepresentou – golpe este sentido não apenas <strong>no</strong> campo <strong>cinema</strong>tográfico, mas em to<strong>da</strong>a socie<strong>da</strong>de. Esse filme, embora seja uma produção de meados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1990,tem sua ação localiza<strong>da</strong> durante o início do gover<strong>no</strong> Collor, e retrata o desestímulo, aapatia, a falta de esperança, a solução individual encontra<strong>da</strong> pela fuga, a ausência deprojetos coletivos e as frustrações que marcaram o período. O campo <strong>cinema</strong>tográfico<strong>no</strong> início dos a<strong>no</strong>s 90 refletiu esta situação, transformando-se num ver<strong>da</strong>deiro “salve-sequem puder” quando se perderam as idéias de identi<strong>da</strong>de nacional, do <strong>cinema</strong> comoreflexo <strong>da</strong> cultura <strong>brasil</strong>eira e <strong>da</strong> tentativa de identificação com o popular, que em outrosmomentos foram fun<strong>da</strong>mentais para o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro.Terra Estrangeira conta a história de Paco (Fernando Alves Pinto) e sua mãe(Laura Cardoso), uma espanhola que sonha voltar a seu país de origem. Quando opresidente Collor anuncia seu pla<strong>no</strong>, que incluía o confisco <strong>da</strong>s eco<strong>no</strong>mias de to<strong>da</strong> apopulação, a mãe de Paco sofre um ataque cardíaco e morre, já que perdera todo seudinheiro e consequentemente teria de abandonar o projeto de voltar à Europa.Sozinho, desorientado e sem dinheiro, Paco aceita entregar um misterioso pacote emPortugal, em troca do custeio <strong>da</strong> viagem. Após perder o pacote ele encontra-se comAlex (Fernan<strong>da</strong> Torres), <strong>brasil</strong>eira que trabalha como garçonete em Portugal e que vivecom Miguel (Alexandre Borges), um músico contrabandista e viciado em heroína. Ashistórias de Paco e Alex confundem-se, e, perseguidos por bandidos interessados <strong>no</strong>pacote, eles decidem fugir para a Espanha, mas a fuga não é bem sucedi<strong>da</strong>, e Paco ébaleado.Esse filme carrega as marcas do início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1990, tempo em que,parafraseando a famosa frase de Tom Jobim, a melhor saí<strong>da</strong> para o Brasil parecia


35mesmo ser o aeroporto. Terra Estrangeira mostra um mundo ca<strong>da</strong> vez mais integradoe globalizado, mas onde as pessoas parecem ca<strong>da</strong> vez mais soltas, sem referências delugar, de pertencimento, perdi<strong>da</strong>s <strong>no</strong> mundo sem fronteiras. A história de Paco passa<strong>da</strong> apatia para a desesperança e por fim a para a fuga desespera<strong>da</strong>, e nesse sentidopode-se traçar um paralelo com o campo <strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiro do período.Algumas cenas são sintomáticas:1. A cena <strong>da</strong> morte <strong>da</strong> mãe de Paco, em frente ao aparelho de televisão, quando doanúncio do Pla<strong>no</strong> Collor em paralelo à morte do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, figura de linguagemmuitas vezes repeti<strong>da</strong> por vários cineastas e estudiosos do período.2. A cena em que Miguel tenta vender seu passaporte, mas descobre que “passaporte<strong>brasil</strong>eiro não vale na<strong>da</strong>”, refletindo a falta de credibili<strong>da</strong>de e a desilusão em relação aoBrasil, em paralelo aos cineastas que abandonaram a ativi<strong>da</strong>de e foram se dedicar aoutras profissões, mostrando o descrédito em relação ao <strong>cinema</strong>. 403. A cena do barco encalhado <strong>no</strong> porto, quando Alex canta um trecho de Vapor Barato 41“talvez eu volte, um dia eu volto quem sabe” em referência aos cineastas quecontinuaram a produzir através de co-produções internacionais, mas que semprequiseram “voltar ao Brasil”.Com o fim do ciclo Embrafilme e sob o gover<strong>no</strong> Collor, foram essas primeirasreações que o campo <strong>cinema</strong>tográfico manifestou: a idéia de morte do <strong>cinema</strong><strong>brasil</strong>eiro, o descrédito em relação à possibili<strong>da</strong>de do fazer <strong>cinema</strong>tográfico e a soluçãoindividual encontra<strong>da</strong> nas co-produções internacionais. A fragili<strong>da</strong>de do campo nesteperíodo impediu reações coletivas e propostas políticas.Para agravar ain<strong>da</strong> mais a situação, o gover<strong>no</strong> deixou de cumprir compromissose contratos assinados na época <strong>da</strong> Embrafilme, inclusive acordos internacionais de coprodução,fazendo com que vários filmes que estavam sendo produzidos ficassemparados. A cineasta Suzana Moraes, em depoimento a Lúcia Nagib 42 conta que oprojeto de seu filme Mil e Uma, que havia sido aprovado pela Embrafilme em coproduçãocom a TV espanhola, foi interrompido, deixando-a sem saber como reagir:40 A falta de esperança e de perspectivas é típica do período, mas Cacá Diegues reage ao pessimismo domomento com Dias Melhores Virão (1989), outro filme sintomático do período, mas com um viés maisotimista, característico do autor.41 Música de Jards Macalé e Wally Salomão, sucesso na voz <strong>da</strong> Gal Costa na déca<strong>da</strong> de 1970.42 NAGIB, Lúcia. O Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>. op. cit., página 312.


36“Fiquei louca, pois além de cortarem tudo <strong>no</strong> auge <strong>da</strong> adrenalina do começo <strong>da</strong>sfilmagens, obviamente perdi minha grana. Para complicar, a situação com osespanhóis ficou difícil, pois havia assinado um contrato internacional e eles meperguntavam: ‘Que país é esse que não honra seus contratos?’ Fiquei deprimi<strong>da</strong>,literalmente de cama. Depois de um tempo, pensei: não quero isso na minhabiografia, ser uma ‘vítima de Collor’”.Além do rompimento de contratos e <strong>da</strong> paralisação de produções e acordos queestavam em an<strong>da</strong>mento, a total ausência de proposta de uma política <strong>cinema</strong>tográficatambém contribuiu para vários cineastas decretassem a morte do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro. Ouseja, o fato <strong>da</strong> Embrafilme ter sido extinta não foi o maior problema, mas sim o fato do<strong>cinema</strong> ter sido deixado às traças, sem apoio governamental nenhum. Para o cineastaJoão Batista de Andrade 43 :“Collor acabou com a política do <strong>cinema</strong>, jogando fora o bebê junto com a águasuja, sendo que poderia ter feito um processo progressivo. Eu, por exemplo, tinhauma proposta para a Embrafilme. Como ela vivia dos impostos de <strong>cinema</strong>,poderia se tornar uma carteira descentraliza<strong>da</strong> de financiamento, criando oadicional de bilheteria para premiar a performance de um filme <strong>no</strong>s <strong>cinema</strong>s, econtinuaria sendo a distribuidora comercial. De 600 funcionários, passaria a ter50. Mas, como todo mundo falava mal <strong>da</strong> Embrafilme, inclusive os cineastas,Collor, com seu oportunismo e irresponsabili<strong>da</strong>de, resolveu acabar com aEmbrafilme e o Concine.”A falta de perspectivas e de uma política para o <strong>cinema</strong> fez com que o períododo gover<strong>no</strong> Collor fosse relacionado à morte ou às trevas. Por exemplo, Murilo Sallesse refere ao início dos a<strong>no</strong>s 90 como “grande depressão do gover<strong>no</strong> Collor” 44 , JoséRoberto Torero fala nesse período como “a <strong>no</strong>ssa i<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s trevas” 45 , e Cacá Dieguesfala em “trevas collori<strong>da</strong>s” 46 . A idéia de morte do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, representa<strong>da</strong>pela alusão às trevas, se associava também à idéia <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de de fazer <strong>cinema</strong>43 Idem, página 60.44 Idem, página 412.45 Idem, página 488.46 “Cinema Brasileiro Cia Lt<strong>da</strong>”. Entrevista de Cacá Diegues a Carlos Adria<strong>no</strong>. Revista eletrônicaTrópico, 13 de março de 2002 (www.uol.com.bt/tropico).


37<strong>no</strong> Brasil neste momento. O depoimento do cineasta Emilia<strong>no</strong> Ribeiro é muitoesclarecedor neste sentido 47 :“Havia cerca de dois a<strong>no</strong>s, eu vinha preparando um filme chamado A viagem devolta, a história de adolescentes viciados em cocaína. (...) Na época, a lei deincentivo era a Lei Sarney, e eu já tinha conseguido levantar cerca de um quartodo orçamento do filme. Quando veio o confisco, fiquei meses parado dentro decasa, porque vi que minha profissão tinha acabado, Collor extinguira a profissãode cineasta.”Os cineastas ficaram sem <strong>no</strong>rte, sentiram-se desprotegidos e sem perspectivas,<strong>da</strong>í a <strong>no</strong>ção <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de de fazer <strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil, <strong>da</strong> morte do <strong>cinema</strong> e dodescrédito em relação ao fazer <strong>cinema</strong>tográfico. Além disso, conforme destacouEmilia<strong>no</strong> Ribeiro, o Pla<strong>no</strong> Collor trouxe um impacto recessivo profundo e desestabilizouas ativi<strong>da</strong>des <strong>cinema</strong>tográficas, além de desencadear um processo radical deliberalismo <strong>da</strong> eco<strong>no</strong>mia, através de privatizações e <strong>da</strong> abertura de mercado – processoesse que teve reflexos em to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de. Segundo Francisco Oliveira 48 , “o sentidoprivatizante do Pla<strong>no</strong> Collor, que é certamente o elemento perdurável <strong>da</strong>s táticas eestratégias governamentais, é o de transferir maciçamente o patrimônio público para osetor privado.”E foi exatamente o que aconteceu com o <strong>cinema</strong>: foi transferido do setor públicopara o setor privado, sem contar com nenhum pla<strong>no</strong> de apoio. E o setor privado, que<strong>no</strong> Brasil não tem um histórico de participação na produção <strong>cinema</strong>tográfica, nãoacolheu o <strong>cinema</strong>. Além disso, os próprios cineastas, como os <strong>brasil</strong>eiros em geral,ficaram sem dinheiro e não tinham como investir em seus filmes – soluçãoanteriormente encontra<strong>da</strong> por Nelson Pereira dos Santos para produzir Rio 40 Graus nadéca<strong>da</strong> de 1950, feito com dinheiro do próprio cineasta e <strong>da</strong> equipe do filme, porexemplo. Até o dinheiro que já havia sido levantado para produções foi bloqueado.Nessa conjuntura, diante <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des de fazer <strong>cinema</strong>, muitos cineastasbuscaram soluções individuais, através do exercício de outras ativi<strong>da</strong>des. Sem umapolítica de apoio à produção <strong>cinema</strong>tográfica, sem auxílio do setor privado e sem47 NAGIB, Lúcia. O Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>. op. cit., página 387.48 OLIVEIRA, Francisco. Collor – A Falsificação <strong>da</strong> ira. Rio de Janeiro: Imago, 1992, página 74.


38dinheiro em caixa, o campo <strong>cinema</strong>tográfico se desestruturou, e os cineastas tiveram debuscar alternativas que garantissem sua sobrevivência. Por exemplo, Fábio Barretoargumenta que 49 “O gover<strong>no</strong> Collor foi o cataclisma. Eu saí, fui trabalhar na TV Globo,ganhar dinheiro, sobreviver <strong>da</strong> maneira que podia.”; o produtor Carlos Moletta, aocomentar sobre seus projetos com o cineasta David Neves que foram interrompidoscom o fim <strong>da</strong> Embrafilme, revela que 50 “quando o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro foi interrompido porCollor, em 1990, todo mundo ficou simplesmente sem profissão. Eu voltei àengenharia. David, por sua vez, resolveu escrever (...)”.Outros cineastas encontraram nas co-produções internacionais a saí<strong>da</strong> paracontinuar fazendo <strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil, como por exemplo Walter Salles, que fez A GrandeArte em 1990 e Hector Babenco que fez Brincando <strong>no</strong>s Campos do Senhor em 1991,ambos realizados em regime de co-produção internacional. Já Bru<strong>no</strong> Barreto se mudoupara os Estados Unidos e fez filmes america<strong>no</strong>s.Se entre os cineastas já atuantes e com posições consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s <strong>no</strong> campo<strong>cinema</strong>tográfico as dificul<strong>da</strong>des eram muito grandes, para os <strong>no</strong>vos cineastas há ain<strong>da</strong>mais dificul<strong>da</strong>des a serem enfrenta<strong>da</strong>s. Como o campo <strong>cinema</strong>tográfico <strong>no</strong> Brasilobedece às regras <strong>da</strong> arte – isto é, um campo onde a legitimação é consegui<strong>da</strong> através<strong>da</strong> aceitação dos pares – e neste momento estava fragilizado e desestruturado, então aaceitação tor<strong>no</strong>u-se muito mais difícil. Como entrar num campo que nem conseguiamanter sua auto<strong>no</strong>mia? O cineasta Arthur Fontes, <strong>da</strong> Conspiração Filmes, uma <strong>da</strong>spoucas empresas <strong>cinema</strong>tográficas cria<strong>da</strong>s <strong>no</strong> início dos a<strong>no</strong>s 90, contou suasdificul<strong>da</strong>des e como foram enfrenta<strong>da</strong>s 51 :“A Conspiração foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1991, a<strong>no</strong> em que o <strong>cinema</strong> acabou. Não foi umaopção fazer videoclipe. Queríamos fazer curta-metragem e depois fazer longametragem,que é a trajetória habitual do diretor <strong>brasil</strong>eiro. Mas essa circunstância<strong>no</strong>s foi imposta de fora para dentro. Só depois de três a<strong>no</strong>s, em 1994, é que veioa Lei do Audiovisual. Então, fizemos Traição. Os fatos políticos, portanto,atrasaram <strong>no</strong>sso processo e <strong>no</strong>s jogaram nesse mundo <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de e dovideoclipe.”49 NAGIB, Lúcia. O Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>. São Paulo: Editora 34, 2002, op. cit., página 101.50 Idem, página 392.51 Idem, página 193.


39O período Collor foi um período de desestruturação do campo <strong>cinema</strong>tográfico,que perdeu sua auto<strong>no</strong>mia, tornando o fazer <strong>cinema</strong>tográfico mais difícil. Só restaramsoluções individuais como a migração para a televisão e a publici<strong>da</strong>de ou a busca deoutras profissões. Não se apresentavam propostas de solução coletiva; o momentoera de paralisia, apatia. Sem o apoio do Estado, o grupo que mo<strong>no</strong>polizava os recursosestatais 52 se fragmentou, e nenhum grupo ou polarização se formou de modo rígido <strong>no</strong>campo – ao contrário do que ocorreu durante os a<strong>no</strong>s 60 e 70, quando aconteceramdisputas em tor<strong>no</strong> do Estado e <strong>da</strong> bandeira de um <strong>cinema</strong> nacional e popular. Emtempos de neoliberalismo o campo não se prende mais a nenhum tipo de discurso decultural mais abrangente e coletivo, mas sim luta pela sobrevivência e manutenção <strong>da</strong>ativi<strong>da</strong>de, do fazer <strong>cinema</strong>tográfico.Depois do desespero inicial, <strong>da</strong> apatia e do “salve-se quem puder”, começaram aaparecer algumas reações mais articula<strong>da</strong>s, com propostas coletivas e discursos maisorganizados e auto-críticos, como o de Jean-Claude Bernardet <strong>no</strong> artigo “A crise do<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro e o gover<strong>no</strong> Collor”, publicado na Folha de São Paulo 53 . ParaBernardet, uma <strong>da</strong>s causas <strong>da</strong> crise do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro é a insistência em um <strong>cinema</strong>autoral, dispensando a figura do produtor e desvinculado de preocupações com opúblico. Segundo ele,“Esse modelo – o <strong>cinema</strong> de autor – vem desde os tempos do <strong>cinema</strong> mudo e foilevado ao apogeu pelo Cinema Novo e Cinema Marginal, e sua dependência doEstado consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 70 não parece oferecer saí<strong>da</strong>. Isso não quer dizerque esporadicamente não aparecerá um ou outro filme belíssimo. Mas quer dizerque por aí não há saí<strong>da</strong> estrutural, isto é, uma produção que tenha público econsiga repor seus meios de produção”.Este artigo de Bernardet é muito importante, pois não culpa apenas Collor ou ofim <strong>da</strong> Embrafilme pela crise do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, mas procura encontrar as origensdesta crise também dentro do próprio campo <strong>cinema</strong>tográfico. Além disso, o artigoaponta soluções, a partir <strong>da</strong> utilização <strong>da</strong> figura do produtor pelo <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, istoé, a partir do momento em que forem feitos filmes sob encomen<strong>da</strong>, não por52 Segundo os termos de Bourdieu, os ortodoxos <strong>no</strong> campo.53 BERNARDET, Jean-Claude. “A crise do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro e o gover<strong>no</strong> Collor”. Folha de São Paulo, 23de Junho de 1990, Ilustra<strong>da</strong>, página 03.


40determinações de um diretor, mas sob as ordens de um produtor, filmes para omercado. Só assim a ativi<strong>da</strong>de <strong>cinema</strong>tográfica poderá se sustentar, permitindoinclusive que também sejam feitos filmes autorais. Para esse autor, o <strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil,para se viabilizar, tem que deixar de ser artístico e se tornar um produto <strong>da</strong> indústriacultural. Bernardet voltaria a atacar a priorização <strong>da</strong> produção e <strong>da</strong> autoria emdetrimento do público, do mercado e <strong>da</strong> distribuição, em um artigo que escreve sobre oprimeiro <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, detectando que este tipo de mentali<strong>da</strong>de sobre o <strong>cinema</strong>está enraiza<strong>da</strong> entre nós. Para ele, <strong>no</strong> Brasil 54 “pensa-se o <strong>cinema</strong> até a primeira cópia,depois são outros quinhentos. Tal filosofia marca o conjunto <strong>da</strong> produção<strong>cinema</strong>tográfica <strong>brasil</strong>eira e conhece poucas exceções, entre elas a chancha<strong>da</strong> e apor<strong>no</strong>chancha<strong>da</strong>.”Na tentativa de encontrar explicações para a crise, o crítico de <strong>cinema</strong> <strong>da</strong> Folhade São Paulo José Geraldo Couto argumenta que o <strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil sofre com doisproblemas: ou padece do “vício do paternalismo do Estado” ou se conforma com guetose espaços alternativos dentro do próprio país. Para ele 55 , “os cineastas <strong>brasil</strong>eiros, deum modo geral, parecem eter<strong>no</strong>s adolescentes em busca de um pai protetor ou de umamãe gentil”.Em meio a questionamentos e críticas, o campo <strong>cinema</strong>tográfico começava aesboçar as primeiras reações, se mobilizando. Se num primeiro momento o que se viuforam as soluções individuais, a partir de então esse quadro se altera. A criseprovoca<strong>da</strong> pelo desmonte de Collor produziu reflexões e autocríticas, e talvez a maissignificativa destas <strong>no</strong>vas posturas seja a tentativa estabelecer uma <strong>no</strong>va relação com oEstado, me<strong>no</strong>s paternalista e mais empresarial. Mas para o estabelecimento dessa<strong>no</strong>va relação era necessário que o Estado voltasse a dialogar com a cultura e com o<strong>cinema</strong> em especial.A tônica do gover<strong>no</strong> Collor em relação à área cultural foi desobrigar o Estadocom a cultura: cultura é papel do mercado, e não do Estado. Mas depois <strong>da</strong> dissolução<strong>da</strong> Embrafilme, em meio às queixas dos cineastas, organiza-se <strong>no</strong> gover<strong>no</strong> uma <strong>no</strong>va54 BERNARDET, Jean-Claude. “Acreditam os Brasileiros <strong>no</strong>s seus Mitos: O <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro e suasorigens” in Revista USP nº 19. São Paulo: USP, Setembro / Outubro / Novembro 1993, página 20.55 COUTO, José Geraldo. “Um diálogo de surdos: Reflexões a partir de Não quero falar sobre isso agora”in Revista USP nº 19. São Paulo: USP, Setembro / Outubro / Novembro 1993, página 95.


41proposta de política para o setor <strong>cinema</strong>tográfico, através de uma comissão 56coordena<strong>da</strong> por Luiz Paulo Vellozo Lucas (diretor do Departamento de Indústria eComércio do Ministério <strong>da</strong> Eco<strong>no</strong>mia). A comissão contava também com Miguel Borges(secretário adjunto de Ipojuca Pontes), Gilson Ferreira (do Departamento de ComércioExterior), Clemente Mourão (do Ministério <strong>da</strong>s Relações Exteriores) e Liliane Rank(também do Departamento de Indústria e Comércio). Essa comissão tratou o <strong>cinema</strong>como parte <strong>da</strong> indústria audiovisual, assimilando a concepção de filme enquantoproduto de entretenimento e ig<strong>no</strong>rando qualquer possibili<strong>da</strong>de artística ou cultural quenão fosse viável eco<strong>no</strong>micamente através do mercado. A partir <strong>da</strong>s análises e estudos,a comissão resolveu utilizar o dinheiro <strong>da</strong> Embrafilme, que estava parado <strong>no</strong> gover<strong>no</strong>federal, para a produção <strong>cinema</strong>tográfica (a Embrafilme arreca<strong>da</strong>va 70% do imposto de25% sobre a remessa de lucros <strong>da</strong>s distribuidoras estrangeiras). Essa foi a primeiraaproximação do gover<strong>no</strong> Collor com o campo <strong>cinema</strong>tográfico, mas esse processo dedevolução do dinheiro <strong>da</strong> Embrafilme só seria regulamentado a<strong>no</strong>s depois, <strong>no</strong> gover<strong>no</strong>Itamar Franco.Além disso, essa mesma comissão elaborou um projeto de financiamento paraos filmes <strong>brasil</strong>eiros, através de uma linha de crédito <strong>no</strong> BNDES, com juros subsidiadospara as produções de <strong>cinema</strong> e vídeo. Os pedidos de financiamento dos cineastasdeveriam vir acompanhados de “garantias” de pagamento, como estudos sobre aviabili<strong>da</strong>de do filme, possibili<strong>da</strong>de de êxito comercial etc. O chefe <strong>da</strong> comissão, LuizPaulo Lucas, declarou ao Jornal do Brasil que “É preciso não confundir política culturalcom subsídios paternalistas para a indústria do entretenimento.” 57Sob esta mentali<strong>da</strong>de empresarial, tratando o <strong>cinema</strong> enquanto produto deentretenimento e que precisa ser auto-sustentável, é que cineastas e Estado voltarama conversar. O secretário <strong>da</strong> cultura Ipojuca Pontes, <strong>no</strong> início de 1991, trouxe de volta acota de tela para o <strong>cinema</strong> nacional: 70 dias de exibição obrigatória (metade <strong>da</strong> cotaque vigorou durante a déca<strong>da</strong> anterior) e a obrigatorie<strong>da</strong>de de 10% do acervo <strong>da</strong>svideolocadoras ser composto por filmes <strong>brasil</strong>eiros (antes, eram necessários 25%).56 CATANI, Afrânio Mendes. “Política Cinematográfica <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s Collor (1990-1992): um arremedo neoliberal”in Revista Imagens nº 3, Campinas-SP: Editora <strong>da</strong> Unicamp, dez. 1994, página 98.57 Apud. CATANI, Afrânio Mendes. “Política Cinematográfica <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s Collor (1990-1992): um arremedoneo-liberal” in Revista Imagens nº 3, op. cit., página 99.


42Mas essas medi<strong>da</strong>s protecionistas terminavam dia 31 de dezembro do mesmo a<strong>no</strong>,quando o <strong>cinema</strong> deveria se inserir <strong>no</strong> livre mercado.A volta <strong>da</strong> cota de tela e a possibili<strong>da</strong>de de uma linha de financiamento para o<strong>cinema</strong> nacional não foram suficientes para estimular a produção <strong>cinema</strong>tográfica. Semsaí<strong>da</strong> aparente, a solução encontra<strong>da</strong> pelo campo foi voltar a procurar pelo Estado – efoi o que aconteceu <strong>no</strong> início de 1991, quando Ipojuca Pontes deixou a Secretaria deCultura e Sérgio Paulo Rouanet entrou em seu lugar, abrindo um <strong>no</strong>vo canal decomunicação com os cineastas dentro do gover<strong>no</strong> federal. Para José Inácio de Melo eSouza 58 :“O <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, representado por seus cineastas e produtores, nuncaabando<strong>no</strong>u o Estado, mesmo quando achava que o modelo intervencionista <strong>da</strong>Embrafilme tinha falido. O Estado, como vimos, nunca abando<strong>no</strong>u o <strong>cinema</strong><strong>brasil</strong>eiro. O contexto apenas ficou um pouco mais esquizofrênico, um pouco maisensandecido. Nesse at<strong>estado</strong> de confusão mental, a proposta de Jean ClaudeBernardet de valorização <strong>da</strong> figura do produtor só poderia redun<strong>da</strong>r em elogiosvazios, em mais um ponto de expansão para a tradicional verborragia rococó dealguns cineastas. A favor ou contra, a única saí<strong>da</strong> estava <strong>no</strong>s cofres estatais (oumunicipais).”4. UMA NOVA ESPERANÇA: ROUANETNo final de 1990, preocupado com a alta taxa de rejeição <strong>no</strong>s meios culturais eintelectuais – e já antevendo a que<strong>da</strong> <strong>da</strong> aceitação popular graças ao fiasco do pla<strong>no</strong>econômico – o presidente Collor alterou os quadros <strong>da</strong> Secretaria <strong>da</strong> Cultura,58 SOUZA, José Inácio de Melo. “A Morte e as Mortes do Cinema Brasileiro e Outras Histórias deArrepiar” in Revista USP nº 19. São Paulo: USP, Setembro / Outubro / Novembro 1993, página 57.


43substituindo os diretores de diversos institutos e <strong>da</strong> Biblioteca Nacional. Em março de1991, completando a re<strong>no</strong>vação na área cultural, Ipojuca Pontes foi substituído porSérgio Paulo Rouanet. Rouanet é diplomata, doutor em ciência política e pesquisadorcultural, tinha melhor trânsito junto aos meios acadêmicos e culturais, e sua entra<strong>da</strong> <strong>no</strong>gover<strong>no</strong> foi bem aceita.Através dessas <strong>no</strong>meações, e em especial <strong>da</strong> <strong>no</strong>meação de Rouanet, Collor fezuma tentativa de aliança com alguns setores <strong>da</strong> intelectuali<strong>da</strong>de. Assim que tomouposse, o secretário organizou pesquisas e fez reuniões com a classe artística, ouvindosuas principais reivindicações e queixas. A principal reivindicação dos produtoresculturais foi a volta <strong>da</strong> lei de incentivos fiscais (a lei Sarney), que havia sido extinta porCollor. O grande problema encontrado foi que a lei Sarney havia sofrido muitasdenúncias de irregulari<strong>da</strong>des na utilização do dinheiro público, o que justificou suaextinção, já que fazia parte do projeto de gover<strong>no</strong> de Collor acabar com a corrupção.Essa lei permitia que empresas investissem em projetos culturais, e o dinheiro investidoseria deduzido <strong>no</strong> imposto de ren<strong>da</strong>, mas como não havia fiscalização sobre a utilizaçãodo dinheiro, a lei Sarney acabou gerando inúmeras fraudes.Cinco meses depois de assumir a Secretaria <strong>da</strong> Cultura, Rouanet apresentousua proposta para a cultura. Depois de realizar pesquisas, ouvir propostas ereclamações, o secretário reeditou as medi<strong>da</strong>s de incentivo cultural com base nadedução do imposto de ren<strong>da</strong>, mas reformulou a legislação para evitar que serepetissem as fraudes e irregulari<strong>da</strong>des que aconteciam com a lei Sarney. No dia 09 deagosto de 1991, foi divulgado para a imprensa o “Programa Nacional de Apoio àCultura - PRONAC”, que ficou conhecido como lei Rouanet 59 (só aprova<strong>da</strong> pelo senadoe pelo congresso nacional em dezembro do mesmo a<strong>no</strong>). Segundo o pacote demedi<strong>da</strong>s propostas por Rouanet, os bens culturais poderiam ser financiados de trêsmaneiras:1. Através do Fundo Nacional de Cultura (FNC). O FNC é destinado a financiarqualquer tipo de produção cultural de retor<strong>no</strong> financeiro baixo, e é administrado pelaSecretaria <strong>da</strong> Cultura. Os projetos, seus orçamentos e viabili<strong>da</strong>de são analisados por“órgão técnico competente” do próprio gover<strong>no</strong>. Os recursos do fundo vêm do gover<strong>no</strong>59 Lei nº 8.313, de 23 de Dezembro de 1991.


44federal (Tesouro Nacional), de doações e legados, além de 1% de arreca<strong>da</strong>ção deFundos e Investimentos Regionais, 3% <strong>da</strong>s loterias esportivas, <strong>da</strong> conversão <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong>externa e do reembolso de empréstimos feitos ao próprio fundo. O FNC financia até80% de um projeto cultural, e começou a funcionar com um saldo inicial de 400 milhõesde cruzeiros doados pelo gover<strong>no</strong> federal.2. Através dos Fundos de Investimentos Culturais e Artísticos (FICART). O FICART édestinado a financiar a produção comercial de instrumentos musicais, fitas, filmes eoutras formas de reprodução fo<strong>no</strong>videográfica; espetáculos (teatrais, de <strong>da</strong>nça,circenses etc.); edição comercial de obras de ciências, letras e artes; econstrução/reparação/compra de equipamentos para salas de espetáculos. Atravésdeste mecanismo, o valor do projeto cultural a ser financiado é dividido em cotas, quesão coloca<strong>da</strong>s <strong>no</strong> mercado através de corretoras. As empresas compram as cotascomo se estivessem adquirindo ações <strong>da</strong> bolsa de valores, e assim como na bolsa,podem ter lucros ou prejuízos, de acordo com a arreca<strong>da</strong>ção do projeto financiado. Sehouver lucro, a empresa patrocinadora é taxa<strong>da</strong>, isto é, paga impostos sobre esse lucro.Se houver prejuízo, a empresa investidora pode abatê-lo <strong>no</strong> imposto de ren<strong>da</strong>. Ou seja,a empresa que investe em projetos culturais não corre o risco de sair perdendo, poismesmo <strong>no</strong> caso do prejuízo, quem banca os custos é o Estado.3. Através do Incentivo a Projetos Culturais. Este mecanismo de financiamento deprojetos culturais permite que os contribuintes (pessoas físicas ou jurídicas) patrocinemum projeto cultural, e o total do dinheiro investido pode ser deduzido do imposto deren<strong>da</strong>, em um percentual estabelecido anualmente pelo gover<strong>no</strong> federal. O incentivo aprojetos culturais pode ser utilizado para artes cênicas; livros sobre arte, literatura ehumani<strong>da</strong>des; música erudita ou instrumental; artes visuais; doações para museus,bibliotecas, arquivos e <strong>cinema</strong>tecas; produção <strong>cinema</strong>tográfica e videofo<strong>no</strong>gráfica; epreservação do patrimônio cultural material e imaterial.O projeto de Rouanet envolve, portanto, três áreas: o patrocínio direto do Estado,através do FNC; a ven<strong>da</strong> de cotas de patrocínio para financiar espetáculos, publicaçõese equipamentos através do FICART; e o patrocínio direto dedutível do imposto deren<strong>da</strong>, através do Incentivo a Projetos Culturais. A principal diferença entre a leiRouanet e a sua antecessora, a lei Sarney, é que agora os projetos têm que ser


45previamente aprovados pelo gover<strong>no</strong> federal, através de uma avaliação do mérito, <strong>da</strong>viabili<strong>da</strong>de financeira e do orçamento do projeto. Mas essa avaliação rigorosa torna oprocesso de produção artístico mais lento e burocrático, e sobre isso recaíram asprincipais críticas que a lei Rouanet recebeu por parte <strong>da</strong> imprensa e dos produtoresculturais.A lei Rouanet engloba to<strong>da</strong> a cultura, isto é, destina-se a estimular investimentose doações à produção de tipo de bem cultural. No caso do <strong>cinema</strong>, pelos parâmetros<strong>da</strong> Lei Rouanet, essa ativi<strong>da</strong>de pode ser financia<strong>da</strong> através do Incentivo a ProjetosCulturais, isto é, pelo investimento do contribuinte dedutível do imposto de ren<strong>da</strong>. OPRONAC foi muito bem aceito pelo campo <strong>cinema</strong>tográfico, mas os cineastas acharamque apenas este mecanismo de patrocínio não era suficiente para estimular a produção<strong>cinema</strong>tográfica, que neste momento estava praticamente paralisa<strong>da</strong>: enquanto a médiade produção <strong>cinema</strong>tográfica <strong>brasil</strong>eira na déca<strong>da</strong> de 1980 era de 80 filmes por a<strong>no</strong>, em1990 foram lançados apenas 7 filmes, em 1991 10 filmes e em 1992 apenas 3 longasmetragensnacionais chegaram às salas de exibição 60 .Em meio à crise e percebendo em Rouanet uma abertura para negociações, oscineastas começaram a pressionar o gover<strong>no</strong> para a elaboração de uma legislaçãoespecífica para o setor. Segundo Carlos Augusto Calil 61 , Rouanet promoveu reuniõescom a classe <strong>cinema</strong>tográfica, e um grupo de discussões foi constituído. No interiordesse grupo, dois pólos se formaram, envolvendo duas concepções de <strong>cinema</strong>:“De um lado, gente que acreditava numa aliança estratégica com o <strong>cinema</strong>estrangeiro, advogando ser indispensável a flexibilização do conceito de filmenacional, que não precisava ser falado <strong>no</strong> idioma. De outro, havia quemdefendesse com garra a língua de Guimarães Rosa, enquanto propunha orelaxamento de todos os mecanismos de proteção do mercado: cota de tela,obrigação de copiagem em laboratório nacional etc. Prevaleceu o meio termo,com concessões a ambos os lados e sobretudo a manutenção, por um prazo não60 Estes são os <strong>da</strong>dos oficiais apresentados em Diagnóstico Governamental <strong>da</strong> Cadeia Produtiva doAudiovisual Brasília: SAV/MinC, 2.000, página 30. Mas são questionáveis, pois desde a extinção <strong>da</strong>Embrafilme e do Concine a fiscalização sobre as obras <strong>cinema</strong>tográficas deixou de ser exerci<strong>da</strong>, e os<strong>da</strong>dos sobre o <strong>cinema</strong> nacional deixaram de ser coletados.61 CALIL, Carlos Augusto. “Pa<strong>no</strong>rama Histórico <strong>da</strong> Produção de Filmes <strong>no</strong> Brasil” in Revista Estudos deCinema nº 3. São Paulo: EDUC, 2000, nº 3, páginas 31 – 32.


46superior a dez a<strong>no</strong>s, o máximo que os liberais do gover<strong>no</strong> Collor podiam aceitar,dos mecanismos de proteção de tela.”Depois <strong>da</strong> apatia em que se encontrava <strong>no</strong> início do gover<strong>no</strong> Collor, o campo<strong>cinema</strong>tográfico voltou a se movimentar, e disputas internas vieram à tona –principalmente em relação ao conceito de “filme nacional” e à necessi<strong>da</strong>de de umalegislação protecionista. A partir dessas discussões surgiu a proposta de uma <strong>no</strong>valegislação específica para o setor <strong>cinema</strong>tográfico, e <strong>no</strong> início de 1992 chegou-se à lei8.401 62 , que regulamentou a cota de tela, definiu o que é o filme nacional e voltou aesboçar uma política <strong>cinema</strong>tográfica. A proposta do grupo de discussões era muitomais abrangente que a lei, e envolvia a elaboração de um Programa Nacional deCinema (Procine), além de propor auxílio direto do Estado na produção audiovisual,mas esses artigos foram vetados por Collor. Com os vetos, a lei 8.401 teve comogrande conquista a volta <strong>da</strong> cota de tela e a facilitação <strong>da</strong>s co-produções internacionais.Foi o primeiro passo para o estabelecimento de uma política <strong>cinema</strong>tográfica após adissolução <strong>da</strong> Embrafilme, e as intenções desta política já ficam claras <strong>no</strong> primeiroartigo desta lei:“Art. 1° Caberá ao Poder Executivo, observado o disposto nesta lei, através dosórgãos responsáveis pela condução <strong>da</strong> política econômica e cultural do país,assegurar as condições de equilíbrio e de competitivi<strong>da</strong>de para a obra audiovisual<strong>brasil</strong>eira, estimular sua produção, distribuição, exibição e divulgação <strong>no</strong> Brasil e<strong>no</strong> exterior, colaborar para a preservação de sua memória e <strong>da</strong> documentação aela relativa, bem como estabelecer as condições necessárias a um sistema deinformações sobre sua comercialização. “O maior problema é que esse primeiro artigo soou como uma grande ironia, jáque as <strong>no</strong>rmas que poderiam subsidiar ou garantir qualquer auxílio concreto à ativi<strong>da</strong>deaudiovisual foram veta<strong>da</strong>s. A lei foi aprova<strong>da</strong> na tentativa de acomo<strong>da</strong>r as críticas docampo <strong>cinema</strong>tográfico, mas, na prática, não garantiu na<strong>da</strong>, nem possibilitou aretoma<strong>da</strong> <strong>da</strong> produção. Mantiveram-se a reserva de tela do filme <strong>brasil</strong>eiro, a reserva<strong>da</strong>s exibidoras e distribuidoras de vídeo para obras nacionais e as condições de62 Lei nº 8.401, de 08 de janeiro de 1992.


47associação com o capital estrangeiro, mas isso não foi suficiente para estimular aprodução.Apesar destas limitações, a lei 8.401 pode ser considera<strong>da</strong> um marco para asrelações do campo <strong>cinema</strong>tográfico com o Estado após o fim do ciclo Embrafilme, jáque representou a volta de uma legislação específica para o setor, a intervenção diretado Estado <strong>no</strong> <strong>cinema</strong> e, além disso, é considera<strong>da</strong> o embrião <strong>da</strong> lei do Audiovisual,aprova<strong>da</strong> <strong>no</strong> gover<strong>no</strong> Itamar Franco e que “reaproveitou” os artigos vetados por Collor.Embora tivesse sido promulga<strong>da</strong> <strong>no</strong> dia 08 de janeiro de 1992, a lei 8.401 só foiregulamenta<strong>da</strong> cerca de seis meses depois, através do decreto 567 63 . Logo após apromulgação desse decreto, Collor finalmente liberou os recursos <strong>da</strong> Embrafilme,através do decreto 575 64 . A liberação do dinheiro <strong>da</strong> Embrafilme – isto é, o dinheiroreferente à arreca<strong>da</strong>ção de impostos do filme estrangeiro <strong>no</strong> Brasil – era umareivindicação <strong>da</strong> classe <strong>cinema</strong>tográfica desde o fim <strong>da</strong> empresa, e só agora, depois <strong>da</strong>ro<strong>da</strong><strong>da</strong> de negociações, é que esse dinheiro foi liberado. O dinheiro, antes de chegaraos cineastas, deveria passar pela Secretaria <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> e pela Secretaria <strong>da</strong> Cultura,onde seria autorizado o financiamento dos filmes através do FICART (Fundo deInvestimento Cultural e Artístico). O FICART poderia financiar até 80% de obrasaudiovisuais <strong>cinema</strong>tográficas. Além disso, o decreto 575 criou uma Comissão deCinema para elaborar projetos e selecionar os filmes a serem financiados, constituí<strong>da</strong>por 14 membros, 7 do poder executivo (um representante <strong>da</strong> secretaria <strong>da</strong> cultura, umdiretor do departamento de indústria e comércio, o presidente do Instituto Brasileiro deArte e Cultura, o diretor <strong>da</strong> Cinemateca Brasileira, o diretor do departamento cultural doministério <strong>da</strong>s relações exteriores, o presidente <strong>da</strong> Radiobrás e o presidente <strong>da</strong>Fun<strong>da</strong>ção Roquette Pinto) e 7 representantes de enti<strong>da</strong>des do campo <strong>cinema</strong>tográfico(os presidentes <strong>da</strong>s associações de produtores, distribuidores, exibidores, diretores de<strong>cinema</strong>, documentaristas, emissoras de rádio e televisão e trabalhadores <strong>da</strong> indústria<strong>cinema</strong>tográfica).A constituição <strong>da</strong> Comissão de Cinema, contando com membros do campo<strong>cinema</strong>tográfico e com diferentes representantes do gover<strong>no</strong>, foi uma importante63 Decreto nº 567, de 11 de Junho de 1992.64 Decreto nº 575, de 23 de Junho de 1992.


48conquista <strong>da</strong> classe <strong>cinema</strong>tográfica, já que indicou a possibili<strong>da</strong>de de decisão eparticipação <strong>da</strong> mesma dentro do gover<strong>no</strong>, além de restabelecer a ligação <strong>cinema</strong> eEstado. E a formação <strong>da</strong> Comissão, envolvendo representantes do departamento deindústria e comércio e do ministério de relações exteriores, além de representantes dediversos setores <strong>da</strong> indústria <strong>cinema</strong>tográfica (e não apenas produtores e diretores) jápermitiu antever que aí se delineava uma concepção de <strong>cinema</strong> comercial e paraexportação, isto é, um produto de entretenimento <strong>brasil</strong>eiro a ser comercializado emoutros países.Durante as discussões e batalhas pela liberação do dinheiro <strong>da</strong> Embrafilme, queresultaram <strong>no</strong> decreto 575 e na Comissão de Cinema, mais uma vez lutas internasmovimentaram o campo <strong>cinema</strong>tográfico. Em meados de 1992, os cineastas seposicionaram e se mobilizaram diante <strong>da</strong> perspectiva de receber <strong>no</strong>vamente dinheiro doEstado diretamente para a produção <strong>cinema</strong>tográfica. Segundo artigo publicado <strong>no</strong>jornal Folha de São Paulo, o campo <strong>cinema</strong>tográfico se dividiu em dois grupos quedefendiam diferentes posições sobre o emprego do dinheiro <strong>da</strong> Embrafilme e sobre o<strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil. Segundo a Folha, os grupos eram os seguintes: 65“1) o produtor Luiz Carlos Barreto, o cineasta Cacá Diegues e outros quedefendiam a privatização geral do <strong>cinema</strong> com a transferência dos recursos <strong>da</strong>Embrafilme para as distribuidoras estrangeiras – priorização de um <strong>cinema</strong>comercial e auto sustentável – eles mesmos, que foram os campeões deaprovação <strong>da</strong> Embrafilme... e 2) cineastas como Nelson Pereira dos Santos e JúlioBressane defendiam a transferência dos recursos <strong>da</strong> Embrafilme para a Secretaria<strong>da</strong> Cultura”O grupo que defendia a transferência do dinheiro para a Secretaria <strong>da</strong> Cultura esua posterior utilização para patrocinar a produção de filmes saiu vencedor dessadisputa, como fica claro <strong>no</strong> decreto 575. Prevaleceu assim a concepção de <strong>cinema</strong>mais autoral, com a priorização <strong>da</strong> produção em detrimento <strong>da</strong> comercialização. Masdevido a to<strong>da</strong> a burocracia envolvi<strong>da</strong> <strong>no</strong> processo de liberação dos recursos, o dinheiro<strong>da</strong> Embrafilme só foi liberado em 1993, quando foi utilizado na realização do primeiro65 Apud. CATANI, Afrânio Mendes. “Política Cinematográfica <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s Collor (1990-1992): um arremedoneo-liberal” in Revista Imagens nº 3, op. cit., página 101.


49Prêmio Resgate do Cinema Brasileiro, considerado por muitos o pontapé inicial doCinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>.As principais conquistas <strong>da</strong> legislação <strong>cinema</strong>tográfica que começou a serelabora<strong>da</strong> <strong>no</strong> gover<strong>no</strong> Collor – principalmente a lei 8.401 e o decreto 575 – foram agarantia de manutenção por mais dez a<strong>no</strong>s <strong>da</strong> reserva de mercado para filmes elaboratórios nacionais e a facilitação para utilização de recursos <strong>da</strong> conversão <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong>externa <strong>no</strong> fomento à ativi<strong>da</strong>de, através do estímulo para estrangeiros realizarem filmes<strong>no</strong> Brasil. Mas além destas medi<strong>da</strong>s protecionistas e <strong>da</strong> tentativa de atrair o capitalestrangeiro, o destaque maior ficou com a constituição <strong>da</strong> Comissão de Cinema, quepermitiu ao campo <strong>cinema</strong>tográfico recuperar a voz dentro do gover<strong>no</strong>, restabelecendoas ligações <strong>cinema</strong> e Estado que haviam sido interrompi<strong>da</strong>s bruscamente em 1990.Embora a gestão de Rouanet na Secretaria <strong>da</strong> Cultura tenha representadoavanços e conquistas para o campo <strong>cinema</strong>tográfico, um ponto crucial não foi atingido:a obrigatorie<strong>da</strong>de de exibição na TV, que ficou restrita às emissoras públicas. Assim,mesmo com as inúmeras articulações e discussões, uma <strong>da</strong>s bases de sustentaçãopara a constituição de uma indústria do audiovisual não foi construí<strong>da</strong>, já que nãohouve integração entre <strong>cinema</strong> e televisão. A integração com a televisão poderiaviabilizar financeiramente a produção <strong>cinema</strong>tográfica, através <strong>da</strong> produção conjunta ou<strong>da</strong> ven<strong>da</strong> de filmes para a TV, <strong>da</strong> mesma forma que ocorreu com a indústria<strong>cinema</strong>tográfica <strong>no</strong>rte-americana quando esta se uniu à televisão. Além disso, maisuma vez houve uma priorização <strong>da</strong> produção – ou uma insistência <strong>no</strong> <strong>cinema</strong> de autor,para usar os termos de Bernardet – sem uma preocupação maior com a cadeia<strong>cinema</strong>tográfica como um todo, envolvendo também a distribuição e a exibição. Naelaboração dessa política <strong>cinema</strong>tográfica, que se iniciou em 1991 e repercute até osdias atuais, foi utiliza<strong>da</strong> a concepção de <strong>cinema</strong> enquanto entretenimento e não comoforma artística – mas essa concepção foi utiliza<strong>da</strong> de maneira muito contraditória, já quetratou o filme como um produto <strong>da</strong> indústria cultural, mas ao mesmo tempo não sepreocupou em garantir sua circulação e seu consumo, através do estímulo àdistribuição e à exibição e <strong>da</strong> aliança com a televisão.Em meio ao pacote de leis e à maior visibili<strong>da</strong>de que o <strong>cinema</strong> adquiriu durante oa<strong>no</strong> de 1992, alguns cineastas conseguiram aprovar o orçamento de seus filmes e


50foram autorizados a captar dinheiro para a produção. Os primeiros projetos de longasmetragensautorizados a utilizar a lei Rouanet foram 66 : O quinze, de Augusto RibeiroJr., O Guarani, de Norma Bengell, O Quatrilho, de Fábio Barreto, Tiradentes deOswaldo Caldeira, Lamarca, de Sérgio Rezende e Páscoa em Março, Fome e Mortaço,de Ana Carolina.Com Rouanet à frente <strong>da</strong> Secretaria <strong>da</strong> Cultura, foram <strong>da</strong>dos os primeiros passosdo Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, principalmente através <strong>da</strong>s mobilizações do campo<strong>cinema</strong>tográfico, <strong>da</strong> <strong>no</strong>va legislação aprova<strong>da</strong> e <strong>da</strong> perspectiva de retor<strong>no</strong> doinvestimento direto do Estado, através <strong>da</strong> liberação do dinheiro <strong>da</strong> Embrafilme. No finaldo gover<strong>no</strong> de Collor, já se esboçava a política <strong>cinema</strong>tográfica que seria melhordefini<strong>da</strong> <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s seguintes – e já se esboçava, também, a <strong>no</strong>va idéia de <strong>cinema</strong> que<strong>da</strong>í surgia: um <strong>cinema</strong> independente, autoral, mas com perspectivas comerciais.Segundo André Gatti 67 :“Após a intempérie ‘collori<strong>da</strong>’, foi preciso que a ‘classe’ <strong>cinema</strong>tográfica fizesse umesforço para reconquistar uma composição política, e que a mesma permitisseuma reaglutinação <strong>da</strong>s forças em tor<strong>no</strong> de uma pauta, de um projeto mínimo paraa ativi<strong>da</strong>de. A idéia que se consolidou foi a retoma<strong>da</strong> de uma produção audiovisualindependente.”A mobilização <strong>da</strong> classe <strong>cinema</strong>tográfica, além de garantir o retor<strong>no</strong> do gover<strong>no</strong>federal como parceiro na produção <strong>cinema</strong>tográfica, também conseguiu <strong>da</strong>r maiorvisibili<strong>da</strong>de ao campo, atraindo <strong>estado</strong>s e municípios, que durante esse período denegociações e até mesmo antes dele, durante o “período de trevas”, vieram socorrer o<strong>cinema</strong>, através de concursos, incentivos fiscais e patrocínios.66 CATANI, Afrânio Mendes. “Política Cinematográfica <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s Collor (1990-1992): um arremedo neoliberal”in Revista Imagens nº 3, Campinas-SP: Editora <strong>da</strong> Unicamp, dez. 1994, op. cit., página 100.67 GATTI, André. “Começar de Novo ou o Cinema Brasileiro Contemporâneo” in Revista D’Art nº 8. SãoPaulo: Divisão de Pesquisas do Centro Cultural São Paulo, dezembro 2001, op. cit., página 32.


515. LONGE DO ESTADO, ENTRE ESTADOS E MUNICÍPIOSNos primeiros a<strong>no</strong>s do gover<strong>no</strong> Collor, <strong>no</strong> período compreendido entre odesmonte <strong>da</strong> política <strong>cinema</strong>tográfica pratica<strong>da</strong> até então e a organização <strong>da</strong> <strong>no</strong>valegislação para o <strong>cinema</strong> (entre 1990 e 1992), os municípios e <strong>estado</strong>s <strong>brasil</strong>eirosdesenvolveram leis e criaram estímulos e incentivos à produção <strong>cinema</strong>tográfica,preenchendo a lacuna deixa<strong>da</strong> pelo Estado. Entraram em vigor as seguintes leis deincentivo fiscal para investimentos em projetos culturais nas ci<strong>da</strong>des de São Paulo,Vitória, Aracaju, Londrina, Goiânia e Rio de Janeiro, e <strong>no</strong>s <strong>estado</strong>s de Mato Grosso,Paraíba, Acre, Rio de Janeiro e Distrito Federal.Essa legislação regional foi de grande importância para o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro <strong>da</strong>déca<strong>da</strong> de 90, já que esses estímulos locais viabilizaram a regionalização e a tãoalardea<strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, como veremos adiante. Além disso, apulverização <strong>da</strong>s leis e incentivos representou ain<strong>da</strong> um reflexo do período em que ocampo <strong>cinema</strong>tográfico esteve me<strong>no</strong>s coeso e mais fluido, desunido. As pressões aogover<strong>no</strong> federal, como já vimos, <strong>da</strong>tam de meados de 1991, e só se concretizaram –através <strong>da</strong> <strong>no</strong>va legislação – <strong>no</strong> final de 1992. Nesse período os grupos de cineastasrecorreram às administrações estaduais e municipais, numa postura não tão uni<strong>da</strong>como classe, mais regionalista, e que contribuiu para delinear uma face do Cinema <strong>da</strong>Retoma<strong>da</strong>: a diversi<strong>da</strong>de regional.Dentre as diversas leis de incentivo cultural regionais, as mais importantes – ouque tiveram maior repercussão – foram as do Distrito Federal, de São Paulo e do Rio deJaneiro, porque nessas ci<strong>da</strong>des se concentravam a maioria dos cineastas e osprincipais centros de formação profissional de <strong>cinema</strong> do Brasil, com escolas euniversi<strong>da</strong>des já tradicionais como a UnB, a USP, e a UFRJ.Em São Paulo, em 1989, ain<strong>da</strong> durante o período de funcionamento <strong>da</strong>Embrafilme, o governador Orestes Quércia liberou 3 milhões de dólares para arealização de dez longas-metragens de cineastas paulistas, através do Primeiro Projetodo Cinema Paulista. Com o fechamento <strong>da</strong> Embrafilme, essa linha de empréstimo (naver<strong>da</strong>de uma doação, já que o dinheiro que seria devolvido ao Estado de São Paulo


52deveria vir <strong>da</strong> bilheteria dos filmes, bilheteria esta sempre insuficiente para cobrir o valorrecebido) mudou de <strong>no</strong>me e tor<strong>no</strong>u-se o Projeto SOS Cultura, numa clara alusão ao<strong>estado</strong> de abando<strong>no</strong> que a cultura foi deixa<strong>da</strong> pelo gover<strong>no</strong> federal.Além do SOS Cultura, que incentivava produções culturais em todo o <strong>estado</strong> deSão Paulo, a prefeitura <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de São Paulo também ajudou o <strong>cinema</strong> com aliberação de recursos para co-produções e finalizações, através de um projeto criadoem 1990, o PIC – Programa de Incentivo ao Cinema, que funcio<strong>no</strong>u a partir <strong>da</strong> doaçãode uma verba de 550 mil dólares a serem utilizados em três filmes de longa-metragem.Também <strong>no</strong> município de São Paulo, outra importante legislação que permitiu acontinui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> produção <strong>cinema</strong>tográfica durante os primeiros a<strong>no</strong>s <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 90foi a lei Mendonça, utiliza<strong>da</strong> por vários cineastas. São frutos dessas leis de incentivo econcursos os longas-metragens Perfume de Gardênia (Guilherme de Almei<strong>da</strong> Prado,1992), Capitalismo Selvagem (André Kotzel, 1993), Alma Corsária (CarlosReichenbach, 1993), Efeito Ilha (Luiz Alberto Pereira, 1994) e No Rio <strong>da</strong>s Amazonas(Ricardo Dias, 1995).Enquanto São Paulo priorizou o incentivo à produção e à finalização, o municípiodo Rio de Janeiro preferiu criar uma distribuidora para o filme nacional, aproveitando ovazio deixado pela Embrafilme Distribuidora. Assim, em 1992 surge a Riofilme, umadistribuidora de filmes liga<strong>da</strong> à prefeitura do Rio de Janeiro que começou a funcionaratravés de uma doação de 3 milhões de dólares <strong>da</strong> própria prefeitura. Segundoinformações constantes <strong>no</strong> próprio site <strong>da</strong> empresa 68 ,“Cria<strong>da</strong> em <strong>no</strong>vembro de 1992, a Riofilme desempenhou um papel fun<strong>da</strong>mentalna revitalização do Cinema Brasileiro ocorri<strong>da</strong> <strong>no</strong> decorrer <strong>da</strong> última déca<strong>da</strong>,contribuindo grandemente para a retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong> produção e distribuição de filmes<strong>brasil</strong>eiros, principalmente <strong>no</strong> mercado nacional.”Depois <strong>da</strong> criação <strong>da</strong> Riofilme, surgiu a legislação do <strong>estado</strong> do Rio de Janeiro deincentivo fiscal aos projetos culturais, com a lei 1554/92, que também financiava longasmetragens.No entanto, a importância <strong>da</strong> Riofilme é muito maior, já que essadistribuidora não se restringiu apenas ao <strong>cinema</strong> carioca, mas passou a atuar <strong>no</strong> Brasiltodo e foi a responsável pela distribuição quase total dos filmes <strong>brasil</strong>eiros produzidos68 www.rio.rj.gov.br/riofilme


53na déca<strong>da</strong> de 1990. Segundo André Gatti, a Riofilme se transformou em “sustentáculo<strong>da</strong> articulação política <strong>da</strong> retoma<strong>da</strong>” porque foi organiza<strong>da</strong> por grupos de cineastasligados à política <strong>cinema</strong>tográfica (como Nelson Pereira dos Santos, por exemplo) emunião com a prefeitura do Rio de Janeiro e com vereadores e ex-funcionários <strong>da</strong>Embrafilme, cuja sede era <strong>no</strong> Rio de Janeiro. Para Gatti 69 ,“Não há como negar que a Riofilme é, certamente, uma <strong>da</strong>s chaves explicativas<strong>da</strong> evolução <strong>da</strong> indústria e <strong>da</strong> política de comercialização de filmes <strong>no</strong> período <strong>da</strong>‘retoma<strong>da</strong> do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro’. Outra característica importante está <strong>no</strong> fato deque o projeto de base <strong>da</strong> distribuidora pressupõe que ela traga consigo umaherança oriun<strong>da</strong> e espelha<strong>da</strong> na experiência anterior estatal <strong>no</strong> setor deregulamentação, comercialização e produção de filmes, <strong>no</strong> caso a Embrafilme e oConcine. Portanto, aqui cristaliza-se um determinado processo político de relaçãoentre os produtores <strong>cinema</strong>tográficos e o Estado <strong>brasil</strong>eiro.”A Riofilme, além <strong>da</strong> distribuição, passou a investir em produção e finalização, econstituiu uma união informal com circuito exibidor alternativo, como as salas <strong>da</strong>Estação Botafogo <strong>no</strong> Rio de Janeiro e o circuito de salas de <strong>cinema</strong> do EspaçoUnibanco, presente em várias ci<strong>da</strong>des. Mas essa diversificação <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong>Riofilme fez com que a distribuidora apresentasse problemas financeiros, existentes atéhoje.Além de São Paulo e do Rio de Janeiro, Brasília também passou a estimular o<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, através <strong>da</strong> criação, em 1991, do Pólo de Cinema e Vídeo, que seiniciou com um orçamento doado pelo gover<strong>no</strong> do Distrito Federal de 4 milhões dedólares. O Pólo de Cinema e Vídeo de Brasília oferece cursos, promove concursospara financiamentos de longas-metragens, além de oferecer espaço para discussões edebates sobre o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro. Fora isso, há ain<strong>da</strong> os estúdios e o próprio prédio doPólo (que ficaram prontos em 1993), que podem ser utilizados pelos cineastas 70 .A pluralização <strong>da</strong>s leis de incentivo e, principalmente, o caráter regional <strong>da</strong>smesmas, possibilitou que a produção <strong>cinema</strong>tográfica se diversificasse, seja peloregionalismo presente em algumas produções, seja através <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de69 GATTI, André. “A política <strong>cinema</strong>tográfica <strong>no</strong> período de 1990-2000” in Fabris, M. [et. al], (org.)Estudos Socine de Cinema: a<strong>no</strong> III. Porto Alegre: Sulina, 2003, página 604.70 www.sc.df.gov.br/paginas/polo_de_<strong>cinema</strong>/polo_de_<strong>cinema</strong>.htm


54inserção <strong>no</strong> campo <strong>cinema</strong>tográfico de diretores provenientes de outros <strong>estado</strong>s, forado eixo Rio - São Paulo (os dois principais pólos <strong>cinema</strong>tográficos <strong>brasil</strong>eiros a partirdos a<strong>no</strong>s 60). Assim, se por um lado a centralização federal dos tempos <strong>da</strong>Embrafilme era aparentemente mais democrática, já que cineastas do país todo podiamse candi<strong>da</strong>tar ao apoio estatal, por outro lado a regionalização estimulava o surgimentode centros regionais de produção, como por exemplo os pólos surgidos <strong>no</strong> EspíritoSanto, <strong>no</strong> Rio Grande do Sul e em Pernambuco.A descentralização dos patrocínios e a entra<strong>da</strong> dos <strong>estado</strong>s e municípios forammuito bem recebi<strong>da</strong>s pela classe <strong>cinema</strong>tográfica, já que significaram <strong>no</strong>vaspossibili<strong>da</strong>des de viabilização do fazer <strong>cinema</strong>tográfico, num momento em que o Estadohavia deixado a produção <strong>cinema</strong>tográfica entregue ao mercado. Segundo o cineastaCecílio Neto 71 ,“É <strong>no</strong>sso pensamento que a descentralização por regiões ou <strong>estado</strong>s será a maiseficiente solução para a heterogenei<strong>da</strong>de chama<strong>da</strong> Brasil. Acreditamos que osinvestimentos na área cultural devam ser realizados a partir dos <strong>estado</strong>s emunicípios, mesmo que com verbas repassa<strong>da</strong>s pela União através de suasrepresentações, por meio de concursos públicos justos e cristali<strong>no</strong>s.”Esse tipo de discurso, mesmo entre os defensores <strong>da</strong> volta do patrocínio federal,também era muito utilizado, visto que os beneficiários <strong>da</strong>s leis federais de incentivofiscal para investimento em cultura (lei Rouanet) também necessitavam <strong>da</strong>s leisestaduais, já que a lei Rouanet não patrocinava o valor total do projeto. A lei federalexigia uma contraparti<strong>da</strong>, isto é, exigia que o produtor apresentasse uma parte dodinheiro a ser utilizado <strong>no</strong> projeto, e essa contraparti<strong>da</strong> poderia ser consegui<strong>da</strong> atravésdos patrocínios locais, isto é, através <strong>da</strong>s leis regionais ou dos concursos e doaçõesdos <strong>estado</strong>s e municípios.Graças às leis de incentivo (federais, municipais e estaduais) e aos concursos eco-produções internacionais, o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro sobreviveu aos a<strong>no</strong>s do gover<strong>no</strong>Collor. Mas sobreviveu com muita dificul<strong>da</strong>de, como se constata através do número deproduções realiza<strong>da</strong>s <strong>no</strong> período. Havia tão poucos filmes que em 1993 o Festival de71 CECÍLIO NETO, Antônio Santos. “Reflexões sobre o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro” in Revista USP nº 19. SãoPaulo: USP, Setembro / Outubro / Novembro 1993, página 74.


55Cinema de Gramado, um dos principais festivais do Brasil, tor<strong>no</strong>u-se lati<strong>no</strong>-america<strong>no</strong>,já que não havia quanti<strong>da</strong>de suficiente de filmes <strong>brasil</strong>eiros para caracterizar umacompetição (nesse a<strong>no</strong>, apenas Capitalismo Selvagem de André Kotzel competiu).Segundo levantamento apresentado <strong>no</strong> catálogo <strong>da</strong> retrospectiva “CinemaBrasileiro, a<strong>no</strong>s 90: 9 questões”, organizado pelo Centro Cultural Banco do Brasil do Riode Janeiro 72 , foram realizados os 07 filmes em 1990, 08 em 1991, apenas 03 em 1992,04 filmes em 1993 e 07 filmes em 1994 73 . O levantamento dos filmes realizados <strong>no</strong>sprimeiros a<strong>no</strong>s <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1990 é muito confuso, já que juntamente com a os órgãosresponsáveis pelo fomento à ativi<strong>da</strong>de <strong>cinema</strong>tográfica, o gover<strong>no</strong> extinguiu também osórgãos de fiscalização e controle, e não há <strong>da</strong>dos oficiais sobre os filmes do período. Alistagem dos longa-metragens apresenta<strong>da</strong> na retrospectiva organiza<strong>da</strong> pelo CentroCultural Banco do Brasil, por exemplo, difere <strong>da</strong> lista apresenta<strong>da</strong> pela revista eletrônicaContracampo 74 , que por sua vez difere <strong>da</strong> contagem apresenta<strong>da</strong> pelo gover<strong>no</strong> federalem alguns documentos oficiais, como por exemplo, <strong>no</strong> “Diagnóstico Governamental <strong>da</strong>Cadeia Produtiva do Audiovisual” 75 . Até 1995, quando se iniciou o gover<strong>no</strong> FernandoHenrique Cardoso, não havia consenso sobre os filmes produzidos e lançados, nãohavia estatísticas oficiais. Só a partir de então é que esse levantamento de <strong>da</strong>doscomeçou a ser realizado, mas não pelo gover<strong>no</strong> federal e sim por uma empresapriva<strong>da</strong>, a Filme B, até hoje a única responsável pelas estatísticas do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro.O processo de desmonte <strong>da</strong>s instituições federais responsáveis pelo <strong>cinema</strong><strong>brasil</strong>eiro trouxe como uma <strong>da</strong>s principais conseqüências o comprometimento <strong>da</strong>spesquisas <strong>cinema</strong>tográficas, já que desde o encerramento <strong>da</strong> Embrafilme os <strong>da</strong>dossobre o <strong>cinema</strong> nacional deixaram de ser coletados. Os primeiros a<strong>no</strong>s são os maiscríticos, mas mesmo depois <strong>da</strong> utilização de uma empresa terceiriza<strong>da</strong> de coleta de<strong>da</strong>dos, ain<strong>da</strong> existem problemas como a falta de centralização dos <strong>da</strong>dos. Talvez aíresi<strong>da</strong> a maior dificul<strong>da</strong>de para analisar este período: a ausência de <strong>da</strong>dos oficiais sobreo mercado <strong>cinema</strong>tográfico. O gover<strong>no</strong> federal criou o SICOA (sistema de informação e72 ORICCHIO, Luiz Zanin. Cinema de Novo: Um Balanço Crítico <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>. op. cit., página 26.73 A relação completa dos filmes realizados entre 1990 e 2002 está na tabela 1, em anexo.74 “Os filmes <strong>brasil</strong>eiros, de 1990 a 1999”. Revista eletrônica Contracampo nº 13/14, Janeiro/Fevereirode 2000. (www.contracampo.com.br)75 Secretaria do Audiovisual - Ministério <strong>da</strong> Cultura Diagnóstico Governamental <strong>da</strong> Cadeia Produtivado Audiovisual Brasília: SAV/MinC, 2.000, página 30.


56controle de comercialização de obras audiovisuais) em 1992, através <strong>da</strong> lei 8.401, masesse sistema nunca se mostrou eficiente. O SICOA deveria ser mantido e administradopela própria indústria <strong>cinema</strong>tográfica (produtores, distribuidores e exibidores), mas naprática ficou “na mão” dos exibidores, e nunca chegou a fornecer <strong>da</strong>dos confiáveis. Sócom a terceirização, a partir de 1995, é que são apresentados <strong>da</strong>dos mais precisos.Mas esse é um outro momento e, antes dele, dois importantes fatos <strong>no</strong>vosmovimentam o campo <strong>cinema</strong>tográfico: a lei do Audiovisual e o Prêmio Resgate doCinema Brasileiro.6. DEPOIS DE COLLOR, O RESGATE DO CINEMA NACIONALEm meados de 1992, uma crise política abalou o gover<strong>no</strong> federal, e, emsetembro do mesmo a<strong>no</strong>, iniciou-se o processo de impeachment do presidente Collor.Depois do impeachment de Collor, o vice-presidente Itamar Franco tomou possecontando com maior apoio popular e parlamentar. Para enfrentar a crise econômicaagrava<strong>da</strong> pelo fracasso de Pla<strong>no</strong> Collor, adotou-se outro pla<strong>no</strong> econômico <strong>no</strong> final de1993: o Pla<strong>no</strong> Real, que buscava a estabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> e o controle <strong>da</strong> inflação.Além <strong>da</strong> tentativa de estabilizar a eco<strong>no</strong>mia, o gover<strong>no</strong> Itamar Franco buscou umdiálogo maior com a socie<strong>da</strong>de civil. No campo cultural, Itamar restabeleceu oMinistério <strong>da</strong> Cultura, e <strong>no</strong> caso específico do <strong>cinema</strong>, dentro do próprio Ministério <strong>da</strong>Cultura foi cria<strong>da</strong> a Secretaria para o Desenvolvimento do Audiovisual, responsável pelapolítica <strong>cinema</strong>tográfica e pela legislação do audiovisual como um todo. Depois <strong>da</strong> lei8.401, essa foi a segun<strong>da</strong> “garantia legal” de participação <strong>da</strong> classe <strong>cinema</strong>tográficadentro do Estado. Com a Secretaria para o Desenvolvimento do Audiovisual instituiu-seum local específico de negociação, uma instância a quem a classe <strong>cinema</strong>tográficadeve se dirigir e <strong>da</strong> qual ela mesma participa.


57Foi a partir de então que o dinheiro <strong>da</strong> Embrafilme, já liberado por Collor, pôdeser investido na produção <strong>cinema</strong>tográfica. E também foi quando se iniciaram asdiscussões e pressões do campo <strong>cinema</strong>tográfico que resultaram na lei do Audiovisual.A Comissão de Cinema cria<strong>da</strong> pelo decreto 575 e a Secretaria para o Desenvolvimentodo Audiovisual, numa revisão dos artigos vetados por Collor na lei 8.401, elaboraramentão uma legislação de incentivos fiscais específica para a produção audiovisual. Em20 de junho de 1993 foi promulga<strong>da</strong> a lei 8.685, que ficou conheci<strong>da</strong> como lei doAudiovisual, muito bem recebi<strong>da</strong> pela imprensa e pela classe <strong>cinema</strong>tográfica.A Revista USP, nessa mesma época, elaborou uma edição especial sobre o<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro – um dos primeiros momentos em que se falou sobre renascimento do<strong>cinema</strong> nacional e se discutiram os motivos <strong>da</strong> crise do início dos a<strong>no</strong>s 90. O editorialdessa edição, assinado pelo professor Teixeira Coelho, já apontava para a retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong>produção 76 :“(...) o retor<strong>no</strong> do financiamento federal para o <strong>cinema</strong>, somado à definição de umaLei do Audiovisual e à polêmica participação de um banco estadual em algunsoutros projetos, significa a retoma<strong>da</strong> possível, embora tími<strong>da</strong>, de uma produçãoreduzi<strong>da</strong> a quase na<strong>da</strong> <strong>no</strong>s últimos a<strong>no</strong>s. (...) É quase um renascimento.”Com a volta do patrocínio estatal e a aprovação <strong>da</strong> lei do Audiovisual, o campo<strong>cinema</strong>tográfico se agitou, e <strong>no</strong>vos filmes começaram a ser produzidos. To<strong>da</strong> essamovimentação, as articulações e pressões do campo deixaram entrever que ain<strong>da</strong>prevalecia a idéia de <strong>cinema</strong> de autor, que priorizava a produção sem se preocupar comos outros elos <strong>da</strong> cadeia <strong>da</strong> indústria <strong>cinema</strong>tográfica, como a distribuição e a exibição.Essa talvez seja a maior contradição do pensamento <strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiro nesseperíodo – e que se estende até hoje: enquanto o fazer <strong>cinema</strong>tográfico é pensado comouma produção artística e o <strong>cinema</strong> como autoral, a indústria do audiovisual exige um<strong>cinema</strong> de produtor, um produto de entretenimento.Esse tipo de pensamento pode ser percebido através de um paralelo com o filmeLouco por Cinema (André Luís Oliveira, 1995). Louco por Cinema conta a história deLula, um profissional de <strong>cinema</strong> que enlouquece quando o filme em que trabalhava, <strong>no</strong>s76 COELHO, Teixeira. “Para não ser alternativo <strong>no</strong> próprio país: Indústria <strong>da</strong>s imagens, política cultural,integração supranacional” in Revista USP nº 19. São Paulo: USP, Setembro / Outubro / Novembro 1993,página 07, grifos meus.


58a<strong>no</strong>s 70, é interrompido pela morte do diretor, por overdose. Lula é internado numhospital psiquiátrico, e acredita que a cura para sua doença seria terminar o filmeinterrompido há mais de 20 a<strong>no</strong>s. Para isso, resolve seqüestrar uma comissão dedireitos huma<strong>no</strong>s que estava visitando o hospital, exigindo como resgate apenas omaterial necessário para terminar o filme: equipamentos, latas de filme e a equipe quefazia parte do projeto original. Seu único objetivo é filmar, concluir seu filme.O que se percebe é a necessi<strong>da</strong>de de fazer <strong>cinema</strong> (o importante é produzir), e aidéia do fazer <strong>cinema</strong>tográfico como libertação individual, como uma possibili<strong>da</strong>de desalvação do artista/cineasta. Embora não seja um filme representativo de sua época,Louco Por Cinema diz muito sobre o momento em que foi produzido (a crise <strong>da</strong>produção <strong>cinema</strong>tográfica <strong>brasil</strong>eira do início dos a<strong>no</strong>s 90), sobre a história do <strong>cinema</strong><strong>no</strong> Brasil (que é constituí<strong>da</strong> de ciclos, numa eterna montanha russa) e sobre opensamento <strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiro (ser cineasta, nas condições de produção doBrasil, é ser louco por <strong>cinema</strong>).Assim como o cineasta Lula, o campo <strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiro precisava voltarà ativa, retomar a produção. E para isso, se fez indispensável a aju<strong>da</strong> do Estado,através do patrocínio direto e <strong>da</strong> lei do Audiovisual. Essa legislação estimulou adedução de investimentos feitos na produção audiovisual independente (ou seja, aquelaque não é vincula<strong>da</strong> às emissoras de televisão) por meio <strong>da</strong> compra de cotas dosfuturos direitos de comercialização <strong>da</strong> obra audiovisual negocia<strong>da</strong>s <strong>no</strong> mercado decapitais, sob a orientação <strong>da</strong> CMV – Comissão de Valores Mobiliários. A lei doAudiovisual funciona <strong>da</strong> seguinte maneira: uma empresa ou pessoa física compra umacota de um filme, deduz este dinheiro do imposto de ren<strong>da</strong> devido e ain<strong>da</strong> pode lucrar,pois se o filme apresentar lucros a empresa/pessoa física também vai receber suaporcentagem já que se tor<strong>no</strong>u acionista do filme através <strong>da</strong> compra <strong>da</strong> cota depatrocínio. Investir em <strong>cinema</strong> tor<strong>no</strong>u-se um negócio – e um bom negócio – já que,segundo consultores especializados em marketing cultural: 77“As empresas ganham quatro vezes: diminuem seus impostos a pagar(Contribuição Social e Imposto de Ren<strong>da</strong>) porque aumentam suas despesas e,77MALAGODI, Maria Eugênia e CESNIK, Flávio de Sá. Projetos Culturais: Elaboração,Administração, Aspectos Legais e Busca de Patrocínio. São Paulo: Fazendo Arte Editorial, 1998,página 35.


59portanto diminuem suas bases tributáveis, recebem 100% do valor investido devolta ao pagarem seus Impostos de Ren<strong>da</strong>, divulgam suas marcas através de umproduto cultural de massa e podem receber dividendos caso o filme seja bemsucedido."Na primeira versão <strong>da</strong> lei do Audiovisual, os investidores poderiam abater 70%do valor investido, mas graças a pressões dos cineastas diretamente ao presidenteItamar Franco, a lei passou a permitir o abatimento integral do valor investido pelocontribuinte, e mais 25% deste valor como despesas operacionais – ou seja, 125% doimposto devido. Assim, a ca<strong>da</strong> R$ 100,00 investidos, o empresário deixa de pagar R$125,00 de impostos devidos. Além disso, o campo <strong>cinema</strong>tográfico, através de seu“eficiente lobby” (segundo os termos de Carlos Augusto Calil 78 ), também conseguiuaumentar a alíquota de dedução do imposto de ren<strong>da</strong> para os investidores, que passoua ser de 5% para pessoa jurídica e 3% para pessoa física. Assim, financiar a produçãode filmes, com recursos públicos (via dedução <strong>no</strong> imposto de ren<strong>da</strong>), passou a seraltamente vantajoso para o investidor, já que o retor<strong>no</strong> <strong>da</strong> operação é anterior aoresultado obtido.Antes mesmo de ser sanciona<strong>da</strong> pelo presidente Itamar Franco, a <strong>no</strong>valegislação <strong>cinema</strong>tográfica já era alardea<strong>da</strong> na imprensa. Ruy Solberg, Secretário parao Desenvolvimento do Audiovisual do Ministério <strong>da</strong> Cultura declarou ao Jornal doBrasil 79 que “Pela primeira vez, o <strong>cinema</strong> e o audiovisual têm uma lei que permitirá àativi<strong>da</strong>de an<strong>da</strong>r com as próprias pernas, independente <strong>da</strong> tutela do Estado.” Na mesmamatéria, o produtor Luiz Carlos Barreto, que participou <strong>da</strong>s discussões que resultaramna <strong>no</strong>va lei, também comemora: “Os pontos mais importantes são os incentivos fiscais eos mecanismos que colocam a ativi<strong>da</strong>de <strong>no</strong> mercado de capitais, acabando com ocorpo-a-corpo incentivador-incentivado”.Embora esse seja um período de euforia e otimismo, alguns cineastas jáantevêem problemas na legislação. O cineasta Eduardo Escorel, em artigo publicadotambém <strong>no</strong> Jornal do Brasil, alegou que há o risco de repetição do modelo Embrafilme,78 CALIL, Carlos Augusto. “Central do Brasil: O do<strong>no</strong> do chapéu” in Cinemais: revista de <strong>cinema</strong> eoutras questões audiovisuais nº 15. Rio de Janeiro: jan-fev 1997, página 100.79 SCHILD, Susana. “Boas <strong>no</strong>tícias para o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro”. Jornal do Brasil, 10 de julho de 1993,Cader<strong>no</strong> B, página 08.


60com todos seus problemas, já que mais uma vez houve um estímulo à produção masnão à comercialização. Para Escorel 80 ,“Sem uma agen<strong>da</strong> mínima desse tipo, estaremos <strong>no</strong>s encaminhando para arepetição piora<strong>da</strong> de um modelo falido, em que injeções periódicas de capitalsubsidiado são <strong>da</strong><strong>da</strong>s apenas para aplacar momentaneamente a paralisia <strong>da</strong>ativi<strong>da</strong>de. Uma terapia como esta só serve para re<strong>no</strong>var os laços históricos dedependência do Estado e nunca para levar à estruturação efetiva de um setorautô<strong>no</strong>mo e auto-financiável.”Simultaneamente à aprovação <strong>da</strong> lei do Audiovisual, contribuindo para o clima deeuforia e otimismo, foi lançado o Prêmio Resgate do Cinema Brasileiro, que finalmentedisponibilizou os recursos <strong>da</strong> Embrafilme para a produção. E, mais uma vez, o risco derepetição do modelo Embrafilme também veio à tona, já que o Prêmio Resgate foi umgrande concurso que selecio<strong>no</strong>u projetos de longa-metragem para serem financiadospelo Estado, mas cujos critérios políticos na distribuição dos prêmios pouco diferiam<strong>da</strong>s práticas anteriores condena<strong>da</strong>s pela classe <strong>cinema</strong>tográfica e pela imprensa. O tãocriticado dirigismo cultural dos tempos <strong>da</strong> Embrafilme agora deu lugar a umcorporativismo <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des de classe, já que foram essas enti<strong>da</strong>des que, através <strong>da</strong>Comissão de Cinema, selecionaram os projetos a serem financiados.A liberação do dinheiro <strong>da</strong> Embrafilme, mais do que a aprovação <strong>da</strong> lei doAudiovisual, movimentou o campo <strong>cinema</strong>tográfico, e lutas internas foram trava<strong>da</strong>s. Emmatéria do Jornal do Brasil 81 , essas batalhas são retrata<strong>da</strong>s, e a formação de dois pólosopostos já transparece. Segundo o artigo:“A morte <strong>da</strong> Embrafilme deixou uma herança. Hoje, após sucessivasdesvalorizações, há uma verba de aproxima<strong>da</strong>mente US$ 10 milhões que ogover<strong>no</strong> federal já repassou à Finep para fomentar a indústria <strong>cinema</strong>tográfica<strong>brasil</strong>eira. Os herdeiros, parentes próximos ou distantes <strong>da</strong> estatal, estãodisputando este espólio para <strong>da</strong>r reinício a uma indústria que já produziu mais decem filmes anuais. Mas a fila dos pretendentes se bifurca em duas direções. O80 ESCOREL, Eduardo. “Pá de cal <strong>no</strong> <strong>cinema</strong>”. Jornal do Brasil, de 08 de Junho de 1993, Editorial,página 11.81 SUKMAN, Hugo. “Cineastas e produtores não chegam a acordo sobre que modelo de filme fazer comverba libera<strong>da</strong> por Itamar”. Jornal do Brasil, 21 de Agosto de 1993, Cader<strong>no</strong> B, página 07.


61produtor Luiz Carlos Barreto tem uma posição defini<strong>da</strong>: ´´Sou contra amediocrização do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro. Estes filmes que serão produzidos com aportede capital do gover<strong>no</strong> são o outdoor do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro <strong>no</strong> mercado inter<strong>no</strong> eexter<strong>no</strong>. Têm que ser bons filmes, independente do orçamento. Por isso eu soucontra a pré-fixação de um teto de orçamento para os filmes do concursopúblico``. Na outra ponta <strong>da</strong> discussão, estão os cineastas iniciantes. ´´Tem quehaver um teto. As pessoas devem ter acesso igual, já que se trata de verbafederal``, argumenta Carla Camurati, que está iniciando a produção de seuprimeiro longa-metragem, Carlota Joaquina, princesa do Brasil.”Cineastas já experientes, como Luiz Carlos Barreto, Roberto Farias e outrosligados ao grupo do Cinema Novo e que estiveram à frente <strong>da</strong> Embrafilme, lutavam pelofinanciamento de grandes produções (a volta do “cinemão”), enquanto cineastasestreantes ou alternativos, como Carlos Reichenbach, Carla Camurati e André Kotzel,tentavam aprovar o financiamento de filmes mais baratos, para que mais cineastaspudessem filmar. A polarização em tor<strong>no</strong> <strong>da</strong> disputa pelo espólio <strong>da</strong> Embrafilmereacendeu a disputa de poder dentro do campo <strong>cinema</strong>tográfico, opondo os cineastasjá consagrados aos estreantes e alternativos, e essa disputa envolveu, além do dinheiropara a produção, a aprovação de um modelo de <strong>cinema</strong> que se queria para o Brasil: o<strong>cinema</strong> <strong>da</strong>s grandes produções ou o <strong>cinema</strong> <strong>da</strong>s produções possíveis.Em meio à polêmica sobre qual deveria ser o filme <strong>brasil</strong>eiro a ser financiado, oPrêmio Resgate definiu seus parâmetros: foram oferecidos 41 prêmios em dinheiro, quevariaram de US$ 17 mil para os curtas-metragens a US$ 120 mil para os longasmetragens.Dentre os 17 longas-metragens que foram financiados, obrigatoriamente 4deveriam ser de diretores estreantes. Assim, teoricamente poderiam ser atendidos osdois grupos de cineastas, pois os filmes não receberiam necessariamente a mesmaquantia de investimento 82 .82 Foram selecionados os seguintes filmes na primeira edição do Prêmio Resgate: O guarani (NormaBenguel); As meninas (David Neves); Tieta do Agreste (Cacá Diegues); A casa de açúcar (Carlos HugoChristensen); Meni<strong>no</strong> Maluquinho, o filme (Helvécio Ratton); O Man<strong>da</strong>rim (Júlio Bressane); Tiradentes(Oswaldo Caldeira); O cego que gritava luz (João Batista Moraes de Andrade); Adágio do Sol (Xavier deOliveira); Paixão perdi<strong>da</strong> (Walter Hugo Khouri); O quinze (José Joffily); O Dia <strong>da</strong> caça (Alberto Graça);Rota 66: a polícia que mata (Lui Farias); Páscoa em março, fome e mortaço (Ana Carolina) e O casoMorel (Suzana Amaral), Carlota Joaquina (Carla Camurati) e Rock e Hudson (Otto Guerra).


62Na entressafra entre a aprovação <strong>da</strong> lei do Audiovisual (e sua utilização prática)e o prêmio Resgate, alguns cineastas mantiveram suas produções, através <strong>da</strong>slegislações estaduais e municipais e <strong>da</strong> busca de outras alternativas, como as coproduçõesinternacionais e a aliança com a televisão. Nesse período, Cacá Dieguesfez o telefilme Veja esta canção em co-produção com a TV Cultura e patrocinado peloBanco Nacional. Esse filme apresenta uma <strong>no</strong>va forma de financiamento <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de<strong>cinema</strong>tográfica – e consequentemente uma <strong>no</strong>va forma de filme. É um filme emepisódios, exibido na televisão em dias separados, e não contou com nenhuma lei deincentivo ou mesmo prêmio. Segundo Diegues 83 , “Esse filme é o testemunho de <strong>no</strong>ssoamor pelo audiovisual <strong>brasil</strong>eiro. Nossa idéia é mostrar que é preciso ter idéias etrabalhar com o que existe.” Diegues, que já havia tentado a união com a televisão emDias Melhores Virão (1989), apresentou uma concepção de <strong>cinema</strong> mais integra<strong>da</strong> coma indústria do audiovisual. Aliás, Diegues já havia demonstrado a importância eabrangência <strong>da</strong> televisão <strong>no</strong> Brasil em Bye Bye Brasil (1979), e seu <strong>cinema</strong>, desde ofinal <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1960, procura unir as perspectivas autorais e comerciais, artísticas ede entretenimento, populares e de massa.Através <strong>da</strong> captação via lei de incentivo fiscal (Rouanet) e do Prêmio Resgate,entre o final de 1993 e o início de 1994, um grande número de filmes estava em fase deprodução. Nesse período, a imprensa começou a falar em retoma<strong>da</strong> e renascimento do<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro. Hugo Sukman, crítico de <strong>cinema</strong> do Jornal do Brasil, publicou duas<strong>no</strong>tas na coluna Trailer com os títulos de “Retoma<strong>da</strong> I” e “Retoma<strong>da</strong> II” 84 . A primeira<strong>no</strong>ta se referia às filmagens de Lamarca (Sérgio Rezende) e Carlota Joaquina (CarlaCamurati); a segun<strong>da</strong> fez alusão a uma reunião ocorri<strong>da</strong> <strong>no</strong> Rio de Janeiro, quandoprodutores como Luiz Carlos Barreto, o presidente do sindicato dos trabalhadores do<strong>cinema</strong> Jorge Monclar e o diretor <strong>da</strong> Riofilme Paulo Sério Almei<strong>da</strong> ouviram deexecutivos do Banespa e do BNDES como captar recursos <strong>no</strong> mercado. No início de1994, uma matéria do jornal Folha de São Paulo 85 intitula<strong>da</strong> “Cinema nacional tentarenascer <strong>da</strong>s cinzas”, falava sobre os filmes <strong>brasil</strong>eiros que estreariam em 94 (segundo83 ALMEIDA, Carlos Heli. “MPB leva <strong>cinema</strong> para TV”. Jornal do Brasil, 10 de Dezembro de 1993,Cader<strong>no</strong> B, página 06.84 SUKMAN, Hugo. “Trailler”. Jornal do Brasil, 19 de Setembro de 1993, Cader<strong>no</strong> B, página 11.85 COUTO, José Geraldo. “Cinema nacional tenta renascer <strong>da</strong>s cinzas”. Folha de São Paulo, 31 deJaneiro de 1994, Ilustra<strong>da</strong>, página 05.


63o jornal, havia 7 filmes prontos e 26 em fase de produção). Mais uma vez, asreferências à retoma<strong>da</strong> apareceram. Segundo o artigo, "‘Este é o a<strong>no</strong> <strong>da</strong> retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong>produção. Os filmes vão aparecer mesmo a partir de 95’ , resume o produtor AníbalMassaini Neto, presidente do Sindicato <strong>da</strong> Indústria Cinematográfica de São Paulo.”Também <strong>no</strong> início de 1994 o Ministério <strong>da</strong> Cultura lançou o Certificado deInvestimento Audiovisual, que viabilizaria a utilização <strong>da</strong> lei do Audiovisual. Essecertificado funciona como as ações <strong>da</strong> bolsa de valores: o produtor de <strong>cinema</strong> lançaseus papéis na Comissão de Valores Mobiliários, e através dos agentes financeirosoferece socie<strong>da</strong>de <strong>no</strong> filme, pela emissão dos certificados. Os certificados privilegiam aprodução <strong>cinema</strong>tográfica, mas também podem ser utilizados na ampliação do circuitoexibidor, na distribuição e na infra-estrutura industrial, incluindo a instalação de fábricasde equipamentos e laboratórios. O Estado é quem autoriza os produtores,distribuidores ou exibidores a emitir certificados, através de uma análise de capacitaçãodos projetos feita pela Secretaria para o Desenvolvimento do Audiovisual.Para grande parte <strong>da</strong> imprensa e para a classe <strong>cinema</strong>tográfica em geral, olançamento dos certificados e a real possibili<strong>da</strong>de de utilização <strong>da</strong> lei do Audiovisualrepresentaram a afirmação de um <strong>no</strong>vo período do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, agora produtoaudiovisual <strong>da</strong> indústria do entretenimento. Uma matéria <strong>no</strong> Jornal do Brasil 86sugestivamente intitula<strong>da</strong> “O filme nacional vira produto” diz que o anúncio <strong>da</strong> emissãodos certificados foi recebido com entusiasmo pelos cineastas, com declarações deapoio de Nelson Pereira dos Santos, Arnaldo Jabor, Hector Babenco, Paulo CésarSaraceni, André Kotzel e Ana Carolina. Nas declarações e <strong>no</strong> tom do artigo, a tônicadominante foi o fim do paternalismo do Estado e a emancipação do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro.Segundo o artigo,“A partir de amanhã o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro será privatizado. Com o lançamento (...)do Certificado de Investimento Audiovisual, a ativi<strong>da</strong>de poderá ser totalmentecontrola<strong>da</strong> pela iniciativa priva<strong>da</strong>, abandonando de vez o berço esplêndido doEstado e o falido modelo <strong>da</strong> Embrafilme”.86 SUKMAN, Hugo. “O filme nacional vira produto”. Jornal do Brasil, 06 de Fevereiro de 1994, Cader<strong>no</strong>B, página 04.


64Interessante <strong>no</strong>tar que o dinheiro que seria utilizado para a retoma<strong>da</strong> do <strong>cinema</strong><strong>brasil</strong>eiro ain<strong>da</strong> vinha do Estado, através <strong>da</strong> dedução de impostos, e a única realdiferença era que, agora, a decisão sobre onde o dinheiro público seria investido, quaisprojetos seriam privilegiados, caberia à iniciativa priva<strong>da</strong>, ao mercado. E isso fica claroquando se percebe o funcionamento <strong>da</strong> lei do Audiovisual. São os seguintes passosnecessários para um cineasta conseguir financiamento para seu projeto:1. O produtor / diretor submete seu projeto à Secretaria para o Desenvolvimento doAudiovisual (<strong>no</strong> Ministério <strong>da</strong> Cultura), que aprova a viabili<strong>da</strong>de econômica, masnão julga critérios artísticos e estéticos ou a experiência do realizador.2. O produtor / diretor escolhe um ou mais agentes financeiros (bancos, corretorasfinanciadoras, captadores profissionais) para <strong>da</strong>r a forma financeira do projeto ejuntos entram com o pedido do Certificado junto à Comissão de ValoresMobiliários.3. O produtor / diretor emite o Certificado de Investimento, ou seja, cotas departicipação acionária <strong>no</strong> filme.4. Os Certificados são registrados <strong>no</strong> sistema Cine, na Andima (AssociaçãoNacional <strong>da</strong>s Instituições do Mercado Aberto), e a instituição financeira inicia suacomercialização.5. Empresas ou pessoas físicas vão às instituições e compram as cotas, se tornamsócias do filme, tendo participação proporcional em to<strong>da</strong> a receita que o filmegerar, dentro <strong>da</strong>s regras acerta<strong>da</strong>s previamente com o produtor.6. Ca<strong>da</strong> empresa pode aplicar 3% do Imposto de Ren<strong>da</strong> devido; e as pessoasfísicas, 5%.Com a regulamentação <strong>da</strong> lei do Audiovisual, ficou sacramenta<strong>da</strong> a visão do<strong>cinema</strong> (e <strong>da</strong> cultura em geral) como um negócio. E como negócio, o <strong>cinema</strong> precisavaser lucrativo, devia ser produzido seguindo as <strong>no</strong>rmas do mercado e <strong>da</strong> indústriacultural. Essa concepção de <strong>cinema</strong> enquanto produto audiovisual, que prevaleceu nalegislação pós Embrafilme, estava também presente <strong>no</strong> discurso de alguns cineastas eprincipalmente na grande imprensa. Notoriamente, o jornal Folha de São Paulo, quedesde o final dos a<strong>no</strong>s 80 atacava o modelo <strong>da</strong> Embrafilme, agora aparecia comodefensor do <strong>no</strong>vo <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro. Os artigos do cineasta e colunista Arnaldo Jabor


65nesse jornal assumem uma defesa incondicional do mercado, como se percebe <strong>no</strong>artigo “Só o mercado pode produzir talentos reais” 87 , que diz o seguinte:“O Estado tem de <strong>no</strong>s proteger contra a ocupação do país pelo <strong>cinema</strong> america<strong>no</strong>.Claro. Cota de tela inclusive. Óbvio. Sou até a favor de uma distribuidora estatal.Mas, proteger significa estimular uma produção priva<strong>da</strong> nacional que criecompetitivi<strong>da</strong>de entre os artistas, pois a falta de competitivi<strong>da</strong>de gera falta detalento. O protecionismo estatal estraga os artistas e gera cineastas que fazemfilmes ruins que não geram <strong>no</strong>vos produtores e <strong>no</strong>vos filmes. Só os que temem acompetição é que querem o "guichet" protecionista.”Mas essa <strong>no</strong>va concepção de <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro não era unanimi<strong>da</strong>de <strong>no</strong> campo<strong>cinema</strong>tográfico, e os antigos pólos representados pelo “cinemão” X “cineminha”voltaram a se agitar. Se na <strong>no</strong>va política o que prevalecia é o “cinemão”, mais atraentepara as empresas investidoras, os cineastas dos “filmes possíveis” também lutavampelo seu espaço, em defesa <strong>da</strong> concepção do <strong>cinema</strong> como arte e contra a idéia decultura como negócio. O cineasta Paulo Thiago diz o seguinte 88 :“Portanto, para democratizar o consumo dos bens culturais pela população, e <strong>da</strong>racesso dos ci<strong>da</strong>dãos ao lazer e à fruição <strong>da</strong> produção cultural, sem o qual ohomem se bestializa, cabe ao Estado como representação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>deorganiza<strong>da</strong> patrocinar, subsidiar, financiar a produção e viabilizar a livre circulaçãodos bens culturais sem portanto ambicionar lucros.”A polarização do campo <strong>cinema</strong>tográfico presente nas concepções de <strong>cinema</strong>comercialmente viável (“cinemão”) e <strong>cinema</strong> culturalmente possível (“cineminha”),presentes desde a déca<strong>da</strong> de 1970 e atualiza<strong>da</strong>s através <strong>da</strong>s discussões na definiçãodos critérios do Prêmio Resgate e <strong>da</strong> formulação <strong>da</strong> legislação <strong>cinema</strong>tográfica,representam a grande contradição do pensamento <strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiro, oscilanteentre o <strong>cinema</strong> autoral e o comercial, mas sem se definir por nenhum deles. Ou seja,embora a <strong>no</strong>va legislação tratasse o <strong>cinema</strong> como produto, ain<strong>da</strong> era basea<strong>da</strong> na87 JABOR, Arnaldo. “Só o mercado pode produzir talentos reais”. Folha de São Paulo, 16 de Agosto de1994, Ilustra<strong>da</strong>, página 06.88 THIAGO, Paulo. “Cultura não é nem precisa ser lucrativa”. Folha de São Paulo, 11 de Agosto de 1994,Ilustra<strong>da</strong>, página 08.


66produção via dinheiro público e não garantia a possibili<strong>da</strong>de de retor<strong>no</strong> financeiro para oEstado.As movimentações do campo <strong>cinema</strong>tográfico e do Estado, a partir <strong>da</strong> falênciado modelo Embrafilme até a constituição do <strong>no</strong>vo modelo de financiamento <strong>da</strong> produção<strong>cinema</strong>tográfica pelas leis de incentivo fiscal, correspondem a um período de retor<strong>no</strong><strong>da</strong>s negociações e toma<strong>da</strong>s de posição <strong>no</strong> campo <strong>cinema</strong>tográfico. A análise desseperíodo é fun<strong>da</strong>mental para entender como se deu o <strong>cinema</strong> dos a<strong>no</strong>s 90, o queaconteceu para permitir que o <strong>cinema</strong> retomasse sua produtivi<strong>da</strong>de e chegasse aopúblico. Através <strong>da</strong> análise <strong>da</strong>s leis, dos organismos de fomento e controle, <strong>da</strong>soposições e disputas entre os cineastas é que o campo <strong>cinema</strong>tográfico percebe seuslimites e sua abrangência, o seu espaço – e a partir <strong>da</strong> definição desse espaço é queprodutores, exibidores, distribuidores, diretores e técnicos interagem.Mesmo que o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> seja relacionado ao gover<strong>no</strong> FernandoHenrique Cardoso, é indispensável perceber que ele se inicia muito antes, ain<strong>da</strong> <strong>no</strong>período Collor, com a lei 8.401. Segundo o jornalista José Castello 89 , “<strong>no</strong> campo <strong>da</strong>cultura, pode-se conjeturar: o gover<strong>no</strong> FHC começou bem antes <strong>da</strong> posse, nasceuantes de si mesmo – iniciado <strong>no</strong> momento em que, ain<strong>da</strong> <strong>no</strong> gover<strong>no</strong> Collor, Rouanetassumiu a Secretaria <strong>da</strong> Cultura.”89 CASTELLO, José. “Cultura” in LAMOUNIER, Bolívar e FIGUEIREDO, Rubens (org.) A Era FHC: UmBalanço. São Paulo: Cultura Editores Associados, 2002, página 635.


67II. A FASE DE EUFORIA(1995 – 1998)1. A NOVA POLÍTICA CINEMATOGRÁFICA MOSTRA SEUS PRIMEIROS FRUTOSQuando o filme Carlota Joaquina, Princesa do Brazil de Carla Camurati estreou<strong>no</strong>s <strong>cinema</strong>s, <strong>no</strong> início de 1995, as suas perspectivas não eram as melhores. CarlotaJoaquina tinha tudo para ser mais um filme <strong>brasil</strong>eiro que “passasse em branco”, isto é,estreasse em circuito comercial, mas fosse muito pouco visto. Tomando por base amédia de público do filme <strong>brasil</strong>eiro <strong>no</strong> a<strong>no</strong> anterior, os índices eram muito baixos: dos 7filmes nacionais lançados em 1994, o público total havia sido de 271.454 espectadores,o que dá uma média de 38 mil e 500 espectadores por filme – contra uma média de 380mil espectadores por filme estrangeiro 90 . Além do baixo público do <strong>cinema</strong> nacional, ofilme de Carla Camurati contava com características próprias que, a priori, não semostravam favoráveis: não houve acordo prévio com nenhuma distribuidora, e adistribuição foi feita pela própria diretora, contando com apenas quatro cópias; CarlotaJoaquina é um filme histórico realizado com baixo orçamento – o que poderia resultarnum filme me<strong>no</strong>r, já que as restrições orçamentárias podem comprometer areconstituição de época; somando-se a isso, a diretora era estreante em longasmetragens,não possuía um <strong>no</strong>me consagrado <strong>no</strong> campo <strong>cinema</strong>tográfico, sendo maisconheci<strong>da</strong> como atriz.Mas Carlota Joaquina consegue uma proeza: torna-se um sucesso de público edesperta o interesse <strong>da</strong> crítica, graças a um eficiente esquema de divulgação “boca a90 Segundo <strong>da</strong>dos apresentados em “Histórico do Mercado Brasileiro – A<strong>no</strong>s 90” in Secretaria doAudiovisual - Ministério <strong>da</strong> Cultura. Cinema Brasileiro: Um Balanço dos 5 A<strong>no</strong>s <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> doCinema Nacional. Brasília: SAV/MinC, 1999, página 255.


68boca” e ao bom desempenho <strong>da</strong> estréia 91 . Com o tempo, ultrapassa um milhão deespectadores, um número muito distante <strong>da</strong> média de público registra<strong>da</strong> <strong>no</strong>s primeirosa<strong>no</strong>s <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 90. Para um filme realizado com baixo orçamento (custou 400 mildólares), produzido sem a utilização <strong>da</strong>s <strong>no</strong>vas leis de incentivo (o dinheiro veio doprêmio Resgate e através de patrocínio direto de empresas) e lançado num momentodifícil do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, foi uma grande surpresa.O filme de Carla Camurati é uma sátira sobre a transferência <strong>da</strong> corte portuguesaao Brasil <strong>no</strong> início do século XIX e mistura o humor típico <strong>da</strong>s chancha<strong>da</strong>s, um elenco jáconhecido através <strong>da</strong> televisão e uma grande dose de ironia ao dirigir seu olhar sobre ahistória do Brasil. Esses elementos justificam, em grande parte, o sucesso de público:Carlota Joaquina acertou em cheio <strong>no</strong> gosto do público de <strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil, compostoprincipalmente pela classe média acostuma<strong>da</strong> ao padrão estético <strong>da</strong> televisão, e quedepois de um período de desesperança (o início dos a<strong>no</strong>s 90), volta a pensar sobre opaís – mas o vê como uma pia<strong>da</strong>, com muita ironia.A repercussão de Carlota Joaquina, a partir de então, faz dele o marco inicial <strong>da</strong>retoma<strong>da</strong> do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, após os a<strong>no</strong>s de baixa produtivi<strong>da</strong>de e de crise naprodução <strong>cinema</strong>tográfica. Se a imprensa já vinha proclamando a retoma<strong>da</strong> desde1993, só agora o público retoma o contato com o <strong>cinema</strong> nacional, e justamente através<strong>da</strong> visão satírica e irônica <strong>da</strong> história do país.Ain<strong>da</strong> <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 1995, além do sucesso do filme de Carla Camurati, outrosfatores contribuíram para uma maior visibili<strong>da</strong>de do <strong>cinema</strong> nacional e a granderepercussão do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>: não podemos deixar de lembrar que 1995 foi oprimeiro a<strong>no</strong> de gover<strong>no</strong> de Fernando Henrique Cardoso, o que injetou uma dose deesperança ao país, após a frustração do gover<strong>no</strong> de Collor e os primeiros ajustes dogover<strong>no</strong> de Itamar Franco. Além disso, esse também foi o a<strong>no</strong> em que o <strong>cinema</strong>comemorou seu centenário, e recebeu atenção especial <strong>da</strong> mídia.O primeiro a<strong>no</strong> do gover<strong>no</strong> FHC pode ser visto como um momento deesperanças, de vislumbre de <strong>no</strong>vos horizontes e perspectivas, graças ao sucesso dopla<strong>no</strong> Real e ao controle <strong>da</strong> inflação, que <strong>no</strong>s primeiros a<strong>no</strong>s <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 90 atingiu91 Segundo depoimento <strong>da</strong> diretora in NAGIB, Lúcia. O Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, op. cit., páginas 145 a150.


69uma média de mais de 100% ao a<strong>no</strong> (segundo <strong>da</strong>dos do IBGE, entre 1990 e 1995 ainflação acumula<strong>da</strong> <strong>no</strong> Brasil foi de 764% 92 ) e em 1995 ficou em 12% ao a<strong>no</strong>. Emboraa estabilização <strong>da</strong> eco<strong>no</strong>mia resultante do Real tenha trazido a reboque o arrochosalarial e a recessão <strong>da</strong> eco<strong>no</strong>mia, a classe média viveu um momento de prosperi<strong>da</strong>denesse período 93 . E com a equiparação <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> nacional ao dólar, as viagensinternacionais tornaram-se mais comuns, bem como a compra de produtos importados.A classe média foi ao paraíso, ou melhor, às compras em Miami. Desti<strong>no</strong> antesreservado aos <strong>no</strong>vos ricos e aos imigrantes <strong>brasil</strong>eiros, Miami tor<strong>no</strong>u-se a principal rotaturística <strong>da</strong> classe média durante os primeiros a<strong>no</strong>s do pla<strong>no</strong> Real. Tudo isso contribuiupara um sentimento de euforia e esperança, principalmente entre a classe média, quepassou a ser o púbico por excelência do <strong>cinema</strong> a partir do encarecimento do valor dosingressos <strong>no</strong> final dos a<strong>no</strong>s 80. Nesse sentido, o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro se beneficiou destemomento, e aumentou sua visibili<strong>da</strong>de e seu público.Aliado à euforia do Real, outro fator colaborou para a maior visibili<strong>da</strong>de dosfilmes <strong>brasil</strong>eiros e para a própria idéia de Retoma<strong>da</strong> do <strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil: acomemoração dos 100 a<strong>no</strong>s do <strong>cinema</strong>. Data de 1895 a famosa exibição dos irmãosLumière em Paris, e em todo o mundo a sétima arte ganhou retrospectivas, mostras,ensaios, conferências, cader<strong>no</strong>s especiais etc. Aumentou a visibili<strong>da</strong>de do <strong>cinema</strong> <strong>no</strong>mundo todo, e <strong>no</strong> Brasil não foi diferente: a mídia apresentou listas e retrospectivas dosmelhores filmes de todos os tempos, e em meio às comemorações do século do<strong>cinema</strong>, o próprio <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro foi revisto e relembrado. O <strong>cinema</strong> em si ganhoumais visibili<strong>da</strong>de, e o ambiente tor<strong>no</strong>u-se propício para a “redescoberta” do <strong>cinema</strong><strong>brasil</strong>eiro pelo público.O sucesso de Carlota Joaquina, a euforia do Real e o centenário do <strong>cinema</strong>aju<strong>da</strong>ram a entender porque o a<strong>no</strong> de 1995 é considerado o a<strong>no</strong> <strong>da</strong> retoma<strong>da</strong> do<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro. Mesmo que os principais estudiosos do período não concordem emrelação ao estabelecimento de <strong>da</strong>tas específicas 94 , certamente este foi um dos marcos92 Segundo <strong>da</strong>dos do IBGE em Estatísticas do Século XX. www.ibge.com.br93 Veja-se a este respeito LAMOUNIER, Bolívar e FIGUEIREDO, Rubens (org.) A Era FHC: Um Balanço,op. cit.94 Lúcia Nagib trabalha com o período de 1994 a 1998; Luiz Zanin Oricchio vê o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> de1995 a 2002, Pedro Butcher vai de 1993 a 2005 e a revista contracampo fala de Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>para se referir a to<strong>da</strong> a déca<strong>da</strong> de 90. Veja-se a este respeito NAGIB, Lúcia. O Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>,


70do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro depois <strong>da</strong> crise. Além disso, outros filmes de destaque foramlançados, como O Quatrilho (Fábio Barreto), Terra Estrangeira (Walter Salles e DanielaThomas) e Cinema de Lágrimas (Nelson Pereira dos Santos), frutos do Prêmio Resgatee utilização <strong>da</strong>s leis de incentivo. Foram 12 longas-metragens que estrearam nessea<strong>no</strong>, dos quais 4 haviam recebido o Prêmio Resgate e outros 7 eram resultados <strong>da</strong>s leisde incentivo 95 ; são filmes que entraram em captação e iniciaram sua produção a partirde 1993, e só então foram finalizados.Paralelamente à maior visibili<strong>da</strong>de e aceitação do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, o <strong>no</strong>vogover<strong>no</strong> ace<strong>no</strong>u com a perspectiva de mais valorização para a cultura, e em especialpara o <strong>cinema</strong>. Também a mídia, aproveitando a conquista do público pelo filmenacional e as comemorações do centenário do <strong>cinema</strong>, passou a voltar os olhos para ocampo <strong>cinema</strong>tográfico e também para o Estado. O próprio campo <strong>cinema</strong>tográficoadquiriu maior força e se articulou, visando garantir a continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> produção e maiorapoio estatal. Nesse momento essas três instâncias entraram em ação para alavancaro <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro: o Estado, que aproveitou do boom do <strong>cinema</strong> e sob pressão decineastas alterou a legislação, colocando o <strong>cinema</strong> na ordem do dia <strong>da</strong>s políticasculturais; o próprio campo <strong>cinema</strong>tográfico, que se mobilizou e se fez visível, através<strong>da</strong>s produções, debates e <strong>da</strong>s lutas internas; e, acima de tudo, a mídia, que deu adevi<strong>da</strong> visibili<strong>da</strong>de para legitimar o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>.Para entendermos a importância <strong>da</strong> análise dessas três instâncias quelegitimarão o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, vale recorrer à teoria. Tendo em mente o conceitode campo artístico, de Pierre Bourdieu, percebemos que para este autor o campoartístico para se consoli<strong>da</strong>r passa por três estágios: sua constituição enquanto umaesfera autô<strong>no</strong>ma, a emergência <strong>da</strong> estrutura dualista (as disputas internas entreortodoxos e heterodoxos) e a constituição do mercado de bens simbólicos 96 . Ora, <strong>no</strong>Brasil o campo <strong>cinema</strong>tográfico enquanto esfera autô<strong>no</strong>ma se consolidou entre os a<strong>no</strong>s30 e 50, principalmente através dos Congressos de Cinema (o I Congresso Brasileiroop. cit; ORICCHIO, Luiz Zanin. Cinema de Novo: Um Balanço Crítico <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, op. cit;BUTCHER, Pedro. Cinema Brasileiro Hoje, op. cit.; “Especial Cinema Brasileiro A<strong>no</strong>s 90”. RevistaEletrônica Contracampo, Edição Especial, Fevereiro/Março de 2001 (www.contracampo.com.br).95 Segundo <strong>da</strong>dos do Ministério <strong>da</strong> Cultura apresentados <strong>no</strong> Relatório de Ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Secretaria doAudiovisual – Cinema, Som e Vídeo: 1995-2002, página 07.96 BOURDIEU, Pierre. As Regras <strong>da</strong> Arte: Gênese e Estrutura do Campo Literário, op. cit.


71de Cinema ocorreu em 1952 e o II Congresso <strong>no</strong> a<strong>no</strong> seguinte) 97 . Entre o final <strong>da</strong>déca<strong>da</strong> de 50 e o início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 60 emergiu a estrutura dualista, que semanifestou principalmente via polêmicas levanta<strong>da</strong>s pelo Cinema Novo contra o modelode produção industrial <strong>da</strong> Vera Cruz 98 . Já o mercado de bens simbólicos <strong>no</strong> Brasil seconsolidou a partir do final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1960 e início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 70 99 , durante oregime militar – período em que se inicia a melhor fase <strong>da</strong> relação <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro epúblico.Depois <strong>da</strong> crise do início dos a<strong>no</strong>s 90, o campo <strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiroprecisou se reerguer, se consoli<strong>da</strong>r mais uma vez. Embora já fosse um campoautô<strong>no</strong>mo e permeado pelas lutas internas, sua inserção <strong>no</strong> mercado de benssimbólicos estava comprometi<strong>da</strong>, como se percebe ao analisar os baixos índices deaudiência do filme nacional e sua pequena produção 100 . Para voltar a ocupar umespaço <strong>no</strong> mercado de bens simbólicos, o campo <strong>cinema</strong>tográfico teve que se articular,e contou com o apoio do Estado e <strong>da</strong> mídia. Daí a importância deste tripé (campo<strong>cinema</strong>tográfico, Estado e mídia) para o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>. Para sair <strong>da</strong> crise emque o campo se encontrava, foi importante que o <strong>cinema</strong> adquirisse maior visibili<strong>da</strong>de eque, através de suas articulações e disputas internas, <strong>da</strong>s relações com o Estado e do“aval” <strong>da</strong> mídia, ele voltasse a garantir sua auto<strong>no</strong>mia.Há, também, uma característica do campo <strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiro que confereà sua análise uma especifici<strong>da</strong>de: ele ocupa uma posição intermediária entre o campoerudito e o campo <strong>da</strong> indústria cultural, como já vimos <strong>no</strong> capítulo anterior. O campo do<strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil oscila entre a arte erudita e a indústria cultural, e essa oscilação, queestá presente em to<strong>da</strong> a história do pensamento e do fazer <strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiro, éresponsável pela grande contradição na definição do <strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil como arte oucomo indústria. Uma contradição que implica na aceitação de duas formas distintas delegitimação, a saber: a legitimação via reconhecimento inter<strong>no</strong> do campo (como <strong>no</strong>s97 AUTRAN, Arthur. O Pensamento Industrial Cinematográfico Brasileiro. Campinas, SP: tese dedoutorado apresenta<strong>da</strong> ao Programa de Pós Graduação em Multimeios, Instituto de Artes, Unicamp,2005.98 RAMOS, José Mário Ortiz. Cinema, Estado e Lutas Culturais: A<strong>no</strong>s 50/60/70, op. cit.99 ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira: Cultura Brasileira e Industria Cultural. SãoPaulo: Brasiliense, 1988.100 Ver tabela 03, em anexo.


72demais campos <strong>da</strong> arte erudita) e a legitimação via mercado de bens simbólicos (como<strong>no</strong>s campos <strong>da</strong> indústria cultural).O campo <strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiro se legitimou, neste momento, através de suainserção <strong>no</strong> mercado, através <strong>da</strong> conquista do público. É isso que se apresentou <strong>no</strong>discurso de alguns cineastas, como por exemplo Carla Camurati, que em seudepoimento a Lúcia Nagib 101 diz que “a premiação de Carlota foi o público. (...) Oscarpra mim é fila na porta do <strong>cinema</strong>, e de público <strong>brasil</strong>eiro.” E público, nesse caso,corresponde ao mercado. Isso implica a aceitação do fazer <strong>cinema</strong>tográfico enquantoproduto de entretenimento e como parte <strong>da</strong> indústria cultural, mais do que comopertencendo às artes eruditas: o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> tem um viés comercial muitoforte, busca o diálogo e tem necessi<strong>da</strong>de de aceitação do público.Se o campo <strong>cinema</strong>tográfico, em grande parte, se utilizou do aval do público parase legitimar e confirmar sua auto<strong>no</strong>mia, o Estado por sua vez utilizou esta visibili<strong>da</strong>dedo <strong>cinema</strong> para colher os louros do “responsável pela retoma<strong>da</strong> do <strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil”.Uma “troca de gentilezas” se configurou: o <strong>cinema</strong> precisa do auxílio do Estado, queatravés <strong>da</strong>s leis de incentivo fiscal estimulou a ativi<strong>da</strong>de; e o Estado aproveitou o bommomento do <strong>cinema</strong> para se promover. Numa publicação oficial de 1999, apresenta<strong>da</strong>como “um balanço dos 5 a<strong>no</strong>s <strong>da</strong> retoma<strong>da</strong> do <strong>cinema</strong> nacional”, o Secretario Nacionaldo Audiovisual do Ministério <strong>da</strong> Cultura, José Álvaro Moisés, diz <strong>no</strong> texto introdutório:“O <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro recuperou o fôlego, graças a Deus, após a paralisia do iníciodos a<strong>no</strong>s 90, quando, como se sabe, foi vítima <strong>da</strong> fúria pre<strong>da</strong>tória do gover<strong>no</strong>Collor de Mello. Com efeito, com base na capaci<strong>da</strong>de de resistência dosrealizadores <strong>brasil</strong>eiros, na e<strong>no</strong>rme criativi<strong>da</strong>de dos <strong>no</strong>ssos diretores e na políticaadota<strong>da</strong> pelo gover<strong>no</strong> desde 1995, quase 80 filmes de longa metragem foramlançados, entre 1995 e 1998 (...)” 102 .Daí a recorrente associação do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> ao gover<strong>no</strong> FHC. Uma<strong>da</strong>s marcas <strong>da</strong> política cultural adota<strong>da</strong> por este gover<strong>no</strong>, já <strong>no</strong> seu primeiro a<strong>no</strong>, foi aaplicação do modelo de financiamento, estímulo e apoio que foram destinados ao<strong>cinema</strong>. A política cultural adota<strong>da</strong> se baseava em benefícios fiscais para incentivar101 NAGIB, Lúcia. O Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, op. cit., página 148.102 Secretaria do Audiovisual - Ministério <strong>da</strong> Cultura. Cinema Brasileiro: Um Balanço dos 5 A<strong>no</strong>s <strong>da</strong>Retoma<strong>da</strong> do Cinema Nacional. Brasília: SAV/MinC, 1999, página 06, grifos meus.


73empresas priva<strong>da</strong>s a investirem na cultura – e <strong>no</strong> <strong>cinema</strong> em especial, o que acabougerando um tipo de "mecenato oficial intermediado pelo setor privado" 103 , segundopalavras do próprio gover<strong>no</strong>. O ministro <strong>da</strong> cultura de Fernando Henrique, o cientistapolítico Francisco Weffort, assinalou as origens desta política cultural <strong>no</strong> relatório deativi<strong>da</strong>des de seu ministério, “Cultura <strong>no</strong> Brasil – 1995”. Segundo Weffort 104 há duasprincipais idéias que <strong>no</strong>rtearam a política cultural:“A primeira é a de colocar em movimento, se possível ampliar, as leis culturais eas estruturas administrativas que her<strong>da</strong>mos <strong>da</strong>s administrações anteriores. Asegun<strong>da</strong> é a de buscar, sempre que possível, as linhas de continui<strong>da</strong>de com o quese havia feito antes. Reformar as leis sem substituí-Ias. Reforçar os órgãosadministrativos sem rompê-los. Restabelecer aquilo que outros, em má hora,acharam melhor romper.”A continui<strong>da</strong>de do tratamento <strong>da</strong>do à cultura pelo gover<strong>no</strong> FHC em relação aosgover<strong>no</strong>s anteriores (Collor e Itamar) reside <strong>no</strong> fato dessas políticas possuírem comotraços marcantes o neoliberalismo e a idéia de, gra<strong>da</strong>tivamente, retirar o subsídioestatal à cultura. Segundo Maria Armin<strong>da</strong> do Nascimento Arru<strong>da</strong>, essa política teve forteaceitação junto aos produtores culturais, que ain<strong>da</strong> se ressentiam do “desmonte”orquestrado por Collor, e muitos dos quais participaram diretamente <strong>da</strong> elaboração <strong>da</strong>legislação – principalmente <strong>no</strong> caso do <strong>cinema</strong>. Para ela 105 ,“Durante o gover<strong>no</strong> Fernando Henrique Cardoso, o pa<strong>no</strong>rama <strong>da</strong> culturatransformou-se, certamente, sob o comando sistemático dos mecanismos definanciamento antes inusuais <strong>no</strong> Brasil. Herdeiro indireto de uma ‘terra arrasa<strong>da</strong>’,mas que recomeçava a se reorganizar, a política do período FHC só poderia sersau<strong>da</strong><strong>da</strong> com efusivi<strong>da</strong>de, desconcertando mesmo os críticos mais renitentes.”103 Secretaria do Audiovisual - Ministério <strong>da</strong> Cultura. Eco<strong>no</strong>mia do Cinema, Brasília: SAV/MinC, 2000,página 32.104 Secretaria do Audiovisual - Ministério <strong>da</strong> Cultura. Cultura <strong>no</strong> Brasil – 1995. Brasília: SAV/MinC,1996, página 03.105 ARRUDA, Maria Armin<strong>da</strong> Nascimento. “A política cultural: regulamentação e mecenato privado” inTempo Social: Revista de Sociologia <strong>da</strong> USP v. 15, nº 2. São Paulo: USP, FFLCH, <strong>no</strong>vembro de2003, página 189.


74O mecenato oficial intermediado pelo setor privado – que também pode serentendido como o que Muniz Sodré chamou de “gerência de mercado” 106 , isto é, oEstado continua investindo na cultura, mas o mercado escolhe onde este investimentoserá feito – recebeu o apoio e o aval do campo <strong>cinema</strong>tográfico, e acabou porconsagrar uma <strong>no</strong>va concepção de cultura: a cultura, então, precisa ser atraente elucrativa; se não dá retor<strong>no</strong> financeiro, deve ao me<strong>no</strong>s <strong>da</strong>r retor<strong>no</strong> em termos demarketing. Dito de outra forma: o Estado ain<strong>da</strong> financia a cultura, através <strong>da</strong> isenção deimpostos, mas quem gerencia, quem decide o que vai ser patrocinado ou não é omercado, e às empresas em geral só interessa investir em algum produto que propicielucros, em imagem ou em espécie. Assim, a idéia do <strong>cinema</strong> enquanto parte do campo<strong>da</strong> indústria cultural e do filme como produto de entretenimento se encaixamperfeitamente a essa concepção de cultura.O Estado pretendeu, através <strong>da</strong> política cultural adota<strong>da</strong>, criar uma “cultura deinvestimentos culturais”, através de estímulos para as empresas investidoras. Seatentarmos para a Lei do Audiovisual, que foi concebi<strong>da</strong> para vigorar por dez a<strong>no</strong>s, ficaníti<strong>da</strong> essa intenção. No início, o Estado ofereceria isenção de impostos a queminvestisse em cultura, para depois, quando já se instalasse essa cultura deinvestimentos, “sair de cena”. Tanto que, para auxiliar aos empresários na utilização<strong>da</strong>s leis de incentivo e mostrar como os investimentos culturais podiam ser lucrativos,em 1995 o Ministério <strong>da</strong> Cultura lançou uma apostila intitula<strong>da</strong> “Cultura é um bomnegócio”, que foi distribuí<strong>da</strong> a empresas e produtores culturais.Além disso, <strong>no</strong> primeiro a<strong>no</strong> do gover<strong>no</strong> FHC foram toma<strong>da</strong>s as seguintesmedi<strong>da</strong>s na área cultural 107 :1. O orçamento do Ministério <strong>da</strong> Cultura foi ampliado – era de 104 milhões e teve umacréscimo de 87 milhões, graças a uma verba suplementar do presidente <strong>da</strong> república;2. A lei Rouanet sofreu as seguintes alterações: a alíquota de dedução do imposto deren<strong>da</strong> passou de 2% para 5%; foi reconheci<strong>da</strong> a figura do agente cultural que, a partirde então, pôde ter seus custos incluídos <strong>no</strong> orçamento dos projetos; os projetos106 SODRÉ, Muniz. "O mercado de bens culturais" in MICELLI, Sérgio (org.) Estado e Cultura <strong>no</strong> Brasil.São Paulo: Difel, 1984, página 143.107 Secretaria do Audiovisual - Ministério <strong>da</strong> Cultura. Cultura <strong>no</strong> Brasil – 1995. Brasília: SAV/MinC,1996, páginas 06 - 07.


75puderam ser encaminhados em qualquer época do a<strong>no</strong>, e não apenas num prazodeterminado; e o Estado se comprometeu a avaliar os projetos em 60 dias (antes, oprazo era de 90 dias).Essas medi<strong>da</strong>s beneficiaram todos os setores de ativi<strong>da</strong>de cultural, mas o<strong>cinema</strong> recebeu atenção especial. Em junho de 1995 foi instala<strong>da</strong> a Câmara Setorial doCinema, junto à Secretaria para o Desenvolvimento do Audiovisual do Ministério <strong>da</strong>Cultura. Essa câmara surgiu como um <strong>no</strong>vo espaço dentro do Estado para discussão<strong>da</strong> política <strong>cinema</strong>tográfica, e foi composta por representantes de 11 categorias docampo <strong>cinema</strong>tográfico (diretores, produtores, trabalhadores, distribuidores eexibidores) e membros do gover<strong>no</strong>. Segundo relatório do gover<strong>no</strong> federal 108 ,“A idéia inicial foi reeditar o Grupo Executivo <strong>da</strong> Indústria Cinematográfica, criadoem 1961, e considerado pela categoria a melhor experiência <strong>brasil</strong>eira de umconselho múltiplo na área. Três eixos orientaram as discussões: mu<strong>da</strong>nças na Leido Audiovisual, as <strong>no</strong>vas alternativas de financiamento e reserva de mercado parafilmes <strong>brasil</strong>eiros na televisão e <strong>no</strong> vídeo.”A câmara, além de ser um canal garantido de negociação do campo<strong>cinema</strong>tográfico dentro do Estado, ain<strong>da</strong> sinalizava com a idéia de integração com atelevisão, para constituição de uma indústria audiovisual mais forte <strong>no</strong> Brasil. Porém,apesar <strong>da</strong> tentativa de reeditar o GEIC (Grupo Executivo <strong>da</strong> Indústria Cinematográfica,dos a<strong>no</strong>s 60) a câmara acabou funcionando apenas como um espaço de discussões epropostas que resultaram na Comissão de Cinema, em 1996, e nas alterações <strong>da</strong> Leido Audiovisual <strong>no</strong> mesmo a<strong>no</strong>, enquanto a integração com a televisão, que poderiafinanciar e sustentar uma indústria <strong>cinema</strong>tográfica <strong>brasil</strong>eira, não ocorreu.Ain<strong>da</strong> em relação às medi<strong>da</strong>s específicas para o <strong>cinema</strong>, o gover<strong>no</strong> federal, emoutubro de 1995, criou uma linha de financiamento própria para este setor, através <strong>da</strong>Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil. Além disso, apoiou e patroci<strong>no</strong>ufestivais de <strong>cinema</strong>, como o Festival de Gramado, Festival de Brasília e o Rio-CineFestival.108 Secretaria do Audiovisual - Ministério <strong>da</strong> Cultura. Cultura <strong>no</strong> Brasil – 1995. Brasília: SAV/MinC,1996, página 12.


76As iniciativas e programas federais de apoio ao <strong>cinema</strong> foram sau<strong>da</strong>dos e muitobem recebidos pelo campo <strong>cinema</strong>tográfico – em grande parte porque, desde o gover<strong>no</strong>Collor, houve a participação de cineastas na elaboração destas políticas<strong>cinema</strong>tográficas. Tanto que Cacá Diegues, em texto publicado <strong>no</strong> dia <strong>da</strong> posse deFHC, manifestou seu apoio ao <strong>no</strong>vo gover<strong>no</strong>, justificando que “Quem se interessa pelofuturo <strong>da</strong> indústria cultural <strong>brasil</strong>eira deve torcer para que a política econômica do <strong>no</strong>vogover<strong>no</strong> dê certo.” 109 . Ou seja, para Cacá o futuro do <strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil estavadiretamente ligado ao <strong>no</strong>vo gover<strong>no</strong> que tomou posse.Embora a maioria dos cineastas tivesse manif<strong>estado</strong> seu apoio à <strong>no</strong>va políticacultural e ao <strong>no</strong>vo gover<strong>no</strong>, começaram a surgir algumas críticas, principalmente emrelação ao acesso dos cineastas às empresas, ao poder de decisão <strong>da</strong>s mesmas e àfigura do captador de recursos ou produtor profissional. Segundo o cineasta SérgioBianchi 110 :“Você tem lá um diretor de marketing de uma empresa, ele é uma pessoahumana. Ele tem um nível de cultura, uma sexuali<strong>da</strong>de, uma classe social, econseguir alguma coisa desta empresa vai depender do relacionamento que vocêtem com ele. Se você não sabe se relacionar não produz o seu filme. Não é nem“mercado” nem a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> obra que conta. É a relação mesmo. (...) Como hádedução do imposto de ren<strong>da</strong>, quem decide é a firma (risos). Esse dinheiro épúblico. Esse é o grande dilema.”A constatação de Sérgio Bianchi aparece também <strong>no</strong> discurso de outroscineastas, mas mesmo sob algumas críticas, a utilização <strong>da</strong>s leis de incentivo e a maiorvisibili<strong>da</strong>de do <strong>cinema</strong> nacional tornaram possível que muitos cineastas voltassem aproduzir e diretores estreantes tivessem a chance de fazer seu primeiro filme. Segundoa revista eletrônica Contracampo, desde 1995 114 cineastas filmaram seu primeirolonga-metragem 111 . E um dos mais importantes cineastas <strong>brasil</strong>eiros, Nelson Pereirados Santos, que ficou sete a<strong>no</strong>s sem filmar durante o período de crise do <strong>cinema</strong>109 DIEGUES, Carlos. “Grandezas à sombra de misérias”. Jornal do Brasil, 01 de Janeiro de 1995,Política, página 02.110 Entrevista de Sérgio Bianchi a Hermes Leal. Revista de Cinema. A<strong>no</strong> III – nº 26. São Paulo: EditoraKrahô, junho de 2002, página 23.111 “Dicionário: os 114 cineastas estreantes após 1995”. Revista eletrônica Contracampo nº 52,Agosto/Setembro de 2003. (www.contracampo.com.br)


77<strong>brasil</strong>eiro, voltou ao <strong>cinema</strong> com A Terceira Margem do Rio em 1994 e Cinema deLágrimas em 1995 (seu ultimo filme havia sido Jubiabá, de 1987).Se o campo <strong>cinema</strong>tográfico se movimentou, voltou a produzir, apoiou eencontrou apoio <strong>no</strong> Estado, outro importante fator que contribui para consoli<strong>da</strong>r oCinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> foi o apoio e a visibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>dos pela mídia. O <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eirovoltou aos cader<strong>no</strong>s culturais, com matérias, listas, debates. Na Folha de São Paulo ostítulos de alguns artigos dão a idéia do <strong>no</strong>vo tratamento <strong>da</strong>do ao <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro:“Cinema pode ser revolução cultural” 112 , “Brasil vive boom <strong>cinema</strong>tográfico” 113 , e“Renasce o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro” 114 . O Jornal do Brasil, além de publicar várias matériassobre o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, promoveu um debate sobre <strong>cinema</strong> e Estado 115 , que contoucom a participação de Cacá Diegues, Sérgio Rezende, Murilo Salles, Walter Lima Jr.,Luiz Carlos Barreto, Tizuka Yamasaki, Júlio Bressane, Jorge Duran, Norma Bengell ePaulo Thiago.Em meio aos debates, à volta do público e ao aumento de filmes lançados, ofilme O Quatrilho de Fábio Barreto é indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro,causando grande euforia na imprensa. A revista Veja, após a indicação ao Oscar deusua capa ao <strong>cinema</strong> nacional (21 de fevereiro de 1996). A matéria <strong>da</strong> Veja dá o tomexato do otimismo e <strong>da</strong> euforia presentes nesse primeiro momento <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> 116 :“A indicação de O Quatrilho pode sinalizar uma <strong>no</strong>va era <strong>no</strong> <strong>cinema</strong> nacional (...).Os números provam que o a<strong>no</strong> passado foi de renascimento: houve deze<strong>no</strong>vetítulos lançados. De um a<strong>no</strong> para o outro, a participação do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro nasbilheterias subiu de 0,1% para 4%.”O <strong>cinema</strong> nacional, do vilão dos últimos tempos <strong>da</strong> Embrafilme passou a ser umorgulho nacional <strong>no</strong> Brasil do Real de FHC. A matéria ain<strong>da</strong> apresenta elogios ao filme,ao seu enredo simples e linear, “bonito, bem feito, bem fotografado, com um roteiro sem112 JABOR, Arnaldo. “Cinema pode ser revolução cultural.” Folha de São Paulo, 28 de Novembro de1995, Ilustra<strong>da</strong>, página 09.113 COUTO, José Geraldo. “Brasil vive ‘boom’ <strong>cinema</strong>tográfico”. Folha de São Paulo, 30 de Dezembrode 1995, Ilustra<strong>da</strong>, página 01.114 “Renasce o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro”. Folha de São Paulo, 31 de Dezembro de 1995, Revista <strong>da</strong> Folha,página 05.115 BARROS, André Luiz. “Profissionais debatem a viabili<strong>da</strong>de de uma <strong>no</strong>va estética, papel do Estado naprodução e exploração de mercado.” Jornal do Brasil, 14 de Setembro de 1995, Cader<strong>no</strong> B, página 04.116 “Duas mulheres na saga rumo a Hollywood”. Veja. São Paulo: Editora Abril, 21 de fevereiro de 1996,páginas 36 - 40.


78grandes complicações nem idéias mirabolantes” e ao <strong>no</strong>vo <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro. ParaVeja, os cineastas <strong>brasil</strong>eiros “são mestres em se virar com os recursos disponíveis ese esmeram na quali<strong>da</strong>de técnica, conseguindo resultados surpreendentes”.Estava montado assim o tripé que viabilizaria e legitimaria o Cinema <strong>da</strong>Retoma<strong>da</strong>: o apoio do Estado, a concordância do campo e sua adequação ao <strong>no</strong>vomodo de produção e o aval e reconhecimento <strong>da</strong> mídia – e, em alguns casos, aconquista do público. O sucesso de Carlota Joaquina e a indicação de O Quatrilho aoOscar selaram este <strong>cinema</strong> que, a partir de então, começou a produzir mais filmes, eentrou em sua fase mais produtiva – mas nem por isso, mais tranqüila.2. CINEMA É UM BOM NEGÓCIO. COMEÇAM AS SUPERPRODUÇÕES E OCAMPO CINEMATOGRÁFICO SE DIVIDEA partir de então, o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro passou a ser visto como um “bom negócio”e começou a atrair a atenção de investidores. Na esteira <strong>da</strong>s comemorações <strong>da</strong>indicação ao Oscar, o editorial do Jornal do Brasil de 19 de fevereiro de 1996 fez umadefesa do <strong>no</strong>vo <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, mais próximo do público e independente do Estado –nas palavras do jornal, “abando<strong>no</strong>u-se a proteção oficial à falta de talento embala<strong>da</strong>em patriotismo. Acabou-se com o mecenato estatal” 117 . O discurso foi de valorizaçãodo Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> como um <strong>no</strong>vo <strong>cinema</strong>, de maior apelo comercial e que podeser uma interessante opção de investimento, omitindo que esse investimento ain<strong>da</strong> erarealizado através do patrocínio estatal via dedução de impostos. Ain<strong>da</strong> segundo ojornal 118 :117 “Nova Safra”. Jornal do Brasil, 19 de Fevereiro de 1996, Editorial, página 08.118 Idem.


79“O Quatrilho bem pode ser a primeira flor do renascimento <strong>cinema</strong>tográfico<strong>brasil</strong>eiro. O sucesso internacional do filme convencerá os investidores privadosde que <strong>cinema</strong> é bom negócio. E para o amável público estará definitivamenteencerra<strong>da</strong> aquela poli<strong>da</strong> impostura, segundo a qual ‘o filme é uma porcaria, mas odiretor é genial’.”Esse editorial do Jornal do Brasil, assim como a já cita<strong>da</strong> matéria <strong>da</strong> revista Vejasobre O Quatrilho e muitos dos artigos de Arnaldo Jabor na Folha de São Paulo (comopor exemplo, “Só o mercado pode produzir talentos reais” 119 e “Políticos vêem a culturacomo velha doente” 120 ) defendiam um <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro mais comercial, inserido <strong>no</strong>mercado e independente do Estado, sempre ressaltando os vícios e problemas do<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro à época <strong>da</strong> Embrafilme. Mas se esqueceram de dizer que ofinanciamento continuava sendo estatal, agora sob as regras do mercado: <strong>da</strong>í aimportância de um <strong>cinema</strong> mais comercial e “interessante” às empresas.Para estimular ain<strong>da</strong> mais os investimentos em <strong>cinema</strong>, e partindo <strong>da</strong>sdiscussões e sugestões apresenta<strong>da</strong>s na Câmara Setorial do Cinema, em 1996 ogover<strong>no</strong> FHC alterou a lei do Audiovisual, aumentando o limite a ser deduzido. A partir<strong>da</strong> medi<strong>da</strong> provisória 1.515, de 15 de agosto, o limite de dedução <strong>no</strong> imposto de ren<strong>da</strong>para as empresas que investiam em <strong>cinema</strong> passou de 1% para 3%. Além disso, essamedi<strong>da</strong> provisória dobrou o limite de captação – que passou de R$ 1,5 milhão para R$3 milhões, possibilitando a realização de filmes mais caros. E ain<strong>da</strong> permitiu que acontraparti<strong>da</strong> (o dinheiro empregado diretamente <strong>no</strong> filme pelo cineasta ou pelaempresa produtora) fosse reduzi<strong>da</strong> de 40% para 20%. Ou seja: as empresas podiaminvestir mais, os filmes podiam dobrar o valor captado e os investimentos diretos doprodutor podiam ser me<strong>no</strong>res. O investimento em <strong>cinema</strong> ficou, portanto, ain<strong>da</strong> maisatraente. Segundo o Relatório do Ministério <strong>da</strong> Cultura de 1996 121 :119 JABOR, Arnaldo. “Só o mercado pode produzir talentos reais”. Folha de São Paulo, 16 de Agosto de1994, Ilustra<strong>da</strong>, página 06.JABOR, Arnaldo. “Cinema pode ser revolução cultural.” Folha de São Paulo, 28 de Novembro de 1995,Ilustra<strong>da</strong>, página 09.120 JABOR, Arnaldo. “Políticos vêem a cultura como velha doente”. Folha de São Paulo, 09 de Janeirode 1996, Ilustra<strong>da</strong>, página 08.121 Secretaria do Audiovisual - Ministério <strong>da</strong> Cultura. Cultura <strong>no</strong> Brasil – 1996. Brasília: SAV/MinC,1997, página 16.


80“O setor do audiovisual, em especial o <strong>cinema</strong>, teve <strong>no</strong> país, em 1996, umdesempenho excepcional. Assistiu-se à consoli<strong>da</strong>ção do processo derenascimento do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, processo <strong>no</strong> qual o gover<strong>no</strong> de FernandoHenrique Cardoso desempenhou papel preponderante. Por meio <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nçasque introduziu na Lei do Audiovisual, passou a oferecer condições mais atrativas ediversifica<strong>da</strong>s para o investimento <strong>da</strong>s empresas e produtores <strong>cinema</strong>tográficos.”No mesmo a<strong>no</strong> de 1996, foi cria<strong>da</strong> outra Comissão de Cinema, que teve comoobjetivo discutir e propor medi<strong>da</strong>s sobre a reserva para o filme <strong>brasil</strong>eiro <strong>no</strong> mercadoexibidor (a cota de tela, que desde a implantação <strong>da</strong> lei 8.401 em 1992 vinha sendodefini<strong>da</strong> anualmente pelo gover<strong>no</strong> federal), e elaborar um diagnóstico <strong>da</strong> política cultural<strong>cinema</strong>tográfica pratica<strong>da</strong> até então, sugerindo alterações e <strong>no</strong>vas medi<strong>da</strong>s e leis aserem implanta<strong>da</strong>s. Fizeram parte <strong>da</strong> Comissão membros do gover<strong>no</strong> e os cineastas eprodutores Aníbal Massaini Neto, Luiz Carlos Barreto, Marisa Leão e Roberto Farias.A partir do trabalho dessa Comissão de Cinema, em 1997 o gover<strong>no</strong> federalaumentou o teto de renúncia fiscal de R$ 100 milhões para R$ 120 milhões,possibilitando ain<strong>da</strong> mais investimentos em <strong>cinema</strong>. Ou seja: são R$ 120 milhões que oEstado ofereceu (ou se propôs a deixar de arreca<strong>da</strong>r) para o <strong>cinema</strong> neste a<strong>no</strong>. Alémdesse investimento indireto, houve outra edição do Prêmio Resgate do CinemaBrasileiro, que concedeu valores de até R$ 80 mil reais, distribuídos entre 14 projetosde longas-metragens 122 .Todos esses benefícios fiscais concedidos pelo Estado, aliados à visibili<strong>da</strong>de queo <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro adquiriu, tornaram possíveis as grandes produções, isto é, os filmescom grandes orçamentos. Afinal, através desses benefícios as empresas só tinhamvantagens para investir <strong>no</strong> <strong>cinema</strong>: se o filme não fosse bem sucedido, elas nãoperderiam na<strong>da</strong>; e se o filme fosse um sucesso, o retor<strong>no</strong> em marketing seria e<strong>no</strong>rme ehavia, ain<strong>da</strong>, a possibili<strong>da</strong>de de retor<strong>no</strong> financeiro, já que a empresa é sócia do filmecom a compra dos certificados de investimento audiovisual. Tanto que o presidente do122 A relação completa dos projetos premiados e suas respectivas empresas produtoras se encontram emSecretaria do Audiovisual – Ministério <strong>da</strong> Cultura. Relatório de Ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Secretaria doAudiovisual – Cinema, Som e Vídeo: 1995 a 2002. Brasília: SAV/Minc, 2002, páginas 09 – 10.


81Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças, Ary S. Graça Filho, escreveu um artigointitulado “Cultura é um bom negócio” <strong>no</strong> Jornal do Brasil 123 dizendo que“Arte é um excelente negócio, não só como marketing institucional e mídiaespontânea, mas como lucro real. Só para recor<strong>da</strong>r, filmes como O Quatrilho, OQue é Isso, Companheiro? e Tieta do Agreste, três recentes sucessos debilheteria do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, foram viabilizados e geraram belos dividendosgraças a certificados de investimento lançados <strong>no</strong> mercado financeiro. Isto, sim, éque é rolar os créditos. É business. Ou, melhor ain<strong>da</strong>, show business.”Com todos os estímulos e benefícios, os incentivos fiscais só aumentaram entre1995 e 1998. Em 1995, foram R$ 28 milhões de isenção de impostos utilizados naprodução audiovisual; em 1996 foram R$ 75 milhões; em 1997 foram captados R$ 113milhões; e em 1998 R$ 73 milhões, segundo os <strong>da</strong>dos oficiais 124 .Embora o <strong>cinema</strong> se apresentasse como um “bom negócio” é interessante <strong>no</strong>tarque a maior parte dos investimentos em <strong>cinema</strong> – e na cultura em geral – vinha <strong>da</strong>sempresas estatais, estimula<strong>da</strong>s pelo gover<strong>no</strong> federal a fazê-lo, ain<strong>da</strong> <strong>no</strong> intuito decolaborar para a criação <strong>da</strong> “cultura de investimentos”. Empresas como a Petrobrás, oBanco do Brasil e principalmente as empresas de telecomunicações (Telebrás, Telesp,Telerj etc.) tornaram-se as principais investidoras do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro 125 .O Estado contribuiu, de diversas maneiras, para estimular o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eirodurante o primeiro man<strong>da</strong>to de FHC: aumentando os limites de dedução de imposto deren<strong>da</strong>, alterando o teto de renúncia fiscal, reduzindo a contraparti<strong>da</strong> dos produtores einvestindo diretamente, através <strong>da</strong>s estatais. E com todos esses benefícios, o <strong>cinema</strong><strong>brasil</strong>eiro aumentou seus índices de produtivi<strong>da</strong>de, além de conseguir produzir filmesmais caros. Foi quando se iniciaram as grandes produções <strong>brasil</strong>eiras que, emboramuito distantes dos orçamentos <strong>da</strong>s produções de Hollywood, compara<strong>da</strong>s com osorçamentos médios dos filmes <strong>brasil</strong>eiros, podem ser considera<strong>da</strong>s ver<strong>da</strong>deirassuperproduções. Enquanto Carlota Joaquina custou R$ 400 mil, o filme Tieta do123 GRAÇA FILHO, Ary S. “Cultura é um bom negócio”. Jornal do Brasil, 27 de Maio de 1997, Opinião,página 09.124 Secretaria do Audiovisual – Ministério <strong>da</strong> Cultura. Relatório de Ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Secretaria doAudiovisual – Cinema, Som e Vídeo: 1995 a 2002. Brasília: SAV/Minc, 2002, página 04.125 Os relatórios anuais do Ministério <strong>da</strong> Cultura do gover<strong>no</strong> FHC trazem a relação <strong>da</strong>s empresas quemais investiram na cultura, onde se verifica a presença <strong>da</strong>s estatais todos os a<strong>no</strong>s na lista <strong>da</strong>s maioresinvestidoras.


82Agreste de Cacá Diegues, lançado <strong>no</strong> a<strong>no</strong> seguinte, teve um custo total de R$ 5milhões, dos quais mais de R$ 3 milhões vieram através de captação; e Guerra deCanudos de Sérgio Rezende (1997) custou R$ 7 milhões, dos quais R$ 5,5 milhõesforam conseguidos também através do patrocínio via isenção de impostos 126 .Esses dois filmes, Tieta do Agreste e Guerra de Canudos, inauguraram os filmesde altos orçamentos do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, foram os pioneiros <strong>da</strong>s grandesproduções e também iniciaram as polêmicas sobre os custos de produção do <strong>cinema</strong> <strong>no</strong>Brasil. O campo <strong>cinema</strong>tográfico, que antes parecia unido em tor<strong>no</strong> <strong>da</strong> viabilização <strong>da</strong>produção através <strong>da</strong>s leis de incentivo, agora se dividiu entre dois grupos: um grupodefendendo as grandes produções, argumentando que só assim o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiropoderia atingir o público <strong>no</strong> Brasil e <strong>no</strong> exterior, e outro militando por um <strong>cinema</strong> maisbarato, argumentando que o dinheiro empregado numa superprodução seria suficientepara realizar dez filmes de orçamento médio. Mais uma vez, o campo <strong>cinema</strong>tográfico,através de suas lutas internas, reeditou de certa forma a polêmica “cinemão” e“cineminha” dos a<strong>no</strong>s 70 e 80, e as discussões gera<strong>da</strong>s para a definição sobre autilização do dinheiro <strong>da</strong> Embrafilme, que resultaram na primeira edição do PrêmioResgate, em 1993.As polêmicas sobre os grandes orçamentos e as disputas internas <strong>no</strong> campo<strong>cinema</strong>tográfico se aqueceram ain<strong>da</strong> mais a partir <strong>da</strong>s discussões levanta<strong>da</strong>s pelomerchandising do Banco Real <strong>no</strong> filme Tieta do Agreste (o banco foi uma <strong>da</strong>s empresasfinanciadoras do filme), que foi também o primeiro filme <strong>brasil</strong>eiro co-produzido por umadistribuidora internacional, a Columbia Pictures. Antes mesmo <strong>da</strong> estréia do filme, apolêmica sobre a parceria internacional e uma possível internacionalização do <strong>cinema</strong><strong>brasil</strong>eiro já haviam começado, levando o diretor Cacá Diegues a se manifestarpublicamente antes <strong>da</strong> exibição do filme em circuito comercial. Segundo Diegues 127 :“De um lado, temos o Banco Real, que entrou <strong>no</strong> lugar do Econômico. De outro, aColumbia Pictures, que entrou num outro apêndice <strong>da</strong> lei – que permite que ascompanhias distribuidoras de filmes estrangeiros reinvistam parte do seu imposto126 Segundo <strong>da</strong>dos fornecidos pela Ancine – Agência Nacional de Cinema, disponíveis na Base de Dadosdo site <strong>da</strong> agência. www.ancine.gov.br127 DIEGUES, Carlos. “Tieta do Agreste”. Jornal do Brasil, 10 de Dezembro de 1995, Revista deDomingo, página 02.


83sobre lucros em filmes. Tieta do Agreste é o primeiro filme <strong>brasil</strong>eiro que bebeunesta fonte. É um mecanismo extremamente salutar que eu espero que setransforme num sistema.”Mesmo com as justificativas e argumentos de Cacá, o filme recebeu inúmerascríticas, em especial em relação ao merchandising. O que estava em questão, naquelemomento, era a concepção do filme enquanto produto <strong>da</strong> indústria cultural, e o filme deDiegues assumiu esse lado de produto de entretenimento. Nesse sentido, estavaperfeitamente adequado à concepção de cultura e de <strong>cinema</strong> presentes <strong>no</strong> Cinema <strong>da</strong>Retoma<strong>da</strong> e, principalmente, <strong>no</strong> gover<strong>no</strong> FHC, e o cineasta deixou isso bem claro 128 :“Assim, penso também que, agora, "Tieta do Agreste" está aju<strong>da</strong>ndo a liberar o<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro do preconceito contra o merchandising, incorporando-o àsformas de recursos que permitem a produção dos <strong>no</strong>ssos filmes. Os jornalistasnão <strong>no</strong>s man<strong>da</strong>vam tanto, sistematicamente, abandonar a proteção do Estado e irao mercado? É o que estamos fazendo e, <strong>no</strong> caso de "Tieta do Agreste", semhipocrisia.”Embora Cacá tenha defendido um <strong>cinema</strong> que é comercial sem vergonha de sêlo,mesmo sob as críticas <strong>da</strong> imprensa, <strong>no</strong> campo <strong>cinema</strong>tográfico a polêmica do filmeganhou outra dimensão, na medi<strong>da</strong> em que se questiona a viabili<strong>da</strong>de dos filmes degrande orçamento <strong>no</strong> Brasil. E foi justamente esse tipo de filme, o de grandeorçamento (que em geral tem um forte viés de entretenimento) que passou a atrair aatenção <strong>da</strong>s empresas investidoras, o que acabou dificultando as produções médias eos filmes mais “difíceis”, isto é, aqueles que não teriam tanto apelo junto ao públicomédio ou tratavam de temas polêmicos. O também vetera<strong>no</strong> cineasta CarlosReichenbach em um artigo sobre o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> explicou a relação entre osinvestimentos e as superproduções 129 :“Para o investidor, é mais interessante captar recursos para um filme de seismilhões de dólares do que para um de um milhão. Ficamos em dois caminhos,128 DIEGUES, Carlos. “Foi seu ouvido que entortou”. Folha de São Paulo, 11 de Setembro de 1996,Ilustra<strong>da</strong>, página 04.129 REINCHENBACH, Carlos. “A Retoma<strong>da</strong> do Cinema Brasileiro” in Revista Estudos de Cinema nº 1.São Paulo: EDUC, 1998, página 17.


84que excluem a produção média: ou o filme é barato, e você paga para realizar, oué filme de hiperprodução. E os filmes de superprodução não vão se pagar nunca.”Na seqüência <strong>da</strong> polêmica levanta<strong>da</strong> por Tieta do Agreste, outro filme gerougrande estar<strong>da</strong>lhaço: Guerra de Canudos, de Sérgio Rezende (1997). Essasuperprodução, que recriou a comuni<strong>da</strong>de de Antônio Conselheiro na Bahia e trouxe devolta às telas <strong>brasil</strong>eiras o sertão, tema tão caro ao Cinema Novo, foi muito critica<strong>da</strong> emrelação a três aspectos: seu orçamento elevado, as leituras apresenta<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Guerra deCanudos e do sertão e, mais ain<strong>da</strong>, pela associação com Rede Globo de Televisão.Por hora, vale destacar a polêmica acerca <strong>da</strong>s superproduções, os demais tópicosserão analisados adiante.Se os ânimos já estavam exaltados desde o lançamento de Tieta do Agreste,com Guerra de Canudos a polarização dentro do campo <strong>cinema</strong>tográfico ganhou força,e as disputas entre os grupos se acirraram. De um lado, um grupo de cineastas quedefendia as superproduções, formado principalmente por diretores já consagrados <strong>no</strong>campo <strong>cinema</strong>tográfico, como Cacá Diegues, o clã Barreto (Bru<strong>no</strong>, Fábio e Luiz Carlosà frente), Sérgio Rezende, Zelito Vianna e Hector Babenco. Do outro lado, um grupo decineastas defendendo a priorização <strong>da</strong> realização de filmes de orçamento médio e debaixo orçamento, formado por diretores tidos como alternativos, como CarlosReichenbach, Júlio Bressane, Sérgio Bianchi e Domingos de Oliveira, além dosestreantes em longa-metragem, como Beto Brant, Jorge Furtado, Tata Amaral, CarlaCamurati, Lírio Ferreira, Paulo Cal<strong>da</strong>s e outros.O que estava em questão naquele momento, para além <strong>da</strong> concepção de filmeenquanto produto de entretenimento ou como arte, era a viabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s grandesproduções <strong>no</strong> Brasil, onde não havia uma indústria <strong>cinema</strong>tográfica consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> e o<strong>cinema</strong> ain<strong>da</strong> dependia do apoio estatal. Um <strong>cinema</strong> que não se paga, é feito com odinheiro público, pode se permitir superproduções para assim conquistar um públicomaior? Ou o dinheiro deve ser empregado para possibilitar uma maior democratizaçãodo fazer <strong>cinema</strong>tográfico?Os dois grupos deram diferentes respostas a essas perguntas, como deixaramtransparecer em seus discursos. Para o estreante Lucas Amberg 130 “o Brasil não tem130 NAGIB, Lúcia. O Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, op. cit., página 52.


85estrutura para filmes com orçamento de R$ 7 milhões ou mais. Mesmo havendo umaLei do Audiovisual, uma superprodução não rende bilheteria que cubra um orçamentode R$ 10 milhões. Então, seria melhor fazer dez filmes de R$ 1 milhão ca<strong>da</strong>, pois serãodez <strong>no</strong>vos cineastas entrando <strong>no</strong> mercado.”Em um debate promovido pela Folha de São Paulo 131 com cinco diretoresestreantes em longa metragem <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 90 (Sandra Werneck, Carla Camurati, TataAmaral, Paulo Cal<strong>da</strong>s e Lírio Ferreira), a tônica dos discursos também foi a defesa defilmes mais baratos, para que mais pessoas pudessem fazer <strong>cinema</strong>. Além <strong>da</strong>necessi<strong>da</strong>de de democratização de acesso ao fazer <strong>cinema</strong>tográfico, esses cineastasfizeram críticas ao superfaturamento dos orçamentos nas grandes produções, práticacomum <strong>no</strong> meio <strong>cinema</strong>tográfico <strong>no</strong> período. Segundo Werneck, “existe umamentali<strong>da</strong>de de ‘vamos ganhar na produção' para o caso de o filme não <strong>da</strong>rbilheteria...”. Constatação que, para Carla Camurati, acabará inviabilizando aRetoma<strong>da</strong>. Para Carla, ”quem está fazendo isso vai acabar destruindo o <strong>cinema</strong>... Vaificar mais caro, mais inflacionado.” E as críticas às superproduções chegaram a sedirecionar aos cineastas que fazem esse tipo de filme, que também estariam lucrandomuito mais. Segundo Paulo Cal<strong>da</strong>s: ”a gente sabe que isso existe demais. Não são sóos 'cafetões' que fazem isso, são os próprios cineastas”. Finalizando o debate, TataAmaral procurou diferenciar o seu grupo do outro, aquele que realizava as grandesproduções. Segundo ela, ”É bom ficar claro que a gente não está interessa<strong>da</strong> nisso,que a gente está experimentando outras formas que têm a ver com ética, inclusive.”Se de um lado encontravam-se cineastas que defendiam os filmes de baixoorçamento com o objetivo de democratizar o acesso ao fazer <strong>cinema</strong>tográfico,garantindo assim a continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> produção e o aumento do número de filmeslançados, <strong>no</strong> outro lado do campo <strong>cinema</strong>tográfico estavam cineastas que acreditavamque o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro dependia de grandes produções que agra<strong>da</strong>ssem ao público ese tornassem produtos de exportação – e portanto deveriam ser prioriza<strong>da</strong>s assuperproduções. Ou, segundo Hector Babenco 132 , “o Brasil tem que fazer me<strong>no</strong>sfilmes”. A lógica é simples: utilizar o dinheiro destinado ao <strong>cinema</strong> para fazer me<strong>no</strong>s e131 GONÇALVES, Marcos Augusto. “Novos cineastas querem mu<strong>da</strong>r o foco”. Folha de São Paulo, 25 deAbril de 1997, Ilustra<strong>da</strong>, páginas 13 - 14.132 NAGIB, Lúcia. O Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, op. cit., página 81.


86melhores filmes, mais próximos do padrão de quali<strong>da</strong>de <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>, e que fossemexportados.Postura semelhante transpareceu <strong>no</strong> discurso de Cacá Diegues em defesa deTieta do Agreste e principalmente <strong>no</strong>s argumentos do principal produtor de <strong>cinema</strong> <strong>no</strong>Brasil, Luiz Carlos Barreto. Barreto foi um dos articuladores <strong>da</strong> Lei do Audiovisual eesteve presente em to<strong>da</strong>s as discussões sobre a política <strong>cinema</strong>tográfica. Para ele, aestratégia de priorizar as superproduções seria a forma de garantir a inserção do<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro <strong>no</strong> Brasil e <strong>no</strong> exterior, e assim garantir a permanência do fazer<strong>cinema</strong>tográfico. Segundo Barreto 133 :“Mas esta história de que não teremos superproduções como Canudos em 98 émentira. Ao contrário, Chatô, rei do Brasil, de Guilherme Fontes, e a biografia doBarão de Mauá, de Sérgio Rezende, vão ter orçamentos ain<strong>da</strong> maiores. E sãoestes filmes out-doors que garantem a visibili<strong>da</strong>de do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro”.As disputas internas entre estes dois grupos <strong>no</strong> interior do campo<strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiro correspondem a diferentes concepções sobre o <strong>cinema</strong> <strong>no</strong>Brasil e, consequentemente, a dois posicionamentos ideológicos distintos, mas nãonecessariamente opostos. A valorização <strong>da</strong>s superproduções implicou na priorização do<strong>cinema</strong> enquanto mercadoria para exportação, e apostou em <strong>no</strong>mes consagrados <strong>no</strong>campo <strong>cinema</strong>tográfico e em padrões de quali<strong>da</strong>de para competir com o <strong>cinema</strong>internacional, mais do que <strong>no</strong> valor do filme como produtor de sentido. Já a defesa <strong>da</strong>sproduções de baixo orçamento, que procurou assim uma maior democratização doacesso ao fazer <strong>cinema</strong>tográfico, apostou em soluções simples e criativas, e viu aimportância do <strong>cinema</strong> <strong>no</strong> seu valor cultural e não apenas comercial.Mas os dois grupos, embora discor<strong>da</strong>ntes em relação à concepção de <strong>cinema</strong>enquanto mercadoria ou como produtor de sentido, concor<strong>da</strong>ram em relação ao pesodo autor <strong>no</strong> <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro. Isto é, embora os debates tenham se <strong>da</strong>do em tor<strong>no</strong> dovalor comercial ou cultural dos filmes, em ambos os casos a idéia de <strong>cinema</strong> de autorain<strong>da</strong> se encontrou muito presente, tanto que os conflitos se deram entrediretores/autores, exceção feita a Luiz Carlos Barreto, produtor. Persistiu a contradição133 GRAÇA, Eduardo. “Almoço com artistas fecha o a<strong>no</strong> <strong>da</strong> cultura”. Jornal do Brasil, 24 de Dezembrode 1997, Cader<strong>no</strong> B, página 07.


87que marca o pensamento e o fazer <strong>cinema</strong>tográficos <strong>brasil</strong>eiros: autoral em suaconcepção, mas tentando se inserir <strong>no</strong> esquema <strong>da</strong> indústria cultural.Em meio à disputa sobre a priorização de superproduções ou filmes depeque<strong>no</strong>s orçamentos, o gover<strong>no</strong> federal alterou <strong>no</strong>vamente a legislação sobre acaptação de recursos. A partir de julho de 1997 foi permitido aos cineastas eprodutores incluir <strong>no</strong> orçamento um valor destinado à remuneração de empresas oucorretores responsáveis pela captação de recursos, isto é, empresas/corretores quefossem intermediárias entre o cineasta e as empresas patrocinadoras, vendendo osprojetos <strong>no</strong> mercado. O valor cobrado por esse profissional poderia chegar a 10% doorçamento total do filme, o que acabou contribuindo para inflacionar ain<strong>da</strong> mais oscustos dos filmes. Segundo matéria publica<strong>da</strong> <strong>no</strong> jornal O Estado de São Paulo 134 ,me<strong>no</strong>s de seis meses após as alterações na legislação, as corretoras especializa<strong>da</strong>sem <strong>cinema</strong> já contabilizavam lucros e acumulavam projetos, pois “nesse <strong>no</strong>vo mercado,que a ca<strong>da</strong> dia se solidifica – mas ain<strong>da</strong> não é auto-sustentável – a atuação <strong>da</strong>scorretoras cresce na mesma veloci<strong>da</strong>de dos orçamentos <strong>da</strong>s produções.” Tor<strong>no</strong>u-semuito mais interessante captar recursos para filmes mais caros, pois o valor recebidopelas corretoras era maior, o que acabou por permitir que as superproduções tivessemmais facili<strong>da</strong>de de conseguir patrocínio do que os filmes mais baratos, que nãocontavam com o “empenho” dos captadores de recursos.Assim como é impossível delimitar um único fator ou motivo que sejaresponsável direto pela retoma<strong>da</strong> do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 90, mas sim umaconjunção de fatores – como a implantação de uma <strong>no</strong>va política para o <strong>cinema</strong>, asarticulações e movimentações do campo <strong>cinema</strong>tográfico e as diferentes concepçõesde <strong>cinema</strong> relaciona<strong>da</strong>s a estas lutas internas do campo – também não se poderelacionar o encarecimento <strong>da</strong>s produções exclusivamente a uma única causa. Asalterações na legislação que permitiram um maior valor a ser captado, as disputas entregrupos de cineastas por um modelo de <strong>cinema</strong> e a figura dos captadores de recursosprofissionais são responsáveis por este inflacionamento <strong>da</strong>s produções, assim como oencarecimento dos salários dos profissionais de <strong>cinema</strong>.134 SOUZA, Ricardo. “Captadores de recurso entram em cena”. O Estado de São Paulo, 27 de Março de1998, Cader<strong>no</strong> 2, página 05.


88Seja <strong>no</strong>s filmes de baixo orçamento ou nas superproduções, o que se assistiunessa fase de maior produtivi<strong>da</strong>de do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, além do maior número defilmes lançados, foi o reaquecimento do mercado para profissionais de <strong>cinema</strong>, antesdivididos entre a televisão e a publici<strong>da</strong>de. Uma <strong>da</strong>s marcas distintivas do <strong>cinema</strong> dosa<strong>no</strong>s 90 foi a elevação técnica (seja na quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s imagens, <strong>no</strong>s cenários, <strong>no</strong>figuri<strong>no</strong>, nas ambientações, <strong>no</strong> áudio etc.) e esse avanço esteve diretamenterelacionado com a experiência <strong>da</strong>s equipes técnicas na publici<strong>da</strong>de e na televisão<strong>brasil</strong>eiras, que durante a crise do <strong>cinema</strong> dos a<strong>no</strong>s 80 e 90, absorveram estes quadrose formaram uma <strong>no</strong>va geração de profissionais. Como esses outros dois campos doaudiovisual <strong>brasil</strong>eiro sempre tiveram maiores recursos financeiros e padrões dequali<strong>da</strong>de muito mais exigentes, a experiência desses profissionais se alterou namesma medi<strong>da</strong> em que os salários e cachês se elevaram.A importância <strong>da</strong>s equipes de produção para o <strong>cinema</strong> foi trata<strong>da</strong> por PierreSorlin 135 , que considera os filmes como obras coletivas e se opõe à idéia de que o<strong>cinema</strong> é uma obra autoral. Para Sorlin, o <strong>cinema</strong> é produto de uma equipe e não deum diretor: o diretor coordena a equipe, está presente em to<strong>da</strong>s as fases do trabalho,mas o filme é essencialmente coletivo. Através <strong>da</strong>s relações que se desenvolvemdentro do campo <strong>cinema</strong>tográfico, entre diretores e demais profissionais, as equipesvão adquirindo estilos próprios, modos de fazer diferenciados, que acabam marcando o<strong>cinema</strong> de um determinado período. Por isso, segundo este autor, é possível analisaruma série de filmes de uma época, e não apenas as realizações de um determinadodiretor – e é o que propõe este trabalho, que se utiliza desta abor<strong>da</strong>gem alia<strong>da</strong> à teoriados campos de Bourdieu. Para analisar o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, então, se faznecessário estar atento ao campo <strong>cinema</strong>tográfico e suas relações internas (entreautores e entre equipes) e externas (com o mercado e com o Estado).Sorlin chama de corporativismo inter<strong>no</strong> as relações que se estabelecem entre osprofissionais do campo <strong>cinema</strong>tográfico; o corporativismo inter<strong>no</strong> dificulta o acesso aocampo, através <strong>da</strong> exigência de cursos, criação de escolas e obrigatorie<strong>da</strong>de de“estágio” (ou aprendizado na prática) com um profissional já consoli<strong>da</strong>do <strong>no</strong> campo. Háuma rigorosa divisão de trabalho e uma forte hierarquia <strong>no</strong> campo, o que acaba135 SORLIN, Pierre. Sociología del Cine, op. cit..


89minimizando a formação profissional e privilegiando os “contatos”, a prática. É umaforma de proteção do campo, além de gerar grande capaci<strong>da</strong>de de integração interna.Além disso, ocorre uma imposição de regras de conduta, através deste aprendizado naprática: como se aprende com os profissionais já consagrados <strong>no</strong> campo, determina<strong>da</strong>sescolhas estéticas ou técnicas são toma<strong>da</strong>s como <strong>no</strong>rmas do campo.Assim, o apuro técnico do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> pode ser melhor compreendido:os profissionais se formaram e se especializaram <strong>no</strong>s outros campos do audiovisual<strong>brasil</strong>eiro (a televisão e a publici<strong>da</strong>de) e trouxeram, destes campos, as opções técnicase estéticas já experimenta<strong>da</strong>s e consagra<strong>da</strong>s, como padrões de fotografia, de luz, deedição e de som, por exemplo. Mas trouxeram também uma elevação <strong>no</strong>s valores dossalários e cachês, já que a televisão e a publici<strong>da</strong>de remuneram melhor osprofissionais. Além disso, o maior número de filmes produzidos reaqueceu o mercadopara os profissionais, contribuindo para o aumento dos salários. Uma matéria publica<strong>da</strong><strong>no</strong> Jornal do Brasil, em junho de 1996, atentou para este fato, trazendo depoimentos deprofissionais. Segundo a matéria 136 :“O eletricista Carlos Alberto de Souza Ribeiro, o Betão, 41 a<strong>no</strong>s, 24 de <strong>cinema</strong>,que participou de O quatrilho e de O que é isso, companheiro? é um exemplo.Durante as vacas magras ele mirou seus holofotes para o mercado de comerciais.‘Se me convi<strong>da</strong>rem continuo fazendo comercial, mas prefiro <strong>cinema</strong>. A gente seenvolve mais, se sente mais seguro porque trabalha dois ou três meses em ca<strong>da</strong>filme e nesse tempo está garantido. Agora está até melhor de negociar salário’conclui.”Com mais filmes em fase de produção, os profissionais passaram a ser maisdisputados, já que se dividiram entre <strong>cinema</strong>, publici<strong>da</strong>de e televisão, e graças a essamaior disputa os salários se elevaram. A elevação dos salários <strong>da</strong>s equipes técnicas,alia<strong>da</strong> ao quadro de favorecimento <strong>da</strong>s superproduções que contavam com grandesquantias de dinheiro, estavam diretamente liga<strong>da</strong>s ao inflacionamento dos custos deprodução em <strong>cinema</strong> neste período. E como os salários eram determinados por funçãoe não pelo tipo de filme – por exemplo, um iluminador ganha um piso salarial136 “O doce regresso”. Jornal do Brasil, 16 de Junho de 1996, Revista de Domingo, página 05.


90estabelecido pelo sindicato dos trabalhadores em <strong>cinema</strong> 137 , independente de trabalharnuma superprodução ou num filme de baixo orçamento – o fazer <strong>cinema</strong>tográfico <strong>no</strong>Brasil ficou mais caro.Além de contribuir para o inflacionamento dos custos <strong>da</strong>s produções<strong>cinema</strong>tográficas durante os a<strong>no</strong>s 90, graças à elevação dos pisos salariais dosquadros técnicos, a televisão e a publici<strong>da</strong>de <strong>brasil</strong>eiras também influenciaram alinguagem do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, como veremos agora.3. UMA INDÚSTRIA AUDIOVISUAL?Em meio aos sucessos de público e crítica, às discussões levanta<strong>da</strong>s pelassuperproduções e ao encarecimento dos custos de produção, o primeiro man<strong>da</strong>to deFHC assistiu à incorporação de técnicas, linguagens e padrões estéticos <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>dee <strong>da</strong> televisão pelo <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro. O campo do <strong>cinema</strong> se viu permeado peloscampos <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> televisão, e essa permeabili<strong>da</strong>de colaborou para construir oaspecto distintivo ao Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, uma marca que o diferenciou de demaisperíodos <strong>da</strong> <strong>cinema</strong>tografia <strong>brasil</strong>eira. Além disso, a partir de então, campo<strong>cinema</strong>tográfico e Estado se voltaram para tentar formar um mercado audiovisual <strong>no</strong>Brasil, que incluísse <strong>cinema</strong>, televisão, publici<strong>da</strong>de e vídeo.Ao analisar as mu<strong>da</strong>nças culturais, a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e o consumo nas socie<strong>da</strong>descontemporâneas, Nestor Garcia Canclini 138 entende o <strong>cinema</strong> como parte de umaindústria cultural que inclua televisão, publici<strong>da</strong>de e vídeo – como ocorre na estratégiade sinergia que o <strong>cinema</strong> <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> adota desde o final dos a<strong>no</strong>s 60. Mas,137 Sindicato Interestadual dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual – STIC:www.stic.com.br (exceto São Paulo); Sindicato dos Trabalhadores <strong>da</strong> Indústria Cinematográfica de SãoPaulo – SINDCINE: www.sindcine.com.br (só para os profissionais de São Paulo).138 CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e Ci<strong>da</strong>dãos: Conflitos Multiculturais <strong>da</strong> Globalização.Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1995, página 170.


91segundo este autor, para que essa integração se dê em outros <strong>cinema</strong>s além deHollywood, é preciso “se reposicionar a indústria cultural – <strong>cinema</strong>, televisão e vídeo –numa política multimídia, que inclua também publici<strong>da</strong>de e outros derivados comerciais<strong>da</strong>s práticas simbólicas de massa.”O que ocorreu foi que nesse período do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, a integração com atelevisão, o vídeo e a publici<strong>da</strong>de se deu apenas através <strong>da</strong> linguagem, <strong>da</strong> técnica e <strong>da</strong>estética, e não atingiu o ponto crucial, que seria a integração comercial através <strong>da</strong>formação de um mercado audiovisual. Ou, para usarmos os termos de Canclini, nãohouve a elaboração de uma política multimídia que reposicionasse a indústria cultural<strong>brasil</strong>eira. As alterações na legislação efetua<strong>da</strong> visavam garantir condições definanciamento <strong>da</strong> produção <strong>cinema</strong>tográfica através <strong>da</strong> renúncia fiscal, mas não houvenenhuma medi<strong>da</strong> ou lei que incentivasse ou comprometesse a televisão e a publici<strong>da</strong>de<strong>brasil</strong>eiras com a produção <strong>cinema</strong>tográfica.Como o <strong>cinema</strong> se tor<strong>no</strong>u um bom negócio, passou a atrair a atenção dos outroscampos do audiovisual. Algumas produtoras que trabalhavam apenas com publici<strong>da</strong>dese interessaram pelo <strong>cinema</strong>, como a O2 Filmes de Fernando Meirelles, e a maioremissora de televisão do Brasil, a Rede Globo, que, em 1998, lançou <strong>no</strong> mercado suaprodutora <strong>cinema</strong>tográfica, a Globo Filmes. Mas a inserção <strong>no</strong> campo <strong>cinema</strong>tográficode produtoras de publici<strong>da</strong>de e emissoras de televisão, por si só, não pode serconsidera<strong>da</strong> uma integração de mercado audiovisual, por dois motivos: 1. não houvequalquer garantia legal de obrigatorie<strong>da</strong>de de exibição do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro nasemissoras de televisão, nem nenhuma medi<strong>da</strong> que estimulasse a parceria <strong>cinema</strong> etelevisão; 2. não houve a elaboração de um mecanismo de financiamento do <strong>cinema</strong>através de contribuição <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de – o que só vai ocorrer em 2001, com a criação<strong>da</strong> Ancine e a aprovação <strong>da</strong> Contribuição para o Desenvolvimento <strong>da</strong> IndústriaCinematográfica (Condecine), que cobra uma taxa <strong>da</strong>s produtoras de filmes e vídeospublicitários, e essa taxa é reverti<strong>da</strong> para a produção <strong>cinema</strong>tográfica 139 .Assistiu-se então à incorporação de padrões estéticos, técnicos e de linguagem<strong>da</strong> televisão e <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de <strong>no</strong> Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, graças à entra<strong>da</strong> deprofissionais, emissoras e produtoras destes campos <strong>no</strong> campo <strong>cinema</strong>tográfico. E139 Medi<strong>da</strong> Provisória nº 2.228-1 de 06 de setembro de 2001.


92esses <strong>no</strong>vos padrões, que acabaram se tornando uma <strong>da</strong>s marcas distintivas doCinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> – principalmente <strong>no</strong> que se refere à idéia de um maior apurotécnico – foram também os maiores alvos <strong>da</strong> crítica do período, iniciando uma polêmicaque se estende até os dias atuais.Mas antes de iniciarmos a análise <strong>da</strong> polêmica sobre as incorporações delinguagens, técnicas e estéticas publicitárias e televisivas pelo Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>,que ganharam forma principalmente através <strong>da</strong> expressão “Cosmética <strong>da</strong> Fome”cunha<strong>da</strong> pela pesquisadora Ivana Bentes 140 , vale fazer um peque<strong>no</strong> histórico <strong>da</strong>srelações entre o campo <strong>cinema</strong>tográfico e os campos <strong>da</strong> televisão e <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de <strong>no</strong>Brasil, isto é, <strong>da</strong> indústria do audiovisual <strong>brasil</strong>eira.Durante o período de consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> indústria cultural <strong>no</strong> Brasil, que se deu nasdéca<strong>da</strong>s de 1960 e 70 durante a ditadura militar, os três campos <strong>da</strong> indústria doaudiovisual se desenvolveram, mas não de forma interliga<strong>da</strong>. A ligação entre televisãoe publici<strong>da</strong>de foi imediata, e estes campos tiveram sua consoli<strong>da</strong>ção na déca<strong>da</strong> de 60,enquanto o <strong>cinema</strong> cresceu paralelamente e viveu sua fase mais popular e produtivadurante a déca<strong>da</strong> de 1970. Nos três casos, a atuação do Estado foi determinante, masesta atuação se deu de forma distinta. No caso <strong>da</strong> televisão, através <strong>da</strong>s concessões efacili<strong>da</strong>des para a formação <strong>da</strong>s grandes redes de televisão, com emissoras integrandotodo o território nacional, que contou com grande investimento estatal em tec<strong>no</strong>logia epara o barateamento dos aparelhos; <strong>no</strong> caso do <strong>cinema</strong>, através <strong>da</strong> Embrafilme; e napublici<strong>da</strong>de, através <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de oficial, que com seus altos investimentos manteve osetor.A consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de para a indústria cultural é fun<strong>da</strong>mental, pois é apublici<strong>da</strong>de que mantém os outros campos, através dos anúncios. A publici<strong>da</strong>de “paga”a televisão, o rádio e a imprensa, que não são capazes de se manterem sozinhos.Segundo Renato Ortiz 141 , “seria impossível considerarmos o advento de uma indústria140 A expressão “Cosmética <strong>da</strong> Fome” foi utiliza<strong>da</strong> por Ivana Bentes para caracterizar alguns filmes doCinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, em oposição à “Estética <strong>da</strong> Fome” do Cinema Novo. O artigo que inicia estapolêmica foi publicado <strong>no</strong> Jornal do Brasil do dia 08 de Julho de 2001. A discussão sobre essaexpressão e sua repercussão será feita adiante.141 ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira: Cultura Brasileira e Industria Cultural. Op. cit,página 130.


93cultural sem levarmos em conta o avanço <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de; em grande parte, é atravésdela que todo o complexo de comunicação se mantém”.A televisão e a publici<strong>da</strong>de <strong>no</strong> Brasil sempre foram intimamente liga<strong>da</strong>s, e aoestimular o desenvolvimento de ambas, o Estado garantiu a consoli<strong>da</strong>ção e, mais doque isso, a manutenção desses dois campos. Já com o <strong>cinema</strong>, a estratégia estatal foioutra: a Embrafilme proporcio<strong>no</strong>u a manutenção e o crescimento <strong>da</strong> produção de filmesdurante seu período de existência, mas não conseguiu consoli<strong>da</strong>r uma indústria<strong>cinema</strong>tográfica independente do Estado. Ou seja, os estímulos e facili<strong>da</strong>des <strong>da</strong>dos àtelevisão e à publici<strong>da</strong>de serviram para aju<strong>da</strong>r a implementar esses campos que depoisconseguiram se manter sozinhos, enquanto o estímulo <strong>da</strong>do ao <strong>cinema</strong> não conseguiutorná-lo auto-sustentável.A dependência do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro em relação ao Estado se deu,principalmente, pelo seu afastamento dos outros campos do audiovisual: se houvesseuma integração real com a televisão e a publici<strong>da</strong>de, haveria grandes possibili<strong>da</strong>des dereverter esse quadro de dependência. Para melhor percebermos como essadissociação entre o <strong>cinema</strong> e os campos <strong>da</strong> televisão e <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de é característica<strong>da</strong> indústria cultural nacional, é interessante <strong>no</strong>tar o exemplo <strong>da</strong>do por José Mário OrtizRamos, em suas análises sobre a cultura popular de massa <strong>no</strong> Brasil 142 . Ao analisar o<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro do final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 70, o autor comenta o distanciamento entre<strong>cinema</strong> e publici<strong>da</strong>de, argumentado que “a inserção do <strong>cinema</strong> nesse universopublicitário nem sempre é tranqüila, mesclando as dificul<strong>da</strong>des materiais com umrealinhamento de formas de pensar dos cineastas” 143 . Ou seja, a concepção de <strong>cinema</strong>como arte e não como produto de entretenimento, muito presente <strong>no</strong> pensamento<strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiro do período, alia<strong>da</strong> à estratégia estatal utiliza<strong>da</strong> para incentivaro desenvolvimento dos diferentes campos do audiovisual, foram responsáveis pelodistanciamento dos campos. E esse distanciamento, por sua vez, contribui para amanutenção <strong>da</strong> dependência do <strong>cinema</strong> em relação ao Estado.Em relação à televisão, o distanciamento do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro também ocorreude forma semelhante. Embora o campo <strong>da</strong> televisão se desenvolvesse paralelamente142 RAMOS, José Mário Ortiz. Cinema, Televisão e Publici<strong>da</strong>de: Cultura Popular de Massa <strong>no</strong> Brasil<strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 1970-1980. op. cit.143 Idem, página 37.


94ao do <strong>cinema</strong>, sempre houve uma espécie de “preconceito” por grande parte doscineastas em se ligar a esta ativi<strong>da</strong>de, considera<strong>da</strong> mais comercial, enquanto o <strong>cinema</strong>se apresentava como uma ativi<strong>da</strong>de artística, produtora de sentido e não apenas umamercadoria. Ain<strong>da</strong> segundo José Mário Ortiz Ramos, sobre a ausência de ligação entreo <strong>cinema</strong> e a televisão <strong>no</strong> Brasil: “Triste desenrolar <strong>da</strong>s relações entre o <strong>cinema</strong> e atelevisão. O <strong>cinema</strong> mais niti<strong>da</strong>mente popular de massa, o <strong>da</strong> Boca, não consegue umainterlocução mais ampla, devido ao seu fechamento em tor<strong>no</strong> de temáticas visando umpúblico específico, e ao padrão de produção inferior. (...) O <strong>cinema</strong> mais ‘culto’ sofrepor seu passado politizado, sua pouca familiari<strong>da</strong>de com o ‘divertimento’, seu apego àspráticas ‘artesanais’, se mostrando, assim, inadequado para a indústria televisiva” 144 .Ou seja, os cineastas não queriam trabalhar na televisão, considera<strong>da</strong> “me<strong>no</strong>r”, ea televisão não se interessava pelo <strong>cinema</strong> nacional, considerado sem quali<strong>da</strong>detécnica ou distante do gosto do público. Para o campo <strong>cinema</strong>tográfico, a ligação coma televisão deveria se <strong>da</strong>r através <strong>da</strong> exibição dos filmes <strong>brasil</strong>eiros nas emissorasnacionais, que sempre preferiram o produto estrangeiro. E embora houvesse umapressão para que o Estado garantisse, via legislação, uma cota mínima de exibição dofilme nacional nas emissoras abertas, essa garantia nunca foi consegui<strong>da</strong>.A união entre os três campos (<strong>cinema</strong>, televisão e publici<strong>da</strong>de) para a formaçãode uma indústria cultural audiovisual <strong>no</strong> Brasil, embora já fosse presente nasdiscussões entre produtores e Estado desde a déca<strong>da</strong> de 1970, sempre foi posterga<strong>da</strong>.O <strong>cinema</strong> se desenvolveu a margem dessa indústria cultural nascente <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 60 e70, e os cineastas apresentaram muita dificul<strong>da</strong>de em se perceberem como parte domercado audiovisual. A impressão que se tem é que os cineastas fizeram publici<strong>da</strong>de“por um tempo”, televisão “para ganhar dinheiro”, mas não conseguiram se enxergarcomo profissionais do audiovisual, como não conceberam o <strong>cinema</strong> dentro de umaindústria cultural audiovisual.Da mesma forma que, entre as déca<strong>da</strong>s de 1960 a 1980, houve um preconceitodo profissional de <strong>cinema</strong> em se ligar à publici<strong>da</strong>de e à televisão, os profissionaisdesses dois campos também procuraram se distanciar do <strong>cinema</strong>, muitas vezes vistocomo ativi<strong>da</strong>de desenvolvi<strong>da</strong> por profissionais “do mal feito”, <strong>da</strong> falta de cumprimento de144 Idem, página 89.


95prazos, <strong>da</strong> indisciplina e do artesanato. Esses estereótipos e preconceitos serviram naver<strong>da</strong>de para delimitar as diferenças e singulari<strong>da</strong>des de ca<strong>da</strong> um dos campos doaudiovisual, que se relacionavam, mas tentavam preservar sua auto<strong>no</strong>mia.Funcionaram como estratégias de legitimação e diferenciação, que <strong>no</strong> momento deconstituição dos campos foram essenciais para consolidá-los e mantê-los como esferasautô<strong>no</strong>mas.Atentar para a singulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> formação <strong>da</strong> indústria cultural <strong>no</strong> Brasil se feznecessário para entendermos as origens do distanciamento do <strong>cinema</strong> em relação aosoutros campos do audiovisual. Pudemos perceber como a aproximação entre oscampos, durante o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, tor<strong>no</strong>u-se uma característica marcante desse<strong>cinema</strong> – característica essa que foi alvo de muitas críticas, despertando polêmicas atéhoje.No início do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, a associação entre <strong>cinema</strong>, televisão epublici<strong>da</strong>de deu-se através <strong>da</strong> circulação de profissionais entre esse três campos, comojá vimos. Mas com o aumento <strong>da</strong>s produções e a maior visibili<strong>da</strong>de dos filmes,começaram a surgir alianças entre esses três campos, principalmente entre <strong>cinema</strong> etelevisão.A primeira iniciativa em relação a essa parceria deu-se através <strong>da</strong> TV Cultura deSão Paulo, que co-produziu, em 1994, um longa-metragem em episódios de CacáDiegues (Veja Esta Canção), inicialmente exibido na televisão, chegando depois aocircuito exibidor comercial. A experiência de Veja Esta Canção foi considera<strong>da</strong> bemsucedi<strong>da</strong> pela emissora, e, durante a segun<strong>da</strong> metade dos a<strong>no</strong>s 90, a TV Cultura,juntamente com o gover<strong>no</strong> do Estado de São Paulo, lançou um projeto de parceria paracineastas paulistas, o PIC – Programa de Incentivo ao Cinema. O programa, iniciadoem 1990, teve seu maior investimento em 1996, quando co-produziu 12 filmes de longametragem.A parceria funcionava <strong>da</strong> seguinte forma: os projetos que eramselecionados pela emissora recebiam um investimento de até R$ 400 mil, além deapoio técnico para produção; a emissora ain<strong>da</strong> avalizava o projeto para captação,através <strong>da</strong> garantia de exibição na televisão após a exibição em circuito comercial. ATV Cultura também contribuía para o marketing do filme e veiculava publici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>sproduções em sua programação diária. Foram contemplados com o PIC os filmes Ação


96Entre Amigos de Beto Brant, Cronicamente Inviável de Sérgio Bianchi e O Cineasta <strong>da</strong>Selva de Aurélio Michilis, entre outros. Na edição do PIC de 1997, o gover<strong>no</strong> do Estadode São Paulo desti<strong>no</strong>u para o programa R$ 4,8 milhões, segundo informações do jornalO Estado de São Paulo 145 . Segundo o jornal,“A TV Cultura foi a pioneira <strong>no</strong> casamento entre <strong>cinema</strong> e TV <strong>no</strong> Brasil. Antesmesmo do lançamento do PIC, a emissora foi co-produtora dos longas Veja EstaCanção, de Carlos Diegues, e Sombras de Julho, de Marcos Altberg, queestrearam primeiro na emissora estatal.”A iniciativa foi muito bem recebi<strong>da</strong> <strong>no</strong> campo <strong>cinema</strong>tográfico, mas ain<strong>da</strong> não seapregoava a necessi<strong>da</strong>de de consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> indústria do audiovisual <strong>no</strong> Brasil, já quenesse momento o <strong>cinema</strong> contava com relativa facili<strong>da</strong>de para conseguir investidores, eessa facili<strong>da</strong>de fez com que essas preocupações ficassem em segundo pla<strong>no</strong>. Comoos cineastas estavam conseguindo realizar seus filmes, não houve maior preocupaçãoem elaborar estratégias que integrassem o <strong>cinema</strong> à televisão e à publici<strong>da</strong>de, paraassim tornar-se auto-sustentável. É um reflexo <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de do cineasta como o“Louco por Cinema”, que se preocupa prioritariamente em fazer seu filme – mentali<strong>da</strong>deesta que será questiona<strong>da</strong> (como já havia sido inúmeras vezes anteriormente) <strong>no</strong>sCongressos de Cinema (de 2000 e 2001), mas isso após a crise do final de 1998.Ain<strong>da</strong> em 1997, uma <strong>no</strong>tícia movimentou o campo <strong>cinema</strong>tográfico: a RedeGlobo, maior rede de televisão do Brasil se lançaria na produção <strong>cinema</strong>tográfica. E jácomeçou buscando parcerias e eventuais investidores. Na reali<strong>da</strong>de, a entra<strong>da</strong> <strong>da</strong>Globo <strong>no</strong> <strong>cinema</strong> só se <strong>da</strong>rá em 1998, através <strong>da</strong> criação <strong>da</strong> Globo Filmes, mas asprimeiras articulações e movimentações começaram ain<strong>da</strong> em 1997, conforme seconstata através de uma matéria publica<strong>da</strong> na Folha de São Paulo, em dezembro de1997 146 :“Está previsto para o próximo dia 17, <strong>no</strong> Projac, a criação oficial <strong>da</strong> Globo Filmes,divisão destina<strong>da</strong> à produção de filmes para o <strong>cinema</strong>.O <strong>no</strong>vo núcleo é coman<strong>da</strong>do por uma trinca de diretores: Daniel Filho, que145 “PIC sedimenta parceria de <strong>cinema</strong> e TV”. O Estado de São Paulo, 12 de Dezembro de 1997,Cader<strong>no</strong> 2, página 04.146 PADIGLIONE, Cristina. “Globo se apresenta à indústria do <strong>cinema</strong>”. Folha de São Paulo, 05 deDezembro de 1997, Ilustra<strong>da</strong>, página 04.


97assume a área artística, Tom Florido, responsável por <strong>no</strong>vos projetos, e MarcoAurélio Marcondes, conhecedor do mercado na área de distribuição. Para exporseus pla<strong>no</strong>s, <strong>no</strong> dia 17, a Globo convi<strong>da</strong> diretores, roteiristas e profissionais <strong>da</strong>indústria de <strong>cinema</strong>, além de empresários capazes de patrocinar tal iniciativa.”É interessante <strong>no</strong>tar que a Rede Globo de Televisão, por se tratar de umaconcessão pública, não poderia contar com patrocínio advindo de renúncia fiscal, entãoa estratégia inicial <strong>da</strong> rede foi se associar a produtores independentes, que pudessemcaptar dinheiro através <strong>da</strong> renúncia fiscal, para assim entrar <strong>no</strong> mercado<strong>cinema</strong>tográfico.Antes <strong>da</strong> criação <strong>da</strong> Globo Filmes, essa empresa já vinha “ensaiando” suaentra<strong>da</strong> <strong>no</strong> campo do <strong>cinema</strong>, como por exemplo, através <strong>da</strong> parceria realiza<strong>da</strong> <strong>no</strong> filmeGuerra de Canudos de Sérgio Rezende. Nesse caso, a emissora comprou os direitosde exibição do filme antes dele ser finalizado, e atuou como uma co-produtora.Segundo Rezende 147 , Guerra de Canudos“foi a primeira experiência <strong>da</strong> Rede Globo em participar de um filme desde aprodução. Geralmente a TV compra os filmes prontos, mas <strong>no</strong> caso de Canudosela associou-se ao filme desde o projeto (1996). Para nós, foi uma experiênciapositiva. Sobretudo porque eles pagaram um preço que nunca tinham pago atéentão e nunca mais vão pagar. Foi o maior preço que um filme <strong>brasil</strong>eiro jáconseguiu na televisão.”Essa primeira experiência de parceria deu-se através <strong>da</strong> compra antecipa<strong>da</strong> dosdireitos de exibição na televisão (Guerra de Canudos foi exibido em episódios natelevisão, como uma pequena série), e a partir <strong>da</strong>í a Rede Globo começou a investirseus recursos para montar sua própria produtora, a Globo Filmes. A situação <strong>da</strong> redede televisão é invejável na indústria cultural <strong>brasil</strong>eira, e ela é uma <strong>da</strong>s maioresempresas de comunicação do mundo. Ao entrar <strong>no</strong> campo do <strong>cinema</strong>, a Globo levouconsigo seu star system, as fórmulas de sucesso já padroniza<strong>da</strong>s pela televisão, e suagigantesca infra-estrutura, que inclui estúdios, equipe técnica qualifica<strong>da</strong> eequipamentos de ponta. Em outras palavras, o “padrão Globo de quali<strong>da</strong>de”, jáconsagrado <strong>no</strong> Brasil todo e em diversos outros países, através <strong>da</strong> exportação de147 NAGIB, Lúcia. O Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>. op. cit., página 383.


98tele<strong>no</strong>velas principalmente. Além disso, com a divulgação feita nas emissoras <strong>da</strong> rede,a probabili<strong>da</strong>de de um filme atingir o grande público passou a ser muito maior.Segundo o texto de apresentação <strong>da</strong> Globo Filmes, <strong>no</strong> site <strong>da</strong> produtora 148 :“A Globo Filmes foi cria<strong>da</strong> em 1998 com os objetivos de contribuir para ofortalecimento <strong>da</strong> indústria audiovisual <strong>brasil</strong>eira e aumentar a sinergia entre o<strong>cinema</strong> e a TV. (...) A Globo Filmes participou <strong>da</strong> produção de 34 filmes queatingiram mais de 50 milhões de espectadores nas salas de <strong>cinema</strong>. Formouparceiras com cerca de 16 produtores independentes e contribuiusignificantemente para a divulgação do e<strong>no</strong>rme talento e criativi<strong>da</strong>de dosprofissionais de audiovisual <strong>brasil</strong>eiro e <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de de temas e estilos dos maisdiversos diretores oriundos do <strong>cinema</strong>, <strong>da</strong> televisão e <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de”.A idéia que <strong>no</strong>rteou a criação <strong>da</strong> Globo Filmes foi muito clara: a sinergia entre<strong>cinema</strong>, televisão e publici<strong>da</strong>de, partindo <strong>da</strong> e<strong>no</strong>rme capaci<strong>da</strong>de de penetração junto aopúblico <strong>brasil</strong>eiro já consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> através <strong>da</strong> Rede Globo de Televisão. A criação <strong>da</strong>Globo Filmes, e sua posterior liderança <strong>no</strong> mercado <strong>cinema</strong>tográfico (após o a<strong>no</strong> 2000,como veremos), foram marcos <strong>no</strong> Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, e contribuíramsignificativamente para caracterizar este <strong>cinema</strong>. A Rede Globo realizou, sozinha e aseu modo, a integração dos três campos do audiovisual <strong>brasil</strong>eiro, fazendo sua própria“política multimídia” para retomarmos o termo de Canclini, o que alterousignificativamente o mercado <strong>cinema</strong>tográfico <strong>no</strong> Brasil – e o campo do <strong>cinema</strong> precisouse reorganizar para sobreviver nesse <strong>no</strong>vo mercado.Como estratégia de conquista do mercado, em 1998 a Globo Filmes iniciou suasativi<strong>da</strong>des na co-produção de filmes do próprio elenco <strong>da</strong> emissora, como as produçõesde Renato Aragão (Simão, o Fantasma Trapalhão, 1998 – direção de Paulo Aragão) eAngélica (Zoando na TV, 1999 – direção de José Alvarenga Jr.). Além disso, tambémse associou às produções de Cacá Diegues (Orfeu, 1999) e Bru<strong>no</strong> Barreto (BossaNova, 2000). Nesse primeiro momento, a emissora associou-se a filmes já em fase deprodução, utilizando principalmente a divulgação dos filmes na programação <strong>da</strong>emissora como moe<strong>da</strong> de troca. Foi uma estratégia de marketing certeira: com adivulgação na Rede Globo e o star system <strong>da</strong> emissora, os filmes tiveram mídia148 www.globofilmes.globo.com


99garanti<strong>da</strong> e ótimas perspectivas de público, e isso fez com que as empresas seinteressassem em investir, já que garantiam a visibili<strong>da</strong>de de sua marca.A criação <strong>da</strong> Globo Filmes dividiu <strong>no</strong>vamente o campo <strong>cinema</strong>tográfico: umgrupo de cineastas apoiou a inserção <strong>da</strong> Rede Globo <strong>no</strong> <strong>cinema</strong>, enquanto para oscineastas tidos como mais “alternativos” ou que tinham me<strong>no</strong>s inserção comercial, apreocupação foi com a possível hegemonia <strong>da</strong> emissora <strong>no</strong> campo do <strong>cinema</strong>.Para Luiz Carlos Barreto, parceiro <strong>da</strong> Globo Filmes 149“A Globo não vai concorrer com os produtores independentes. Ao contrário, elavai se associar aos que apresentem projetos, que evidentemente sejam deinteresse dela. Acredito que os investidores vão se pautar pela quali<strong>da</strong>de dosprojetos e não pela presença <strong>da</strong> Globo. (...) O acirramento <strong>da</strong> concorrência <strong>no</strong>mercado <strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiro aconteceu desde a Lei do Audiovisual, de1994, e não vai sofrer grandes alterações por causa <strong>da</strong> Globo Filmes.”Enquanto para Barreto a Globo Filmes não alteraria a concorrência <strong>no</strong> mercado,mesmo contando com um e<strong>no</strong>rme poder de fogo associado à emissora, para o escritore roteirista Alcione Araújo a entra<strong>da</strong> <strong>da</strong> Globo <strong>no</strong> <strong>cinema</strong> significa 150"o risco de extensão ao <strong>cinema</strong> <strong>da</strong> hegemonia que ela tem na televisão (...) Asupremacia <strong>da</strong> TV Globo vai limitar a diversi<strong>da</strong>de de enfoques temáticos eabor<strong>da</strong>gens estéticas <strong>no</strong> <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro. Os projetos desenvolvidos estarão sobuma mesma ideologia, o que vai impedir que a plurali<strong>da</strong>de do Brasil, sua maiorriqueza, seja explora<strong>da</strong> de diversas formas”.Porém, a associação com a televisão, mesmo que para alguns despertasse oreceio, em geral foi bem recebi<strong>da</strong> pelo campo <strong>cinema</strong>tográfico <strong>no</strong> tocante às coproduções,à divulgação e ao dinheiro diretamente investido na produção. A integração<strong>cinema</strong> / televisão foi bem vista, mas o receio era de que, através <strong>da</strong> Globo Filmes,houvesse uma imposição de características estéticas próprias desta emissora <strong>no</strong>sfilmes por ela produzidos. Porque o que se deu, na ver<strong>da</strong>de, não foi uma integração do<strong>cinema</strong> com a televisão e a publici<strong>da</strong>de, mas sim a entra<strong>da</strong> <strong>da</strong> Rede Globo <strong>no</strong> campodo <strong>cinema</strong>; as emissoras de televisão não passaram a exibir mais filmes nacionais,149 “Parceira TV e <strong>cinema</strong> é ‘corriqueira’”. Folha de São Paulo, 26 de Março de 1998, Ilustra<strong>da</strong>, página09.150 Idem.


100como era a reivindicação <strong>da</strong> classe <strong>cinema</strong>tográfica; a publici<strong>da</strong>de também não seassociou ao <strong>cinema</strong> – pelo me<strong>no</strong>s, não eco<strong>no</strong>micamente. Mas a maior rede detelevisão do Brasil começou a produzir filmes, e isso alterou substancialmente omercado <strong>cinema</strong>tográfico.Nesse momento de agitação <strong>no</strong> campo <strong>cinema</strong>tográfico, causa<strong>da</strong> pela GloboFilmes, e graças ao sucesso de Central do Brasil (Walter Salles, 1998), iniciou-se umagrande polêmica acerca <strong>da</strong> incorporação <strong>da</strong>s linguagens <strong>da</strong> televisão e <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>depelo Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, polêmica essa que <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s seguintes irá extrapolar ocampo <strong>cinema</strong>tográfico e ganhar as páginas dos jornais. O que vale destacar, emrelação à incorporação <strong>da</strong>s estéticas publicitária e televisiva pelo <strong>cinema</strong>, é que, emgrande parte, isso se relacio<strong>no</strong>u diretamente à experiência prévia de muitos doscineastas estreantes, que vieram <strong>da</strong> televisão e <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de (como Beto Brant, JorgeFurtado, Guel Arraes, Andrucha Waddington e Fernando Meirelles, por exemplo). Emesmo muitos cineastas já consagrados <strong>no</strong> campo, que durante o período de crise,estiveram trabalhando com publici<strong>da</strong>de e com televisão.O Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, através <strong>da</strong>s parcerias com as emissoras de televisão e<strong>da</strong> experiência de muitos diretores na publici<strong>da</strong>de, assistiu à cristalização de umaestética audiovisual, em que o <strong>cinema</strong> incorporou elementos característicos dos outroscampos do audiovisual, como por exemplo os padrões de fotografia e iluminação, osenquadramentos mais fechados, a caracterização dos personagens etc. Logicamente,essa mistura entre as estéticas e linguagens dos três campos do audiovisual não sedeu sem crises e questionamentos, que se acirraram a partir do final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 90 eserão melhor analisa<strong>da</strong>s a seguir. Tecnicamente, porém, grandes avanços foramconseguidos, e não há porque retroceder: como a publici<strong>da</strong>de e a televisão <strong>brasil</strong>eirasjá trabalhavam com equipamentos e técnicas de última geração, o mesmo agora se deucom o <strong>cinema</strong>. É visível o salto qualitativo técnico que a produção de longas-metragensdeu na déca<strong>da</strong> de 90.O peso <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> prática dos técnicos nesse meio foi inegável <strong>no</strong>Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>. Duas <strong>da</strong>s maiores produtoras que começaram a fazer <strong>cinema</strong><strong>no</strong> período, a Conspiração Filmes e a O2, eram produtoras tradicionalmentepublicitárias. A Conspiração merece uma <strong>no</strong>ta à parte: seus sócios montaram a


101empresa, <strong>no</strong> início dos a<strong>no</strong>s 90, para fazer <strong>cinema</strong>, mas devido à crise <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>deforam “obrigados” a fazer publici<strong>da</strong>de e videoclipes, até conseguirem lançar o primeirolonga-metragem, o projeto coletivo Traição de 1998 (Arthur Fontes, Cláudio Torres eJosé Henrique Fonseca). Já a O2, uma <strong>da</strong>s maiores produtoras publicitárias de SãoPaulo, nunca havia produzido filmes até Domésticas, em 2000 (Fernando Meirelles eNando Olival). Entre os diretores mais “visíveis” do período, isto é, aqueles que tiveramfilmes de maior repercussão crítica, Beto Brant (Os Matadores, 1997 e Ação EntreAmigos, 1998), Murilo Salles (Como Nascem os Anjos, 1996) e Lírio Ferreira (BailePerfumado, 1997) também trabalhavam com publici<strong>da</strong>de antes do <strong>cinema</strong> 151 .Somado às estéticas e técnicas publicitárias e às alianças com as emissoras detelevisão, outro importante fator que influenciou o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> foi o videoclipe.A MTV (emissora de televisão dedica<strong>da</strong> à música, filia<strong>da</strong> a uma rede com sede <strong>no</strong>sEstados Unidos) chegou ao Brasil em 1991, e grande parte dos diretores estreantestambém trabalhou com videoclipe. A Vídeo Filmes, empresa dos irmãos Walter Salles eJoão Moreira Salles, por exemplo, começou a produzir videoclipes e documentáriosmusicais antes mesmo de fazer filmes; a Conspiração Filmes também, além <strong>da</strong>publici<strong>da</strong>de, foi a responsável pelos primeiros videoclipes produzidos <strong>no</strong> Brasil. Ovideoclipe tem uma linguagem própria e privilegia um tipo de edição que leva em contaa veloci<strong>da</strong>de e a profusão de imagens. Não cabe neste momento uma discussão maiselabora<strong>da</strong> acerca <strong>da</strong> estética do videoclipe, mas vale apontar como o <strong>cinema</strong> dos a<strong>no</strong>s90 esteve permeável a essas influências externas, graças às experiências de diretores,autores e técnicos. Além disso, começou a se delimitar a idéia de indústria audiovisual,sem separações rígi<strong>da</strong>s entre os campos do <strong>cinema</strong>, <strong>da</strong> televisão e <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de –idéia essa que será mais discuti<strong>da</strong> na déca<strong>da</strong> seguinte.É viável olhar o <strong>cinema</strong> separa<strong>da</strong>mente dos outros campos do audiovisual? Aquestão se colocou aqui de forma incipiente, mas ganhará maior destaque a partir <strong>da</strong>crise do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, entre 1998 e 1999. Essa questão, que permeou adiscussão sobre a linguagem <strong>cinema</strong>tográfica e as características do Cinema <strong>da</strong>Retoma<strong>da</strong>, apontou para um problema do campo <strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiro: o Cinema<strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> não se assumiu como entretenimento e quis para si um status de arte,151 Segundo depoimentos em NAGIB, Lúcia. O Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>. op. cit.


102diferenciando-se <strong>da</strong> televisão e <strong>da</strong> publici<strong>da</strong>de. Mas, justamente nesse momento, osfilmes ca<strong>da</strong> vez mais cediam aos apelos <strong>da</strong> indústria cultural, devido à necessi<strong>da</strong>de deconseguir patrocínios através do mercado. Além disso, em tempos de mundialização ecom a indústria do audiovisual ca<strong>da</strong> vez mais ampla, incorporando internet, celulares einúmeras <strong>no</strong>vas mídias, essas discussões do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro dos a<strong>no</strong>s 90 ficaram<strong>da</strong>ta<strong>da</strong>s, e precisaram ser revistas. Em parte, essa revisão se iniciará <strong>no</strong>s congressosde <strong>cinema</strong> (2000 e 2001), mas aguar<strong>da</strong> até hoje solução.4. O CINEMA DA DIVERSIDADEA maior integração dos três campos do audiovisual (<strong>cinema</strong>, televisão epublici<strong>da</strong>de) contribuiu significativamente para a construção de uma <strong>da</strong>s marcas dedistinção do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> em relação a outros períodos e ciclos <strong>da</strong><strong>cinema</strong>tografia <strong>brasil</strong>eira, <strong>da</strong><strong>da</strong> a permeabili<strong>da</strong>de desse <strong>cinema</strong> em relação à televisão eà publici<strong>da</strong>de. Mas será que, a partir dessa característica distintiva, o Cinema <strong>da</strong>Retoma<strong>da</strong> pode ser considerado um movimento organizado <strong>no</strong> campo <strong>cinema</strong>tográfico– ou uma formação, para usarmos os termos de Raymond Williams 152 ?O conceito de formação desse autor diz respeito a movimentos organizados ougrupos de artistas envolvidos com um projeto comum. Para Williams, é essencial numaabor<strong>da</strong>gem sociológica <strong>da</strong> cultura que se analisem as instituições (principalmente oEstado e o mercado) e as formações (que são formas de organização e de autoorganizaçãodos produtores culturais e artistas). Dentre os tipos de formaçõespresentes nas socie<strong>da</strong>des modernas, destacam-se os movimentos, que são tipos deformação “em que os artistas se congregam na busca comum de alguma meta152 WILLIAMS, Raymond. Cultura. op. cit.


103específica” 153 . Segundo o teórico britânico, para identificar um movimento é necessáriodetectar uma <strong>da</strong>s seguintes características de organização interna: 1. exigência departicipação formal dos membros; 2. organização de um manifesto público; 3. ser fruto<strong>da</strong> associação consciente ou identificação grupal 154 .Ora, <strong>no</strong> Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, não se encontra nenhum tipo de organizaçãointerna: não houve qualquer tipo de exigência de filiação ou participação formal, nãohouve um manifesto público, nem associação consciente ou identificação grupal. Masse o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> não foi um movimento, como defini-lo? O que faz com queos filmes realizados a partir de meados <strong>da</strong> de<strong>da</strong><strong>da</strong> de 1990 fossem considerados comoparte do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>? Antes ain<strong>da</strong>, como definir o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>?Antes de responder a essas questões, vale ressaltar a importância <strong>da</strong> análise doCinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong>s relações do campo <strong>cinema</strong>tográfico com o Estado.Dessa forma, é possível deixar transparecer as diferenças, disputas e lutas internasdos cineastas <strong>no</strong> campo do <strong>cinema</strong> e seu relacionamento com o campo do poder – oque sob a percepção do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> como um movimento ficaria “encoberto”ou difícil de delimitar.Isso posto, voltemos às questões. Embora o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> não tenhasido um movimento, a maioria dos cineastas que realizou filmes <strong>no</strong> período aceitoumuito bem este rótulo, que apareceu também <strong>no</strong> discurso oficial e na mídia. Mesmoafirmando que não se tratava de um movimento, os cineastas acabaram incorporando otítulo de Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, numa tentativa de definir-se, de distinguir-se de outrosperíodos <strong>da</strong> <strong>cinema</strong>tografia <strong>brasil</strong>eira, o que facilitou a identificação e acabou criandoum vínculo entre cineastas tão diferentes. Segundo Bourdieu 155 ,“Assim como os críticos e o público são instados a buscar e a inventar os vínculoscapazes de reunir as obras publica<strong>da</strong>s com o mesmo selo, também os autoresforam definidos por esta definição pública de seu empreendimento na medi<strong>da</strong> emque se viram forçados a definir-se em relação a ela”.A partir <strong>da</strong> criação do rótulo Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, utilizado pela mídia desde oinício <strong>da</strong> implantação <strong>da</strong>s leis de incentivo, os cineastas assim definidos precisaram se153 Idem, página 62.154 Idem, página 68.155 BOURDIEU, Pierre. A Eco<strong>no</strong>mia <strong>da</strong>s Trocas Simbólicas. op. cit., página 164.


104posicionar, mesmo que fosse como tentativa de refutar este “selo”. E o que houve foique os cineastas incorporaram a definição, mas com um peque<strong>no</strong> ajuste: o Cinema <strong>da</strong>Retoma<strong>da</strong> apareceu como um sinônimo de <strong>cinema</strong> <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de, numa estratégia queaceitou a rotulação, desde que entendi<strong>da</strong> como “tudo o que for produzido a partir demeados dos a<strong>no</strong>s 90 é Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, cuja característica principal é adiversi<strong>da</strong>de”.Assim, através do discurso dos cineastas e <strong>da</strong> crítica, que depois foramincorporados pelo discurso oficial, o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> passou a ser entendidocomo o <strong>cinema</strong> <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de, englobando to<strong>da</strong> a produção <strong>brasil</strong>eira realiza<strong>da</strong> a partir<strong>da</strong> criação <strong>da</strong>s leis de incentivo. A característica primordial deste <strong>cinema</strong> foi aafirmação de que se tratava de um <strong>cinema</strong> “sem diretrizes”, sem um posicionamentoúnico, em que tudo era permitido. É interessante <strong>no</strong>tar que, a partir <strong>da</strong> idéia dediversi<strong>da</strong>de, antevê-se a questão <strong>da</strong> autoria <strong>no</strong>rteando o pensamento <strong>cinema</strong>tográfico<strong>brasil</strong>eiro: o que conta é o autor, a obra única, e não qualquer tipo de filiação estética,política, ideológica ou mesmo através dos gêneros <strong>cinema</strong>tográficos. Dessa forma, oCinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, embora se queira mais ligado ao mercado e atento ao público,reforçou a idéia de <strong>cinema</strong> de autor.Sob o manto <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de, o selo Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> pôde ser utilizado semque ele se transformasse numa camisa de força estética, política ou ideológica. Se aidéia de Retoma<strong>da</strong> já vinha sendo utiliza<strong>da</strong> desde 1993, com a maior visibili<strong>da</strong>de do<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro a partir de 1995 esse título foi incorporado pelo campo<strong>cinema</strong>tográfico. Segundo o cineasta Lírio Cal<strong>da</strong>s 156 ,“Não há mais um discurso único, como na déca<strong>da</strong> de 60. Isso é o presente, é oque está começando a acontecer agora.”Este peque<strong>no</strong> trecho <strong>da</strong> fala de Lírio Cal<strong>da</strong>s é bastante significativo, porquepermite identificar as duas principais características do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>,escondi<strong>da</strong>s na idéia <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de: a não-filiação a qualquer diretriz estética, políticaou social, e a necessi<strong>da</strong>de de diferenciação e diálogo como o Cinema Novo. A partirdessas duas características o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> pode então ser compreendido e156 GONÇALVES, Marcos Augusto. “Novos cineastas querem mu<strong>da</strong>r o foco”. Folha de São Paulo, 25 deAbril de 1997, Ilustra<strong>da</strong>, páginas 13 - 14.


105definido. Enquanto a primeira carrega as marcas do final do século XX, como oindividualismo e a ausência de projetos coletivos e abrangentes, a segun<strong>da</strong> se faznecessária para legitimar esse <strong>cinema</strong>, através <strong>da</strong>s comparações sempre presentescom o Cinema Novo.O Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> não apresentou qualquer projeto político mais amplo,não operou com uma única visão de país e não participou <strong>da</strong> elaboração de algumaproposta coletiva para o Brasil – em clara oposição ao Cinema Novo 157 . Foi um <strong>cinema</strong>autoral, que se apresentou como uma necessi<strong>da</strong>de de expressão dos cineastas, e nãoteve como horizonte projetos coletivos – nas palavras de Tata Amaral, os filmes <strong>da</strong>Retoma<strong>da</strong> são “necessários a seus autores” 158 . Nesse sentido, se pode falar em um<strong>cinema</strong> que refletiu o individualismo do período, percebido na ausência de projetosabrangentes, tanto para a socie<strong>da</strong>de <strong>brasil</strong>eira quanto para o campo <strong>cinema</strong>tográfico. Eesse individualismo esteve presente <strong>no</strong>s próprios filmes, que apresentavam tramas econflitos que se resolveram através <strong>da</strong> “solução individual”, como veremos a seguir.Mas antes de analisarmos as “soluções individuais” apresenta<strong>da</strong>s por algunsfilmes <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, é necessário perceber como a idéia de <strong>cinema</strong> de autor ain<strong>da</strong> é atônica do pensamento <strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiro. Embora se distancie do Cinema Novoem relação à elaboração de um projeto político para o Brasil, o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> éconstantemente comparado a esse movimento – e em geral <strong>no</strong> tocante à autoria. ParaLúcia Nagib, a produção dos a<strong>no</strong>s 90 apresenta uma ligação com o Cinema Novojustamente através <strong>da</strong> <strong>no</strong>ção de <strong>cinema</strong> de autor, presente <strong>no</strong>s filmes <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>,que têm “a cara de seus autores. Cinema de autor - eis outro conceito <strong>cinema</strong><strong>no</strong>vistaque renasce e revela o elo histórico entre as produções.” 159Através <strong>da</strong> <strong>no</strong>ção de <strong>cinema</strong> <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de, além <strong>da</strong> falta de um projeto políticomais amplo aliou-se idéia de autor. A diversi<strong>da</strong>de então se apresentou como a total157 Há uma extensa bibliografia sobre o Cinema Novo. Veja-se a este respeito, principalmente, RAMOS,Fernão (org.). Historia do Cinema Brasileiro. São Paulo: Art Editora, 1987; RIDENTI, Marcelo. Embusca do povo <strong>brasil</strong>eiro: artistas <strong>da</strong> revolução, do CPC à era <strong>da</strong> TV. Rio de Janeiro: Record, 2000;BERNARDET, Jean-Claude. Brasil em tempo de <strong>cinema</strong>. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978;JOHNSON, Ran<strong>da</strong>l e STAM, Robert. (org.) Brazilian Cinema. New York: Columbia University Press,1995; RAMOS, José Mário Ortiz. Cinema, Estado e Lutas Culturais: A<strong>no</strong>s 50/60/70. op. cit.; eXAVIER, Ismail. O <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro moder<strong>no</strong>. São Paulo: Paz e Terra, 2001.158 NAGIB, Lúcia. “Mostra traz <strong>no</strong>vos autores <strong>brasil</strong>eiros”. Folha de São Paulo, 18 de Agosto de 1997,Ilustra<strong>da</strong>, página 03.159 Idem.


106liber<strong>da</strong>de; não havia a necessi<strong>da</strong>de de fazer um <strong>cinema</strong> popular, revolucionário,comercial ou qualquer outro tipo de <strong>cinema</strong>: o que importava era a manifestaçãoartística do cineasta. E a possibili<strong>da</strong>de de liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong>va o tom do discurso doscineastas, tanto os estreantes quanto os já consagrados <strong>no</strong> campo <strong>cinema</strong>tográfico.Cacá Diegues, um dos principais cineastas <strong>brasil</strong>eiros e ligado ao grupo do CinemaNovo, defendeu a diversi<strong>da</strong>de e a liber<strong>da</strong>de do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro dos a<strong>no</strong>s 90 e criticoua busca de uni<strong>da</strong>de neste <strong>cinema</strong>. Para ele 160“Uma <strong>da</strong>s coisas mais formidáveis nessa <strong>no</strong>va safra é a grande liber<strong>da</strong>detemática e <strong>cinema</strong>tográfica que ela representa. Ninguém está obrigado a fazer umtipo de filme. Temos aí desde o Meni<strong>no</strong> Maluquinho, Carlota Joaquina, OQuatrilho, Man<strong>da</strong>rim, Sábado, Terra Estrangeira...Temos um grupo de filmes queatende a espectadores totalmente diferentes. Não quero uni<strong>da</strong>de. Acho a uni<strong>da</strong>depretexto para burrice.”A diversi<strong>da</strong>de e a liber<strong>da</strong>de deram o tom dos discursos e encobriram a ausênciade projetos e propostas mais abrangentes – não só para o país, mas para o próprio<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, que nesse primeiro momento <strong>da</strong> utilização <strong>da</strong>s leis de incentivoesteve mais preocupado em produzir e não deu a devi<strong>da</strong> atenção à cadeia<strong>cinema</strong>tográfica como um todo. Só com a crise <strong>da</strong> produção <strong>cinema</strong>tográfica e asdificul<strong>da</strong>des para a obtenção de financiamento ocorri<strong>da</strong>s a partir de 1999, é queocorrerá uma revisão <strong>da</strong>s perspectivas e propostas apresenta<strong>da</strong>s para a viabilização do<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, paralelamente à volta do discurso político <strong>no</strong> campo <strong>cinema</strong>tográfico.Em sua análise sobre o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro contemporâneo, Ismail Xavier associa adiversi<strong>da</strong>de do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> à ausência de debates, que contribuiu paratransformar o fazer <strong>cinema</strong>tográfico numa ativi<strong>da</strong>de ca<strong>da</strong> vez mais profissional ecomercial. Segundo este autor, <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 90 161“O clima cultural, porém, não realçou questões de princípio como pólos de debate,seja a questão nacional, a oposição entre vanguar<strong>da</strong> e mercado, a dispari<strong>da</strong>de deorçamentos e estilos. A tônica, desde 1993, tem sido o pragmatismo.”160 DIEGUES, Carlos. “Tieta do Agreste”. Jornal do Brasil, 10 de Dezembro de 1995, Revista deDomingo, página 02.161 XAVIER, Ismail. O <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro moder<strong>no</strong>. op. cit., página 41.


107Embora o discurso <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de escon<strong>da</strong> a ausência de projetos e perspectivaspolíticas, sociais ou estéticas mais abrangentes do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, é inegávelque os resultados dessa liber<strong>da</strong>de de criação foram muito interessantes, como se vêatravés <strong>da</strong> produção do período 162 . Sem qualquer doutrina ou camisa de força, o quese assistiu foi a proliferação de estilos, temáticas, abor<strong>da</strong>gens e pontos de vista. Doisaspectos podem ser destacados como constituintes <strong>da</strong> tão proclama<strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de: arealização de filmes em to<strong>da</strong>s as regiões do Brasil e a grande varie<strong>da</strong>de de cineastasproduzindo nesse período – além de vetera<strong>no</strong>s e estreantes, houve um significativoaumento do número de mulheres estreando na direção de longas-metragens.Segundo <strong>da</strong>dos apresentados pela revista eletrônica Contracampo 163 , entre 1995e 2003, mais de cem cineastas estrearam na direção de longas-metragens, convivendocom os diretores vetera<strong>no</strong>s que também retomaram a produção nesse período (comoNelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, Fábio e Bru<strong>no</strong> Barreto, Paulo Thiago, SérgioRezende e Carlos Reichenbach), além de uma geração “intermediária”, que haviarealizado o primeiro longa-metragem durante o período de crise (final dos a<strong>no</strong>s 80 einício dos a<strong>no</strong>s 90), como Murilo Salles e André Kotzel, por exemplo. Além <strong>da</strong>sdiferenças de geração, o que se verifica são também diferenças na formação dessescineastas. Enquanto a geração de vetera<strong>no</strong>s teve uma formação realiza<strong>da</strong> através <strong>da</strong>cinefilia (principalmente, via cineclubes e debates), as <strong>no</strong>vas gerações já são frutos deuniversi<strong>da</strong>des e cursos de <strong>cinema</strong> 164 .Destaca-se ain<strong>da</strong>, <strong>no</strong> tocante à diversi<strong>da</strong>de de realizadores do Cinema <strong>da</strong>Retoma<strong>da</strong>, um grande número de filmes dirigidos por mulheres, fato pouco comum <strong>no</strong><strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, campo ain<strong>da</strong> majoritariamente masculi<strong>no</strong>. Carla Camuratti, TataAmaral, Bia Lessa, Monique Gardenberg, Lucia Murat, Sandra Werneck, RosaneSvartman, Laís Bo<strong>da</strong>nsky, Daniela Thomas, Eliane Caffé e Mara Mourão são exemplosde diretoras que se destacaram <strong>no</strong> período. A “entra<strong>da</strong>” <strong>da</strong>s mulheres <strong>no</strong> campo<strong>cinema</strong>tográfico recebeu repercussão na mídia e levou Arnaldo Jabor a concluir, logo162 Ver tabela 01 em anexo.163 “Dicionário: os 114 cineastas estreantes após 1995”. Revista eletrônica nº 52, Agosto/Setembro de2003. (www.contracampo)164 Segundo se verifica através dos depoimentos dos cineastas em NAGIB, Lúcia. O Cinema <strong>da</strong>Retoma<strong>da</strong>. op. cit.


108após o lançamento de Carlota Joaquina, que “as mulheres estão parindo um <strong>no</strong>vo<strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil” 165 .Já em relação à diversi<strong>da</strong>de regional, vale destacar que cineastas <strong>da</strong>s cincoregiões do Brasil produziram a partir de meados dos a<strong>no</strong>s 90, diminuindo a altaconcentração <strong>da</strong> produção na região Sudeste, em especial <strong>no</strong> eixo Rio – São Paulo.Cineastas do Norte (Aurélio Michiles, Djalma Limongi Batista), do Nordeste (LírioFerreira, Paulo Cal<strong>da</strong>s, José de Araújo, Marcus Moura, Rosemberg Cariry, CláudioAssis), do Sul (Jorge Furtado, Otto Guerra, Sylvio Back, Carlos Gerbase, João PedroGoulart) e do Centro-oeste (André Luiz Oliveira, Afonso Brazza) puderam realizar seusfilmes. Essa diversi<strong>da</strong>de regional deve-se também às legislações regionais quepermitiram e estimularam o desenvolvimento de ativi<strong>da</strong>des de <strong>cinema</strong> em diversos<strong>estado</strong>s.As facili<strong>da</strong>des e estímulos destinados à produção <strong>cinema</strong>tográfica permitiram amaior abertura do campo do <strong>cinema</strong>, isto é, tornaram possível que diferentes tipos decineastas produzissem: estreantes, cineastas afastados <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de por conta <strong>da</strong> crise,mulheres e diretores vindos de outras regiões que não os tradicionais centrosprodutores de <strong>cinema</strong> <strong>da</strong> região Sudeste. E as diferenças entre os realizadores foramessenciais para justificar a tão alardea<strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>: foramdiferentes formações, enfoques e percepções, que geraram filmes que abor<strong>da</strong>ramvários assuntos e temas, sob tratamentos e tópicos distintos.Uma breve olha<strong>da</strong> na filmografia <strong>brasil</strong>eira do período (1995 a 1998) já ésuficiente para constatar a diversi<strong>da</strong>de: há filmes que retratam fatos históricos, queabor<strong>da</strong>m o golpe militar de 1964, comédias românticas, biografias, filmes para criançase adolescentes, a<strong>da</strong>ptações de clássicos <strong>da</strong> literatura <strong>brasil</strong>eira, suspenses, policiais,dramas etc. Mas apesar <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de, é possível encontrar alguns pontos comuns<strong>no</strong>s filmes <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>. Embora não haja um eixo <strong>no</strong>rteador ou uma tônicadominante, alguns temas são recorrentes, e é possível pensar em grupos de filmes quepossuam temáticas semelhantes. Por exemplo, há vários filmes que têm relação com osertão (Corisco e Da<strong>da</strong> – Rosemberg Cariry, 1997; Baile Perfumado – Lírio Ferreira e165 JABOR, Arnaldo. “Mulheres estão parindo um <strong>no</strong>vo <strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil”. Folha de São Paulo, 24 deJaneiro de 1995, Ilustra<strong>da</strong>, página 07.


109Paulo Cal<strong>da</strong>s, 1997; Crede-Mi – Bia Lessa, 1997; Guerra de Canudos – SérgioRezende, 1997; O Cangaceiro – Aníbal Massaini Neto, 1997; O Sertão <strong>da</strong>s Memórias –José Araújo, 1997; Central do Brasil – Walter Salles, 1998). Outros filmes têm aviolência como ponto central (Quem Matou Pixote? – José Joffily, 1996; Como nascemos anjos – Murilo Salles, 1996; Um Céu de Estrelas – Tata Amaral, 1997; OsMatadores – Beto Brant, 1997), numa tendência que ganha força a partir do a<strong>no</strong> 2000.Surgem filmes que remetem a determinados períodos ou personagens <strong>da</strong> história doBrasil (Carlota Joaquina – Carla Camurati, 1995; O Quatrilho – Fábio Barreto, 1996; Oque é isso, Companheiro? – Bru<strong>no</strong> Barreto, 1997; Ação Entre Amigos – Beto Brant,1998, For All – O trampolim <strong>da</strong> vitória – Luiz Carlos Lacer<strong>da</strong>, 1998). Podemos destacartambém, além <strong>da</strong>s temáticas, a recorrência de personagens ou narradores estrangeirosem diversos filmes (Carlota Joaquina, O Quatrilho, O que é isso, Companheiro?, For All– O trampolim <strong>da</strong> vitória, Jenipapo, Baile Perfumado, Como Nascem os Anjos) 166 .Embora o objetivo deste trabalho não seja fazer uma análise detalha<strong>da</strong> <strong>da</strong>filmografia <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 90, é indispensável <strong>no</strong>tar certas características presentes <strong>no</strong>sfilmes. Principalmente quando se percebe que eles refletem as condições de produção,as relações entre o Estado e o <strong>cinema</strong>, entre a política <strong>cinema</strong>tográfica e o fazer fílmico,entre a socie<strong>da</strong>de do período e como ela se reflete e se vê refleti<strong>da</strong> <strong>no</strong>s filmes.Segundo a metodologia de análise fílmica proposta por Pierre Sorlin, é possívelencontrar a ideologia de um período através <strong>da</strong> análise dos filmes deste período. Paraeste autor 167 ,“A produção de uma expressão ideológica, por exemplo, de um filme, é umaoperação ativa, através <strong>da</strong> qual um grupo se situa e define seus objetivos; culminaao lançar aos circuitos comerciais uma imagem (ou uma projeção) do mundo emfunção <strong>da</strong> qual os espectadores vão reavaliar sua própria função.”O método de Sorlin propõe partir de uma amostra geral dos filmes de umdeterminado período, encontrando semelhanças e diferenças, para depois analisar mais166 Uma análise mais completa destas temáticas e tendências do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> pode serencontra<strong>da</strong> em RAMOS, Fernão. “Má-consciência, cruel<strong>da</strong>de e narcisismo às avessas <strong>no</strong> <strong>cinema</strong><strong>brasil</strong>eiro contemporâneo”. In Estudos Socine de Cinema: a<strong>no</strong> IV. in CATANI, Afrânio Mendes [et. al],(org.) Estudos Socine de Cinema: a<strong>no</strong> IV. São Paulo: Pa<strong>no</strong>rama, 2003, páginas 371 – 380; BUTCHER,Pedro. Cinema Brasileiro Hoje. op. cit., e ORICCHIO, Luiz Zanin. Cinema de Novo: Um BalançoCrítico <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>. op. cit.167 SORLIN, Pierre. Sociología del Cine. op. cit., página 170.


110detalha<strong>da</strong>mente um filme. Entre os filmes realizados de 1995 a 1998, encontramostemáticas comuns, algumas concordâncias e discordâncias que acabam por apresentaruma visão do Brasil: uma visão <strong>da</strong> beleza do sertão, <strong>da</strong> violência urbana, que revisita ahistória nacional e que, em muitos casos, é a visão do estrangeiro. Ca<strong>da</strong> uma dessasvisões e tendências merece uma análise específica, já realiza<strong>da</strong> por outros autores eque não cabe neste trabalho. Merecem, contudo, atenção especial algumascaracterísticas muito presentes <strong>no</strong>s filmes do período e que se destacam em Central doBrasil: o individualismo expresso através <strong>da</strong> proposta de soluções individuais para osproblemas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>brasil</strong>eira e a visão otimista em relação ao futuro. Além disso,Central do Brasil também foi considerado um modelo de filme <strong>brasil</strong>eiro que agra<strong>da</strong> omercado exter<strong>no</strong>, além de ter sido comparado (e muito cobrado por esta comparação) aalguns filmes do Cinema Novo.Central do Brasil conta a história de Dora, uma mulher que escreve cartas paraanalfabetos na Central do Brasil. Uma de suas clientes morre em frente à estação, eDora acaba levando o filho dela, Josué, para vendê-lo. Arrependi<strong>da</strong>, Dora resgataJosué e parte com ele para o sertão do Brasil, em busca do pai do meni<strong>no</strong>. A viagemde Dora e Josué, <strong>da</strong> Central do Brasil ao centro do Brasil, acaba quando o meni<strong>no</strong>encontra seus irmãos e Dora, depois de redescobrir suas emoções, volta para casa.Três pontos fun<strong>da</strong>mentais podem ser levantados, a partir de Central do Brasil, <strong>no</strong>que se refere às características desse período do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>:1. A viagem de Dora e Josué, simbolizando a redescoberta do Brasil, através dosertão. A viagem humaniza Dora e a aproxima de Josué, e o relacionamentoentre os dois se intensifica na estra<strong>da</strong>, na medi<strong>da</strong> em que eles se dirigem para ointerior do país. Nesse sentido, além <strong>da</strong> apresentação de um Brasil “bonito” emais huma<strong>no</strong> distante <strong>da</strong>s grandes ci<strong>da</strong>des, percebe-se um diálogo com oCinema Novo, através <strong>da</strong> representação do sertão;2. A solução para os conflitos se dá de forma individual e conciliadora e, emnenhum momento, há a perspectiva de transformação social. Os problemasmostrados (como as crianças cria<strong>da</strong>s sem o pai e o tráfico de crianças)encontram solução para o meni<strong>no</strong> Josué, resgatado por Dora e levado aosirmãos também por ela, mas não há uma solução coletiva;


1113. As cores locais do sertão e a história regional, alia<strong>da</strong>s aos modelos <strong>da</strong> indústria<strong>cinema</strong>tográfica internacional (bela fotografia, lineari<strong>da</strong>de do roteiro, “happy end”etc.), produzem um filme internacional popular, para utilizarmos o termo cunhadopor Renato Ortiz 168 . Isto é, a partir de uma história local, conta<strong>da</strong> através de umpadrão de estética internacional, cria-se um produto de entretenimento que sejareconhecido como popular em qualquer cultura, já que parte de referênciasinternacionais para mostrar o local, gerando uma espécie de “<strong>brasil</strong>i<strong>da</strong>de paraexportação”.O filme foi muito bem recebido quando estreou <strong>no</strong>s <strong>cinema</strong>s, tornando-se umsucesso de público e de crítica. Foi o mais premiado filme desta fase <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>:recebeu mais de 20 prêmios internacionais, incluindo os de melhor filme e atriz <strong>no</strong>Festival de Berlim, além de ter concorrido ao Oscar nas categorias de melhor atriz emelhor filme estrangeiro. Mas apesar <strong>da</strong> repercussão positiva do público e de umaparte <strong>da</strong> crítica, Central do Brasil foi o responsável pela primeira grande polêmica doCinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, em função destas características descritas.Embora o filme tenha sido questionado pela crítica desde o seu lançamento, adiscussão ganhou maior destaque após a publicação de um artigo <strong>da</strong> pesquisadoraIvana Bentes <strong>no</strong> Jornal do Brasil, intitulado “Da estética à cosmética <strong>da</strong> fome” 169 .Durante o artigo, Ivana lança as bases <strong>da</strong> polêmica estética <strong>da</strong> fome X cosmética <strong>da</strong>fome, partindo <strong>da</strong> constatação de que os “<strong>no</strong>vos filmes retomam os temas do CinemaNovo para fazer uma estética ‘internacional popular’”. Para ela,“Passamos <strong>da</strong> ‘estética’ à ‘cosmética’ <strong>da</strong> fome, <strong>da</strong> idéia na cabeça e câmera namão (um corpo a corpo com o real) ao steadcam, a câmera que surfa sobe areali<strong>da</strong>de, sig<strong>no</strong> que valoriza o ‘belo’ e a ‘quali<strong>da</strong>de’ <strong>da</strong> imagem, ou ain<strong>da</strong>, odomínio <strong>da</strong> ‘técnica’ e <strong>da</strong> narrativa clássicas. Um <strong>cinema</strong> ‘internacional popular’ou ‘globalizado’ cuja fórmula seria um tema local, histórico ou tradicional, e umaestética ‘internacional’” .168 ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira: Cultura Brasileira e Industria Cultural. op. cit.,página 205.169 BENTES, Ivana. “Da estética à cosmética <strong>da</strong> fome”. Jornal do Brasil, 08 de Julho de 2001, Cader<strong>no</strong>B, página 04.


112Mariza Leão, que produziu o filme Guerra de Canudos, duramente criticado porIvana como um típico exemplar <strong>da</strong> cosmética <strong>da</strong> fome por apresentar uma visãoglamouriza<strong>da</strong> <strong>da</strong> pobreza e do sertão, respondeu a Ivana através também do Jornal doBrasil 170 , defendendo a produção <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>. Dias depois, Ivana publica umatréplica <strong>no</strong> mesmo jornal 171 , defendendo sua crítica e apontando para a grandeimportância <strong>da</strong>s questões do mercado <strong>no</strong> Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>. A partir de então, apolêmica ganhou grande repercussão, e a expressão “cosmética <strong>da</strong> fome” foiincorpora<strong>da</strong> às discussões sobre <strong>cinema</strong> e sobre a estética dos filmes dos a<strong>no</strong>s 90,chegando às discussões levanta<strong>da</strong>s por Ci<strong>da</strong>de de Deus (Fernando Meirelles, 2002).Não se faz necessária a reprodução total dessas discussões e polêmicas, mas éimportante verificar como as questões levanta<strong>da</strong>s pelos filmes podem vir a refletir ocampo <strong>cinema</strong>tográfico e o fazer <strong>cinema</strong>tográfico <strong>no</strong> momento de euforia <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>.A análise de Central do Brasil é esclarecedora neste sentido: apresenta um momentode otimismo, de adoção de uma estética internacional popular e <strong>da</strong>s soluçõesindividuais – soluções estas também adota<strong>da</strong>s pelo campo <strong>cinema</strong>tográfico naprodução dos filmes. Sob o selo <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de se esconde a ausência de propostaspolíticas gerais para a socie<strong>da</strong>de, assim como a ausência de uma política<strong>cinema</strong>tográfica mais consistente, já que as leis de incentivo foram elabora<strong>da</strong>s para terum caráter provisório (teoricamente, vigorariam até o a<strong>no</strong> de 2003, mas foramestendi<strong>da</strong>s), e privilegiavam a produção apenas, deixando de lado a distribuição e aexibição. O que houve, então, foi um estímulo à produção de filmes, mas não se deu aimplantação de uma indústria <strong>cinema</strong>tográfica.A adoção <strong>da</strong> solução individual também se reflete <strong>no</strong> discurso de algunscineastas, como por exemplo, Sérgio Rezende, que declarou acerca de sua experiênciade produção <strong>no</strong> <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro: 172“Hoje, como estou mais ro<strong>da</strong>do, não tenho essa ilusão de pensar o <strong>cinema</strong><strong>brasil</strong>eiro, eu penso o <strong>cinema</strong> que eu faço. Ca<strong>da</strong> pessoa é uma pessoa, essa170 LEÃO, Mariza. “Condenados em <strong>no</strong>me de Glauber?” Jornal do Brasil, 10 de Julho de 2001, Cader<strong>no</strong>B, página 05.171 BENTES, Ivana. “Cinema empresarial chapa branca”. Jornal do Brasil, 29 de Julho de 2001,Cader<strong>no</strong> B, página 10.172 NAGIB, Lúcia. O Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>. op. cit., página 384.


113política de grupo se esfacelou completamente, as pessoas estão muito maisindividualistas.”O contraste em relação ao Cinema Novo, que tinha uma ligação natural com apolítica e com um projeto de Brasil, e o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, com seu individualismo,ausência de propostas políticas únicas e falta de projetos coletivos, é muito grande. Aprópria relação com o Estado caminhou nessa direção, já que a política <strong>cinema</strong>tográficaadota<strong>da</strong>, elabora<strong>da</strong> conjuntamente com o campo <strong>cinema</strong>tográfico, estimulou acompetição <strong>no</strong> mercado e o filme “interessante ao investidor”, ao invés de estimular ofilme político, i<strong>no</strong>vador ou mesmo revolucionário.Obviamente, alguns cineastas têm preocupações políticas e estéticas maiores,como é o caso de Toni Venturi, Beto Brant e Carlos Reichenbach, por exemplo. CarlosReichenbach, em depoimento publicado na revista Estudos de Cinema faz uma reflexãosobre o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, e se mostra preocupado com a ausência de organizaçãodos cineastas e de propostas mais amplas <strong>no</strong> <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, sejam elas delinguagem, políticas ou sociais. Para Reichenbach 173 :“Fica bastante claro que, sem ter uma estratégia de dramaturgia, de estética, nãovai surgir <strong>cinema</strong> algum. Não vai surgir absolutamente na<strong>da</strong>. A pertinência do<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro passa por isso: de se descobrir qual a importância desse<strong>cinema</strong>, afinal de contas.”A preocupação de Reichenbach faz sentido, pois a partir de 1998 o Cinema <strong>da</strong>Retoma<strong>da</strong> começou a apresentar sinais de crise, o que determi<strong>no</strong>u umreposicionamento do campo <strong>cinema</strong>tográfico frente ao Estado, além de umreposicionamento inter<strong>no</strong> de seus membros.173 REICHENBACH, Carlos. “A Retoma<strong>da</strong> do Cinema Brasileiro” in Revista Estudos de Cinema nº 1.São Paulo: EDUC, 1998, página 20.


1145. PRENÚNCIO DE UMA CRISE: A EUFORIA DA RETOMADA CHEGA AO FIMO período compreendido entre 1995 e 1998, que corresponde à fase mais visíveldo Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> e, simultaneamente, ao primeiro man<strong>da</strong>to de FernandoHenrique Cardoso na presidência <strong>da</strong> república, foi um período de euforia e sucesso depúblico e de crítica do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro. Foram lançados em circuito comercial 81filmes de longa-metragem; 3 dos quais foram indicados ao Oscar (O Quatrilho em 1996,O que é isso, companheiro? em 1998 e Central do Brasil em 1999); o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eirovoltou a ser representado <strong>no</strong>s festivais de Berlim, Veneza e Cannes; a filmografia doperíodo recebeu mais de 60 prêmios internacionais 174 ; pela primeira vez na déca<strong>da</strong> amarca de 1 milhão de espectadores foi atingi<strong>da</strong> (por Carlota Joaquina, O Quatrilho, ONoviço Rebelde e Central do Brasil) 175 – número distante dos 10 milhões de Dona Flor eSeus Dois Maridos (1976), mas muito superior à média de público do final dos a<strong>no</strong>s 80e início dos a<strong>no</strong>s 90, como já vimos.Se <strong>no</strong> período anterior o que se assistiu foi a uma espécie de desilusão e falta decredibili<strong>da</strong>de em relação ao <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro e ao Brasil (como pode ser percebi<strong>da</strong> naanálise de Terra Estrangeira), com a maior visibili<strong>da</strong>de de alguns filmes e os prêmiosinternacionais, ressurgem o otimismo e o orgulho pelo Brasil e pelo <strong>cinema</strong> nacional.Para Pedro Butcher, em sua análise desse primeiro momento <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> 176 ,“o reconhecimento internacional dos filmes ganhou importância desmesura<strong>da</strong>, quese fez acompanhar, paradoxalmente, por uma espécie de febre nacionalista. Emseus primeiros a<strong>no</strong>s, os filmes <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> lutaram para reconquistar o mercadointer<strong>no</strong> e recuperar o prestígio internacional, assumindo para si o fardo derepresentar o país e se auto-atribuindo uma missão semelhante à do futebol.”A melhoria <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de técnica dos filmes, a incorporação de linguagens epadrões estéticos vindos de outras áreas do audiovisual, além do estreitamento <strong>da</strong>174 Segundo <strong>da</strong>dos apresentados em Secretaria do Audiovisual - Ministério <strong>da</strong> Cultura DiagnósticoGovernamental <strong>da</strong> Cadeia Produtiva do Audiovisual Brasília: SAV/MinC, 2.000, Apêndice 9, páginas67 a 69.175 Segundo <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> Ancine – Agência Nacional de Cinema, disponíveis na Base de Dados do site <strong>da</strong>agência. www.ancine.gov.br176 BUTCHER, Pedro. Cinema Brasileiro Hoje. op. cit., página 33.


115aliança com a televisão, fizeram com que a aceitação do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro crescessesignificativamente junto ao público nacional. Desde 1995, a porcentagem de público do<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro em relação ao <strong>cinema</strong> estrangeiro nas salas de exibição nacionais sótem aumentado. Em 1995, esse número era de 3,62%, passando para 4,02% <strong>no</strong> a<strong>no</strong>seguinte, 4,84% em 1997 e chegando a 5,53% do total do público <strong>cinema</strong>tográfico em1998 177 . Ain<strong>da</strong> é um número muito peque<strong>no</strong>, mas comparado aos 0,05% de público dofilme nacional em 1992, representa um grande salto.Para além <strong>da</strong>s estatísticas e <strong>da</strong>dos oficiais, o encontro do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>com o público <strong>brasil</strong>eiro pode ser mais bem compreendido através <strong>da</strong> repercussão <strong>da</strong>indicação de Central do Brasil ao Oscar, <strong>no</strong> início de 1999. O clima de euforiamistura<strong>da</strong> com um orgulho do <strong>cinema</strong> nacional tomou conta <strong>da</strong> mídia, que deu grandedestaque ao filme, ao trabalho de Walter Salles e à atuação de Fernan<strong>da</strong> Montenegro.Além disso, graças a um esforço <strong>da</strong>s distribuidoras (RioFilme e Severia<strong>no</strong> RibeiroDistribuição), o filme retor<strong>no</strong>u aos <strong>cinema</strong>s e teve outra campanha publicitária dedivulgação. Junto ao público, um ver<strong>da</strong>deiro clima de torci<strong>da</strong> organiza<strong>da</strong> começou a sedelinear. Uma matéria do Jornal do Brasil, publica<strong>da</strong> <strong>no</strong> dia <strong>da</strong> premiação sintetiza essemomento 178 .“É hoje. O Brasil está com a mão na taça. As ruas não estão engalana<strong>da</strong>s, mas oclima <strong>no</strong> país lembra muito o <strong>da</strong> final de uma Copa de Mundo. Por uma dessasironias do desti<strong>no</strong>, todos os olhares se voltam para a mesma Los Angeles, nacosta Oeste dos Estados Unidos, onde em 1994, Romário, Bebeto e seuscompanheiros conquistaram o título de campeões do mundo de futebol elevantaram a Copa. Cinco a<strong>no</strong>s depois, Walter Salles e Fernan<strong>da</strong> Montenegroestão na final de uma espécie de Copa do Mundo do <strong>cinema</strong>. (...) Curiosamente oBrasil cerra fileiras apaixona<strong>da</strong> e emocionalmente em tor<strong>no</strong> de Central do Brasil ede Fernan<strong>da</strong> Montenegro como fez com Romário e Bebeto em 94.”Embora a euforia em relação ao Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> tenha perdurado até 1999– sendo “coroa<strong>da</strong>” com a terceira indicação de um filme <strong>brasil</strong>eiro ao Oscar numperíodo de 4 a<strong>no</strong>s – uma crise já se aproximava <strong>da</strong> produção <strong>cinema</strong>tográfica nacional,177 Vide tabela 03 em anexo.178 SOTO, Ernesto. “Rumo à Estação Central”. Jornal do Brasil, 21 de Março de 1999, Cader<strong>no</strong> B,página 01.


116desde meados de 1998. Graças a denúncias de superfaturamento de alguns filmes e<strong>da</strong> recompra dos Certificados de Investimento Audiovisual pelos cineastas,intensificaram-se as movimentações e articulações <strong>no</strong> interior do campo do <strong>cinema</strong>, ecomeçaram as negociações que iriam alterar as estruturas <strong>da</strong> política <strong>cinema</strong>tográfica<strong>no</strong> a<strong>no</strong> seguinte.Segundo denúncias apresenta<strong>da</strong>s pela imprensa, os Certificados deInvestimento Audiovisual, que eram negociados através <strong>da</strong> Comissão de ValoresMobiliários e valiam como ações, estavam sendo comprados pelos próprios produtoresimediatamente após a negociação com os investidores. A recompra dos certificadosera permiti<strong>da</strong> legalmente, mas o que estava ocorrendo é que, na tentativa de atrairinvestidores, alguns produtores se comprometiam a recomprar os certificados, jáembutindo nessa compra os “lucros futuros”. Ou seja, o investidor deixava de pagar osimpostos, divulgava sua marca e ain<strong>da</strong> tinha lucros com isso. Além disso, paraconseguir recomprar os certificados, os filmes estavam sendo superfaturados, e oscustos de produção <strong>cinema</strong>tográfica <strong>no</strong> Brasil ficavam ca<strong>da</strong> vez maiores.A prática tor<strong>no</strong>u-se comum <strong>no</strong> campo <strong>cinema</strong>tográfico, gerando indignaçõesentre muitos cineastas e causando descrédito do <strong>cinema</strong> nacional junto aoempresariado e à socie<strong>da</strong>de – afinal, o dinheiro investido <strong>no</strong>s filmes é público, já quevem dos impostos que o Estado deixa de arreca<strong>da</strong>r. O sociólogo Carlos Alberto Dória,em matéria publica<strong>da</strong> <strong>no</strong> Jornal do Brasil, ataca de frente a prática <strong>da</strong> recompra decertificados, detalhando o processo: 179 “o empresário investe 100, e o produtor que lheforneceu o certificado encontra alguém (ou ele mesmo) que imediatamente recompra ospapéis por, digamos, 30 ou até mesmo 50! Assim, metade do dinheiro do IR que saiu <strong>da</strong>empresa a custo zero ain<strong>da</strong> lhe rende, imediatamente, até 50% de retor<strong>no</strong> semparticipar do risco <strong>da</strong> produção.”Para Dória, a política <strong>cinema</strong>tográfica implanta<strong>da</strong> após a dissolução <strong>da</strong>Embrafilme foi a maior responsável por este tipo de desvio, já que houve umapriorização de incentivos e estímulos à produção, deixando de lado a exibição e adistribuição. Dessa maneira, não se completou a cadeia <strong>cinema</strong>tográfica e não havia179 DÓRIA, Carlos Alberto. “O <strong>cinema</strong>tógrafo do Estado”. Jornal do Brasil, 20 de Março de 1998,Opinião, página 09.


117como o <strong>cinema</strong> se tornar auto-sustentável. Mas o sociólogo também via a conivênciado campo <strong>cinema</strong>tográfico com esta política, conivência essa que se expressavaprincipalmente através <strong>da</strong> prática do superfaturamento dos orçamentos. Ain<strong>da</strong> segundoDória 180 ,“Se o Estado cuidou de proteger a produção e não o mercado, e repete o mesmomodelo através <strong>da</strong> Lei do Audiovisual, é óbvio que todo o negócio <strong>cinema</strong>aninhou-se nesse domínio e, portanto, os custos elevados do <strong>cinema</strong> nacional osão, em parte, porque os ganhos têm que se realizar na fase <strong>da</strong> produção.”No interior do campo <strong>cinema</strong>tográfico as denúncias de recompra dos certificadose superfaturamentos dos orçamentos geraram críticas e causaram e<strong>no</strong>rme desconforto.Para alguns cineastas, essas práticas não eram comuns ao <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, eestariam relaciona<strong>da</strong>s a “pessoas que caem de pára-que<strong>da</strong>s <strong>no</strong> setor do <strong>cinema</strong>” 181 naspalavras do produtor Renato Bulcão. Ou seja, embora admitindo que a recompra decertificados estivesse ocorrendo, os profissionais do meio atribuíam o problema àentra<strong>da</strong> de pessoas não qualifica<strong>da</strong>s ou mesmo oportunistas <strong>no</strong> campo do <strong>cinema</strong>.Para o cineasta André Kotzel, os captadores e as empresas deveriam ficar atentos aoscurrículos dos produtores e diretores e “ao valor cultural do projeto” 182 . A soluçãoapresenta<strong>da</strong> pelos cineastas para coibir essas práticas seria aprimorar os mecanismosde seleção dos projetos autorizados a captar recursos através <strong>da</strong> Comissão de ValoresMobiliários, através <strong>da</strong> pré-qualificação <strong>da</strong>s produtoras, evitando assim que pessoas“não-qualifica<strong>da</strong>s” se aventurassem na produção <strong>cinema</strong>tográfica.Interessante perceber que essa solução proposta é também uma forma de limitaro acesso de <strong>no</strong>vos produtores e cineastas ao campo <strong>cinema</strong>tográfico, reservando assimo dinheiro destinado pelo Estado ao <strong>cinema</strong> (o teto máximo permitido à renúncia fiscalpara investimentos na produção <strong>cinema</strong>tográfica) aos cineastas e produtores jáconsagrados <strong>no</strong> campo, criando uma espécie de reserva de mercado aos “grandes<strong>no</strong>mes”. Só não fica claro quem elaboraria essa pré-qualificação <strong>da</strong>s produtoras, nemquais os critérios de avaliação para julgar o valor cultural dos projetos.180 Idem.181 SOUZA, Ricardo. “Lei ain<strong>da</strong> dá espaço para irregulari<strong>da</strong>des”. O Estado de São Paulo, 27 de Marçode 1998, Cader<strong>no</strong> 2, página 05.182 Idem.


118A alegação de falta de critérios mais rígidos do Estado para classificar osprojetos aptos à captação tor<strong>no</strong>u-se a tônica dos discursos de defesa do campo<strong>cinema</strong>tográfico, numa tentativa de resguar<strong>da</strong>r a imagem dos cineastas e encontrarculpados na legislação muito permissiva e na má-fé de alguns oportunistas. Emboranão houvesse como negar a utilização destes recursos ilícitos na produção<strong>cinema</strong>tográfica do período, a estratégia adota<strong>da</strong> foi fechar o foco do problema napolítica de incentivo e em alguns <strong>no</strong>vos cineastas. Gustavo Dahl, em artigo publicado<strong>no</strong> Jornal do Brasil, admitiu a recompra dos certificados, mas alegou que a causa douso deste artifício pelos cineastas era o excesso de projetos de filmes buscandopatrocínio simultaneamente, isso é, a concorrência. Para Dahl 183“Uma multidão de projetos, qualificados indiscrimina<strong>da</strong>mente, pressionam a ofertasem conseguir se viabilizar. Esta superpopulação estimula o canibalismo, nadisputa exacerba<strong>da</strong> por conseguir existir. Cresce então a remuneração <strong>da</strong>corretagem que, debaixo do pa<strong>no</strong>, vai muito além do formalmente estabelecido.Ou então devolve-se ao investidor parcela significativa do próprio incentivo, sob oeufemismo de realização antecipa<strong>da</strong> de lucros futuros, a recompra. Não é muitoescrupuloso, mas é rigorosamente legal.”A defesa do campo <strong>cinema</strong>tográfico, de <strong>no</strong>vo, foi o ataque ao que Gustavo Dahlchamou de “superpopulação” de projetos qualificados indiscrimina<strong>da</strong>mente – isto é,sugeriu-se que o Estado classificasse melhor os projetos aptos à captação,selecionando os proponentes ao invés de deixar que apenas o mercado seencarregasse disso. Mas o que causa espanto é a constatação de que as práticasilícitas são rigorosamente legais – como se as falhas <strong>da</strong> política <strong>cinema</strong>tográfica é quefossem as responsáveis pelo oportunismo de alguns produtores.Com as denúncias de recompra e superfaturamento, e devido ao e<strong>no</strong>rme númerode projetos disputando patrocinadores <strong>no</strong> mercado, foi ficando ca<strong>da</strong> vez mais difícilconseguir que as empresas investissem <strong>no</strong> <strong>cinema</strong>, e uma crise se aproximou docampo <strong>cinema</strong>tográfico. Além disso, muitos projetos que já tinham captado recursosnão foram concluídos, causando um grande constrangimento entre os cineastas. A183 DAHL, Gustavo. “Cinema <strong>brasil</strong>eiro: e agora?”. Jornal do Brasil, 28 de Agosto de 1998, Opinião,página 09.


119situação se agravou ain<strong>da</strong> mais <strong>no</strong> a<strong>no</strong> seguinte, a partir dos escân<strong>da</strong>los envolvendo ofilme inconcluso Chatô, de Guilherme Fontes, embora os indícios <strong>da</strong> crise já estivessemsendo sentidos na produção <strong>cinema</strong>tográfica. A produtora Gláucia Camargo engrossouo coro dos críticos à política <strong>cinema</strong>tográfica, e apontou diretamente para o Ministério<strong>da</strong> Cultura 184 :“O problema é que o MinC não distingue profissionais e amadores. Dá certificadopara pessoas que não concluem os projetos, criando péssima disposição <strong>no</strong>mercado. Se as empresas não vêem retor<strong>no</strong>, é natural que não queiram investir”As críticas referentes à política <strong>cinema</strong>tográfica presentes <strong>no</strong> posicionamento dealguns produtores e diretores em meio à crise apontam para a quebra <strong>da</strong> harmoniaentre cineastas e Estado, o que ocasionará reformulações na legislação ereposicionamento do campo <strong>cinema</strong>tográfico frente ao Estado. Enquanto os cineastasnão encontravam dificul<strong>da</strong>des para produzir, as críticas à legislação não eram visíveis,e o mecanismo de incentivo à produção <strong>cinema</strong>tográfica através <strong>da</strong> isenção fiscal eratido como eficiente ou, na pior <strong>da</strong>s hipóteses, razoável. Depois, <strong>no</strong> momento <strong>da</strong>primeira crise e quando a produção se depara com dificul<strong>da</strong>des, o campo<strong>cinema</strong>tográfico começa a criticar esse mecanismo, esquecendo-se que participou <strong>da</strong>criação dessa política <strong>cinema</strong>tográfica e que a legislação de renúncia fiscal já traziaestes problemas desde sua concepção.O modelo de financiamento <strong>da</strong> produção <strong>cinema</strong>tográfica adotado pelo Estadoatravés <strong>da</strong>s leis de incentivo à produção cultural e ao <strong>cinema</strong> (leis Rouanet e doAudiovisual) apresentava, desde sua elaboração, a intenção de deixar aresponsabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> escolha dos filmes a serem realizados nas mãos do mercado, seminterferir <strong>no</strong>s critérios utilizados, nem privilegiar enfoques, temáticas ou profissionais.Partindo <strong>da</strong> idéia de que o Estado deve gradualmente abandonar o investimento diretona cultura – e que esta deve se manter como qualquer área de produção – foielabora<strong>da</strong> como uma legislação de isenção fiscal provisória, prevista para vigorar porum período de dez a<strong>no</strong>s, prazo considerado suficiente para que a produção<strong>cinema</strong>tográfica se tornasse auto-suficiente. Mas essa legislação, ao permitir que as184 LEE, Anna. “Recessão ameaça o futuro do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro”. Folha de São Paulo, 13 de Outubro de1998, Ilustra<strong>da</strong>, página 01.


120empresas não invistam diretamente e ain<strong>da</strong> possam obter retor<strong>no</strong> financeiro, acabougerando uma distorção em seus objetivos, já que não estimulou o campo<strong>cinema</strong>tográfico e nem o mercado a buscarem lucros com o <strong>cinema</strong>, pois em caso deprejuízo este é do Estado, e em caso de lucro este é dos investidores particulares. E aíestá a grande contradição: não se criou condições para tornar o <strong>cinema</strong> autosustentável,investindo na industrialização do setor, mas apenas se estimulou aprodução via renúncia fiscal. Sem se transformar numa ativi<strong>da</strong>de auto-sustentável, aprobabili<strong>da</strong>de do <strong>cinema</strong> se tornar um investimento direto <strong>da</strong>s empresas é muitopequena.Em meio ao ataque <strong>da</strong> imprensa e às críticas do campo <strong>cinema</strong>tográfico, ogover<strong>no</strong> federal alterou <strong>no</strong>vamente a legislação, limitando o valor de captação dosprojetos, além de aumentar a fiscalização para inibir a prática <strong>da</strong> recompra decertificados. Em entrevista à Folha de São Paulo, o ministro <strong>da</strong> Cultura FranciscoWeffort afirmou que 185 :“As regras atuais não são de mercado aberto, são de descampado total. (...) Asregras para a produção não mu<strong>da</strong>m, mas teremos de fazer filmes bons e baratos.Esse deve ser o slogan do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, igual ao de qualquer loja dearmarinho. Nosso mercado não paga filme caro. No máximo, o orçamento deveficar em R$ 4 milhões.”A estratégia adota<strong>da</strong> pelo Estado, num primeiro momento, foi aumentar afiscalização sobre a negociação dos Certificados de Investimento Audiovisual naComissão de Valores Mobiliários, além de limitar o valor dos orçamentos dos projetosapresentados para captação. É interessante <strong>no</strong>tar que não houve preocupação emqualificar projetos ou produtoras – como era a intenção dos cineastas – mas sim fazercom que filmes mais baratos fossem produzidos, na tentativa de tornar o <strong>cinema</strong> umaativi<strong>da</strong>de auto-sustentável, pois apenas os filmes mais baratos seriam capazes de “sepagarem” <strong>no</strong> mercado. É significativa a comparação feita pelo ministro Weffort com aloja de armarinhos, pois assinala a manutenção <strong>da</strong> concepção acerca do <strong>cinema</strong>: osfilmes têm que se pagar, são mercadorias como outras quaisquer.185 DECIA, Patrícia. “Weffort prepara intervenção <strong>no</strong> mercado”. Folha de São Paulo, 05 de Novembro de1998, Ilustra<strong>da</strong>, página 03.


121No mesmo período em que ocorreram as denúncias <strong>da</strong> recompra de certificados,em meados de 1998, o Brasil enfrentava a primeira crise econômica após o Real,enquanto a campanha para a reeleição de Fernando Henrique Cardoso estava emple<strong>no</strong> an<strong>da</strong>mento. Na tentativa de combater o efeito <strong>da</strong><strong>no</strong>so <strong>da</strong>s denúncias deirregulari<strong>da</strong>des na utilização <strong>da</strong>s leis de incentivo e para conter despesas, o Ministério<strong>da</strong> Cultura sofreu uma reformulação em sua estrutura, o que implicou também numareestruturação <strong>da</strong> Comissão de Cinema 186 . A <strong>no</strong>va Comissão de Cinema tor<strong>no</strong>u-semais abrangente, envolvendo representantes de diretores, produtores, exibidores,distribuidores e trabalhadores 187 , além de membros do gover<strong>no</strong> federal, que a partir doa<strong>no</strong> seguinte foram responsáveis por algumas reformulações na legislação<strong>cinema</strong>tográfica e pela revisão <strong>da</strong> estratégia política de incentivo à produção adota<strong>da</strong>até então.O fim do primeiro man<strong>da</strong>to de FHC simbolizou também o fim do período deeuforia do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, que passou por reformulações e reestruturações, queculminaram <strong>no</strong>s Congressos de Cinema (2000 e 2001) e na criação <strong>da</strong> Ancine, em2001. O período de relativa calmaria e harmonia na relação entre <strong>cinema</strong> e Estadochegou ao fim, assim como o otimismo exagerado e a visão do Brasil bonito, puro ehuma<strong>no</strong>, presente na filmografia do período (tendo Central do Brasil como expoentemáximo).186 Decreto número 2.599, de 19 de maio de 1998.187 A Comissão de Cinema foi composta por Jorge <strong>da</strong> Cunha Lima, André Luiz Pompéia Sturm, CarlaCamurati, Alberto Bitelli, Marcos de Oliveira, Ricardo Difini Leite, Evandro Guimarães, Marco AurélioMarcondes, Embaixador Lauro Barbosa <strong>da</strong> Silva Moreira, Maria Apareci<strong>da</strong> Weiss, Rossini Albernaz Neto,Gilberto Mansur, Anibal Massaini Neto, Luiz Carlos Barreto, Marisa Leão, Walquíria Barbosa, RenatoBulcão de Moraes, Leopoldo Nunes <strong>da</strong> Silva Filho, Rodrigo Saturni<strong>no</strong> Braga, Leonardo Monteiro deBarros, Hugo Georgetti, André Klotzel, Herma<strong>no</strong> Penna, Sérgio Rezende, Guilherme de Almei<strong>da</strong> Prado,Reinaldo Pinheiro, Sérgio Monteiro Cabral, Ugo Sorrenti<strong>no</strong>, Jorge Pelegri<strong>no</strong>, Luiz Severia<strong>no</strong> RibeiroNeto, Augusto Seva, José Joffily, Ronaldo Duarte Pereira, Fernando Severo, Bru<strong>no</strong> Wainer e PauloHalm.


123III. A CRISE E A RE-POLITIZAÇÃO DO CINEMA BRASILEIRO(1999 – 2002)1. “CHATÔ” (GUILHERME FONTES) E A CRISE DA RETOMADAO segundo man<strong>da</strong>to de FHC se iniciou com o aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> criseeconômica <strong>brasil</strong>eira que transcorreu paralelamente ao aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> crise doCinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, também inicia<strong>da</strong> <strong>no</strong> a<strong>no</strong> anterior e agrava<strong>da</strong> pelas denúncias derecompra de certificados e superfaturamento <strong>da</strong>s produções. Ain<strong>da</strong> assim, asindicações de Central do Brasil ao Oscar conseguiram manter o otimismo (e até mesmoum exagerado nacionalismo) com relação aos filmes <strong>brasil</strong>eiros.Mas quando os prêmios foram anunciados e o filme de Walter Salles nãorecebeu nenhuma estatueta, uma ressaca se abateu sobre o campo <strong>cinema</strong>tográfico,agora mais fragilizado ain<strong>da</strong>. O sentimento de derrota, proporcional à euforia causa<strong>da</strong>pelas indicações, agravou a situação de crise já aponta<strong>da</strong> desde 1998 e escancarou aprecarie<strong>da</strong>de e a fragili<strong>da</strong>de do modelo de produção baseado nas leis de incentivo.Com o agravamento <strong>da</strong> crise, muitos cineastas começaram a se movimentar,apontando saí<strong>da</strong>s e elaborando projetos, na tentativa de solucionar os problemas <strong>da</strong>produção <strong>cinema</strong>tográfica <strong>brasil</strong>eira. Para além dos comentários <strong>no</strong>s encontros decineastas em festivais e <strong>da</strong>s matérias apresenta<strong>da</strong>s pela crítica especializa<strong>da</strong>, o campo<strong>cinema</strong>tográfico expôs com mais clareza a situação de crise em que se encontrava o<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro e passou a pressionar diretamente o gover<strong>no</strong> federal, recém reeleito etradicional “parceiro” do <strong>cinema</strong>.Logo após o Oscar, uma matéria na Folha de São Paulo alertou para afragili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> produção <strong>cinema</strong>tográfica <strong>brasil</strong>eira, apontado a ausência de um projetode política <strong>cinema</strong>tográfica que garantisse a continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>cinema</strong>tografia nacional.


124Houve sim o estímulo à produção, mas não se proporcio<strong>no</strong>u o desenvolvimento de umaestrutura que garantisse a circulação dos filmes produzidos e a própria continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong>produção. Segundo a produtora Sara Silveira, o “efeito” Central do Brasil haviapassado, e seriam necessários alguns ajustes nas leis de incentivo além <strong>da</strong> elaboraçãode uma política <strong>cinema</strong>tografia mais abrangente, para evitar o fim de mais um ciclo do<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro. Segundo Sara 188 ,“Temos de cair na real. Com o sucesso do 'Central', estávamos de certa formatapando o sol com a peneira. É preciso ver que o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro enfrentaproblemas gravíssimos, sobretudo nas áreas <strong>da</strong> distribuição e <strong>da</strong> exibição.”A adoção <strong>da</strong>s leis de incentivo como forma de “reviver” o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro apóso encerramento <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Embrafilme, num primeiro momento, funcio<strong>no</strong>u muitobem. Mas não se tratava de uma política <strong>cinema</strong>tográfica e sim de uma soluçãopaliativa e emergencial, já que através desse modelo de financiamento do <strong>cinema</strong>houve um incentivo à produção enquanto as outras esferas <strong>da</strong> cadeia <strong>cinema</strong>tográfica(distribuição e exibição) ficaram sem qualquer direcionamento ou estímulo. Ou seja, asleis de incentivo propiciaram que se voltasse a fazer filmes, mas não houve a mesmapreocupação com a circulação dos mesmos, fazendo com que a ativi<strong>da</strong>de nãoconseguisse se tornar auto-sustentável, pois o ciclo de circulação <strong>da</strong> mercadoria-filmenão se completava de forma satisfatória. Depois <strong>da</strong>s denúncias de recompra decertificados e de superfaturamento <strong>da</strong>s produções, que haviam abalado a credibili<strong>da</strong>dedo campo <strong>cinema</strong>tográfico junto ao mercado, os problemas estruturais desse modelo deprodução ficaram mais evidentes, e nem mesmo a produção dos filmes estavaconseguindo manter os mesmos níveis dos a<strong>no</strong>s anteriores. Embora o Estadocontinuasse disponibilizando recursos para o <strong>cinema</strong>, sem o aval do mercado estedinheiro não poderia ser utilizado.Antes mesmo <strong>da</strong> derrota de Central do Brasil <strong>no</strong> Oscar, o campo <strong>cinema</strong>tográficojá vinha apontado para a gravi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> situação e para a insustentabili<strong>da</strong>de dessa formade produção via leis de incentivo: o modelo estava “gasto”, e não se mostrou eficientepara tornar o <strong>cinema</strong> uma opção atraente de investimento direto <strong>da</strong>s empresas. Para o188 COUTO, José Geraldo. “Sem estatueta, <strong>cinema</strong> nacional cai na real”. Folha de São Paulo, 23 deMarço de 1999, Ilustra<strong>da</strong>, página 04.


125cineasta Paulo Thiago, tradicional usuário <strong>da</strong>s leis de incentivo e um dos apoiadores <strong>da</strong>política do audiovisual implementa<strong>da</strong> <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 90, a crise apontava para o final dessemodelo de financiamento. Segundo ele 189 :“Está decreta<strong>da</strong> a moratória do Estado com a produção <strong>cinema</strong>tográfica do finalde 1998, inadimplente com o investimento para os filmes <strong>da</strong> safra de 1999.Acopla<strong>da</strong> ao déficit <strong>da</strong>s empresas <strong>no</strong> país, que tiveram me<strong>no</strong>s impostos a pagar<strong>no</strong> exercício passado, a captação pouco expressiva de recursos <strong>brasil</strong>eirosatravés <strong>da</strong> Lei do Audiovisual promete um a<strong>no</strong> praticamente nulo de filmes aserem ro<strong>da</strong>dos. Isto demonstra a impotência do modelo em vigor e prefigura acrise cíclica que <strong>no</strong>ssa <strong>cinema</strong>tografia carrega como marca histórica perversa <strong>no</strong>Brasil.”A situação descrita por Paulo Thiago como “moratória do Estado com a produção<strong>cinema</strong>tográfica”, alia<strong>da</strong> às denúncias sobre a recompra de certificados, a cobrançaabusiva dos captadores de recursos e o conseqüente superfaturamento dosorçamentos, incluía outro fator que agravou a situação dos produtores<strong>cinema</strong>tográficos, dificultando ain<strong>da</strong> mais os patrocínios: a privatização <strong>da</strong>s empresasde telecomunicações, que desde o início do primeiro man<strong>da</strong>to de FHC foraminvestidoras tradicionais do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro. As privatizações ocorri<strong>da</strong>s em 1998desde então preocupavam os cineastas 190 , mas o problema só se refletiu na produção<strong>cinema</strong>tográfica do a<strong>no</strong> seguinte, porque os filmes que estavam com a produção eman<strong>da</strong>mento naquele a<strong>no</strong> foram concluídos, enquanto que os filmes que começaram acaptar em 98 tiveram problemas para conseguir recursos para a finalização. Ou seja,embora o gover<strong>no</strong> continuasse destinando recursos para o <strong>cinema</strong>, através <strong>da</strong>s leis deincentivo, os cineastas não conseguiam patrocinadores que se interessassem peloinvestimento; havia o dinheiro, mas ele não era totalmente utilizado: a tal moratória doEstado com o <strong>cinema</strong> à qual Paulo Thiago se refere.Como as perspectivas para 1999 eram assustadoras, o campo <strong>cinema</strong>tográficovoltou a pressionar diretamente o Estado para que fossem efetua<strong>da</strong>s modificações na189 THIAGO, Paulo. “Crise Audiovisual”. Jornal do Brasil, 01 de Fevereiro de 1999, Opinião, PrimeiroCader<strong>no</strong>, página 09.190 “Artistas temem perder patrocínios com ven<strong>da</strong> <strong>da</strong>s teles”. O Estado de São Paulo, 13 de Agosto de1998, Cader<strong>no</strong> 2, página 04.


126legislação e para que outras formas de apoio e fomento à produção <strong>cinema</strong>tográficafossem implementa<strong>da</strong>s, e essas pressões passaram a ser feitas de forma maisorganiza<strong>da</strong>, envolvendo os outros setores <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de <strong>cinema</strong>tográfica.A Comissão Provisória de Cinema, que contava com membros de to<strong>da</strong>s asesferas <strong>da</strong> cadeia de produção <strong>cinema</strong>tográfica, foi além do âmbito restrito do Ministério<strong>da</strong> Cultura e recorreu diretamente ao presidente FHC, na tentativa de garantir que o<strong>cinema</strong> fosse tratado como indústria <strong>brasil</strong>eira e não como produto cultural queprecisava ser subsidiado. A Comissão sugeriu a criação de um fundo de captação deinvestimentos para audiovisual em bancos privados – uma espécie de linha de créditopara o <strong>cinema</strong>, como existe para a aquisição de imóveis – além <strong>da</strong> elaboração de umprograma de fomento e estímulo à exibição e distribuição dos filmes <strong>brasil</strong>eiros 191 .O que se percebeu nesse primeiro momento de crise foi uma rearticulação docampo <strong>cinema</strong>tográfico, que, mobilizado, passou a pressionar o Estado por ajustes nalegislação e pela elaboração de uma política <strong>cinema</strong>tográfica mais abrangente, quepudesse realmente fazer do <strong>cinema</strong> uma ativi<strong>da</strong>de auto-sustentável: <strong>da</strong>í a volta <strong>da</strong> idéiade industrialização do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro. Depois de quase dez a<strong>no</strong>s de acomo<strong>da</strong>ção, ocampo <strong>cinema</strong>tográfico, em meio à crise, tenta mais uma vez transformar o <strong>cinema</strong><strong>brasil</strong>eiro em indústria.Para se ter uma idéia <strong>da</strong> proporção <strong>da</strong> crise, ain<strong>da</strong> <strong>no</strong> início de 1999 a GloboFilmes desiste do projeto de montar uma distribuidora, concentrando-se somente naprodução. O que vinha sendo visto como uma grande esperança tor<strong>no</strong>u-se umaameaça: imaginava-se que a Globo Filmes poderia comprar filmes dos produtoresindependentes e organizar uma distribuição internacional e nacional em maior escala,aproveitando a visibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> emissora, mas ao desistir de investir na distribuição, asproduções <strong>da</strong> própria emissora é que ganharam terre<strong>no</strong>. Segundo a empresa (Globo),seria impossível competir <strong>no</strong> mercado <strong>da</strong> distribuição, dominado pelas grandesdistribuidoras internacionais. A Globo não estava disposta a investir fortemente nadistribuição, pois isso seria muito dispendioso, e adotou o pensamento comum do191 “Cinema pede que FHC reitere apoio”. Folha de São Paulo, 13 de Fevereiro de 1999, Ilustra<strong>da</strong>,página 05.


127campo <strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiro: priorizou a produção. Segundo o diretor <strong>da</strong> GloboFilmes, Luiz Gleiser, “Nós somos produtores de conteúdo. É a <strong>no</strong>ssa priori<strong>da</strong>de” 192 .Para agravar ain<strong>da</strong> mais a crise, ganhou as páginas dos jornais e revistas umescân<strong>da</strong>lo envolvendo o projeto mais caro do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro até então, o filme Chatôde Guilherme Fontes. O filme, uma biografia do empresário <strong>da</strong>s comunicações AssisChateaubriand basea<strong>da</strong> <strong>no</strong> best seller homônimo de Fernando Morais, estava orçadoem R$ 12 milhões e já havia captado mais de 7 milhões. O ator Guilherme Fontes, quenão tinha nenhuma experiência em direção <strong>cinema</strong>tográfica, começou a captar recursosem 1996, e pretendia desenvolver um projeto multimídia sobre Chateaubriand, queincluía, além do filme, uma sitcom, uma série de documentários para TV e fitas de vídeopara a ven<strong>da</strong> em bancas de jornal. Um projeto extremamente au<strong>da</strong>cioso, que contouinclusive com um acordo de co-produção com a empresa do cineasta <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>Francis Ford Copolla e, desde o início, apresentou despesas de produção muitoeleva<strong>da</strong>s para os padrões <strong>brasil</strong>eiros (só para se ter uma idéia, Fontes comprou todo oequipamento necessário para a finalização do filme e montou uma empresa definalização). Mas, em maio de 1999, Guilherme Fontes interrompeu as filmagensalegando falta de dinheiro para finalizar o filme e tentou conseguir uma autorização doMinistério <strong>da</strong> Cultura para captar mais 2 milhões, além pedir que os prazos parafinalização fossem aumentados.Paralelamente à interrupção <strong>da</strong>s filmagens de Chatô, surgiram denúncias deirregulari<strong>da</strong>des na utilização do dinheiro captado para a realização do filme O Guaranide Norma Bengell (1996) que, segundo se constatou, apresentou <strong>no</strong>tas fiscais falsaspara justificar os R$ 2,5 milhões gastos na produção. A cineasta começou a serinvestiga<strong>da</strong> pelo Tribunal de Contas <strong>da</strong> União, e foram encontra<strong>da</strong>s duas <strong>no</strong>tas fiscaisde empresas fantasmas na prestação de contas do filme.Se a situação do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro já merecia cui<strong>da</strong>dos, com a <strong>no</strong>tícia <strong>da</strong>interrupção <strong>da</strong>s filmagens de Chatô e as irregulari<strong>da</strong>des do filme de Norma Bengell, omercado ficou ain<strong>da</strong> mais desconfiado – afinal, embora as empresas não injetassemdiretamente dinheiro na produção, associar-se a filmes que corriam o risco de não192 SÁ, Nelson. “Globo Filmes começa bem, mas desiste <strong>da</strong> distribuição” Folha de São Paulo, 13 deMarço de 1999, Ilustra<strong>da</strong>, página 08.


128serem finalizados ou produções suspeitas não parecia ser uma boa estratégia demarketing. E a situação realmente se agravou a partir de uma matéria publica<strong>da</strong> narevista Veja sobre o filme Chatô, em que o jornalista Celso Masson literalmente arrasouo <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, questionando inclusive a viabili<strong>da</strong>de e a necessi<strong>da</strong>de de o Estadoinvestir <strong>no</strong> <strong>cinema</strong>. A tônica do discurso de Veja mereceria uma análise à parte, quenão cabe neste momento. O que interessa ressaltar é que o questionamento – muitoválido – sobre como vinha sendo utilizado o dinheiro público acabou por descambarnuma crítica a todo o <strong>cinema</strong> nacional, como o título <strong>da</strong> matéria deixou bem claro:“Caros, Ruins e Você Paga”. Ao apresentar a crise do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro a partir dosescân<strong>da</strong>los de Chatô e O Guarani, a revista direcio<strong>no</strong>u suas críticas aos cineastas e àomissão e permissivi<strong>da</strong>de do Estado, terminando por questionar a viabili<strong>da</strong>de deproduzir <strong>cinema</strong> dessa forma <strong>no</strong> Brasil, como se percebe em alguns trechos <strong>da</strong>reportagem 193 :“O <strong>cinema</strong>, como está organizado <strong>no</strong> Brasil, é um negócio em que, com exceçãodo contribuinte, ninguém perde. O investidor pode abater tudo do imposto deren<strong>da</strong>. Quem apresenta o projeto, seja ele cineasta, seja ele produtor, gasta odinheiro como quiser e pode embolsar até 20% de auto-remuneração, cobradoscomo comissão administrativa. Isso significa que, num filme de 2,5 milhões dereais, que é o preço médio de uma fita hoje <strong>no</strong> Brasil, podem-se faturar 500.000reais limpos, a título de salário. Se o filme der lucro, ele e a empresa que investiuain<strong>da</strong> o embolsam. Se não der, paciência.”Para provar que o “negócio <strong>cinema</strong>tográfico” seria um campo fértil para fraudes eapropriação do dinheiro público, um repórter <strong>da</strong> Veja, passando-se por produtor<strong>cinema</strong>tográfico, conseguiu comprar uma <strong>no</strong>ta fiscal fria de uma produtora carioca: orepórter pediu uma <strong>no</strong>ta por serviços pr<strong>estado</strong>s <strong>no</strong> valor de R$ 900,00 reais, quepoderia ser anexa<strong>da</strong> na prestação de contas de um filme, e pagou R$ 54,00 pela <strong>no</strong>ta,sem precisar de grandes esforços nem prestar qualquer tipo de esclarecimento. Apósapresentar denúncias, provas de como é simples frau<strong>da</strong>r a prestação de contas dos193 MASSON, Celso. “Caros, ruins e você paga”. Veja. São Paulo: Editora Abril, 30 de Junho de 1999,páginas 54 – 57.


129filmes e casos de favorecimento (como diretores que empregam seus filhos com altossalários), Celso Masson concluiu que:“Voltando à questão inicial: você acha mesmo que esses filmes são maisimportantes para o país do que bibliotecas, orquestras e museus? Melhor achar.Você está pagando caro por eles.“A matéria <strong>da</strong> Veja deu uma visibili<strong>da</strong>de muito maior à crise pela qual estavapassando o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, e provocou reações mais efusivas tanto do campo<strong>cinema</strong>tográfico quanto do próprio Estado, que logo após a publicação <strong>da</strong> matériaproibiu prática <strong>da</strong> recompra de certificados antes <strong>da</strong> conclusão do filme. Os cineastasapressaram-se a ir a público explicar a situação, e a imprensa abriu espaço para estasmanifestações, além de acompanhar de perto todo o desenrolar do processo deGuilherme Fontes. A matéria <strong>da</strong> Veja causou uma espécie de “levante” em defesa do<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro – tanto que, logo após a publicação <strong>da</strong> mesma, o jornal O Estado deSão Paulo publicou uma série especial de artigos com o título “Fé <strong>no</strong> CinemaBrasileiro”, em que Cacá Diegues, Paulo Thiago, Roberto Farias e o secretário doAudiovisual, Álvaro Moisés puderam se manifestar.Em sua defesa do <strong>cinema</strong> nacional, Cacá Diegues argumentou que o grandeproblema do <strong>cinema</strong> nacional é a elite do Brasil, que não quer ver a reali<strong>da</strong>de do país<strong>no</strong>s filmes, pois tem vergonha do próprio reflexo – e foi isso que a matéria <strong>da</strong> Vejareproduziu. Segundo Diegues 194 ,“o que está em questão não é saber se é possível fazer <strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil, se hácondições para isso. Se o deixarmos ao sabor do mercado selvagem, a respostaserá sempre não. O que está em questão, <strong>no</strong> entanto, é saber se se deve fazer<strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil, se é desejável que este país tenha uma <strong>cinema</strong>tografia comoativi<strong>da</strong>de permanente, se aspiramos a que se produzam filmes que sejam capazesde servir de espelho à <strong>no</strong>ssa própria contemplação e autoconhecimento, sequeremos que exista <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro. Sabemos qual é a resposta <strong>da</strong>s elites quesonham com Miami, envergonha<strong>da</strong>s do que somos.”194 DIEGUES, Carlos. “O horror do espelho”. O Estado de São Paulo, 01 de julho de 1999, Cader<strong>no</strong> 2,página 04.


130Já o cineasta Paulo Thiago 195 em seu artigo comparou a caça aos cineastaspromovi<strong>da</strong> pela Veja ao Macarthismo dos EUA, e alegou ser tal operação apenas uma“bomba midiática” que não levou em conta os acertos do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eirocontemporâneo, destacando apenas os erros – que existiram, mas poderiam sercorrigidos. Roberto Farias 196 , ex-dirigente <strong>da</strong> Embrafilme, utilizou <strong>da</strong>dos, tabelas eestatísticas para desmentir a idéia de que o público <strong>brasil</strong>eiro não gosta de filmenacional, argumentando que existe público para o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro e que existem bonsfilmes nacionais – embora tenha admitido a razão <strong>da</strong> revista Veja ao mostrar como éfácil lavar dinheiro através do <strong>cinema</strong>. O secretário José Álvaro Moisés 197 apresentou<strong>da</strong>dos, fez um histórico do <strong>cinema</strong> nacional, apresentou um painel <strong>da</strong>s produções e domercado <strong>cinema</strong>tográfico e, aproximando-se do discurso de Cacá Diegues, disse que“vozes <strong>da</strong> intolerância” começaram atacar o <strong>cinema</strong> nacional tão logo ele readquiriuvisibili<strong>da</strong>de e se recuperou.Desses discursos em defesa do <strong>cinema</strong>, uma questão salta aos olhos: na vozdos cineastas e do representante do Estado, o problema não estava <strong>no</strong> campo<strong>cinema</strong>tográfico, mas fora dele, nas elites, nas “vozes <strong>da</strong> intolerância”, na classe médiaque não quer se ver <strong>no</strong> espelho. Embora sejam argumentos válidos, não sãosuficientes para explicar as práticas ilícitas, os superfaturamentos e a ausência depreocupação com as esferas de comercialização do filme que, em última análise,refletem uma ausência de preocupação com o público. E mais ain<strong>da</strong>, quando osescân<strong>da</strong>los e fraudes cometi<strong>da</strong>s por cineastas vieram à tona, eles passaram a serclassificados como exceções, como casos únicos, de “estreantes totalmentedespreparados” ou de “oportunistas”, reeditando a versão já apresenta<strong>da</strong> anteriormentede que o dinheiro público deveria ser destinado aos cineastas mais experientes, jáconsagrados.Em meio ao turbilhão de acusações e defesas, foi instala<strong>da</strong> <strong>no</strong> Senado Federaluma Subcomissão de Cinema, liga<strong>da</strong> à Comissão de Educação já existente <strong>no</strong> Senado,195 THIAGO, Paulo. “O poder <strong>da</strong> mídia”. O Estado de São Paulo, 01 de julho de 1999, Cader<strong>no</strong> 2, página04.196 FARIAS, Roberto. “Ver<strong>da</strong>des e mentiras <strong>da</strong> indústria que busca seu espaço”. O Estado de SãoPaulo, 01 de julho de 1999, Cader<strong>no</strong> 2, página 05.197 MOISÉS, José Álvaro. “Quem tem medo <strong>da</strong>s produções nacionais?”. O Estado de São Paulo, 01 dejulho de 1999, Cader<strong>no</strong> 2, página 06.


131que deveria investigar a ativi<strong>da</strong>de <strong>cinema</strong>tográfica <strong>no</strong> Brasil, diag<strong>no</strong>sticando problemase propondo alternativas. A instalação de tal comissão já havia sido pedi<strong>da</strong> pelosenador Franceli<strong>no</strong> Pereira (PFL) em maio de 1999, antes mesmo dos escân<strong>da</strong>los deChatô e O Guarani tornarem-se públicos 198 , mas a aprovação para a criação <strong>da</strong> mesmasó ocorreu em junho do mesmo a<strong>no</strong> 199 . A Subcomissão funcio<strong>no</strong>u entre julho de 1999 ejunho de 2000 e, durante esse período de funcionamento, prestaram depoimentocineastas 200 , produtores, representantes de grupos exibidores, de distribuidoras, deassociações de profissionais, pesquisadores, coordenadores de festivais de <strong>cinema</strong> e opróprio Secretário para o Desenvolvimento do Audiovisual.Ain<strong>da</strong> <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 1999, aliado ao início dos depoimentos na Subcomissão doSenado e ao trabalho <strong>da</strong> Comissão de Cinema, o Ministério <strong>da</strong> Cultura finalizou areestruturação inicia<strong>da</strong> <strong>no</strong> a<strong>no</strong> anterior e, nesse processo, a Secretaria do Audiovisualsofreu uma reformulação. O cientista político José Álvaro Moisés, que assumiu aSecretaria para o Desenvolvimento do Audiovisual <strong>no</strong> segundo man<strong>da</strong>to de FHC,participou mais ativamente nas negociações e relações dos cineastas com o Estado eesteve também mais presente na mídia – o que antes era feito pelo próprio ministroWeffort. Na gestão de Moisés, a secretaria realizou mais investimentos na divulgaçãodo <strong>cinema</strong> nacional, na formação de público, na restauração do acervo fílmico <strong>brasil</strong>eiroe exerceu maior fiscalização para com os filmes que utilizavam as leis de incentivo.Além disso, foi estabelecido um teto de captação para cineastas estreantes, a avaliaçãode currículos dos proponentes às leis de incentivo e foram abertos <strong>no</strong>vos editais deconcursos para financiar a produção. Segundo o Relatório de Ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Secretariado Audiovisual, os principais objetivos que se colocaram a partir de 1999 foram 201 :1. Apoio à produção e comercialização do audiovisual <strong>brasil</strong>eiro por meio de programasespeciais e concursos públicos;2. Ampliação <strong>da</strong> difusão do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro <strong>no</strong> país e <strong>no</strong> exterior;198 “Senador pede comissão sobre <strong>cinema</strong>”. Folha de São Paulo, 14 de Maio de 1999, Ilustra<strong>da</strong>, página12.199 Segundo <strong>da</strong>dos apresentados na página oficial do Senado, a Subcomissão do Cinema Brasileiro foiinstala<strong>da</strong> <strong>no</strong> dia 29 de junho de 1999, e contou com os senadores José Fogaça, Maguito Vilela,Franceli<strong>no</strong> Pereira, Teotônio Vilela Filho, Roberto Saturni<strong>no</strong> e Luiz Otávio. www.senado.gov.br200 Roberto Farias, Gustavo Dahl, Nelson Pereira dos Santos, Helvécio Ratton, Cacá Diegues, LuizVillaça, João Moreira Salles e Sílvio Tendler.201 Secretaria do Audiovisual – Ministério <strong>da</strong> Cultura. Relatório de Ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Secretaria doAudiovisual – Cinema, Som e Vídeo: 1995 a 2002. Brasília: SAV/Minc, 2002, página 14.


1323. Formação de público para o audiovisual nacional, em especial o <strong>cinema</strong>;4. Formação profissional para atendimento <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de do setor.Para atingir esses objetivos, foram desenvolvidos alguns programas, como oMais Cinema, com apoio do BNDES, Banco do Brasil e SEBRAE, que disponibilizou umcrédito de R$ 80 milhões para os a<strong>no</strong>s de 1999 e 2000, a ser utilizado na forma deempréstimo para produtores, distribuidores e exibidores. Foi criado também umprograma de apoio à comercialização de filmes, para auxiliar produtoras edistribuidoras, através de verbas destina<strong>da</strong>s para marketing nacional. Foram abertosconcursos públicos para <strong>no</strong>vos talentos, curtas-metragens, documentários e longasmetragensautorais “cuja existência não é assegura<strong>da</strong> pela dinâmica do mercado” 202 .Além disso, foi instituí<strong>da</strong> a bolsa virtuose para formação profissional, e continuaram osacordos internacionais de co-produção, divulgação e distribuição, bem como os apoiosa festivais, mostras e cursos. Coroando todo esse esforço de revitalização do <strong>cinema</strong><strong>brasil</strong>eiro, e na tentativa de readquirir credibili<strong>da</strong>de junto aos empresários, foi criado oGrande Prêmio Cinema Brasil, sau<strong>da</strong>do como o Oscar <strong>brasil</strong>eiro, que premiaria osmelhores profissionais e filmes do país.Para além <strong>da</strong>s linhas de crédito e dos programas implementados, a alteraçãomais significativa se referiu às restrições impostas aos <strong>no</strong>vos cineastas, como a criaçãode limites para captação e a definição de critérios mais rígidos para a emissão decertificados audioivusais, através <strong>da</strong> utilização <strong>da</strong> avaliação curricular do proponente.Segundo o secretário do Audioviusal José Álvaro Moisés, em seu depoimento àsubcomissão de <strong>cinema</strong> do senado 203 ,“Isso baseou-se na experiência dos quatro a<strong>no</strong>s que antecederam 1999, passandoa ser leva<strong>da</strong> em consideração, na aprovação dos projetos, a performance <strong>da</strong>sempresas proponentes. Tendo em vista que algumas tinham mais de 10 projetosaprovados, adotou-se o critério, por uma parte, de levar em conta a experiência eo currículo dos seus realizadores e do diretor proposto e, por outra, a necessi<strong>da</strong>dede limitar-se o número de projetos que ca<strong>da</strong> empresa pode realizar, já que, além202 Secretaria do Audiovisual – Ministério <strong>da</strong> Cultura. Relatório de Ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Secretaria doAudiovisual – Cinema, Som e Vídeo: 1995 a 2002. Brasília: SAV/Minc, 2002, página 20.203 MOISÉS, José Álvaro. Uma Nova Política Para o Cinema Brasileiro. Depoimento à Subcomissãode Cinema do Senado Federal. Brasília: SAV/MinC, 2000, página 22.


133dos recursos disponíveis serem limitados, sua execução não deve prolongar-seexcessivamente, por razões de eficiência e de interesse público.”Ao tentar sanar a crise e estabelecer melhores critérios para a utilização dosrecursos públicos, o que acabou acontecendo foi que, tanto os cineastas jáconsagrados <strong>no</strong> campo quanto o Estado acabaram adotando um discurso que puniu osiniciantes e os “oportunistas”: crucificaram os <strong>no</strong>vos cineastas, e os que já estavamestabelecidos <strong>no</strong> campo conseguiram mais privilégios. É claro que houve uma pressão<strong>da</strong> mídia e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de para que o Estado fosse mais exigente na liberação dosCertificados de Investimento Audiovisual, mas essas <strong>no</strong>vas exigências terminaram porgerar uma espécie de “reserva de mercado” para os cineastas já consagrados,limitando ca<strong>da</strong> vez mais o acesso de <strong>no</strong>vos cineastas aos recursos públicos. E essaatitude toma<strong>da</strong> pelo Estado veio ao encontro <strong>da</strong>s reivindicações e queixas dosprodutores mais influentes do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, que conseguiram mais uma vezgarantir sua estabili<strong>da</strong>de e seu lugar <strong>no</strong> panteão do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, conforme ficabem claro <strong>no</strong> discurso de Moisés 204 :“Outra razão importante para a adoção dessas medi<strong>da</strong>s foi a necessi<strong>da</strong>de de seromper com a prática de tratar desiguais como iguais, ou seja, supor que quemestá iniciando-se na ativi<strong>da</strong>de deve ter os mesmos direitos dos profissionais maisexperimentados que, por exemplo, além de ter reconhecimento por sua obra, sãofrequentemente premiados <strong>no</strong> país e <strong>no</strong> exterior. (...) Com efeito, não se podetratar um iniciante <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de <strong>cinema</strong>tográfica como alguém, por exemplo, com aexperiência de Luiz Carlos Barreto ou de Nelson Pereira dos Santos. Por isso,foram adotados critérios que observam a qualificação dos realizadores, acapaci<strong>da</strong>de de realização de suas empresas e até a sua performance em projetosanteriores.”Em termos práticos, foi estabelecido pelo Ministério <strong>da</strong> Cultura através CartaCircular 230 (11 de agosto de 1999) uma restrição do perfil <strong>da</strong> produção audiovisual <strong>no</strong>Brasil, através <strong>da</strong> definição de duas faixas de valores para captação de recursos: paraos estreantes o limite máximo para captação por filme produzido seria de R$ 120 mil,enquanto os produtores tradicionais (com mais de dois filmes de longa metragem204 Idem, página 23, grifos meus.


134realizados) poderiam operar com o limite de R$ 3 milhões por filme, além de seremautorizados a captar recursos para três filmes ao mesmo tempo. Ou seja, o produtortradicional podia captar o total de R$ 9 milhões <strong>no</strong> caso de produzir três filmes,enquanto o estreante teria que se contentar com apenas R$ 120 mil para fazer o seufilme – o que fez com que um produtor tradicional “valesse” 75 vezes um estreante.Com a adoção desses critérios, foi legaliza<strong>da</strong> uma lógica para o financiamentopúblico do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro: quem já estava estabelecido <strong>no</strong> campo <strong>cinema</strong>tográficosempre poderia produzir mais e “melhores” filmes (pois disporia de mais dinheiro),enquanto quem estivesse começando a produzir encontraria restrições e teria de fazerfilmes “me<strong>no</strong>res” e mais baratos, que dificilmente fariam com que esse produtor setornasse consagrado, dificultando a aprovação de financiamento para um próximo filme.Um ver<strong>da</strong>deiro círculo vicioso que contribuiu para restringir o acesso ao campo<strong>cinema</strong>tográfico e, de quebra, ajudou a consoli<strong>da</strong>r um grupo de cineastas <strong>da</strong>s “grandesproduções”.Diante disso, começaram a aparecer com mais força <strong>no</strong> interior do campo<strong>cinema</strong>tográfico questionamentos sobre direcionamento <strong>da</strong> produção, sobre os critériospara a seleção de projetos e sobre a priorização de superproduções e filmescomerciais. O discurso de apologia à diversi<strong>da</strong>de começou a perder a força, e agoravoltaram a se armar as lutas internas <strong>no</strong> campo <strong>cinema</strong>tográfico. Nesse sentido, além<strong>da</strong>s constantes críticas de cineastas que tratavam de temas difíceis (Sérgio Bianchi,Júlio Bressane, Tata Amaral e Laís Bo<strong>da</strong>nsky, por exemplo), um manifesto e ummovimento (<strong>no</strong> sentido do conceito de Raymond Williams) se organizaram, ain<strong>da</strong> nessea<strong>no</strong> de 1999.Em agosto o cineasta Marcelo Masagão lançou, <strong>no</strong> Festival de Gramado, omanifesto “O Dogma e o Desejo”, defendendo produções <strong>cinema</strong>tográficas de baixoorçamento, e criticando o modelo de incentivo <strong>da</strong> Lei do Audiovisual, o corporativismodos cineastas <strong>brasil</strong>eiros e a inércia do Estado que deixou todo o controle nas mãos domercado 205 . O manifesto teve como referência o movimento dos cineastasdinamarqueses Dogma 95, que propunha, entre outras coisas, a produção de filmes205 O manifesto “O Dogma e o Desejo”, que foi publicado <strong>no</strong> jornal Folha de São Paulo do dia 13 deAgosto de 1999 (Ilustra<strong>da</strong>, página 14) está em anexo.


135sem efeitos especiais, com iluminação natural, atores desconhecidos e baixosorçamentos e pregava a utilização de <strong>no</strong>vos padrões de tec<strong>no</strong>logia como o <strong>cinema</strong>digital para baratear as produções. No final de 1999 foi lançado o movimento TRAUMA– Tentativa de Realizar Algo Urgente e Minimamente Au<strong>da</strong>cioso 206 , também baseado<strong>no</strong> Dogma 95 e assinado por dois cineastas paulistas que nunca haviam realizadonenhum filme (Gustavo Steinberg e Alexandre Stocker). O TRAUMA, bem maissucinto que o manifesto de Masagão, estava mais preocupado em apontarpossibili<strong>da</strong>des de produção alternativas às leis de incentivo, sem apresentar críticasmais contundentes.Os dois manifestos, embora tivessem influência direta do Dogma 95, tambémpoderiam ser remetidos ao Cinema Novo, <strong>da</strong><strong>da</strong> à insistência num <strong>cinema</strong> possível, na“idéia na cabeça e câmera na mão”, na urgência em realizar mesmo em condiçõesadversas e na possibili<strong>da</strong>de de utilizar essas mesmas condições adversas naelaboração de uma linguagem, uma estética. Mas o grande diferencial, <strong>no</strong> caso doCinema Novo, se deve ao fato de que tanto o TRAUMA quanto “O Dogma e o Desejo”não foram tão enfáticos <strong>no</strong> caráter político do <strong>cinema</strong>, pois estavam mais preocupadoscom as condições para realização dos filmes e a liber<strong>da</strong>de de criação.Embora esses movimentos tenham <strong>da</strong>do poucos frutos (desde então, Masagãodirigiu três filmes e o TRAUMA realizou apenas um filme) e não possam serconsiderados como altamente relevantes para o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, seu surgimentonesse momento de crise sinalizou o início <strong>da</strong> re-politização do campo <strong>cinema</strong>tográfico<strong>brasil</strong>eiro, que se deu a partir do III Congresso de Cinema. Além disso, sãoimportantes, na medi<strong>da</strong> em que expõem claramente a divisão do campo<strong>cinema</strong>tográfico entre os grandes diretores e produtores, que produzem comorçamentos ca<strong>da</strong> vez maiores, e os iniciantes, ca<strong>da</strong> vez mais acuados.206 O Manifesto TRAUMA 99, publicado na Folha de São Paulo do dia 06 de Dezembro de 1999(Ilustra<strong>da</strong>, página 01) está em anexo.


1362. A VOLTA DO DISCURSO POLÍTICOLogo após a aprovação <strong>da</strong>s restrições e medi<strong>da</strong>s de controle do Ministério <strong>da</strong>Cultura – que trouxeram à tona, mais uma vez, a polarização do campo<strong>cinema</strong>tográfico, dividido entre os “cinemão” dos grandes produtores e o <strong>cinema</strong>possível dos iniciantes e alternativos – uma outra forma de controle sobre a produção<strong>cinema</strong>tográfica foi implanta<strong>da</strong>: a partir de março de 2000, o gover<strong>no</strong> federal começou aexigir que os filmes contratassem empresas de auditoria para acompanhar a utilizaçãodo dinheiro captado e elaborar a prestação de contas. A proposta do Ministério <strong>da</strong>Cultura previa que de 1,5% a 3% do orçamento dos filmes fossem destinados àcontratação dessas empresas, sendo que os filmes orçados em até R$ 1 milhãodestinariam 1,5% para a auditagem, enquanto que os filmes com orçamento superiordeveriam destinar 3%. Mas, segundo o secretário do audiovisual José Álvaro Moisés, “oestabelecimento <strong>da</strong> portaria e a obrigatorie<strong>da</strong>de do acompanhamento <strong>da</strong> empresa deauditoria não vai eximir os produtores <strong>da</strong> prestação de contas ao Ministério <strong>da</strong>Cultura” 207 .A obrigatorie<strong>da</strong>de do acompanhamento por uma empresa de auditoria teve comoobjetivo atrair os investidores, antes afugentados pelas denúncias de fraudes e peloscasos de filmes que não se realizaram. Mas, como bem frisou o secretário, a medi<strong>da</strong>não isentou os cineastas de elaborarem a prestação de contas ao Ministério <strong>da</strong> Cultura.O que se propôs foi uma forma de tornar os processos de captação, produção eprestação de contas mais seguros, visando desestimular a ação de “oportunistas” oudespreparados. Assim, com mais transparência, o <strong>cinema</strong> poderia atrair mais recursos,voltando a ser uma atraente opção de investimento.Embora essa proposta permitisse um maior controle sobre a utilização dosrecursos destinados ao <strong>cinema</strong> e, simultaneamente, “empurrasse” a ativi<strong>da</strong>de para umamaior profissionalização dentro dos padrões empresariais, combatendo o estigma deque o <strong>cinema</strong> é uma ativi<strong>da</strong>de artesanal e não uma prática industrial <strong>no</strong> Brasil, a207 VASCONCELLOS, Paulo. “Cinema com auditoria”. Jornal do Brasil, 25 de Março de 2000, Cader<strong>no</strong>B, página 07.


137exigência <strong>da</strong> auditoria, por outro lado, contribuiu também para inflacionar ain<strong>da</strong> mais oscustos de produção, tornando o <strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil uma ativi<strong>da</strong>de ca<strong>da</strong> vez mais cara.Ou seja, a medi<strong>da</strong> tor<strong>no</strong>u-se uma faca de dois gumes, porque ao mesmo tempo em quedeu mais segurança ao Estado e aos investidores, encareceu o <strong>cinema</strong> nacional,fazendo com que me<strong>no</strong>s filmes fossem produzidos a ca<strong>da</strong> a<strong>no</strong> (já que o dinheiro doEstado é uma cota estabeleci<strong>da</strong> para to<strong>da</strong> a produção, independente do número defilmes realizados).Ain<strong>da</strong> assim, a exigência do acompanhamento por uma empresa de auditoria foibem recebi<strong>da</strong> pelos produtores. Entretanto, um outro projeto apresentado pelo Estadotambém em meados de 2000 causou um ver<strong>da</strong>deiro pânico <strong>no</strong> campo <strong>cinema</strong>tográfico:o Ministério <strong>da</strong> Cultura estava estu<strong>da</strong>ndo estender as leis de incentivo às emissoras detelevisão e de radiodifusão, para que estas pudessem ter os mesmos benefícios dosprodutores independentes e assim se inserissem na produção <strong>cinema</strong>tográfica. Ouseja, essas empresas de comunicação, que são concessões públicas, poderiam utilizaro dinheiro do Estado (via incentivos fiscais) para produzir <strong>cinema</strong>, numa concorrênciadesleal com os produtores <strong>cinema</strong>tográficos independentes. O ministro <strong>da</strong> Cultura,Francisco Weffort, apresentou essa proposta ao presidente FHC, argumentando que“nós queremos que a <strong>no</strong>va Lei do Audiovisual não se limite apenas aos produtoresindependentes, que não exclua as empresas de rádio e TV” 208 .Quando a proposta foi apresenta<strong>da</strong> por Weffort à Comissão do Cinema causoue<strong>no</strong>rme desconforto e reações indigna<strong>da</strong>s. Afinal, os produtores independentes sabiamque não teriam como competir com a televisão, e que as emissoras iriam absorverquase todos os recursos disponíveis, já que, para os investidores, seria muito maisinteressante investir <strong>no</strong>s filmes <strong>da</strong>s emissoras, pois esses teriam probabili<strong>da</strong>de depenetração muito maior junto ao público. Para o cineasta Carlos Reichenbach, “Éevidente que o produtor independente não vai ter força nenhuma diante <strong>da</strong> televisão,que irá produzir o óbvio, reduzindo tudo a um nível de media<strong>no</strong> para baixo” 209 .Pela legislação vigente até então, a televisão só poderia participar <strong>da</strong> produção<strong>cinema</strong>tográfica como patrocinadora ou co-produtora, <strong>no</strong> caso de filmes que utilizam as208 CASTRO, Daniel. “Gover<strong>no</strong> quer entregar <strong>cinema</strong> nacional às TVs”. Folha de São Paulo, 03 de Maiode 2000, Ilustra<strong>da</strong>, página 01.209 Idem.


138leis de incentivo. Mas, se as emissoras quisessem produzir filmes de forma integral,não poderiam utilizar a renúncia fiscal, como aconteceu com a Globo Filmes; os filmesdessa produtora foram todos realizados através de co-produções, em associações comLuiz Carlos Barreto (Bossa Nova), Renato Aragão (os filmes dos trapalhões e de Didi),Cacá Diegues (Orfeu), Xuxa, e posteriormente, com as produtoras Conspiração Filmes,Natasha Entertainment e O2 Filmes.A proposta de liberar a utilização de recursos <strong>da</strong> renúncia fiscal para redes detelevisão foi vista pelos produtores como uma espécie de pia<strong>da</strong> de mau gosto, pois, sefosse implanta<strong>da</strong>, agravaria ain<strong>da</strong> mais os problemas que esse modelo de produçãovinha apresentando. O campo <strong>cinema</strong>tográfico estava polarizado entre os cineastas degrandes produções e os produtores de filmes de peque<strong>no</strong> orçamento, numa competiçãodesigual pelos mesmos recursos <strong>no</strong> mercado. Com a possível entra<strong>da</strong> <strong>da</strong>s emissorasde televisão (e em especial <strong>da</strong> Rede Globo), estariam todos disputando osinvestimentos, e a tendência seria de que as emissoras ficassem com a maior parte dosinvestimentos, sobrando pouco aos produtores tradicionais e praticamente na<strong>da</strong> aosprodutores mais alternativos.E o que seria mais grave ain<strong>da</strong>: como as emissoras são concessões públicas,não pagam pela exibição de seu conteúdo e, mesmo assim, teriam o direito de receberpatrocínios através do dinheiro público. Ou seja, seriam duplamente beneficia<strong>da</strong>s peloEstado. Além disso, a televisão já estava plenamente estabeleci<strong>da</strong> <strong>no</strong> Brasil,constituindo uma indústria auto-sustentável desde o final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 60 e, portanto,não necessitaria <strong>da</strong> utilização de benefícios fiscais ou de qualquer outro tipo defomento.Embora a questão <strong>da</strong>s concessões fosse parte do debate que acontecia naquelemomento, a reação dos cineastas à proposta de extensão <strong>da</strong>s leis de incentivo àsemissoras de televisão se concentrou em dois pontos: a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> concorrênciadesigual <strong>da</strong> Rede Globo e a perspectiva de implantação do “padrão Globo dequali<strong>da</strong>de” <strong>no</strong> <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro. A concorrência <strong>da</strong> Globo para a captação de recursospoderia inviabilizar as produções me<strong>no</strong>s comerciais e dificultar até mesmo os filmes demercado, já que para as empresas investidoras seria muito mais lucrativa uma parceriacom a maior emissora de televisão do país. Além disso, uma possível padronização


139hegemônica do <strong>cinema</strong>, através <strong>da</strong> adoção <strong>da</strong> estética <strong>da</strong> dramaturgia desenvolvi<strong>da</strong>pela Rede Globo, feria tanto o discurso <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de quanto a característica autoral,duas <strong>da</strong>s principais chaves de entendimento do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>.As perspectivas quanto à concorrência <strong>da</strong>s emissoras de televisão (Globo emespecial) pelos investimentos em <strong>cinema</strong> eram tão sombrias que Cacá Diegues, que jáhavia realizado uma co-produção com a Globo Filmes (Orfeu, 1999) e sempre defendeua união do <strong>cinema</strong> com a televisão, chegou a afirmar 210 :“Será a morte súbita <strong>da</strong> produção independente <strong>no</strong> Brasil, do <strong>cinema</strong> de autor queconstruímos neste país durante quatro déca<strong>da</strong>s. O argumento de que a televisão éempresarialmente mais competente do que o <strong>cinema</strong> é falso. Os Barreto, osMassaini, os Pereira dos Santos, os Khouri, os Farias, só para citar alguns maisantigos, estão por aí há 40 a<strong>no</strong>s, fazendo filmes sem parar, apesar de to<strong>da</strong>s asdificul<strong>da</strong>des que enfrentam. E onde estão as TVs Tupi, Excelsior, Rio, Gazeta,Continental, Manchete e tantas outras mais? Se essa medi<strong>da</strong> passar, será aprimeira vez, na história mundial do audiovisual, que o <strong>cinema</strong> financia a televisão,e não vice-versa, como é <strong>no</strong>rmal. O planeta vai rir de nós”A possibili<strong>da</strong>de de extensão <strong>da</strong>s leis de incentivo às emissoras de televisão foi agota d’água que faltava para transbor<strong>da</strong>r o “copo” dos cineastas: com dificul<strong>da</strong>des paraconseguir patrocínio em virtude <strong>da</strong> crise e em pânico frente à perspectiva de umaconcorrência desleal <strong>da</strong> televisão, os cineastas se mobilizaram na tentativa deconseguir a união <strong>da</strong> classe, organizando as reivindicações do campo <strong>cinema</strong>tográficopara depois pressionar o Estado. Embora já se desenhassem <strong>no</strong> horizonte algumasperspectivas de rupturas e vozes dissonantes, a gravi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> situação fez necessária aunião nesse momento. Não importavam se os orçamentos seriam grandes oupeque<strong>no</strong>s, se os produtores fizessem filmes alternativos ou comerciais, com ou semDogmas: a televisão poderia inviabilizar a todos. Então, em meio à crise, perdendoprestígio na imprensa, na socie<strong>da</strong>de, <strong>no</strong> mercado e junto ao Estado, o campo<strong>cinema</strong>tográfico se organizou, e em junho 2000 foi realizado o III Congresso Brasileiro210 “O planeta vai rir” – entrevista de Cacá Diegues a Amir Labiak. Folha de São Paulo, 20 de Maio de2000, Ilustra<strong>da</strong>, página 06.


140de Cinema (CBC), em Porto Alegre (RS) contando com produtores, trabalhadores do<strong>cinema</strong>, pesquisadores, críticos, exibidores e distribuidores.A idéia de um congresso de <strong>cinema</strong> que pudesse abranger enti<strong>da</strong>des erepresentantes de diversas áreas do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro surgiu ain<strong>da</strong> em 1998, durante oseminário “Cinema Brasileiro Hoje”, realizado <strong>no</strong> festival de Brasília <strong>da</strong>quele a<strong>no</strong> 211 .Mas, apenas em 2000, <strong>da</strong><strong>da</strong> à gravi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> situação, foi que o congresso se realizou,47 a<strong>no</strong>s após a realização do II CBC 212 . O III CBC teve como presidente o cineastaGustavo Dahl, ligado ao grupo do Cinema Novo e que sempre esteve envolvido naelaboração de políticas <strong>cinema</strong>tográficas, foi diretor do setor de distribuição <strong>da</strong>Embrafilme e é o autor <strong>da</strong> célebre frase “mercado é cultura” 213 , defendendo o <strong>cinema</strong>como fator de identi<strong>da</strong>de nacional, mas que precisa de acesso ao mercado para serealizar.O III CBC foi organizado, principalmente, para conseguir a união do campo<strong>cinema</strong>tográfico, e assim lutar pelo <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro frente às ameaças e problemas doperíodo. Ou, nas palavras de Gustavo Dahl na abertura do Congresso 214 ,“Congregar, raiz etimológica <strong>da</strong> palavra congresso, se faz sentir como primeiraprovidência para enfrentar situações de perigo. É o que fazem os animais, desdesua mais diminuta escala, é o que fazem as religiões quando ain<strong>da</strong> são seitassecretas, é o que fazem os exércitos quando a defesa e o ataque se tornameminentes. É o que o faziam os estu<strong>da</strong>ntes, quando movidos pelo anseio deredimir o país e enfrentar a ditadura, iam às ruas manifestar. E o refaziam quandoas forças <strong>da</strong> repressão e <strong>da</strong> ordem conseguiam dispersá-los. Qualquersemelhança não é mera coincidência. É o que todos nós estamos fazendo aqui,querendo assumir a responsabili<strong>da</strong>de pela realização do <strong>no</strong>sso próprio desti<strong>no</strong>,naquilo que ele tem de comum, naquilo que vai além <strong>da</strong> mera experiênciaindividual.”211Segundo informações constantes <strong>no</strong> site do Congresso Brasileiro de Cinema.www.congresso<strong>cinema</strong>.com.br212 Para um quadro mais abrangente sobre os Congressos Brasileiros de Cinema <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1950,veja-se AUTRAN, Arthur. “A questão industrial <strong>no</strong>s congressos de <strong>cinema</strong>” in CATANI, Afrânio Mendes[et. al], (org.) Estudos Socine de Cinema: a<strong>no</strong> IV. São Paulo: Pa<strong>no</strong>rama, 2003.213 DAHL, Gustavo. “Mercado é cultura”. Cultura, Brasília, v. VI, nº 24, jan/mar 1977.214 DAHL, Gustavo. A re-politização do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro. Discurso de Abertura do III CongressoBrasileiro de Cinema. Porto Alegre, 28 de Junho de 2000. A íntegra do pronunciamento de GustavoDahl se encontra <strong>no</strong> site do CBC (www.congresso<strong>cinema</strong>.com.br).


141A tônica do discurso de abertura e dos demais documentos do III CBC deixouclaro que, antes de qualquer coisa, a realização do congresso visava a união do campopara se proteger, articular esquemas e propor soluções para a crise que há dois a<strong>no</strong>sameaçava a produção <strong>cinema</strong>tográfica. E isso aconteceria através de balanços,avaliação de erros e acertos, propostas de mu<strong>da</strong>nças e reivindicações de todos ossetores <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de <strong>cinema</strong>tográfica.A importância <strong>da</strong> realização do III CBC pode ser medi<strong>da</strong>, principalmente, pelainserção de um <strong>no</strong>vo viés ao Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>: a volta do discurso político. O títulodo discurso de abertura do congresso, “A re-politização do <strong>cinema</strong>” já acenava nessadireção, confirma<strong>da</strong> durante os debates e na elaboração do relatório final do III CBC. Ocongresso enfatizou a necessi<strong>da</strong>de de politização do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, através dodiscurso dos cineastas e <strong>da</strong> afirmação <strong>da</strong> importância <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de para a formação edifusão <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de nacional, como transparece <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> geral do congresso,também de Gustavo Dahl, onde se afirma que 215 ,“Todo <strong>cinema</strong> nacional é um ato de resistência que tem como objetivo tornar-seauto-sustentável, por uma questão de direito econômico e digni<strong>da</strong>de cultural.Qualquer pessoa que produz uma imagem anima<strong>da</strong>, isto é, dota<strong>da</strong> de alma, naintenção de comunicá-la ao outro, de reproduzi-la publicamente, queira ou não,entra num combate. Os enfrentamentos do século XXI são audiovisuais e já estãoem curso. No mundo <strong>da</strong> imagem em movimento, não há i<strong>no</strong>cência. A maneira dereproduzir a reali<strong>da</strong>de e multiplicá-la é simultaneamente um esforço deidentificação e manifestação de uma tentativa de hegemonia”.A elaboração de um discurso político para o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, ressaltando aimportância do audiovisual <strong>no</strong> mundo globalizado levou à constatação de que oaudiovisual representa o poder <strong>no</strong> mundo contemporâneo, e assim o <strong>cinema</strong> enquantoparte <strong>da</strong> indústria audiovisual é, necessariamente, político. Além disso, essaconstatação trouxe consigo a questão <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de nacional, muito presente <strong>no</strong><strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro <strong>da</strong>s déca<strong>da</strong>s de 50 a 70, mas que depois perdeu sua força. Seriaessa a mesma identi<strong>da</strong>de nacional do Cinema Novo que estaria de volta? Ao que215 DAHL, Gustavo. III Congresso Brasileiro de Cinema: Pla<strong>no</strong> Geral. Porto Alegre, 28 de Junho de2000. (www.congresso<strong>cinema</strong>.com.br).


142parece, não. A questão <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de nacional retorna ao discurso (e aos filmes)naquele momento como uma espécie de moe<strong>da</strong> de troca internacional, já que a própriaidéia de nação perdeu a força que possuía. A identi<strong>da</strong>de nacional ressurge, mas comoutro significado, como um tipo de “nacional para exportação”, como um produto deconsumo <strong>no</strong> mercado cultural globalizado. A identi<strong>da</strong>de nacional busca<strong>da</strong> pelo Cinema<strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> é simultaneamente local e mundial, tem as cores locais, mas recria<strong>da</strong>spor um recorte internacional, aproximando-se <strong>da</strong> concepção de Octavio Ianni acercados bens simbólicos produzidos <strong>no</strong> mundo globalizado 216 :“Muito do que é local, regional, nacional ou mesmo continental entra <strong>no</strong> jogo <strong>da</strong>srelações internacionais, recria-se <strong>no</strong> âmbito <strong>da</strong>s relações, processos e estruturasarticulados <strong>no</strong>s caminhos do mundo.”O retor<strong>no</strong> <strong>da</strong> questão <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de, dessa forma, está diretamente relacionado,em termos de estética, a um <strong>cinema</strong> internacional popular, já analisado anteriormenteatravés <strong>da</strong> leitura de Central do Brasil e <strong>da</strong> polêmica levanta<strong>da</strong> por Ivana Bentes acerca<strong>da</strong> cosmética <strong>da</strong> fome. Porque a identi<strong>da</strong>de nacional apresenta<strong>da</strong> <strong>no</strong> III CBC é, antesde tudo, a identi<strong>da</strong>de nacional de um produto <strong>cinema</strong>tográfico para exportação,segundo as palavras de Dahl, “simultaneamente um esforço de identificação emanifestação de uma tentativa de hegemonia”.Mas para que essa tentativa de hegemonia se concretizasse, os diversos setores<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de <strong>cinema</strong>tográfica reunidos <strong>no</strong> CBC apontaram a necessi<strong>da</strong>de de umapolítica audiovisual mais consistente, não apenas restrita a investimentos ou recursosdirecionados para a produção – o que, segundo se constatou, levaria mais uma vez o<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro ao encerramento de um ciclo (a Retoma<strong>da</strong>). Para encerrar a “históriacíclica” do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro e torná-lo auto-sustentável, seria necessária a inserção do<strong>cinema</strong> dentro <strong>da</strong> indústria audiovisual já consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>no</strong> Brasil, além de um maior apoiodo Estado. Ou seja, o III CBC, sem perder de vista a importância política do audiovisualpara a identi<strong>da</strong>de nacional e para a hegemonia do país, ressaltou que o objetivoprimeiro do campo <strong>cinema</strong>tográfico seria a conquista <strong>da</strong> auto-sustentabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>ativi<strong>da</strong>de, garantindo a continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> produção <strong>cinema</strong>tográfica através <strong>da</strong>elaboração de uma política audiovisual mais abrangente.216 IANNI, Octavio. A Socie<strong>da</strong>de Global. Rio de Janeiro: Ed.Civilização Brasileira, 2002, página 47.


143A priorização <strong>da</strong> conquista de auto-sustentabili<strong>da</strong>de ficou clara <strong>no</strong> Relatório Finaldo III CBC, que teve o Estado como o principal interlocutor. Mas, além <strong>da</strong>sreivindicações e críticas diretas ao Estado, os congressistas também se dirigiram àtelevisão, exigindo a inserção do filme nacional e questionando as concessões públicas.No diagnóstico do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro elaborado e nas suas reivindicações o III CBCafirmou que “cabe ao Estado garantir a iso<strong>no</strong>mia competitiva na disputa de mercados”,ao mesmo tempo em que argumentou que “a participação <strong>da</strong> televisão <strong>no</strong> processo deconsoli<strong>da</strong>r a indústria audiovisual <strong>brasil</strong>eira é uma questão de equilíbrio para aeco<strong>no</strong>mia do país”. 217Naquele momento em que o Estado acenava com a possibili<strong>da</strong>de de estendera legislação de incentivos fiscais às emissoras de televisão, a relação desta com o<strong>cinema</strong> e as concessões públicas foram encara<strong>da</strong>s de frente pelos cineastas, comoconsta <strong>no</strong> Relatório Final 218 , elaborado com propostas abrangentes de ações nasseguintes áreas: organização interna do campo <strong>cinema</strong>tográfico (continui<strong>da</strong>de docongresso, reorganização <strong>da</strong> Comissão de Cinema do Ministério <strong>da</strong> Cultura etransformação <strong>da</strong> Subcomissão do Cinema do Senado em Comissão Permanente);ação do Estado (criação de um órgão responsável pela política <strong>cinema</strong>tográfica, ligadoà presidência <strong>da</strong> república); estímulo à produção (criação de um fundo de fomento, comtaxação <strong>da</strong>s emissoras de TV aberta e dos comerciais importados, além de incentivos aestreantes, documentários e experimentais); distribuição (criação de um fundo defomento para a distribuição); exibição (financiamentos e linhas de crédito específicas);alterações nas leis Audiovisual e Rouanet; regulamentação <strong>da</strong>s ligações com apublici<strong>da</strong>de (pagamento de uma contribuição para o desenvolvimento do audiovisual);regulamentação <strong>da</strong>s ligações com a televisão e exigências de cota (taxação de 3% <strong>da</strong>semissoras de televisão abertas e à cabo, para um fundo de financiamento do <strong>cinema</strong>,além do cumprimento <strong>da</strong> obrigatorie<strong>da</strong>de de exibição de 30% <strong>da</strong> programaçãocompra<strong>da</strong> de produtores independentes <strong>brasil</strong>eiros, cota de tela para os filmes<strong>brasil</strong>eiros na TV); investimentos em <strong>no</strong>vas tec<strong>no</strong>logias; preservação do acervo fílmico;auxílio à formação profissional, à pesquisa e crítica, e a Festivais de Cinema.217 Relatório Final do III Congresso Brasileiro de Cinema. Porto Alegre, 01 de Julho de 2000.(www.congresso<strong>cinema</strong>.com.br)218 Idem.


144A maioria <strong>da</strong>s ações propostas envolvia diretamente o Estado, por meio <strong>da</strong>legislação (através <strong>da</strong> criação de taxas, <strong>da</strong> exigência legal de exibição do <strong>cinema</strong> ou <strong>da</strong>reformulação <strong>da</strong>s leis de incentivo vigentes) ou através de investimentos diretos, comoconcursos e prêmios. Das 69 propostas de ações que contemplavam todos osproblemas do campo <strong>cinema</strong>tográfico e apresentavam propostas e soluções, valeressaltar a última, um recado direto ao ministro Weffort: “Defender a exclusivi<strong>da</strong>de decaptação dos recursos <strong>da</strong> Lei do Audiovisual para a produção <strong>cinema</strong>tográficaindependente.”O III CBC, quase cinco déca<strong>da</strong>s depois do II CBC, apresentou reivindicaçõesmuito semelhantes: também teve o Estado como foco central e ain<strong>da</strong> lutou para tornarseuma ativi<strong>da</strong>de auto-sustentável. Ao que parece, o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro tem osubdesenvolvimento como um <strong>estado</strong>, como uma condição e não uma fase, como jáhavia constatado um dos principais críticos do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, Paulo Emílio SallesGomes, ain<strong>da</strong> na déca<strong>da</strong> de 70 219 . Para Paulo Emílio, o subdesenvolvimento <strong>no</strong><strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro seria uma característica do mesmo, liga<strong>da</strong> às condições <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<strong>brasil</strong>eira, e não um estágio que seria superado.Enquanto o campo <strong>cinema</strong>tográfico se movimentava e se articulavapoliticamente, o Estado também se organizou, buscando um <strong>no</strong>vo direcionamento paraas relações com o campo <strong>cinema</strong>tográfico: <strong>no</strong> segundo semestre de 2000 a Secretariapara o Desenvolvimento do Audiovisual do Ministério <strong>da</strong> Cultura elaborou o documento“Diagnóstico Governamental <strong>da</strong> Cadeia Produtiva do Audiovisual” 220 , apresentando osproblemas e o histórico do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, e apontando sugestões para sair <strong>da</strong> criseem que o mesmo se encontrava. Tal diagnóstico fez-se necessário, segundo aSecretaria do Audiovisual, porque “constatou-se que o mercado, por si só, não é capazde criar as condições de sustentabili<strong>da</strong>de do setor <strong>cinema</strong>tográfico, tornandoindispensável participação mais ativa do Estado para promover a maturação do setor,219 GOMES, Paulo Emílio Salles. Cinema: Trajetória <strong>no</strong> Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1980.220 Secretaria do Audiovisual - Ministério <strong>da</strong> Cultura Diagnóstico Governamental <strong>da</strong> Cadeia Produtivado Audiovisual Brasília: SAV/MinC, 2.000.


145bem como a adoção de uma visão mais sistêmica do desenvolvimento <strong>da</strong> cadeia doaudiovisual <strong>no</strong> país.” 221O documento mostrou, detalha<strong>da</strong>mente, os problemas <strong>da</strong> produção, <strong>da</strong>distribuição e <strong>da</strong> exibição <strong>cinema</strong>tográficas <strong>no</strong> Brasil, apontando para o mo<strong>no</strong>pólio <strong>da</strong>distribuição, as poucas salas exibidoras e o encarecimento <strong>da</strong> produção, e colocandocomo problema central a ausência de uma indústria audiovisual que compreendesse o<strong>cinema</strong>, a televisão, a publici<strong>da</strong>de e a internet. Para superar estes problemasestruturais, seria necessária a intervenção do Estado, garantindo a indispensávelintegração audiovisual capaz de fazer do <strong>cinema</strong> uma ativi<strong>da</strong>de auto-sustentável. Odiagnóstico concluiu “que o <strong>estado</strong> de arte <strong>da</strong> <strong>cinema</strong>tografia <strong>brasil</strong>eira está ademan<strong>da</strong>r, de fato, várias iniciativas de maturação mais longa, capaz de preparar um<strong>no</strong>vo modelo de relação Estado/<strong>cinema</strong>, de forma a permitir a consoli<strong>da</strong>ção de umaindústria <strong>cinema</strong>tográfica e audiovisual ver<strong>da</strong>deiramente sustentável.“ 222Partindo dessa constatação, o documento sugere uma agen<strong>da</strong> mínima para oaudiovisual 223 , com as seguintes propostas: revisão do conceito de audiovisual<strong>brasil</strong>eiro, incorporando a informática; ampliação <strong>da</strong> vigência <strong>da</strong> Lei do Audiovisual pormais 20 a<strong>no</strong>s; criação de um sistema de financiamento direto para documentários,experimentais e estreantes; formação de um consórcio de produtoras (cartelas defilmes); articulação com outros setores industriais; investimento na formação de mão deobra especializa<strong>da</strong>; apoio governamental à distribuição, através de fundos deinvestimentos; volta do adicional de ren<strong>da</strong> (prêmio em dinheiro para filmes com grandesbilheterias, que vigorou nas déca<strong>da</strong>s de 60 e 70); incentivos à abertura de salas deexibição populares; estimulo à integração com a televisão, através de cotas de exibiçãoe produção associa<strong>da</strong>; maior controle <strong>da</strong> produção audiovisual importa<strong>da</strong>; reformulação<strong>da</strong> lei de cota de tela e maior fiscalização sobre o cumprimento <strong>da</strong> mesma; volta demecanismos regulatórios.As propostas do campo <strong>cinema</strong>tográfico apresenta<strong>da</strong>s pelo III CBC e a agen<strong>da</strong>mínima apresenta<strong>da</strong> pelo Ministério <strong>da</strong> Cultura apresentaram muitos pontos em comum,221 Secretaria do Audiovisual – Ministério <strong>da</strong> Cultura. Relatório de Ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Secretaria doAudiovisual – Cinema, Som e Vídeo: 1995 a 2002. Brasília: SAV/Minc, 2002, página 05.222 Secretaria do Audiovisual - Ministério <strong>da</strong> Cultura Diagnóstico Governamental <strong>da</strong> Cadeia Produtivado Audiovisual Brasília: SAV/MinC, 2.000, página 14.223 Idem, páginas 51 a 53.


146mas se diferenciavam num ponto que, para os cineastas, era crucial: a taxação <strong>da</strong>semissoras de televisão e <strong>da</strong>s produtoras de publici<strong>da</strong>de, que permitiria ao <strong>cinema</strong> sesustentar. Ain<strong>da</strong> assim, ficou clara a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> elaboração de uma política<strong>cinema</strong>tográfica mais consistente.3. POR UMA POLÍTICA CINEMATOGRÁFICA MAIS ABRANGENTEA constatação <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de uma política para o <strong>cinema</strong> levou à criação doGEDIC – Grupo Executivo de Desenvolvimento <strong>da</strong> Indústria Cinematográfica, emsetembro de 2000 224 . O órgão foi responsável pela elaboração de uma ampla política<strong>cinema</strong>tográfica <strong>no</strong> Brasil e envolveu representantes de vários ministérios do gover<strong>no</strong>federal, de todos os setores <strong>da</strong> indústria <strong>cinema</strong>tográfica (produção, distribuição,exibição e pesquisa) e <strong>da</strong>s emissoras de televisão. O GEDIC teve como presidente ochefe <strong>da</strong> casa civil ministro Pedro Parente, e contou com a participação dos ministrosPedro Malan (Fazen<strong>da</strong>), Alcides Tápias (Desenvolvimento), Pimenta <strong>da</strong> Veiga(Comunicações), Aloysio Nunes Ferreira (secretário geral <strong>da</strong> presidência) e FranciscoWeffort (Cultura). No setor <strong>cinema</strong>tográfico, foram convi<strong>da</strong>dos a integrar o grupo LuizCarlos Barreto (representando a produção), Carlos Diegues (direção), Gustavo Dahl(pesquisa), Rodrigo Saturni<strong>no</strong> Braga (distribuição), Luis Severia<strong>no</strong> Ribeiro Neto(exibição) e Evandro Guimarães (televisão).O maior diferencial do GEDIC, em relação às tentativas de implantação de umapolítica <strong>cinema</strong>tográfica ocorri<strong>da</strong>s durante a déca<strong>da</strong> de 90, dizia respeito ao tratamento<strong>da</strong>do à ativi<strong>da</strong>de: o caráter industrial do <strong>cinema</strong> foi priorizado, já que o grupo envolveunão apenas o Ministério <strong>da</strong> Cultura. O <strong>cinema</strong>, de produto cultural que necessitava de224 Decreto de 13 de Setembro de 2000.


147apoio estatal, passou a ser, também, um produto <strong>brasil</strong>eiro para exportação e umaindústria nascente.Tal enfoque foi muito bem recebido <strong>no</strong> campo <strong>cinema</strong>tográfico, tomado como umavanço em relação às discussões anteriores e como uma possibili<strong>da</strong>de real dedesenvolvimento <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de <strong>cinema</strong>tográfica. O cineasta e cronista Arnaldo Jabor, emsua coluna na Folha de São Paulo, argumentou que a criação de um órgão deste tipovinha sendo discuti<strong>da</strong> desde a época do Cinema Novo, e que só naquele momento talintento estava sendo concretizado. Para Jabor 225 ,“pela primeira vez, depois de 5.329 horas de reunião que me consumiram 25a<strong>no</strong>s, o gover<strong>no</strong> considera o <strong>cinema</strong> mais que um fato apenas cultural. Agora, o<strong>cinema</strong> vai ser uma priori<strong>da</strong>de nacional, que passa pelo comércio, pela indústria,pela importância do audiovisual <strong>no</strong> mundo dos satélites e <strong>da</strong> Internet.”Descontando-se o otimismo exagerado de Jabor acerca do <strong>cinema</strong> comopriori<strong>da</strong>de nacional, reapareceu <strong>no</strong> discurso dos cineastas e nas ações do Estado anecessi<strong>da</strong>de de implantação de uma indústria <strong>cinema</strong>tográfica <strong>brasil</strong>eira, idéia quesempre acompanhou a história do <strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil e que nunca se concretizou 226 . Enesse período a tentativa de industrialização do <strong>cinema</strong> veio acompanha<strong>da</strong> – econdiciona<strong>da</strong> – à idéia do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro como produto de exportação. O <strong>cinema</strong>,para se industrializar, deveria ter um forte viés comercial, tornar-se um bem cultural<strong>brasil</strong>eiro a ser consumido <strong>no</strong> mercado global de entretenimento e conquistar maisespaço na eco<strong>no</strong>mia do país. Para tanto, durante os trabalhos do GEDIC, houve umafocalização maior nas esferas de circulação do produto-filme, na viabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>comercialização dos filmes e nas possibili<strong>da</strong>des de auto-sustentabili<strong>da</strong>de de umaindústria <strong>cinema</strong>tográfica <strong>no</strong> Brasil. Ou seja, priorizou-se o aspecto de mercadoria dofilme, em detrimento de qualquer tipo de diretriz estética ou temática do <strong>cinema</strong>Segundo Luiz Carlos Barreto, logo após sua <strong>no</strong>meação para compor o GEDIC 227 ,225 JABOR, Arnaldo. “Cinema sai do ovo cultural para a vi<strong>da</strong> real”. Folha de São Paulo, 10 de Outubrode 2000, Ilustra<strong>da</strong>, página 08.226 Sobre a luta pela industrialização do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, veja-se AUTRAN, Arthur. O PensamentoIndustrial Cinematográfico Brasileiro. Campinas, SP: tese de doutorado apresenta<strong>da</strong> ao Programa dePós Graduação em Multimeios, Instituto de Artes, Unicamp, 2005.227 “Gover<strong>no</strong> quer criar indústria <strong>brasil</strong>eira do <strong>cinema</strong>”. O Estado de São Paulo, 19 de Setembro de2000, Cader<strong>no</strong> 2, página 06.


148“Fomos orientados a desenvolver um pla<strong>no</strong> estratégico para a estruturação <strong>da</strong>indústria. E o presidente frisou que devemos ‘pensar grande’. Pensar naconsoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> indústria do <strong>cinema</strong> como se fosse o setor automobilístico,siderúrgico ou naval. Precisamos inserir o <strong>cinema</strong> <strong>no</strong> contexto econômico, semesquecer de suas características culturais”.Embora Barreto tenha frisado que com o GEDIC o <strong>cinema</strong> passou a ser pensadocomo um setor industrial de ponta do Brasil, é interessante <strong>no</strong>tar que os representantesdo campo <strong>cinema</strong>tográfico convi<strong>da</strong>dos a integrar o grupo são os mesmos que, desde oCinema Novo (ou há 5.329 horas, segundo Jabor) já vinham discutindo e participandode to<strong>da</strong>s as tentativas de implementação de uma indústria <strong>cinema</strong>tográfica <strong>no</strong> Brasil – etambém estiveram presentes na elaboração <strong>da</strong>s leis de incentivo, responsáveis pelopontapé inicial <strong>no</strong> Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>. E mais: o representante <strong>da</strong>s emissoras detelevisão era um dos diretores <strong>da</strong> Rede Globo, o dos exibidores representava o grupoSeveria<strong>no</strong> Ribeiro (o maior e mais antigo grupo exibidor do país), e o representante dosdistribuidores era diretor geral <strong>brasil</strong>eiro <strong>da</strong> major Columbia Pictures. Ou seja, osmesmos caciques que há mais de 30 a<strong>no</strong>s coman<strong>da</strong>m o audiovisual <strong>brasil</strong>eiro, e queagora se uniram para, mais uma vez, tentar fazer do <strong>cinema</strong> uma indústria.Para atingir esse intento, o GEDIC centralizou sua atuação em três principaisobjetivos: combater a hegemonia <strong>cinema</strong>tográfica <strong>no</strong>rte-americana, promover maiorintegração do <strong>cinema</strong> com a televisão e reduzir os preços dos ingressos para asexibições de filmes. A idéia consistia em implantar medi<strong>da</strong>s de auxílio e reformulação<strong>da</strong>s políticas já existentes, perdurando até 2006, quando então a ativi<strong>da</strong>de seria autosustentável.Entre setembro de 2000 e março de 2001, o GEDIC elaborou umaproposta, envolvendo os “cinco pontos que estabelecemos como espécie de cincopilares, em cima dos quais poderemos assentar a grande e larga ponte que viabilizará apassagem do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro <strong>da</strong> fase voluntarista-artesanal para uma etapa industrialauto-sustentável, sem per<strong>da</strong> de sua originali<strong>da</strong>de temática e sua autentici<strong>da</strong>denacional” 228 :228 DAHL, Gustavo. ”GEDIC – Pré-Projeto de Planejamento Estratégico – Sumário Executivo 23/03/2001”.Documento publicado <strong>no</strong> site do Sindicato dos Trabalhadores <strong>da</strong> Indústria Cinematográfica de São Paulo– SINDCINE. www.sindcine.com.br


1491. Criação de um órgão gestor, <strong>no</strong> modelo de agência de caráter interministerial, com afinali<strong>da</strong>de de <strong>no</strong>rmatizar, fiscalizar e controlar o cumprimento <strong>da</strong> legislação,estabelecendo critérios e procedimentos para alocação de recursos do Estadodirecionados ao desenvolvimento dos diversos setores <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de <strong>cinema</strong>tográfica;2. Redefinição e expansão <strong>da</strong>s funções <strong>da</strong> Secretaria do Audiovisual do Ministério <strong>da</strong>Cultura que, a partir de então, priorizariam as ações mais culturais em relação ao<strong>cinema</strong>, enquanto a agência se responsabilizaria pelo viés comercial <strong>da</strong> cadeia<strong>cinema</strong>tográfica. As funções básicas <strong>da</strong> Secretaria seriam: preservação e memória,formação de público, divulgação e difusão do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro <strong>no</strong> Brasil e <strong>no</strong> exterior;3. Criação de um Fundo Financeiro, que contaria com a contribuição de outros setores<strong>da</strong> indústria audiovisual e com os recursos destinados às leis de incentivo ain<strong>da</strong> nãoutilizados;4. Reforma <strong>da</strong> legislação existente, criando condições para o surgimento de uma forteação empresarial <strong>no</strong>s setores <strong>da</strong> produção, distribuição, exibição e infra-estruturatécnica;5. Legislação para Televisão, propondo que as emissoras de televisão destinem 4% doseu faturamento publicitário para a co-produção com o <strong>cinema</strong>, além de garantir aexibição de produções independentes.Além desses cinco pontos, a proposta do GEDIC incluía 229 a volta <strong>da</strong> cota detela, agora estendi<strong>da</strong> às emissoras de televisão, às videolocadoras e às emissoras deTV a cabo. A proposta era ocupar entre 35% e 40% do mercado inter<strong>no</strong> de salas deexibição até 2005, 25% a 30% do mercado de vídeo, 10% a 15% do mercado de DVD,5% <strong>da</strong> programação de filmes de ficção longa-metragem <strong>da</strong>s redes de TV e entre 1,5%a 2% <strong>da</strong> programação <strong>da</strong>s TVs pagas. Também propunha a criação de taxas sobre aven<strong>da</strong> de aparelhos de TV, videocassete e DVD, um fundo setorial de investimentos eum título de capitalização a partir do ingresso do <strong>cinema</strong>. Deveriam também ser cria<strong>da</strong>scondições para a formação de 3 ou 4 empresas de distribuição e comercialização defilmes <strong>brasil</strong>eiros, além de 2.400 <strong>no</strong>vas salas de exibição até 2008, incluindo locais compopulação de baixa ren<strong>da</strong>.229 “Propostas do GEDIC para a indústria do <strong>cinema</strong> nacional”. Folha de São Paulo, 14 de Fevereiro de2001, Ilustra<strong>da</strong>, página 03.


150Dentre to<strong>da</strong>s as propostas e projetos apontados pelo GEDIC, percebe-se que,como já havia sido proclamado desde a criação do grupo, a priori<strong>da</strong>de foi <strong>da</strong><strong>da</strong> aoenfoque comercial do <strong>cinema</strong>, ao produto-filme. Embora o campo <strong>cinema</strong>tográficohouvesse pregado, através do III CBC, a re-politização do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, o queprevaleceu foi o caráter mercantil <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de, como se a caracterização do <strong>cinema</strong>como fun<strong>da</strong>mentalmente um bem de consumo fosse a única saí<strong>da</strong> para a manutenção<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de <strong>no</strong> Brasil e sua possibili<strong>da</strong>de de se tornar uma indústria. As questõespolíticas liga<strong>da</strong>s à identi<strong>da</strong>de nacional, também abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s durante o CBC, ficaram emsegundo pla<strong>no</strong>, enquanto o foco foi centralizado <strong>no</strong> mercado.O enfoque que privilegiou o caráter mercadoria do filme estava ligado à idéia deque, nas socie<strong>da</strong>des contemporâneas em que predomina o consumo, havia anecessi<strong>da</strong>de de que os bens culturais fossem mais do que sig<strong>no</strong>s, mas sobretudoprodutos derivados destes sig<strong>no</strong>s. Como todo filme é, simultaneamente, produto esig<strong>no</strong>, a saí<strong>da</strong> foi construir um produto <strong>brasil</strong>eiro para exportação que carregasse umsig<strong>no</strong> simultaneamente nacional e internacional, ou internacional popular para usarmoso conceito de Renato Ortiz 230 . Então o discurso de identi<strong>da</strong>de nacional encontrou-secom a idéia de produto comercial para exportação, transformando a identi<strong>da</strong>de nacionalprega<strong>da</strong> pelo III CBC em uma identi<strong>da</strong>de pasteuriza<strong>da</strong>, li<strong>da</strong> através de pontos de vistainternacionais: identi<strong>da</strong>de <strong>brasil</strong>eira, mas atenta a valores universais, facilmentereconhecíveis e identificáveis em qualquer mercado de bens simbólicos do mundoglobalizado. Se houve um privilégio <strong>da</strong> idéia de mercadoria, isso se deve àpredominância do consumo nas socie<strong>da</strong>des contemporâneas, agregando assimidenti<strong>da</strong>de nacional e <strong>cinema</strong> para exportação, conforme apresentado por muitos filmesrealizados <strong>no</strong> período, como veremos adiante.Dessa forma, ain<strong>da</strong> se fez presente <strong>no</strong> discurso de muitos cineastas a idéia denação e a constatação <strong>da</strong> importância do <strong>cinema</strong> para a constituição <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de<strong>brasil</strong>eira que, em muitos momentos, relembra os discursos dos a<strong>no</strong>s 60 e 70. Tantoque Luiz Carlos Barreto, ao fazer um balanço dos trabalhos do GEDIC argumentou 231 :230 ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira: Cultura Brasileira e Industria Cultural. op. cit.,página 205.231 CAETANO, Maria do Rosário. “Luiz Carlos Barreto: o maior produtor de <strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil” Revista deCinema. A<strong>no</strong> II – nº 17. São Paulo: Editora Krahô, Setembro de 2001, página 18, grifos meus.


151“A situação é cristalina: ou protegemos <strong>no</strong>ssos conteúdos culturais – e o <strong>cinema</strong>joga papel fun<strong>da</strong>mental nesse processo – ou todos os <strong>no</strong>ssos sonhados projetosde nação serão derrotados.”Às voltas com questões como identi<strong>da</strong>de nacional e projeto de nação, e combase numa ambiciosa tentativa de industrialização <strong>cinema</strong>tográfica envolvendo atelevisão e a publici<strong>da</strong>de, o GEDIC entregou suas propostas ao Estado e, em setembrode 2001, o presidente <strong>da</strong> república assi<strong>no</strong>u uma medi<strong>da</strong> provisória <strong>da</strong>ndo as diretrizes<strong>da</strong> política <strong>cinema</strong>tográfica a ser implanta<strong>da</strong> 232 . Essa <strong>no</strong>va legislação, além de tratar <strong>da</strong>definição de obra <strong>brasil</strong>eira, criou a PNC - Política Nacional do Cinema (para garantir aprodução nacional, o consumo e a divulgação interna e externa), o Conselho Superiorde Cinema (vinculado à Casa Civil, responsável pela elaboração <strong>da</strong> política<strong>cinema</strong>tográfica, composto por representantes dos ministérios <strong>da</strong> Justiça, Fazen<strong>da</strong>,Relações Exteriores, Cultura, Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Comunicações eCasa Civil, além de 5 representantes do setor <strong>cinema</strong>tográfico) e a Ancine (AgênciaNacional de Cinema, com a atribuição de regular e fiscalizar o mercado <strong>cinema</strong>tográfico<strong>brasil</strong>eiro, com poder de cobrança de impostos). Além disso, pela medi<strong>da</strong> provisória, oEstado voltou a se responsabilizar pelos relatórios, <strong>da</strong>dos e estatísticas do <strong>cinema</strong><strong>brasil</strong>eiro (através do Sistema de Informações e Monitoramento <strong>da</strong> IndústriaCinematográfica e Videofo<strong>no</strong>gráfica), e foram <strong>no</strong>vamente instituídos a cota de tela,determina<strong>da</strong> anualmente, e o adicional de ren<strong>da</strong> de bilheteria para os filmes quetivessem grande público.A Ancine garantiria a estrutura para a industrialização do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, jáque a agência, além de exercer o controle sobre os <strong>da</strong>dos, emitir o certificado deproduto <strong>brasil</strong>eiro e fiscalizar a utilização <strong>da</strong>s leis de incentivo, ain<strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ria aCondecine – Contribuição para o Desenvolvimento <strong>da</strong> Indústria CinematográficaNacional, uma taxa cobra<strong>da</strong> sobre a publici<strong>da</strong>de e o <strong>cinema</strong> (nacional e estrangeiro)comercializados <strong>no</strong> Brasil, mas que isentou as emissoras de televisão. O acentoeconômico <strong>da</strong> <strong>no</strong>va política <strong>cinema</strong>tográfica e a idéia do <strong>cinema</strong> como produto paraexportação ficaram claramente expressos através <strong>da</strong> determinação de vinculação <strong>da</strong>Ancine à Casa Civil durante seu primeiro a<strong>no</strong> de existência e, posteriormente, ao232 Medi<strong>da</strong> provisória nº 2.228-1, de 06 de Setembro de 2001.


152Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Embora a criação <strong>da</strong>Ancine tenha sido uma conquista do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, que teve grande parte <strong>da</strong>sreivindicações do III CBC atendi<strong>da</strong>s, não se pode deixar de <strong>no</strong>tar a ausência <strong>da</strong>televisão na <strong>no</strong>va política <strong>cinema</strong>tográfica: as emissoras ficaram isentas <strong>da</strong> Condecine,reduzindo assim a arreca<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Ancine e sinalizando para o fracasso do projeto deunião dos diversos setores do audiovisual <strong>no</strong> Brasil.As propostas apresenta<strong>da</strong>s tanto pelo III CBC quanto pelo GEDIC tinham comobase de sustentação a união <strong>da</strong> televisão com o <strong>cinema</strong>, numa estratégia semelhante àjá utiliza<strong>da</strong> pelas <strong>cinema</strong>tografias francesa e inglesa, que têm a televisão como principalfinanciadora do <strong>cinema</strong>. Como essa união não se realizou, graças a uma e<strong>no</strong>rmepressão <strong>da</strong>s emissoras de televisão junto ao gover<strong>no</strong> federal, o projeto deindustrialização do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro ficou mais frágil.Diante desse quadro, o campo <strong>cinema</strong>tográfico voltou a se mobilizar e, em<strong>no</strong>vembro de 2001, foi realizado o IV CBC, dessa vez <strong>no</strong> Rio de Janeiro, tendo comotônica, mais uma vez, a busca de mecanismos que garantissem a auto-sustentabili<strong>da</strong>dedo <strong>cinema</strong>. Também presidido por Gustavo Dahl, o IV Congresso voltou a realçar anecessi<strong>da</strong>de de politização do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro para poder enfrentar os problemas,ressaltando que, graças ao envolvimento dos cineastas, foram consegui<strong>da</strong>s váriasvitórias, conforme consta na Carta do IV Congresso de Cinema 233 :“Resultados concretos <strong>da</strong> re-politização e mobilização do setor, o CBC, a Ancine ea própria Medi<strong>da</strong> Provisória, estão, <strong>no</strong> entanto, sujeitos à consoli<strong>da</strong>ção. É precisoque o CBC esteja estruturado materialmente em todo o país, de forma a externarto<strong>da</strong> sua força e legitimi<strong>da</strong>de. É preciso que a Ancine e o Conselho Superior deCinema estejam instalados e funcionando, <strong>no</strong>s prazos legais. É preciso que aMedi<strong>da</strong> Provisória seja aprova<strong>da</strong> <strong>no</strong> Congresso Nacional e sua regulamentaçãorealiza<strong>da</strong> de forma democrática e transparente. Cabe a ambos, CBC e Ancine, aconquista <strong>da</strong> estabili<strong>da</strong>de necessária à execução e aplicabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Nova PolíticaCinematográfica.”233 Carta do IV CBC. Rio de Janeiro, 18 de Novembro de 2001. A íntegra desta carta se encontra <strong>no</strong>site do CBC (www.congresso<strong>cinema</strong>.com.br)


153Na elaboração de um balanço geral destacando as conquistas do campo<strong>cinema</strong>tográfico, o IV CBC centrou seu ataque à televisão, que havia conseguido semanter isenta <strong>da</strong> Condecine e <strong>da</strong> obrigatorie<strong>da</strong>de de exibição do filme nacional. Oscineastas reunidos <strong>no</strong> Congresso insistiam que, embora o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro fosseproduzido através dos recursos públicos, a televisão em ultima instância também o era– e se o público tem direito ao acesso à televisão, deveria por meio dela ter acesso ao<strong>cinema</strong>. Assim, os congressistas reivindicaram a inserção <strong>da</strong>s emissoras de televisãona política <strong>cinema</strong>tográfica, “posicionando-se a favor de uma impositiva parceria entre o<strong>cinema</strong> e a TV, especialmente a TV aberta” 234 .No Relatório Final do IV Congresso Brasileiro de Cinema foram apresenta<strong>da</strong>stambém outras reivindicações, envolvendo as áreas de organização interna <strong>da</strong>enti<strong>da</strong>de; apoio à aprovação <strong>da</strong> Medi<strong>da</strong> Provisória 2228-1; criação de outrasmo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de fomento à ativi<strong>da</strong>de; exigência de instalação <strong>da</strong> Ancine <strong>no</strong> prazoestabelecido; apoio à inserção internacional do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro; obrigatorie<strong>da</strong>de deexibição de curtas-metragens nacionais <strong>no</strong>s <strong>cinema</strong>s, antes <strong>da</strong> exibição dos longasmetragens235 .No mês seguinte ao encerramento do IV CBC uma <strong>no</strong>va medi<strong>da</strong> provisóriasuspendeu, até maio de 2002, a cobrança <strong>da</strong> Condecine, já que esta taxa seriarecebi<strong>da</strong> pela Ancine, que até então não havia sido instala<strong>da</strong>. Em janeiro de 2002, oescritório central <strong>da</strong> agência foi instalado <strong>no</strong> Rio de Janeiro, e a medi<strong>da</strong> provisória foirevoga<strong>da</strong>. Mas a insatisfação <strong>da</strong>s grandes distribuidoras e dos estúdios internacionaisquanto à cobrança <strong>da</strong> taxa fez com que, em maio do mesmo a<strong>no</strong>, o estúdio Warnerobtivesse na justiça uma liminar considerando a cobrança <strong>da</strong> Condecine indevi<strong>da</strong>,suspendendo seus efeitos sobre as transações comerciais <strong>da</strong> empresa. A ação <strong>da</strong>Warner iniciou uma ver<strong>da</strong>deira batalha judicial entre os grandes conglomerados decomunicação globais e a legislação <strong>brasil</strong>eira <strong>cinema</strong>tográfica, que se estendeu porvários meses até que a justiça decidisse pela manutenção <strong>da</strong> cobrança <strong>da</strong> taxação.Em meio à luta pela aprovação, manutenção e alargamento <strong>da</strong> Condecine àsemissoras de televisão aberta, o campo <strong>cinema</strong>tográfico não conseguiu manter sua234 Idem.235 Relatório Final do IV Congresso Brasileiro de Cinema. Rio de Janeiro, 21 de Novembro de 2001.(www.congresso<strong>cinema</strong>.com.br)


154uni<strong>da</strong>de, e ressurgiram as antigas disputas sobre a priorização de filmes de grande oude peque<strong>no</strong> orçamento. Isso porque a medi<strong>da</strong> provisória que legislava sobre aCondecine também incluía uma cláusula de restrição à utilização <strong>da</strong>s duas leis deincentivo simultaneamente (Audiovisual e Rouanet) e alterações <strong>no</strong> teto máximo decaptação, o que acabaria por restringir o orçamento dos filmes. Um grupo de cineastas,encabeçado pelo presidente <strong>da</strong> Associação Paulista de Cineastas (Apaci), Toni Venturi,pedia a manutenção do teto máximo de captação, através <strong>da</strong> adoção de parâmetrosestabelecidos a partir de um cálculo que levasse em conta o custo médio <strong>da</strong>sproduções e seu retor<strong>no</strong> comercial, o que obrigaria os cineastas que quisessem realizargrandes produções a buscar recursos privados. Já um outro grupo, que incluía oscineastas mais consagrados <strong>no</strong> campo <strong>cinema</strong>tográfico, como Walter Salles, CarlaCamurati, Guel Arraes, Daniel Filho, Arnaldo Jabor e Cacá Diegues, propunha o usocombinado <strong>da</strong>s leis de incentivo, fazendo com que o teto de captação ficasse muitomaior.Como ambos os grupos de cineastas se puseram a pressionar parlamentares e asituação tor<strong>no</strong>u-se ca<strong>da</strong> vez mais crítica, o presidente <strong>da</strong> Ancine, Gustavo Dahl selamentou, constatando que havia problemas maiores a serem enfrentados pelo campo<strong>cinema</strong>tográfico. Para Dahl 236“A televisão aberta saltou primeiro, man<strong>da</strong>ndo o <strong>cinema</strong> para o devido lugar.Restringiu seu pleito ao patinho feio do setor - a televisão paga. O <strong>cinema</strong>hegemônico já entrou na Justiça Federal. A máquina burocrática não pôde evitar anão-inclusão pelo Congresso Nacional <strong>da</strong> Ancine. E o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, mais umavez, volta a oferecer ao distinto público o espetáculo pe<strong>no</strong>so de seudilaceramento.”Na batalha entre os grandes e os peque<strong>no</strong>s orçamentos, ganhou o grupo doscineastas defensores <strong>da</strong>s superproduções. A medi<strong>da</strong> provisória 237 foi aprova<strong>da</strong> nacâmara dos deputados expandindo o limite de aprovação dos valores incentivados deR$ 3 milhões para R$ 6 milhões, por meio do uso simultâneo dos artigos 1º e 3º <strong>da</strong> Leido Audiovisual, reduzindo de 20% para 5% o percentual exigido de contraparti<strong>da</strong>236 “Teto de captação é motivo de divergências”. Folha de São Paulo, 02 de Abril de 2002, Ilustra<strong>da</strong>,página 03.237 Essa medi<strong>da</strong> provisória foi aprova<strong>da</strong> e tor<strong>no</strong>u-se a lei nº 10.454, de 13 de Maio de 2002.


155priva<strong>da</strong> (investimento de recursos do produtor ou de incentivadores) e autorizando ouso combinado <strong>da</strong>s leis do Audiovisual e Rouanet <strong>no</strong> mesmo projeto. Além disso, aaplicação <strong>da</strong> Condecine foi aprova<strong>da</strong> para a produção, a distribuição, o licenciamento ea exibição de filmes, vídeos e peças publicitárias, e deveria ser paga pelos produtores,distribuidores e exibidores <strong>cinema</strong>tográficos <strong>brasil</strong>eiros, agências de publici<strong>da</strong>de, canaisde TV por assinatura e as filiais de distribuidores estrangeiros que operam <strong>no</strong> país.Também foi aprova<strong>da</strong> a aplicação de uma mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de específica <strong>da</strong> Condecine para osdistribuidores estrangeiros de televisão por assinatura, que poderiam optar entre pagara taxa ou investir em co-produções nacionais.Com a aprovação dessa <strong>no</strong>va legislação e a instalação completa <strong>da</strong> Ancine, apolítica <strong>cinema</strong>tográfica que vinha sendo gesta<strong>da</strong> desde o encerramento <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des<strong>da</strong> Embrafilme em 1990, mas só tomou fôlego e ganhou amplitude a partir dosCongressos de Cinema e <strong>da</strong> criação do GEDIC, pôde finalmente começar a sercoloca<strong>da</strong> em prática. A Ancine, a rigor, só começaria a funcionar efetivamente <strong>no</strong> a<strong>no</strong>de 2003, contando com os recursos <strong>da</strong> Condecine, mas ain<strong>da</strong> longe <strong>da</strong> tão sonha<strong>da</strong>parceria com a televisão aberta. Com a ausência <strong>da</strong> televisão, a política<strong>cinema</strong>tográfica que buscou a auto-sustentabili<strong>da</strong>de do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro acabou porpriorizar os filmes mais caros e as grandes produções que trouxeram consigo aconcepção do <strong>cinema</strong> nacional como produto para exportação, feito a partir de padrõestécnicos e estéticos transnacionais.4. RE-POLITIZAÇÃO E TELEVISÃO NA FILMOGRAFIA DO PERÍODOA crise <strong>da</strong> produção <strong>cinema</strong>tográfica fez renascer o discurso político <strong>no</strong> <strong>cinema</strong><strong>brasil</strong>eiro, provocando questionamentos, tanto do próprio campo do <strong>cinema</strong> quanto doEstado, acerca <strong>da</strong> viabili<strong>da</strong>de de uma indústria <strong>cinema</strong>tográfica auto-sustentável <strong>no</strong>Brasil e <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de participação <strong>da</strong> televisão na constituição dessa indústria – e


156a filmografia do período acabou por refletir essas questões. Durante o momento demaior visibili<strong>da</strong>de e euforia do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, entre 1995 e 1998, a ausência deprojetos totalizantes para o Brasil pôde ser percebi<strong>da</strong> através <strong>da</strong> falta de consistênciana elaboração de uma política <strong>cinema</strong>tográfica abrangente e <strong>da</strong> idéia de diversi<strong>da</strong>decomo a característica mais forte desse <strong>cinema</strong>. Entretanto, <strong>no</strong> período seguinte, osfilmes <strong>brasil</strong>eiros começaram a enfocar, de diversas maneiras, as questões políticasatravés do retor<strong>no</strong> do discurso sobre a identi<strong>da</strong>de nacional, enquanto a tão sonha<strong>da</strong>aliança com a televisão, que não foi incorpora<strong>da</strong> pela legislação, ocorreu através de coproduçõese <strong>da</strong> absorção <strong>da</strong> estética televisiva pelo <strong>cinema</strong>. Não podemos afirmar queessas questões estivessem totalmente ausentes <strong>no</strong> período anterior 238 , mas agoraganharam maior visibili<strong>da</strong>de.Televisão e re-politização, foram então as principais vertentes que se destacaramna filmografia do segundo man<strong>da</strong>to de FHC. Embora a diversi<strong>da</strong>de ain<strong>da</strong> se fizessepresente, essas são as duas chaves de entendimento para percebermos, nesses filmes,as articulações e movimentações do campo <strong>cinema</strong>tográfico em seu relacionamentocom o Estado. Enquanto a re-politização do <strong>cinema</strong> resultou em filmes que tiveramcomo horizonte a identi<strong>da</strong>de nacional, por outro lado, a procura de aliança com atelevisão apareceu na filmografia do período através de co-produções e <strong>da</strong> GloboFilmes, que tor<strong>no</strong>u-se a mais importante produtora do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>.No período compreendido entre 1999 e 2002 estrearam em circuito comercialmais de 100 filmes <strong>brasil</strong>eiros 239 , de variados gêneros, formatos e temáticas. Dentrodesta vasta produção, destacaram-se dois tipos ideais de filmes: as comédias coproduzi<strong>da</strong>spela televisão ou inspira<strong>da</strong>s numa estética televisiva e os filmes que, a partirde diferentes enfoques, recolocaram questionamentos sobre identi<strong>da</strong>de nacional esobre a própria idéia de nação. Esses dois tipos ideais de filmes foram também osresponsáveis pelos maiores sucessos de público do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>: a comédia238 Por exemplo, filmes como Doces Poderes (Lúcia Murat, 1996), Como nascem os anjos (Murilo Salles,1996) e Um céu de estrelas (Tata Amaral, 1997) trazem críticas à mídia e em especial à televisão,enquanto Veja esta canção (Cacá Diegues, 1994) e Guerra de Canudos (Sérgio Rezende, 1997) são coproduzidoscom emissoras de TV. E a identi<strong>da</strong>de nacional esteve presente, de diversas maneiras egra<strong>da</strong>ções, em várias obras como Carlota Joaquina – Princesa do Brasil (Carla Camurati, 1995), Terraestrangeira (Walter Salles e Daniela Thomas, 1995) e Baile Perfumado (Lírio Ferreira e Paulo Cal<strong>da</strong>s,1997), só para citar alguns exemplos.239 Ver tabela 01 em anexo.


157produzi<strong>da</strong> pela Globo Filmes O Auto <strong>da</strong> Compadeci<strong>da</strong> (Guel Arraes, 2000) que atingiumais de 2 milhões de espectadores, e o polêmico drama Ci<strong>da</strong>de de Deus (FernandoMeirelles e Kátia Lund, 2002) que ultrapassou a marca de 3 milhões de espectadores,números que não haviam sido conseguidos por nenhum filme nacional desde o início <strong>da</strong>déca<strong>da</strong> de 90. Em termos comparativos, o maior sucesso até então, Central do Brasil,teve um público de 1,5 milhões de espectadores, mesmo após as indicações ao Oscar.O sucesso <strong>da</strong>s comédias <strong>no</strong> <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro não é fenôme<strong>no</strong> recente, remete àchancha<strong>da</strong> <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 40 e 50 e à por<strong>no</strong>chancha<strong>da</strong> dos a<strong>no</strong>s 70, grandes sucessosde público <strong>no</strong> Brasil. Mas <strong>no</strong> Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> as comédias de maior destaquetiveram como ponto comum a relação com a televisão. Filmes como Bossa Nova(Bru<strong>no</strong> Barreto, 2001), A Partilha (Daniel Filho, 2001) e Avassaladoras (Mara Mourão,2002) carregam a estética televisiva como marca de distinção. Bossa Nova e APartilha, além disso, foram co-produzidos pela Globo Filmes, sendo que o último foidirigido por Daniel Filho, diretor de larga experiência na televisão. Os três filmestambém contam com um elenco “televisivo”, isto é, composto por <strong>no</strong>mes já consagradosna teledramaturgia nacional (Antônio Fagundes, Glória Pires, Débora Bloch) e <strong>no</strong>vosatores que estavam em destaque em tele<strong>no</strong>velas (Giovana Antonelli, ReinaldoGianechinni, Pedro Cardoso, Paloma Duarte).Mas o que viria a ser essa “estética televisiva” presente nessas comédias? Elanão se deve apenas ao fato de serem co-produções, nem mesmo <strong>da</strong> utilização de umelenco já reconhecido pela atuação em tele<strong>no</strong>velas: nesses filmes a linguagem e aestética se aproximaram <strong>da</strong>s tele<strong>no</strong>velas, graças à larga utilização de pla<strong>no</strong>s fechados,fotografia e interpretações naturalistas; pelo apego a fórmulas, já consagra<strong>da</strong>s nas<strong>no</strong>velas, de humor e de romance; através <strong>da</strong> utilização de um maior número de cortes ecenas, lembrando a rapidez e agili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> televisão; e por meio <strong>da</strong> construção depersonagens baseados em estereótipos <strong>da</strong> teledramaturgia. E são essas mesmascaracterísticas que fizeram com que esses filmes encontrassem forte aceitação dopúblico, pois geraram um tipo de reconhecimento e, dessa forma, conseguiram asimpatia dos espectadores.


158Para Umberto Eco 240 , a simpatia e a aceitação do público são consegui<strong>da</strong>s,principalmente, através <strong>da</strong> elaboração de produtos que geram cumplici<strong>da</strong>de entre oespectador e o produtor. No caso dos filmes que se utilizam <strong>da</strong> estética <strong>da</strong> televisão,essa cumplici<strong>da</strong>de se dá porque, como o espectador tem largo conhecimento <strong>da</strong>linguagem televisiva, ele já “imagina” o que vai acontecer; às vezes é surpreendido,contrariando suas expectativas, mas essa própria surpresa é parte do jogo. Há umafamiliari<strong>da</strong>de garantindo que, mesmo contrariando expectativas, o espectador ain<strong>da</strong> sesinta satisfeito. O reconhecimento se deu, dessa forma, porque envolvia oconhecimento prévio do espectador acerca de outros produtos audiovisuais (<strong>no</strong>s casosanalisados, as tele<strong>no</strong>velas), e esse conhecimento prévio acabou por torná-lo cúmplice<strong>da</strong> história.Se por um lado a estética televisiva presente nessas comédias – e em outrosfilmes do período, como veremos a seguir – contribuiu para a melhor aceitação do<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro e melhorou seu desempenho nas bilheterias, por outro lado, geroucríticas quanto a uma possível homogeneização do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro através <strong>da</strong> adoção<strong>da</strong> linguagem <strong>da</strong> televisão como a única capaz de conquistar o público. Para o cineastaRogério Sganzerla, a utilização de fórmulas já consagra<strong>da</strong>s na teledramaturgia foiprejudicial ao <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, já que segundo ele 241“Houve um retrocesso na forma e na construção dos filmes, na estruturação. Elesse ressentem de uma espinha dorsal. A influência <strong>da</strong> televisão, a mídiahegemônica, é tão poderosa, que praticamente anula as outras expressões. A leide mercado transforma os ‘diretores’ - entre aspas - em meros diluidores deformas. Do ponto de vista <strong>da</strong> linguagem, criativi<strong>da</strong>de e fixação do comportamento,não vejo na<strong>da</strong> de significativo, nenhum tratamento adequado ao humor <strong>brasil</strong>eiro.”Enquanto alguns filmes incorporaram a estética televisiva à sua linguagem, atelevisão também se aproximou do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro de outra maneira, através deproduções “híbri<strong>da</strong>s”, como, por exemplo, O Auto <strong>da</strong> Compadeci<strong>da</strong> (Guel Arraes, 2000)e Caramuru – A invenção do Brasil (Jorge Furtado, 2001). Esses dois filmes,240 ECO, Umberto. “A i<strong>no</strong>vação <strong>no</strong> seriado” in Sobre Espelhos e Outros Ensaios. Rio de Janeiro: NovaFronteira, 1989, páginas 120 – 139.241 “Rogério Sganzerla fala <strong>da</strong> guerra <strong>da</strong> TV contra o <strong>cinema</strong>”. Entrevista de Rogério Sganzerla a ÁlvaroMachado. Revista eletrônica Trópico, 07 de Fevereiro de 2002. (www.uol.com.br/tropico).


159produzidos pela Rede Globo, foram feitos em meio digital (HDTV) e depois passadospara película; estrearam primeiro na televisão, <strong>no</strong> formato de micro-série, para depoisserem re-monta<strong>da</strong>s e chegarem ao circuito exibidor <strong>cinema</strong>tográfico. Como foram feitospara a televisão e depois a<strong>da</strong>ptados para o <strong>cinema</strong>, também carregam a estéticatelevisiva, só que de outra forma: são séries que foram a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>s para se tornaremfilmes, isto é, são produtos televisivos que foram levados ao <strong>cinema</strong>. Não chegaram aincorporar a estética televisiva, mas foram pensados dentro dessa perspectiva.As co-produções e as produções híbri<strong>da</strong>s, que durante a última fase do Cinema<strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> ganharam força, são importantes para <strong>da</strong>r a dimensão <strong>da</strong> importância quea Globo Filmes, cria<strong>da</strong> em 1998, adquiriu <strong>no</strong> <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro desde então – e quemantém até os dias de hoje. A política <strong>cinema</strong>tográfica elabora<strong>da</strong> na Retoma<strong>da</strong> nãoconseguiu uma associação com a televisão, mas através <strong>da</strong>s produções e coproduções<strong>da</strong> Globo Filmes, e com o forte esquema de divulgação e a facili<strong>da</strong>de depenetração <strong>da</strong> Rede Globo de Televisão, a estética televisiva entrou <strong>no</strong> <strong>cinema</strong><strong>brasil</strong>eiro, e se consolidou. Com essa entra<strong>da</strong> de um <strong>no</strong>vo ator <strong>no</strong> campo<strong>cinema</strong>tográfico, mais poderoso que os demais, institui-se uma <strong>no</strong>va divisão <strong>no</strong> interiordo campo entre os filmes que levam a marca <strong>da</strong> Globo e os outros, e isso tor<strong>no</strong>u-seuma grande preocupação para os cineastas e produtores. Para o diretor HelvécioRatton 242“Nós, cineastas, sempre buscamos uma relação Cinema & TV que estimulasse aassociação <strong>da</strong>s TVs com a produção independente, o que poderia resultar emmais filmes, mais espectadores para os filmes, mais empregos. Aí surgiu a GloboFilmes. Os filmes recentes que ultrapassaram 1 milhão de espectadores eramtodos <strong>da</strong> Globo Filmes. Isso não quer dizer que ela só produza sucessos, porquenem todos os seus filmes atingem essa marca. (...) Mas todos os que tiveram umgrande público eram ligados à Globo Filmes e isso tende a criar uma casta emmeio à produção <strong>brasil</strong>eira, como se estes fossem os grandes filmes, aqueles quedevem ser vistos”.242 FONSECA, Rodrigo. “O poder <strong>da</strong> Globo Filmes <strong>no</strong> <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro” in Revista de Cinema, A<strong>no</strong> IV –nº 41. São Paulo: Editora Krahô, Setembro de 2003, página 37.


160A constatação de que a tão sonha<strong>da</strong> união com a televisão não se realizou <strong>da</strong>maneira deseja<strong>da</strong> pelo campo <strong>cinema</strong>tográfico e uma emissora estava setransformando na grande potência do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro causou desconforto e frustraçãoao setor. Muitos cineastas, principalmente aqueles que produziam filmes de maiorapelo comercial, conseguiram associar-se à empresa, mas a seleção sobre que tipo defilmes co-produzir ficou cabendo à Globo, e não houve a possibili<strong>da</strong>de do campo<strong>cinema</strong>tográfico como um todo se beneficiar <strong>da</strong> sonha<strong>da</strong> parceria com a televisão.Como resultado, ocorreu a predominância de determina<strong>da</strong>s escolhas técnicas eestéticas, e a incorporação do padrão Globo de quali<strong>da</strong>de ao <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, criandouma espécie de marca de distinção para os produtos associados a essa empresa, comojá existia na teledramaturgia <strong>da</strong> emissora.A relação <strong>cinema</strong>-televisão se fez presente na filmografia do período tantoquanto <strong>no</strong>rteou os discursos de cineastas e as movimentações do Estado.Paralelamente, a re-politização do <strong>cinema</strong> também teve reflexos <strong>no</strong>s filmes, trazendo oretor<strong>no</strong> <strong>da</strong>s discussões acerca <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de nacional. As preocupações com ahegemonia do <strong>cinema</strong> <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> e a necessi<strong>da</strong>de de preservação <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>denacional através do <strong>cinema</strong>, que vieram à tona <strong>no</strong> III CBC, também encontraram espaço<strong>no</strong>s filmes desse período <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>. A temática <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de nacional retor<strong>no</strong>uatravés de <strong>no</strong>vas leituras <strong>da</strong> cultura popular, com a elaboração de um discurso fílmicoque Ismail Xavier chamou de “elogio do jeitinho e <strong>da</strong> conciliação ou a celebração <strong>da</strong>carnavalização popular” 243 . Isto é, <strong>no</strong> Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> a cultura popular já nãocarregava mais o sentido político que tinha <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 60 e 70 244 , mas apresentou umenfoque mais contemplativo: o popular foi visto como um espaço preservado e puro, deredenção e de salvação, não contaminado pela corrupção e pela violência <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>decontemporânea, mas simultaneamente integrado com elementos internacionais, como amúsica pop e o videoclipe, por exemplo.E justamente esse caráter imutável do popular que remetia a um tempo e a umespaço mais huma<strong>no</strong>s, onde prevaleciam as relações de amizade, cordiali<strong>da</strong>de e243 CONTI, Mário Sérgio. “Encontros inesperados – entrevista a Ismail Xavier”. Folha de São Paulo, 03de Dezembro de 2000, Mais!, página 08.244 Veja-se a esse respeito, RAMOS, Fernão. “Três voltas do popular e a tradição escatológica do<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro” in Estudos Socine de Cinema II e III. São Paulo: Annablume, 2000.


161confiança, é que carregava a potenciali<strong>da</strong>de de salvação e redenção. Assim,percebemos em Orfeu (Cacá Diegues, 1999), que a música do protagonista, com basesna cultura popular, foi o que o salvou do universo de corrupção, violência e tráfico <strong>da</strong>favela onde vivia. O mesmo se pode dizer sobre João Grilo de O Auto <strong>da</strong>Compadeci<strong>da</strong>: o “jeitinho <strong>brasil</strong>eiro” do personagem foi o que lhe permitiu sobreviver,livrando-o de inúmeras confusões e conflitos. Pela via <strong>da</strong> conciliação (como João Grilo)ou pela via <strong>da</strong> celebração <strong>da</strong> carnavalização (como Orfeu), o popular apareceu como achave para a salvação – mas essa salvação proposta foi uma salvação individual, e nãocoletiva, pois era basea<strong>da</strong> em características pessoais (a aptidão musical e o “jeitinho”)que não ofereciam perspectivas de transformação mais amplas. Essa ausência depropostas coletivas e perspectivas transformadoras se <strong>da</strong>ria, segundo Ismail Xavier,porque o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> 245 “analisa as questões a partir de uma adesão à idéiade que o essencial é a atenção aos micropoderes, lembrando Foucault, mas repondo aquestão <strong>da</strong> reforma <strong>da</strong> consciência. Daí, a opção mais decisiva é a mu<strong>da</strong>nça doscomportamentos numa esfera restrita, a dos embates que envolvem a relação imediatapessoa a pessoa, o pla<strong>no</strong> dos expedientes, ou <strong>da</strong> conversão”.A procura de re-politização do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, relacionando identi<strong>da</strong>denacional e cultura popular, acabou por apresentar essa cultura como espaço deconciliação e redenção individuais, isto é, o sentido que esta re-politização teve, <strong>no</strong>sfilmes, foi um sentido individual, priorizando as escolhas pessoais em detrimento desoluções coletivas. Além disso, a concepção <strong>da</strong> cultura popular como “positiva” teveuma forte ligação com a estética <strong>cinema</strong>tográfica internacional: não houve uma leitura<strong>brasil</strong>eira <strong>da</strong> cultura popular, com a construção de uma linguagem própria, mas sim umaleitura do popular através de lentes <strong>da</strong> cultura internacional e até a incorporação deelementos <strong>da</strong> cultura pop internacional ao popular. Fernão Ramos, em uma análise deOrfeu, enfatiza essa leitura internacional <strong>da</strong> cultura popular presente <strong>no</strong> Cinema <strong>da</strong>Retoma<strong>da</strong>. Para este autor 246 :245 CONTI, Mário Sérgio. “Encontros inesperados – entrevista a Ismail Xavier”. Folha de São Paulo, 03de Dezembro de 2000, Mais!, página 07.246 RAMOS, Fernão. “País sórdido, povo idílico”. Ensaio publicado na revista eletrônica Trópico, 14 deJaneiro de 2002. (www.uol.com.br/tropico).


162“Temos em Orfeu, um quadro significativo <strong>da</strong> dimensão <strong>da</strong> cultura popular para o<strong>cinema</strong> <strong>da</strong> retoma<strong>da</strong>. Está ausente a visão purista desta cultura, como matériaprima para a constituição de uma narrativa nacional, que se oponha à narrativaclássica de tipo hollywoodia<strong>no</strong>. A presença de uma música como o rap e oquestionamento do tradicionalismo nas escolas de samba são vistospositivamente. A abertura para o diálogo com elementos estrangeiros é louva<strong>da</strong>.”A focalização do universo <strong>da</strong> cultura popular através de lentes internacionais estádiretamente relaciona<strong>da</strong> à re-politização do <strong>cinema</strong>, proclama<strong>da</strong> como necessáriadiante <strong>da</strong> crise do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>. Isso porque, simultaneamente, o <strong>cinema</strong><strong>brasil</strong>eiro adquiriu posição estratégica dentro do Estado, passando a ser tratado comouma incipiente indústria de bens simbólicos. E esse encontro entre identi<strong>da</strong>de nacionale indústria fortaleceu a concepção do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro para exportação, já presente emfilmes como Central do Brasil e Tieta do Agreste, mas que nesse momento tor<strong>no</strong>u-semais evidente, ampara<strong>da</strong> pela política <strong>cinema</strong>tográfica implanta<strong>da</strong>. Dessa forma, fazsentido esse viés popular visto através de uma linguagem internacional, como seencontra em Orfeu.Além do olhar sobre a cultura popular, a re-politização do <strong>cinema</strong> apresentououtro viés em sua busca <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de nacional: a tematização <strong>da</strong> violência urbana,surgindo como uma tentativa de explicar o Brasil contemporâneo, ou de entender “comochegamos a isso”. Enquanto a leitura <strong>da</strong> cultura popular apresentou-se como o pólopositivo do Brasil, a violência urbana surgiu como seu oposto, mostrando o país semsaí<strong>da</strong>s nem perspectiva de salvação. A violência urbana, possivelmente, foi a facetamais visível do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, com inúmeros filmes de ficção edocumentários 247 . Particularmente <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 2002, três filmes lançados seguiram essatendência: Ci<strong>da</strong>de de Deus (Fernando Meirelles e Kátia Lund), O Invasor (Beto Brant) eMa<strong>da</strong>me Satã (Karim Aï<strong>no</strong>uz).Esses filmes trataram especificamente <strong>da</strong> violência <strong>da</strong>s grandes ci<strong>da</strong>des que, apartir de meados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 80, tor<strong>no</strong>u-se ca<strong>da</strong> vez mais visível e transformou-se247 Nessa análise, estamos considerando apenas os longas-metragens de ficção, mas vale destacarimportantes documentários que remeteram à violência nas grandes ci<strong>da</strong>des, como O Rap do Peque<strong>no</strong>Príncipe Contra as Almas Sebosas (Marcelo Luna e Paulo Cal<strong>da</strong>s, 2000), Ônibus 174 (José Padilha,2002) e o polêmico documentário só exibido na televisão Notícias de Uma Guerra Particular (JoãoMoreira Salles, 1999).


163num dos maiores pesadelos <strong>da</strong>s classes média e alta. Os três filmes, ca<strong>da</strong> qual a seumodo, tentaram entender como o país chegou a esse ponto e o que levou a socie<strong>da</strong>deao caos atual. Mas, embora partam de um viés explicativo, não conseguem, a partirdessa explicação, encontrar qualquer tipo de solução ou projeto nacional mais amplo.São filmes que, ao mostrarem o Brasil urba<strong>no</strong>, o fazem a partir do ressentimento, quesegundo Ismail Xavier 248 , “expressa também a ausência de um horizonte utópico.” Aviolência vem do ressentimento pela falta de perspectivas e de possibili<strong>da</strong>des desalvação, pela falta de um projeto de nação: frente à ausência de utopias, a violência seinstaura.Assim como na abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> cultura popular, a leitura <strong>da</strong> violência urbana peloCinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> deixou transparecer a falta de projetos mais abrangentes e deperspectivas transformadoras coletivas. E mais uma vez o horizonte foi o indivíduo, quemanifestaria sua insatisfação com o país através <strong>da</strong> violência, como uma forma deressentimento dos excluídos. Dentre os filmes que tiveram a violência urbana comotema central, Ci<strong>da</strong>de de Deus merece uma análise a parte, <strong>da</strong><strong>da</strong> a sua imensarepercussão: além de ter sido o filme mais visto desde o início <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> 249 , recebeuquatro indicações ao Oscar (direção, edição, roteiro a<strong>da</strong>ptado e filme estrangeiro) ecausou e<strong>no</strong>rme polêmica na mídia, trazendo à tona <strong>no</strong>vamente as questões levanta<strong>da</strong>spor Ivana Bentes acerca <strong>da</strong> cosmética <strong>da</strong> fome.O filme tem quali<strong>da</strong>des técnicas inquestionáveis, como a montagem ágil, afotografia cui<strong>da</strong>dosa e o roteiro bem elaborado, escrito a partir <strong>da</strong> obra homônima dePaulo Lins, um ex-morador do conjunto habitacional Ci<strong>da</strong>de de Deus, <strong>no</strong> subúrbio doRio de Janeiro. Além disso, seu processo de produção diferenciado tor<strong>no</strong>u-se <strong>no</strong>tícia:foi feito com atores não-profissionais, escolhidos entre moradores de favelas cariocas eensaiados pelo diretor; Meirelles ain<strong>da</strong> filmou sem que o elenco tivesse acesso aoroteiro todo, ensaiando as cenas e incorporando o vocabulário dos atores. Ci<strong>da</strong>de deDeus contou, a partir <strong>da</strong> narração do jovem Buscapé, a história <strong>da</strong> ascensão <strong>da</strong>criminali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> violência nesse conjunto habitacional, indo do período “romântico” do248 CONTI, Mário Sérgio. “Encontros inesperados – entrevista a Ismail Xavier”. Folha de São Paulo, 03de Dezembro de 2000, Mais!, página 07.249 O recorde de público de Ci<strong>da</strong>de de Deus, que atingiu mais de 3 milhões de espectadores, foialcançado <strong>no</strong> a<strong>no</strong> seguinte com Carandiru (Hector Babenco, 2003), que ultrapassou 4 milhões deespectadores.


164crime, <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 60, à chega<strong>da</strong> do tráfico de drogas e à formação de quadrilhasfortemente arma<strong>da</strong>s, na déca<strong>da</strong> de 80.As abor<strong>da</strong>gens do tráfico de drogas e <strong>da</strong> violência, alia<strong>da</strong>s a uma linguagemmoderna e rápi<strong>da</strong>, fizeram do filme um sucesso, tornando-o o assunto do dia e trazendoà tona polêmicas que tomaram conta dos cader<strong>no</strong>s culturais dos jornais. Ora sau<strong>da</strong>docomo uma i<strong>no</strong>vação, ora criticado por seus excessos, Ci<strong>da</strong>de de Deus tor<strong>no</strong>u-se o maiscontrovertido filme <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>.A principal crítica feita ao filme referiu-se ao fato <strong>da</strong> violência estar sendoapresenta<strong>da</strong> como um produto de consumo, através de imagens muito bem elabora<strong>da</strong>s,capazes de tirar dessa terrível reali<strong>da</strong>de todo o potencial transformador que ela poderiaconter. Para o historiador Jorge Coli 250“Ci<strong>da</strong>de de Deus foi bem filmado, de maneira hábil e domina<strong>da</strong>. O elenco deamadores foi dirigido de maneira convincente. Contudo o filme é apenas umamiragem. Associa comoção sentimental, violência e desfavorecidos: bons trunfosdiante <strong>da</strong> consciência culpa<strong>da</strong> do público freqüentador <strong>da</strong>s salas. Amarra tudo issocom uma câmera atila<strong>da</strong>. Oferece cenas brutais e diálogos engraçados, falas umpouco estranhas desse mundo distante. São estratagemas. Funcionam paraalcançar o sucesso, mas a eles o essencial é sacrificado. É como uma sedutoraembalagem vazia.”Essa abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> crítica ao filme tem como horizonte de comparação oCinema Novo, mais uma vez. Enquanto para o Cinema Novo a violência e amarginali<strong>da</strong>de poderiam estar associa<strong>da</strong>s à rebeldia e à transformação e eram partesconstitutivas de uma linguagem e de uma estética, agora para o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>a violência vem associa<strong>da</strong> a uma linguagem de entretenimento, para ser consumi<strong>da</strong>. Àopinião de Jorge Coli juntou-se a de Ivana Bentes, que já havia iniciado sua polêmicacrítica sobre o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> quando <strong>da</strong> publicação de seu artigo sobre aCosmética <strong>da</strong> Fome, conforme já vimos. Mas agora, com Ci<strong>da</strong>de de Deus, apesquisadora retoma seu ponto de vista, atacando mais uma vez a estética publicitária250 COLI, Jorge. “Uma questão delica<strong>da</strong>”. Folha de São Paulo, 29 de Setembro de 2002, Mais!, página19.


165e o caráter internacional popular do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro contemporâneo. Para IvanaBentes, o filme oferece um turismo <strong>no</strong> infer<strong>no</strong> ao mostrar a Ci<strong>da</strong>de de Deus. 251 :“O interdito modernista do Cinema Novo, algo como ‘não gozarás com a misériado outro’, que criou uma estética e uma ética do intolerável para tratar dos dramas<strong>da</strong> pobreza, vem sendo deslocado pela incorporação dos temas locais (tráfico,favelas, sertão) a uma estética transnacional: a linguagem pós-MTV, um <strong>no</strong>vorealismoe brutalismo lati<strong>no</strong>-america<strong>no</strong>, que tem como base altas descargas deadrenalina, reações por segundo, cria<strong>da</strong>s pela montagem, imersão total nasimagens.”A incorporação de elementos do videoclipe e do <strong>cinema</strong> hollywoodia<strong>no</strong> foram osprincipais problemas levantados em relação ao filme, isto é, foi questiona<strong>da</strong> a estética enão a tematização <strong>da</strong> violência. A utilização de uma estética internacional popular peloCinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> acabaria por vender a miséria e a violência <strong>brasil</strong>eiras comoproduto de consumo <strong>no</strong> mercado de bens simbólicos transnacionais, como aconteceracom a cultura popular.Assim como já havia ocorrido quando <strong>da</strong> publicação do artigo sobre a Cosmética<strong>da</strong> Fome, essa abor<strong>da</strong>gem crítica sobre Ci<strong>da</strong>de de Deus causou grande polêmica e foiamplamente questiona<strong>da</strong>. Só que dessa vez as reações não vieram do campo<strong>cinema</strong>tográfico, mas principalmente <strong>da</strong> imprensa. Na Folha de São Paulo o críticoJosé Geraldo Couto afirmou o seguinte sobre a Cosmética <strong>da</strong> Fome 252 :“Esse rótulo foi um achado <strong>da</strong> pesquisadora Ivana Bentes para caracterizar umaleva de filmes edulcorados e publicitários que passeiam como turistas pelasmazelas sociais do país. Mas hoje a expressão tende mais a esconder do que arevelar os traços <strong>da</strong> produção <strong>cinema</strong>tográfica recente. "Ci<strong>da</strong>de de Deus", adespeito de sua composição, digamos, "estilosa", tem pouco a ver com essaestética (ou cosmética).”Se para os críticos de Ci<strong>da</strong>de de Deus seu principal problema foi <strong>da</strong>r umtratamento de mercadoria à violência e à miséria, através <strong>da</strong> utilização <strong>da</strong> estética251 BENTES, Ivana. “Turismo <strong>no</strong> infer<strong>no</strong>”. O Estado de São Paulo, 31 de Agosto de 2002, Cader<strong>no</strong> 2,página 04.252 COUTO, José Geraldo. “Ci<strong>da</strong>de de Deus questiona produção nacional”. Folha de São Paulo, 07 deSetembro de 2002, Ilustra<strong>da</strong>, página 02.


166transnacional, os defensores do filme encontraram nesse fato um trunfo e nãonecessariamente um problema, pois isso apenas ressaltaria a mercantilização <strong>da</strong>ssocie<strong>da</strong>des contemporâneas. Para Mário Sérgio Conti a utilização de elementos dovideoclipe e do <strong>cinema</strong> de Hollywood foi uma interessante forma de abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong>quelahistória, e fizeram parte <strong>da</strong> construção <strong>da</strong> mesma. Segundo ele: 253“Aplica<strong>da</strong> a um universo huma<strong>no</strong>, a linguagem <strong>da</strong> circulação de mercadorias temuma força dramática insuspeita<strong>da</strong>: os homens são coisas, e, portanto,dispensáveis numa socie<strong>da</strong>de na qual a alienação é a viga mestra.”O caráter mercantil do filme, inclusive, foi pensado desde sua elaboração, isto é,Ci<strong>da</strong>de de Deus foi pensado como uma mercadoria, como produto de entretenimento.Tanto que foi produzido pela O2 Filmes através <strong>da</strong>s leis de incentivo e de investimentosdiretos de empresários e do próprio diretor, e teve todo o investimento recuperado antesde estrear, num caso atípico <strong>no</strong> <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro. O enfoque comercial <strong>no</strong>rteou otrabalho de Fernando Meirelles, e foi totalmente condizente com a concepção de<strong>cinema</strong> como produto para exportação presente <strong>no</strong> pensamento <strong>cinema</strong>tográfico doscongressos de <strong>cinema</strong> e na legislação já implanta<strong>da</strong>. E como produto, o filme deveriaser consumido pelo maior número possível de pessoas, para poder pagar-se. Daí autilização <strong>da</strong> estética transnacional que, assim como a estética televisiva, seria capazde fazer com que o filme fosse reconhecido, e fizesse do espectador um cúmplice. Odiscurso de Fernando Meirelles é muito claro nesse sentido 254 :“Além do mais, se estamos trabalhando com dinheiro público, é uma questãomoral fazer um filme para o contribuinte. O Estado não tem nenhuma obrigaçãode bancar experimentações estéticas de alguns artistas (...). Se a minha secretárianão entendeu alguma coisa <strong>no</strong> filme, então vamos aju<strong>da</strong>r a secretária: frisa,explica quem é o Mané Galinha. Gosto de conversar com o espectador em vez de<strong>da</strong>r a minha palestra e ir para casa. O filme não perde em interesse ou emreflexão pelo fato de ser mais claro ou mais generoso com o espectador.”253 CONTI, Mário Sérgio. “Contra todos”. Folha de São Paulo, 30 de Agosto de 2002, Ilustra<strong>da</strong>, página01.254 “A construção do filme, segundo o diretor Fernando Meirelles” – entrevista de Fernando Meirelles aTata Amaral. Revista eletrônica Trópico. Dossiê Ci<strong>da</strong>de de Deus. 19 de Março de 2003(www.uol.com.br/tropico).


167Mas enquanto a discussão se manteve presa à polêmica sobre a utilização ounão de outras estéticas, como a publicitária e a do videoclipe, a questão central acerca<strong>da</strong> leitura <strong>da</strong> violência e <strong>da</strong> miséria de Ci<strong>da</strong>de de Deus ficou ofusca<strong>da</strong>: o principalproblema decorreu <strong>da</strong> ausência de um projeto coletivo, <strong>da</strong> falta de perspectivas sociaismais amplas e <strong>da</strong> apresentação <strong>da</strong> solução individual. Buscapé, o narrador do filme, sóse salvou do tráfico e <strong>da</strong> violência graças a certas circunstâncias, ele “deu sorte”, masos demais não tiveram como escapar àquela reali<strong>da</strong>de.Além de Ci<strong>da</strong>de de Deus, outros filmes que tiveram na violência seu pontocentral, como O Invasor e Ma<strong>da</strong>me Satã e também apresentaram o Brasil como umpaís em que a violência e a corrupção atingem a todos, onde não há saí<strong>da</strong>s coletivasmas, talvez, possam existir soluções individuais, basea<strong>da</strong>s na sorte, em determina<strong>da</strong>scircunstâncias ou em talentos pessoais. Nesse sentido, Cronicamente Inviável (SérgioBianchi, 2000) seria o filme mais político <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> – e simultaneamente aquele emque o ressentimento se mostra de forma mais aparente. Enquanto a ausência deutopias e projetos mais abrangentes resulta na violência em Ci<strong>da</strong>de de Deus, O Invasore Ma<strong>da</strong>me Satã, em Cronicamente Inviável essa falta de perspectivas sociais maisamplas fez com que o Brasil se tornasse um país cronicamente inviável, como o títulodo filme já dizia: não há saí<strong>da</strong>, não há possibili<strong>da</strong>de de salvação para ninguém, nemindividual nem coletiva. O que sobrou foi uma sensação de podridão, de que ninguémse salvaria, e de que são todos culpados pelo caos.A preocupação com a identi<strong>da</strong>de nacional, emergente <strong>no</strong>s discursos do III CBC,resultou em filmes que problematizaram questões sociais mais amplas. Mas essesfilmes acabaram por apontar os problemas do Brasil como um beco sem saí<strong>da</strong>, onde aúnica possibili<strong>da</strong>de de redenção se <strong>da</strong>ria pelo viés individual. Além disso, mostraram opaís a partir de uma visão ressenti<strong>da</strong>, de quem perdeu as utopias e não encontrou na<strong>da</strong><strong>no</strong> lugar – ou, pior ain<strong>da</strong>, de quem não tem utopias, se sente excluído e vê a situaçãocomo um problema individual e não coletivo. Os filmes apresentaram o Estado omissoe a socie<strong>da</strong>de de mãos cruza<strong>da</strong>s, mas pararam por aí. Sem discursos, sem revolução,sem redenção, sem saí<strong>da</strong>: salve-se quem puder, como puder, e o resto que se arranje.Tanto nas co-produções com a televisão quanto <strong>no</strong>s filmes que abor<strong>da</strong>ram aidenti<strong>da</strong>de nacional (seja através <strong>da</strong> cultura popular, seja através <strong>da</strong> violência dos


168grandes centros urba<strong>no</strong>s), para além do conteúdo, a maior preocupação dos cineastase <strong>da</strong> crítica se deu em relação à forma, à presença de estéticas alheias ao <strong>cinema</strong><strong>brasil</strong>eiro: televisiva, publicitária, do videoclipe, transnacional, hollywoodiana. To<strong>da</strong>sessas preocupações, que já vinham sendo coloca<strong>da</strong>s desde o início <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>,tornaram-se gritantes nesse momento, principalmente após Ci<strong>da</strong>de de Deus e O auto<strong>da</strong> compadeci<strong>da</strong>.Embora muito se tenha ganhado através <strong>da</strong>s lutas dos cineastas e do Estadopela elaboração de uma política para o setor, ain<strong>da</strong> não se conseguiu inserir a televisãonesse jogo – e ela entrou <strong>no</strong> jogo com suas próprias regras, o que comprometeu oprojeto de auto-sustentabili<strong>da</strong>de do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, baseado na perspectiva deformação de uma indústria audiovisual. A união dos campos do audiovisual não foiconsegui<strong>da</strong>, conforme pretendiam cineastas e Estado, mas houve uma maiorintegração entre <strong>cinema</strong>, televisão e publici<strong>da</strong>de, principalmente via padrões técnicos eestéticos. A partir de filmes que experimentaram formas mais híbri<strong>da</strong>s, o <strong>cinema</strong><strong>brasil</strong>eiro passou a reconhecer-se como parte de uma indústria audiovisual, mas estefoi um reconhecimento que se deu através <strong>da</strong>s formas, <strong>da</strong>s estéticas e <strong>da</strong>s linguagens,e não chegou a uma integração industrial como foi planejado <strong>no</strong>s congressos de <strong>cinema</strong>e <strong>no</strong> GEDIC. Para Ismail Xavier, durante a Retoma<strong>da</strong> 255“O cineasta passa a se reconhecer de forma mais incisiva como parte <strong>da</strong> mídiaque tanto tematiza, peça de um grande esquema de formação <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de. Equando está empenhado na discussão do poder, ressalta o lado invasivo não só<strong>da</strong> TV ou do <strong>cinema</strong> estrangeiro, mas também o <strong>da</strong> experiência que sua práticaengendra em seu contato com a socie<strong>da</strong>de. Digamos que perdeu a i<strong>no</strong>cência,que conduz seu trabalho já não mais tão convicto <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de ‘natural’ de seuencontro com o homem comum, com o oprimido. Perdeu as certezas utópicas<strong>da</strong>quela época em que a cinefilia continha, em si mesma, uma forte dimensãoutópica, de projeção para um futuro melhor <strong>da</strong> arte e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.”E justamente essa per<strong>da</strong> <strong>da</strong>s certezas utópicas, que se deu através doreconhecimento do <strong>cinema</strong> enquanto parte de uma indústria audiovisual, acaboucomprometendo a re-politização prega<strong>da</strong> pelos cineastas. Os discursos sobre a255 Xavier, I. O <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro moder<strong>no</strong>. op. cit., página 43.


169identi<strong>da</strong>de nacional e projetos de nação foram diluídos, e o que sobressaiu foi o <strong>cinema</strong>internacional popular, como um produto comercial para exportação quesimultaneamente carrega uma “<strong>brasil</strong>i<strong>da</strong>de” cria<strong>da</strong> em padrões mundiais.A idéia do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro para exportação, ou <strong>da</strong> grife “<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro” nãoimplicou numa homogeneização dos filmes <strong>brasil</strong>eiros, nem na transformação <strong>da</strong><strong>cinema</strong>tografia nacional em um gênero – embora esse tipo de tratamento seja muitofreqüente em videolocadoras, que tratam os filmes hollywoodia<strong>no</strong>s como “o <strong>cinema</strong>”,enquanto o <strong>cinema</strong> nacional tem um status à parte e as <strong>cinema</strong>tografias de outrospaíses aparecem aperta<strong>da</strong>s em prateleiras de “arte” ou “cult movies”. O que podemosconstatar é que o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> é um <strong>cinema</strong> mundializado, surgido edesenvolvido num mundo globalizado. Segundo José Mário Ortiz Ramos 256 ,“Na déca<strong>da</strong> de 1990 o <strong>cinema</strong> foi se recuperando através de produçõesdiversifica<strong>da</strong>s e com uma característica <strong>no</strong>va – globaliza<strong>da</strong>s. Todos os filmes têmum pé <strong>no</strong> Brasil e um pé lá fora, seja em termos de capital de produção, de padrãode linguagem ou <strong>da</strong> utilização de atores.”E esse <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro globalizado, criado a partir de uma estéticatransnacional alia<strong>da</strong> a uma maior integração com os outros campos do audiovisual,criou a grife de um produto para consumo mundial. Entretanto, internamente ain<strong>da</strong>prevaleceu o discurso <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de como característica mais importante do Cinema<strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>. Para entender essa equação que envolve padronização e diversi<strong>da</strong>de, éimportante ver o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> como um momento <strong>da</strong> <strong>cinema</strong>tografia <strong>brasil</strong>eiraque alia diversi<strong>da</strong>de temática a uma padronização estilística, compreendendo filmesrealizados com maior apuro técnico e linguagem transnacional, porém com cenários,histórias e “cores locais”, numa espécie de “<strong>brasil</strong>i<strong>da</strong>de for export”.256 RAMOS, José Mário Ortiz. "Cinema Brasileiro: Depois do Ven<strong>da</strong>val" in Revista USP nº 32. SãoPaulo: USP, Dezembro / Janeiro / Fevereiro 1996-97, página 107.


171IV. CONSIDERAÇÕES FINAISUma <strong>da</strong>s mais importantes características <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des contemporâneas é anecessi<strong>da</strong>de de distinção: todos querem deixar sua marca, criar um estilo, umaidenti<strong>da</strong>de, um diferencial. Isso se dá com os indivíduos, com os grupos e até mesmocom os gover<strong>no</strong>s que, ca<strong>da</strong> vez mais, se esforçam para serem lembrados pordetermina<strong>da</strong>s conquistas, feitos ou programas. Os dois man<strong>da</strong>tos de FernandoHenrique Cardoso como presidente do Brasil, além de serem caracterizados pelaconquista <strong>da</strong> estabili<strong>da</strong>de econômica, <strong>no</strong> campo cultural carregam outra marca dedistinção: o “renascimento do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro”. As democracias atuais distinguem-sepelo marketing, necessitam de uma marca, e a grife dos a<strong>no</strong>s FHC na área <strong>da</strong> culturase liga ao Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>.Dentre to<strong>da</strong>s as áreas <strong>da</strong> cultura – como teatro, artes plásticas, <strong>da</strong>nça, músicaetc. – houve a priorização do <strong>cinema</strong> pelo gover<strong>no</strong> FHC, através <strong>da</strong> adoção de políticasespecíficas e <strong>da</strong> criação de estímulos e incentivos. Graças às <strong>no</strong>vas condições deprodução, o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro pôde recuperar-se <strong>da</strong> crise em que estava inserido ereconquistar público e crítica. A recuperação do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, a partir de entãoconhecido como Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, foi transforma<strong>da</strong> na marca cultural do gover<strong>no</strong>FHC, tido como o responsável pelo ressurgimento do <strong>cinema</strong> <strong>no</strong> Brasil depois deste tersido quase “aniquilado” por Collor 257 .O próprio campo <strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiro, também numa tentativa de sedistinguir e se distanciar de certos estigmas e problemas a ele associados (como ascríticas à Embrafilme, às por<strong>no</strong>chancha<strong>da</strong>s e à sua baixa quali<strong>da</strong>de técnica), acaboupor incorporar a marca <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, aceitando inclusive sua ligação com o gover<strong>no</strong>FHC. Para grande parte dos cineastas, o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> representou um <strong>no</strong>vo257 Distinguir-se, além de criar um estilo próprio, é também <strong>no</strong> caso do gover<strong>no</strong> FHC contrapor-se aoanterior, diferenciar-se do grande fracasso que foi o período de gover<strong>no</strong> de Collor de Mello.


172período na <strong>cinema</strong>tografia <strong>brasil</strong>eira, um <strong>cinema</strong> de quali<strong>da</strong>de internacional, mas queprocurou atender aos anseios do público <strong>brasil</strong>eiro.O Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> teve início, porém, bem antes de 1995, a<strong>no</strong> <strong>da</strong> posse deFernando Henrique. Começou a ser gerado antes mesmo <strong>da</strong> extinção <strong>da</strong> Embrafilme<strong>no</strong> início do gover<strong>no</strong> de Collor de Mello, quando se encerrou o modelo de produção<strong>cinema</strong>tográfica financiado diretamente pelo Estado. Um <strong>no</strong>vo modelo de política<strong>cinema</strong>tográfica baseado em leis de incentivo, que transfere a gerência dos recursospúblicos a serem investidos em cultura para as empresas, já vinha sendo implantadodesde a Lei Sarney que vigorou <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 80, e foi aprimorado através <strong>da</strong> Lei Rouanetem 1991 e <strong>da</strong> Lei do Audiovisual, em 1993. Foi principalmente através dessas duasleis que se ergueu o orgulho <strong>da</strong> era FHC: o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>.A ligação do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> ao gover<strong>no</strong> FHC é imediata, tanto que, <strong>no</strong>início dessa pesquisa, a proposta de análise <strong>da</strong>s relações entre o <strong>cinema</strong> e o Estado <strong>no</strong>Brasil compreendia o período entre 1995 e 2002, englobando os dois man<strong>da</strong>tos deFernando Henrique. No decorrer <strong>da</strong>s pesquisas foi preciso fazer um recuo de tempomaior, tomando como ponto de parti<strong>da</strong> o encerramento do modelo de produção <strong>da</strong>Embrafilme e como ponto final a criação <strong>da</strong> Ancine em 2001/2002, que consolidou a<strong>no</strong>va política <strong>cinema</strong>tográfica. Com a Ancine, o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> chegou ao fim, jáque nenhuma <strong>cinema</strong>tografia pode ficar por tanto numa fase de ressurgimento,renascimento ou retoma<strong>da</strong>.Entre 1990 e 2002 o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro readquiriu seu status e ganhouvisibili<strong>da</strong>de: mais de 200 longas-metragens <strong>brasil</strong>eiros foram produzidos e chegaram aocircuito exibidor; muitas produções alcançaram a casa de mais de um milhão deespectadores; e vários filmes nacionais ganharam o mundo, sendo premiados ouconcorrendo em festivais como o Oscar, o de Veneza e o de Cannes. Mas tambémhouve uma grande crise, que gerou questionamentos e reposicionamentos <strong>no</strong> interiordo campo <strong>cinema</strong>tográfico, trouxe de volta o discurso político e culmi<strong>no</strong>u em açõesmais efetivas do Estado, através <strong>da</strong> criação do GEDIC e <strong>da</strong> Ancine. Com a Ancine,estabeleceu-se uma <strong>no</strong>va institucionali<strong>da</strong>de para o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, coroando apolítica de mecenato oficial gerenciado pelo mercado.


173Não cabe agora retomar to<strong>da</strong> a discussão apresenta<strong>da</strong> ao longo do texto, o queseria exaustivo e repetitivo, mas é necessário ressaltar alguns pontos que são centraisao entendimento do Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>.Num primeiro momento, logo após a dissolução <strong>da</strong> Embrafilme, o campo<strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiro parecia perdido e sem esperanças. Mas timi<strong>da</strong>mente foramsurgindo alguns filmes, realizados através de co-produções internacionais, <strong>da</strong>associação com emissoras de televisão e do apoio do Estado. São filmes bemdistantes de uma certa tradição do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, que até os a<strong>no</strong>s 80 ain<strong>da</strong> se viacomo reflexo <strong>da</strong> nação e procurava uma aproximação com uma identi<strong>da</strong>de nacionalpopular;os primeiros filmes <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> procuraram estéticas e conteúdos maisinternacionais ou padrões narrativos <strong>da</strong> televisão.Com a entra<strong>da</strong> em vigor <strong>da</strong> Lei do Audiovisual, o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> entrouem sua fase mais produtiva. As <strong>no</strong>vas condições de produção permitiram um aumentodo número de filmes exibidos e facilitaram a realização de grandes produções. Foinessa fase que o Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> encontrou o público nacional, quando surgiramos primeiros sucessos como Carlota Joaquina, o Quatrilho e Central do Brasil.Simultaneamente, ganhou força o discurso <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de como característica principaldesse <strong>cinema</strong>, enquanto despontou outra característica <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, que se tornarámais forte na fase seguinte: o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro agora é globalizado, internacional,mesmo partindo de questões nacionais ou regionais como o sertão ou a história doBrasil.A partir de uma crise ocorri<strong>da</strong> entre o final de 1998 e o início de 1999, o Cinema<strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> entrou na sua terceira fase, caracteriza<strong>da</strong> pela chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> televisão naprodução <strong>cinema</strong>tográfica (com a criação <strong>da</strong> Globo Filmes), pela volta do discursopolítico ao campo <strong>cinema</strong>tográfico (<strong>no</strong>s Congressos de Cinema) e pelainternacionalização ca<strong>da</strong> vez mais aparente dos filmes, embora nessa ocasião tenhaocorrido um retor<strong>no</strong> <strong>da</strong> temática popular, agora re-trabalha<strong>da</strong> através do internacionalpopular. Nesse momento, foi discuti<strong>da</strong> <strong>no</strong>vamente a possibili<strong>da</strong>de de industrializaçãodo <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, agora através <strong>da</strong> criação de uma indústria audiovisual –possibili<strong>da</strong>de de industrialização que, mais uma vez, não se realizou.


174O projeto cultural do Estado, elaborado conjuntamente com o campo<strong>cinema</strong>tográfico <strong>brasil</strong>eiro, que vinha sendo implantado desde o final do cicloEmbrafilme e foi consoli<strong>da</strong>do através <strong>da</strong> Ancine, teve como horizonte o mercado: eranecessário um <strong>cinema</strong> comercial e atraente para investimentos de empresas priva<strong>da</strong>s –o que o tornaria independente do Estado. Mas, durante o processo de consoli<strong>da</strong>çãodessa política <strong>cinema</strong>tográfica, o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro não conseguiu tornar-se uminvestimento direto de empresas, continuou dependendo de dinheiro público (viadedução de impostos) e não conseguiu construir uma indústria audiovisual maisabrangente através de uma união com a televisão e a publici<strong>da</strong>de.Tanto o campo <strong>cinema</strong>tográfico quanto o Estado procuraram privilegiar o carátercomercial do <strong>cinema</strong>, o filme/mercadoria. Mas, ao final de um processo que durou 12a<strong>no</strong>s, a política <strong>cinema</strong>tográfica implanta<strong>da</strong> acabou priorizando o caráter cultural do<strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro: a Ancine, que segundo seu projeto inicial deveria se desligar <strong>da</strong> CasaCivil <strong>da</strong> Presidência e se ligar ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércioassim que estivesse funcionando totalmente, acabou sendo vincula<strong>da</strong> ao Ministério <strong>da</strong>Cultura <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 2003.O Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> procurou a legitimação mercantil do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro,não consegui<strong>da</strong> totalmente. E termi<strong>no</strong>u por resultar na valorização do pragmatismo, <strong>da</strong>técnica e de padrões de quali<strong>da</strong>de, e em filmes que refletem a ausência de projetoscoletivos e de perspectivas transformadoras. Além disso, reflexo de um mundo ca<strong>da</strong>vez mais interligado, o filme <strong>brasil</strong>eiro tor<strong>no</strong>u-se internacionalizado, com características“para exportação”. A globalização do <strong>cinema</strong> tor<strong>no</strong>u-se tão latente, que dois dos maispremiados diretores <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong>, Walter Salles e Fernando Meirelles, já dirigiramproduções internacionais dos grandes estúdios hollywoodia<strong>no</strong>s.Sobem os créditos finais. O Cinema <strong>da</strong> Retoma<strong>da</strong> encerrou-se, assim como ogover<strong>no</strong> FHC. Mas os mecanismos de produção estão implantados, funcionando, e aprodução <strong>cinema</strong>tográfica <strong>brasil</strong>eira continua mantendo os mesmos níveis <strong>da</strong> déca<strong>da</strong>de 90. Se o <strong>cinema</strong> conseguirá transformar-se numa ativi<strong>da</strong>de auto-sustentável ou se aAncine se tornará uma <strong>no</strong>va Embrafilme, teremos que aguar<strong>da</strong>r o próximo episódiodessa série.


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188“Especial Cinema Brasileiro A<strong>no</strong>s 90”. Revista Eletrônica Contracampo, EdiçãoEspecial, Fevereiro/Março de 2001 (www.contracampo.com.br).“Rogério Sganzerla fala <strong>da</strong> guerra <strong>da</strong> TV contra o <strong>cinema</strong>”. Entrevista de RogérioSganzerla a Álvaro Machado. Revista eletrônica Trópico, 07 de Fevereiro de2002. (www.uol.com.br/tropico).Carta do IV CBC. Rio de Janeiro, 18 de Novembro de 2001. A íntegra desta carta seencontra <strong>no</strong> site do CBC (www.congresso<strong>cinema</strong>.com.br)DAHL, Gustavo. A re-politização do <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro. Discurso de Abertura do IIICongresso Brasileiro de Cinema. Porto Alegre, 28 de Junho de 2000.(www.congresso<strong>cinema</strong>.com.br).DAHL, Gustavo. ”GEDIC – Pré-Projeto de Planejamento Estratégico – SumárioExecutivo 23/03/2001”. Documento publicado <strong>no</strong> site do Sindicato dosTrabalhadores <strong>da</strong> Indústria Cinematográfica de São Paulo – SINDCINE.www.sindcine.com.brDAHL, Gustavo. III Congresso Brasileiro de Cinema: Pla<strong>no</strong> Geral. Porto Alegre, 28de Junho de 2000. (www.congresso<strong>cinema</strong>.com.br).RAMOS, Fernão. “País sórdido, povo idílico”. Ensaio publicado na revista eletrônicaTrópico, 14 de Janeiro de 2002. (www.uol.com.br/tropico).Relatório Final do IV Congresso Brasileiro de Cinema. Rio de Janeiro, 21 deNovembro de 2001. (www.congresso<strong>cinema</strong>.com.br)


ANEXO189


190Tabela 1: FILMES LANÇADOS NO MERCADO ENTRE 1990 E 2002. LONGA-METRAGENS (FICÇÃO, DOCUMENTÁRIO E ANIMAÇÃO)ANO FILME DIRETOR1990 BarrelaMarco Antônio CuryBeijo 2348/72Walter RogérioBoca de OuroWalter AvanciniCésio 137Roberto PiresConterrâneos Velhos de Guerra Vladimir CarvalhoO escorpião escarlateIvan CardosoStelinhaMiguel Faria Jr.1991 ABC <strong>da</strong> greveLeon HirszmanO fio <strong>da</strong> memóriaEduardo CoutinhoA grande arteWalter SallesA maldição de SanpakuJosé JoffilyMatou a família e foi ao <strong>cinema</strong> Neville D’Almei<strong>da</strong>Rádio AuriverdeSylvio BackSua Excelência, o candi<strong>da</strong>to Ricardo Pinto e SilvaVai trabalhar vagabundo 2 Hugo Carvana1992 OswaldianasJulio Bressane, Lúcia Murat, RicardoDias, Inácio Zatz, Roberto Moreira eRogério SganzerlaPerfume de gardêniaGuilherme de Almei<strong>da</strong> PradoO vigilanteOzualdo Candeias1993 ForeverWalter Hugo KhouriA dívi<strong>da</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>Octávio BezerraA saga do guerreiro alumioso Rosemberg CariryVagas para moças de fi<strong>no</strong> trato Paulo Thiago


191ANO FILME DIRETOR1994 A terceira margem do rio Nelson Pereira dos SantosAlma corsáriaCarlos ReichembachCapitalismo selvagemAndré KotzelLamarcaSérgio ResendeNão quero falar sobre isso agora Mauro FariasVeja esta cançãoCacá DieguesO efeito ilhaLuiz Alberto Pereira1995 Bananas is my business Helena SolbergCarlota Joaquina Princesa do Carla CamuratiBrazilA Causa SecretaSérgio BianchiCinema de LágrimasNelson Pereira dos SantosLouco por CinemaAndré Luiz OliveiraMeni<strong>no</strong> Maluquinho, o filme Helvécio RattonO Man<strong>da</strong>rimJúlio BressaneO QuatrilhoFábio BarretoPerfume de GardêniaGuilherme de Almei<strong>da</strong> PradoSupercolosso, o filmeLuiz FerréTerra EstrangeiraWalter Salles e Daniela ThomasYndio do BrasilSylvio Back1996 16060 Vinícius MainardiCassiopéiaClóvis VieiraO Cego que Gritava Luz João Batista de AndradeComo Nascem os AnjosMurillo SallesO CorpoJosé Antonio GarciaDoces PoderesLúcia MuratFelici<strong>da</strong>de é...Jorge Furtado, José Torero, João PedroGoulart, A. S. Cecílio NetoFica ComigoTizuka Yamasaki


192ANO FILME DIRETOR1996 O GuaraniNorma BengellJenipapoMonique GardenbregO JudeuJon Tob AzulayO Lado Certo <strong>da</strong> Vi<strong>da</strong> Erra<strong>da</strong> Octávio BezerraAs MeninasEmilia<strong>no</strong> RibeiroMil e UmaSuzana MoraesO Monge e a Filha do Carrasco Walter Lima Jr.Quem Matou Pixote?José JoffilyNo Rio <strong>da</strong>s AmazonasRicardo DiasSábadoUgo GiorgettiSombras de JulhoMarco AltbergTieta do AgresteCacá DieguesTodos os Corações do Mundo Murilo Salles1997 O Amor Está <strong>no</strong> ArAmylton de Almei<strong>da</strong>Anahy de lãs MissionesSérgio SilvaBaile PerfumadoLírio Ferreira e Paulo Cal<strong>da</strong>sBuena SorteTânia LamarcaO CangaceiroAníbal Massaini NetoO Cineasta <strong>da</strong> SelvaAurélio MichilisCrede-miBia LessaUm Céu de EstrelasTata AmaralEd MortAlain Fres<strong>no</strong>stGerra de CanudosSérgio RezendeO Homem NuHugo CarvanaLua de OutubroHenrique Freitas LimaOs MatadoresBeto BrantMiramarJúlio BressaneNavalha na CarneNeville D’Almei<strong>da</strong>O Noviço RebeldeTizuka Yamasaki


193ANO FILME DIRETOR1997 O que é isso, companheiro? Bru<strong>no</strong> BarretoA Ostra e o VentoWalter Lima Jr.Paixão Perdi<strong>da</strong>Walter Hugo KhouriPeque<strong>no</strong> Dicionário Amoroso Sandra WerneckO Sertão <strong>da</strong>s MemóriasJosé AraújoO VelhoToni Venturi1998 Ação entre AmigosBeto BrantAlô!Mara MourãoAmor & Cia.Helvécio RattonAmoresDomingos de OliveiraUma Aventura de ZicoAntônio Carlos FontouraBahia de Todos os Sambas Paulo Cezar Saraceni e Leon HirzsmanBela DonnaFábio BarretoBocageDjalma Limongi BatistaBoleirosUgo GiorgettiCastro AlvesSilvio TendlerCentral do BrasilWalter SallesCinderela BahianaConrado SanchezComo ser SolteiroRosane SvartmanCoração IluminadoHector BabencoFor All – O trampolim <strong>da</strong> vitória Luiz Carlos Lacer<strong>da</strong> e Buza FerrazA Grande Noita<strong>da</strong>De<strong>no</strong>y de OliveiraIremos a BeiruteMarcus MouraKe<strong>no</strong>maEliane CafféLa Serva PadronaCarla CamuratiMeni<strong>no</strong> Maluquinho 2 Fabrizia Alves Pinto e FernandoMeirellesPolicarpo QuaresmaPaulo ThiagoSimão, o Fantasma Trapalhão Paulo Aragão


194ANO FILME DIRETOR1998 Terra do MarEduardo Caron e Mirella MartinelliO Toque do OboéCláudio McDowellTraiçãoArthur Fontes, Cláudio Torres, JoséHenrique Fonseca1999 Tudo é BrasilRogério SganzerlaAté que a Vi<strong>da</strong> <strong>no</strong>s Separe Antônio Carlos de FontouraCaminho dos SonhosLucas AmbergOs CarvoeirosNigel NobleCastelo Rá-Tim-BumCao HamburgerContos de LygiaDeo RangelUm Copo de CóleraAluízio AbranchesDois CórregosCarlos ReichenbachFéRicardo DiasA Hora MágicaGuilherme de Almei<strong>da</strong> PradoHistórias do FlamengoAlexandre NiemeyerMárioHerma<strong>no</strong> PennaMauá – o Imperador e o Rei Sérgio RezendeNo Coração dos Deuses Geraldo MoraesNós que aqui estamos por vós Marcelo MasagãoesperamosOrfeuCacá DieguesOutras EstóriasPedro BialPor trás do pa<strong>no</strong>Luiz VillaçaO Primeiro DiaWalter Salles e Daniela ThomasSanto ForteEduardo CoutinhoSão JerônimoJúlio BressaneTiradentesOswaldo CaldeiraO Trapalhão e a luz azul Paulo Aragão e Alexandre BouryO TroncoJoão Batista de Andrade


195ANO FILME DIRETOR1999 O ViajantePaulo Cezar SaraceniXuxa requebraTizuka YamasakiZoando na TVJosé Alvarenga Jr.2000 AméliaAna CarolinaAtravés <strong>da</strong> JanelaTata AmaralO Auto <strong>da</strong> Compadeci<strong>da</strong> Guel ArraesBossa NovaBru<strong>no</strong> BarretoUm Certo Dorival Caymmi Aluísio DidierCronicamente InviávelSérgio BianchiCruz e Souza – Poeta do Sylvio BackDesterroO Dia <strong>da</strong> CaçaAlberto GarçaEstorvoRuy GuerraEu, Tu, ElesAndrucha WaddingtonGêmeasAndrucha WaddingtonHans StadenLuiz Alberto PereiraMinha Vi<strong>da</strong> em Suas Mãos José Antônio GarciaOriundiRicardo BravoQuase Na<strong>da</strong>Sérgio RezendeO Rap do Peque<strong>no</strong> Príncipe Marcelo Luna e Paulo Cal<strong>da</strong>scontra as Almas SebosasA terceira morte de Joaquim Flávio CândidoBolívarTolerânciaCarlos GerbaseOs Três ZuretasA. S. Cecílio NetoVilla-Lobos – Uma vi<strong>da</strong> de Zelito ViannapaixãoXuxa Popstar Paulo Sérgio Almei<strong>da</strong> e TizukaYamasaki


196ANO FILME DIRETOR2001 Anésia – um vôo <strong>no</strong> tempo Ludmila FerollaAs FerasWalter Hugo Khouri2000 Nordestes Vicente Amorim e Davi França MendesTributo a Nelson Gonçalves Elizeu EwaldO Chamado de DeusJosé JoffilyBarra 68Wladimir CarvalhoTônica DominanteLina ChamieO Casamento de Louise Betse de PaulaO Sonho de Rose – Dez a<strong>no</strong>s Tetê MoraesdepoisSenta a Pua!Eryk de CastroCondenado à Liber<strong>da</strong>deEmilia<strong>no</strong> RibeiroBabilônia 2000Eduardo CoutinhoA Hora Marca<strong>da</strong>Marcelo TarantoNetto Perde sua AlmaBeto Souza e Tabajara RuasBrava Gente BrasileiraLúcia MuratBufo & SpallanzaniFlávio TambelliniDomésticasFernando Meirelles e Nando OlivalUm Anjo TrapalhãoAlexandre Boury e Marcelo TravessoLavoura ArcaicaLuiz Fernando CarvalhoMemórias PóstumasAndré KotzelO Grilo FelizWalbercy RibasCopacabanaCarla CamuratiCaramuru – A Invenção do Brasil Guel ArraesAbril Despe<strong>da</strong>çadoWalter SallesO Xangô de Baker Street Miguel FariasAmores PossíveisSandra WerneckBicho de Sete CabeçasLaís Bo<strong>da</strong>nzkyTainá – Uma aventura na selva Tânia Lamarca


197ANO FILME DIRETOR2001 A PartilhaDaniel FilhoXuxa e os DuendesPaulo Sérgio Almei<strong>da</strong> e Rogério Gomes2002 AvassaladorasMara MourãoBellini e a EsfingeRoberto SantucciCi<strong>da</strong>de de DeusFernando Meirelles e Kátia LundDias de Nietzsche em Turim Júlio BressaneDuas Vezes com Helena Mauro FariasEdifício MásterEduardo CoutinhoEu não conhecia TururuFlorin<strong>da</strong> BolkanGregório de MattosAna CarolinaHouve uma vez dois verões Jorge FurtadoO InvasorBeto BrantJanela <strong>da</strong> AlmaJoão Jardim e Walter CarvalhoLaraAna Maria MagalhãesLatitude ZeroToni VenturiMa<strong>da</strong>me SatãKarim Aï<strong>no</strong>uzNem Gravata, Nem Honra Marcelo MasagãoUma On<strong>da</strong> <strong>no</strong> ArHelvécio RattonOnde a Terra AcabaSérgio MachadoÔnibus 174José PadilhaPaixão de JacobinaFábio BarretoO Poeta de Sete FacesPaulo ThiagoO PríncipeUgo GiorgettiRocha que voaEryk RochaSonhos TropicaisAndré SturmSurf AdventuresArthur FontesTimor Lorosae – o massacre queo mundo não viuLucélia SantosAs três MariasAluízio Abranches


198ANO FILME DIRETOR2002 Uma Vi<strong>da</strong> em SegredoSuzana AmaralViva São João!Andrucha WaddingtonXuxa e os Duendes 2 – Nocaminho <strong>da</strong>s fa<strong>da</strong>sRogério Gomes e Paulo Sérgio Almei<strong>da</strong>Fonte: Butcher, Pedro. Cinema Brasileiro Hoje. São Paulo: Publifolha, 2005.


199Tabela 2: PARTICIPAÇÃO DO CINEMA NORTE-AMERICANO NO MERCADOEUROPEU ENTRE 1994 E 1996PAÍSPARTICIPAÇÃO - %1994 1995 1996Bélgica 75,8 72,4 69,8Dinamarca 67,0 81,1 67,0Finlândia 66,0 76,5 78,3França 60,9 53,9 54,3Alemanha 81,6 87,1 75,1Grécia 70,0 72,0 74,0Itália 61,4 63,2 56,7Holan<strong>da</strong> 89,2 82,1 90,0Espanha 72,3 71,7 77,8Suécia 67,5 68,5 70,2Inglaterra 90,2 83,7 81,7Noruega 58,4 55,9 53,5Suíça 75,3 72,1 69,8Bulgária 85,0 87,0 83,0República Tcheca 70,0 78,0 81,0Polônia 78,0 83,0 88,9Romênia 47,0 68,5 78,3Fonte: Screen Digest, Agosto 1997, citado em Diagnóstico Governamental <strong>da</strong> CadeiaProdutiva do Audiovisual Brasília: SAV/MinC, 2.000, página 45.


200Tabela 3: EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DO CINEMA NACIONAL NO MERCADOENTRE 1990 E 2002A<strong>no</strong>% IngressosFilmeNacionalLançamentosNacionaisLançamentosEstrangeirosRelação PercentualNacionais /Estrangeiros1990 11,75 7 231 3,031991 3,26 8 239 3,351992 0,05 3 237 1,271993 0,06 4 234 1,711994 0,36 7 216 3,241995 3,62 12 222 5,411996 4,02 23 236 9,751997 4,84 22 184 11,961998 5,53 26 167 15,571999 8,01 31 200 15,552000 11,85 24 127 18,902001 10,28 30 124 24,192002 8,28 35 130 26,92Fonte: Secretaria do Audiovisual in Relatório de Ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Secretaria doAudiovisual – Cinema, Som e Vídeo: 1995 a 2002. Brasília: SAV/Minc, 2002,página 02.


201MANIFESTO “O DOGMA E O DESEJO”Marcelo MasagãoDogmáticos ou desejantes? Apesar <strong>da</strong> culpa, apesar do dogma, os dinamarqueses eseus recentes filmes <strong>no</strong>s colocam uma questão fun<strong>da</strong>mental: o prazer de fazer filmes. É o quese vê em ca<strong>da</strong> centímetro de videopelícula ali realizado. No meio <strong>da</strong>quela narrativa ninguém sepergunta se está vendo vídeo ou película? Se é arte ou mercado? Se é doce ou salgado? É sóum filme bacana em que talvez o único dogma existente seja o fato de se ter um bom roteiro emuito desejo de realizá-lo. Nós, os desejantes tropicais, atualmente estamos mais para odogma do comércio do que para o do desejo. Nosso negócio é discutir estratégias, leis deincentivo, certificados, agentes intermediários... O Zé e o Chico. Tudo ver<strong>da</strong>de (ou mentira). NoBrasil tudo pode.Dogma 1. Viva o sabonete. Apesar dos recursos destinados à cultura serem ínfimos,quem gerencia seu desti<strong>no</strong> são aqueles que entendem de sabonete. Diretores e gerentes demarketing passaram a ser experts em cultura. E tudo isso sem tirar nenhum do bolso, como <strong>no</strong>caso <strong>da</strong> Lei do Audiovisual. O ministério <strong>no</strong>s entrega papeletes de<strong>no</strong>minados certificados, que,na esmagadora maioria <strong>da</strong>s vezes, morrem na praia. Afinal, não são todos que têm bonscontatos em grandes empresas ou nas estatais. Santa Rio Filme. Não seria mais adequadoconversarmos de cultura com quem entende do assunto? A Rio Filme ou o Sesc São Paulo sãoinstituições que administram dinheiro público com fins culturais e o fazem muito bem. Ali não seadministra cultura, se promove a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia cultural, em que artistas e produtores discutem seusprodutos com administradores sérios e formados na área. Ali, com recursos muito inferiores aosdo ministério, se faz muito mais pelo <strong>cinema</strong>, pela cultura. "Mas a Embrafilme não funcionava",dizem alguns. Mentira. A Embrafilme teve diversas fases e administradores melhores ou piores.Mas não <strong>no</strong>s esqueçamos que sob sua tutela o <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro era muito mais visto do quehoje. Fica uma pergunta: É melhor discutir o fazer filmes com administradores culturais(melhores ou piores) ou com diretores e gerentes de marketing? Se as empresas e empresáriosse interessarem por produtos culturais que botem suas mãos em seus bolsos e façam cheques.Neste caso, parece legítimo que eles deci<strong>da</strong>m e escolham o projeto que lhes convenham.Dogma 2. A Baleia e o Bidê. Distribuir filmes <strong>no</strong> Brasil é como criar baleias em um bidê.Apesar de já existir uma lei de cota de tela, <strong>no</strong>sso adorável ministério não mexe palha paraaplicá-la. Afinal, a legitimi<strong>da</strong>de de proteger mercados não combina com a atual cartilha <strong>da</strong> corte.Dogma 3. Orçamentos elefânticos e o Garrincha. Se o público médio para filmesnacionais é de 30 mil espectadores e o custo médio de ca<strong>da</strong> produção é de R$ 3 milhões, ca<strong>da</strong>


202espectador acaba custando cerca de R$ 100. É meio complicado, né? Viva o Garrincha. Porquea política pública não estimula os cineastas a fazerem filmes de baixo orçamento? A tec<strong>no</strong>logiapossibilita que hoje se possam fazer ousados projetos com não mais do que R$ 1 milhão. Osgringos, sejam eles dinamarqueses, franceses ou os independentes radicais america<strong>no</strong>s, jáestão <strong>no</strong>s mostrando que é possível fazer isto. Onde an<strong>da</strong>rá o Garrincha e seus dribles? Ofazer, fazer, fazer, bailar, bailar... E, afinal, por que bailar se a única música que se <strong>da</strong>nça hoje éa <strong>da</strong>nça do mercado? Será que, além de se preocupar em estimular a distribuição, o papelprincipal do ministério não é o de promover a realização de uma grande quanti<strong>da</strong>de de filmes debaixo orçamento? Mais quanti<strong>da</strong>de, me<strong>no</strong>s eixo Rio-SP e principalmente a possibili<strong>da</strong>de deexercer a profissão com constância e não de cinco em cinco arrastados a<strong>no</strong>s.Dogma 4. A Família Mo<strong>no</strong>fásica e a Família Polifônica. Quem serão mais corporativos:os cineastas <strong>brasil</strong>eiros, os metalúrgicos do ABC ou os médicos de Bauru? O vírushollywoodia<strong>no</strong> espalha-se por todos os cantos. Cinematografias nacionais resistem e aderem àlinguagem deles com ou sem sutileza. Não existe um só <strong>cinema</strong> <strong>brasil</strong>eiro, irania<strong>no</strong> ou italia<strong>no</strong>.Poderíamos dividir esta família em pelo me<strong>no</strong>s dois blocos: aqueles que, por meio de seusfilmes, estimulam os neurônios e aqueles que deixam <strong>no</strong>ssos neurônios muito aflitos eentediados. Estes últimos são aqueles que em geral estão muito preocupados com o mercado,com o público médio... A outra família é uma família polifônica, em que criadores estãopreocupados em experimentar linguagens <strong>da</strong>s formas mais diferentes e singulares possíveis.Esta família <strong>no</strong>rmalmente é pouco articula<strong>da</strong> politicamente mas faz mais sucesso com a críticae não raro com o público. Seus orçamentos e verbas de mídia costumam ser bem maismodestos que os <strong>da</strong> família mo<strong>no</strong>fásica.Dogma 5. Baratas. Ao mercado, as baratas. À cultura, os toros. A sensibili<strong>da</strong>de é digital.Dogma único. Façamos filmes baratos.


203MANIFESTO TRAUMA 99Alexandre Stockler e Gustavo SteinbergTRAUMA (Tentativa de Realizar Algo Urgente e Minimamente Au<strong>da</strong>cioso)Pressupostos. Estamos mais preocupados em fazer filmes do que em discutir as possíveisrazões <strong>da</strong>s insuperáveis dificul<strong>da</strong>des de fazê-los, especialmente <strong>no</strong> Brasil. O comércio não é oque justifica a realização de um filme, mas sim o seu conteúdo.Declarações. A reali<strong>da</strong>de <strong>brasil</strong>eira é uma grande e violenta <strong>no</strong>vela. O grande trunfo <strong>da</strong> <strong>no</strong>velaé que sempre há um próximo capítulo. Assim, com a intenção de respeitar essa regra,declaramos a seguinte Trin<strong>da</strong>de:Em <strong>no</strong>me do Pai: O diretor deverá ser creditado <strong>no</strong> início do filme como "tyra<strong>no</strong>s'' (escrito emgrego) para deixar claro que aqui <strong>no</strong> Brasil a produção de um filme é fruto de uma totalconvicção por parte de poucas pessoas absolutamente determina<strong>da</strong>s.Do Filho: Realizar filmes ficcionais <strong>da</strong> forma mais barata possível, assumindo os problemas deprodução e de limitação do orçamento como parte integrante dos filmes, incorporando-os comolinguagem <strong>cinema</strong>tográfica, de forma a estabelecer <strong>no</strong>ssa condição de "colonizados'' comoforma criativa e não como trauma a ser evitado.E do Espírito Santo: Utilizar <strong>no</strong> mínimo um personagem que já tenha feito parte de um filmeanterior do movimento, mesmo que este seja retratado de um outro ponto de vista.

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