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Marcelino Freire e a Geração 90 - Grupo de Estudos em Literatura ...

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Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> BrasíliaInstituto <strong>de</strong> LetrasDepartamento <strong>de</strong> Teoria Literária e <strong>Literatura</strong>sPrograma <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> <strong>Literatura</strong> <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong> e a <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>Liana Aragão Lira VasconcelosOrientadora: Profa. Dra. Regina DalcastagnèBrasília2007


Dissertação apresentada ao Departamento <strong>de</strong> TeoriaLiterária e <strong>Literatura</strong>s da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasíliapara a obtenção do título <strong>de</strong> Mestre <strong>em</strong> <strong>Literatura</strong>.Área <strong>de</strong> concentração: <strong>Literatura</strong> e Práticas Sociais.Banca Examinadora:Profa. Dra. Regina Dalcastagnè (orientadora)Profa. Dra. Ivete Lara Camargos Walty (m<strong>em</strong>bro)Profa. Dra. Paloma Vidal (m<strong>em</strong>bro)Prof. Dr. André Luís Gomes (suplente)


Ao Rodrigo, aos meus pais e irmãos, aos meus amigos, por toda a paciência e apoio.À Jeanne e ao Leonardo, <strong>em</strong> especial, pelas revisões, dicas, traduções etc.À m<strong>em</strong>ória <strong>de</strong> Saulo, pelo carinho.À Regina, pela confiança e orientação.Aos colegas An<strong>de</strong>rson, Gislene, Patrícia, Susana e Virgínia, companheiros <strong>de</strong> risos edores.Aos <strong>de</strong>mais colegas e professores do Departamento, pelos momentos <strong>de</strong> constanteaprendizado.Aos funcionários do TEL, pelo atendimento s<strong>em</strong>pre muito carinhoso e eficaz.Aos colegas da Caixa Econômica, pelo apoio incondicional e sincero incentivo.Aos escritores que se tornaram fonte <strong>de</strong> dados para compor o estudo, especialmente<strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>.


Introdução....................................................................................................................... 15Capítulo I – Cenário literário brasileiro.......................................................................... 191.1 Estratégias internas............................................................................................... 211.2 Afinal, o que é literatura? ..................................................................................... 251.3 Produtores e comentadores................................................................................... 281.3.1 O <strong>de</strong>leite da inserção ......................................................................................... 331.3.2 Editoras: comércio ou engajamento?................................................................. 35Capítulo II – O escritor e a discussão sobre a profissão................................................. 412.1 A explicação da inexplicável categorização literária ........................................... 432.2 Mais algumas linhas sobre mercado..................................................................... 462.3 O vale-tudo pela fama........................................................................................... 472.3.1 Jornalismo e literatura ....................................................................................... 492.3.1.1 A presença do amador .................................................................................... 522.3.2 Políticas públicas: escritor necessário?.............................................................. 542.4 Estratégias recentes para entrar e permanecer no mercado .................................. 572.4.1 O erudito e o suburbano: os blogs <strong>de</strong> <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong> e Alessandro Buzo ..... 582.4.1.1 Dialeto e estilo................................................................................................ 61Capítulo III – Uma leitura histórica da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>........................................................ 653.1 A <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> e a discussão sobre a qualida<strong>de</strong> ..................................................... 693.2 Publicida<strong>de</strong> literária.............................................................................................. 733.2.1 A crítica à mercantilização ................................................................................ 743.2.2 O caso “Jerônimo, o matador”........................................................................... 773.3 Biografias da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> ..................................................................................... 813.3.1 O passado sertanejo e o presente cosmopolita <strong>de</strong> <strong>Freire</strong> ................................... 86Capítulo IV – Motivos e motivações <strong>de</strong> <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong> ............................................. 894.1 As estratégias da escrita <strong>de</strong> <strong>Freire</strong> ........................................................................ 914.1.1 O texto <strong>de</strong> hoje................................................................................................... 924.1.1.1 Reflexões e aspectos humanizadores <strong>de</strong> <strong>Freire</strong> .............................................. 984.1.2 O texto <strong>de</strong> aqui................................................................................................. 1014.1.2.1 Aspectos plásticos convergindo para a proximida<strong>de</strong>.................................... 1064.2 As estratégias extra-texto <strong>de</strong> <strong>Freire</strong> .................................................................... 1094.2.1 <strong>Freire</strong> e a mídia................................................................................................ 114Consi<strong>de</strong>rações Finais .................................................................................................... 119Referências Bibliográficas............................................................................................ 125Anexos.......................................................................................................................... 131Anexo I – Contrato <strong>de</strong> edição (mo<strong>de</strong>lo) ................................................................... 133Anexo II – Edital <strong>de</strong> incentivo à criação literária do governo <strong>de</strong> São Paulo............ 137Anexo III – Carta ao ministro da Cultura e Manifesto <strong>Literatura</strong> Urgente .............. 147Anexo IV – Edital do Programa Petrobras Cultural................................................. 155Anexo V – Relatório da primeira oficina sobre produção literária, promovida peloMinistério da Cultura................................................................................................ 161Anexo VI – “Carta aberta ao escritor Mário Sabino”, <strong>de</strong> <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>............. 173Anexo VII – “Jerônimo, o matador”, <strong>de</strong> <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>....................................... 175


Este trabalho t<strong>em</strong> como objetivo discutir o cenário literário brasileiro atual,tendo <strong>em</strong> vista os agentes que nele transitam (escritores, editoras, críticos, leitores etc.),a produção e as estratégias para entrar e se manter nesse grupo restrito. Para isso, foiesboçado um retrato do ambiente literário cont<strong>em</strong>porâneo, a partir da compreensão doconceito <strong>de</strong> campo, <strong>de</strong>senvolvido por Pierre Bourdieu. Foram discutidos papéis efunções <strong>de</strong>sses agentes e a sua relação com a realida<strong>de</strong> social, especialmente a partir <strong>de</strong>uma releitura da chamada <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> e a discussão sobre a profissionalização doescritor. Por fim, foram abordadas, com mais <strong>de</strong>talhe, as estratégias <strong>em</strong> busca daconsagração utilizadas por <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>, autor <strong>de</strong> livros como Angu <strong>de</strong> sangue eContos negreiros.Apesar <strong>de</strong> os seus m<strong>em</strong>bros fazer<strong>em</strong> questão <strong>de</strong> negar, a nossa hipótese é a <strong>de</strong>que o campo literário funciona como ambiente <strong>de</strong> trocas e, por essa via, se aproxima daconcepção <strong>de</strong> mercado, melhor <strong>de</strong>senvolvida <strong>em</strong> teorias do marketing ou daadministração <strong>de</strong> <strong>em</strong>presas. Os trânsitos e trâmites <strong>em</strong> qualquer mercado exig<strong>em</strong> ocumprimento <strong>de</strong> regras, o alinhamento com imagens e, principalmente, ação. Daí aimportância <strong>de</strong> se observar<strong>em</strong> as estratégias dos autores para enten<strong>de</strong>rmos comofunciona o ambiente literário cont<strong>em</strong>porâneo. Numa esfera que se movimenta quandoconvém com base <strong>em</strong> percepções mais tradicionais, que imprim<strong>em</strong> à literatura uma auraque a torna intocável e inquestionável, estratégias <strong>de</strong> mercado não seriam b<strong>em</strong> vindas.Ou, se o foss<strong>em</strong>, <strong>de</strong>veriam ser ocultadas. Um grupo t<strong>em</strong> mostrado que não e que aexposição mesmo <strong>de</strong> suas estratégias se configura <strong>em</strong> uma estratégia maior: ven<strong>de</strong>r umaimag<strong>em</strong> pautada na honestida<strong>de</strong> e na corag<strong>em</strong>.Palavras-chave: literatura brasileira cont<strong>em</strong>porânea, mercado editorial brasileiro,<strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>, <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>.


This work has as objective to argue the current brazilian literary scene,observing agents who transit in it (writers, editors, critics, rea<strong>de</strong>rs etc.), the productionand the strategies to enter and maintain th<strong>em</strong>selves in this restricted group. For this, wesketched a picture of the cont<strong>em</strong>porary literary environment, un<strong>de</strong>rstanding theconcept of field <strong>de</strong>veloped by Pierre Bourdieu. Papers and functions of these agentshad been argued and its relation with the social reality, especially from a new readingof the called <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> and the discussion about the professionalization of the writer.Finally, were boar<strong>de</strong>d, at greater length, the strategies in search of the consecration usedby <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>, book author of Angu <strong>de</strong> sangue and Contos negreiros.Although its m<strong>em</strong>bers insist to <strong>de</strong>ny, our hypothesis is that the literary fieldfunctions as a place of exchanges wich approaches the conception of market, better<strong>de</strong>veloped in theories of marketing or business administration. The transits andproceedings in any market <strong>de</strong>mand the follow of rules, the alignment with images and,mainly, action. From there the importance of observing the strategies of the authors toun<strong>de</strong>rstand how the cont<strong>em</strong>porary literary environment works . In a sphere that mak<strong>em</strong>ov<strong>em</strong>ents when it’s convenient on the basis of more traditional perceptions, that printto literature an aura which turns it untouchable and unquestioned, strategies of marketwould not come well. Or, if they were, should be occulted. A group has been provedthe opposite and that the exposition of its strategies configures in a bigger strategy: tosell an image based in honesty and courage.Key-words: Brazilian literature cont<strong>em</strong>porary, brazilian publishing market, <strong>Marcelino</strong><strong>Freire</strong>, <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>.


Introdução


No último capítulo, “Motivos e motivações <strong>de</strong> <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>”, abordar<strong>em</strong>osas diversas estratégias do escritor pernambucano, divididas <strong>em</strong> dois gran<strong>de</strong>s grupos: asestratégias contidas na obra do autor, que dialoga com a atualida<strong>de</strong> e aposta nosel<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> com o leitor, como quando se utiliza <strong>de</strong> recursos tais como asconstruções grotescas; e as estratégias presentes nas aparições fora do texto (palestras,cursos, entrevistas etc.), que invest<strong>em</strong> na construção <strong>de</strong> uma figura amável esocialmente comprometida.18


Capítulo I – Cenário literário brasileiro19


O ambiente literário brasileiro se apresenta como uma incógnita. Difícil <strong>de</strong>finir papéis,funções, enten<strong>de</strong>r a lógica das suas relações, suas regras internas. Mas esse tom que soapreguiçoso traduz, na realida<strong>de</strong>, um sentimento <strong>de</strong> motivação diante <strong>de</strong> cenário tãoobscuro e hermético. Qu<strong>em</strong> são os personagens que nele transitam e o que quer<strong>em</strong>?Essa é a pergunta balizadora <strong>de</strong>ste início <strong>de</strong> discussão.A noção básica <strong>de</strong> mercado, que compreen<strong>de</strong> o espaço que permite a realização<strong>de</strong> trocas entre agentes que se relacionam, é bastante próxima ao conceito <strong>de</strong> campo<strong>de</strong>senvolvido por Bourdieu, que nos diz: “campos são os espaços estruturados <strong>de</strong>posições (ou <strong>de</strong> postos) cujas proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m das posições nestes espaços,po<strong>de</strong>ndo ser analisadas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente das características <strong>de</strong> seus ocupantes (<strong>em</strong>parte <strong>de</strong>terminadas por elas)”. Esses espaços são dotados <strong>de</strong> especificida<strong>de</strong>s, mastambém <strong>de</strong> características gerais, sobre as quais é possível estabelecer conceitos erelações, s<strong>em</strong> a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> investigar cada uma <strong>de</strong> suas figurações internas. Ainda<strong>de</strong> acordo com o sociólogo francês, para que um campo funcione “é preciso que hajaobjetos <strong>de</strong> disputas e pessoas prontas para disputar o jogo, dotadas <strong>de</strong> habitus queimpliqu<strong>em</strong> no conhecimento e reconhecimento das leis imanentes do jogo, dos objetos<strong>de</strong> disputas, etc.” 1 .Ao consi<strong>de</strong>rarmos o ambiente literário brasileiro um campo, que engloba omercado <strong>de</strong> livros, criamos sobre ele um manto enunciador <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> regrasinternas que permit<strong>em</strong> e estabelec<strong>em</strong> trocas/relações entre os agentes participantes. Épreciso ressaltar que, pelo menos nesse caso específico, exist<strong>em</strong> outros conjuntosbastante complexos incluídos nesse espaço maior que é a literatura brasileira. Para estapesquisa, escolh<strong>em</strong>os lançar um olhar sobre um grupo muito pequeno se comparado aotodo: são os produtores <strong>de</strong> uma literatura que se comunica e se completa, os m<strong>em</strong>brosda polêmica <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>.O campo literário brasileiro po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido pela lógica que faz conversarescritores, editores, obras, leitores, crítica, agentes literários, instituições <strong>de</strong> incentivo àprodução e à leitura, sist<strong>em</strong>a educacional, entre outros. Não s<strong>em</strong> algum prejuízo,po<strong>de</strong>mos transplantar essa estrutura ao conjunto menor que será abordado. Nele,figuram, igualmente, os mesmos interlocutores, mas com alguns diferenciais: a <strong>Geração</strong><strong>90</strong> é formada por um grupo <strong>de</strong> escritores que se inter-relacionam, que transitam <strong>de</strong>modo geral entre as mesmas editoras, que chegam a <strong>de</strong>terminados leitores e que1 Bourdieu, Questões <strong>de</strong> sociologia, p. 89.20


produz<strong>em</strong> textos que têm a sua proximida<strong>de</strong>. Não configuram uma escola ou mesmo umconjunto homogêneo <strong>de</strong> profissionais, produtores e consumidores. A diversida<strong>de</strong>,característica tão própria do campo literário brasileiro, é repetida nesse grupo maisrestrito.Como ocorre na conceituação <strong>de</strong> campo, ou mesmo na <strong>de</strong> grupo social, se nosr<strong>em</strong>etermos à teoria sociológica, o espaço criado e ocupado pelo grupo da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>t<strong>em</strong> regras <strong>de</strong> ingresso, <strong>de</strong> convivência, <strong>de</strong> permanência e até mesmo <strong>de</strong> <strong>em</strong>bates, além<strong>de</strong> participantes, objetivos (grupais ou individuais) e estratégias. Algumas <strong>de</strong>ssas regrassão tácitas, outras não; algumas claras aos el<strong>em</strong>entos externos, outras não.1.1 Estratégias internasDe todos os lados, ouvimos falar <strong>em</strong> estratégias <strong>de</strong> mercado. Isso é ainda maisevi<strong>de</strong>nciado quando observamos os índices <strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego, a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> alocação notrabalho, probl<strong>em</strong>as com baixos salários e encarreiramento. As estratégias, muitovinculadas ao mundo dos negócios, se multiplicam <strong>de</strong> um lado, para os que quer<strong>em</strong> seinserir, e do outro, para os que quer<strong>em</strong> absorver os melhores profissionais. O termo t<strong>em</strong>a sua orig<strong>em</strong> no âmbito militar e <strong>de</strong>signa uma série <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> guerra para se chegar aoobjetivo final: vencer. O Aurélio <strong>de</strong>fine estratégia como sendo a “arte militar <strong>de</strong> planejare executar movimentos e operações <strong>de</strong> tropas, navios e/ou aviões, visando a alcançar oumanter posições relativas e potenciais bélicos favoráveis a futuras ações táticas sobre<strong>de</strong>terminados objetivos”. As teorias da administração e do marketing já trataram <strong>de</strong>adaptar e amenizar essa idéia tão ligada ao imaginário <strong>de</strong> guerras, apesar <strong>de</strong> que aimag<strong>em</strong> seja exaustivamente revisitada. E o mesmo dicionário nos dá outras acepções:“arte <strong>de</strong> aplicar os meios disponíveis com vista à consecução <strong>de</strong> objetivos específicos” e“arte <strong>de</strong> explorar condições favoráveis com o fim <strong>de</strong> alcançar objetivos específicos”.Aqui, enten<strong>de</strong>mos estratégia como algo próximo a essas duas últimas <strong>de</strong>finições, comosendo um conjunto <strong>de</strong> ações planejadas que, visando a um resultado futuro, seconfiguram e se inter-relacionam.No ambiente literário, falar <strong>em</strong> estratégia po<strong>de</strong> soar <strong>em</strong> primeira análise<strong>de</strong>slocado. Entretanto, nesse universo tudo acontece <strong>de</strong> modo b<strong>em</strong> parecido com outrossist<strong>em</strong>as ou campos, que exig<strong>em</strong> <strong>de</strong> seus m<strong>em</strong>bros ações constantes para a permanênciana economia interna. Pequenas esferas – indivíduos ou grupos – precisam se interrelacionarpara que haja funcionamento do campo como um todo. E precisam <strong>de</strong>estratégias que vão reger essas relações, para ingressar ou manter-se no campo.21


A estrutura do campo, nos diz Bourdieu, “é um estado da relação <strong>de</strong> força entreos agentes ou as instituições engajadas na luta ou, se preferirmos, da distribuição docapital específico que, acumulado no curso das lutas anteriores, orienta as estratégiasulteriores” 2 . Ora, num esqu<strong>em</strong>a muito simplificado, po<strong>de</strong>mos esboçar uma teia comarestas interligadas para ilustrar as relações do grupo que estamos abordando. Osobjetos vão e voltam; as ações, i<strong>de</strong>m. Os agentes envolvidos são todos eles, ao mesmot<strong>em</strong>po, produtores e consumidores e <strong>de</strong>terminam o que se irá produzir e consumir. Essaestrutura, <strong>de</strong> acordo com o sociólogo, está na orig<strong>em</strong> das estratégias <strong>de</strong>stinadas atransformá-la e também está s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> jogo: “as lutas cujo espaço é o campo têm porobjeto o monopólio da violência legítima (autorida<strong>de</strong> específica) que é característica docampo consi<strong>de</strong>rado, isto é, <strong>em</strong> <strong>de</strong>finitivo, a conservação ou a subversão da estrutura dadistribuição do capital específico” 3 .A diferença entre os campos das artes e os <strong>de</strong>mais talvez se dê pelo objeto epelos resultados pouco palpáveis que aqueles produz<strong>em</strong>, além da falta ou câmbioconstante <strong>de</strong>ssa autorida<strong>de</strong> específica. Os agentes ou os candidatos a agentes (e aautorida<strong>de</strong>s) do campo literário e, mais especificamente, da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>, têm que<strong>de</strong>senvolver habilida<strong>de</strong>s suficientes para entrar e se manter no campo. Conhecer ocenário e enten<strong>de</strong>r as relações são fundamentais para que haja o “aceite” ou apermanência nesse grupo tão calcado por valores pouco tangíveis.Diferent<strong>em</strong>ente <strong>de</strong> como <strong>de</strong>ve ocorrer num jogo, <strong>em</strong> que todas as regras sãoclaras aos jogadores, o grupo ten<strong>de</strong> a aparecer como um poço obscuro. As relaçõespo<strong>de</strong>m ser comparadas à lógica paternalista, pois predominam, como <strong>em</strong> todo o campoliterário, as trocas <strong>de</strong> favor. Bourdieu i<strong>de</strong>ntifica o mesmo cenário na Europa quando daconsolidação da burguesia 4 . A sujeição <strong>de</strong> escritores e pintores ao capital burguês foi,segundo ele, <strong>de</strong>terminante para a construção das lógicas que reg<strong>em</strong> as relações artísticasatuais – seja na França, seja no Brasil. Na segunda meta<strong>de</strong> do século XIX, a relaçãoentre produtores culturais e a classe dominantenão t<strong>em</strong> mais nada do que pô<strong>de</strong> caracterizá-la nos séculos anteriores, trata-se da<strong>de</strong>pendência direta <strong>em</strong> relação ao comanditário (mais freqüente entre os pintores, mastambém atestada no caso dos escritores) ou mesmo da fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> a um mecenas ou a umprotetor oficial das artes. 52 Id., p. <strong>90</strong>.3 Id. Ibid.4 Bourdieu, As regras da arte.5 Id., p. 65.22


O sociólogo segue <strong>de</strong>senhando o retrato das relações já muito calcadas <strong>em</strong> statuspouco contabilizáveis da arte. De um lado, ele situa o mercado, “cujas sanções ousujeições se exerc<strong>em</strong> sobre as <strong>em</strong>presas literárias, seja diretamente, através das cifras <strong>de</strong>venda, do número <strong>de</strong> recebimentos etc., seja indiretamente, através dos novos postosoferecidos pelo jornalismo, a edição, a ilustração e por todas as formas <strong>de</strong> literaturaindustrial”, e <strong>de</strong> outro as ligações duradouras, “baseadas <strong>em</strong> afinida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> estilo <strong>de</strong> vidae <strong>de</strong> sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> valores que, especialmente por intermédio dos salões, un<strong>em</strong> pelo menosuma parte dos escritores a certas frações da alta socieda<strong>de</strong>, e contribu<strong>em</strong> para orientar asgenerosida<strong>de</strong>s do mecenato <strong>de</strong> Estado” 6 . No grupo abordado, as relações sãos<strong>em</strong>elhantes, mas enfatizamos que a troca <strong>de</strong> papéis – o crítico <strong>de</strong> hoje po<strong>de</strong> ser oescritor <strong>de</strong> amanhã – <strong>de</strong>sconfigura um pouco a noção <strong>de</strong> hierarquia.Também nos serve a idéia dos salões do século XIX, visitada por Bourdieu. Talcomo acontecia nesses ambientes, a cena literária atual é baseada numa mística qu<strong>em</strong>istura certo glamour à noção <strong>de</strong> trabalho profissional e pragmático. Aos m<strong>em</strong>bros éclara a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> investir <strong>em</strong> ambas as imagens: é uma estratégia interna <strong>de</strong>autocredibilização do grupo. A imag<strong>em</strong> que se preten<strong>de</strong> formar serve a um públicointerno (os leitores, <strong>em</strong> parte) e também a outros grupos, b<strong>em</strong> como aos el<strong>em</strong>entostransitórios – aqueles que faz<strong>em</strong> as pontes entre o grupo ou o campo e outros espaços.A obscurida<strong>de</strong> quanto às estratégias utilizadas, tão necessária à efetivida<strong>de</strong> daformação da imag<strong>em</strong> interna e externa, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar as regras do grupo, t<strong>em</strong> a vercom várias ativida<strong>de</strong>s b<strong>em</strong> consolidadas e aceitas por seus próprios agentes, como afalta <strong>de</strong> objetivida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> clareza que rege a eleição dos publicáveis, por ex<strong>em</strong>plo. Poroutras palavras, essa obscurida<strong>de</strong> é o espaço on<strong>de</strong> se escon<strong>de</strong> o motivo da escolha doque é e do que não é literatura ou do que po<strong>de</strong> ou não ser vendido como literatura – eserve também para <strong>de</strong>finir o mercado <strong>de</strong> outras artes. Obviamente, alguns critérios sãob<strong>em</strong> conhecidos, como a capacida<strong>de</strong> que um livro t<strong>em</strong> <strong>de</strong> se ven<strong>de</strong>r, mas pouco se falasobre eles. É como se revelass<strong>em</strong> uma postura duvidosa ou antiética dos responsáveispelas editoras ou como se <strong>de</strong>sconstruíss<strong>em</strong> a aura que integra o texto literário (ou nãoseria muito <strong>de</strong>sprestigioso para um escritor ter o seu livro publicado somente porque évendável?).Uma objetivação <strong>de</strong> processos ou a teorização <strong>de</strong> técnicas, e a conseqüentedivulgação <strong>de</strong>las, po<strong>de</strong>riam significar o fim do manto que cobre – e protege – o universo6 Id. Ibid.23


literário. Exist<strong>em</strong> textos, como o <strong>de</strong> Laura Bacellar 7 , que tratam especificamente <strong>de</strong>estratégias para entrar e permanecer no mercado editorial brasileiro. Alexandre Lobão,<strong>em</strong> oficina ministrada na 25ª edição da Feira do Livro <strong>de</strong> Brasília, intitulada “Comoescrever um romance <strong>de</strong> sucesso”, elencou fórmulas para a obtenção <strong>de</strong> sucessoeditorial. Mas, para o caso daquilo que se consi<strong>de</strong>ra “literatura propriamente dita”,talvez essas estratégias não sejam muito interessantes, afinal alguns dos el<strong>em</strong>entosformadores do campo literário só exist<strong>em</strong> num âmbito virtual. As trocas n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre sedão <strong>de</strong> forma objetiva e clara. Não funciona s<strong>em</strong>pre a lógica capitalista do livretrabalhador. E arriscamos dizer que predominam as relações calcadas não no capital(apenas), mas no que Bourdieu chama <strong>de</strong> gratificação simbólica. Um ex<strong>em</strong>plo muitocorriqueiro é a aprovação <strong>de</strong> um título para publicação que, <strong>de</strong> modo não raro, se dá poralguma indicação ou sugestão <strong>de</strong> pessoas que já transitam no próprio grupo. Essesaspectos não objetiváveis são justamente os que se nutr<strong>em</strong> <strong>de</strong> conceitos como o <strong>de</strong> aurae que nutr<strong>em</strong> o campo.Em seu diário eletrônico, a escritora e m<strong>em</strong>bro efetivo do grupo que abordamosIvana Arruda Leite consegue ex<strong>em</strong>plificar b<strong>em</strong> o que tentamos esboçar a respeito doconceito <strong>de</strong> aura, essa coisa efêmera que movimenta ações bastante concretas. O trechoabaixo, veiculado <strong>em</strong> 9 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2006, é parte <strong>de</strong> um comentário sobre um programatelevisivo do qual participou a também escritora Fernanda Young. O fato é que Young, b<strong>em</strong>sucedida roteirista <strong>de</strong> televisão, publicou recent<strong>em</strong>ente alguns livros que objetivamenteconsi<strong>de</strong>ramos literatura, entretanto, isso é notório, ela não t<strong>em</strong> status <strong>de</strong> literata.Mas parece que esses caras (ela [Young], Paulo Coelho) dariam o <strong>de</strong>do mindinho paraser<strong>em</strong> reconhecidos como escritores. Não interessa que seus livros vendam horrores,não interessa que eles estejam na Aca<strong>de</strong>mia. O que dói é não ser<strong>em</strong> reconhecidos pelosseus “pares”. Eles sab<strong>em</strong> que só isso lhes daria legitimida<strong>de</strong>. 8Os comentários <strong>de</strong> leitores do blog permit<strong>em</strong> que sigamos o mesmo caminho. Atambém escritora e “blogueira” Índigo escreveu: “Ivana, É como uma praga. Vc nasceuescritora. A fulaninha aí nasceu publicitária. E não adianta. Agora, que é muito maisfácil vc escrever para tv do que ela fazer literatura, isso é”. Outro leitor, que assinouSávio, comentou:7 Cf. Bacellar, Escreva seu livro.8 Postag<strong>em</strong> publicada <strong>em</strong> 9 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2006, no en<strong>de</strong>reço www.doidivana.zip.net.24


Acho que você t<strong>em</strong> um SACO imenso, já que você diz ter assistido a toda a entrevistado Amaury com a... como é mesmo o nome <strong>de</strong>la? Você a colocou b<strong>em</strong> ao lado daqueleque se diz MAGO - esse é da ABL, não te esqueças... Ela? n<strong>em</strong> isso... Escrever para a tvpráquê?! Prá escrever s<strong>em</strong>pre a mesma coisa, o mesmo texto, os mesmos programascom as mesmas piadas? Olha, eu não te conheço e n<strong>em</strong> à tua turma - aliás, o<strong>de</strong>io turmas- mas acho que estou virando fã... Felicida<strong>de</strong>s! 9Eis uma boa ilustração <strong>de</strong> como se constrói e funciona o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> gratificaçõessimbólicas. São alguns m<strong>em</strong>bros do grupo <strong>em</strong> questão interagindo – já que o espaçovirtual permite isso e é, por esse motivo, bastante utilizado pelos produtores do grupo –com conceitos muito b<strong>em</strong> esclarecidos. Não há questionamento sobre a posição <strong>de</strong>Ivana Arruda Leite, como também não há auto-reflexão sobre o comentário. As imagenssão muito b<strong>em</strong> configuradas e muito b<strong>em</strong> conhecidas por aqueles que transitam nosespaços estabelecidos.Além disso, e com uma leitura conteudística da postag<strong>em</strong> e dos comentários,torna-se clara a disparida<strong>de</strong> e paradoxalmente a forte vinculação entre capital financeiroe capital simbólico. Ambos são <strong>de</strong>terminantes para que as articulações internas aomercado funcion<strong>em</strong> e ger<strong>em</strong> resultados. Enquanto uns se alimentam das gratificaçõesfinanceiras – o lucro gerado pelas <strong>em</strong>presas, para o “b<strong>em</strong>-viver” dos donos e tambémpara o funcionamento das instituições –, outros viv<strong>em</strong> das simbólicas – os escritores, <strong>de</strong>reconhecimento. Porém, essa estrutura é cambiante e se inverte, por ex<strong>em</strong>plo, quandopensamos nas necessida<strong>de</strong>s financeiras do escritor profissional e na aura com a qual secobr<strong>em</strong> também as <strong>em</strong>presas (gráficas, editoras etc.). O status é gerador <strong>de</strong> rendimentose os produtos <strong>de</strong> uma <strong>em</strong>presa com bom faturamento ou b<strong>em</strong> consolidada são geradores<strong>de</strong> status, tão efêmero e tão concreto.1.2 Afinal, o que é literatura?Quando falamos <strong>em</strong> aura, <strong>em</strong> critérios para publicação ou mesmo <strong>em</strong> boa ou máqualida<strong>de</strong>, esbarramos na polêmica discussão sobre o que é literatura. Diversas escolas elinhas da crítica literária tentaram construir ou estudar <strong>de</strong> modo objetivo esse conceito.Terry Eagleton, por ex<strong>em</strong>plo, faz um apanhado das principais idéias <strong>de</strong>senvolvidasacerca do conceito <strong>de</strong> literatura e <strong>de</strong>sconstrói todas elas, uma por uma, com argumentoslógicos b<strong>em</strong> simplificados, acabando por se concentrar <strong>em</strong> uma que, maleável, abrangeas concepções <strong>de</strong> acordo com o juízo <strong>de</strong> valor que <strong>de</strong>terminado grupo, autorizado a9 Citações <strong>de</strong> entrevistas, trechos <strong>de</strong> sites ou postagens <strong>de</strong> blog estão intencionalmente reproduzidos nestetrabalho tal como publicados, tanto para que não se caracterizasse interferência <strong>de</strong>sta pesquisadora quantopara que prevalecesse a permanência <strong>de</strong> ritmo, linguag<strong>em</strong> e códigos, já tipificados para esse tipo <strong>de</strong> texto.25


eleger os objetos literários como tais, atribui. “Po<strong>de</strong>mos abandonar, <strong>de</strong> uma vez portodas, a ilusão <strong>de</strong> que a categoria ‘literatura’ é ‘objetiva’, no sentido <strong>de</strong> ser eterna eimutável. Qualquer coisa po<strong>de</strong> ser literatura, e qualquer coisa que é consi<strong>de</strong>radaliteratura, inalterável e inquestionavelmente – Shakespeare, por ex<strong>em</strong>plo –, po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar<strong>de</strong> sê-lo” 10 . E ele vai além: essa percepção, que toma o juízo <strong>de</strong> valor <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadogrupo ou socieda<strong>de</strong> como legítimo para apontar isso ou aquilo como literatura, étambém falha. “Não é possível dizer que a literatura é apenas aquilo que,caprichosamente, quer<strong>em</strong>os chamar <strong>de</strong> literatura”. E conclui que mesmo os juízos <strong>de</strong>valor, tão vulneráveis ao t<strong>em</strong>po e ao espaço, entre outros aspectos, têm suas raízes <strong>em</strong>estruturas mais profundas <strong>de</strong> crenças. “Esses juízos têm, eles próprios, uma estreitarelação com as i<strong>de</strong>ologias sociais. Eles se refer<strong>em</strong>, <strong>em</strong> última análise, não apenas aogosto particular mas aos pressupostos pelos quais certos grupos sociais exerc<strong>em</strong> <strong>em</strong>antêm o po<strong>de</strong>r sobre os outros” 11 .Roger L. Taylor, por sua vez, propõe que as “massas” negu<strong>em</strong> as obras <strong>de</strong> arte,como ato <strong>de</strong> resistência mesmo ao po<strong>de</strong>r instalado. Arte, segundo ele, é o que aburguesia quer chamar <strong>de</strong> arte. E não é pretensão <strong>de</strong>le fazer-nos inferir que a verda<strong>de</strong>iraarte <strong>em</strong>anaria do povo: ele critica também essa visão. Arte, para ele, é apenas umconceito e que, como tal, se modifica conforme convém aos <strong>de</strong>tentores do po<strong>de</strong>r. Nãohá essência que cubra <strong>de</strong>terminado objeto com o “imutável” status <strong>de</strong> arte. “A arte e afilosofia”, ele nos diz, “faz<strong>em</strong> surgir práticas conceituais que vão contra os interesses damaioria das pessoas e tudo isso v<strong>em</strong> acontecendo s<strong>em</strong> que elas percebam” 12 . E ele vaimais longe: “a superiorida<strong>de</strong> do mundo da arte precisa ser <strong>de</strong>safiada não apenas por nãoconseguir se justificar, mas principalmente porque é parte integral da opressão socialinfligida à maioria das pessoas” 13 .Pouco antes <strong>de</strong>le, os teóricos europeus da comunicação <strong>de</strong>senvolveram tesespara criticar a industrialização <strong>de</strong> bens culturais. Muito calcados num i<strong>de</strong>al marxista <strong>de</strong>arte, eles setorizaram objetos culturais <strong>de</strong> acordo com a sua produção – e isso não servepara <strong>de</strong>monstrar outra coisa senão mais uma tentativa <strong>de</strong> hierarquizar gostos e valores. Édaí que surg<strong>em</strong> todas as discussões a respeito <strong>de</strong> massa, indústria cultural, alienação etc.O crítico <strong>de</strong> arte, professor e escritor Teixeira Coelho, ao tentar abordar <strong>de</strong> modomuito didático o assunto, l<strong>em</strong>bra Dwight MacDonald, “que fala da existência <strong>de</strong> três10 Eagleton, Teoria da literatura, p. 11.11 Id., p. 17.12 Taylor, Arte, inimiga do povo, p. 29.13 Id, p. 32.26


formas <strong>de</strong> manifestação cultural: superior, média e <strong>de</strong> massa (subenten<strong>de</strong>ndo-se porcultura <strong>de</strong> massa uma manifestação ‘inferior’)” 14 . A cultura superior abarca os“produtos canonizados pela crítica erudita, como as pinturas do Renascimento, ascomposições <strong>de</strong> Beethoven, os romances ‘difíceis’ <strong>de</strong> Proust e Joyce, a arquitetura <strong>de</strong>Frank Lloyd Wright e todos os seus congêneres” 15 ; a média, ou midcult, abrange acultura dos meios <strong>de</strong> comunicação, como “Morzarts executados <strong>em</strong> ritmo <strong>de</strong> discoteca;as pinturas <strong>de</strong> queimadas na selva que se po<strong>de</strong> comprar todos os domingos nas praçaspúblicas; os romances <strong>de</strong> Zé Mauro <strong>de</strong> Vasconcelos, com sua linguag<strong>em</strong> artificiosa echeia <strong>de</strong> alegorias fáceis [...]; as poesias on<strong>de</strong> pulula um lirismo <strong>de</strong> segunda mão e <strong>de</strong>chavões” 16 , entre outros; e a <strong>de</strong> massa, ou masscult, a mais difícil <strong>de</strong> ser ex<strong>em</strong>plificada,pois chega a ser confundida ora com a midcult, ora com a “genuína” cultura popular e seafasta da erudita. Essa classificação, por si só, reflete a equivocada divisão oucategorização, on<strong>de</strong> se baseiam os conceitos ligados à arte. Isso passa por uma visãoimbricada na noção histórica <strong>de</strong> sobrevivência <strong>de</strong> grupos: investe-se ainda nofortalecimento interno <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados grupos para que façam frente a outros,antagônicos ou não.Os três teóricos, <strong>de</strong> uma maneira ou <strong>de</strong> outra, nos apresentam um modo socialmuito peculiar <strong>de</strong> lidar com conceitos pouco verificáveis, como arte, cultura, literatura.Essas visões, apesar <strong>de</strong> até antitéticas, se propõ<strong>em</strong> não só a discutir, mas a formarvalores. As noções que se têm hoje a respeito do grupo <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> são muito calcadas<strong>em</strong> uma, outra ou todas essas discussões. Assim como os nossos conceitos e préconceitos,as idéias que pairam individualmente sobre as artes têm forte vinculação como que se estabelece socialmente como conceito da mesma coisa. A noção, por ex<strong>em</strong>plo,<strong>de</strong> que literatura é algo bom, capaz <strong>de</strong> gerar conhecimento, <strong>em</strong>ancipar etc., é bastantecompartilhada e, muitas vezes, é até recebida como verda<strong>de</strong> essencial e que, como tal,não precisa ser questionada.E esse sim é um valor oriundo das classes dominantes, <strong>de</strong>senvolvido ao longo dahistória. As coisas que importam às classes <strong>de</strong>sprovidas <strong>de</strong> voz (ou <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r aquisitivo)seriam, automaticamente, inferiores ou indiferentes. Voltando a Taylor, os valoresconceituais são muito arraigados porque se <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong>, na socieda<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal, ainda naescola. “Os ‘valores culturais’ que o sist<strong>em</strong>a educacional tenta inculcar não são os mesmos14 Coelho, O que é indústria cultural, p. 14.15 Id. Ibid.16 Id., p. 15.27


da maioria dos alunos, n<strong>em</strong> <strong>de</strong> seu meio social. A experiência ‘cultural’ imposta a eles é a‘alta cultura’, algo b<strong>em</strong>-aceito, b<strong>em</strong>-vindo e parte integrante da vida burguesa” 17 .Também contribui para a proliferação <strong>de</strong>sses valores a abordag<strong>em</strong> não comercial dolivro. Não se trabalha, nesse ambiente, com a imag<strong>em</strong> capitalista <strong>de</strong> compra e venda, cujadiferença se configura <strong>em</strong> lucro. O mercado da arte, nos diz Annateresa Fabris, “difun<strong>de</strong> aidéia <strong>de</strong> que a obra artística não é uma mercadoria qualquer, cercando, por vezes, aoperação <strong>de</strong> venda <strong>de</strong> um ritual que a diferencie <strong>de</strong> uma troca comercial corriqueira” 18 .São todas essas práticas, <strong>de</strong>liberadamente pouco discutidas, que <strong>em</strong>basam <strong>de</strong>s<strong>de</strong>preconceitos e violências ligadas à hierarquização <strong>de</strong> gostos (sobrepõe-se o mais forte)até longos tratados acerca <strong>de</strong> cânones, valores universais, essência humana, entre outros.Mesmo neste texto, <strong>em</strong> que, páginas atrás, diss<strong>em</strong>os que a literatura brasileiracont<strong>em</strong>porânea é composta por um grupo <strong>de</strong> escritores que se inter-relacionam (Cf. it<strong>em</strong>1.1), optamos por excluir uma gama que po<strong>de</strong>ria também ser caracterizada como tal.Exist<strong>em</strong> escritores periféricos, como Alessandro Buzo (<strong>de</strong>claradamente suburbano), queproduz<strong>em</strong> literatura com outros fins e freqüentam outros cenários. Também sãoex<strong>em</strong>plos os escritores que têm o seu espaço fora do eixo Rio-São Paulo, como o grupo<strong>de</strong> poetas e prosadores <strong>de</strong> Brasília, e que, <strong>em</strong> alguns casos até se relacionam com a“turma” aqui abordada, mas, pela distância mesmo que têm das gran<strong>de</strong>s editoras e dosgran<strong>de</strong>s nomes nacionais, acabam por formar guetos distintos.Portanto, é preciso esclarecer que a literatura cont<strong>em</strong>porânea aqui discutida émuito específica, restrita e diz respeito a um grupo <strong>de</strong>limitado, não tendo somente aproximida<strong>de</strong> espaço-t<strong>em</strong>poral como característica básica <strong>de</strong> sua formação.Paralelamente ao grupo da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>, há muita literatura sendo produzida e discutidae, s<strong>em</strong>pre que for possível, nos r<strong>em</strong>eter<strong>em</strong>os a esses ex<strong>em</strong>plos.1.3 Produtores e comentadoresO relacionamento entre os agentes do campo literário n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre é pacífico.Quando pensamos <strong>em</strong> editoras e veículos <strong>de</strong> comunicação, é comum julgarmos queresenhas ou ensaios são o único modo <strong>de</strong> interação entre esses dois agentes e que essarelação refletiria uma troca cordial <strong>de</strong> favores. Para quebrar esse paradigma, o jornalFolha <strong>de</strong> S. Paulo t<strong>em</strong> publicado diversas matérias que tratam <strong>de</strong> mercado editorial e oenfoque não t<strong>em</strong> sido favorável e n<strong>em</strong> servido para corroborar uma eventual imag<strong>em</strong>17 Taylor, op. cit., p. 47.18 Fabris, “Vanguarda e mercado”, p. 112.28


positiva que as editoras tenham perante o público. A reportag<strong>em</strong> “Contas mágicas”, quetrata dos números divulgados por essas <strong>em</strong>presas e que será melhor abordada no it<strong>em</strong>1.3.2 <strong>de</strong>ste capítulo, é um ex<strong>em</strong>plo.Também é paradigmático o conturbado episódio que envolveu o escritor<strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>, cujas estratégias são o objeto <strong>de</strong>sta dissertação, e o jornalistaJerônimo Teixeira, da revista Veja. Em julho <strong>de</strong> 2005, Teixeira assinou matéria acercado Movimento <strong>Literatura</strong> Urgente, que abordar<strong>em</strong>os no segundo capítulo, e dolançamento do livro Contos negreiros, <strong>de</strong> <strong>Freire</strong>. Teixeira entrevistou o autor e otambém escritor A<strong>de</strong>mir Assunção, que figura no grupo, e publicou matéria <strong>de</strong>gradandoo movimento e a literatura produzida hoje. O texto da revista foi recebido como afrontapelo público consumidor <strong>de</strong>ssa literatura e pelos escritores envolvidos. <strong>Freire</strong> usou o seublog como veículo para publicar o repúdio à matéria, além <strong>de</strong> mobilizar outrosescritores. Em texto intitulado “Jerônimo, o matador”, criticou a postura <strong>de</strong> Teixeira eesten<strong>de</strong>u o assunto. Chegou também a publicar carta a Mário Sabino, editor-chefe daVeja, pedindo ironicamente apoio, já que Sabino é também escritor. O caso teve<strong>de</strong>sdobramentos e o mesmo repórter repetiu a dose com o que pareceu (ou julgou-secomo tal) uma pol<strong>em</strong>ização gratuita contra outros autores.A crítica é concebida por alguns escritores como o agente menos <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>dordo campo. O <strong>de</strong>scrédito é uma característica <strong>de</strong>la na cena atual, se consi<strong>de</strong>rarmos queseja ela qu<strong>em</strong> influencia o sucesso ou o insucesso <strong>de</strong> muitas obras, autores e editoras.Tânia Pellegrini 19 afirma que exist<strong>em</strong> basicamente dois tipos <strong>de</strong> crítica: a especializadaou acadêmica e a jornalística. A primeira, <strong>de</strong> acordo com a pesquisadora, funciona comomecanismo <strong>de</strong> seleção e hierarquização da literatura, enquanto a segunda t<strong>em</strong> comoobjetivo “reduzido” fazer propaganda <strong>de</strong> novos produtos. “S<strong>em</strong> saber exatamente qual oseu lugar, pois esse realmente está <strong>em</strong> processo <strong>de</strong> re<strong>de</strong>finição, ela [a crítica jornalística]vai assumindo, ao longo do período, um papel cada vez maior <strong>de</strong> divulgação pura esimples” 20 . As relações com os <strong>de</strong>mais agentes do grupo segu<strong>em</strong> a mesma linha: se aativida<strong>de</strong> da crítica se resume à divulgação, será essa crítica procurada por aquelasesferas que já têm interesses b<strong>em</strong> <strong>de</strong>finidos. Bourdieu, ao <strong>de</strong>senhar o cenário literário daEuropa na ascensão da burguesia, nos relata que os diretores <strong>de</strong> jornais,19 Pellegrini, “O mercado”.20 I<strong>de</strong>m, p. 163.29


freqüentadores assíduos <strong>de</strong> todos os salões, íntimos dos dirigentes políticos, são personagensaduladas, que ninguém ousa <strong>de</strong>safiar, especialmente entre os escritores e os artistas quesab<strong>em</strong> que um artigo <strong>em</strong> La Presse ou Le Figaro cria uma reputação e abre um futuro 21 .No campo brasileiro atual, as práticas são b<strong>em</strong> s<strong>em</strong>elhantes. E, sendo as regrasobscuras, como falamos anteriormente, pouco se po<strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plificar <strong>de</strong>ssas relações. Éraro, como ocorre com a matéria mencionada da Folha, que tenhamos ex<strong>em</strong>plos <strong>de</strong> críticacontrária a <strong>de</strong>terminada obra ou <strong>em</strong>presa e que não passe <strong>de</strong> tentativa <strong>de</strong> pol<strong>em</strong>izar, pura esimplesmente pela base calcada na tradição literária, como é o caso das citadas matériasda revista Veja. Pellegrini afirma que com o crescimento editorial nos anos 1980 nãohouve estímulo à reflexão crítica sobre as publicações e sobre o mercado. “Muito pelocontrário, pois o interesse é ven<strong>de</strong>r livros e não analisá-los”, enfatiza. O estímulo,segundo ela, se <strong>de</strong>u na ampliação do espaço para a literatura na imprensa, por meio <strong>de</strong>“notícias, resenhas, colunas, comentários (muitas vezes negociativos)” 22 .A pesquisadora também discute as questionáveis listas s<strong>em</strong>anais <strong>de</strong> maisvendidos, que viraram seção <strong>em</strong> diversos veículos <strong>de</strong> comunicação. Nelas, normalmentedivididas entre “ficção”, “não-ficção” e “auto-ajuda”, figuram os nomes dos livros e <strong>de</strong>seus autores mais vendidos naquele período <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po. É preciso perguntar <strong>de</strong> on<strong>de</strong>sa<strong>em</strong> dados tão precisos e resultados <strong>de</strong> apuração t<strong>em</strong>pestivos, já que esses números<strong>de</strong>veriam se originar das vendas das livrarias, corroborados pelas editoras edistribuidores, o que <strong>de</strong>manda t<strong>em</strong>po, análise etc., quando o que po<strong>de</strong>mos inferir <strong>de</strong>ssarealida<strong>de</strong> é que os dados po<strong>de</strong>m resultar <strong>de</strong> <strong>de</strong>dução ou ser <strong>de</strong> fato maquiados porquenão existe fiscalização. Note-se, por ex<strong>em</strong>plo, que as listas se diferenciam (algumasvezes bastante) umas das outras, o que nos faz concluir que pelo menos as fontespesquisadas são distintas. Outro ponto importante a ser discutido é a relação quasedireta que se faz entre “mais vendidos” e “mais lidos”. Nesse ambiente, as conclusõesda crítica especializada ou dos comentadores tratam os termos b<strong>em</strong> distintos comosinônimos e exclu<strong>em</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discussão. Para o leitor, que esten<strong>de</strong> o olhar dalista para as matérias e resenhas <strong>em</strong> volta, às vezes na mesma página, a aproximação étambém muito facilitada: se é mais vendido, está sendo mais lido, mais discutido. Daípara que nasça mais um consumidor apenas uma opinião positiva a respeito vai bastar.Esse é o princípio do reforço tão utilizado na criação e consolidação da imag<strong>em</strong> <strong>em</strong>campanhas eleitorais por <strong>em</strong>presas publicitárias.21 Bourdieu, op. cit, pp. 69-70.22 Pellegrini, op. cit, p. 168.30


Como continuida<strong>de</strong> do que fez Pellegrini, t<strong>em</strong>os que consi<strong>de</strong>rar que exist<strong>em</strong>diferenças entre crítica especializada e crítica acadêmica. Elas têm muito <strong>em</strong> comum, s<strong>em</strong>isturam, mas, <strong>de</strong> modo geral, não abordam os mesmos objetos e não se dirig<strong>em</strong> aomesmo público. Grosso modo, po<strong>de</strong>mos dizer que a primeira é aquela <strong>de</strong>senvolvida porrevistas literárias, sites e blogs que tratam exclusivamente do assunto, críticas <strong>de</strong>escritores “da ativa”, <strong>de</strong>bates promovidos por instituições incentivadoras etc. A segundapo<strong>de</strong> ser restringida aos trabalhos acadêmicos ou universitários (algumas vezespublicados <strong>em</strong> revistas especializadas, outras <strong>em</strong> revistas acadêmicas <strong>de</strong> fato) e os<strong>de</strong>bates, fóruns, congressos promovidos para esse fim, no âmbito das universida<strong>de</strong>s,além, é claro, das aulas propriamente ditas e das pesquisas <strong>de</strong>senvolvidas. A críticaacadêmica e a especializada se diferenciam da jornalística primeiramente porque tratamexclusivamente <strong>de</strong> literatura, o que automaticamente as torna mais “legítimas” do que asveiculadas <strong>em</strong> jornais.A crítica acadêmica, se pu<strong>de</strong>rmos resumir ou simplificar, é, salvo raras exceções,ainda muito voltada ao estudo dos textos canônicos, o que lhe confere uma auratradicionalista. Em pesquisa realizada <strong>em</strong> 1998, Marcelo Larroyed levantou e analisou1.283 teses <strong>de</strong> doutorado e dissertações <strong>de</strong> mestrado <strong>de</strong> <strong>de</strong>z universida<strong>de</strong>s brasileiras. Opesquisador constatou que, nas teses <strong>de</strong>fendidas <strong>de</strong> 1970 a 1996, alguns autores foramestudados com mais freqüência, como Machado <strong>de</strong> Assis, Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, ClariceLispector, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa. Os já consagrados ten<strong>de</strong>m a ser osobjetos mais procurados, enquanto escritores pouco conhecidos do gran<strong>de</strong> público ou oscont<strong>em</strong>porâneos são rarida<strong>de</strong> no levantamento do pesquisador. E o resultado disso é acontribuição para a formação <strong>de</strong> um cânone cada vez menos transitório. Larroyed nosdiz que “o estudioso, mediante o afastamento, transforma o que toca <strong>em</strong> materialsagrado, processo criador <strong>de</strong> ícones laicos (como a Mona Lisa) e religiosos (como oSanto Sudário), quando a mitificação e o isolamento dos artefatos produz valor” 23 .E os estudos ten<strong>de</strong>m a ser aprofundados, pois vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> leituras psicológicas <strong>de</strong>personagens e autores até interpretações milimétricas <strong>de</strong> sentidos e formas <strong>em</strong>romances, contos, po<strong>em</strong>as etc. A abordag<strong>em</strong> <strong>de</strong> cont<strong>em</strong>porâneos, como diss<strong>em</strong>os, émuito rara, até porque essa crítica, que também po<strong>de</strong> ser adjetivada com “científica”,t<strong>em</strong> necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se calcar <strong>em</strong> algo acabado. E, estando a literatura brasileira atual <strong>em</strong>plena mutação, ela se torna objeto pouco visitado. Também persiste, e talvez esse seja o23 Larroyed, A literatura <strong>em</strong> teses: caminhos e <strong>de</strong>scaminhos da pesquisa no Brasil (1970/1996), p. 47.31


forte <strong>de</strong>ssa crítica, o <strong>em</strong>basamento <strong>em</strong> visões tradicionais que confer<strong>em</strong> à literatura ostatus <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> arte e, <strong>em</strong> conseqüência, serv<strong>em</strong> <strong>de</strong> justificativa para afastar os textosatuais por motivo <strong>de</strong> sua vinculação direta, e às vezes <strong>de</strong>liberada, com o mercado. Estetrabalho preten<strong>de</strong> se inscrever entre as exceções que vêm crescendo.É importante observar que, até hoje, os cursos <strong>de</strong> letras foram responsáveis pelaformação <strong>de</strong> críticos literários, professores e leitores, mas não <strong>de</strong> escritores. No âmbitoda pesquisa, os estudos críticos são aprofundados por meio até <strong>de</strong> intercâmbio <strong>de</strong> teorias<strong>de</strong>senvolvidas por outras áreas, como sociologia, antropologia, comunicação epsicologia. Mas se há algum investimento na formação <strong>de</strong> escritores, as iniciativas sãoraras. A Universida<strong>de</strong> do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, <strong>de</strong> São Leopoldo-RS,lançou <strong>em</strong> 2006 um curso <strong>de</strong> graduação chamado “Formação <strong>de</strong> escritores e agentesliterários”, coor<strong>de</strong>nado pelo poeta Fabrício Carpinejar. O objetivo do curso, conforme<strong>em</strong>enta, é “formar escritores e agentes literários <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>dores e inovadores, comdomínio das técnicas <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> e mídia, além <strong>de</strong> uma sólida formação intelectualpara interpretar o mundo, a tradição e a socieda<strong>de</strong>”. Perceb<strong>em</strong>os <strong>de</strong> imediato que o focoestá na literatura cont<strong>em</strong>porânea, nas suas relações com os meios <strong>de</strong> comunicação. E ainstituição promete: “o escritor formado na Unisinos terá capacida<strong>de</strong> para criar,formular livros e mediar entre diferentes públicos, planejar negócios e <strong>de</strong>senvolverprodutos nas diversas áreas do mercado editorial e do cenário cultural”. Ainda é muitocedo para <strong>em</strong>itirmos parecer a respeito da iniciativa, mas já po<strong>de</strong>mos prever que o cursoseguirá uma linha que visa à profissionalização do escritor e que isso po<strong>de</strong>rá influenciaros rumos da abordag<strong>em</strong> acadêmica da literatura. A Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Campinas, por suavez, oferece o curso “<strong>Estudos</strong> literários”, que prevê a formação <strong>de</strong> profissionaisespecializados <strong>em</strong> literatura: docentes, críticos literários e também <strong>de</strong> escritores. Hácerta vinculação com a produção da área <strong>de</strong> comunicação, mas o foco do programa docurso é o texto literário.De volta à questão da crítica, observamos que a especializada é, <strong>em</strong> si, muitodiversificada. Têm espaço nela tanto os textos clássicos quanto os cont<strong>em</strong>porâneos. Atéporque, muitos dos componentes da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> são os mesmos que faz<strong>em</strong> críticacont<strong>em</strong>porânea. Se não, estão ao menos bastante ligados ao que se produz hoje, sejapara elogiar, para apontar probl<strong>em</strong>as ou para discutir, apenas. A revista <strong>Literatura</strong>, porex<strong>em</strong>plo, fundada pelo escritor cearense Nilto Maciel, que t<strong>em</strong> <strong>de</strong>zoito livros publicadosmas é pouco conhecido do gran<strong>de</strong> público, circula s<strong>em</strong>estralmente há cerca <strong>de</strong> 15 anos,com resenhas e artigos, produzidos por e a respeito <strong>de</strong> escritores pouco prestigiados,32


além <strong>de</strong> contos, po<strong>em</strong>as e outros textos. Não é comercializada, mas chega às mãos <strong>de</strong>qu<strong>em</strong> interessa, escritores, editores, críticos especializados. O jornal Rascunho é outroex<strong>em</strong>plo: vive <strong>de</strong> poucos anunciantes e <strong>de</strong> assinaturas feitas por estudantes, professores,escritores, editores, críticos etc.Sites e blogs são espaços novos e já b<strong>em</strong> utilizados para a crítica literária. Arespeito <strong>de</strong>les, <strong>de</strong>dicar<strong>em</strong>os um subcapítulo, quando serão discutidas as diversasestratégias que <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong> e Alessandro Buzo usam para interagir com o ambienteliterário atual. É importante, entretanto, ressaltarmos que esses espaços virtuaisampliaram as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> leitura e crítica <strong>de</strong> textos literários, principalmenteacerca dos mais atuais. São o modo mais rápido e barato <strong>de</strong> publicar opiniões, críticas etextos literários. Um s<strong>em</strong>-número <strong>de</strong> revistas eletrônicas, sites para download <strong>de</strong> livros,sites que abrigam ensaios, críticas (especializadas ou não), resenhas ou ainda quedivulgam a produção <strong>de</strong> novos autores, além das versões eletrônicas dos ca<strong>de</strong>rnosculturais dos veículos impressos, está disponível para consulta <strong>de</strong> leitores e produtores.Eles são responsáveis, hoje, por uma circulação importante (não contabilizada e talveznão contabilizável) do que se produz e do que se comenta no cenário literário brasileiro.O diferencial <strong>de</strong>sses espaços está justamente na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> expandir a crítica paraaqueles que não estão completamente envolvidos com o cenário. S<strong>em</strong> quererhierarquizar as modalida<strong>de</strong>s críticas sobre as quais falamos, se esta é a menosespecializada, é também, e talvez por isso mesmo, a mais <strong>de</strong>mocrática. Qualquerinteressado dotado <strong>de</strong> computador com internet po<strong>de</strong> publicar seus comentários arespeito <strong>de</strong> uma obra literária – como também a respeito do que mais for passível <strong>de</strong>crítica. A questão do público para esse tipo <strong>de</strong> espaço e mesmo da crítica que já se faz arespeito <strong>de</strong>ssas manifestações será mais aprofundada no segundo capítulo.1.3.1 O <strong>de</strong>leite da inserçãoFormou-se sobre o cenário literário brasileiro e sobre as figuras humanas quetransitam no grupo um imaginário que é o próprio sustentador do mercado editorial. Oestilo <strong>de</strong> vida dos literatos é, constant<strong>em</strong>ente, motivo para o envolvimento dos novosescritores. A imag<strong>em</strong> subversiva po<strong>de</strong> ser atraente para os “vocacionados”. O mesmoacontece com os leitores que supõ<strong>em</strong> viver, por meio dos livros, as histórias resultantesdas experiências <strong>de</strong> uma figura muito distinta das pessoas comuns: o artista.A socieda<strong>de</strong> dos artistas é, <strong>em</strong> si, uma consolidação muito b<strong>em</strong> estruturada,capaz <strong>de</strong> agregar imag<strong>em</strong> e valor ao produto-livro (o objeto que congrega história,33


enredo, catarse, magia, mas também autor, editora, estilo <strong>de</strong> vida etc.). E ela, <strong>de</strong> acordocom Bourdieu, não “é apenas o laboratório on<strong>de</strong> se inventa essa arte <strong>de</strong> viver muitoparticular que é o estilo <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> artista, dimensão fundamental da <strong>em</strong>presa <strong>de</strong> criaçãoartística. Uma <strong>de</strong> suas funções principais, e no entanto s<strong>em</strong>pre ignorada, é ser para simesma seu próprio mercado”. Como esboçamos acima, ela “oferece às audácias e àstransgressões que os escritores e os artistas introduz<strong>em</strong>, não apenas <strong>em</strong> suas obras, mastambém <strong>em</strong> sua existência, ela própria concebida como uma obra <strong>de</strong> arte, a acolhidamais favorável, mais compreensiva” 24 .Em sua reflexão, o sociólogo francês retoma a questão da gratificação simbólica,que acaba sendo construída, <strong>em</strong> parte, por esse “universo transgressor” tão arraigado àfigura romântica do escritor:as sanções <strong>de</strong>sse mercado privilegiado, se não se manifestam <strong>em</strong> dinheiro vivo, têmpelo menos por virtu<strong>de</strong> assegurar uma forma <strong>de</strong> reconhecimento social ao que <strong>de</strong> outromodo aparece (ou seja, a outros grupos) como um <strong>de</strong>safio ao senso comum. A revoluçãocultural nascida <strong>de</strong>sse mundo às avessas que é o campo literário e artístico só pô<strong>de</strong> serb<strong>em</strong>-sucedida porque os gran<strong>de</strong>s heresiarcas podiam contar, <strong>em</strong> sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>subverter todos os princípios <strong>de</strong> visão e <strong>de</strong> divisão, se não com o apoio, pelo menos coma atenção <strong>de</strong> todos aqueles que, ao entrar no universo da arte <strong>em</strong> via <strong>de</strong> constituição,haviam tacitamente aceito a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que aí tudo fosse possível. 25Se essa gratificação é recompensadora para o artista, isso se dá porque, além darecompensa financeira que mais cedo ou mais tar<strong>de</strong> acaba por acontecer, ele ganha,junto ao público, o status diferenciado, às vezes aproximado da imag<strong>em</strong> clássica <strong>de</strong>herói e, simbolicamente, sai do patamar dos mortais para partilhar as benesses doOlimpo: o culto, a imortalida<strong>de</strong>, entre outros. E não é à toa que os literatos que ocupamum lugar na Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras – ABL, que instituiu a imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> “imortal”para seus confra<strong>de</strong>s, sejam ro<strong>de</strong>ados <strong>de</strong> glamour. É preciso consi<strong>de</strong>rar que o grupo <strong>de</strong>que tratamos almeja, sim, o sucesso, mas se <strong>de</strong>clara mais crítico frente às pompas algoirreais, como os rituais e a imag<strong>em</strong> da ABL.Pellegrini, mais voltada ao ambiente brasileiro, chega a falar <strong>em</strong> “marcaliterária”, termo que toma <strong>em</strong>prestado <strong>de</strong> Angel Rama. Essa marca, queautomaticamente vinculamos ao conceito publicitário (símbolo que representainformações sobre um produto ou uma <strong>em</strong>presa), se estabelece a partir <strong>de</strong> um sist<strong>em</strong>acircular que envolve autores, editoras e divulgação. “O conhecido é o mais famoso e,24 Bourdieu, op. cit, p. 75.25 Id. Ibid.34


portanto, t<strong>em</strong> mais sucesso” 26 , ao que completamos: e ven<strong>de</strong> mais. Por trás <strong>de</strong>ssa marca,a pesquisadora continua, está a figura do escritor, pela qual o leitor s<strong>em</strong>pre nutrecuriosida<strong>de</strong>. “Nunca a imag<strong>em</strong> do escritor foi tão importante: veiculada pela imprensa e<strong>em</strong> menor escala pela mídia, chega a substituir a importância da própria obra” 27 .1.3.2 Editoras: comércio ou engajamento?El<strong>em</strong>entos também polêmicos da cena literária cont<strong>em</strong>porânea, as editoras sãodivididas, grosso modo, <strong>em</strong> gran<strong>de</strong>s e pequenas e têm, além <strong>de</strong> autores e públicosdistintos, objetivos diferentes. Nos anos 1970, conforme Flamarion Silva, registrou-segran<strong>de</strong> crescimento na produção <strong>de</strong> livros e o maior surgimento ou revitalização <strong>de</strong>editoras engajadas, com objetivos políticos e i<strong>de</strong>ológicos 28 . O motivo é a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>se fazer frente ao cenário repressor da época, caracterizado pela Ditadura Militar. Hoje,quando po<strong>de</strong> parecer um <strong>de</strong>spropósito esperar um boom <strong>de</strong> tais manifestações <strong>de</strong>engajamento, verifica-se a existência <strong>de</strong> <strong>em</strong>presas que trabalham exclusivamente com<strong>de</strong>terminados t<strong>em</strong>as. E muitos <strong>de</strong>sses t<strong>em</strong>as são resultados dos já b<strong>em</strong> estruturadosmovimentos sociais (contra o racismo, <strong>em</strong> favor da causa homossexual etc.), tãopresentes na atualida<strong>de</strong>. Elas são minoria e po<strong>de</strong>m ser classificadas como pequenas.Também figuram entre as pequenas aquelas que têm pouco faturamento mas que aindavão crescer (ou ao menos preten<strong>de</strong>m) e aquelas, também engajadas, que têm pretensões<strong>de</strong> trabalhar com autores ou t<strong>em</strong>as que não se aliam com as gran<strong>de</strong>s.As gran<strong>de</strong>s, por sua vez, têm status <strong>de</strong> <strong>em</strong>presas com consi<strong>de</strong>rável volume <strong>de</strong>produtos, funcionários, capital movimentado, patrimônio, faturamento. Algumas dispõ<strong>em</strong><strong>de</strong> gráficas internamente, o que as faz auto-suficientes por não necessitar<strong>em</strong> <strong>de</strong> relaçõescomerciais <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência com as indústrias gráficas. São responsáveis pela parceladominante do mercado, são as que têm mais livros <strong>em</strong> circulação, o maior número <strong>de</strong>autores contratados etc. Entre elas, se <strong>de</strong>stacam as que trabalham com livros didáticos,principalmente quando contratadas pelo Governo Fe<strong>de</strong>ral para produção e distribuição <strong>de</strong>livros <strong>em</strong> escolas públicas (esses respon<strong>de</strong>m por cerca <strong>de</strong> 80% das vendas <strong>de</strong> livros nopaís, <strong>de</strong> acordo com Earp e Korni 29 ).Laura Bacellar divi<strong>de</strong> as editoras entre comerciais e prestadoras <strong>de</strong> serviço. Oseditores que prestam serviço, ela nos diz, “faz<strong>em</strong> tudo o que você <strong>de</strong>seja, porque os seus26 Pellegrini, op. cit., p. 173.27 Id. Ibid.28 Cf. Silva, Editoras <strong>de</strong> oposição no período da abertura (1974-1985): negócio e política.29 Earp e Korni, A economia da ca<strong>de</strong>ia produtiva do livro, p. 35.35


ganhos provém <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r os serviços <strong>de</strong> diagramação e impressão. Isso quer dizer queeles não avaliam os originais n<strong>em</strong> têm qualquer envolvimento com as vendas do livro,apenas transformam o original que você entrega no objeto livro” 30 . Já a editoracomercial “funciona <strong>de</strong> outro modo, assumindo os riscos (entenda custos) dapublicação. Isso quer dizer que há todo um processo <strong>de</strong> escolha, uma vez que os ganhosdo editor comercial provêm da venda dos livros” 31 .Como as comerciais requer<strong>em</strong> uma estrutura financeira robusta, po<strong>de</strong>mos inferirque dificilmente as editoras pequenas serão comerciais. Mas chega a ser comum qu<strong>em</strong>istur<strong>em</strong> aspectos comerciais e <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços. Algumas não arcam comtodos os custos, mas oferec<strong>em</strong> o suporte necessário para que o autor seja atendido(revisão, diagramação dos originais etc.), ficando o escritor com a responsabilida<strong>de</strong> porparte do investimento financeiro e pelas vendas e divulgação. Outras, apesar <strong>de</strong>pequenas, trabalham como as comerciais, com uma diferença: se limitam apouquíssimos autores ou títulos. A <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> foi majoritariamente publicada porpequenas editoras, ou pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> publicar, mesmo pagando, o que b<strong>em</strong><strong>de</strong>sejasse ou por enxergar nelas uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ingresso, ainda que o objetivomaior seja figurar entre gran<strong>de</strong>s nomes da literatura. <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>, conformever<strong>em</strong>os adiante, começou <strong>em</strong> editoras pequenas, primeiro financiando inteiramente aobra, <strong>de</strong>pois numa editora que investe <strong>em</strong> novos nomes. Hoje, t<strong>em</strong> um livro <strong>de</strong> contospublicado pela Record, consi<strong>de</strong>rada uma das três maiores <strong>em</strong>presas do ramo naatualida<strong>de</strong>, e um romance <strong>em</strong> andamento, encomendado pela mesma editora.Diante <strong>de</strong>sse quadro, po<strong>de</strong>mos até supor que não exista um regimento seguido àrisca por editores e escritores quando o objetivo é publicar, mas ten<strong>de</strong>mos a acreditarque as regras que reg<strong>em</strong> o comportamento <strong>de</strong> editoras e escritores, nessa relação qu<strong>em</strong>istura comércio e engajamento, estão <strong>de</strong> algum modo muito claras para os agentesenvolvidos. É o que também se espera das editoras, <strong>em</strong>presas que são: clareza nãoapenas na eleição dos publicáveis, mas também <strong>em</strong> todas as suas ativida<strong>de</strong>s internasperante o público consumidor. A realida<strong>de</strong> não correspon<strong>de</strong> a isso e diversas estratégiasobscuras são utilizadas para garantir compradores.Matéria <strong>de</strong> capa da Ilustrada, ca<strong>de</strong>rno cultural da Folha <strong>de</strong> S. Paulo, <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong>março <strong>de</strong> 2006, <strong>de</strong>nunciou uma prática muito comum que envolve livrarias e editoras.Com a frase “Livrarias cobram para dar <strong>de</strong>staque nas vitrines” como manchete, o texto30 Bacellar, op. cit., p. 79.31 Id. Ibid.36


já é iniciado com a seguinte informação: “O consumidor não é informado, algunseditores e livreiros negam ou <strong>de</strong>sconversam, mas a verda<strong>de</strong> é que o <strong>de</strong>staque dado amuitos livros <strong>em</strong> vitrines ou no interior <strong>de</strong> algumas gran<strong>de</strong>s livrarias é comprado”.Ouvida pela reportag<strong>em</strong>, a assessoria <strong>de</strong> imprensa da Rocco negou: “Não existe nadadisso”. Já Ivo Camargo, diretor <strong>de</strong> vendas da Ediouro, confirmou: “Todas faz<strong>em</strong> isso”.Gran<strong>de</strong>s livrarias, como Saraiva, Fnac e Cultura, “estabelec<strong>em</strong> preços para colocarlivros <strong>em</strong> <strong>de</strong>staque”. A prática, afirma o texto, não é ilegal, mas também não éexplicitada para os consumidores. Representantes <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s livrarias explicaramalguns procedimentos.Sérgio Herz, diretor da Livraria Cultura, que cobra R$ <strong>90</strong>0 por cerca <strong>de</strong> 1m <strong>de</strong> vitrine(por loja durante 15 dias, envolvendo até <strong>de</strong>z títulos <strong>de</strong> uma mesma editora), afirma queo espaço vendido é minoritário <strong>em</strong> relação ao <strong>de</strong>stinado à indicação editorial da re<strong>de</strong>.“Se 15% for<strong>em</strong> comercializados, é muito”, ele diz. “Não é toda a vitrine. Nós separamospartes da vitrine, senão a livraria fica s<strong>em</strong> liberda<strong>de</strong>”. 32Uma opinião <strong>de</strong> representante <strong>de</strong> <strong>em</strong>presa <strong>de</strong> pequeno porte faz contraponto ànaturalida<strong>de</strong> com que o procedimento é efetivado e recebido. Ivana Jinkings, editora daBoit<strong>em</strong>po, consi<strong>de</strong>ra que essa prática “é in<strong>de</strong>fensável, sob qualquer aspecto. É umcontra-mo<strong>de</strong>lo, a não ser seguido, pois trata o livro como uma mercadoria entre outras”.E o probl<strong>em</strong>a, para ela, não se restringe ao tratamento mercadológico dado ao livro, que,convenhamos, trata-se sim <strong>de</strong> um produto, mas também à falta <strong>de</strong> clareza, o que tornafrágil a credibilida<strong>de</strong> do setor. O fato é que ven<strong>de</strong>r espaços na vitrine revela que aescolha dos <strong>de</strong>staques não se dá <strong>de</strong> acordo com a “qualida<strong>de</strong>” do livro, como se costumaanunciar, mas por aquele que melhor pagou para aparecer. O espaço da vitrine <strong>de</strong>ixa,assim, <strong>de</strong> ser apenas uma mostra variada do que o estabelecimento oferece aoconsumidor para se configurar <strong>em</strong> espaço publicitário.Outra matéria, também capa da Ilustrada da Folha, <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2006,transforma <strong>em</strong> fatos as discrepâncias que põ<strong>em</strong> <strong>em</strong> risco a credibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que falamose revela alguns casos <strong>de</strong> divulgação <strong>de</strong> números incorretos como estratégia <strong>de</strong>marketing. O título, “Contas mágicas”, e os subtítulos, “Falta credibilida<strong>de</strong> às cifras domercado editorial do Brasil” e “Editora Record admite que no passado dobravaartificialmente as vendas <strong>de</strong> seus títulos para fazer marketing – era o chamado ‘fator2’”, já dão uma noção do que será discutido na matéria. Carlos Augusto Lacerda, daeditora Nova Fronteira, foi ouvido pela reportag<strong>em</strong> e <strong>de</strong>clarou: “há qu<strong>em</strong> diga que no32 Carielo et al, “Livrarias cobram para dar <strong>de</strong>staque nas vitrines”, p. E1.37


mercado editorial não há tirag<strong>em</strong>, há mentirag<strong>em</strong>, mas isso é piada. Esses números nãoafetam a lista <strong>de</strong> mais vendidos, afetam o espírito do livreiro e do leitor, que enxergamna tirag<strong>em</strong> divulgada uma certidão do tamanho da aposta editorial, do potencial <strong>de</strong>vendas e <strong>de</strong> leitura”. A diretora Luciana Villas-Boas, da Record, que divulgava <strong>em</strong> 1992que a obra <strong>de</strong> Graciliano Ramos até então havia vendido 5 milhões <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plares e quehoje divulga que esse número não passa <strong>de</strong> 3,5 milhões, revelou:Quando comecei a trabalhar na Record, <strong>em</strong> 1995, via que apareciam na imprensanúmeros <strong>de</strong> venda <strong>de</strong> nossos livros muito diferentes daqueles que eu conheciainternamente. Fui indagar, e me disseram: “Você não sabe do fator 2? É usado por todaa indústria editorial”. E isso significava duplicar todos os números para efeito <strong>de</strong>divulgação. Naquela época, particularmente, os números da indústria editorial erammelancólicos. Pedi que isso não fosse mais feito, o que aconteceu. 33Outros gran<strong>de</strong>s editores afirmaram à Folha não conhecer o “fator 2”, masreconheceram a <strong>de</strong>sorganização dos números <strong>de</strong>sse mercado. Paulo Rocco, presi<strong>de</strong>ntedo Sindicato Nacional dos Editores <strong>de</strong> Livros – SNEL e dono <strong>de</strong> uma das maioreseditoras nacionais, a Rocco, <strong>de</strong>clarou que vê alguns números exagerados e consi<strong>de</strong>ra aprática con<strong>de</strong>nável. “Não sei se seria o caso <strong>de</strong> uma ação policialesca, mas <strong>de</strong>conscientização”, concluiu.A matéria levanta outras dúvidas: uma <strong>de</strong>las é sobre a alteração do número daedição impresso na capa do livro, s<strong>em</strong> que outra tirag<strong>em</strong> tenha sido feita; a outra é umasuspeita confirmada <strong>de</strong> que não há, a reportag<strong>em</strong> afirma isso, auditoria interna ouexterna que fiscalize os dados divulgados.Com relação às avaliações do mercado, a que o jornal <strong>de</strong>dica um box, constatouseque há discrepâncias também: “a última pesquisa divulgada pela Câmara Brasileirado Livro e SNEL aponta que o faturamento das editoras subiu <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> R$ <strong>90</strong>2milhões <strong>em</strong> 1991 para quase R$ 2,5 bilhões <strong>em</strong> 2004. Já um estudo do BNDES diz queentre 1995 e 2003 o faturamento diminuiu 48%”. A respeito disso, comenta oeconomista Fábio Sá Earp, da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro, co-autor do livroque divulga e analisa os dados levantados pelo BNDES, que a metodologia utilizada porCBL/SNEL é equivocada. “Eles usam reais correntes, inflacionados, e eu <strong>de</strong>flaciono,operando com o valor real do real. Trabalhar com valores correntes <strong>em</strong> uma sériehistórica é um equívoco que nossos alunos <strong>de</strong> ciclo básico apren<strong>de</strong>m a não cometer”,explica.33 Simões, “Contas mágicas”, p. E1.38


Outras instituições funcionam b<strong>em</strong> articuladas no mercado editorial e noambiente literário. Algumas <strong>de</strong>las passam longe <strong>de</strong> uma visão capitalista típica dainiciativa privada (são as ONGs, associações, fundações, institutos). Também há as<strong>em</strong>presas que atuam <strong>em</strong> diversos setores e que direcionam seus investimentos <strong>em</strong> ações<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> social para o incentivo à literatura.São ex<strong>em</strong>plos <strong>de</strong>sses incentivos os concursos e prêmios literários. Não existe,por parte do Governo Fe<strong>de</strong>ral, um controle <strong>de</strong> lançamento <strong>de</strong> concursos, mas umapesquisa simples, <strong>em</strong> sites especializados <strong>em</strong> literatura, estima que existam pelo menosvinte concursos <strong>em</strong> andamento. Nesse levantamento muitos certames, principalmente osestaduais e municipais, ficam <strong>de</strong> fora. Entre os nacionais mais importantes, estão oPrêmio Jabuti <strong>de</strong> <strong>Literatura</strong>, promovido pela CBL, e o Portugal Telecom <strong>de</strong> <strong>Literatura</strong>Brasileira. Os concursos cumpr<strong>em</strong> mais ou menos as mesmas etapas: inscrição,avaliação por uma comissão <strong>de</strong> jurados (normalmente escritores e críticos), divulgaçãodos resultados e pr<strong>em</strong>iação. Os critérios raramente são explicitados e quando o sãorevelam a inevitável pouca objetivida<strong>de</strong>. O it<strong>em</strong> 6.3 do edital do concurso “Era umavez...”, que pr<strong>em</strong>iou <strong>em</strong> 2002 contos escritos por idosos, é um ex<strong>em</strong>plo: “aavaliação/seleção dos Contos obe<strong>de</strong>cerá os seguintes critérios: expressivida<strong>de</strong> eatualida<strong>de</strong> da obra” 34 . Avaliar atualida<strong>de</strong> é até possível, mas expressivida<strong>de</strong> é umconceito bastante subjetivo. Também é comum editais já trazer<strong>em</strong> explícita ainformação <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>cisão do júri é irrecorrível. De modo geral, há prêmios <strong>em</strong>dinheiro e/ou publicação dos textos escolhidos. A participação costuma ser gran<strong>de</strong>. No1° Concurso Gu<strong>em</strong>anisse <strong>de</strong> Minicontos e Haicais, realizado pela Editora Gu<strong>em</strong>anisse<strong>em</strong> 2006, foram registrados 1.112 minicontos inscritos, <strong>em</strong> todo o país.Também <strong>em</strong> 2006, a primeira edição do Prêmio VivaLeitura, promovido pelosministérios da Educação e da Cultura, registrou mais <strong>de</strong> três mil trabalhos inscritos. Ofoco eram os projetos que visass<strong>em</strong> à <strong>de</strong>mocratização do acesso à leitura e também aofomento <strong>de</strong> criações literárias.Ao prêmio Portugal Telecom concorriam, até a edição <strong>de</strong> 2006, todos os livrospublicados no ano do certame. Entretanto, esse número nunca abrangeu <strong>de</strong> fato todas aspublicações; ele era levantado a partir <strong>de</strong> uma lista inicial, à qual eram incorporadas asque os jurados tinham l<strong>em</strong>brança. Ou seja, era s<strong>em</strong>pre b<strong>em</strong> provável que finalistas e34 Edital <strong>de</strong> Concurso 001/2002, Diário Oficial do Município <strong>de</strong> Belo Horizonte Ano VIII - Nº: 1.759 – 30<strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2002.39


vencedores foss<strong>em</strong> aqueles já conhecidos ou que tivess<strong>em</strong> <strong>de</strong>staque <strong>em</strong> gran<strong>de</strong>seditoras. Na edição <strong>de</strong> 2007, o concurso abriu inscrições para livros cuja primeiraedição tenha se dado <strong>em</strong> 2006. No Jabuti, <strong>em</strong> sua 48ª edição, foram mais <strong>de</strong> dois millivros inscritos <strong>de</strong> todo o país.Dada a atualida<strong>de</strong>, é perceptível a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer afirmações precisas oufazer um <strong>de</strong>senho com linhas e <strong>de</strong>limitações claras, mas tentamos, neste capítulo, daruma cara ao campo literário brasileiro cont<strong>em</strong>porâneo. No próximo capítulo, falar<strong>em</strong>osda figura do escritor e <strong>de</strong> suas relações com outros agentes do campo.40


Capítulo II – O escritor e a discussão sobre a profissão41


“Quer<strong>em</strong> é ven<strong>de</strong>r utensílio doméstico a preço <strong>de</strong> arte, não o contrário”. A <strong>de</strong>claração,apresentada ao jornal Folha <strong>de</strong> S. Paulo, é do crítico <strong>de</strong> arte Rafael Campos Rocha erepresenta uma tentativa <strong>de</strong> resgate do valor exclusivamente estético das artes plásticas.O mesmo crítico diz que “a prática artística é complexa. Exige conhecimento tanto datradição quanto do contexto cont<strong>em</strong>porâneo cultural e artístico” 35 . Ora, qualquer leituramais crítica da história da arte faz com que reflitamos sobre questões como o acesso aoconsumo da arte e à sua produção, a hierarquização do que se produz e mesmo o que<strong>de</strong>ve ou não ter <strong>de</strong>staque <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminado t<strong>em</strong>po. Conhecer a tradição e acont<strong>em</strong>poraneida<strong>de</strong>, como prega Rocha, é conhecer um pedaço muito especial do que seproduziu e se produz. Aquilo que vingou e que t<strong>em</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque atualmente. Nãoconhec<strong>em</strong>os toda a arte produzida ao longo do t<strong>em</strong>po. E n<strong>em</strong> t<strong>em</strong>os como conhecê-la.Também não conhec<strong>em</strong>os tudo o que se chama <strong>de</strong> arte hoje e, se quiséss<strong>em</strong>os provocarpolêmica nessa discussão, perguntaríamos se diante disso esse “conhecimentonecessário” que Rocha cobra <strong>de</strong> artistas é suficiente e completo. Mas a discussão po<strong>de</strong>ser resolvida quando l<strong>em</strong>bramos que a história que conhec<strong>em</strong>os não é nada senão umadas diversas versões dos fatos. E isso vale igualmente para a história da arte.Volt<strong>em</strong>os à <strong>de</strong>claração inicial <strong>de</strong> Rocha. Quando diz, com tom reprovador, que oque quer<strong>em</strong> os artistas como Romero Britto 36 é ven<strong>de</strong>r utensílios domésticos –automaticamente somos levados a imaginar panos-<strong>de</strong>-prato, toalhas, lençóis, quadros<strong>de</strong>corativos, abajures etc. (que po<strong>de</strong>m até ser tratados como artesanato, se produzidospor pessoas <strong>de</strong> baixa renda, ou peças utilitárias <strong>de</strong> <strong>de</strong>coração) – a preços altíssimos, sópraticáveis no mercado <strong>de</strong> arte, refletimos: o preço da arte não é nada senão o própriodiferenciador <strong>de</strong> sua legitimida<strong>de</strong>. E é também, s<strong>em</strong> forçamos uma conclusão já óbvia,mais um fator <strong>de</strong> exclusão social. A <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> Rocha e <strong>de</strong> outros críticos ouvidospela reportag<strong>em</strong> revela uma forte leitura elitista que se têm <strong>de</strong> objetos culturais. Ar<strong>em</strong>issão à literatura foi feita pela própria equipe do jornal, na capa do ca<strong>de</strong>rno especial.A chamada, uma tarja acima da foto <strong>de</strong> Britto vestido com uma camisa estampada comalguns <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>senhos, é “O Paulo Coelho das artes”.A classificação <strong>de</strong>nota um ranço, uma leitura pejorativa, dirigida às referênciasdaqueles que enten<strong>de</strong>m <strong>de</strong> arte e <strong>de</strong> literatura (com L maiúsculo). Afinal, para alguns, oque Paulo Coelho produz está afastado do que se enten<strong>de</strong> por <strong>Literatura</strong>. Por que oranço? Exist<strong>em</strong> várias respostas possíveis, que variam <strong>de</strong> uma leitura mais tolerante, que35 Monachesi, “O nirvana pop”, pp. 4-6.36 Pernambucano, autor <strong>de</strong> painéis multicoloridos, que faz<strong>em</strong> sucesso nos Estados Unidos.42


leva <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração manifestações diferenciadas, até a que hierarquiza a arte e aliteratura, passando por aquela que distancia mercado e “genuínas” amostras artísticas.O fato é que essas leituras distintivas persist<strong>em</strong>. Existe uma necessida<strong>de</strong> muitob<strong>em</strong> alinhada com o mercado artístico <strong>de</strong> fazer valer a distinção. Se há a moda, o usual,<strong>de</strong>ve existir aquele objeto ou pessoa que se <strong>de</strong>staque, se distinga 37 . A exclusão é umadas conseqüências das características daquilo que se chama <strong>de</strong> arte: se o que faço é arte,aquilo que o outro faz não é. Um conceito complexo, pouco <strong>de</strong>batido ou assumido, masmuito b<strong>em</strong> aplicado quando há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> valorar um objeto <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong>outro. Essa discussão, iniciada no primeiro capítulo, não se encerra aqui. Foi resgatadapara tentarmos compreen<strong>de</strong>r agora a figura <strong>de</strong> um agente fundamental nas relaçõesexistentes no campo literário: o escritor.2.1 A explicação da inexplicável categorização literáriaQualquer leitura pragmática nos leva à conclusão <strong>de</strong> que escritor é aquele queescreve. Um jornalista, um tradutor, um roteirista, um estudante, uma pessoa comumque elabora sua lista <strong>de</strong> compras etc. E se esten<strong>de</strong>rmos o conceito para o seu uso, ouseja, ser lido e entendido, a relação <strong>de</strong> figuras competentes aumenta: o <strong>em</strong>pregadofaltoso que precisa convencer o chefe sobre a ausência do dia anterior, o ven<strong>de</strong>dor <strong>de</strong>verduras, com seu texto convincente, um pintor <strong>de</strong> placas <strong>de</strong> propaganda, entre tantosoutros. Mas não. Nossa consciência intelectual sabe discernir e apontar muito b<strong>em</strong> qu<strong>em</strong>é o escritor. Se é difícil objetivar o conceito s<strong>em</strong> ser “inclusivo” <strong>de</strong>mais, não éimpossível: escritor é aquele que escreve literatura. Uma matéria <strong>de</strong> jornal é literatura?E um fol<strong>de</strong>r <strong>de</strong> um produto bancário? E uma placa <strong>de</strong> trânsito? E as instruções <strong>de</strong> uso <strong>de</strong>um liquidificador? Sab<strong>em</strong>os que não. E não costuma haver pretensão <strong>de</strong> indagar sobre aessência <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada escrita. Apenas “sab<strong>em</strong>os” – apren<strong>de</strong>mos, absorv<strong>em</strong>os,concluímos – que não. É isso que po<strong>de</strong>mos chamar <strong>de</strong> consciência intelectual, algoaprendido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito cedo, se não nas relações familiares e posteriormente na escola<strong>de</strong> modo explícito, talvez nas entrelinhas <strong>de</strong>ssas e outras instâncias sociais. Sãopreconceitos e pré-conceitos, noções básicas <strong>de</strong> certo e errado, el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> formaçãodo gosto, entre outros. Alguns bastante ocultos, e até <strong>de</strong> inexplicável surgimento, masque serv<strong>em</strong> ao <strong>de</strong>senvolvimento psicológico e intelectual. Diríamos até que sãoimprescindíveis. É o próprio conceito <strong>de</strong> habitus, <strong>de</strong>senvolvido por Bourdieu, que,37 Cf. discussão <strong>de</strong> Pierre Bourdieu a esse respeito <strong>em</strong> “Cens et censure” e “Competence at incompetencestatutaires”.43


conforme o professor Luis Felipe Miguel, do Instituto <strong>de</strong> Ciência Política daUniversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, consiste <strong>em</strong>:conjunto das disposições/formas como os indivíduos enxergam o mundo e têmdisposições para a ação. Categorias através das quais v<strong>em</strong>os o mundo: t<strong>em</strong>po, língua,conceitos; enfim, categorias que estruturam as práticas. Os ‘ex<strong>em</strong>plos’ ratificam o quenos constrói. 38Mary Rangel trabalha a mesma questão, mas pela ótica da representação social.O po<strong>de</strong>r, a dominação e suas expressões simbólicas serv<strong>em</strong>, <strong>de</strong> acordo com o que aautora extrai do pensamento <strong>de</strong> Roger Chartier, como “pano <strong>de</strong> fundo” para acompreensão <strong>de</strong> processos que interfer<strong>em</strong> nas percepções, a configuração da realida<strong>de</strong>,conforme representada pelos grupos sociais, o que influi na constituição da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>grupal. É o ambiente simbólico e cultural contribuindo, ou mesmo <strong>de</strong>terminando, para aformação e o reforço do olhar individual sobre o mesmo ambiente.Volt<strong>em</strong>os à discussão da valoração. As perguntas se tornam mais difíceisquando são mais específicas: o que Paulo Coelho escreve é literatura? E Içami Tiba? EJ.K. Rowling? E Bruna Surfistinha? E Drauzio Varella? Ora, alguns críticosespecializados respon<strong>de</strong>riam para todas elas, muito automaticamente, que não. Algunsleitores <strong>de</strong>sses autores diriam s<strong>em</strong> sombra <strong>de</strong> dúvidas que sim. Entre esses dois gruposexiste um espaço <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> conceitos. Por ele, passam revistas, jornais e atéprofessores e, mais raramente, críticos. Os formadores do gosto. Certamente, no caso<strong>de</strong>sses autores citados, a conclusão mais convincente passa por duas idéias: a <strong>de</strong> queesses autores não primam pela qualida<strong>de</strong> (mais uma vez, bat<strong>em</strong>os <strong>de</strong> frente com aquestão do gosto, algo não objetivável) e a <strong>de</strong> que a vinculação com o mercado osexime da classificação <strong>de</strong> escritores. Afinal, <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os consi<strong>de</strong>rar que paira sobre afigura do escritor certa imag<strong>em</strong> romântica, ligada à marginalida<strong>de</strong>, ao sofrimento, à<strong>de</strong>cadência social, ao mau humor etc., e há também a imag<strong>em</strong> do sábio, intelectual <strong>de</strong>poucas palavras, solitário. Entre elas, há as nuances, que misturam características <strong>de</strong>ambas as imagens. Para alguns, o sucesso editorial (que todos os citados acima têm)resgata o escritor <strong>de</strong>ssa marginalida<strong>de</strong> ou solidão. Nos dois casos, é como se o escritorcuja imag<strong>em</strong> está vinculada à do marginal ou do solitário tivesse <strong>de</strong>terminado número<strong>de</strong> pontos. Quanto mais un<strong>de</strong>rground ou ligado à solidão e à austerida<strong>de</strong> fosse seuambiente e suas ações, mais pontos teria. E que o sucesso editorial, responsável por38 Palestra proferida <strong>em</strong> abril <strong>de</strong> 2004, <strong>em</strong> curso <strong>de</strong> pós-graduação do Departamento <strong>de</strong> Teoria Literária e<strong>Literatura</strong>s, do Instituto <strong>de</strong> Letras da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília.44


dar visibilida<strong>de</strong> à figura, seria agente capaz <strong>de</strong> o fazer per<strong>de</strong>r vários pontos. Umaescala para medir a legitimida<strong>de</strong>.Essas noções jaz<strong>em</strong> nas entrelinhas dos discursos que ten<strong>de</strong>m ao purismo ebalizam as críticas direcionadas aos escritores cont<strong>em</strong>porâneos que interag<strong>em</strong> maisexplicitamente com o mercado. A imag<strong>em</strong> “superior” é também representada <strong>em</strong> textosficcionais. Rosalina Martins Pontes, personag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Benjamin Costallat, l<strong>em</strong>bra-se <strong>de</strong>um Lima Barreto <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte quando conhece <strong>em</strong> um cruzeiro o b<strong>em</strong> sucedido escritorRoberto Fleta. A passag<strong>em</strong> do romance Ma<strong>de</strong>moiselle Cin<strong>em</strong>a, citado por CristianeCosta, é usada para discutir exatamente essa imag<strong>em</strong> do escritor. Rosalina “conheceriaalguém b<strong>em</strong> diferente do artista romântico e <strong>de</strong>sinteressado que ainda vigora noimaginário público” 39 . O trecho do romance revela as sensações do encontro:Roberto Fleta não era nada daquilo que ela pensava. B<strong>em</strong> nutrido, corado, musculoso,Fleta não tinha nada do que sua imaginação criara. (...) Soube então que vivia não numquarto miserável e sim num maravilhoso bungalow <strong>em</strong> Santa Teresa. Sua mesa era amais linda mesa <strong>de</strong> trabalho que se possa imaginar. (...) O ambiente, finalmente, <strong>de</strong> umescritor mo<strong>de</strong>rno, cuja maior glória é ganhar dinheiro, muito dinheiro, com a sualiteratura. 40O mesmo juízo é evi<strong>de</strong>nciado nas conversas <strong>de</strong> Ta<strong>de</strong>u e Esmeralda, personagens<strong>de</strong> Maria José Silveira <strong>em</strong> O fantasma <strong>de</strong> Luis Buñuel. Os dois, então estudantes,discut<strong>em</strong> a figura social do artista:[Esmeralda] l<strong>em</strong>bra-se <strong>de</strong> uma vez dar a receita a Ta<strong>de</strong>u, num momento <strong>em</strong> que eledizia que queria ser artista, mas ia acabar tendo que se resignar a ser apenas um crítico.Que não tinha alma <strong>de</strong> artista. Ora, Ta<strong>de</strong>u, ela explicou, se você for capaz <strong>de</strong> assumiruma postura <strong>de</strong> artista, o resto v<strong>em</strong> como conseqüência, é facílimo. O mais importante éessa impostação, esse fingimento, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que você, claro, acredite nisso 41 .E ela dá <strong>de</strong> fato a receita: “Basta <strong>de</strong>ixar o cabelo crescer, pôr uma roupa preta,uma boina, sandália franciscana no pé, chegar às sete da manhã no bar do campus,olheiras enormes feitas com sombra para <strong>de</strong>ixar b<strong>em</strong> claro o tédio mortal”. O objetivodisso, conclui o narrador, partia da consciência <strong>de</strong> que é necessário construir umapersona para se expor, “o artista como algo tão consumível como sua arte” 42 .Há muito, o escritor <strong>de</strong>ixou efetivamente <strong>de</strong> ser a figura marginal, que vivenuma quase clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> para escrever algo original, universal e, principalmente,imune a críticas. Clarice Lispector ridiculariza a figura do intelectual quando cria, <strong>em</strong> A39 Costa, Pena <strong>de</strong> aluguel – escritores jornalistas no Brasil – 1<strong>90</strong>4 a 2004, p. 70.40 Costallat, Ma<strong>de</strong>moiselle Cin<strong>em</strong>a, p. 60 apud Costa, op. cit.41 Silveira, O fantasma <strong>de</strong> Luis Buñuel, p. 303.42 Id. ibid.45


hora da estrela, o escritor Rodrigo S. M. Em sua solidão, Rodrigo passa a alimentar-se<strong>de</strong> frutas e vinhos, apenas, e diz que é para se aproximar da fome <strong>de</strong> sua personag<strong>em</strong> e,assim, po<strong>de</strong>r escrever sua história 43 . E po<strong>de</strong> mesmo soar ridícula a tentativa do escritorcomercial – por mais erudito que seja, ele “suja” suas mãos com dinheiro – <strong>de</strong> secolocar à parte disso, <strong>de</strong> se pôr à marg<strong>em</strong> para ven<strong>de</strong>r ao público certa pureza ouessência artística. Entretanto, ao mesmo t<strong>em</strong>po que é ridícula, é ela mesma, essaimag<strong>em</strong>, que faz com que literatura seja algo vendável e lucrativo.2.2 Mais algumas linhas sobre mercadoA lógica do mercado é a dominante. E engloba, entre outras, a percepção <strong>de</strong> queo que é bom para o consumidor é o melhor. Entretanto, não po<strong>de</strong>mos ignorar que existetodo um movimento publicitário para gerar no consumidor <strong>em</strong> potencial a necessida<strong>de</strong>ou a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumir <strong>de</strong>terminado produto. A questão do gosto, por ex<strong>em</strong>plo, émuito dialética, afinal o mercado ven<strong>de</strong> aquilo que o consumidor quer consumir, mas étambém responsável por influenciar esse gosto. S<strong>em</strong> querer simplificar ou encerrar essadiscussão, po<strong>de</strong>mos concluir que o título <strong>de</strong> arte – que passa longe e muito perto daquestão do gosto e da idéia <strong>de</strong> essência – cabe àquilo que se quer ven<strong>de</strong>r como arte,principalmente quando se trata da “invendável” arte erudita.Em paralelo a essa concepção, surgiu e se consolidou o mercado literário. É paraon<strong>de</strong> os teóricos da Escola <strong>de</strong> Frankfurt apontaram os seus holofotes: a existência, apartir da Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, na Inglaterra, <strong>de</strong> diferentestipos <strong>de</strong> produtos culturais. Assim é o mundo industrializado para os teóricos. À elite,cabe o consumo da arte erudita. Ao proletariado, quando há algum consumo, da artepopular. No meio, com o estabelecimento da burguesia, manifestações culturais <strong>de</strong>massa, medianas para aten<strong>de</strong>r ao gosto da maioria. E, para a maioria, o padrão e a altaprodução da indústria. Daí surge o termo indústria cultural.Hoje, essas três dimensões continuam usuais quando se quer classificardiferentes manifestações artísticas. Os objetos, entretanto, não são fixos: transitam <strong>de</strong>acordo com interesses. Ora <strong>de</strong>terminada obra é arte, ora é o mais execrável frutoindustrializado <strong>de</strong> uma manifestação cultural “massificada”.Um jogo. Interesses variados e agentes que trocam constant<strong>em</strong>ente <strong>de</strong>ambientes. E o escritor é um <strong>de</strong>sses agentes. Talvez o mais importante do mercado e43 Cf. Lispector, A hora da estrela.46


n<strong>em</strong> por isso o mais “po<strong>de</strong>roso”. A seguir, conhecer<strong>em</strong>os e discutir<strong>em</strong>os algumasestratégias muito peculiares <strong>de</strong>sse grupo tão essencial para o funcionamento do mercado<strong>de</strong> livros.Antes, é importante ressaltar que aqui não adotamos a abordag<strong>em</strong> filosóficasobre a figura do autor, tratada por Michel Foucault <strong>em</strong> O que é um autor?, apesar <strong>de</strong>que a leitura nos serviria para traçar uma linha histórica que terminaria na explicação <strong>de</strong>toda a importância que a figura exala. A nossa opção é por focar nessa figura jáconstruída <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> e autorida<strong>de</strong> que é o escritor do mercado, aquele que t<strong>em</strong>consciência <strong>de</strong> seu papel e que transita volitivamente pelas esferas aqui trabalhadas.2.3 O vale-tudo pela famaRetom<strong>em</strong>os a leitura histórica das relações entre literatura e negócios,consolidada por Cristiane Costa. Ao investigar mais a fundo a figura <strong>de</strong> BenjaminCostallat, a pesquisadora revela que ele firmou, não s<strong>em</strong> interesses, o seu nome comocronista, crítico <strong>de</strong> música e redator <strong>de</strong> jornais. Nascido <strong>em</strong> 1897, atuou no jornalismo ena literatura, não apenas como escritor mas como dono <strong>de</strong> editora, “s<strong>em</strong> t<strong>em</strong>er osensacionalismo ou a literatura comercial” 44 . Ma<strong>de</strong>moiselle Cin<strong>em</strong>a ven<strong>de</strong>u 20 milex<strong>em</strong>plares e recebeu manchetes animadoras no Jornal do Brasil da época. “Costallatera uma espécie <strong>de</strong> grife. Escrevia sob encomenda e escancaradamente unia o glamour<strong>de</strong> seus personagens a marcas <strong>de</strong> perfume, água-<strong>de</strong>-colônia e pó-<strong>de</strong>-arroz” 45 . Com aativida<strong>de</strong> editorial paralela à produção literária, o autor passou a ter uma visão diferentedo mercado:O escritor que se torna editor, como Costallat, t<strong>em</strong> pelo menos cinco vezes mais lucrodo que os 10% sobre o preço <strong>de</strong> capa do livro que receberia a título <strong>de</strong> direitos autorais.E, como <strong>em</strong>presário, ganha outra visão do mercado editorial. Passa a pensar <strong>em</strong> custos,lucros, funcionários, prejuízos, impostos, distribuição, marketing e divulgação. Tomacontato com uma verda<strong>de</strong>ira máquina <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r livros 46 .Ainda hoje, e apesar <strong>de</strong> certa naturalização das práticas comerciais, não écomum que escritores mistur<strong>em</strong> ativida<strong>de</strong>s e visões <strong>de</strong> editores. Todo esse arranjomercadológico permite que o escritor não “suje as mãos com dinheiro e se concentre noseu ofício”. José <strong>de</strong> Alencar e Joaquim Manoel <strong>de</strong> Macedo, como l<strong>em</strong>bra Costa,mandavam escravos ven<strong>de</strong>r seus livros <strong>de</strong> porta <strong>em</strong> porta. E até Monteiro Lobato,44 Costa, op. cit.45 Id., p. 71.46 Id. ibid.47


“nenhum escritor tinha corag<strong>em</strong> <strong>de</strong> falar abertamente do livro como mercadoria e daliteratura como negócio” 47 . Entretanto, o t<strong>em</strong>po e as discussões mais abertas a esserespeito não foram capazes <strong>de</strong> apagar ou <strong>em</strong>baçar <strong>de</strong> Lobato a imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> “vendido”,que vigora até os dias atuais. O escritor, que ficou conhecido do gran<strong>de</strong> público por seuslivros <strong>de</strong> pretensão didática voltados ao público infantil, já mostrava uma consciênciapublicitária b<strong>em</strong> clarificada para a época – se levarmos <strong>em</strong> conta que ainda hoje ela s<strong>em</strong>ostra um pouco nebulosa. Observa Costa que, “para criar uma indústria editorialnacional, Lobato precisou inventar um mercado para o livro, o que implicava mudar oestilo e as palavras com que era escrito, a forma como a obra era anunciada edistribuída, o público a que era direcionada” 48 . A idéia era mesmo transformar o livro<strong>em</strong> produto <strong>de</strong> consumo <strong>de</strong> massa 49 . Costa l<strong>em</strong>bra que Lobato iniciou aí um processo,na imprensa, <strong>de</strong> garantia <strong>de</strong> acesso aos leitores <strong>em</strong> potencial, com publicida<strong>de</strong> gratuitapara sua produção. Nas palavras do autor:Isto é como eleitorado. Escrevendo no Estado [<strong>de</strong> S. Paulo], consigo um corpo <strong>de</strong> 80mil leitores, dada a circulação <strong>de</strong> 40 mil do jornal e atribuindo a média <strong>de</strong> dois leitorespara cada ex<strong>em</strong>plar. Ora, se me introduzir num jornal do Rio <strong>de</strong> tirag<strong>em</strong> equivalente, jáconsigo dobrar o meu eleitorado. Ser lido por 200 mil pessoas é ir gravando o nome 50 .No próximo capítulo, quando focalizar<strong>em</strong>os a presença da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> nomercado literário cont<strong>em</strong>porâneo, ver<strong>em</strong>os o quanto esse viés mercantil ainda érechaçado pelos agentes mais interessados <strong>em</strong> ven<strong>de</strong>r a imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> produtores <strong>de</strong> umaliteratura “pura”, s<strong>em</strong> interferência <strong>de</strong> números, tendências etc. Entretanto, adiantamosque para alguns participantes efetivos <strong>de</strong>sse grupo a publicida<strong>de</strong> e as práticas <strong>de</strong>divulgação são correntes, e não há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escondê-las ou dissimulá-las. E, aoque parece, é exatamente por isso que a <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> é alvo <strong>de</strong> críticas. Quando se fala<strong>em</strong> relações com o jornalismo para gerar publicida<strong>de</strong> gratuita, aí sim as coisas passampara um universo paralelo, escamoteado para o gran<strong>de</strong> público. Em levantamento sobreresenhas <strong>de</strong> livros publicadas nos principais jornais brasileiros, não seria difícil tirar47 Id. ibid.48 Id., pp. 71-72.49 O conceito <strong>de</strong> massa merece análise crítica mais <strong>de</strong>tida, o que não interessa à discussão aquiapresentada. Analógica e até metaforicamente, ele po<strong>de</strong> ser entendido como <strong>de</strong>rivado dos estudos <strong>de</strong>física e química e <strong>de</strong>signa, no âmbito dos estudos da cultura, um grupo <strong>de</strong> pessoas que, juntas, formamum conglomerado acrítico com interesses e gostos medianos. A massa é o público alvo dos produtos daindústria cultural. A esse respeito, conferir os teóricos do Instituto <strong>de</strong> Pesquisa Social, ou Escola <strong>de</strong>Frankfurt, como Walter Benjamin, Theodor Adorno, Jürgen Habermas, entre outros. Cf., por ex<strong>em</strong>plo, Adialética do esclarecimento.50 Lobato, A barca <strong>de</strong> Gleyre, pp. 20-21, apud Costa, op. cit.48


conclusões sobre aqueles autores ou os livros daquelas editoras mais presentes naspáginas <strong>de</strong> jornais e suas relações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> com donos <strong>de</strong> jornais ou mesmo com osjornalistas e articulistas que ali trabalham.Diante disso, t<strong>em</strong>os que consi<strong>de</strong>rar outras duas questões importantes quevoltaram à tona com os m<strong>em</strong>bros da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>: a profissionalização e a função públicado escritor.2.3.1 Jornalismo e literaturaAntes da consolidação <strong>de</strong> um sist<strong>em</strong>a literário no Brasil, jornalistas e escritorestinham papéis que se confundiam. E havia, <strong>em</strong> comum entre intelectuais, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>constituír<strong>em</strong> uma nação brasileira. Esse movimento começou a ser evi<strong>de</strong>nciado <strong>em</strong>1789, com a Inconfidência Mineira, já pós-Revolução Industrial. A sensação <strong>de</strong> atraso –ainda presente hoje – foi uma das alavancas para essa briga que mobilizou osintelectuais da época. Quando diss<strong>em</strong>os que os papéis <strong>de</strong> escritores e jornalistas seconfundiam nos referimos ao que acontecia na prática: tanto a literatura quanto ojornalismo tinham pretensões <strong>de</strong>claradamente políticas. E mais: as reportagens seconfundiam, <strong>em</strong> estilo inclusive, com o fazer literário. Ana Paula Goulart Ribeiroobserva que “os periódicos brasileiros seguiam então o mo<strong>de</strong>lo francês <strong>de</strong> jornalismo,cuja técnica <strong>de</strong> escrita era bastante próxima da literária” 51 .Essas duas esferas, hoje b<strong>em</strong> distintas, se separaram quando, no Brasil, ojornalismo começou a se profissionalizar, por volta da meta<strong>de</strong> do século XX. Sobre osimpactos e resultados disso para a socieda<strong>de</strong>, as opiniões se divi<strong>de</strong>m. Nunca foiexatamente um tabu falar <strong>em</strong> profissionalização do escritor. Entretanto, se o focomudasse do jornalismo para a literatura, pouco se vislumbrava a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>“rebaixar” a arte ao pragmatismo da profissão. Há alguns anos, essa possibilida<strong>de</strong> v<strong>em</strong>sendo trazida à tona. Para alguns, a questão já está mais do que resolvida: é necessárioestabelecer certas regras e até regalias profissionais para escritores. Os argumentosgiram <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> uma constatação: as relações estabelecidas entre escritores e mercadosão pouco objetivas e o escritor precisa se submeter às regras não explícitas parasobreviver. Assim, fica claro que arte é o que <strong>de</strong>terminado grupo dominante resolvechamar <strong>de</strong> arte.51 Ribeiro, “Jornalismo, literatura e política: a mo<strong>de</strong>rnização da imprensa carioca nos anos 1950”.49


A lei <strong>de</strong> direitos autorais existe no Brasil <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1973. Mais ou menos na mesmaépoca <strong>em</strong> que o jornalismo se profissionalizou, v<strong>em</strong>os a existência concreta <strong>de</strong>instrumentos que passaram a regulamentar o trabalho do escritor. No entanto,diferent<strong>em</strong>ente da ativida<strong>de</strong> jornalística, que passou a exigir diploma específico, pareceque prevaleceu certa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar os assuntos literários no âmbito do favor.No ano <strong>de</strong> 1992, <strong>em</strong> entrevista à Folha <strong>de</strong> Londrina, o escritor Cristovão Tezzafalou sobre seu processo <strong>de</strong> criação, aproximando-se muito curiosamente <strong>de</strong> umfuncionário qualquer <strong>de</strong> autarquia: “sou bastante metódico. Sou um burocrata. Escrevodas duas as seis, todas as tar<strong>de</strong>s menos domingos, que é um dia infernal, o dia malditoda criação, como diria o Mattoso [protagonista do romance Suavida<strong>de</strong> do vento (Rocco,2003)]” 52 . Na mesma entrevista, é abordada a questão da venda <strong>de</strong> sua força <strong>de</strong> trabalhoe <strong>de</strong> seu produto. Em suas respostas, Tezza toca <strong>em</strong> diversos assuntos que preten<strong>de</strong>mosdiscutir. Alguns trechos da entrevista pe<strong>de</strong>m análise.Folha - Você chega a receber algum dinheiro com esses livros todos?Tezza - Eu ganho regularmente, a cada três meses, uns chequinhos. Às vezes vêm umassurpresas boas. Outras n<strong>em</strong> tanto. Mas é insignificante. O autor ganha 10% do preço <strong>de</strong>capa do livro vendido e as editoras normalmente pagam <strong>de</strong> seis <strong>em</strong> seis meses, s<strong>em</strong>correção. A Brasiliense paga <strong>de</strong> seis <strong>em</strong> seis meses. S<strong>em</strong> correção.(...)Folha - Quando será possível viver só <strong>de</strong> literatura?Tezza - O probl<strong>em</strong>a da literatura é o probl<strong>em</strong>a do resto do Brasil <strong>em</strong> qualquer área. Nóst<strong>em</strong>os pouquíssimos leitores, <strong>de</strong> fato. Num país <strong>de</strong> 150 milhões <strong>de</strong> habitantes, quantossão leitores regulares <strong>de</strong> livros? Uns 500 mil, 600 mil? Então é muito pouco. Nos paísescivilizados há uma setorização, há o leitor <strong>de</strong> espionag<strong>em</strong>, o leitor <strong>de</strong> poesia, o <strong>de</strong>ciência, o <strong>de</strong> romance, quer dizer, há espaço para todo mundo e aí você po<strong>de</strong> pensarrealmente <strong>em</strong> profissionalização da literatura. O Brasil é um país histérico nisso. Não set<strong>em</strong> segmentos, t<strong>em</strong>-se gran<strong>de</strong>s nomes que surg<strong>em</strong> e <strong>de</strong>voram todos os outros,transformam-se nos únicos ocupantes da mídia. Qu<strong>em</strong> são os gran<strong>de</strong>s ven<strong>de</strong>dores <strong>de</strong>livros hoje no Brasil? O Jorge Amado, o Paulo Coelho, que entra <strong>em</strong> uma outra área, aesotérica e espiritualista, que é algo que precisa ser estudado por ser um fenômeno <strong>de</strong>vendag<strong>em</strong> há muitos anos no Brasil. Existe também o Rub<strong>em</strong> Fonseca, o Chico Buarqueque é um gênio da cultura popular brasileira e todo livro <strong>de</strong>le é um acontecimento, comtodo direito. Então é uma questão social. Quando me perguntam o que fazer pelaliteratura eu respondo que t<strong>em</strong> que dar escola para o povo, dar comida, trazer para omundo civilizado milhões e milhões <strong>de</strong> brasileiros para qu<strong>em</strong> o livro não significaabsolutamente nada.Folha - Você não <strong>de</strong>sanima um e pouco quando vê esse quadro?52 Oliveira, “O romancista da classe média”.50


Tezza - A vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> escrever t<strong>em</strong> sido mais forte. Tanto é verda<strong>de</strong> que eu cheguei a terquatro romances na gaveta ao mesmo t<strong>em</strong>po e já estava e escrevendo o quinto antes <strong>de</strong>ser publicado. 53Quando focamos a primeira pergunta, fica clara, e não se preten<strong>de</strong> escamotearisso, a relação bastante profissional entre o autor e a editora. Existe prestação <strong>de</strong> contas erepasse do dinheiro acordado <strong>em</strong> contrato. Um contrato padrão entre editora e escritor(ver mo<strong>de</strong>lo no anexo I) prevê, <strong>em</strong> cláusula sobre os honorários dos direitos autorais, opagamento <strong>de</strong> 10% do preço <strong>de</strong> capa ao autor por cada livro vendido. E o acordo costumaestabelecer o repasse trimestral da parte que lhe cabe. Além disso, há o compromisso porenviar ao autor um <strong>de</strong>monstrativo <strong>de</strong> vendas. O parágrafo segundo do artigo 30 da Lei n°9.610/98, a lei dos direitos autorais, prevê que a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plares será informadae controlada. E cabe a qu<strong>em</strong> reproduzir a obra, ou seja, à editora, a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>manter os registros que permitam a fiscalização do aproveitamento econômico daexploração. A lei também estabelece, <strong>em</strong> seu artigo 61, que o editor é obrigado a prestarcontas mensais ao autor, “s<strong>em</strong>pre que a retribuição <strong>de</strong>ste estiver condicionada à venda daobra, salvo se prazo diferente houver sido convencionado”.A profissionalização, apesar <strong>de</strong> teoricamente consolidada, passa por crisequando explicitada. De um lado, como já discutimos, por não se querer vincularmercado e literatura. De outro, por existir e ser ignorada <strong>de</strong>liberadamente. O escritorLuiz Ruffato, <strong>em</strong> entrevista para esta pesquisadora 54 , lamentou não a não existência <strong>de</strong>uma estrutura profissional e eficiente do mercado para a contratação do escritor comoum prestador <strong>de</strong> serviços, mas sim a postura do escritor perante o mercado. “Já vicolegas assinando contrato <strong>em</strong> mesa <strong>de</strong> bar”, revelou. Como sinalizamos no primeirocapítulo, se não há critérios claros para a escolha <strong>de</strong>sse ou daquele livro a ser publicado,também po<strong>de</strong> não existir transparência a respeito <strong>de</strong> números <strong>de</strong> vendas divulgados, jáque po<strong>de</strong> interessar ao editor o forjamento. Disso reclamam os escritores. Entretanto,não existe fiscalização, por parte do profissional ou <strong>de</strong> algum auditor, apesar <strong>de</strong> a leiprever a prestação <strong>de</strong> contas. O escritor, segundo Ruffato, enten<strong>de</strong> o contrato, que<strong>de</strong>veria ser profissional, como um favor da editora. Se nessa relação não oficializada <strong>em</strong>sua plenitu<strong>de</strong> existe, <strong>de</strong> um lado, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> má fé do editor, exist<strong>em</strong> <strong>de</strong> outro asvistas grossas dos escritores. “Os editores são tão filhos da puta quanto os escritores sãoomissos”, diz Ruffato.53 Id. ibid.54 Realizada por telefone, <strong>em</strong> 8 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2006.51


Na segunda e na terceira perguntas da Folha <strong>de</strong> Londrina a Tezza, v<strong>em</strong>os que oescritor lamenta a falta <strong>de</strong> acesso à função <strong>de</strong> leitor para gran<strong>de</strong> parte da populaçãobrasileira. Para ele, aí está o probl<strong>em</strong>a da literatura. Tezza também chama <strong>de</strong> civilizadosaqueles países <strong>em</strong> que há diversos públicos para os diferentes gêneros literários. Ora,logo <strong>de</strong>pois ele diz que merece estudo o sucesso que faz<strong>em</strong> Jorge Amado e PauloCoelho. Apesar <strong>de</strong> ser Coelho, segundo a classificação <strong>de</strong> Tezza, artigo <strong>de</strong> outra área, aesotérica, é lido como literatura por muitas pessoas. Fica clara a distinção que o escritorfaz: os seus pouquíssimos leitores não são os mesmos que consom<strong>em</strong> Coelho, porex<strong>em</strong>plo. Esse fenômeno esotérico e aqueles livros escritos por “gênios da culturapopular”, como Chico Buarque, não são a praxe do mercado editorial brasileiro. “Trazerpara o mundo civilizado milhões e milhões <strong>de</strong> brasileiros” se configura <strong>em</strong> ação pseudoaltruístaque vê na literatura um instrumento <strong>de</strong> salvação social. Ignoram-se aí as outrasmanifestações culturais – locais ou pertinentes a <strong>de</strong>terminado grupo –, numa tentativa<strong>de</strong> impor o “insubstituível” conhecimento literário. Não é consi<strong>de</strong>rado literatura o rap,por ex<strong>em</strong>plo. Quando questionado sobre o <strong>de</strong>sânimo diante <strong>de</strong>sse cenário, Tezza – <strong>em</strong>claro reforço à imag<strong>em</strong> do escritor-herói – diz que sente cada vez mais instigado aescrever. N<strong>em</strong> passa pela discussão a questão do acesso à produção e não apenas aoconsumo, que abordar<strong>em</strong>os adiante.2.3.1.1 A presença do amadorÉ importante observarmos que o movimento pela profissionalização faz coro aodiscurso liberal; é muito próximo às teorias <strong>de</strong> livre mercado, o que torna a discussãoenvolvente. Ora, acaba sendo fácil, diante do cenário social <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>os, ce<strong>de</strong>r aosencantos do elogio ao capital. Sendo a realida<strong>de</strong> brasileira muito calcada nas“civilizações <strong>de</strong> primeiro mundo”, sendo o Brasil um país à sombra do <strong>de</strong>senvolvimentoe sendo o fenômeno da globalização um enunciador da high tech, da era das máquinas,da conquista do espaço, da “evolução humana”, é quase impossível não <strong>de</strong>sejarmosparticipar <strong>de</strong> tudo isso. A profissionalização é, assim, entendida como o supra-sumo daevolução literária. Se existe o mercado, que não exista pelo menos a escravidão aconceitos ou a modos <strong>de</strong> agir. O sentimento <strong>de</strong> fazer do Brasil uma nação, sobre o qualfalamos no início <strong>de</strong>ste capítulo, é o motor <strong>de</strong>ssa tendência ao liberal. Na tentativa <strong>de</strong>darmos as costas ao período escravista, ao histórico colonial e a todas as relações <strong>de</strong>le<strong>de</strong>rivadas, v<strong>em</strong>os no liberalismo a saída.52


A proposta liberal, entretanto, não se configura na melhor solução. Afinal, omercado não é para todos. A profissionalização do escritor – que, apesar <strong>de</strong> parecer umobjeto pelo qual se luta, já existe – é responsável por uma outra forma <strong>de</strong> se criar umimaginário da aura literária. Se numa visão mais tradicional a literatura é algo superiorpara <strong>de</strong>leite <strong>de</strong> seres superiores resultado <strong>de</strong> um processo interno, que acontece somenteentre “os escolhidos”, numa visão liberal ela é produto <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> um profissional 55 .É inegável que o nosso imaginário social já t<strong>em</strong> o trabalho, a profissão, comoel<strong>em</strong>ento central. Quando crianças, a pergunta que mais costumamos ouvir é “o quevocê vai ser quando crescer?”. O “ser” no futuro relega à criança o status <strong>de</strong> “não-ser”no agora. E tornar-se alguém, ou alguma coisa, está profundamente vinculado ao fato <strong>de</strong>ter uma profissão. Ao encerrar estudos universitários, o jov<strong>em</strong> se diz “formado”, como sesua formação humana e social só estivesse completa com o treinamento e a capacida<strong>de</strong>para exercer uma profissão. Nessa ambientação liberal, portanto, o escritor <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong>estar envolto no manto intangível do talento inato do trabalho artístico para, então, ser umprofissional capaz <strong>de</strong> produzir, <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminadas condições, um trabalho literário.S<strong>em</strong> dúvidas, a <strong>de</strong>struição da aura sacralizada po<strong>de</strong> ser entendida como umavanço no tratamento distintivo da arte diante <strong>de</strong> outras manifestações. Entretanto, ao seevi<strong>de</strong>nciar simplesmente o trabalho profissional literário exclui-se <strong>de</strong>sse cenário afunção discursiva da literatura. Ou seja, apesar <strong>de</strong> ser resultado <strong>de</strong> um trabalho objetivo,a literatura continuaria configurando uma função etérea. E mais: passaria <strong>de</strong> uma artesuperior para uma ativida<strong>de</strong> restrita a profissionais.Nos <strong>de</strong>bates a respeito da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso à literatura, como vimos naentrevista <strong>de</strong> Tezza no tópico anterior, brada-se pelo incentivo à educação. Porém, anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formar leitores está muito mais ligada à estruturação <strong>de</strong> um públicoconsumidor do que à abertura para se criar<strong>em</strong> universos críticos acerca doconhecimento. Esse <strong>de</strong>bate também está presente nos fóruns sobre comunicação. E asdiscussões já se mostram b<strong>em</strong> avançadas, principalmente quando o t<strong>em</strong>a é acomunicação comunitária. O bom-mocismo prega a leitura (<strong>de</strong> literatura) como“salvadora” da condição <strong>de</strong> miséria <strong>em</strong> que muitos viv<strong>em</strong>. Entretanto, n<strong>em</strong> os escritoressão capazes <strong>de</strong> enxergar que a profissionalização é apenas mais um fator exclu<strong>de</strong>nte. Aose abstrair a função da literatura – e também <strong>de</strong> outras artes, além do jornalismo, dapolítica etc. – como um discurso e um instrumento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, se retira <strong>de</strong>la a55 Para aprofundamento, ver discussões acerca da obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> diploma <strong>de</strong> curso <strong>de</strong> jornalismo paraexercer a profissão. Elas têm início nos <strong>de</strong>bates sobre a profissionalização do jornalista.53


possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser vista como algo a ser buscado por todos. Como instrumento para odiscurso. Assim é o processo <strong>de</strong> apagamento da voz daqueles que não têm acesso a esse(e outros) palanque.2.3.2 Políticas públicas: escritor necessário?Nessa mesma linha, propomos reflexão quanto às tentativas <strong>de</strong> implantar noBrasil ações <strong>de</strong> incentivo à produção literária. Alguns projetos já exist<strong>em</strong> e têmgarantido a publicação <strong>de</strong> alguns livros país afora. Mas pouco se repara nodirecionamento <strong>de</strong>ssas iniciativas: o público <strong>de</strong>ssas ações é a gama <strong>de</strong> “escritoresprofissionais” já consolidados no mercado. São bolsas para escritores, concursosliterários e até mesmo oficinas. Nesses três ex<strong>em</strong>plos, exist<strong>em</strong> critérios. E a qualida<strong>de</strong> –já discutida como conceito maleável <strong>de</strong> acordo com os interesses – é um <strong>de</strong>les. O maisexaltado, talvez.A Secretaria <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong> Cultura <strong>de</strong> São Paulo lançou, <strong>em</strong> 4 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2006,edital para processo <strong>de</strong> seleção para concessão <strong>de</strong> bolsa <strong>de</strong> incentivo à criação literária.A idéia é ajudar cinco projetos <strong>em</strong> andamento <strong>de</strong> cada categoria (romance; poesia;contos e crônicas; infantil; juvenil; e reportag<strong>em</strong>, biografia e ensaio) com uma bolsa <strong>de</strong>R$ 20.165 para o autor e a editora, exceto para a categoria infantil, que terá R$ 25.175(edital completo no anexo II). Há qu<strong>em</strong> suponha que esse edital seja uma resposta aomanifesto do Movimento <strong>Literatura</strong> Urgente, <strong>de</strong>flagrado <strong>em</strong> 2004 por um grupo <strong>de</strong>escritores, com o objetivo <strong>de</strong> discutir propostas <strong>de</strong> políticas públicas <strong>de</strong> fomento àcriação literária. A partir <strong>de</strong>ssas reuniões, criou-se um manifesto com <strong>de</strong>z propostas,assinado por 180 escritores brasileiros (ver anexo III), e que foi enviado formalmente aoMinistério da Cultura, <strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2004.A respeito disso, A<strong>de</strong>mir Assunção, um dos i<strong>de</strong>alizadores do Movimento,escreveu <strong>em</strong> seu blog texto intitulado “De olho na bufunfa”, no qual opina:Muita gente que criticou as idéias e ações do Movimento <strong>Literatura</strong> Urgente – dizendoque achava um absurdo escritor “<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> verba do governo” – está <strong>de</strong> olho no edital<strong>de</strong> literatura lançado pela Secretaria Estadual <strong>de</strong> Cultura <strong>de</strong> São Paulo. Os caras estãooferecendo uma “bolsa-incentivo” <strong>de</strong> R$ 20 mil para qu<strong>em</strong> estiver com um livro inédito<strong>em</strong> andamento. Bacana e tal, mas isso não é bolsa-incentivo e está muito longe <strong>de</strong> seruma política cultural <strong>de</strong> fato para a literatura, na minha opinião. É um dinheiro queliberam <strong>em</strong> ano eleitoral. E fiqu<strong>em</strong> sabendo que só estão lançando este edital porque omovimento artístico paulistano (teatro, dança, hip hop, etc) fez um bruta barulho,durante 2 anos, para aprovar o Fundo Estadual <strong>de</strong> Arte e Cultura – isso sim uma políticapública <strong>de</strong> cultura, b<strong>em</strong> estruturada e duradoura. O ex-governador Geraldo Alckmin e osecretário <strong>de</strong> Cultura João Baptista <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> abortaram esse projeto e colocaram54


outro no lugar (b<strong>em</strong> mal feito) chamado PAC (Programa <strong>de</strong> Ação Cultural). E esseedital <strong>de</strong> literatura faz parte <strong>de</strong>sse Programa. Esse ano (repito: ano eleitoral) estãoliberando grana. Vamos ver o ano que v<strong>em</strong>. Eu não vou participar <strong>de</strong>sse edital (porquenão quero um “dinheirinho do governo” — quero sim uma política cultural <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>,como é o Programa Municipal <strong>de</strong> Fomento ao Teatro). Mas não sou contra qu<strong>em</strong> vai. 56Para ele, a iniciativa não é resultado do Movimento. Já outra, da Petrobras (veredital no anexo IV), foi vista com melhores olhos pelo mesmo escritor: “Maravilha.Acho que po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar como uma primeira e gran<strong>de</strong> vitória. Ou é muitapretensão?” 57 . No caso <strong>de</strong>sse edital, que faz parte do Programa Petrobras Cultural, a<strong>de</strong>scrição da pr<strong>em</strong>iação é exatamente a mesma sugerida pelo Movimento: R$ 3 milmensais para vinte escritores.Outra iniciativa interessante são as reuniões para discussão <strong>de</strong> políticas públicaspara a produção literária, promovidas pelo Ministério da Cultura, como parte do PlanoNacional <strong>de</strong> Cultura (o relatório da primeira reunião está no anexo V <strong>de</strong>ste volume).Várias diretrizes da iniciativa estão <strong>em</strong>basadas na proposta do Movimento <strong>Literatura</strong>Urgente.O fato é que o número <strong>de</strong> incentivos é cada vez maior e, como vimos, o olharsobre a literatura cont<strong>em</strong>porânea passa pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> profissionalizá-la. É esseolhar muito calcado nos valores que discutimos nos primeiros tópicos. Arriscamosafirmar que se há um valor instituído quando da ascensão da burguesia e que permanecequase inalterado, tanto no âmbito dos que produz<strong>em</strong>, como no dos leitores e dasinstituições que incentivam projetos literários, é o mesmo que cobre arte e literaturacom o manto da distinção e do conhecimento. É esse o valor que atribui características<strong>em</strong>ancipadoras a uma prática que só po<strong>de</strong> ser discutida e justificada com base <strong>em</strong>conceitos pouco concretos.A carta ao ministro da Cultura é significativa. Assinaram o documento quaseduzentos autores. Alguns <strong>de</strong>les ainda buscam <strong>de</strong>staque no campo, mas têm todos nomínimo um livro já publicado – e observamos que é exatamente esse um dos prérequisitospara a inscrição no concurso da Petrobras. Os “amadores” são<strong>de</strong>liberadamente excluídos. Chama-se a atenção para o fato <strong>de</strong> que o escritor faz parte<strong>de</strong> uma esfera necessária. S<strong>em</strong> qualquer tentativa <strong>de</strong> florear o discurso ou até mesmo <strong>de</strong>revisitar os conceitos sobre a superiorida<strong>de</strong> da literatura, os autores unidos pe<strong>de</strong>mincentivos como se compartilhass<strong>em</strong> da noção <strong>de</strong> que a literatura é mais um produto56 Postag<strong>em</strong> publicada <strong>em</strong> 17 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2006, no en<strong>de</strong>reço www.zonabranca.blog.uol.com.br.57 Postag<strong>em</strong> publicada <strong>em</strong> 8 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2006, i<strong>de</strong>m.55


necessário ao <strong>de</strong>senvolvimento social. Assim como os cineastas que rogam cada vezmais incentivos à produção fílmica, os escritores repet<strong>em</strong> a ladainha do “pão e circo”.De volta à entrevista <strong>de</strong> Tezza à Folha <strong>de</strong> Londrina, <strong>de</strong>stacamos o trecho abaixopara ilustrar essa discussão:Folha - Mas você já recebeu uma bolsa para escrever.Tezza - É a bolsa Vitae. Essa foi uma boa experiência porque escrevi A Suavida<strong>de</strong> do Ventocom ela. É uma bolsa <strong>de</strong> primeiro mundo <strong>em</strong> que você faz um projeto artístico e recebedurante 12 meses, s<strong>em</strong> nenhuma burocracia, s<strong>em</strong> nada. A banca aposta <strong>em</strong> teu trabalhoanterior, pois é uma bolsa para profissionais. Não é para iniciantes. Foi muito bom 58 .O autor chama <strong>de</strong> “bolsa <strong>de</strong> primeiro mundo” um incentivo institucional àprodução literária. Ora, aqui, para fazer coro aos discursos que já visitamosanteriormente, o escritor se mostra mais do que um ser profissionalizado: reverte-se, el<strong>em</strong>esmo, com as prerrogativas <strong>de</strong> um honesto prestador <strong>de</strong> serviços à socieda<strong>de</strong>. Se jánão faz sentido a r<strong>em</strong>issão a uma idéia tradicional sobre a literatura, é por outro ladoexaltada – e s<strong>em</strong> admissão <strong>de</strong> qualquer questionamento – a importância formativa doproduto literário. Das entrelinhas, sacamos a noção <strong>de</strong> que o consumo <strong>de</strong> literatura seriacapaz <strong>de</strong> formar cidadãos melhores.Nesse contexto, apesar <strong>de</strong> existir mobilização para correr atrás <strong>de</strong> políticaspúblicas, não existe o movimento <strong>de</strong> virar o olhar para o outro, a não ser aquele quequer fazer <strong>de</strong>sse outro objeto ou matéria prima. O outro, ou seja, o não-escritorprofissional,não serve para a literatura senão como personag<strong>em</strong> ou t<strong>em</strong>a. Como nojornalismo, t<strong>em</strong>os na literatura um discurso unilateral, consolidado por aquelesautorizados para falar. Os fatos, nesse ínterim, costumam ser narrados por uma únicaperspectiva. Dados da pesquisa A personag<strong>em</strong> do romance brasileiro cont<strong>em</strong>porâneo 59comprovam isso. Dos romances fichados, foi possível extrair o seguinte perfil dosescritores: hom<strong>em</strong> branco, classe média-alta, residindo no eixo Rio-São Paulo, entre 30e 60 anos, com profissão ligada ao trabalho intelectual.On<strong>de</strong> estão as mulheres? E os negros? Os pobres, os nor<strong>de</strong>stinos e os peões <strong>de</strong>obra? A eles, e tantos outros, cabe quando muito o papel <strong>de</strong> leitores/consumidores.Aquele sentimento <strong>de</strong> querer fazer do Brasil uma nação se esten<strong>de</strong>u ao movimento que58 Oliveira, op. cit.59 Realizada sob coor<strong>de</strong>nação da profª Regina Dalcastagnè, da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, que constitui umcenso das personagens (e <strong>de</strong> seus autores) <strong>de</strong> 258 romances publicados entre 19<strong>90</strong> e 2004 pelas três maisprestigiadas editoras brasileiras da área <strong>de</strong> ficção: Record, Rocco e Companhia das Letras.56


se tentou consolidar por volta dos anos 1940. Ainda imbuídos <strong>de</strong>sse i<strong>de</strong>al, escritoresfizeram um exercício <strong>de</strong> inserção mesmo <strong>de</strong> personagens pobres e miseráveis <strong>em</strong> suasnarrativas. Graciliano Ramos é um ex<strong>em</strong>plo. Assim, concluímos que esses grupossociais foram (e são) foco <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> inclusão como “inspiração” e, outrora,também como consumidores dos produtos. São raríssimas as iniciativas <strong>de</strong> tentativa <strong>de</strong>levar as ferramentas para que diferentes grupos sociais comec<strong>em</strong> a escrever.Assim, o que t<strong>em</strong>os, conforme a pesquisa mencionada, é uma representaçãomuito direcionada, viciada até, <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> personagens e t<strong>em</strong>as. Aos intelectuais, quedominam esse campo, é inconcebível abrir espaço para o outro. Ferréz e AlessandroBuzo são ex<strong>em</strong>plos do raro pedaço relegado a autores negros e pobres na literatura. E,ainda assim, seus livros costumam ser lidos como objetos exóticos ou simplesmenterelatos reais escritos por aqueles que têm legitimida<strong>de</strong> para falar, como representantesverda<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> ou grupo.2.4 Estratégias recentes para entrar e permanecer no mercadoDepois <strong>de</strong> toda essa abstração, evocamos o irônico e b<strong>em</strong> humorado pensamento<strong>de</strong> Xico Sá a respeito da fama. No livro Divina comédia da fama, o escritor trata dasdiversas estratégias das quais um anônimo <strong>de</strong>ve fazer uso para ingressar nesse mundo.Ele dá a receita, passando pelo purgatório, o paraíso e o inferno, s<strong>em</strong>pre tratando aquestão como algo efêmero e ridicularizando aqueles que viv<strong>em</strong> para isso. Alguns agentesdo campo literário não admit<strong>em</strong> ou enxergam <strong>de</strong> modo atravessado essa “vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>fama”. Também nesse ponto, existe o vínculo com todo o referencial oficioso quediscutimos neste capítulo: os <strong>de</strong>tentores do po<strong>de</strong>r literário oscilam entre os que têmconcepções conservadoras e os que se pautam por uma postura mais liberal 60 . Para estarsob um <strong>de</strong>sses holofotes, ou para forçar a criação <strong>de</strong> mais um (como é o caso <strong>de</strong> muitosagentes da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>, que só tratam as questões <strong>de</strong> literatura a ferro e fogo quandoconvém), é preciso agir. Os escritores, por mais amadores que sejam, sab<strong>em</strong> disso. Aqui,não se admite, por ex<strong>em</strong>plo, tirar a roupa <strong>em</strong> público, como chega a sugerir Sá <strong>em</strong> suareceita <strong>de</strong> sucesso rápido e certo. As estratégias <strong>de</strong>sse campo só serv<strong>em</strong> a ele próprio.Vamos partir <strong>de</strong> uma frase <strong>de</strong> Gógol, citada por Sá. “Sei que meu nome serámais feliz do que eu” diz muito sobre fama e sobre espaço <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminadosmeios. E é para isso que trabalham os escritores. Escrever um bom romance, elogiado e60 A discussão será esmiuçada no próximo capítulo.57


com um bom índice <strong>de</strong> vendas, é o i<strong>de</strong>al para que se entre no ciclo da fama. Com tudoisso, o nome do escritor será l<strong>em</strong>brado, o que abrirá mais portas. Por meio <strong>de</strong>las, oescritor po<strong>de</strong>rá se mostrar mais e assim por diante. O importante é entrar no espaço <strong>de</strong>badalação para aparecer, fazer com que nome, obra e idéias circul<strong>em</strong>.Algumas estratégias já foram exaustivamente discutidas. Há outras, maisconcretas, que merec<strong>em</strong> <strong>de</strong>staque. A criação <strong>de</strong> selos, a manutenção <strong>de</strong> blogs e sites, aparticipação <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates são alguns ex<strong>em</strong>plos. E elas serv<strong>em</strong> inclusive para basear asações daqueles que ainda preten<strong>de</strong>m ingressar na luta pelo seu lugar ao sol.Em continuida<strong>de</strong> à discussão iniciada no capítulo anterior, vamos, a seguir,analisar uma das mais significativas estratégias <strong>de</strong> escritores da atualida<strong>de</strong>: o blog. Atépara enten<strong>de</strong>rmos o já iniciado <strong>de</strong>bate sobre o acesso à produção intelectual, far<strong>em</strong>osum paralelo entre os blogs <strong>de</strong> <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>, objeto <strong>de</strong>sta dissertação, e AlessandroBuzo, autor <strong>de</strong> O tr<strong>em</strong> e Suburbano convicto.2.4.1 O erudito e o suburbano: os blogs <strong>de</strong> <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong> e Alessandro BuzoA literatura cont<strong>em</strong>porânea não se restringe a livros. O computador é a ferramentaresponsável por muitas mudanças sociais, do final da década <strong>de</strong> 1980 até agora. Nocampo literário, essas mudanças são muitas e óbvias. Um ex<strong>em</strong>plo são os editores <strong>de</strong>texto. Em <strong>de</strong>trimento da caneta e da máquina <strong>de</strong> escrever, são, por si só, gran<strong>de</strong>s agentesmodificadores do tratamento textual. As tecnologias <strong>de</strong> impressão também contribuírampara essa mudança no mercado editorial. Essas modificações não se restringiram àsativida<strong>de</strong>s dos escritores, jornalistas, editores e diagramadores. Com o advento dainternet, mudou-se também o modo e as implicações <strong>de</strong> se ler um texto literário.Em espaços acadêmicos ou <strong>de</strong> discussão literária, já é possível i<strong>de</strong>ntificar umatendência que exalta a internet e, mais especificamente, as ferramentas que exig<strong>em</strong>escrita e edição <strong>de</strong> textos, como os blogs. O pensamento <strong>de</strong> Roger Chartier é umex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> leitura equilibrada <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>, evitando as concepções extr<strong>em</strong>adas. Elenos diz: “é preciso assegurar a in<strong>de</strong>strutibilida<strong>de</strong> do texto pelo maior t<strong>em</strong>po possível,através do novo suporte eletrônico” 61 . Em previsão otimista, Chartier afirma que “abiblioteca eletrônica s<strong>em</strong> muros é uma promessa do futuro, mas a biblioteca material, nasua função <strong>de</strong> preservação das formas sucessivas da cultura escrita, t<strong>em</strong>, ela também,um futuro necessário” 62 . É <strong>de</strong>ssa congregação possível que partimos.61 Chartier, A aventura do livro: do leitor ao navegador, p. 153.62 Id. Ibid.58


O blog, termo nascido da contração web (página <strong>de</strong> internet) e log (diário <strong>de</strong>bordo), surge como mecanismo altamente especializado da internet. Ele é criado paraabrigar relatos íntimos <strong>em</strong> espaço público. Uma contradição <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo. Não se t<strong>em</strong>registro se o blog foi criado a partir <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> mercado ou se é umaferramenta <strong>de</strong>senvolvida por um único usuário e que se multiplicou pela re<strong>de</strong> comomodismo. O fato é que ter um blog hoje, seja para publicar diários íntimos ou utilizá-locomo veículo <strong>de</strong> comunicação, é ainda mais fácil do que ter um site (ou sítioeletrônico), que por sua vez é mais acessível do que ter um jornal ou publicar um livro.Os a<strong>de</strong>ptos vão na contramão dos puristas da língua portuguesa: s<strong>em</strong> medo <strong>de</strong>neologismos, acreditam que escrever diariamente e <strong>em</strong> quantida<strong>de</strong> ou estar <strong>em</strong> contatocom leitura e escrita são, <strong>em</strong> essência, ações <strong>em</strong>ancipadoras para crianças, jovens eadultos. Se nos propusermos a pensar a questão a fundo, v<strong>em</strong>os que as duas linhasten<strong>de</strong>m para concepções conservadoras: uma porque quer preservar regras idiomáticas;outra porque vê na literatura e nas práticas relacionadas possibilida<strong>de</strong>s educacionais e,<strong>em</strong> conseqüência, <strong>de</strong> melhora nas condições sociais.Numa socieda<strong>de</strong> hierarquizada, nos diz Bourdieu, os espaços também sãohierarquizados 63 . E o blog não é diferente. <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong> mantém um diárioeletrônico chamado EraOdito. Alessandro Buzo, por sua vez, atualiza quase todos osdias o seu Suburbano Convicto. Logo no ato <strong>de</strong> nomear os seus espaços híbridos <strong>de</strong>divulgação e crítica, se evi<strong>de</strong>ncia uma consciência sobre seu lugar social que não t<strong>em</strong>prece<strong>de</strong>ntes. <strong>Freire</strong> é crítico – usa o título <strong>de</strong> seu livro <strong>de</strong> aforismos, brincando com osom da palavra “erudito” para compor algo contraditório (era o dito), quebrando osentido <strong>de</strong> erudição s<strong>em</strong>anticamente, para batizar o blog que <strong>de</strong> fato tratará <strong>de</strong> umcampo extr<strong>em</strong>amente erudito: a literatura. Buzo é incisivo – escolhe um título quetraduz consciência <strong>de</strong> sua situação e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, apresenta um posicionamentopolítico. É como se, com esse nome, o escritor quisesse sacudir as concepções queten<strong>de</strong>m para o conservadorismo: tenho convicção e orgulho <strong>de</strong> minha suburbaneida<strong>de</strong>,mas, aqui, vou tratar <strong>de</strong> literatura, a arte “<strong>de</strong> vocês”.Alguns aspectos contrapõ<strong>em</strong> os dois espaços: a diagramação e o tratamentovisual são ex<strong>em</strong>plos. A página <strong>de</strong> <strong>Freire</strong> é fruto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sign “atualizado”; t<strong>em</strong> um estiloelegante, sóbrio (ver figura 1). A <strong>de</strong> Buzo mistura cores e estilos <strong>de</strong> fonte, o que po<strong>de</strong>significar pouco domínio das ferramentas <strong>de</strong> comunicação visual (ver figura 2). E63 Cf. Bourdieu, As regras da arte.59


essalta-se o óbvio simbolismo da contradição das cores <strong>de</strong> fundo: EraOdito explora obranco, o límpido, enquanto predominam <strong>em</strong> Suburbano Convicto o cinza e o preto, osujo. São imagens antagônicas e que conversam, mesmo que a pretensão tenha sidooutra, com os títulos escolhidos. É a alegoria do <strong>em</strong>bate <strong>de</strong> classes: o escritor branco,com seu blog “limpo”, versus o escritor favelado, com seu blog negro, “sujo”.Figura 1Figura 260


2.4.1.1 Dialeto e estiloNa linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong>pregada, também é óbvia a disparida<strong>de</strong>. <strong>Freire</strong>, com suaspreocupações estilísticas, exibe um texto conciso, limpo, enxuto. Vez por outra, umagíria ou palavrão são inseridos, mas com função poética por sua necessida<strong>de</strong> coloquial,submissos ao ritmo, às rimas e ao conteúdo do texto. O trecho a seguir é ex<strong>em</strong>plo disso:Eu é que fiquei ausente, enten<strong>de</strong>? Coisas e coisas. Por isso que não atualizei o blOguepor esses dias. Putz-grila! Feriado é bom. Descansei b<strong>em</strong> no feriado, mas o trabalhoaumentou. Enfim, assado. Hoje mesmo estou atolado. Mas dá para contar alguma coisa,sim. Novida<strong>de</strong>s não faltam, enfim. 64Além do cuidado gramatical e poético nas inserções <strong>de</strong> <strong>Freire</strong>, notamos queesses “<strong>de</strong>svios” provi<strong>de</strong>nciais caracterizam uma tentativa – b<strong>em</strong> sucedida – <strong>de</strong>estabelecer um estilo. Para Bourdieu, “essa elaboração especial que ten<strong>de</strong> a conferir aodiscurso proprieda<strong>de</strong>s distintivas, é um ser-percebido que existe apenas <strong>em</strong> relação asujeitos perceptores, dotados <strong>de</strong>ssas disposições diacríticas que permit<strong>em</strong> estabelecerdistinções entre maneiras <strong>de</strong> dizer diferentes, artes <strong>de</strong> falar distintivas” 65 . Ou seja,enten<strong>de</strong> esses <strong>de</strong>svios como estilo <strong>de</strong> <strong>Freire</strong> o interlocutor igualmente culto.No conto “A lei”, André Sant’Anna, <strong>de</strong> modo muito irônico, cria um narradorpolicial militar, que se diz burro e incapaz <strong>de</strong> utilizar a linguag<strong>em</strong> “correta”. Afora asincisões que geram dúvidas sobre a própria narração e a autoria da história (recursobastante recorrente na obra <strong>de</strong> seu pai, Sérgio Sant’Anna), t<strong>em</strong>os no texto umadiscussão sobre o uso da norma culta por escritores e os seus lugares e interlocutorespossíveis. O trecho a seguir é bastante ilustrativo:Ninguém que eu digo somos nós, os pobres, ninguém. Nós, que nasc<strong>em</strong>os nesseslugares horríveis, on<strong>de</strong> a gente já nasce morto. O certo seria dizer “a gente já nasc<strong>em</strong>orta”, mas, com as palavras, quando é alguém que sabe escrever, que é profissionaldas palavras, esse, o que escreve, po<strong>de</strong> cometer esse erro <strong>de</strong> propósito, que é para otexto ficar mais natural, mais parecido com o jeito como as pessoas falam. 66 (grifonosso)Assim, o nosso preconceito nos faz concluir que o texto <strong>de</strong> Buzo é ainda maiscoloquial e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, uma tentativa mal sucedida <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar o domínio dalíngua legítima. Para os puristas, ou aqueles que dominam a prática da escrita, o texto“incorreto” soa como macaqueamento da linguag<strong>em</strong> erudita. A pontuação não é64 Trecho <strong>de</strong> postag<strong>em</strong> publicada <strong>em</strong> 19 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2006, no en<strong>de</strong>reço www.eraodito.blogspot.com.65 Bourdieu, A economia das trocas lingüísticas, p. 25.66 Sant’Anna, “A lei”, p. 40.61


utilizada conforme as regras gramaticais, não há a padronização típica dos manuais <strong>de</strong>redação e estilo. Observe-se o trecho a seguir:Está sendo feito a arte do cartaz da nona edição do FAVELA TOMA CONTA e <strong>em</strong> breveeles estarão na rua, na galeria, nos trens <strong>de</strong> suburbio, serão 1.000 gran<strong>de</strong>s e 2.000 fly.Agra<strong>de</strong>ço <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já o apoio da SECRETARIA ESTADUAL DE CULTURA e aproveito elamento a total falta <strong>de</strong> apoio da SUB PREFEITURA DO ITAIM PAULISTA queinclusive me cobra uma multa <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> R$ 1.000,00 por ter colado cartazes nos postes,imagina on<strong>de</strong> vamos colar esses 1.000 do favela que vai amanhã pra grafica. 67Para alguns, esse não domínio das normas cultas acaba por ser fator queevi<strong>de</strong>ncia a distinção social. E o domínio está relacionado com a atribuição <strong>de</strong>autorida<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong> falar, ter voz, espaço e discurso aquele que conhece a língua e utilizab<strong>em</strong> os códigos. Os grupos sociais dominados, <strong>de</strong> acordo com Bourdieu, a<strong>de</strong>r<strong>em</strong> evalidam essa dominação simbólica. “As trocas lingüísticas – relações <strong>de</strong> comunicaçãopor excelência – são também relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r simbólico on<strong>de</strong> se atualizam as relações<strong>de</strong> força entre os locutores ou seus respectivos grupos” 68 .Para Buzo e <strong>Freire</strong>, o blog é o espaço para discursar e divulgar. Mas uma visãoconservadora po<strong>de</strong> enxergar as manifestações como diferentes: para um a língua épossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicar melhor, discursar com eficiência, e para o outro é umcódigo utilizado com pouca <strong>de</strong>senvoltura. Entretanto, para os dois, a língua funcionacomo instrumento <strong>de</strong> resistência 69 , consciente ou não. <strong>Freire</strong>, com suas gírias e sotaques,configura um estilo agressivo ou <strong>de</strong>bochado; Buzo, s<strong>em</strong> outro instrumento, fere normase corações apreensivos dos puristas da língua.Enquanto <strong>Freire</strong> é um “eraodito” <strong>de</strong>liberado, Buzo é um suburbano <strong>de</strong>clarado.Escritores que são, têm envolvimento com várias outras ativida<strong>de</strong>s ligadas à literatura.O blog funciona como ferramenta eficaz para promoção e divulgação <strong>de</strong>ssas outrasações. I<strong>de</strong>ntificamos que os dois espaços virtuais trabalham freqüent<strong>em</strong>ente trêsdiretrizes: divulgação, publicação <strong>de</strong> textos literários e crítica (literária e social). As trêstêm um objetivo único: a autodivulgação.Além <strong>de</strong> <strong>Freire</strong> e Buzo, é possível listar um número expressivo <strong>de</strong> escritores qu<strong>em</strong>antêm blogs ou sites. A ferramenta s<strong>em</strong> dúvidas se tornou uma eficaz estratégia quecontribui para a entrada e permanência do escritor no mercado. Os espaços virtuais67 Trecho <strong>de</strong> postag<strong>em</strong> publicada <strong>em</strong> 25 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2006, no en<strong>de</strong>reçowww.suburbanoconvicto.blogger.com.br.68 Bourdieu, op. cit., pp. 23-24.69 Utilizamos aqui o cenário conceitual <strong>de</strong> James C. Scott, <strong>em</strong> Weapons of the weak: everyday forms ofpeasant resistance.62


ainda configuram instrumentos que permit<strong>em</strong> o acesso mais facilitado dos “amadores”ao campo. E a relação com o leitor é também diferenciada e abarca um número maior <strong>de</strong>interlocutores: são leitores <strong>de</strong> seus livros e <strong>de</strong> outros blogs que passam a interagirefetivamente com os escritores.Denise Schittine, pesquisadora da UFRJ, discute a questão da interação <strong>em</strong> seulivro Blog: comunicação e escrita íntima na internet. De acordo com ela, o segredo,ponto chave para se enten<strong>de</strong>r a lógica da produção <strong>de</strong> diários íntimos ao longo dahistória, <strong>em</strong> blogs passa a ser compartilhado com <strong>de</strong>sconhecidos.Pela primeira vez, o Outro é chamado também a participar e a perpetuar o conteúdo doescrito íntimo, o que faz com que a m<strong>em</strong>ória pessoal seja construída <strong>de</strong> maneira menosalienante, não só pelo monólogo do autor, mas pela contribuição alheia 70 .A pesquisadora provavelmente se refere não à leitura passiva, também possível viadiário eletrônico, mas à leitura participativa, apesar <strong>de</strong> não existir o que Lúcia Santaellachama <strong>de</strong> interação face a face, conceito que Schittine utiliza. “A internet abre, para odiarista, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser lido s<strong>em</strong> que, no entanto, ele precise <strong>de</strong>senvolver relaçõesface a face com seus leitores, um público formado por <strong>de</strong>sconhecidos” 71 .Uma das diferenças entre diários eletrônicos e sítios é a abertura que o blogueiroou diarista permite para comentários <strong>de</strong> postagens. Existe uma ferramenta que criaespaço, na própria página, para que o internauta opine sobre o texto publicado. <strong>Freire</strong>não abriu essa possibilida<strong>de</strong> aos seus interlocutores. Entretanto, seu texto é dirigido,como vimos, e é resultado do que o público <strong>de</strong>manda. Apesar <strong>de</strong> não haverpossibilida<strong>de</strong>, no blog EraOdito, <strong>de</strong> o leitor inserir e ver publicados os seus comentários,<strong>Freire</strong> disponibiliza seu e-mail (inclusive nos livros impressos isso também acontece) e,vez por outra, menciona comentários recebidos. Buzo não apenas conta com aferramenta do comentário, como respon<strong>de</strong> e faz alusão às linhas <strong>de</strong>ixadas ali pelosleitores <strong>em</strong> outras postagens.A reserva, <strong>em</strong> todo caso, existe. E não só quando analisamos o diário <strong>de</strong>sses doisautores. A noção <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>ve ser proposta para <strong>de</strong>finir o blog. Como b<strong>em</strong>compara Schittine, a lógica do blog se ass<strong>em</strong>elha à dos reality shows. São intimida<strong>de</strong>svigiadas e, por isso mesmo, o blogueiro ou o participante do programa <strong>de</strong> TV têmconsciência <strong>de</strong> que estão sendo assistidos, consumidos. A intimida<strong>de</strong> que esses meiosproduz<strong>em</strong> é um fingimento <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong>. Citado por Schittine, Philippe Lejeune nos diz:70 Schittine, Blog: comunicação e escrita íntima na internet, p. 21.71 Id., p. 14.63


Um diário é uma encenação, uma representação <strong>de</strong> si. Nós somos a personag<strong>em</strong> principal<strong>de</strong> nosso diário. Nós t<strong>em</strong>os às vezes a tendência <strong>de</strong> escrever as coisas não como elas são,mas como <strong>de</strong>veriam ser. Escreve-se para <strong>em</strong>belezar ou dramatizar a vida, para lhe dar umsabor novo 72 .Com isso, não apenas enten<strong>de</strong>mos a discussão sobre intimida<strong>de</strong> vigiada comotambém vislumbramos com mais cuidado o modo como se <strong>de</strong>senvolve a dinâmica do diárioeletrônico. É importante, ainda, termos <strong>em</strong> vista as relações diretas do que se produz com otexto ficcional. A partir <strong>de</strong>ssa pr<strong>em</strong>issa, se apresenta para nós uma imag<strong>em</strong> que aproxima oque enten<strong>de</strong>mos por literatura do que é produzido <strong>em</strong> ambiente virtual hoje.Escrever, publicar e manter-se no mercado é menos uma questão i<strong>de</strong>ológica <strong>em</strong>ais profissional. Os objetivos, apesar <strong>de</strong> parecer<strong>em</strong> obscuros até mesmo aos escritores,apontam para uma integração pacífica. É cada “tribo” cuidando da sua inclusão social.E, não diferente do que acontece <strong>em</strong> outros grupos, v<strong>em</strong>os disparida<strong>de</strong>s entre discurso eprática inclusive nesse âmbito. Ferréz, escritor também criado <strong>em</strong> favela e que t<strong>em</strong> o seuespaço no vasto mercado literário, sintetiza essa realida<strong>de</strong>: “qu<strong>em</strong> inventou o barato nãoseparou entre literatura boa/feita com caneta <strong>de</strong> ouro e literatura ruim/escrita comcarvão, a regra é só uma, mostrar as caras” 73 .Buzo e <strong>Freire</strong> lutam do mesmo lado. Faz<strong>em</strong> ecoar seu discurso por uma via quedialoga eficient<strong>em</strong>ente com os movimentos sociais. O objetivo é inclusão e eles<strong>de</strong>positam na literatura – e contribu<strong>em</strong> para a criação <strong>de</strong> um imaginário – umapossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> unir trabalho e prazer. Difícil é esboçarmos um futuro para essaspossibilida<strong>de</strong>s, mas po<strong>de</strong>mos notar que a luta existe e que a sobrevivência <strong>em</strong> grupos sóacontece com rupturas e concessões. Eis o quadro que se apresenta.O campo do entretenimento, ainda obscuro a esta pesquisa, po<strong>de</strong> permitir umaliteratura mais realista e condizente com a lógica do produzir e consumir textos. Ocomplicado é arrancar da literatura – ou do que assim chamamos – essa aura vazia, queprovoca <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, como já discutimos.Neste capítulo, analisamos a figura do escritor cont<strong>em</strong>porâneo e algumas <strong>de</strong> suasformas <strong>de</strong> interação com os agentes do cenário literário brasileiro. No próximo,falar<strong>em</strong>os mais <strong>de</strong>tidamente sobre a <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>, seus componentes, sua re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relaçõesinternas e suas estratégias <strong>de</strong> sobrevivência no mercado editorial.72 Lejeune, apud Schittine, op. cit., p. 15.73 Ferréz, “Terrorismo literário”, p. 9.64


Capítulo III – Uma leitura histórica da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>65


O termo <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> nos r<strong>em</strong>ete imediatamente ao grupo <strong>de</strong> escritores que, organizadospor Nelson <strong>de</strong> Oliveira, publicaram contos nos livros <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>: manuscritos <strong>de</strong>computador e <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>: os transgressores, ambos com edição da Boit<strong>em</strong>po.Entretanto, as publicações são apenas um dos produtos <strong>de</strong> jovens escritores que queriam(e quer<strong>em</strong>) fazer frente ao já ultrapassado discurso <strong>de</strong> que a literatura brasileiraterminou <strong>em</strong> Guimarães Rosa. Trata-se <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> produtores e interessados, muitorestrito, e que t<strong>em</strong> ganhado cada vez mais visibilida<strong>de</strong> no campo literário brasileiro.Faz<strong>em</strong> parte <strong>de</strong>ssa congregação chamada <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> – que obviamente nãoinclui todos os escritores brasileiros que produziram na década <strong>de</strong> 19<strong>90</strong> n<strong>em</strong> todos osestilos –, autores que participaram das antologias <strong>de</strong> Oliveira e também outros, comoDaniel Galera e Clarah Averbuck, que apesar <strong>de</strong> não constar<strong>em</strong> da seleção interag<strong>em</strong> <strong>de</strong>modo muito coeso com os colegas antologizados. Essa reunião <strong>de</strong> autores l<strong>em</strong>bra, porex<strong>em</strong>plo, o que se produziu nos anos 1970 (o boom do conto daquela década). Aspr<strong>em</strong>issas são muito parecidas: o que uniu os confra<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada uma das “gerações” –sendo as duas bastante herméticas – foi o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> fazer literatura e uma implícitanoção <strong>de</strong> que <strong>em</strong> grupo se faz mais e os resultados são mais rápidos. Luciene Azevedoobserva que <strong>em</strong> comum entre as duas épocas, os dois grupos, está “a efervescência <strong>de</strong>uma vida literária que se consagra como instância <strong>de</strong> legitimação menos formal e quecomeça com a amiza<strong>de</strong> pessoal, configurando uma sociabilida<strong>de</strong> intelectualfundamentada na leitura dos originais trocados entre os novos autores” 74 . Apesquisadora também registra que o cenário cultural inclui lançamentos <strong>de</strong> livros eencontros <strong>em</strong> bares e cafés e cita <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>, <strong>em</strong> entrevista a Adrienne Myrtespara o site Capitu, que traduz o espírito <strong>de</strong>ssa “confraria”: “somos companheiros <strong>de</strong>escrita, <strong>de</strong> leituras e <strong>de</strong> cervejas”.A <strong>Geração</strong> 70 reuniu autores que vivenciaram todo o período da DitaduraMilitar, alguns dispostos a dar continuida<strong>de</strong> ao discurso engajado (político e social) quese consolidou entre os intelectuais do período, outros a lançar mão <strong>de</strong> formas, arranjostextuais e t<strong>em</strong>as distintos, o que serviu para firmar um ambiente artístico pós-mo<strong>de</strong>rnono Brasil. Desse grupo, tiveram <strong>de</strong>staque, por ex<strong>em</strong>plo, Caio Fernando Abreu, LygiaFagun<strong>de</strong>s Telles, Sérgio Sant’Anna e Rub<strong>em</strong> Fonseca. As narrativas começam a apontarpara a concisão, como é o caso <strong>de</strong> Dalton Trevisan, um ícone para os mini contistas <strong>de</strong>hoje, e <strong>de</strong> Fonseca, com a sua violência con<strong>de</strong>nsada <strong>em</strong> poucas páginas. Com a poesia74 Azevedo, Estratégias para enfrentar o presente: a performance, o segredo e a m<strong>em</strong>ória, p. 7.66


ocorreu algo muito parecido. E, como já era <strong>de</strong> se esperar, é preciso consi<strong>de</strong>rar quetambém um grupo privilegiado fez história, apesar <strong>de</strong> que algumas vezes vimos<strong>de</strong>sapontar<strong>em</strong> poetas e contistas excluídos da cena literária brasileira, mas que, por suaprópria conta, se faziam circular paralelamente, <strong>de</strong> modo mais precário. Por esseperíodo ficaram conhecidos alguns poetas que usavam mimeógrafos para reproduzirseus livros e que vendiam, eles próprios, sua produção nas ruas. Movimento s<strong>em</strong>elhantepô<strong>de</strong> ser observado com relação à música dos anos 1980. Muitas bandas <strong>de</strong> rock,principalmente, tiveram sucesso partindo <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> mais amadora, produzindoshows <strong>em</strong> escolas e universida<strong>de</strong>s e confeccionando fitas para distribuir entre amigos.São ex<strong>em</strong>plos Legião Urbana e Capital Inicial.A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> consolidar uma pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> 75 no Brasil se <strong>de</strong>u, antes <strong>de</strong>mais nada, a partir do fato <strong>de</strong> que escritores da <strong>Geração</strong> 70 “nasceram e se criaramdurante a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>” 76 . Observa Paloma Vidal que no Brasil, a pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> seestabeleceu “com a abertura política e com a revisão das utopias revolucionárias dadécada <strong>de</strong> 60 e 70” e que, nesse momento <strong>de</strong> transição (1970-80), se <strong>de</strong>u “um <strong>em</strong>bateentre o velho e o novo que se reflete tanto nos <strong>de</strong>bates artísticos como políticos. Antigasoposições – entre erudito e popular, vanguarda e cânone, esquerda e direita, público eprivado – sofr<strong>em</strong> abalos permanentes” 77 . É, <strong>em</strong> resumo, um momento <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>,como a pesquisadora conclui adiante. “Não ter que escolher entre um lado e outro,po<strong>de</strong>r transitar, experimentar, misturar, abrindo espaço para novas subjetivida<strong>de</strong>s enovas políticas – o ‘pós-tudo’ traz uma enorme liberda<strong>de</strong> e, com ela, uma <strong>de</strong>sorientaçãopor momentos <strong>de</strong>sconcertantes” 78 . O início dos anos 1980 se caracterizou por uma certainsegurança frente a essa <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>. De modo diferente, “nos anos <strong>90</strong> a questão jánão cabe e a idéia é cada qual montar seu próprio percurso, s<strong>em</strong> culpa” 79 .Apesar <strong>de</strong>ssa leitura, que <strong>em</strong>presta aos atores culturais certa segurança para optarpor este ou aquele caminho formal ou conteudístico, principalmente no âmbito literárioexist<strong>em</strong> tendências que apontam – ou quer<strong>em</strong> apontar – para um resgate <strong>de</strong> posturasconservadoras ou simplesmente para o estabelecimento <strong>de</strong> parâmetros mínimos quenortei<strong>em</strong> a criação cultural da atualida<strong>de</strong>. Os tais projetos individuais, e algumas vezes75 Aqui, o termo é entendido, à luz <strong>de</strong> Zygmunt Bauman, como conseqüência sociológica inevitável damo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, a materialização <strong>de</strong> um ambiente artístico posterior à Ida<strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rna, <strong>em</strong> alguns momentossuperador <strong>de</strong>la. Para discussão mais ampla, Cf. Bauman, A mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> líquida.76 Quadrado, Inferno pós-mo<strong>de</strong>rno – marcas da cont<strong>em</strong>poraneida<strong>de</strong> <strong>em</strong> Hotel Hell e outras obras da<strong>Geração</strong> <strong>90</strong>, p. 46.77 Vidal, “Diálogos entre Brasil e Chile – <strong>em</strong> torno às novas gerações”.78 Id. Ibid.79 Carneiro, No país do presente: ficção brasileira no início do século XXI apud Vidal, Id. Ibid..67


egoístas (ou umbiguistas, como alguns prefer<strong>em</strong>) não são exatamente entendidos comoresultado <strong>de</strong> uma liberda<strong>de</strong> sócio-cultural conquistada com o fim da Ditadura, poisguardam relação com os objetivos da <strong>Geração</strong> 70 e acabam tendo que prestar contas aosist<strong>em</strong>a literário brasileiro. O campo musical, como pincelamos há pouco, chegou a seconsolidar <strong>de</strong> modo mais <strong>de</strong>mocrático, apesar da permanência da figura do cânone, queelege os consagrados e as manifestações mais refinadas ou “genuínas”.O campo literário passa ainda por uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diversificação <strong>de</strong>discurso. Se já exist<strong>em</strong> possibilida<strong>de</strong>s reais e até facilitadas <strong>de</strong> um autor <strong>de</strong> fora docânone publicar e ven<strong>de</strong>r seus livros, continua firme o discurso dominante que atribui àliteratura uma aura algo esotérica, e inquestionável, o que, conseqüent<strong>em</strong>ente, permite eexalta a presença <strong>de</strong> um cânone que, se não exclui <strong>de</strong> todo as diversas possibilida<strong>de</strong>s,pelo menos cria parâmetros sociais para a produção e a fruição da obra <strong>de</strong> arte. A esserespeito, nos aprofundamos melhor no primeiro capítulo.Antologizar acaba por significar reunir textos arbitrariamente a partir <strong>de</strong> aspectoscomuns entre eles. E reuni-los num conjunto fechado po<strong>de</strong> tanto servir a umadivulgação mais fortificada, como configurar uma forçosa junção <strong>de</strong> coisas distintas.Adriano Quadrado observa que “nenhum <strong>de</strong>les [os autores reunidos nas antologias <strong>de</strong>Oliveira] aceita com tranqüilida<strong>de</strong> ser rotulado como m<strong>em</strong>bro <strong>de</strong>ssa <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>” 80 . Opesquisador caracteriza o texto cont<strong>em</strong>porâneo como “corpo literário diverso e refratárioàs tentativas <strong>de</strong> colocá-lo <strong>em</strong> um pacote fechado” 81 . Mas, se <strong>de</strong> um lado <strong>de</strong>sagrada essa“pasteurização” implicitada por um conjunto que invariavelmente unifica textos tãodiferentes, do outro resulta <strong>em</strong> valorização e, <strong>em</strong> conseqüência, a antologia se torna umespaço <strong>de</strong> divulgação mais efetivo. A escolha por aqueles que fariam parte das antologiasfoi cuidadosa. Ivete Lara Camargos Walty observa que a primeira antologia <strong>de</strong> Oliveira“fecha-se no agrupamento familiar, do que o organizador chama <strong>de</strong> ‘todos os contistasque fizeram a década <strong>de</strong> <strong>90</strong> outro momento <strong>de</strong> ouro do gênero no Brasil’, na busca <strong>de</strong>instalar-se no cânone da história da literatura brasileira” 82 .É importante registrar que, além das antologias <strong>de</strong> Oliveira, algumas outrasquiseram retratar a produção literária da década: Esses poetas: uma antologia dos anos<strong>90</strong>, organizada por Heloísa Buarque <strong>de</strong> Hollanda, e as duas coletâneas que reuniramcontos <strong>de</strong> escritoras, 25 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira e + 3080 Quadrado, op. cit., p. 46.81 Id., p. 47.82 Walty, “Antologia: arquivo e exclusão”, pp. <strong>90</strong>-91.68


mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira, organizadas por Luiz Ruffato.Todas essas iniciativas conversam entre si, uma funcionando como subproduto da outra,gerando uma leitura <strong>em</strong> ca<strong>de</strong>ia sob a marca da cont<strong>em</strong>poraneida<strong>de</strong>, da novida<strong>de</strong>.Também vale registro a organização, por <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>, da antologia Os c<strong>em</strong>menores contos brasileiros do século, com a apresentação <strong>de</strong> uma nova categoria: a dosmicro contos (narrativas escritas com até cinqüenta letras).3.1 A <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> e a discussão sobre a qualida<strong>de</strong>O intuito das antologias organizadas por Oliveira foi valorizar os escritoscont<strong>em</strong>porâneos, sob a justificativa <strong>de</strong> que existia (e existe) qualida<strong>de</strong> nos novos textose que o saudosismo pelo que se publicou entre as décadas <strong>de</strong> 1930 e 1960, no Brasil,não se sustentaria. Filhos – alguns efetivos, como é o caso <strong>de</strong> André Sant’Anna, cujo paié Sérgio Sant’Anna – daquele grupo que consolidou a concisão e o texto altamentecrítico (e auto-crítico), os rapazes (é preciso que se antecipe aqui a observação <strong>de</strong> queapenas quatro escritoras, entre trinta e três homens, foram antologizadas por Oliveira)da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> consegu<strong>em</strong> igualmente ter coesão e diversida<strong>de</strong>. Há diálogos entre ostextos produzidos, há objetivos comuns entre os m<strong>em</strong>bros e há multiplicida<strong>de</strong> formal.Constata Azevedo que “se há um consenso sobre a literatura produzida hoje diz respeitoà pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nomes e características que se apresentam na cena cont<strong>em</strong>porânea” 83 . Apesquisadora se refere, entretanto, a um grupo maior, o <strong>de</strong> escritores brasileiros daatualida<strong>de</strong>, e pinça ex<strong>em</strong>plos que não estão necessariamente inseridos na <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>.Em todo caso, no âmbito mesmo do grupo <strong>em</strong> questão, a pluralida<strong>de</strong> é visível e é <strong>em</strong> sicaracterística <strong>de</strong>le. Conforme observa Quadrado,na <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>, t<strong>em</strong>os experimentalismos e transgressões ainda mais radicais do quevíamos na geração anterior, mas, no meio disso, não será difícil encontrarmos poetasque, por ex<strong>em</strong>plo, resgatam a forma do soneto como campo <strong>de</strong> experiência estilística.Tudo po<strong>de</strong>: não há agenda, plataforma ou compromisso. Com relação à t<strong>em</strong>ática, amesma coisa, já que cada escritor vai tratar daquilo que lhe chama a atenção e tudo seráigualmente aceito. 84Mas comec<strong>em</strong>os pelas origens. Os m<strong>em</strong>bros <strong>de</strong>sse grupo costumam contar, <strong>em</strong>entrevistas e conversas com os leitores, que a inquietação geradora do movimentonasceu no Franz Café, da Vila Madalena, bairro nobre da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo. Nele,encontravam-se regularmente escritores, jornalistas e estudiosos interessados <strong>em</strong>83 Azevedo, op. cit., p. 6.84 Quadrado, op. cit., p. 47.69


literatura. Das conversas e saraus, nasceu a idéia da coletânea. O intuito, que amplificaos objetivos que afinal toda antologia t<strong>em</strong>, s<strong>em</strong>pre foi muito transparente: divulgar otexto cont<strong>em</strong>porâneo, fazê-lo circular, receber crítica etc. A idéia <strong>de</strong> movimento sejustifica aí: o objetivo do grupo não se restringiu <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início a um aceno aos figurõesdo campo visando à inserção pacífica dos seus m<strong>em</strong>bros no mercado editorial jáconsolidado e com linhas agarradas à tradição. E para efetivar esse propósito <strong>de</strong> entrarno campo – inclusive com proposições <strong>de</strong> novos olhares e regras – seria imprescindívelcomeçar com uma auto-valorização.A primeira das antologias é apresentada com adjetivos que b<strong>em</strong> <strong>de</strong>fin<strong>em</strong> opropósito <strong>de</strong> que falamos: melhores, originais, menores 85 , interessantes, entre outros. Ocatálogo da editora Boit<strong>em</strong>po não fica atrás e anuncia <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>: manuscritos <strong>de</strong>computador como sendo a “antologia dos <strong>de</strong>zessete contistas que fizeram da década <strong>de</strong> <strong>90</strong>outro momento <strong>de</strong> ouro do gênero no Brasil e representam o que <strong>de</strong> melhor se publicouno final do século XX”. Também é sob a égi<strong>de</strong> da “qualida<strong>de</strong>” que o próprio livro seanuncia: o subtítulo não po<strong>de</strong>ria ser outro senão “Os melhores contistas brasileirossurgidos no final do século XX”. Mas como aferir igualmente qualida<strong>de</strong> a todos os textos<strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> contistas que tratam b<strong>em</strong> distintamente forma e conteúdo?O risco é cairmos, mais uma vez, na discussão a respeito <strong>de</strong> gosto queesboçamos no primeiro capítulo. E a conclusão ten<strong>de</strong> para o que também jávislumbramos: a qualida<strong>de</strong> é um conceito que serve muito b<strong>em</strong> ao in<strong>de</strong>finível. Serve,igualmente, para distinguir: incluir e excluir conforme convier aos <strong>de</strong>tentores do po<strong>de</strong>r<strong>de</strong> legitimar. S<strong>em</strong> precisar dar muitas explicações ou “prestar contas” a respeito daleitura <strong>de</strong> uma obra literária, é comum fazer interpretações que se baseiam na qualida<strong>de</strong>,no bom gosto, na estética pura etc. E a imposição mesmo <strong>de</strong>sse discurso efêmero pelosagentes do campo literário serve para qualificar objetivamente não a obra, mas o leitor.É como se a conclusão passasse pelos seguintes raciocínios: “se o leitor não i<strong>de</strong>ntifica aqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa obra, é porque não t<strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvida a capacida<strong>de</strong> fruitiva” ou “é umleitor <strong>de</strong> outra categoria, inferior, incapaz <strong>de</strong> absorver corretamente o que essa obraproporciona” ou ainda “se o leitor exalta esse lixo é porque não enten<strong>de</strong> nada da85 Enten<strong>de</strong>-se “menor” como qualificação positiva aqui pelo motivo quase óbvio <strong>de</strong> que o texto literáriopassou a ser breve, <strong>de</strong> modo geral, para aten<strong>de</strong>r à expectativa do público consumidor e mesmo comoresultado <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> fragmentada, tipicamente pós-mo<strong>de</strong>rna. A esse respeito, observa Paloma Vidalque “uma virada se fazia evi<strong>de</strong>nte na escolha [pelos autores da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>] <strong>de</strong> formas breves – contoscurtos e muito curtos que procuravam dar conta <strong>de</strong> uma experiência fragmentada através <strong>de</strong> pequenosflashes” (Cf. Vidal, op. cit.). A conotação negativa e até preconceituosa que carregava o termo “menor”como adjetivo <strong>de</strong> um tipo menos importante <strong>de</strong> literatura parece ter sido minimizada.70


verda<strong>de</strong>ira literatura”. A marcação <strong>de</strong> espaços, a hierarquização <strong>de</strong> saberes, reflete algomuito cruel imbricado nessa que diz ser uma arte libertadora. A esse respeito, aocomentar os resultados da edição 2006 do prêmio Portugal Telecom <strong>de</strong> literatura,explo<strong>de</strong> Marcelo Mirisola, um dos m<strong>em</strong>bros do grupo <strong>em</strong> questão: “<strong>Literatura</strong> não écorrida <strong>de</strong> cavalos. Por Deus! O critério não é objetivo! Uma coisa é PREFERIR umautor a outro” 86 .Volt<strong>em</strong>os à <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>. Contam os participantes que a idéia das antologiassurgiu da constatação <strong>de</strong> que a coletânea Os c<strong>em</strong> melhores contos brasileiros do século,organizada por Italo Moriconi, <strong>de</strong>dica uma parte aos autores dos anos 19<strong>90</strong>, mas nãoconsegue abarcar um número expressivo <strong>de</strong> novos autores, o que, na opinião da <strong>Geração</strong><strong>90</strong>, não expressa a realida<strong>de</strong> da cena cont<strong>em</strong>porânea. Ocuparam o pequeno espaço <strong>de</strong>Moriconi aqueles já consagrados, com raras exceções. Em contato com autores queestavam efetivamente produzindo, e seu julgamento dizia ser <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> essaprodução, Oliveira propôs a primeira antologia e, a partir <strong>de</strong> pesquisa sobre o que sepublicou <strong>em</strong> todo o Brasil naquela década, chegou a um conjunto <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> cinqüentacontistas. Desses, ele elegeu <strong>de</strong>zessete. Seria, além <strong>de</strong> divulgação para esses escritores,uma resposta à coletânea <strong>de</strong> Moriconi.Certamente ciente disso, o pesquisador foi um dos primeiros a resenhar aprimeira antologia. Em sua análise, Moriconi reconheceu importância e lançou umasérie <strong>de</strong> questionamentos a respeito do grupo e dos textos organizados por Oliveira. Emagosto <strong>de</strong> 2001, <strong>em</strong> resenha publicada no Jornal do Brasil, o professor instiga: “Umageração literária só é nova se produz algo novo. O que seria então o novo contobrasileiro dos anos <strong>90</strong>? Para ser novo mesmo, ele <strong>de</strong>veria estar falando das novasquestões culturais, morais, estéticas, que não são poucas” 87 . Ao discutir o <strong>em</strong>prego dacategoria “geração” para <strong>de</strong>finir o grupo, analisa a relação da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> com o boomdo conto na década <strong>de</strong> 1970 refletindo que “uma parcela dos contos aqui recolhidos nãotraz nada <strong>de</strong> novo, reciclando <strong>de</strong> maneira repetitiva alguns clichês do gênero herdadosda geração anterior” 88 .Adiante, Moriconi discute a escolha política e consciente <strong>de</strong> Oliveira por<strong>de</strong>terminados autores. Ele observa que logo na introdução o organizador admite que nãoé feito um retrato politicamente correto dos anos 19<strong>90</strong> e86 Mirisola, “Cavalos não reclamam”.87 Moriconi, “O que você conta <strong>de</strong> novo, geração <strong>90</strong>?”.88 Id. Ibid.71


afirma taxativamente que os “excêntricos” (a expressão é <strong>de</strong>le) ainda não conquistaramum espaço na literatura brasileira. Por “excêntricos”, enten<strong>de</strong> a mulher, o negro, o índio,o favelado, o homossexual. Mas isso não quer dizer que sua antologia não tenha umapolítica. Toda antologia literária t<strong>em</strong> uma política cultural por trás, um conceito que lhedá a moldura básica. 89A esse respeito, é preciso trazer à tona a constatação <strong>de</strong> que o grupo aquiabordado é, como qualquer outro, hermético. Com regras (e gostos e discursos) internasmuito b<strong>em</strong> consolidadas e conhecidas por aqueles que ali transitam. Por algumanecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a leituras i<strong>de</strong>ológicas e éticas, calcadas <strong>em</strong> noçõessociológicas e antropológicas, <strong>de</strong> estudos que vêm sendo produzidos acerca darepresentação social na literatura, já existe certo movimento do grupo no sentido <strong>de</strong>justificar ausências ou exaltar inclusões. Oliveira admite isso na apresentação <strong>de</strong><strong>Geração</strong> <strong>90</strong>: manuscritos <strong>de</strong> computador, como observou Moriconi <strong>em</strong> sua crítica. “Osexcêntricos”, diz Oliveira, “os que são mantidos fora do centro on<strong>de</strong> as gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>cisõessão tomadas – a mulher, o negro, o índio, o favelado, o homossexual – ainda nãoconquistaram o merecido espaço” <strong>90</strong> .A reflexão <strong>de</strong> Oliveira, entretanto, não permite que ele anteveja e assuma certaresponsabilida<strong>de</strong>. Afinal, <strong>de</strong> acordo com a leitura que ele faz da realida<strong>de</strong> atual, entre osmais <strong>de</strong> cinqüenta contistas brasileiros são poucos os “excêntricos”. A antologia não fazesforço para reverter esse quadro. Entre os <strong>de</strong>zessete da primeira e os <strong>de</strong>zesseis dasegunda, quatro são mulheres e arriscaríamos dizer que não há negros 91 .Moriconi acrescenta que “para sorte <strong>de</strong> Nelson <strong>de</strong> Oliveira, sua antologia se<strong>de</strong>fine menos por aquilo que exclui e mais por aquilo que inclui” e analisa qual é aestratégia <strong>de</strong> inclusãoTratou Nelson <strong>de</strong> trazer ao público leitor uma amostrag<strong>em</strong> eqüitativa das duas principaisvertentes formais <strong>em</strong> que se distribui a produção contística da nova geração. De umlado, o miniconto, o microrrelato que vai <strong>de</strong> apenas duas linhas (como <strong>em</strong> “Epígrafe”,<strong>de</strong> Marçal Aquino) até o que se po<strong>de</strong> chamar ainda <strong>de</strong> conto curto, chegando a nomáximo 5 ou 6 páginas. De outro lado, o conto propriamente dito, o conto-padrãocont<strong>em</strong>porâneo, que t<strong>em</strong> uma duração <strong>de</strong> até aproximadamente 15 páginas 92 .89 Id. Ibid.<strong>90</strong> Oliveira, “Contistas do fim do mundo”, p. 12.91 Em pesquisa por imagens, via internet, quatro autores não pu<strong>de</strong>ram ter a cor i<strong>de</strong>ntificada.92 Moriconi, op. cit.72


3.2 Publicida<strong>de</strong> literáriaSe a concisão e o diálogo com a linguag<strong>em</strong> jornalística, recursos já utilizadospelo grupo dos anos 1970, permanec<strong>em</strong> como el<strong>em</strong>entos importantes do texto da<strong>Geração</strong> <strong>90</strong>, a proximida<strong>de</strong> com as teorias publicitárias é um ponto novo. Alguns doscontistas trabalham paralelamente <strong>em</strong> agências <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>, como <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong> eAndré Sant’Anna. E é notório como esse vínculo se reflete nas estratégias <strong>de</strong>autodivulgação e <strong>de</strong> divulgação do grupo e como tudo isso está relacionado com aprofissionalização do escritor, que discutimos no segundo capítulo.A ambientação acaba por ser um el<strong>em</strong>ento importante <strong>de</strong>ssa criação <strong>de</strong> imag<strong>em</strong>.Do café da Vila Madalena eles passam para a Mercearia São Pedro, no mesmo bairro.Hoje, o bar-lanchonete-mercearia-livraria-vi<strong>de</strong>olocadora funciona como espaçoaglutinador do grupo <strong>em</strong> questão e <strong>de</strong> interessados <strong>em</strong> literatura. Em texto sobre a históriada Mercearia, disponível no site <strong>de</strong>la (que <strong>de</strong>staca também o cardápio e mini resenhas <strong>de</strong>livros e filmes), um acolhedor último parágrafo arr<strong>em</strong>ata a idéia <strong>de</strong> espaço literário:Hoje, não é preciso mais levar o litro vazio para comprar a Cândida. Ela continua lá,agora dividindo espaço com Moravia, Bukowski, Cortázar, Câmara Cascudo, Altman,Murilo Salles e Tim Burton. Mas a casa é a mesma, basta você entrar. Ela é sua 93 .É significativa, por ex<strong>em</strong>plo, a doação do troféu do Prêmio Jabuti, recebido <strong>em</strong>2006 por <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>, à Mercearia.Amigos, amanhã, quarta à noite, é o dia da entrega do Prêmio Jabuti a mim e à MerceariaSão Pedro. Explico: <strong>de</strong>pois da solenida<strong>de</strong> <strong>em</strong> que será entregue o cágado para o meu livroContos Negreiros, lá na Sala São Paulo, partirei para o nosso boteco preferido. Explico <strong>de</strong>novo: <strong>em</strong> uma das prateleiras da Mercearia é on<strong>de</strong> o prêmio vai parar. Entendam: nãoestou <strong>de</strong>smerecendo a honraria. Estou dando a ela mais honraria ainda. 94Não há como não afirmar que é essa doação uma forma <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cimento aoestabelecimento comercial e também mais um modo <strong>de</strong> contribuir para a suaconsolidação como o espaço cativo da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>. A Mercearia é reconhecida hojecomo o bar on<strong>de</strong> os novos escritores costumam se encontrar e existe no campo literárioum certo glamour envolvendo o local. Autores, jornalistas da área e interessados <strong>em</strong>literatura <strong>de</strong> todo o país já ouviram falar no bar. Assim, o vínculo com a publicida<strong>de</strong> –tanto <strong>em</strong> favor dos textos dos autores que ali transitam, quanto do próprio local – seconsolida. E isso não é escamoteado. Ao contrário <strong>de</strong> alguns puristas do ambiente93 Disponível <strong>em</strong> www.merceariasaopedro.com.br/historia.htm.94 Em postag<strong>em</strong> publicada <strong>em</strong> 12 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2006, <strong>em</strong> www.eraodito.blogspot.com.73


literário, que tentam <strong>de</strong>svincular qualquer ativida<strong>de</strong> ligada à literatura do comércio, damídia, do negócio, os m<strong>em</strong>bros da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> levam tudo isso às últimasconseqüências.Faz parte <strong>de</strong> todo esse aparato quase virtual, <strong>em</strong>basado <strong>em</strong> teorias do marketing ecom propósitos inegáveis <strong>de</strong> divulgação, o tratamento dado pelos m<strong>em</strong>bros da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>à crítica. Des<strong>de</strong> o lançamento da primeira antologia, registra-se um s<strong>em</strong>-número <strong>de</strong>resenhas, comentários e notícias acerca dos livros e do “grupo da Mercearia”.3.2.1 A crítica à mercantilizaçãoA Folha <strong>de</strong> S. Paulo, a pretexto da Festa Literária Internacional <strong>de</strong> Parati –FLIP, edição 2003, convidou os escritores Milton Hatoum, Bernardo Carvalho, LuizRuffato e Marçal Aquino para uma entrevista-<strong>de</strong>bate a respeito da ficção brasileiraatual. Para anunciar a entrevista, o repórter Cassiano Machado cita <strong>de</strong>claração <strong>de</strong>Aquino, que classifica aquele encontro como “rara oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conversar sobreliteratura brasileira <strong>de</strong> hoje”. Talvez o escritor se refira, aí, a uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntroda gran<strong>de</strong> imprensa – e o que vamos constatar <strong>de</strong> 2003 para cá é que o espaço paradiscussão aumenta –, mas é preciso ressaltar que no âmbito literário, <strong>em</strong> bares, espaçosliterários ou na imprensa especializada, essa discussão é constante, inclusive entre osquatro convidados.Antes <strong>de</strong> ressaltarmos alguns trechos da entrevista, é preciso fazer algumasconsi<strong>de</strong>rações. Enquanto Aquino e Ruffato, apesar <strong>de</strong> estar<strong>em</strong> entre os mais velhos dogrupo da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>, são m<strong>em</strong>bros, já que antologizados, Carvalho e Hatoum segu<strong>em</strong>outro caminho. Estão, ambos, inseridos numa esfera paralela, justamente aquela(mencionada há pouco) que resgata postura e aspectos conservadores <strong>em</strong> seus discursose textos. E são eles mesmos que <strong>de</strong>claram, na entrevista à Folha, não ser possívelvislumbrar o que, entre os textos cont<strong>em</strong>porâneos, vai permanecer ou se posterizar.“Não acredito <strong>em</strong> literatura geracional. O t<strong>em</strong>po vai dizer qual texto sobrevive”, opinaHatoum. O trecho abaixo ilustra b<strong>em</strong> essa dissonância.Carvalho - A diversida<strong>de</strong> s<strong>em</strong>pre existiu, <strong>em</strong> qualquer época. O que é curioso e atéperigoso é uma militância que não t<strong>em</strong> a ver com a literatura, mas com a visibilida<strong>de</strong>,um traço normal <strong>de</strong> militância <strong>de</strong> minorias. Se você pegar essas pessoas, elas não têmnenhuma questão <strong>em</strong> comum. Não é como a nouvelle vague, um grupo que fez ummanifesto, iniciou um movimento. Aqui é uma militância para criar espaço no mercado.O perigo da impostura nisso é gran<strong>de</strong>. Você junta alhos com bugalhos, como se fossepropaganda.74


Luiz Ruffato - Você t<strong>em</strong> razão <strong>em</strong> algum momento, Bernardo, mas não é b<strong>em</strong> assim.Essa “<strong>Geração</strong> <strong>90</strong>”, que não existe, foi criada justamente para criar um espaço <strong>de</strong>discussão, que eu acho até que já se esgotou. Mas criou um fato. Qu<strong>em</strong> vai ou não ficarnão t<strong>em</strong> a menor importância.Bernardo Carvalho - Para mim t<strong>em</strong>.Ruffato - Para mim não. O que t<strong>em</strong> importância é o questionamento feito naquel<strong>em</strong>omento. Cada um que tome seu caminho. Eu por ex<strong>em</strong>plo não tenho nada a ver com“<strong>Geração</strong> <strong>90</strong>” 95 .A entrevista (que virou um <strong>de</strong>bate, com pouquíssimas intervenções do repórter),entretanto, não se configurou <strong>em</strong> espaço <strong>de</strong> combate. Os escritores, que na entrevistapareciam fazer parte <strong>de</strong> dois grupos muito distintos, um que adota posições tradicionaise conservadoras, e outro que <strong>de</strong>clara a vinculação com a mídia, até concordaram <strong>em</strong>diversos pontos. Porém, enquanto o assunto foi a <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>, existiu disparida<strong>de</strong>.Carvalho - Acho o contrário <strong>de</strong> você. O foco está na publicida<strong>de</strong>.Ruffato - De qu<strong>em</strong>?Carvalho - Das pessoas.Ruffato - Não concordo.Carvalho - Na abertura <strong>de</strong> um espaço <strong>de</strong> mercado.Ruffato - Isso é ótimo, não tínhamos mercado, hoje t<strong>em</strong>os.Carvalho - Mas isso é negligenciar as coisas <strong>em</strong> si.Marçal Aquino - Mas aí entra a consciência que cada um t<strong>em</strong> das coisas que t<strong>em</strong> <strong>de</strong>escrever. Em qualquer momento da literatura ou arte vai haver impostura.Carvalho - A literatura para mim t<strong>em</strong> um trabalho solitário muito diferente do das outrasartes. Os movimentos são secundários. O que importa é o que vai ficar, não abertura <strong>de</strong>mercado.Ruffato - Houve uma tentativa <strong>de</strong> abrir mercado, mas o que vai ficar não <strong>de</strong>cidir<strong>em</strong>osnós.Carvalho - Tudo b<strong>em</strong>, mas o movimento que para mim caracterizou essa “<strong>Geração</strong> <strong>90</strong>”é, <strong>em</strong> primeiro lugar, uma autopromoção incrível, que nunca houve 96 .Chega a ser óbvio que a discussão passa por uma <strong>de</strong>svalorização, por parte <strong>de</strong>Carvalho e Hatoum, que ten<strong>de</strong>m a ter posições mais conservadoras, do vínculo que seestabelece hoje entre o fazer literário e a mídia. No entanto, – e abstraindo o fato <strong>de</strong> que95 Machado, “Folha reúne quatro autores para <strong>de</strong>bater a ficção feita no país”.96 Id. Ibid.75


Hatoum e Carvalho têm os meios <strong>de</strong> comunicação como parceiros e fiéis divulgadores <strong>de</strong>seus livros, o que os vincularia ao grupo mais “liberal” <strong>de</strong> Ruffato e Aquino – é possívelobservar que, se <strong>de</strong> um lado t<strong>em</strong>os uma abordag<strong>em</strong> que con<strong>de</strong>na e consi<strong>de</strong>ra s<strong>em</strong> valori<strong>de</strong>ológico a visão mercantilizada da produção literária, <strong>de</strong> outro t<strong>em</strong>os os que assum<strong>em</strong>s<strong>em</strong> crises essa realida<strong>de</strong>. É a estratégia <strong>de</strong>vidamente aplicada sendo também explicitada.Em artigo-resposta publicado na Folha, Oliveira <strong>de</strong>clara: “‘<strong>Geração</strong> <strong>90</strong>’ foi oartifício que encontrei para reunir e tentar divulgar a prosa dos melhores contistas eromancistas que estrearam no final do século 20. Trata-se <strong>de</strong> uma etiqueta, um rótulo,uma logomarca” 97 . E essa estratégia perpassa todas as ações <strong>de</strong>sse grupo e, quandoconvém, também as ações daqueles que impostam um discurso mais conservador. Omesmo texto <strong>de</strong> Oliveira é iniciado com uma indagação exclamada (“<strong>Geração</strong> <strong>90</strong>, <strong>de</strong>novo?!”) e compl<strong>em</strong>entada por duas afirmações, <strong>em</strong> si, irônicas e com o explícitointuito <strong>de</strong> iniciar um novo <strong>de</strong>bate sobre o mesmo assunto. Um certo ar cansado s<strong>em</strong>istura com um paciente tom orgulhoso, vaidoso: “Ninguém agüenta mais ouvir falar arespeito. Também parece que ninguém agüenta <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> falar a respeito” 98 . Sobre a<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> Carvalho, que vincula a idéia da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> ao “<strong>de</strong>plorável” setormidiático do mercado literário, Oliveira diz que concorda com o colega. “Bernardo nãodá nomes aos autores, talvez por ignorar seus livros. Apenas diz que ‘essas pessoas’estão se promovendo, estão só <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> visibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> espaço no mercado editorial.É a pura verda<strong>de</strong>. Não conheço escritor, genial ou medíocre, que não esteja <strong>em</strong> busca <strong>de</strong>visibilida<strong>de</strong>” 99 . E completa, dando uma boa noção <strong>de</strong> como funciona o passo-a-passo dapublicação <strong>de</strong> um livro <strong>de</strong> literatura:A boa propaganda duela com armas brancas, s<strong>em</strong>pre. É ela que leva os escritores da‘geração <strong>90</strong>’ a ler seus textos <strong>em</strong> praças e escolas, organizar saraus, criar revistas eblogs, falar <strong>de</strong> literatura 24h por dia (perdão, Ruffato, mas eu discordo <strong>de</strong> você) <strong>em</strong>uitas vezes pagar do bolso a edição <strong>de</strong> um livro. O livro pronto, recomeça a batalha:enviá-lo a críticos, jornalistas e outros escritores, insistir para que os livreiros o aceit<strong>em</strong>nas livrarias. Por que essa trabalheira? Porque acreditam que estão escrevendo a melhorliteratura do planeta. E muitos estão. Todo esse movimento é sinal <strong>de</strong> vida literária, <strong>de</strong>sangue correndo no corpo. Tudo isso bate <strong>de</strong> frente com a literatura <strong>de</strong> gabinete, voltadaapenas para o cânone e distante do corre-corre cotidiano, postura aristocrática que casab<strong>em</strong> com a fixação <strong>de</strong> Bernardo e Hatoum na questão da permanência. Questãobizantina, porque discutir “qu<strong>em</strong> vai ficar e qu<strong>em</strong> não vai ficar” é discutir o sexo dosanjos. 10097 Oliveira, “Nelson <strong>de</strong> Oliveira comenta críticas <strong>de</strong> Bernardo Carvalho e Hatoum”.98 Id. Ibid.99 Id. Ibid.100 Id. Ibid.76


O resultado <strong>de</strong> todo esse movimento para aparecer está presente nos meios <strong>de</strong>comunicação. O próprio Oliveira nota que se produziram resenhas apaixonadas (a favore contra) a respeito dos livros. Mas exist<strong>em</strong> também constatações menos passionais,como é o caso do trecho abaixo, publicado <strong>em</strong> matéria da Folha, acerca da Bienal doLivro <strong>de</strong> 2003.Em uma Bienal fraca <strong>de</strong> lançamentos dos “medalhões” da literatura brasileira, umexpressivo grupo <strong>de</strong> “medalhinhas” v<strong>em</strong> mostrando seu brilho. É <strong>de</strong> escritores queestrearam na literatura nos anos <strong>90</strong>, ou até mesmo que começam agora, neste mesmomaio, as melhores surpresas do megaevento carioca. A “literatura nova”, mais parentedo cin<strong>em</strong>a novo do que da bossa nova, ataca <strong>em</strong> várias frentes, mas a mais completa é adupla <strong>de</strong> livros “<strong>Geração</strong> <strong>90</strong>”, que teve sua primeira edição publicada <strong>em</strong> 2001 e que faza pr<strong>em</strong>ière da segunda dose esta tar<strong>de</strong>, com lançamento no Riocentro. 1013.2.2 O caso “Jerônimo, o matador”Para concluir a discussão acerca da postura publicitária dos escritores da<strong>Geração</strong> <strong>90</strong>, é imprescindível observarmos a figura daquele que se tornou, nãoinocent<strong>em</strong>ente, o inimigo-mor do grupo. Repórter da revista Veja, Jerônimo Teixeira éreconhecido entre os escritores do grupo como aquele que critica s<strong>em</strong> <strong>em</strong>basamento aliteratura cont<strong>em</strong>porânea. Pol<strong>em</strong>iza por pol<strong>em</strong>izar.Em matéria <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2005, intitulada “Revelações <strong>de</strong> Parati”, o repórterqualifica <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong> (revelação <strong>de</strong> 2004 da Festa Literária Internacional <strong>de</strong> Parati– FLIP) e João Filho (revelação <strong>de</strong> 2005) como “<strong>de</strong>magogo” e “verborrágico”,respectivamente. Isso <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> opinar no subtítulo que “Os autores <strong>de</strong>scobertos pelafesta literária mereciam o anonimato”. Uma s<strong>em</strong>ana antes a polêmica se anunciou com otexto “Subsídios autorais”, publicado <strong>em</strong> 13 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2005. O subtítulo é, <strong>em</strong> si, umaprovocação: “Era o que faltava: agora os escritores também quer<strong>em</strong> financiamentopúblico”. Com texto irônico e ácido, Teixeira faz eco à postura que adota discursosconservadores, <strong>de</strong> que falamos há pouco. Evoca autores canonizados, como Machado <strong>de</strong>Assis e Graciliano Ramos, que trabalharam como funcionários públicos, pararidicularizar a proposta do movimento <strong>Literatura</strong> Urgente.Até agora, contudo, os escritores não haviam cultivado um mau hábito renitente <strong>de</strong>cineastas e outros profissionais da cultura: pedir dinheiro ao governo para financiar suasobras. Isso mudou. Formado no ano passado, o movimento <strong>Literatura</strong> Urgente reúne umgrupo aguerrido <strong>de</strong> autores que pe<strong>de</strong>m ao Ministério da Cultura a criação <strong>de</strong> “políticas101 Machado, “<strong>Geração</strong> <strong>90</strong> molda transgressão formal”.77


públicas” que foment<strong>em</strong> o “<strong>de</strong>senvolvimento do trabalho criativo”. Em portuguêscorrente, o que eles quer<strong>em</strong> é ganhar um troco. 102Um outro parágrafo ilustra b<strong>em</strong> esse sentimento frente ao manifesto domovimento, enviado ao Ministério da Cultura e que incluiu 181 escritores (entre eles, opróprio Milton Hatoum).Para escrever um livro são necessários papel e lápis. Um lápis basta, se o sujeito nãoapertar muito. Depois disso, a melhor esperança é que haja na vizinhança um públicoleitor amplo e ávido. Nesse ambiente, os escritores conseguirão ven<strong>de</strong>r e serãor<strong>em</strong>unerados com direitos autorais. Os que ven<strong>de</strong>r<strong>em</strong> mais po<strong>de</strong>rão até ficar ricos (J.K.Rowling, da série Harry Potter, é hoje mais rica que a rainha da Inglaterra). Os queven<strong>de</strong>r<strong>em</strong> menos talvez tenham <strong>de</strong> compl<strong>em</strong>entar a renda com outros trabalhos. Mas, sedinheiro público precisa ser gasto, que seja com o fomento à leitura, e não com pensõespara escrevinhadores tiradas do bolso do contribuinte. 103Depois <strong>de</strong> ter suas matérias rebatidas, via blog, por vários m<strong>em</strong>bros da <strong>Geração</strong><strong>90</strong>, inclusive por meio <strong>de</strong> uma carta (ver anexo VI) ao editor-chefe da revista, MárioSabino, publicada no diário eletrônico <strong>de</strong> <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong> – antes disso, foi publicado otexto “Jerônimo, o matador” (ver anexo VII) –, os ataques, interpretados como umaagressivida<strong>de</strong> gratuita, cessaram. Mas isso só até ser<strong>em</strong> lançados O paraíso é b<strong>em</strong>bacana, <strong>de</strong> André Sant’Anna, Joana a contragosto, <strong>de</strong> Marcelo Mirisola, Dedo negrocom unha, <strong>de</strong> Daniel Pellizzari, e O oitavo dia da s<strong>em</strong>ana, <strong>de</strong> Nelson <strong>de</strong> Oliveira. Apretexto <strong>de</strong>sses lançamentos, foi publicada a matéria “A horda dos transgressores”, <strong>em</strong>1° <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2006, com o seguinte subtítulo: “Eles acham que estão quebrando tudo,mas faz<strong>em</strong> uma literatura pueril” e ilustração <strong>de</strong> uma suposta guerra <strong>de</strong> catapultasprotagonizada pelos autores (ver figura 3), cuja legenda era: “Marcelo Mirisola, DanielPellizzari, André Sant'Anna e Nelson <strong>de</strong> Oliveira: cafajestismo militante, nonsense,celebração da idiotia e crepúsculos saltitantes”.102 Teixeira, “Subsídios autorais”.103 Id. Ibid.78


Figura 3Jerônimo inicia o texto falando <strong>de</strong> Mané, protagonista <strong>de</strong> O paraíso é b<strong>em</strong>bacana: “Virg<strong>em</strong>, ingênuo, sexualmente inibido e quase afásico, Mané vive uma eternainfância, incapaz <strong>de</strong> qualquer amadurecimento efetivo”. E usa essas características para<strong>em</strong>endar: “A mesma puerilida<strong>de</strong> assola, <strong>em</strong> diferentes graus, os livros publicadosrecent<strong>em</strong>ente por alguns ‘transgressores’ – o próprio Sant'Anna, Marcelo Mirisola,Daniel Pellizzari e o organizador da coletânea, Nelson <strong>de</strong> Oliveira” 104 . Assim, fala mais<strong>de</strong>tidamente <strong>de</strong> cada um dos lançamentos, conforme os trechos a seguir.No melhor gênero Forrest Gump, O Paraíso É B<strong>em</strong> Bacana celebra a idiotia, ao sugerirque Mané, com sua incompetência cognitiva e lingüística (ele usa palavras como“plobl<strong>em</strong>a”), t<strong>em</strong> uma sabedoria pura e primitiva, inacessível aos cerebrados.O cafajestismo militante do autor – que coloca a si mesmo como herói da história – atépo<strong>de</strong>ria ser um divertido ataque à correção política e sanitária do “sexo seguro”, se nãose diluísse <strong>em</strong> sentimentalismo kitsch: o livro é um interminável lamento pela tal Joana,que abandonou o narrador. O estilo coloquial não é tão estropiado quanto os <strong>de</strong>lírios <strong>de</strong>Mané/Sant'Anna, mas há erros crassos <strong>de</strong> concordância (“talvez a mistura <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po elugares errados me fizeram acreditar que...”).Em Dedo Negro com Unha (DBA), <strong>de</strong> Daniel Pellizzari, a puerilida<strong>de</strong> se revela <strong>em</strong> umaespécie <strong>de</strong> incontinência narrativa: são tantas as brinca<strong>de</strong>iras metalingüísticas que a obraesquece <strong>de</strong> dizer a que veio. Pellizzari quer pautar sua literatura pelo nonsense, comoindicam as citações <strong>de</strong> Lewis Carroll e Edward Lear, mestres ingleses do gênero. Masmesmo o nonsense exige consistência narrativa, especialmente <strong>em</strong> um romance.A resposta-padrão a essa crítica – a qualquer crítica – já está impressa no posfácio <strong>de</strong>Dedo Negro, a cargo <strong>de</strong> Joca Reiners Terron (outro escritor que se inclui entre os104 Teixeira, “A horda dos transgressores”.79


transgressores): as inovações <strong>de</strong> Pellizzari estão <strong>em</strong> “<strong>de</strong>scompasso” com a críticabrasileira. É mais uma vez a cansada retórica vanguardista do “estamos-adiante-donosso-t<strong>em</strong>po”.Nos seus manifestos, os transgressores não inovam <strong>em</strong> nada. N<strong>em</strong> sequerarranjaram um inimigo novo contra o qual se bater – na introdução à coletânea <strong>Geração</strong><strong>90</strong>, Oliveira ataca o realismo do século XIX, que, segundo ele, não iria ao “cerne dascoisas” (conclui-se que autores como Flaubert e Tolstoi são superficiais).Metáforas <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong>nunciam uma ilusão característica <strong>de</strong>sse grupo: a crença ingênua– mais uma vez, infantil – na beleza re<strong>de</strong>ntora da palavra, na <strong>Literatura</strong>, commaiúscula. 105conteúdo:A matéria é arr<strong>em</strong>atada com um box no mínimo provocador, com o seguinteComo escrever um livro “transgressor”ESCREVA COM DESLEIXOQualquer arr<strong>em</strong>edo da linguag<strong>em</strong> coloquial, com palavras como “plobl<strong>em</strong>a” ou “veio”,passa por um estilo inovadorSEJA NOJENTOFlatulências, ejaculações, excreções – todos os fluidos e gases corporais merec<strong>em</strong><strong>de</strong>scrições <strong>de</strong>talhadas. Quanto mais melecado for um livro, mais transgressor ele éFALE DE SEXO SELVAGEMNa hora do sexo, posição convencional não vale. Tudo <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>scrito comabundantes palavrõesCRIE PERSONAGENS “MALDITOS”Se o herói da história não for um marginal, t<strong>em</strong> <strong>de</strong> pelo menos fazer pose. Se oprotagonista for um escritor, terá <strong>de</strong> ser incompreendido e <strong>de</strong>sbocadoSEJA NARCISISTAColoque a si mesmo como herói <strong>de</strong> seu romance. Ou arranje um amigo para escreverum posfácio dizendo que sua obra é a mais pós-mo<strong>de</strong>rna que existe no mercado 106A visão do jornalista, que suscitou nas três ocasiões respostas <strong>em</strong> blogs e sites,t<strong>em</strong> obviamente a intenção <strong>de</strong> pol<strong>em</strong>izar a produção do grupo <strong>em</strong> questão. Os motivos,além da já <strong>de</strong>batida (e batida) visão baseada na “qualida<strong>de</strong>”, não são explícitos. Oposicionamento do repórter ora se vincula ao pensamento mais conservador, ainda <strong>em</strong>voga (e dominante) na cena literária nacional, ora acena para uma leitura crítica domovimento. Com a primeira matéria, porque quis pol<strong>em</strong>izar as figuras que transitamimpun<strong>em</strong>ente no cenário da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>. Com a segunda, quis <strong>de</strong>nunciar a ação do<strong>Literatura</strong> Urgente, que pediu (e conseguiu, como vimos no capítulo anterior) subsídios105 Id. Ibid.106 Id. Ibid.80


governamentais para a produção literária nacional, como se isso fosse imprescindível.Ao lado <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>núncia, aparece certa i<strong>de</strong>ntificação com os que rechaçam aprofissionalização do escritor. Isso, obviamente, <strong>em</strong> termos práticos, pois oficialmente alei que trata <strong>de</strong> direitos autorais está <strong>em</strong> voga <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1973 (Lei 5.988). Com a terceiramatéria, porque fez uma leitura propositadamente superficial dos livros e provocou umolhar ridicularizador sobre o que se produz atualmente. O mercado e as relaçõestrabalhistas exist<strong>em</strong>, mas há também a necessida<strong>de</strong>, igualmente propagandística, <strong>de</strong> s<strong>em</strong>anter sobre a literatura a aura nobre da arte superior, feita por poucos e consumida poraqueles <strong>de</strong> gosto apurado. Essa discussão foi aprofundada nos capítulos anteriores.Agora, para concluir esse retrato da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>, com o ambiente que apossibilitou, falar<strong>em</strong>os mais <strong>de</strong>tidamente sobre alguns autores <strong>de</strong>sse grupo. A idéia éabordar aspectos biográficos e bibliográficos, <strong>de</strong> modo a ilustrar as noções quediscutimos a respeito da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>. Quatro foram escolhidos. O primeiro é o próprioNelson <strong>de</strong> Oliveira, organizador das antologias. Os <strong>de</strong>mais foram selecionados porquepassaram, junto com as críticas e elogios ao grupo, a publicar por editoras gran<strong>de</strong>s. Poroutras palavras, expressam <strong>em</strong> parte o resultado das antologias e <strong>de</strong> toda a agitação <strong>em</strong>torno do livro, as polêmicas, as brigas etc. <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong> está entre eles e o quartocapítulo será <strong>de</strong>dicado à análise <strong>de</strong> suas estratégias.3.3 Biografias da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>Nelson <strong>de</strong> Oliveira nasceu <strong>em</strong> 1966 <strong>em</strong> Guaíra, interior <strong>de</strong> São Paulo. Publicouos livros Os saltitantes seres da lua (Relume Dumará, 1997); Qu<strong>em</strong> é qu<strong>em</strong> nessevaiev<strong>em</strong>? (FTD, 1997); Naquela época tínhamos um gato e outros contos (Cia dasLetras, 1998); Subsolo infinito (Cia das Letras, 2000); O leão que achava que eradomador (Mercuryo, 2000); O sumiço das palavras (Saraiva, 2001); O filho docrucificado (Ateliê, 2001); A maldição do macho (Record, 2002); O século oculto(Escrituras, 2002); O mistério da terrível caixa (Beca, 2002); Mais dia menos dia, apaixão (Hedra, 2002); Sol e Lua (DCL, 2003); A fuga dos animalucos (Beca, 2003);Verda<strong>de</strong>s provisórias: anseios crípticos (Escrituras, 2003); Sólidos gozosos e solidõesgeométricas (Record, 2004); O oitavo dia da s<strong>em</strong>ana (Travessa dos editores, 2005);Pequeno dicionário <strong>de</strong> percevejos (Lamparina, 2005); Algum lugar <strong>em</strong> parte alguma(Record, 2006). Editou, <strong>em</strong> conjunto com <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong> e Tereza Yamashita, arevista PS:SP, <strong>em</strong> 2003, e publica resenhas <strong>em</strong> jornais e revistas especializadas. Édiretor <strong>de</strong> arte e mestre <strong>em</strong> Letras pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo – USP. Recebeu81


alguns prêmios literários, entre eles o Casa <strong>de</strong> las Américas, <strong>em</strong> 1995, o da FundaçãoCultural da Bahia, <strong>em</strong> 1996, e o da Associação Paulista dos Críticos <strong>de</strong> Arte – APCA,<strong>em</strong> 2002 e 2003. Transita, como pu<strong>de</strong>mos notar, entre editoras gran<strong>de</strong>s e pequenas <strong>de</strong>modo muito peculiar: s<strong>em</strong> criar vínculos duradouros, como seria praxe.Em entrevista à Secretaria <strong>de</strong> Cultura do Mato Grosso, <strong>de</strong>clarou:Tive muita dificulda<strong>de</strong> pra publicar meu primeiro livro, mas <strong>de</strong>pois disso, com a ajuda<strong>de</strong> dois prêmios importantes, a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sapareceu. Hoje posso dizer que vivo <strong>em</strong>plena liberda<strong>de</strong> criativa: escrevo o que quero e não sofro com a falta <strong>de</strong> editor. É claroque não vivo do que eu escrevo, afinal o número <strong>de</strong> leitores sofisticados no Brasils<strong>em</strong>pre foi bastante reduzido. 107A <strong>de</strong>claração reflete alguma luci<strong>de</strong>z <strong>de</strong> Oliveira frente ao mercado editorial, masé perceptível certo ranço quando qualifica o leitor que consome seus livros. Essa“sofisticação” é <strong>de</strong> fato exigida do leitor, pois os textos apesar <strong>de</strong> apelar<strong>em</strong> para oescatológico são construídos longe do que seria uma “linguag<strong>em</strong> popular”, mas o tomda <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> Oliveira se aproxima àquele que hierarquiza literatura erudita, popularetc. Outro trecho da entrevista <strong>de</strong>ixa transparecer a mesma idéia.Há vinte, quinze anos não existiam tantas editoras quanto hoje. Graças às novastecnologias a edição <strong>de</strong> livros ficou muito barata. Os escritores jovens, com obra <strong>em</strong>formação, não po<strong>de</strong>m mais reclamar da falta <strong>de</strong> editor. Eles mesmos po<strong>de</strong>m, com poucodinheiro, se transformar <strong>em</strong> seu próprio editor, libertando contos, po<strong>em</strong>as e romancesque no passado ficariam presos na gaveta. Isso é bastante animador. Em breveestar<strong>em</strong>os soterrados por livros <strong>de</strong> todas as qualida<strong>de</strong>s. Está na hora <strong>de</strong> educar apopulação, <strong>de</strong> erradicar o analfabetismo, <strong>de</strong> preparar todos os brasileiros para essaavalanche <strong>de</strong> palavras impressas. 108O vínculo com a imag<strong>em</strong> do ato da leitura como salvador da massa iletrada –como se os valores da classe média alta e da elite intelectual serviss<strong>em</strong> automaticamenteaos interesses dos mais pobres – já foi discutido no primeiro capítulo. Apesar <strong>de</strong>sseaspecto, que ressalta a crítica limitada do autor, Oliveira é consi<strong>de</strong>rado uma figuraimportante no ambiente literário brasileiro tanto como escritor quanto como agitadorcultural. Moriconi opina a seu respeito: “nos últimos anos, através <strong>de</strong> uma intensaativida<strong>de</strong> como ficcionista e polígrafo literário, Nelson aparent<strong>em</strong>ente assumiu umpouco o papel <strong>de</strong> aglutinador, <strong>de</strong> ‘consciência falante’ da geração <strong>90</strong>” 109 .107 Disponível <strong>em</strong> www.cultura.mt.gov.br.108 Id. Ibid.109 Moriconi, op. cit.82


Marcelo Mirisola e André Sant’Anna são ex<strong>em</strong>plos <strong>de</strong> uma vertente distinta,mas b<strong>em</strong> aproximada àquela on<strong>de</strong> figura Oliveira. Se algum dos dois po<strong>de</strong> serconsi<strong>de</strong>rado agitador, isso se <strong>de</strong>ve a eventuais respostas ou manifestações provocadaspor <strong>de</strong>clarações da crítica ou da imprensa. Eles não promov<strong>em</strong> eventos, encontros,saraus etc. Participam quando convidados. Em comum, apresentam o fato <strong>de</strong> que seusmais recentes livros foram publicados por gran<strong>de</strong>s editoras. O impacto <strong>de</strong>ssa mudançaaguarda um estudo comparativo mais aprofundado sobre as obras.Mirisola nasceu <strong>em</strong> 1966, na capital paulista. É bacharel <strong>em</strong> Direito, mas nãoexerceu a profissão. Publicou os livros Fátima fez os pés para mostrar na choperia(Estação Liberda<strong>de</strong>, 1998), O herói <strong>de</strong>volvido (Editora 34, 2000), O azul do filho morto(Editora 34, 2002), Bangalô (Editora 34, 2003), Notas da arrebentação (Editora 34,2005) e Joana a contragosto (Record, 2006). É conhecido (e também <strong>de</strong>sprezado porisso) como um escritor nojento, escatológico, cínico e controverso. “A literatura <strong>de</strong>Marcelo Mirisola é marcada quase que exclusivamente por uma obsessão: sexo. Nada aver com a erotização fina e sublimada, mas com o escatológico, o abjeto” 110 , <strong>de</strong>senhaAzevedo. A pretensão é clara: chocar. E é evi<strong>de</strong>nte uma postura que preten<strong>de</strong> fugir dahipocrisia reinante entre os agentes do campo literário. Se existe a predisposição <strong>de</strong> seven<strong>de</strong>r, ela é <strong>de</strong>clarada. Essa postura literária, escolha estética, se esten<strong>de</strong> à realida<strong>de</strong>.Personag<strong>em</strong> e autor costumam se misturar também nas esferas públicas.Como observa Azevedo, o texto <strong>de</strong> Mirisola <strong>de</strong>nuncia e pratica (e isso já éresultado <strong>de</strong> certa confusão intencional) um preconceito <strong>de</strong>clarado: é machista,misógino, homofóbico e racista. Muitos <strong>de</strong> seus contos não segu<strong>em</strong> uma lógicaconvencional. São interrompidos parcialmente (quando são inseridos comentários arespeito <strong>de</strong> alguma figura <strong>em</strong> voga na mídia) ou completamente (para dar lugar ao pontofinal). Esse vínculo que ele acaba por fazer com a realida<strong>de</strong> é o que dá certalegitimida<strong>de</strong> ao texto literário que constrói. Os contos e romances são exclusivamentenarrados <strong>em</strong> primeira pessoa por um indivíduo que assina MM ou Marcelo, apenas. Asreferências e os diálogos com a biografia <strong>de</strong> Mirisola são evi<strong>de</strong>ntes.Ao falar <strong>de</strong> sua própria vida, ou pelo menos evi<strong>de</strong>nciar alguns dados biográficosverossímeis, o autor estabelece certo mecanismo <strong>de</strong> controle sobre o leitor, <strong>de</strong>clarandonarrar a verda<strong>de</strong> absoluta. Daí, fantasias e divagações absurdas ganham status <strong>de</strong> real. Avoz narrativa, observa Azevedo, é um ato performático: “A personalida<strong>de</strong> forjada se110 Azevedo, op. cit., p. 76.83


<strong>de</strong>sdobra na contra-imag<strong>em</strong> cínica <strong>de</strong>ixando-se contaminar por ela, fraturando asubjetivida<strong>de</strong>” 111 . Moriconi opina que Mirisola “é hoje um autor cult adorado poralguns, <strong>de</strong>preciado por outros. Os contos publicados na antologia traz<strong>em</strong> umaradicalização <strong>de</strong> sua fórmula, baseada na encenação <strong>de</strong> uma performance cínica” 112 .Com essa mesma energia, Mirisola <strong>de</strong>stacou, por meio <strong>de</strong> seu blog (criado <strong>em</strong> 13<strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2006 e encerrado quinze dias <strong>de</strong>pois), os críticos e jornalistas que elejulga como ratos covar<strong>de</strong>s. Aqueles textos “impublicáveis” por gran<strong>de</strong>s jornais(inclusive alguns <strong>de</strong>claradamente recusados) foram expostos no diário eletrônico doautor. Ali, valeu até mesmo provocar conflitos com os colegas da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>. Hoje, elet<strong>em</strong> uma coluna com Caco Galhardo na revista Sexy.Já André Sant’Anna nasceu <strong>em</strong> Belo Horizonte, no ano <strong>de</strong> 1964. Filho <strong>de</strong> SérgioSant’Anna, passou parte da adolescência com o pai, apren<strong>de</strong>ndo – <strong>de</strong> modo indireto – aser escritor. André conta que essa era a última <strong>de</strong> suas opções, já que assistia aosmomentos <strong>de</strong> aflição, mau humor e solidão do pai, quando da escritura <strong>de</strong> um romanceou da preparação <strong>de</strong> um livro <strong>de</strong> contos. Começou na música, tocando contrabaixo nogrupo Tao e Quao. Declarou ter iniciado sua produção literária a partir <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>silusãoamorosa, escrevendo diários. Deles, nasceu o seu primeiro livro, Amor (Dubolso, 1998).De difícil classificação, o livro (meio po<strong>em</strong>a, meio romance aliterado) é uma sucessão<strong>de</strong> fatos, repetições, com certa escatologia. Em entrevista ao site Tudo Lorota, <strong>de</strong>clarouque, com o livro pronto, pensou:“Estou com uma coisa diferente, interessante aqui”, e man<strong>de</strong>i pro meu pai. E aí ele metelefonou, todo entusiasmado, e falou: “Pô, que coisa diferente isso aqui, vou indicar,tal” mas também falou: “Acho que ninguém vai querer editar, manda pro Tião” - oSebastião Nunes, um mineiro, ex-poeta, <strong>de</strong> Sabará, que tinha as Edições do Bolso. 113O fato <strong>de</strong> ter o pai <strong>de</strong>vidamente inserido no mercado editorial, e festejado pelacrítica, certamente funcionou como facilitador para a sua estréia. O caminho, entretanto,respeitou certa praxe dos m<strong>em</strong>bros do grupo da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> e foi iniciado por umaeditora pequena.É uma coisa que facilita o caminho, arruma gráfica mais barato, mas você banca o livro.Era um livro caro por causa das ilustrações coloridas. Na época O Amor custou seis milreais. O livro ficou pronto <strong>em</strong> 95, eu man<strong>de</strong>i pro Tião, ele leu, e foi sair no final <strong>de</strong> 97.111 Id. p.78.112 Moriconi, op. cit.113 Disponível <strong>em</strong> www.tudolorota.com.br.84


E nesse intervalo, eu comecei já a rabiscar O Sexo no trabalho. Então logo que saiu OAmor, O Sexo estava praticamente pronto. 114Em Sexo (7Letras, 1999) se consolidou o estilo repetitivo e irônico, por issomesmo, digno <strong>de</strong> atenção. Dessa vez, uma editora híbrida: comercial e prestadora <strong>de</strong>serviços. O escritor arcou parcialmente com os custos <strong>de</strong>ssa edição.Já com O paraíso é b<strong>em</strong> bacana (Companhia das Letras, 2006), existiu todo oaparato que almeja qualquer autor que queira se profissionalizar, ainda qu<strong>em</strong>inimamente. O contrato previu a confecção <strong>de</strong> um romance para uma coleção (o queacabou por não acontecer) <strong>em</strong> um ano – que virou três –, com adiantamento para o autore outras regalias. As conversas com os editores parec<strong>em</strong> ter sido bastante informais,como narra Sant’Anna:O Luiz Schwarcz falou que eu <strong>de</strong>via cortar uns <strong>de</strong>z por cento do livro. A Maria Emíliaachava que menos. Cada um fez algumas sugestões, teve essa coisa dos <strong>de</strong>lírios dopersonag<strong>em</strong>, que ele fica lá no paraíso, com cenas <strong>de</strong> sexo meio escatológicas, umascoisas meio... é um troço meio chato, vai enjoando... e eu fiquei nessa dúvida até o fim:“corto ou não corto?” ... E no final acabei optando por <strong>de</strong>ixar chato mesmo. 115E é um romance <strong>de</strong> 451 páginas, com acabamento impecável, o que po<strong>de</strong> serconsi<strong>de</strong>rado fato raro: um livro <strong>de</strong> custo alto, escrito por um autor pouco conhecido dopúblico leitor, produzido por uma das maiores editoras brasileiras. Em resenha, PauloBentancur <strong>de</strong>clara que o livro éum admirável feito na literatura brasileira, normalmente acusada <strong>de</strong> tímida, <strong>em</strong>conteúdo e <strong>em</strong> extensão, e acredito que sobrará fôlego ao leitor, como sobrou a mim,lendo e relendo quase 500 páginas que, a partir <strong>de</strong> agora, se não servir<strong>em</strong> <strong>de</strong> referênciaao que <strong>de</strong> melhor somos capazes <strong>de</strong> produzir, então, <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> literatura, somosmesmo, criticamente, uns manés. 116De volta à entrevista ao site Tudo Lorota, <strong>de</strong>stacamos o que Sant’Anna opinouquando questionado sobre as matérias da Veja a respeito da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>. “A questãon<strong>em</strong> é respon<strong>de</strong>r o Jerônimo Teixeira (jornalista que assina as matérias), porque ele nãoleu o meu livro, tá na cara que não leu” 117 . E chegou a cogitar certa conspiração: “Achoque é uma coisa pessoal, ou do Jerônimo Teixeira, ou do Mário Sabino (redator-chefeda revista), uma antipatia, uma raiva qualquer. O Nelson <strong>de</strong> Oliveira não <strong>de</strong>ve ter114 I<strong>de</strong>m.115 I<strong>de</strong>m.116 Bentancur, “Quase, ou seja, tudo”.117 Disponível <strong>em</strong> www.tudolorota.com.br.85


convidado ele pro <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>, sei lá...” 118 . No arr<strong>em</strong>ate da entrevista, o escritor opina:“Agora está acontecendo um monte <strong>de</strong> coisa, muita gente escrevendo... a literatura virouaté uma coisa meio pop mesmo, ‘<strong>de</strong>snobrecendo’ a ativida<strong>de</strong> do escritor” 119 .3.3.1 O passado sertanejo e o presente cosmopolita <strong>de</strong> <strong>Freire</strong><strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>, entre os quatro autores escolhidos, é a figura mais dialética.Nor<strong>de</strong>stino da cida<strong>de</strong> pernambucana <strong>de</strong> Sertânia, nasceu <strong>em</strong> 1967 e vive <strong>em</strong> São Paulo<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1991. Um migrante, retirante que resolveu tentar a vida na maior cida<strong>de</strong> brasileira.Esse aspecto se confronta (ou se compl<strong>em</strong>enta) com o fato <strong>de</strong> que ele é consi<strong>de</strong>rado hojeo autor da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> que mais se auto-promove e que ajuda na promoção dos outrosm<strong>em</strong>bros do grupo. Internamente, carrega o codinome self-promoter.Quando ainda vivia no Recife (ao sair <strong>de</strong> Sertânia com dois anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>,morou com a família <strong>em</strong> Paulo Afonso, no estado da Bahia, e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> alguns anosretornou a Pernambuco, passando a viver na capital), trabalhou com grupos <strong>de</strong> teatro eganhou um prêmio local – que não chegou a receber – por um livro <strong>de</strong> contos, publicadomais tar<strong>de</strong>, como edição do autor. É o livro AcRústico, <strong>de</strong> 1995, renegado por <strong>Freire</strong>,que traz treze contos muito oralizados, como o próprio título sugere, intercalados porepígrafes que são trechos <strong>de</strong> letras <strong>de</strong> músicas.Em São Paulo, passou alguns anos apenas trabalhando como revisor <strong>em</strong> agências<strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>. Em 2000, lançou, sob chancela do crítico João Alexandre Barbosa,Angu <strong>de</strong> sangue (Ateliê). São <strong>de</strong>zessete contos, <strong>de</strong>ssa vez intercalados por figuras algomacabras que misturam as cores ver<strong>de</strong> e vermelha para gerar choque, incômodo. Ast<strong>em</strong>áticas giram <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> probl<strong>em</strong>as sociais: os personagens são prostitutas,mendigos, loucos etc. Paralelamente, e para ajudar na divulgação do livro, foi lançada aprimeira edição <strong>de</strong> EraOdito (Ateliê), livro <strong>de</strong> aforismos com segunda edição revistapraticamente esgotada. Depois veio BaléRalé (Ateliê, 2003), também <strong>de</strong> contos. Dezoitoimprovisos, como o autor preferiu chamar, com uma t<strong>em</strong>ática mais direcionada. Ali,foram tratadas questões <strong>de</strong> afetivida<strong>de</strong> gay.Paralelamente, <strong>Freire</strong> esteve (e está) envolvido com outros eventos culturais,ligados ou não à literatura. Entrevistas, palestras <strong>em</strong> escolas e faculda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>bates <strong>em</strong>feiras literárias, participação <strong>em</strong> programas <strong>de</strong> televisão etc. e uma disponibilida<strong>de</strong> paraaten<strong>de</strong>r interessados e fãs muito peculiar. Isso tudo confere a <strong>Freire</strong> o título pop (invisível)118 I<strong>de</strong>m.119 I<strong>de</strong>m.86


<strong>de</strong> “escritor-gente-boa”, o que o difere da figura austera e mal-humorada, tão comumentevinculada à postura padrão do escritor. O intelectual inatingível é, aqui, espedaçado.Essa visibilida<strong>de</strong> acabou gerando um contrato com uma das maiores editorasbrasileiras, a Record. Por ela, lançou, <strong>em</strong> 2005, Contos negreiros. São <strong>de</strong>zesseis contoscantos,também com t<strong>em</strong>ática estabelecida. Dessa vez, os negros. Formato diferenciadodos anteriores, capa dura, projeto visual impecável, o livro ren<strong>de</strong>u a <strong>Freire</strong> o PrêmioJabuti <strong>de</strong> 2006, na categoria Contos.No contrato com a Record, está prevista a preparação <strong>de</strong> um romance. Algumasvezes mencionado <strong>em</strong> entrevistas, o livro, se é que se consolidará, <strong>de</strong>verá ter como títuloGonza-H. Difícil prever a publicação <strong>de</strong>le, já que <strong>Freire</strong> <strong>de</strong>clara não ter fôlego para umromance e que, <strong>em</strong> leituras do que já foi produzido, não t<strong>em</strong> gostado da história.Em entrevistas, o autor <strong>de</strong>clara que escreve para se vingar. De preconceitos, <strong>de</strong>posturas subjugadoras, opressoras etc. Isso não é explicitado; passa por certa místicasobre a sua literatura. Não há afirmações sobre suas intenções, a não ser aquelasvinculadas ao mercado. Os aspectos objetivos, como o estilo oralizado, são maisabordados pelo escritor <strong>em</strong> <strong>de</strong>clarações públicas.O adjetivo <strong>de</strong> agitador não surgiu à toa, como já pincelamos. Além <strong>de</strong> seuspróprios livros, <strong>Freire</strong> organizou a antologia Os c<strong>em</strong> menores contos brasileiros doséculo (Ateliê, 2003), participou da elaboração da revista PS:SP, da coleção 5Minutinhos, com o slogan “30 microcontos para você ler no intervalo da novela”, daprodução <strong>de</strong> shows e cds <strong>de</strong> amigos, saraus, encontros literários e <strong>de</strong> diversas antologias.Em entrevista ao Correio das Artes, diz que literatura precisa ter mais festa, maisvida. E <strong>de</strong>clara que gostaria <strong>de</strong> ser Roberto Carlos. “Que maravilha ter o público <strong>de</strong>Chitãozinho e Xororó para falar <strong>de</strong> literatura” 120 .120 Gue<strong>de</strong>s, “Precisa ter mais festa”.87


Capítulo IV – Motivos e motivações <strong>de</strong> <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>89


Pierre Bourdieu foi provavelmente o primeiro teórico a se preocupar com as estratégias<strong>de</strong> entrada e manutenção <strong>de</strong> escritores no mercado editorial. No já citado As regras daarte, ele faz uma panorâmica, com base <strong>em</strong> uma leitura sociológica, do campo literáriofrancês. S<strong>em</strong> prejuízos aparentes, transplantamos a metodologia <strong>de</strong>le para enten<strong>de</strong>r omercado brasileiro. Mas exist<strong>em</strong> algumas peculiarida<strong>de</strong>s conceituais aqui: quando aanálise se limita a um espaço global <strong>de</strong> trocas ou às estratégias <strong>de</strong> um grupo, ela po<strong>de</strong>ser mais aceita do que uma abordag<strong>em</strong> direta a um ou outro escritor, que po<strong>de</strong> soarofensiva e fora <strong>de</strong> lugar. Como conclusão dos tópicos até aqui <strong>de</strong>senvolvidos, pu<strong>de</strong>mosperceber que talvez faça parte das estratégias <strong>de</strong> alguns escritores fingir que elas nãoexist<strong>em</strong>. É como se não coubesse ao papel <strong>de</strong>les a responsabilida<strong>de</strong> (ou parte <strong>de</strong>la) pelaformação e manutenção <strong>de</strong> sua imag<strong>em</strong> diante do público. Esse papel seria <strong>de</strong>legado aeditoras ou agentes literários. Para alguns, n<strong>em</strong> isso: o i<strong>de</strong>al seria que o sucesso surgissecomo conseqüência “natural” <strong>de</strong> sua competência ou genialida<strong>de</strong>.De acordo com as teorias do marketing, a formação <strong>de</strong> uma imag<strong>em</strong> se dá combase <strong>em</strong> diversos fatores. Numa <strong>em</strong>presa, t<strong>em</strong>os como o principal <strong>de</strong>les a qualida<strong>de</strong> dosprodutos ou serviços oferecidos. Mas também contribu<strong>em</strong> para a “boa imag<strong>em</strong>” aserieda<strong>de</strong>, o cumprimento das leis trabalhistas, as preocupações ambientais, entreoutros. Ao transplantarmos essa idéia para os estudos <strong>de</strong> formação da imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> umescritor ou artista, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar valores que são até antagônicos: compromisso e<strong>de</strong>scompromisso, ousadia e prudência etc. Na literatura produzida hoje no Brasil, existequase uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se investir na comunicação com valores morais, mas tambémexist<strong>em</strong> os rompimentos, as tentativas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sequilibrar leituras. E isso é também umaestratégia, mas pouco discutida.Até se admite refletir, no âmbito do campo literário, sobre os diálogos das obras<strong>de</strong> literatura com o contexto social <strong>em</strong> que está inserida. Mas, como no ponto anterior, édifícil que se admita que esses diálogos são intencionais e que configuram estratégia.Ainda que seja exclusivamente para atribuir à obra o valor da atualida<strong>de</strong>.Como vimos no terceiro capítulo, é característica <strong>de</strong> alguns m<strong>em</strong>bros da <strong>Geração</strong><strong>90</strong> explicitar essas estratégias, tratando a questão <strong>de</strong> maneira mais direta. Mesmo aindamuito restrita, essa admissão po<strong>de</strong> também configurar uma estratégia <strong>de</strong> construção <strong>de</strong>imag<strong>em</strong>, baseada <strong>em</strong> valores contrários à hipocrisia, e assim por diante.Delimit<strong>em</strong>os. Neste último capítulo, vamos observar as principais estratégias<strong>de</strong>senvolvidas pelo escritor <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>. Diante do cenário literário, <strong>em</strong> que aindatêm <strong>de</strong>staque valores e imagens que ten<strong>de</strong>m ao tradicionalismo, <strong>Freire</strong> aparece como<strong>90</strong>


figura peculiar: ele conseguiu ter o seu espaço mesmo explicitando suas estratégias. Além<strong>de</strong> escritor é um verda<strong>de</strong>iro agitador cultural, crítico, colunista/comentarista, produtormusical e até showman, <strong>em</strong> palestras e oficinas literárias que profere Brasil afora.Para enten<strong>de</strong>rmos a “figura” <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>, os aspectos observados serão: 1)as estratégias relacionadas aos diálogos <strong>de</strong> sua obra com a realida<strong>de</strong> social, e autilização do grotesco como recurso que aposta na interação; e 2) as estratégias extratexto<strong>de</strong> que o escritor faz uso <strong>em</strong> suas aparições num outro espaço literário, aqueleon<strong>de</strong> se ven<strong>de</strong>m os escritores, não os livros. Um aspecto textual, outro não. A nossahipótese é a <strong>de</strong> que o sucesso <strong>de</strong> <strong>Freire</strong>, cada vez mais consolidado, se <strong>de</strong>ve ao conjunto<strong>de</strong>sses aspectos.4.1 As estratégias da escrita <strong>de</strong> <strong>Freire</strong>São inúmeras as estratégias possíveis <strong>em</strong> uma obra literária. A escolha <strong>de</strong>las sedará <strong>de</strong> acordo com os objetivos do autor. Publicar, fazer sucesso nacional, ganharprêmios, compartilhar valores, divertir são alguns ex<strong>em</strong>plos. O objetivo mais óbvio <strong>de</strong><strong>Freire</strong> passa por uma “necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discursar”, e ele não costuma negar isso: “Euquero, no que eu escrevo, fazer o que fizeram os artistas que admiro. Jogaram merda noventilador. Eu quero dar a minha contribuição ao <strong>de</strong>sconforto” 121 .O discurso, entretanto, nunca é objeto <strong>de</strong> si. Ele objetiva movimento, polêmica,mudança ou até mesmo permanência, apatia. E assim po<strong>de</strong>mos sugerir que a imag<strong>em</strong>que <strong>Freire</strong> quer ven<strong>de</strong>r é a <strong>de</strong> escritor crítico, ousado, <strong>de</strong> vanguarda, preocupado <strong>em</strong>causar <strong>de</strong>sconforto. Todas as suas ações textuais, <strong>de</strong> conteúdo e <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong>,converg<strong>em</strong> para isso: para fugir da apatia social e do discurso dominante dopoliticamente correto. Dois valores fundamentais para o autor serão observados aqui: aatualida<strong>de</strong> e a proximida<strong>de</strong>.A atualida<strong>de</strong> está relacionada ao conteúdo, aos diálogos que o texto <strong>de</strong> <strong>Freire</strong>estabelece com o seu t<strong>em</strong>po. Nada mais atual que a incorporação dos discursoscontrários e favoráveis aos movimentos sociais. A aposta aqui é nas referências diretasque o leitor será capaz <strong>de</strong> fazer com a realida<strong>de</strong>. Já a proximida<strong>de</strong> investe nos recursoscapazes <strong>de</strong> gerar approach com o leitor. Referências a ambientações conhecidas, aoescatológico, ao corpóreo, cuja linha mestra é a discussão sobre o grotesco quetravar<strong>em</strong>os adiante, po<strong>de</strong>m resultar <strong>em</strong> um leitor familiarizado. Ou o contrário.121 Lopes, “<strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong> volta <strong>de</strong> viag<strong>em</strong> à Itália e diz: eu escrevo para me vingar”91


4.1.1 O texto <strong>de</strong> hojeO século XX terminou s<strong>em</strong> que alguns dos <strong>de</strong>tectados – e solucionados, nateoria – probl<strong>em</strong>as sociais brasileiros tivess<strong>em</strong> sido resolvidos. Dados do Instituto <strong>de</strong>Pesquisas Econômicas Aplicadas – IPEA registram avanços generalizados quanto àredução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais no país, importantes, “mas <strong>de</strong> magnitu<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>sta,<strong>de</strong>ixando claro que a solução das carências há muito acumuladas <strong>de</strong>manda t<strong>em</strong>po epersistência” 122 . A certeza <strong>de</strong> que viv<strong>em</strong>os <strong>em</strong> uma nação probl<strong>em</strong>ática permanece. Emalgumas esferas, porque a carência <strong>de</strong> fato persiste; <strong>em</strong> outras, porque índices positivosnão consegu<strong>em</strong> abafar t<strong>em</strong>ores e preconceitos.Um ex<strong>em</strong>plo são os probl<strong>em</strong>as relacionados à violência urbana. Pouco importapara a opinião pública 123 se proporcionalmente alguns números negativos tiveram<strong>de</strong>créscimo ao longo dos anos. A imprensa se encarrega <strong>de</strong> mostrar ostensivamente – econtribuir para a formação <strong>de</strong>sse habitus – cenas que dão a algumas cida<strong>de</strong>s o aspecto<strong>de</strong> praça <strong>de</strong> guerra e <strong>de</strong> narrar com <strong>de</strong>staque as atrocida<strong>de</strong>s cometidas por indivíduoscontra outros. Em 2006, São Paulo e Rio <strong>de</strong> Janeiro ganharam espaço nos noticiáriospor conta <strong>de</strong> rebeliões <strong>em</strong> presídios e ações diretas promovidas por criminosos queatingiram um número consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> pessoas. As ocorrências ganharam até nome:“ondas <strong>de</strong> violência”.Diante <strong>de</strong>sse quadro, a ação <strong>de</strong> movimentos sociais continua firme e cheia <strong>de</strong>objetivos e motivações. Agregadas a ela, t<strong>em</strong>os ainda as ações do governo <strong>de</strong> LuizInácio Lula da Silva (eleito <strong>em</strong> 2002 e reeleito <strong>em</strong> 2006), que <strong>de</strong>u foco ao social, esetores da iniciativa privada. Toda uma reflexão acerca da atuação <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s e gruposse faz necessária e a relação <strong>de</strong>la com a literatura brasileira está por merecer um estudoaprofundado.A obra <strong>de</strong> <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>, que circula exatamente por esse período queconfronta ação social e realida<strong>de</strong> cruel, t<strong>em</strong> marcas e posicionamentos bastantedialéticos. As t<strong>em</strong>áticas ten<strong>de</strong>m a ser as que enfocam as disparida<strong>de</strong>s sociais e ospersonagens são os miseráveis – aqueles com baixa renda ou os marginalizados(bandidos, loucos, velhos etc.). Mas o posicionamento do autor, muitas vezes, se afastado discurso politicamente correto.122 Radar Social, p. 1.123 Enten<strong>de</strong>mos o termo como sendo o conjunto <strong>de</strong> crenças que um grupo social <strong>de</strong>senvolve a respeito <strong>de</strong><strong>de</strong>terminados t<strong>em</strong>as, baseadas <strong>em</strong> valores morais.92


São ex<strong>em</strong>plos <strong>de</strong> textos favoráveis os contos que revelam claramente uma<strong>de</strong>núncia alinhada aos movimentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dos direitos <strong>de</strong> crianças e adolescentes;mais especificamente aqueles que lutam pelo fim da violência sexual. No livroBaléRalé, t<strong>em</strong>os “Pho<strong>de</strong>r”, <strong>em</strong> que uma prostituta l<strong>em</strong>bra-se do pai através dos olhos <strong>de</strong>um cliente: “Meu pai um dia mostrou o pau pra mim, balançou. Eu tinha onze anos, seilá. Doze anos, nove anos. Mijou olhando para mim, os olhos azuis do meu pai” 124 . Em“Mãe que é mãe”, a narradora lamenta uma série <strong>de</strong> maus tratos contra a filha<strong>de</strong>ficiente: “Mãe que é mãe não <strong>de</strong>ixa a filha doente amarrada ao tronco. O chão cheio<strong>de</strong> formiga. Para as moscas atacar<strong>em</strong>” 125 . E <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> lamentar, com culpa, várias cenas<strong>de</strong> violência causadas pelo <strong>de</strong>scuido ela narra o estupro:Mãe que é mãe quer o melhor casamento. Não quer o pior para a filha. Encontrar a filhaassim <strong>de</strong>sfalecida, fodida. Como se tivesse pulado <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da filha outra filha. Comose tivesse pulado <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da filha um <strong>de</strong>mônio. Que animal violentou minha filha?Deus, Meu Deus, qual o bicho ruim? 126Ainda <strong>em</strong> BaléRalé, t<strong>em</strong>os “Papai do céu”, com uma instância “doente” darelação entre pai e filho. Um menino (a conclusão <strong>de</strong> que se trata <strong>de</strong> uma criança dosexo masculino se baseia <strong>em</strong> construções ou leituras estereotipadas) conta, com ainocência que lhe é atribuída, os momentos <strong>em</strong> que está sozinho com o pai. De modomuito suavizado, é narrada a relação que passa sutilmente pela imag<strong>em</strong> do abuso sexual.Não há vírgulas e pontos. O texto é inteiro e, como uma história contada por umacriança, há a ofegante ligação <strong>de</strong> assuntos, s<strong>em</strong> reflexão sobre cada um <strong>de</strong>les. As linhasfinais retratam isso:Eu só não gosto do xampu da Mônica e não gosto quando a mamãe <strong>de</strong>mora <strong>em</strong>Carapicuíba na casa da minha tia <strong>em</strong> Carapicuíba porque papai fica um t<strong>em</strong>pão fazendoespuma e a gente acaba não jogando bola e o que gosto mesmo é <strong>de</strong> jogar bola e nãogosto do gosto da nuv<strong>em</strong> branca não gosto do gosto da espuma branca que papaiespuma. 127Se não há vonta<strong>de</strong> ou discernimento <strong>em</strong> ato sexual, há violência. E aqui apedofilia é revelada com todos os seus el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> covardia, mas a narrativa éamenizada pelo olhar sensível da criança. O menino não gosta <strong>de</strong> tomar banho com opai, mas não enxerga a gravida<strong>de</strong> daquela situação <strong>de</strong> violência. Pouco antes, v<strong>em</strong>os124 <strong>Freire</strong>, “Pho<strong>de</strong>r”, p. 41.125 <strong>Freire</strong>, “Mãe que é mãe”, p. 45.126 Id., pp. 47-48.127 <strong>Freire</strong>, “Papai do céu”, p. 97.93


através dos olhos do menino, que a mãe reclama com o pai por ele fumar e “cheirar aputa”, mas parece ignorar o que sofre o filho.Os quatro contos são narrados <strong>em</strong> primeira pessoa, o que imprime dramaticida<strong>de</strong>ao enredo. Daí que o relato <strong>em</strong> conjugação enunciadora (o eu que fala <strong>de</strong> si), evitada nojornalismo, ganha status <strong>de</strong> <strong>de</strong>poimento e o afastamento da linguag<strong>em</strong> dos meios <strong>de</strong>comunicação hiperboliza o ficcional e concretiza a <strong>de</strong>núncia.Ainda trabalhados com o t<strong>em</strong>a da violência sexual contra crianças, t<strong>em</strong>os“Socorrinho”, publicado inicialmente <strong>em</strong> Acrústico e <strong>de</strong>pois <strong>em</strong> Angu <strong>de</strong> sangue, queconta a história <strong>de</strong> uma menina perdida da mãe e que é estuprada na rua. Extr<strong>em</strong>amentedramático, ele mistura uma voz <strong>em</strong> terceira pessoa aos gritos e lamentos da meninadurante o estupro. Todas essas narrativas traz<strong>em</strong> à mente do leitor as diversas notíciasdos escandalosos casos <strong>de</strong> abuso sexual, que cansamos <strong>de</strong> ver <strong>em</strong> jornais e revistas, etraz<strong>em</strong> também a imag<strong>em</strong> das campanhas, como a do dia da luta pelo fim do abusosexual contra crianças e adolescentes, <strong>em</strong> 18 <strong>de</strong> maio.Movimentos sociais suscitaram, com base <strong>em</strong> teorias sociais e antropológicas,uma série <strong>de</strong> mudanças (<strong>em</strong> curso, ainda) na linguag<strong>em</strong> corrente, <strong>de</strong> modo a evitarpreconceitos e opressão simbólica. O pejorativo, que inferioriza ou classifica o objeto dafala, passou a ser evitado, como aquele presente <strong>em</strong> piadas dirigidas a <strong>de</strong>terminadosgrupos sociais. A Agência <strong>de</strong> Notícias dos Direitos da Infância – Andi, por ex<strong>em</strong>plo,trabalha para que o termo “menor” seja evitado <strong>em</strong> matérias jornalísticas que trat<strong>em</strong> <strong>de</strong>crianças e adolescentes <strong>em</strong> situação <strong>de</strong> risco, enten<strong>de</strong>ndo que a mídia é um espaçosocial formador <strong>de</strong> opinião. Essas ações no âmbito conceitual se esten<strong>de</strong>m ao tratamento<strong>de</strong> questões relativas a gênero, cor, <strong>de</strong>ficiências etc. Já ultrapassaram os muros dasaca<strong>de</strong>mias as discussões sobre a submissão do f<strong>em</strong>inino ao masculino plural, nalinguag<strong>em</strong> corrente. A idéia é fazer cumprir direitos e dirimir censuras e violênciassimbólicas. O resultado disso, ainda que não seja pleno, é a recorrência do uso <strong>de</strong>expressões chamadas <strong>de</strong> politicamente corretas, porque tratam indivíduos comigualda<strong>de</strong> política.Em “Yamami”, <strong>de</strong> Contos negreiros, e “Pedofilia”, <strong>de</strong> Os c<strong>em</strong> menores contosbrasileiros do século, t<strong>em</strong>os um contraponto. Neles, o “inquestionável” ato <strong>de</strong> cruelda<strong>de</strong>é questionado. “Yamami” traz dois estrangeiros que conversam sobre o amor <strong>de</strong> um<strong>de</strong>les por uma índia muito jov<strong>em</strong>: “S<strong>em</strong>pre gostei <strong>de</strong> crianças. Aqui é proibido.Yamami, meu tesouro perdido (...) Indiazinha típica <strong>de</strong> uns 13 anos. As unhas pintadas,<strong>de</strong>scalças. Tintas extintas na cara. Coisinha <strong>de</strong> árvore. A pele vermelha e ar<strong>de</strong>nte. Virei94


um canibal, <strong>de</strong> repente” 128 . Apesar <strong>de</strong> estabelecer diálogo com a realida<strong>de</strong> brasileira, <strong>em</strong>que meninas e meninos são prostituídos <strong>em</strong> locais com gran<strong>de</strong> fluxo <strong>de</strong> turistas, <strong>Freire</strong>ameniza a violência: os algozes são transformados <strong>em</strong> homens apaixonados. “Pedofilia”é mais cru e funciona como uma piada, com referência direta aos casos <strong>de</strong> abuso sexualcometido por padres. O conto é uma frase: “Ajoelhe meu filho. E reze.” e se contrapõe,como fala <strong>de</strong> um padre, ao título que <strong>de</strong>nota crime. É como se o narrador <strong>de</strong>bochasse ouenfrentasse a opinião pública. A crítica é muito sutil nos dois contos. E po<strong>de</strong>, mesmo,passar <strong>de</strong>spercebida, o que representa a mencionada busca pela fuga da apatia, da“mesmice” discursiva.A representação <strong>de</strong> grupos sociais marginalizados também é probl<strong>em</strong>ática <strong>em</strong><strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>. Dois livros do autor são marcados por presenças ainda raras e comconstruções discutíveis na literatura. BaléRalé traz contos que trabalhampredominant<strong>em</strong>ente a t<strong>em</strong>ática gay e Contos negreiros, questões relativas à cor. Otratamento dos dois t<strong>em</strong>as vincula as preocupações do autor às ações <strong>de</strong> movimentos dasocieda<strong>de</strong> civil e governamentais.Entretanto, <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os atentar para a construção <strong>de</strong> personagens, o uso dalinguag<strong>em</strong>, a ambientação. A capa <strong>de</strong> BaléRalé traz o retrato das duas múmiasencontradas <strong>em</strong> um pântano da Holanda. São os homens <strong>de</strong> Weerdinge, que, segundo<strong>Freire</strong>, foram encontrados abraçados e hoje seriam conhecidos como o casal gay maisantigo daquele país. O título do livro faz coro: na foto, as múmias parec<strong>em</strong> dançarjuntas e o termo “ralé” po<strong>de</strong> se referir ao estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>composição <strong>em</strong> que elas seapresentam. Em participações <strong>em</strong> eventos literários, <strong>Freire</strong> já <strong>de</strong>clarou que as imagenssimbolizam que esses dois homens, certamente perseguidos <strong>em</strong> sua época, voltarampara fe<strong>de</strong>r, impor sua presença pela podridão. Esse ponto é representativo por exaltaruma imposição da presença gay, bastante estimulada por movimentos sociais com o fim<strong>de</strong> erradicar o preconceito.“Homo erectus”, que abre o livro, enumera, como numa conversa a respeito <strong>de</strong>notícia, uma série <strong>de</strong> questões sobre o hom<strong>em</strong> encontrado congelado na Prússia. “Sabe ohom<strong>em</strong> que encontraram no gelo? (...) Você viu? Tetravô dos mamíferos do Brasil? (...)Sabe <strong>de</strong>ste hom<strong>em</strong>? Irmão do Hom<strong>em</strong> <strong>de</strong> Piltdown? Primo do Hom<strong>em</strong> <strong>de</strong> Nean<strong>de</strong>rthal?Do velho Cro-Magnon? Do Hom<strong>em</strong> <strong>de</strong> Mauer? Dos Incas, até?”. As últimas linhas são128 “Yamami”, pp. 105-106.95


uma resposta, que muito claramente <strong>de</strong>notam um “não” ao preconceito: “Este hom<strong>em</strong>dava o cu para outros homens. E ninguém – até então – tinha nada a ver com isso” 129 .Em alguns contos, o tratamento dado à t<strong>em</strong>ática gay po<strong>de</strong> servir, senão paraenfatizar o preconceito, pelo menos para reforçar estereótipos. “Mulheres trabalhando”conta a história da paixão <strong>de</strong> um hom<strong>em</strong> por um travesti prostituído, que foge <strong>de</strong>le. Umahistória <strong>de</strong> amor não correspondido, um pouco pitoresca, já que as imagens não <strong>de</strong>ixamdúvidas sobre aquele “amor diferente”. O enredo é simples, mas a construção dospersonagens se baseia nas velhas imagens que se construíram sobre o universo gay.Beth Blanchet, o travesti, é tratado como mulher (uso <strong>de</strong> artigos, substantivos eadjetivos no f<strong>em</strong>inino), algo que nos r<strong>em</strong>ete à idéia <strong>de</strong> que homens que optam por esseestilo <strong>de</strong> vida não se sent<strong>em</strong> plenos no corpo <strong>de</strong> hom<strong>em</strong>. E também nos r<strong>em</strong>ete à idéiaigualmente cruel <strong>de</strong> que os gays, por algum <strong>de</strong>svio físico (doença), buscam ser comomulheres. A imag<strong>em</strong> da prostituta também é aproveitada para visualizarmos um travesti“típico”: “Beth Blanchet faz maquiag<strong>em</strong>, veste rímel, <strong>de</strong>senha a curva da boca. Põecílios e quase roupa nenhuma” 130 .Capa e contracapa <strong>de</strong> Contos negreiros traz<strong>em</strong> a foto <strong>de</strong> um escravo com asná<strong>de</strong>gas e o sexo cobertos: a primeira pelo nome do livro; o segundo pelo código <strong>de</strong>barras. Já aí uma crítica velada, irônica: o negro figura como objeto <strong>de</strong> consumo. Mas,reflitamos, não é exatamente assim que o próprio livro o trata? Ven<strong>de</strong> (a seu modo ecom as <strong>de</strong>vidas ressalvas), comercializa as t<strong>em</strong>áticas negras.Mais <strong>de</strong> c<strong>em</strong> anos após a abolição da escravatura, as ações <strong>de</strong> instituições quetrabalham com a questão do negro ainda soam como novida<strong>de</strong>. Isso significa que opreconceito racial é um ponto a ser vencido. A questão é tão grave que até açõesgovernamentais e <strong>de</strong> iniciativa social são vistas por alguns como enfatizadoras <strong>de</strong> umpreconceito que “já não existe”. Vive-se a ilusão da <strong>de</strong>mocracia racial. A instituição <strong>de</strong>cotas para negros <strong>em</strong> universida<strong>de</strong>s públicas, por ex<strong>em</strong>plo, foi recebida pela opiniãopública como absurdo. Os <strong>de</strong>bates são calorosos e não <strong>de</strong>v<strong>em</strong> seguir para um consenso<strong>em</strong> curto período <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po. O interessante é que as instituições <strong>de</strong>batedoras, ambas,baseiam seus argumentos <strong>em</strong> uma <strong>de</strong>fesa do fim do preconceito – <strong>de</strong> um lado os que jádão o assunto por encerrado; <strong>de</strong> outro os que ainda quer<strong>em</strong> lutar. Mas a falta (ou oexcesso) <strong>de</strong> discussão dos conceitos e a imposição <strong>de</strong> métodos faz<strong>em</strong> aparecer os ruídos.129 <strong>Freire</strong>, “Homo erectus”, p. 16.130 <strong>Freire</strong>, “Mulheres trabalhando”, p. 19.96


Com Contos negreiros, <strong>Freire</strong> garante leitores <strong>de</strong> ambos os lados. “Solar dospríncipes” não t<strong>em</strong> prece<strong>de</strong>ntes. Narra a história <strong>de</strong> cinco negros que <strong>de</strong>sc<strong>em</strong> o morropara fazer um documentário sobre a classe média. Apossados <strong>de</strong> instrumentospraticamente inacessíveis a eles – o equipamento <strong>de</strong> filmag<strong>em</strong> – e <strong>de</strong> idéias, tentamproduzir um filme sobre o cotidiano da classe média e são barrados pelo porteiro. É umainversão. Já nos acostumamos a assistir – e louvar – documentários produzidos porestudantes ou profissionais <strong>de</strong> classe média preocupados com situações <strong>de</strong>gradantes <strong>de</strong>grupos sociais marginalizados. O que não se discute é o olhar etnocêntrico lançado sobreestes por aqueles. Quando o contrário, como no conto, é (ainda que ficcionalmente) postodiante <strong>de</strong> nossos olhos, <strong>Freire</strong> consegue gerar <strong>de</strong>sconforto. No mesmo texto, porém, t<strong>em</strong>osa figura muito peculiar do porteiro do prédio. Nor<strong>de</strong>stino e negro, ele t<strong>em</strong> umposicionamento “fora do lugar”: trabalhando para pessoas abastadas (e brancas), ele tomapartido, nessa cena inusitada, <strong>de</strong> seus patrões. Como no papel <strong>de</strong> feitor, no períodoescravocrata (ou do policial, hoje), absorve uma postura recuada – tipicamente a da class<strong>em</strong>édia atual, tão aterrorizada pela violência urbana – e rechaça seus pares.A aposta no <strong>de</strong>sconforto do leitor po<strong>de</strong> ser observada também <strong>em</strong> “Totonha”, ocanto XI. Diante <strong>de</strong>le, o leitor erudito e aquele que crê na <strong>em</strong>ancipação por meio <strong>de</strong>ações sociais, com as restritas concepções e verda<strong>de</strong>s absolutas e universais, sofr<strong>em</strong>abalo. Totonha, a personag<strong>em</strong>, é uma velha senhora, que não quer apren<strong>de</strong>r a ler. A suarealida<strong>de</strong> é tão “natural”, apartada do mundo cultural – restrito aos poucos que opensam e o consom<strong>em</strong> –, que não lhe serv<strong>em</strong> a leitura e a escrita. “Capim sabe ler?Escrever? Já viu cachorro letrado, científico? Já viu juízo <strong>de</strong> valor? Em quê? Não queroapren<strong>de</strong>r, dispenso” 131 . Janilto Andra<strong>de</strong> afirma que, com esse conto, <strong>Freire</strong> põe <strong>em</strong>xeque “as (b<strong>em</strong> intencionadas...?) campanhas públicas <strong>de</strong> alfabetização, cujo objetivo éengordar estatísticas governamentais” 132 . E a idéia parece ter sido essa mesmo:questionar a imposição <strong>de</strong> valores burgueses a grupos <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> baixa renda. Oconto termina com a seguinte conclusão, que se apresenta inquestionável pela dignida<strong>de</strong>que porta: “Não preciso ler, moça. A mocinha que aprenda. O prefeito que aprenda. Odoutor. O presi<strong>de</strong>nte é que precisa ler o que assinou. Eu é que não vou baixar a minhacabeça para escrever. Ah, não vou” 133 .131 <strong>Freire</strong>, “Totonha”, p. 79.132 Andra<strong>de</strong>, O feio e a arte combinam?, p. 111.133 <strong>Freire</strong>, “Totonha”, p. 81.97


4.1.1.1 Reflexões e aspectos humanizadores <strong>de</strong> <strong>Freire</strong>Em entrevista ao site Leia Livro, com perguntas feitas por internautas, <strong>Freire</strong>vincula seu texto à realida<strong>de</strong> social: “Eu <strong>de</strong>scobri que eu escrevo não porque eu querofalar. Mas porque eu quero escutar. Eu sei e procuro escutar. (...) Essas minorias s<strong>em</strong>pr<strong>em</strong>e cercaram. Eu tenho um ouvido atento para elas” 134 . Em conversa com Ana Lira,<strong>de</strong>ixa essa visão ainda mais clara:Os personagens têm muito a urgência <strong>de</strong> falar, <strong>de</strong> gritar, <strong>de</strong> dar vexame. Então, eu tenhoum controle muito forte. É uma briga muito gran<strong>de</strong> para ir controlando este extintosocial, mas eu não acredito <strong>em</strong> escritor que esteja alheio a isso. Eu não imagino umapessoa construindo, no meio <strong>em</strong> que a gente vive, hoje, uma literatura frígida. Vocêspo<strong>de</strong>m me acusar <strong>de</strong> qualquer coisa, até <strong>de</strong> <strong>de</strong>magógico, o que seja, mas não me acus<strong>em</strong><strong>de</strong> frígido. Se os meus personagens são frígidos, eles são porque têm uma incapacida<strong>de</strong><strong>de</strong> amar muito gran<strong>de</strong>, porque o nosso mundo t<strong>em</strong> essa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não amar muitogran<strong>de</strong>. Então, os meus livros, os meus contos só espelham isso, essa realida<strong>de</strong>. Mas nãoespelham uma realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma jornalística. Se fosse a realida<strong>de</strong> pela realida<strong>de</strong> osjornalistas faz<strong>em</strong> isso. É uma recriação do real. 135A Chico Lopes, do site Ver<strong>de</strong>s Trigos, o escritor assumiu: “Eu escrevo numaregião muito ‘fronteiriça’. Se erro a mão, posso <strong>de</strong>scambar para o discurso panfletário,sei disso. Para o melodrama. Creio, até, que chego a per<strong>de</strong>r o tom <strong>em</strong> alguns contos” 136 .E aí estão os pontos probl<strong>em</strong>áticos do texto <strong>de</strong> <strong>Freire</strong>. Algumas vezes, o escritor“erra a mão”, mas não por reproduzir um discurso panfletário. Ele muitas vezes faz coroao senso comum, alinhando seu discurso a estigmas. O canto III <strong>de</strong> Contos negreiros,“Esquece”, é muito significativo. Publicado <strong>em</strong> outros espaços, como sites e a coletâneaContos cruéis, organizada por Rinaldo <strong>de</strong> Fernan<strong>de</strong>s, e introduzido pela epígrafe “Todocamburão t<strong>em</strong> um pouco <strong>de</strong> navio negreiro”, <strong>de</strong> Marcelo Yuka, ele faz o contrapontocom as visões questionadoras dos outros contos citados. Claramente, existe a idéia <strong>de</strong>reverter conceitos e preconceitos, mas o autor, <strong>em</strong> alguns momentos, acaba por<strong>de</strong>senhar uma figura estereotipada. O texto se ass<strong>em</strong>elha a um discurso já b<strong>em</strong> batido <strong>de</strong>trabalhadores quando praticamente pe<strong>de</strong>m ajuda ao “cliente” para terminar logo aquelaativida<strong>de</strong>. O narrador enumera uma série <strong>de</strong> situações, diante do crime que está porcometer, <strong>em</strong> tom <strong>de</strong> reclamação e que se caracterizariam como violência. É umaresposta ao pasteurizado conceito <strong>de</strong> violência que se difundiu: “Violência é o carrãoparar <strong>em</strong> cima do pé da gente e fechar a janela <strong>de</strong> vidro fumê e a gente n<strong>em</strong> ter a chance<strong>de</strong> ver a cara do palhaço <strong>de</strong> gravata para não per<strong>de</strong>r a hora ele olha o t<strong>em</strong>po perdido no134 “Entrevista com <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>”.135 Lira, “Eta danado!”.136 Lopes, op. cit.98


olex dourado” 137 . Se o discurso persistisse <strong>em</strong> fazer valer uma visão oposta à que nosacostumamos a ouvir e repetir, <strong>Freire</strong> po<strong>de</strong>ria ter tido sucesso. Mas o narrador, negro,acaba por ser construído muito <strong>de</strong> acordo com o discurso preconceituoso que se t<strong>em</strong>sobre ele. T<strong>em</strong>os, com o conto, a apresentação <strong>de</strong> uma possível diferença discursiva,quando <strong>Freire</strong> apresenta outro falando <strong>em</strong> primeira pessoa, mas t<strong>em</strong>os também aimag<strong>em</strong> do assaltante negro que conhec<strong>em</strong>os do noticiário policial, só que com voz.Dois outros contos parec<strong>em</strong> também ter sido retirados das páginas <strong>de</strong> jornais. “Ocaso da menina”, publicado <strong>em</strong> Angu <strong>de</strong> sangue, e “Darluz”, <strong>de</strong> BaléRalé, contamhistórias <strong>de</strong> mães que dão seus filhos. Os conteúdos são dramáticos e costumam sertratados como anomalia social, ocupando lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque nos noticiários. Em ambosos textos, as personagens justificam seus atos com base <strong>em</strong> argumentos raramenteexplorados pela mídia. É como se no texto <strong>de</strong> <strong>Freire</strong> essas mulheres tivess<strong>em</strong> aoportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> expor seus motivos, s<strong>em</strong> julgamentos. Mas a posição do autor está longe<strong>de</strong> ser isenta: no primeiro conto, que t<strong>em</strong> a forma <strong>de</strong> um diálogo, a mãe que tenta dar ofilho a um hom<strong>em</strong> num s<strong>em</strong>áforo acaba, no inusitado da cena, figurando como uma louca;no segundo, a figura materna é <strong>de</strong>snaturalizada: “Dizer que ninguém abandona ninguém,que toda mãe é mãe até o fim, tá aqui, ó. Sou mais mãe que muita mãe aí. Leva o filhopara escola e abandona. Leva o filho para o shopping e abandona. Para a puta que pariue abandona” 138 . Em ambos, é evi<strong>de</strong>nte a presença <strong>de</strong> um discurso que não pertence – ouo nosso preconceito faz parecer que não pertence – às personagens reais. Salta aos olhos afigura do escritor branco e b<strong>em</strong> sucedido que, mascarado, <strong>em</strong>presta à voz da personag<strong>em</strong>um discurso que é seu.Inédito <strong>em</strong> livro, o conto “Da paz” talvez seja o que melhor retrata a atualida<strong>de</strong><strong>de</strong> sua obra. A pretexto das inúmeras caminhadas pela paz promovidas por movimentossociais e engrossadas por atores, cantores, apresentadores etc., <strong>Freire</strong> propõe um olhardiferente, distinto daquele que se tornou massificado. A personag<strong>em</strong>, que é favelada eteve um filho morto por policiais, diz: “Eu não sou da paz. Não sou mesmo não. Nãosou. Paz é coisa <strong>de</strong> rico. Não visto camiseta nenhuma, não, senhor. Não solto pombanenhuma, não, senhor. Não venha me pedir para eu chorar mais. Secou. A paz é uma<strong>de</strong>sgraça” 139 . É um discurso contrário ao difundido pelos meios <strong>de</strong> comunicação, comouma resposta. Aqui também é evi<strong>de</strong>nte a presença da voz do escritor. “A paz t<strong>em</strong> hora137 <strong>Freire</strong>, “Esquece”, p. 31.138 <strong>Freire</strong>, “Darluz”, p. 59.139 <strong>Freire</strong>, “Da paz”, disponível <strong>em</strong> www.ver<strong>de</strong>strigos.org.99


marcada. V<strong>em</strong> governador participar” é discurso crítico e muito mais verossímil <strong>em</strong>rodas <strong>de</strong> intelectuais do que <strong>em</strong> favelas. É clara a presença do intelectual travestidobuscando se configurar como aquele que foge da apatia.Já o conto “Muribeca”, <strong>de</strong> Angu <strong>de</strong> sangue, é <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>ático. É uma referênciadireta ao bairro <strong>de</strong> mesmo nome originado <strong>de</strong> um aterro sanitário na cida<strong>de</strong> do Recife etalvez seja o texto mais analisado <strong>de</strong> <strong>Freire</strong>. O conto é narrado <strong>em</strong> primeira pessoa poruma moradora <strong>de</strong> lixão. As frases curtas <strong>em</strong>pregam ritmo a uma voz que se preten<strong>de</strong>ofegante, nervosa. A personag<strong>em</strong> respon<strong>de</strong> e justifica a um interlocutor qualquer quenão quer <strong>de</strong>ixar aquele lugar, tido como insalubre. O lixão é a sua vida. A personag<strong>em</strong>sobrevive dos restos consumidos por uma classe média alta que mal enxerga as<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s: “Lixo? Lixo serve pra tudo. A gente encontra mobília da casa, ca<strong>de</strong>irapra pôr uns pregos e ajeitar, sentar. Lixo pra po<strong>de</strong>r ter sofá, costurado, cama, colchão.Até televisão” 140 . Aqueles mesmos objetos – móveis e eletrodomésticos – utilizados porinstitutos <strong>de</strong> pesquisa para avaliar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, <strong>de</strong> acordo com o acesso a bensduráveis, são conseguidos a partir do <strong>de</strong>scarte e confer<strong>em</strong> dignida<strong>de</strong> à personag<strong>em</strong>.A fala passa por uma reflexão muito lúcida a respeito <strong>de</strong>ssa ambientação social,calcada nas ações <strong>de</strong> cidadania. O senso comum, já acostumado aos discursos queenxergam no acesso à dignida<strong>de</strong> 141 a solução para os probl<strong>em</strong>as sociais, nos fazacreditar que todas as pessoas buscam uma situação que permita o acesso a moradia,alimentação, educação, respeito etc. A narradora do conto levanta a dúvida. Mastambém é incômoda a postura <strong>de</strong> <strong>Freire</strong>: com a sua vida inegavelmente digna, <strong>em</strong>prestamais uma vez discurso a uma personag<strong>em</strong> que não t<strong>em</strong> voz na vida real. A vítima socialtoma as ré<strong>de</strong>as <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>stino, no texto: resolve, direciona. Mas o discurso parece fora<strong>de</strong> lugar, já que qu<strong>em</strong> se propõe a falar por ela, é legitimado, t<strong>em</strong> voz. “A gente nãoquer outra coisa senão esse lixão pra viver. Esse lixão para morrer, ser enterrado. Paracriar os nossos filhos, ensinar o nosso ofício, dar <strong>de</strong> comer” seria efetivo se fosse umdiscurso real.Gilberto Martins supõe que “Muribeca” seja uma alegoria <strong>de</strong> <strong>Freire</strong> ao papel doescritor cont<strong>em</strong>porâneo, que busca nos <strong>de</strong>jetos sociais os insumos para a produçãoliterária 142 . É mais do que isso, entretanto: <strong>Freire</strong> foca uma <strong>de</strong>núncia que não po<strong>de</strong> sercaracterizada como social simplesmente, mas também humana. Mais do que apontar140 <strong>Freire</strong>, “Muribeca”, p. 23.141 Enten<strong>de</strong>mos vida digna como aquela <strong>em</strong> que se t<strong>em</strong> acesso pleno a todos os seus direitos.142 Cf. Martins, “Fatais <strong>de</strong>sdobramentos <strong>de</strong> uma luta <strong>de</strong>sigual”.100


para uma realida<strong>de</strong> insalubre, o autor propõe uma mudança <strong>de</strong> olhar, <strong>de</strong> perspectiva.Mas, é s<strong>em</strong>pre bom l<strong>em</strong>brar, o discurso é <strong>de</strong>le e não da mulher que essa personag<strong>em</strong>representaria.Esses são aspectos que dão atualida<strong>de</strong> à obra <strong>de</strong> <strong>Freire</strong>. O autor se movimentaentre buscar engrossar o discurso <strong>de</strong> movimentos sociais, fazendo frente àsmanifestações racistas, misóginas, agressivas, e eventualmente propor o contrário. Écomo se protestasse também contra a pasteurização <strong>de</strong>sses discursos. Para um escritorque quer gerar movimento e incômodo, pouco importa seguir uma linha contrária oufavorável a esse discurso dominante contaminado pelas pr<strong>em</strong>issas <strong>de</strong> movimentossociais. A polêmica e o <strong>de</strong>sconforto são buscados <strong>de</strong> um lado, <strong>de</strong> outro e também nainterseção <strong>de</strong>les.4.1.2 O texto <strong>de</strong> aquiA mera presença <strong>de</strong> t<strong>em</strong>as polêmicos na literatura po<strong>de</strong>, por si só, estabelecercontato com o leitor. As referências reforçam idéias ou apresentam outrosposicionamentos que, mesmo gerando incômodo, r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> a uma realida<strong>de</strong> latente.A aposta na aproximação com o leitor é percebida na linguag<strong>em</strong> e nas imagensque o escritor escolhe e <strong>de</strong>senvolve, como o uso <strong>de</strong> palavrões e a ambientação suja <strong>de</strong>seus contos. Ao nos afastarmos um pouco do âmbito dos discursos propriamente ditos,nos <strong>de</strong>paramos com essas que são as construções formais do texto <strong>de</strong> <strong>Freire</strong>. A opçãopelo grotesco <strong>de</strong>nota uma postura política contrária aos “padrões i<strong>de</strong>ais” e faz com queo leitor enxergue duas imagens contrapostas: <strong>de</strong> um lado os ricos, os intelectuais, osnobres buscam e exaltam o belo, o limpo, o perfeito; <strong>de</strong> outro pobres, negros, mendigoscompartilham um universo apartado, consom<strong>em</strong> o sujo, o resto, o lixo. <strong>Freire</strong> aposta nasnuances: se o grotesco t<strong>em</strong> lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque <strong>em</strong> sua obra, ele é <strong>de</strong>liberadamentedividido com a harmonia da construção textual e a presença <strong>de</strong> algumas belas imagens.O uso da língua, <strong>de</strong> que tratamos no segundo capítulo quando falamos dalinguag<strong>em</strong> utilizada nos blogs, segue a mesma lógica nos textos literários <strong>de</strong> <strong>Freire</strong>. Oautor opta pela concisão (apesar <strong>de</strong> algumas vezes exagerar <strong>em</strong> rimas) e pela oralida<strong>de</strong>.Esses dois el<strong>em</strong>entos, por si só, são responsáveis por causar <strong>em</strong>patia junto ao leitor, poisestabelec<strong>em</strong> relação com a realida<strong>de</strong> que ele já conhece.Na orelha <strong>de</strong> Acrústico, <strong>Freire</strong> <strong>de</strong>clara: “Escrevo a cru, a seco, num fôlego. Voupelo ritmo, pelo ouvido. Tudo que escrevo começa <strong>de</strong> um sopro. Grite-me uma palavraque eu lhe dou um romance inteiro. Escrevo rústico. Não tenho idéias, tenho sons. Não101


tenho conflitos, tenho ruídos. De enredos, vou num samba. Doido”. É a isso que ele sepren<strong>de</strong>: imprime ritmo, compasso ao texto, utiliza rimas, aliterações. E já nesse primeirolivro são vários os el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> aproximação com o leitor: os trechos <strong>de</strong> letras <strong>de</strong>músicas populares que anunciam os contos, a estrutura que l<strong>em</strong>bra um po<strong>em</strong>a, osobjetos do dia-a-dia nas cenas etc. “Vou fazer um café. Soprou o fogo – fogo difícil.Reacen<strong>de</strong>u o can<strong>de</strong>eiro, muito t<strong>em</strong>po naquele escuro dos infernos. O que diabo tu andoufazendo da vida, hom<strong>em</strong> <strong>de</strong> Deus? Trouxe o café na mesma caneca cor <strong>de</strong> jerimum.Vermelha, amarela e trêmula” 143 .Nos outros contos, ocorre o mesmo. A linguag<strong>em</strong> direta, quase falada, é agran<strong>de</strong> aposta <strong>de</strong> <strong>Freire</strong>. No trecho “Na cama, já. Não me esperou chegar. Desligo a luzligada, recolho a revista do seu colo. Filho querido, esse frio. Não t<strong>em</strong> frio. Puxo olençol até o seu peito. Deixa, filho, pra lá”, do conto “Minha flor”, publicado <strong>em</strong>BaléRalé, um el<strong>em</strong>ento recorrente salta aos olhos: a cadência <strong>de</strong> um fluxo <strong>de</strong>consciência que se confun<strong>de</strong> com fala, resmungo. Também já notamos as rimas, muitopresentes nos contos do autor. De modo geral são fáceis, conforme a classificaçãopurista dos estudiosos <strong>de</strong> poesia, e irregulares. Os trechos abaixo traz<strong>em</strong> algunsex<strong>em</strong>plos:São um casal cansado. Mas ela não. Amor <strong>de</strong>la t<strong>em</strong> vigor. Pernas que po<strong>de</strong>m, bol<strong>em</strong>,tudo fo<strong>de</strong>m, trot<strong>em</strong>. T<strong>em</strong> bela veia, bela meia, bela bola <strong>de</strong> cabelo, que ela não raspa,oxigena os pelos da perna para seduzir. Ele é que não 144 .Parece criança, Nando. Esquece essa arma, vamos conversar. Antes do pessoal chegar.O pessoal já v<strong>em</strong>. Eu aviso para a sua mãe que tudo acabou b<strong>em</strong>. (...) Por favor, <strong>de</strong>ixaessa arma largada, vamos conversar. Me ajuda a l<strong>em</strong>brar: o dia que a gente foi roubar adona da padaria. Era muito chata a dona da padaria, por isso a gente foi lá 145 .Neste último, v<strong>em</strong>os, além das rimas, conjugações verbais fora do padrão danorma culta. O imperativo está conjugado <strong>de</strong> acordo com a linguag<strong>em</strong> coloquial:“<strong>de</strong>ixa” <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> “<strong>de</strong>ixe”; “Me ajuda” <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> “Me aju<strong>de</strong>” (ou “Aju<strong>de</strong>-me”,consi<strong>de</strong>rando a colocação pronominal <strong>em</strong> início <strong>de</strong> frase). Todos esses el<strong>em</strong>entosserv<strong>em</strong> para humanizar e cotidianizar o texto, <strong>de</strong>scaracterizá-lo como instrumentoerudito <strong>de</strong> discurso.A oralida<strong>de</strong> é também uma forte característica da obra <strong>de</strong> <strong>Freire</strong>. E isso abrangea aproximação do texto escrito com a fala do dia-a-dia e a utilização interessada <strong>de</strong>143 <strong>Freire</strong>, “Virgínia, Virgínia...”, p. 102.144 <strong>Freire</strong>, “Troca <strong>de</strong> alianças”, p. 63.145 <strong>Freire</strong>, “Polícia e ladrão”, p. 85.102


eferências à tradição oral. As s<strong>em</strong>elhanças com a estrutura do cor<strong>de</strong>l (ritmo e rima) e aalusão a situações risíveis e algo inusitadas são notáveis. Até uma estruturação <strong>de</strong>contos populares po<strong>de</strong> ser visitada como neste trecho do conto “Faz <strong>de</strong> conta que nãofoi. Nada”, <strong>de</strong> Angu <strong>de</strong> sangue: “Esta é uma historinha infantil. Mas t<strong>em</strong> sangue. Não seassuste, não tenha medo” 146 .Apesar <strong>de</strong> o conto não trazer uma história tipicamente oral, n<strong>em</strong> correspon<strong>de</strong>r àpercepção que t<strong>em</strong>os <strong>de</strong> como <strong>de</strong>ve ser uma narrativa infantil, v<strong>em</strong>os a presença donarrador tradicional, <strong>em</strong> sua interlocução com os ouvintes na preparação que antece<strong>de</strong> ahistória propriamente dita 147 . Muniz Sodré estuda a incorporação da tradição oral nacultura <strong>de</strong> massa no Brasil. Se enten<strong>de</strong>rmos a obra <strong>de</strong> <strong>Freire</strong> – tendo <strong>em</strong> vista suarelação com o mercado e s<strong>em</strong> incorporar, aqui, juízo <strong>de</strong> valor – como produto típico daindústria cultural, po<strong>de</strong>r<strong>em</strong>os seguir, na análise <strong>de</strong>sses aspectos <strong>de</strong> aproximação com oleitor, o raciocínio <strong>de</strong> Sodré.A referência <strong>de</strong> <strong>Freire</strong> ao tradicional, às manifestações da cultura oral (as rimasfáceis, a proximida<strong>de</strong> com o ritmo do cor<strong>de</strong>l) e mesmo ao estranho se configura <strong>em</strong> umaaposta. Faz-se uma releitura <strong>de</strong>sses aspectos e a eles incorporam-se valores residuais dacultura oficial e arquétipos da consciência coletiva 148 . O produto apresentado é novo,mas as referências garant<strong>em</strong> a aceitação quase instantânea por parte do consumidor.Outro aspecto relevante é o uso <strong>de</strong> palavrões, que não se restringe aos discursose textos publicados no blog. “Beth Blanchet, meu amor, porra. Juro que <strong>de</strong>ixo vocêenfiar no meu cu esse pau gostoso. Eu <strong>de</strong>ixo” 149 e “Célio conheceu Beto na estação <strong>de</strong>tr<strong>em</strong>, <strong>em</strong> set<strong>em</strong>bro. Moreno bonito. Célio acariciou o m<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> Beto no apertovespertino, no balanço ferroviário. Beto gozou na mão do viado” 150 são ex<strong>em</strong>plos daincorporação do sujo, do escatológico à linguag<strong>em</strong> poética que predomina na prosa <strong>de</strong><strong>Freire</strong>. A proximida<strong>de</strong> com o leitor parece não fazer sentido quando se utilizamel<strong>em</strong>entos do grotesco, mas o disforme e o monstruoso cumpr<strong>em</strong> o papel <strong>de</strong> atrair pelarepulsa.Bakhtin enxerga o enraizamento do grotesco na cultura popular, estudando oconceito a partir <strong>de</strong> dois momentos, a Ida<strong>de</strong> Média e o Renascimento. O autor constata aligação do grotesco com o fenômeno do Carnaval, festa popular que provoca r<strong>em</strong>issão146 <strong>Freire</strong>, “Faz <strong>de</strong> conta que não foi. Nada”, p. 107.147 Cf. Benjamin, “O narrador”.148 Cf. Sodré, A comunicação do grotesco.149 <strong>Freire</strong>, “Mulheres trabalhando”, p. 24.150 <strong>Freire</strong>, “Coração”, p. 59.103


aos seus objetos mais relevantes: a máscara, a fantasia (teatro), a hipérbole, o caos. Essefenômeno popular, segundo Bakhtin, se opõe aos da cultura dita oficial, porquecongrega o conjunto da socieda<strong>de</strong>, s<strong>em</strong> hierarquia. A expressão do grotesco é <strong>de</strong>liberação, já que se propõe a <strong>de</strong>rrubar convenções e preconceitos 151 .A escatologia perpassa pela mesma discussão original e se configura como outrapossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interação com o leitor. “As culturas orais, <strong>de</strong> um modo ou <strong>de</strong> outroinfluenciadas por concepções religiosas e filosóficas, estão intimamente ligadas aformas escatológicas que orientam seus mitos quanto ao hom<strong>em</strong>, a natureza, o fim <strong>de</strong>todas as coisas” 152 . A presença da escatologia funciona como reflexão ou doutrina dascoisas finais e implica numa atitu<strong>de</strong> cultural com relação aos fatos históricos. Sodréresgata a recorrência a esse recurso na tradição oral quando l<strong>em</strong>bra que ela “foimarcada, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> suas origens afro-indiano-portuguesas, por uma Escatologia naturalista– que vê o hom<strong>em</strong> como parte <strong>de</strong> uma natureza manifesta <strong>em</strong> cíclicos, recorrentes”.Assim, <strong>de</strong> volta a Bakhtin, o grotesco traz à tona um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> imagens ligadasao “baixo corporal” e material, à terra, ao nascer e ao morrer, como ciclo da vida. Aocontrário da idéia clássica <strong>de</strong> que o corpo é instância harmoniosa, fechada e solitária, ocorpo grotesco é s<strong>em</strong>pre representado por seu inacabamento ou <strong>de</strong>ficiências aparentesou <strong>de</strong> funcionamento. O autor também salienta a ênfase dada às funções naturalistas:comer, excretar, fazer sexo, entre outras. Sodré acredita que essa é a sua ligaçãoorgânica com a natureza: “qualquer <strong>de</strong>sacerto, injustiça, ou aberração, <strong>de</strong>veria ser vistacomo uma alienação do estado natural, r<strong>em</strong>ediável pelo culto ou pela magia” 153 . Masesse naturalismo não é s<strong>em</strong>pre coerente. Algumas manifestações escatológicas sevinculam ao sobrenatural, ao fantástico.Em <strong>Freire</strong>, v<strong>em</strong>os estampada a face mais científica da escatologia, aquela que aenten<strong>de</strong> como estudo <strong>de</strong> excr<strong>em</strong>entos, a coprologia. A estruturação <strong>de</strong>la passa, numaleitura mais purista, pelos conceitos <strong>de</strong> mau-gosto e kitsch. O grotesco é a ferramentaestética mais apropriada, segundo Sodré, para a apreensão do escatológico: “o fabuloso,o aberrante, o macabro, o <strong>de</strong>mente – enfim, tudo que à primeira vista se localiza numaor<strong>de</strong>m inacessível à normalida<strong>de</strong> humana – encaixam-se na estrutura do grotesco” 154 .Quando estendido à esfera da cultura <strong>de</strong> massa, objeto do pesquisador, o conceitoabrange a representação do miserável e do “estropiado”, que “são grotescos <strong>em</strong> face da151 Cf. Bakhtin, A cultura popular na Ida<strong>de</strong> Média e no Renascimento.152 Sodré, op. cit., pp. 36-37153 Sodré, op. cit., p. 37.154 Id., p. 38.104


sofisticação da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo, especialmente quando são apresentados comoespetáculo”. Do pensamento <strong>de</strong> Wolfgang Kayser, Sodré extrai que o grotesco, numaobra <strong>de</strong> arte, é a manifestação <strong>de</strong> uma angústia. Mas o pesquisador discorda, quandotenta analisar a cultura <strong>de</strong> massa brasileira sob esse prisma: “aqui, o grotesco é posto aserviço <strong>de</strong> um sist<strong>em</strong>a que preten<strong>de</strong> ser exatamente a compensação para a angústia doindivíduo dos gran<strong>de</strong>s agrupamentos urbanos” 155 . Na obra <strong>de</strong> <strong>Freire</strong>, t<strong>em</strong>os os dois usosda ferramenta, ora manifestando e fazendo saltar aos olhos a angústia, e gerando noleitor tal sentimento, ora espetacularizando o que já costuma ser tratado como estranho,o que po<strong>de</strong> gerar distanciamento ou alívio no leitor.Não só <strong>de</strong> palavrão se formam as imagens nojentas ou repulsivas às quais <strong>Freire</strong>recorre. “O suor vindo da rua, escorregando <strong>em</strong> seu pescoço – alvo, alvo. Ao menos asvirilhas, não, sua irmã não lhe dá banho muito b<strong>em</strong>, corre as mãos, os <strong>de</strong>dosentrevados” 156 faz referência a secreções e cheiros, o que também nos r<strong>em</strong>ete àescatologia mencionada.Na pintura, <strong>de</strong> acordo com Valério Me<strong>de</strong>iros, costumava-se <strong>de</strong>nominar <strong>de</strong>grotesca “a obra que apresentasse arabescos, geralmente constituídos <strong>de</strong> ramos <strong>de</strong>plantas, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> brotavam figuras humanas ou animalescas” 157 . Esse hibridismo, ele nosdiz, passou a caracterizar um estranhamento até então <strong>de</strong>sconhecido, pelo menos <strong>de</strong>maneira mais consciente, no universo das artes.Citado por Me<strong>de</strong>iros, Victor Hugo alinha o grotesco original à acepção quet<strong>em</strong>os hoje:No pensamento dos Mo<strong>de</strong>rnos, o grotesco t<strong>em</strong> um papel imenso. Aí está por toda aparte; <strong>de</strong> um lado cria o disforme e o horrível; do outro, o cômico e o bufo. Põe <strong>em</strong>redor da religião mil superstições originais, ao redor da poesia, mil imaginaçõespitorescas. É ele que s<strong>em</strong>eia, a mancheias, no ar, na água, na terra, no fogo, estasmiría<strong>de</strong>s <strong>de</strong> seres intermediários que encontramos b<strong>em</strong> vivos nas tradições populares daIda<strong>de</strong> Média; é ele que faz girar na sombra a ronda pavorosa do sabá, ele ainda que dá aSatã os cornos, os pés <strong>de</strong> bo<strong>de</strong>, as asas <strong>de</strong> morcego 158Assim, as imagens textuais do grotesco serv<strong>em</strong> para aproximar o leitor, por suavinculação terrena e naturalista, b<strong>em</strong> como pelo encantamento frente ao estranho, aobizarro. Entretanto, é importante que ressalt<strong>em</strong>os que o recurso po<strong>de</strong> igualmente servir<strong>de</strong> el<strong>em</strong>ento aproximador e repulsivo. A utilização <strong>de</strong>liberada <strong>de</strong>le é uma aposta. A155 Id., p. 39.156 <strong>Freire</strong>, “Amor <strong>de</strong> Deus”, pp. 25-26.157 Me<strong>de</strong>iros, “O grotesco <strong>em</strong> Bau<strong>de</strong>laire”, p. 1.158 HUGO, Victor. Do grotesco e do sublime. pp. 30-31, apud Me<strong>de</strong>iros, op. cit., p. 2.105


ecorrência ao recurso po<strong>de</strong> significar que os resultados esperados com essa estratégiatêm sido <strong>de</strong>vidamente alcançados.4.1.2.1 Aspectos plásticos convergindo para a proximida<strong>de</strong>O uso <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> grotesca é estendido ao visual. As imagens e o projetográfico dos livros são harmônicos com a linguag<strong>em</strong> crua, realista. Isso é especialmentepercebido na estrutura física <strong>de</strong> Angu <strong>de</strong> sangue. O papel couché utilizado no miolo daedição não é dos mais baratos e o número <strong>de</strong> ilustrações fez com que a produção tenhatido um custo alto para a editora. Um investimento num autor até então poucoconhecido do público. Esse luxo é contrastante com os significados das figuras, que nosr<strong>em</strong>et<strong>em</strong> a ambientações violentas – enten<strong>de</strong>ndo-se aí a violência física, o <strong>em</strong>batecorpóreo, impacto, feridas etc.O título é algo macabro, grotesco, e na capa (ver figura 4), porta <strong>de</strong> entrada doconjunto <strong>de</strong> textos, como focada por uma luz ver<strong>de</strong> intensa, nos recebe uma bocaesquelética (radiografia) e uma colher transpassada, que enfatiza a idéia <strong>de</strong> impacto –metal e ossos. O mesmo ver<strong>de</strong>, ao lado, <strong>em</strong> contraste doloroso, do vermelho(obviamente r<strong>em</strong>etendo-nos a sangue), po<strong>de</strong> significar alguma esperança, vinculada aonatural, à vida vegetal, pura, perfeita. Esse contraste é freqüente na diagramação e nasimagens produzidas por Jobalo 159 . Os mais básicos estudos sobre cores nos suger<strong>em</strong> quea combinação <strong>de</strong> ver<strong>de</strong> e vermelho passa longe <strong>de</strong> uma sensação <strong>de</strong> harmonia. O efeito ésaturador: aparent<strong>em</strong>ente as cores inva<strong>de</strong>m os limites da ilustração, se violam, estupramo <strong>de</strong>senho (ver figura 5).Figura 4159 Artista plástico pernambucano, ilustrador <strong>de</strong> Angu <strong>de</strong> sangue.106


Figura 5É nesse contraste nada harmônico visualmente e bastante significativo do ponto<strong>de</strong> vista simbólico (contraposição <strong>de</strong> vida e morte) que <strong>Freire</strong> e Jobalo apostam. Astreze ilustrações, baseadas <strong>em</strong> fotografias ou radiografias, misturam ou trabalhamseparadamente o vermelho e o ver<strong>de</strong>. Importante ressaltar que há alusão à vida, àorganicida<strong>de</strong>, ainda que na retratação da morte, <strong>em</strong> todas elas: milhos, ossos, olhos,cabeças, bichos, flores etc.Como nos textos, o que as fotografias comunicam ao leitor é a mesma lógica quecompõe o discurso presente nos contos: existe a realida<strong>de</strong> e exist<strong>em</strong> as diversas formas<strong>de</strong> enxergá-la. Há nas “aberrações visuais” do livro a mesma intenção <strong>de</strong> escrachar,ferir, violentar o leitor; e transgredir regras sociais e estéticas.Aqui surge um aspecto interessante: essa tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstruir o discursopoliticamente correto, fórmula que <strong>Freire</strong> adota <strong>em</strong> muitos textos (e também nasilustrações, como vimos), acaba por reforçar alguns estereótipos. Em vez <strong>de</strong> simplesmentequebrar discursos totalizadores, que o <strong>de</strong>ixariam um passo à frente dos conceitos sociaisjá estabelecidos, algumas <strong>de</strong>ssas incisões faz<strong>em</strong> com que os preconceitos – tambémpresentes entre aqueles que trabalham para o fim <strong>de</strong>les – se evi<strong>de</strong>nci<strong>em</strong>. O trabalhográfico se mostra mais apartado <strong>de</strong>ssa representação probl<strong>em</strong>ática. Entretanto, o contrasteentre as figuras <strong>de</strong> Angu <strong>de</strong> sangue e a edição algo luxuosa reitera a idéia <strong>de</strong> diferença e<strong>de</strong> contraste social. Afinal, fica estabelecida a distinção: se o conteúdo é lixo, a forma érefinada e reflete o refinamento do intelectual produtor.Outro ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> trabalho visual gráfico para servir <strong>de</strong> novo instrumentodiscursivo é o livro EraOdito, publicado para ajudar na divulgação <strong>de</strong> Angu <strong>de</strong> sangue ecujo título virou marca – editora e blog – do autor. Completamente afastado dasimagens grotescas <strong>de</strong> Angu <strong>de</strong> sangue, mas também uma edição luxuosa, EraOditopropõe uma brinca<strong>de</strong>ira com os ditos populares (e aqui também é direta a alusão à107


tradição oral): pequenas modificações <strong>de</strong> palavras ou ressaltes <strong>de</strong> letras que levam aoutras leituras. Um ex<strong>em</strong>plo é o <strong>de</strong>staque das letras: REU, formando a palavra “réu”, apartir da frase “Errar é humano”. Ou a subtração da palavra “mania” <strong>em</strong> “Cada loucot<strong>em</strong> sua mania”, com <strong>de</strong>staque <strong>de</strong> letras que formam a palavra “causa” e que pe<strong>de</strong> aleitura “Cada louco t<strong>em</strong> sua causa”.As imagens a seguir, disponíveis no blog do autor, são fac-símile <strong>de</strong> páginas dolivro e ex<strong>em</strong>plificam a idéia <strong>de</strong> que o que se preten<strong>de</strong> quebrar aqui não são apenasvalores, mas letras, formas, <strong>de</strong>senhos.Figura 6Figura 7108


O livro enfatiza a hipótese <strong>de</strong> que <strong>Freire</strong> preten<strong>de</strong>, com sua obra, inverter ou<strong>de</strong>sconstruir conceitos. Resquícios vivos da transmissão oral <strong>de</strong> conhecimento, osprovérbios, segundo o Aurélio, são máximas ou sentenças “<strong>de</strong> caráter prático e popular,comum[ns] a todo um grupo social, expressa[s] <strong>em</strong> forma sucinta e geralmente rica <strong>em</strong>imagens”. Não têm orig<strong>em</strong> certa e se configuram como parte importante <strong>de</strong> uma cultura,como transmissores <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plos filosóficos e morais. E, sendo os ditos populares osmovedores e sustentadores <strong>de</strong> valores sociais, a quebra <strong>de</strong>les significa também a quebra<strong>de</strong> valores ou a revisão <strong>de</strong>stes.4.2 As estratégias extra-texto <strong>de</strong> <strong>Freire</strong>Não só <strong>de</strong> escrever literatura (politicamente correta ou não) vive o escritorcont<strong>em</strong>porâneo. E, sabendo disso, <strong>Freire</strong> se configura <strong>em</strong> um personag<strong>em</strong> muitopeculiar criado por ele mesmo: é um dos poucos escritores da atualida<strong>de</strong> que faz<strong>em</strong>questão <strong>de</strong> não se limitar à produção textual. Assim como é objetivo <strong>de</strong> <strong>Freire</strong> ven<strong>de</strong>r aidéia <strong>de</strong> escritor crítico e ousado, é também objetivo ven<strong>de</strong>r a imag<strong>em</strong> do escritor “genteboa”. A imag<strong>em</strong> austera e sisuda que se t<strong>em</strong> do escritor tradicional é substituída pelasimpatia, o bom humor e a receptivida<strong>de</strong>. Exist<strong>em</strong> os livros e existe <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>,figura no mínimo interessante do cenário editorial brasileiro.Nor<strong>de</strong>stino migrante, <strong>Freire</strong> busca na autenticida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua persona ven<strong>de</strong>r aimag<strong>em</strong> <strong>de</strong> genuíno e extrair, daí, a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comover, gerar concordância.Ten<strong>de</strong> s<strong>em</strong>pre para a conciliação. Se o discurso textual busca a quebra da or<strong>de</strong>m, opersonag<strong>em</strong> real é transigente. Modifica posturas, <strong>em</strong> alternância compatível com seuspróprios valores, <strong>de</strong> acordo com o público. Alguns “papéis” compõ<strong>em</strong> o escritor. Aconstrução da(s) imag<strong>em</strong>(ns) <strong>de</strong> <strong>Freire</strong> é uma ação <strong>de</strong>liberada e isso é agregado aosvalores literários e, conseqüent<strong>em</strong>ente, a sua obra. Vejamos, a seguir, algumas leituraspossíveis <strong>de</strong> personagens que compõ<strong>em</strong> o autor <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>.<strong>Marcelino</strong> trabalhador – É a imag<strong>em</strong> que ele criou e constant<strong>em</strong>ente enfatiza <strong>de</strong>que o escritor não é aquele que vive num universo glamourizado, mas que “rala”. EmSão Paulo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1991, <strong>Freire</strong> trabalha <strong>em</strong> agências <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> como revisor. Emparalelo, um s<strong>em</strong>-número <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s: é um colunista (se consi<strong>de</strong>rarmos seu blogcomo espaço para comentários, críticas e divulgação, como vimos anteriormente),eventualmente escreve para revistas literárias, participa <strong>de</strong> quase todos os eventos paraos quais é convidado (só Brasília o escritor visitou mais <strong>de</strong> quatro vezes <strong>em</strong> 2006 –109


como convidado do jornal Correio Braziliense para a elaboração <strong>de</strong> uma crônica sobre oaniversário da cida<strong>de</strong>, como palestrante no XXVII Encontro Nacional dos Estudantes <strong>de</strong>Letras e na 25ª Feira do Livro <strong>de</strong> Brasília, além <strong>de</strong> jurado do concurso <strong>Literatura</strong> paratodos, promovido pelo Ministério da Educação), promove shows, como o espetáculoCantos negreiros, que reúne leitura dos contos <strong>de</strong> seu último livro e músicas da cantorae amiga Fabiana Cozza, entre outras.As postagens a seguir, ambas <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2006, são significativas:QUEM DISSE QUE ESTOU SOZINHO?“Se você já ganhou o Jabuti, por que ainda se mete <strong>em</strong> enrascada?”. E o cara falou: “atéparece que gosta <strong>de</strong> dor <strong>de</strong> cabeça”. Escritor foi feito para escrever. Assim: “senta orabo na ca<strong>de</strong>ira”. Coisas e coisas. Ave nossa e saravá! “On<strong>de</strong> a gente vê, você está”.Que besteira! Falou, falou, falou. E só ficou nisso. Eu, hein? Escrevo, sim. Mastambém agito. Gostoso. Gosto <strong>de</strong>ste alvoroço. Va<strong>de</strong> retro, sai pra lá. Quer a carcaça docágado? Po<strong>de</strong> ficar. Eu é que não vou colocar a literatura na estante. N<strong>em</strong> atrás n<strong>em</strong>adiante. Meu negócio é <strong>de</strong> ladinho. E nessa não estou sozinho. Junto comigo t<strong>em</strong> outraspessoas: Nelson <strong>de</strong> Oliveira, Claudineis Ferreira e Vieira, Van<strong>de</strong>rley, Ana Rüsche, IvanMarques, Berimba, Fred, A<strong>de</strong>mir, Scott, Claudio Daniel e Cristiane Lisbôa. E o pessoaldo Bagatelas!, os Jovens Escribas, os amigos do Recife, Belo Horizonte, Fortaleza eCuritiba. Edson Cruz e Pipol. Neres e Sacolinha. Zhô, Jur<strong>em</strong>a e Dalila. Ferréz e SérgioVaz. Marquinhos da Mercearia. Joca Reiners e outros mais. Botando para rodar. “Se eufosse você, parava para pensar”. Aí foi que eu perguntei: “não posso eu correr parapensar?”. Sei lá e fui. Beijos na bunda. E não <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> participar da Balada Literária quecomeça daqui a pouquinho e té segunda. (grifo nosso)ERAODITO EDITORANão, não man<strong>de</strong>m originais. A eraOdito só existe assim, informalmente. S<strong>em</strong> dinheiro.Repito: faço porque não gosto <strong>de</strong> ficar parado. Reclamando, enclausurado. Porque souteimoso. Porque tenho amigos parceiros. Por este “selo” é que t<strong>em</strong> saído a série LêProsa,com o apoio da Ateliê. A Coleção 5 Minutinhos i<strong>de</strong>m. Fiz a revista <strong>de</strong> prosa PS:SP. Aantologia Os C<strong>em</strong> Menores Contos Brasileiros do Século. Aju<strong>de</strong>i no disco O Samba ÉMeu Dom, da Fabiana Cozza. E no CD do violonista Antonio Mineiro. Dopernambucano Sérgio Cassiano. E no programa literário SÁi<strong>de</strong>ra (co-produzido pelaTereré Cin<strong>em</strong>a e cujo piloto-esboço vai ser exibido amanhã à noite, na Mercearia). S<strong>em</strong>contar o mais recente show Cantos Negreiros (a ser apresentado <strong>de</strong> novo no dia 17 <strong>de</strong>nov<strong>em</strong>bro, às 21 horas, no Teatro Brincante). Tudo na raça, na fé, no peito e no grito.Como tudo t<strong>em</strong> <strong>de</strong> ser feito. É ou não é, meu amigo? Às armas e avante! 160 (grifo nosso).Esse texto aflito, apressado, tornou-se marca do blog do escritor. E a idéiatransmitida é mesmo a do trabalho constante, das poucas noites <strong>de</strong> sono, doenvolvimento absoluto com o trabalho. Virou expressão-chave, por ex<strong>em</strong>plo, o seu“enfim, assado”, para <strong>de</strong>finir o corre-corre diário <strong>em</strong> que <strong>Freire</strong> está inserido porvonta<strong>de</strong> própria.160 Postagens disponíveis <strong>em</strong> www.eraodito.blogspot.com.110


O conto “Ossos do ofídio”, publicado no jornal Rascunho <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2005,enfatiza uma <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s paralelas. Narra o conto, uma sucessão <strong>de</strong> reclamações,um professor <strong>de</strong> oficina literária saturado com as perguntas inconvenientes dos seusalunos.No feofó, vocês todos. Tomar no olho. Vão encher o saco <strong>de</strong> outro. Agora vão dizer queeu não posso? Trabalhar com o meu ofício?Vivo nesse puta sacrifício, s<strong>em</strong> dinheiro para o bar. Na pendura, no sufoco. Tir<strong>em</strong>-me aoficina, o que faço? T<strong>em</strong> hora que tenho <strong>de</strong> agüentar cada sapo escroto.V<strong>em</strong> dona <strong>de</strong> casa mostrar romance. Estudante querendo ser Dante. Poeta psicodélico.Jornalista analfabeto. Ganho meu dinheiro honesto, fiqu<strong>em</strong> sabendo. Honesto.Meio ficção, meio realida<strong>de</strong>, o texto po<strong>de</strong> também ser entendido como respostado autor à ainda reinante imag<strong>em</strong> vinculada a uma concepção tradicional (à qual elerecorre s<strong>em</strong> probl<strong>em</strong>as, quando convém) que se t<strong>em</strong> sobre o escritor, como vimos noscapítulos anteriores. A passag<strong>em</strong> a seguir retrata isso:Por que tanta gente ainda começa um livro com frases do tipo: "Numa bela manhã <strong>de</strong>set<strong>em</strong>bro"?Porra!Isso quando não escolh<strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro, <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro. E o calendário todo, as estações doano. Apelam para as "entranhas", gostam <strong>de</strong> palavras cafonas, rimas estranhas. Met<strong>em</strong>crepúsculo <strong>em</strong> tudo que é lugar-comum. Vou <strong>de</strong>rrubando um por um.(...)Quer<strong>em</strong> saber <strong>de</strong> mim a diferença. O que é poesia? E prosa? Quais os tipos <strong>de</strong>narrativa? Quais escolas? O que eu acho sinceramente do Rosa? E do Ulisses? Leu, nãoleu? Professor, como usar, pon<strong>de</strong>radamente, um palavrão?O narrador também explicita, e aí se justifica o título do conto, o motivo para“agüentar” os aborrecimentos:É a minha luta. Por isso é que me pagam. Faço cara <strong>de</strong> mestre e todo mês, todos<strong>em</strong>estre, é essa grana que me salva. Po<strong>de</strong>m escrever aí, no jornal: É ESSA GRANAQUE ME SALVA. Se eu fosse <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> direito autoral, prêmio, estava fodido,morria na merda. Mesmo com tantos livros publicados, ora essa. Luto para não fe<strong>de</strong>r noesquecimento.E arr<strong>em</strong>ata com o que po<strong>de</strong>ria soar como ofensa aos seus interlocutores porqueexplicita algumas verda<strong>de</strong>s, revelando um personag<strong>em</strong> ingrato, vaidoso e algo<strong>de</strong>sonesto, mas que, aos olhos do leitor, é recebido como piada:Pelo menos na oficina eu faço novos amigos. Muitos aliados. Todos comparec<strong>em</strong> aosmeus lançamentos. Faz<strong>em</strong> fila para me pedir a bênção. T<strong>em</strong> gente que me telefona todot<strong>em</strong>po. Quer ler uma frase, discutir um personag<strong>em</strong>. Eu ouço, eu tenho calma. Eupreciso <strong>de</strong>les. Eu até aviso: olha, eu moro sozinho. EU MORO SOZINHO. Se eu<strong>de</strong>morar a respon<strong>de</strong>r, se eu não aten<strong>de</strong>r, se eu não aparecer, cham<strong>em</strong> a polícia. Cham<strong>em</strong>o bombeiro.O que t<strong>em</strong> <strong>de</strong> escritor que morre <strong>em</strong> queda <strong>de</strong> banheiro!111


<strong>Marcelino</strong> porta-voz – Não somente o texto literário <strong>de</strong> <strong>Freire</strong> serve comocanalizador para discursos <strong>de</strong> seus pares e <strong>de</strong> leitores (quando esses transcen<strong>de</strong>m oconsumo da obra escrita e passam a ler entrevistas, freqüentar palestras etc.). Em seublog e nas conversas com leitores, que acontec<strong>em</strong> <strong>em</strong> eventos literários, escolas,universida<strong>de</strong>s, o escritor faz convergir seus próprios valores com a percepção dopúblico ouvinte. É interessante observarmos como são evitadas as polêmicas muitoacirradas; a idéia é fazer convergir leituras. Essa é a diferença entre escrever para umleitor s<strong>em</strong> rosto e estar diante <strong>de</strong> um <strong>de</strong>les ou <strong>de</strong> um grupo.Um ex<strong>em</strong>plo, contado pelo próprio escritor, foi a participação <strong>de</strong>le <strong>em</strong> umprograma <strong>de</strong> TV <strong>em</strong> que fez a leitura do texto “Darluz”. Nele, a narradora elenca, com<strong>de</strong>senvoltura, os nomes dos filhos que <strong>de</strong>u, s<strong>em</strong> sentimento <strong>de</strong> culpa e com justificativasplausíveis. Segundo o autor, na gravação do programa, a passag<strong>em</strong> “Veja Maria, pôsJesus no mundo, filho do Espírito Santo. O pai largou” fez com que o operador <strong>de</strong>câmera protestasse. <strong>Freire</strong> não manteve a postura <strong>em</strong> relação à crença religiosa, tãopresente <strong>de</strong> forma crítica <strong>em</strong> seus textos. Explicou ao profissional que qu<strong>em</strong> proferiraaquele discurso fora uma personag<strong>em</strong> <strong>em</strong> momento <strong>de</strong> cólera.Também as diversas indagações recebidas por ele <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência da leitura <strong>de</strong>“Totonha”, a velha que não quer apren<strong>de</strong>r a ler, foram civilizadamente resolvidas oucom a a<strong>de</strong>rência <strong>de</strong>le – ainda que momentânea – aos heróicos discursos sobre a função<strong>em</strong>ancipadora da educação e da literatura ou com a apresentação gentil e amigável <strong>de</strong>sua visão “divergente”. Para amenizar os <strong>de</strong>bates calorosos, po<strong>de</strong> ser s<strong>em</strong>pre citada acoleção 5 minutinhos, por ele i<strong>de</strong>alizada, com pequenos livros para ser lidos nosintervalos da novela, segundo slogan do produto, que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente do que <strong>Freire</strong>possa dizer, é um incentivo à leitura para aqueles que costumam consumir produtos“massificadores”.<strong>Marcelino</strong> amigo e promoter – A postura apaziguadora ultrapassa a relação como seu público. <strong>Freire</strong> mantém, entre seus pares, uma relação gentil e, com os amigos, <strong>de</strong>incondicional apoio. Divulga, promove, elogia. É tanto que ele é reconhecido e chega aser cobrado por isso, senão vejamos a postag<strong>em</strong> abaixo:EU, O VOADORA história começa assim: <strong>de</strong>u branco, <strong>de</strong>u pau. Paciência, etc. e tal. Se não fosse pelo e-mail que recebi do amigo Luiz Roberto Gue<strong>de</strong>s. “Cadê você?”, perguntou. “No seu112


lOgue, nenhuma menção ao meu pobre Mamaluco, <strong>de</strong>samparado por todos”. Econtinuou: “Fui lá no eraOdito e só <strong>de</strong>u Brasília. E o meu lançamento, como fica?Fo<strong>de</strong>u. Se <strong>Marcelino</strong> não <strong>de</strong>u, não aconteceu”. Puta que pariu! Deu branco, repito. Epau no computador esses dias. Esqueci do lançamento da novela-epistolar O MamalucoVoador, no bar Balcão, segunda passada, pela editora Travessa. Foi o frio. A espinhadura, ora essa. Não sei. Estava <strong>em</strong> casa, resolvendo pepinos. Recém-vindo domingo, <strong>de</strong>viag<strong>em</strong>. E coisas outras, ave! Não respon<strong>de</strong>rei ao e-mail do Gue<strong>de</strong>s. Resolvi telefonar.Silêncio que roía, do outro lado da linha. Vou lá. Eu trabalho perto do prédio on<strong>de</strong> el<strong>em</strong>ora. Bati os queixos na porta. “O hom<strong>em</strong> se mudou”, disse-me o porteiro. Gue<strong>de</strong>s, éisso. Agora foi ele qu<strong>em</strong> nos abandonou. Meu Cristo! Conversei há pouco com oGlauco Mattoso sobre assuntos outros. E sobre o Gue<strong>de</strong>s. Disse-me o poeta: “Respon<strong>de</strong>ao e-mail <strong>de</strong>le. E fica tranqüilo, <strong>Marcelino</strong>. Infelizmente, n<strong>em</strong> eu consegui ir”, enfim,assado. A frase martelando assim: “Desamparado por todos”. Eta porra! Resolvi correrno primeiro cyber, perto da Paulista. Para escrever ao Gue<strong>de</strong>s, s<strong>em</strong> medo. Explicar omeu branco negreiro. Mas eis que ouço uma voz, ao meu lado. “Cadê você?”. OGue<strong>de</strong>s, sim, ele. Ao vivo, no mesmo calor <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>. Aparição. De repente, ummilagre. Combinamos novo lançamento do Mamaluco, <strong>em</strong> outubro. Vamos todos nessa.Desta vez, juntos. Em t<strong>em</strong>po: logo abaixo, um trecho da obra, <strong>em</strong> breve nas livrarias <strong>em</strong>aravilha! E mais: foi no cyber, ao lado do próprio Gue<strong>de</strong>s, que escrevi este pôste.Vale ressaltar que a festa, no Balcão, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> mim e das ausências outras, foium sucesso. É isso e até segunda, beijos na bunda e aquelabraço sincero. Fui. 161Não só no blog os amigos têm espaço. Em entrevistas e palestras, se <strong>Freire</strong> t<strong>em</strong>oportunida<strong>de</strong>, cita outros escritores, faz propaganda. Fala <strong>de</strong> André Sant’Anna, <strong>de</strong>Nelson <strong>de</strong> Oliveira e outros da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>, da cantora Fabiana Cozza, <strong>de</strong> Manoel <strong>de</strong>Barros, do crítico recent<strong>em</strong>ente falecido João Alexandre Barbosa (que o indicou àAteliê Editora), dos companheiros <strong>de</strong> Mercearia São Pedro (Joca Reiners Terron,Efraim Medina, Xico Sá). “O samba é meu dom”, disco <strong>de</strong> Cozza, traz a indicação <strong>de</strong><strong>Freire</strong> como produtor musical, como vimos há pouco, e o livro Falo <strong>de</strong> mulher, <strong>de</strong> IvanaArruda Leite, é <strong>de</strong>dicado a <strong>Freire</strong>, por ter incentivado a autora a retomar a ativida<strong>de</strong> e seconsolidar como escritora.<strong>Marcelino</strong> gente-como-a-gente – O olimpo <strong>de</strong> <strong>Freire</strong> se diferencia daquele que jános acostumamos a ver entre os famosos. Ele dispensa pompas e honrarias, é populista:gosta do contato direto com o público, s<strong>em</strong> intermédios. Respon<strong>de</strong> pessoalmente a todosos e-mails que recebe e mensagens do orkut e s<strong>em</strong>pre trata seus interlocutores commuito carinho e respeito. Também <strong>de</strong>ixa transparecer a imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> que escritor é aqueleque escreve, apenas, dispensando assim a imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> artista, superior etc.A infância pobre ajuda a transmitir a imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> um hom<strong>em</strong> <strong>de</strong> carne e osso.“Eu sou filho <strong>de</strong> retirantes, <strong>de</strong> sertanejos que saíram <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> chamada Sertânia161 Postag<strong>em</strong> publicada <strong>em</strong> 6 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2006, no en<strong>de</strong>reço www.eraodito.blogspot.com.113


por causa da seca e foram morar <strong>em</strong> Paulo Afonso, na Bahia” 162 . Também o fato <strong>de</strong> sergay agrega valor à figura originada <strong>de</strong> minorias e gera simpatia no público preocupadocom direitos humanos, questões sociais. O seu discurso está alinhado ao que parte dosmovimentos que lutam pela causa dos homossexuais difun<strong>de</strong>m: “O hom<strong>em</strong> perguntou:quando você disse para você ‘eu sou gay’? Eu falei: nunca disse ‘eu sou gay’. Você dizeu sou heterossexual? Não. Faz uma ficha cadastral para qu<strong>em</strong> te pergunta? Para umaroda <strong>de</strong> amigos?” 163 .Também a a<strong>de</strong>rência aos discursos dominantes, da opinião pública, ajudam amanter o escritor no patamar dos “mortais”. A <strong>de</strong>claração “Esse negócio <strong>de</strong> cotas évergonhoso. É vergonhoso o negro ter que entrar na universida<strong>de</strong> porque foi feita umacota para ele. Eu acho isso uma escrotice do governo querendo amenizar uma coisa queé histórica” 164 é um ex<strong>em</strong>plo disso. As questões sociais – não apenas aquelas presentes<strong>em</strong> sua obra – são centrais e o aflig<strong>em</strong> como aflig<strong>em</strong> o público que consome a sualiteratura e a sua persona.Os palavrões e os lamentos, como vimos, são também recorrentes nos discursosque serv<strong>em</strong> para <strong>de</strong>smistificar o escritor. Causam <strong>em</strong>patia e o distanciam do estereótipodo “mestre do beletrismo”. Em entrevista ao ca<strong>de</strong>rno Aliás, <strong>de</strong> O Estado <strong>de</strong> S. Paulo, apretexto da passeata do orgulho gay, <strong>Freire</strong> solicitou que o repórter mantivesse ospalavrões <strong>de</strong> sua fala: “Não vá me tirar os palavrões. S<strong>em</strong> eles me sinto pelado” 165 .O relacionamento virtual com seu público foi ressaltado <strong>em</strong> entrevista ao jornalO Povo e o discurso contrário ao olimpo serviu para humanizar ainda mais o escritor:“Adoro blogues, sites, orkuts. A internet é coisa viva. Longe das aca<strong>de</strong>mias <strong>de</strong> letras.Nada na internet é imortal. Ninguém está no Olimpo. O Olimpo é sujo, s<strong>em</strong>pre digo erepito” 166 . A <strong>de</strong>claração é um contraponto ao que a literatura <strong>de</strong> <strong>Freire</strong> ressalta: o sujo,como vimos na discussão sobre o grotesco <strong>em</strong> sua obra.4.2.1 <strong>Freire</strong> e a mídiaSe a relação com o público leitor ou ouvinte se pauta na aproximação e nagentileza, com a mídia não é diferente. É gran<strong>de</strong> o número <strong>de</strong> entrevistas que o autor dá,e isso in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do tamanho e da importância do veículo – se b<strong>em</strong> que as gran<strong>de</strong>s162 Birman, “Zumbis <strong>de</strong> <strong>Marcelino</strong>”.163 Id. ibid.164 Id. Ibid.165 Melo Pa, “O direito <strong>de</strong> ficar parado”.166 Carvalho, “De on<strong>de</strong> escapei, o que me salvou”.114


organizações jornalísticas abram pouco espaço para a literatura cont<strong>em</strong>porânea.Participa também <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> TV e <strong>de</strong> rádio.Como vimos, <strong>Freire</strong> é um autodivulgador e alar<strong>de</strong>ia os acontecimentos literáriosdos quais participa, os que lhe interessam ou aqueles promovidos por amigos. Essa açãoé típica <strong>de</strong> um assessor <strong>de</strong> imprensa. O blog t<strong>em</strong> a pretensão <strong>de</strong> se transformar <strong>em</strong> umespaço <strong>de</strong> divulgação <strong>de</strong> pautas, que mais tar<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rão virar matérias <strong>de</strong> jornais,revistas, sites.Episódios como a já comentada briga com o jornalista Jerônimo Teixeira, darevista Veja, são raros. A atitu<strong>de</strong> paciente que vimos no narrador do conto “Ossos doofídio”, há pouco, se aplica inteiramente ao seu relacionamento com a imprensa. Se háalgum <strong>de</strong>sconforto, ele é provi<strong>de</strong>ncialmente suprimido, dando lugar ao tratamento gentile prestativo. Até porque ele enxerga a imprensa como canal <strong>de</strong> comunicação com leitor.Nilto Maciel reclama, <strong>em</strong> artigo, dos objetivos algo <strong>de</strong>spropositados <strong>de</strong> seuspares quando ignoram a necessária relação com a mídia. “Como vamos os escritores noscomunicar com os leitores? Se escrevermos para nós mesmos, não haverá comunicação,e escrever será apenas catarse, psicoterapia, auto-análise” 167 . Em entrevista aoCronópios, <strong>Freire</strong> parece respon<strong>de</strong>r a reflexão <strong>de</strong> Maciel:Não po<strong>de</strong>mos nos <strong>de</strong>scuidar <strong>de</strong>la. Aliás, creio que foi s<strong>em</strong>pre assim: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Machado<strong>de</strong> Assis. Escrever e aparecer e publicar nos jornais e ser resenhado, creio. O fato é quehoje a disputa é maior. Não sejamos inocentes. Uma vez a Rosa Montero, escritoraespanhola, falou que antes ela escrevia porque não sabia falar. Hoje ela disse queprecisa falar para continuar escrevendo. O escritor virou uma estrela popular, <strong>de</strong> algumaforma. Além <strong>de</strong> escrever, ele precisa falar, viajar, divulgar o seu rebento. Não vejo malnisso. Des<strong>de</strong> que o peixe não seja podre, o negócio é gritar. S<strong>em</strong>pre foi assim. No gogó.É preciso dizer, ressaltar: escritor não é santo. Nunca foi. Luto contra isso: essa imag<strong>em</strong>solene do escritor. É preciso <strong>de</strong>scer do pe<strong>de</strong>stal. Enfim. E ir à briga. Movimente-se! 168Pouco antes, na mesma entrevista, quando questionado sobre suas regras <strong>de</strong>sobrevivência no mercado com todas as suas disputas acirradas, foi contraditório:“Escrever, escrever, escrever. Só t<strong>em</strong>os essa arma: escrever, escrever, escrever”. Elesabe que essa não é a única arma do escritor cont<strong>em</strong>porâneo e pu<strong>de</strong>mos ver, com asdiscussões <strong>de</strong>ste capítulo, o verda<strong>de</strong>iro arsenal <strong>de</strong> que <strong>Freire</strong> dispõe.A recepção dos meios <strong>de</strong> comunicação t<strong>em</strong> se mostrado boa. Cada aparição <strong>de</strong><strong>Freire</strong> é tratada como uma novida<strong>de</strong>. De modo geral, os jornais, <strong>em</strong> matérias ouentrevistas, recorr<strong>em</strong> a um texto introdutório que resgata a infância difícil do autor <strong>em</strong>167 Maciel, “<strong>Literatura</strong> e mídia”.168 Naud Júnior, “A mágica literária segundo <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>”.115


sua cida<strong>de</strong> natal, a migração para a cida<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> etc. Se o gancho costuma variar –participação <strong>de</strong> <strong>Freire</strong> <strong>em</strong> eventos literários, <strong>de</strong>staque <strong>em</strong> algum prêmio, lançamento <strong>de</strong>livro etc. –, a estrutura das matérias costuma ser s<strong>em</strong>pre a mesma: opta-se por começarcom uma contextualização, saindo da infância até a sua chegada <strong>em</strong> São Paulo, e por<strong>de</strong>senvolver o texto com referências ao fazer literário, à presença do social <strong>em</strong> sua obrae, eventualmente, ao mercado editorial. Também é freqüente a menção à <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>.A resenha “Sangue nas letras”, <strong>de</strong> 2001, escrita por Fernando Marques, foge àsdiscussões sobre o fazer literário e à alusão à <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> (até porque esta não existia),mas é iniciada com uma breve reflexão sobre o engajamento social na arte. Em seguida,<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>Freire</strong> ser <strong>de</strong>vidamente apresentado, com orig<strong>em</strong>, ida<strong>de</strong> e o fato <strong>de</strong> serradicado <strong>em</strong> São Paulo, os contos são abordados sob o enfoque social. Já o perfilmontado por alunos <strong>de</strong> jornalismo e publicado <strong>em</strong> 12 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2005 no jornal Hoje<strong>em</strong> dia segue a estrutura que <strong>de</strong>senhamos, apesar da or<strong>de</strong>m ser invertida: característicasgerais do autor antece<strong>de</strong>m o cuidadoso relato <strong>de</strong> sua infância, já que são incluídos atéalguns dados sobre a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sertânia. Uma pequena entrevista é iniciada com o focono fazer literário e <strong>de</strong>scamba para outros dados biográficos do autor. A <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> nãoé mencionada.É possível vislumbrar, <strong>em</strong> leitura crítica da obra <strong>de</strong> <strong>Freire</strong>, que o <strong>de</strong>scompasso eo <strong>de</strong>sconforto causados pelas figuras e abordagens <strong>de</strong> seus textos aten<strong>de</strong>m a uma“<strong>de</strong>manda <strong>de</strong> mercado”. O público leitor, já acostumado à ambientação socialpromovida pelos discursos que visam à dissipação das diferenças e ainda vinculado àsnoções preconceituosas que dominam sua formação, espera ver as referências que eleconhece nos textos literários. Ao concordar com os diversos discursos sociais, <strong>Freire</strong>compartilha com o leitor o sentimento <strong>de</strong> pertencer ao mesmo ambiente, cria vínculosintelectuais e <strong>em</strong>patia. Ao discordar, ou tentar quebrar essas novas visões<strong>em</strong>ancipadoras – quando o leitor está ainda se acostumando com os discursospoliticamente corretos –, faz <strong>de</strong>spertar o sentimento <strong>de</strong> constante renovação. Isso étambém um valor, afinal “apren<strong>de</strong>r s<strong>em</strong>pre”, “auto-renovação” etc. são termosimpregnados ora pela lógica capitalista (quando o crescimento está relacionado ao upgra<strong>de</strong> profissional), ora pela social (quando acreditamos que o conhecimento é a base <strong>de</strong>tudo). A linguag<strong>em</strong> é também um el<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> aproximação. O uso intencional <strong>de</strong>termos coloquiais, <strong>de</strong> palavrões e as referências visuais a ambientações asquerosas serve116


tanto para criar um approach com o leitor como para reforçar a sua imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> “gentecomo-a-gente”.Também vimos o quanto as várias facetas criadas por ele mesmo são reveladorase dialogam com a <strong>de</strong>manda do público e da crítica, ou mesmo geram essa <strong>de</strong>manda, sequisermos fazer referência a Marx, quando fala sobre a produção <strong>de</strong> um objeto para osujeito e <strong>de</strong> um sujeito para o objeto.As diversas imagens, bastante integradas, não acabam por engessar uma persnoafirme e irredutível. Pelo contrário, as possibilida<strong>de</strong>s faz<strong>em</strong> com que se consuma aimag<strong>em</strong> do escritor/pensador/ser humano flexível, adaptável, versátil e n<strong>em</strong> por isso umfarsante ou <strong>de</strong>sonesto.117


Consi<strong>de</strong>rações Finais119


O protagonista do romance Teatro, <strong>de</strong> Bernardo Carvalho, afirma que o esquizofrênicoé aquele que busca or<strong>de</strong>nar o caos do mundo. O escritor, por suas tentativas <strong>de</strong>apreen<strong>de</strong>r a realida<strong>de</strong> e reconstruí-la <strong>em</strong> capítulos <strong>de</strong> romances, contos etc., po<strong>de</strong>igualmente ser entendido como um esquizofrênico. A um pesquisador a atribuição doadjetivo também não parece <strong>de</strong>spropositada. É, <strong>de</strong> fato, algo paranóico postar-se diante<strong>de</strong> um objeto completamente disforme e tentar entendê-lo e organizá-lo. Este trabalhoparece ter sido resultado <strong>de</strong> um surto esquizofrênico. Frente a um <strong>em</strong>aranhado <strong>de</strong>objetos e articulações, que trocam <strong>de</strong> lugar e <strong>de</strong> função, o ato <strong>de</strong> tentar or<strong>de</strong>nar numalógica inteligível realida<strong>de</strong> tão complexa po<strong>de</strong> ser entendido como “loucura”.Iniciamos este estudo com a realização <strong>de</strong> um esboço do cenário literáriobrasileiro da atualida<strong>de</strong>. Com base no pensamento <strong>de</strong> Pierre Bourdieu, discutimos oconceito <strong>de</strong> campo e o fiz<strong>em</strong>os dialogar com o espaço brasileiro, evi<strong>de</strong>nciando as suasregras internas – explícitas ou não – e a sua composição por agentes com funçõesespecíficas e que se inter-relacionam. Escritores, editores, leitores, críticos são algunsagentes que mov<strong>em</strong> o campo, tanto na condição <strong>de</strong> produtores (<strong>de</strong> literatura ou outros<strong>de</strong> discursos) quanto como consumidores (e não há restrição à figura do leitor).Discutimos a idéia <strong>de</strong> estratégia, palavra que norteou todas as <strong>de</strong>mais discussõesaqui propostas e efetivadas. O objetivo era afastar o termo da sua orig<strong>em</strong> bélica eamenizá-lo a partir das teorias da administração, que enten<strong>de</strong>m estratégia como umconjunto <strong>de</strong> ações planejadas que visam a um resultado futuro. Com a discussão,buscamos <strong>de</strong>smistificar o conceito e o seu uso no ambiente literário, já que falar <strong>em</strong>estratégias nesse ambiente po<strong>de</strong>ria soar <strong>de</strong>slocado, tendo <strong>em</strong> vista a imag<strong>em</strong> que aliteratura t<strong>em</strong> <strong>de</strong> arte superior.A diferença entre os campos das artes e os <strong>de</strong>mais talvez se dê, como vimos, peloobjeto e pelos resultados pouco tangíveis que aqueles produz<strong>em</strong>. Os agentes, como <strong>em</strong>qualquer outro campo, têm que <strong>de</strong>senvolver habilida<strong>de</strong>s suficientes para entrar e se manterno campo. Isso é estratégia. Conhecer o cenário, as nuances e enten<strong>de</strong>r a lógica das relaçõessão atos fundamentais para que a inserção se consoli<strong>de</strong> ou a permanência se estabeleça.Para quebrar o paradigma <strong>de</strong> que o campo se calca <strong>em</strong> valores pouco palpáveis,discutimos as teorias <strong>de</strong>senvolvidas sobre literatura, o que nos fez chegar a uma<strong>de</strong>finição que a <strong>de</strong>svincula da imag<strong>em</strong> convencional <strong>de</strong> arte inacessível. Lançar aocampo literário um olhar cético e que discute abertamente a presença do mercado po<strong>de</strong>,tendo por base aquela formação da imag<strong>em</strong> que acabamos <strong>de</strong> falar, parecer ina<strong>de</strong>quado.Para justificarmos o tratamento, a idéia <strong>de</strong> literatura foi trabalhada a partir <strong>de</strong> sua120


concepção mais flexível, <strong>de</strong> modo que ela pu<strong>de</strong>sse ser vista tão somente como umconceito.Quando se <strong>de</strong>ssacraliza a literatura, po<strong>de</strong>-se enxergar s<strong>em</strong> preconceitos a relaçãopossível <strong>de</strong>la com as práticas <strong>de</strong> mercado. Afinal, a literatura é produto e, como tal, éobjeto <strong>de</strong> troca, <strong>de</strong> consumo. O campo literário abrange não apenas aquilo que se julgainerente ao texto literário ou à presença dos agentes e suas interlocuções, mas tambémpráticas como as publicitárias, cujo objetivo é ven<strong>de</strong>r para gerar lucro e nãonecessariamente <strong>em</strong>ancipar.Buscando <strong>de</strong>smistificar o mercado para inseri-lo no conceito <strong>de</strong> campo, partimospara a discussão <strong>de</strong> papéis <strong>de</strong> alguns dos agentes do cenário e vimos que o conceitoaurificado <strong>de</strong> literatura é o que <strong>em</strong>basa muitas das relações internas. Incorporada a essamesma mística balizadora está a importância do trabalho duro. Assim, para fazer partedo grupo o novo m<strong>em</strong>bro <strong>de</strong>ve ter a noção <strong>de</strong> que literatura é fruto <strong>de</strong> muito trabalho eque resulta <strong>em</strong> produto que permite fruição.Chegamos à discussão sobre a profissionalização do escritor. Até a primeirameta<strong>de</strong> do século passado, jornalismo e literatura se confundiam, <strong>em</strong> função e forma <strong>de</strong>expressão. O texto jornalístico, hoje regido por uma estrutura que busca a objetivida<strong>de</strong>,tinha vínculos estreitos com a produção literária. Por volta <strong>de</strong> 1950, iniciou-se oprocesso <strong>de</strong> profissionalização formal, que culminou com a exigibilida<strong>de</strong> do diplomapara a prática da profissão. A literatura, por sua vez, permaneceu afastada <strong>de</strong>ssasquestões. A idéia que se tinha era a <strong>de</strong> que o status <strong>de</strong> arte a impossibilitava <strong>de</strong> sertransformada <strong>em</strong> uma profissão. O juízo parece não ter sido <strong>de</strong>sfeito <strong>de</strong> todo. E vimosque mesmo as práticas mais ligadas à profissionalização se calcam <strong>em</strong> alguma baseetérea.Des<strong>de</strong> 1973, o Brasil dispõe <strong>de</strong> lei que rege as relações entre editoras e escritores.Por si só, ela seria a prova <strong>de</strong> que a profissionalização já existe. Mas as práticas aliprevistas só são usadas quando convém. Afinal, ainda compõe a aura da boa literatura oprovi<strong>de</strong>ncial afastamento <strong>de</strong>la e <strong>de</strong> seus produtores do mercado. Uma visão maisconservadora faz com que permaneça sobre a literatura a imag<strong>em</strong> que tentamos<strong>de</strong>sconstruir. Diante <strong>de</strong> dois caminhos possíveis, os “profissionais” transitam pelo meio,ora fazendo referência a uma concepção, ora se beneficiando da outra.Falamos também sobre o acesso à literatura. Aqui, numa discussão que foge damera consciência sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> educação para todos. Como vimos <strong>em</strong>discursos e posturas, alguns agentes reconhec<strong>em</strong> a importância da instrução formal, mas121


a estratégia ultrapassa o sentimento ufanista <strong>de</strong> fazer parte <strong>de</strong> uma nação educada: oobjetivo é que a literatura amplie seu público. Talvez mais importante que a discussãosobre a formação <strong>de</strong> um público seja aquela sobre o acesso à produção literária. Diante<strong>de</strong>sse ponto, a postura altruísta e progressista <strong>de</strong> alguns escritores se alinha àquela maistradicional: se a literatura <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser feita apenas por inspirados ou artistas habitadospor <strong>de</strong>miurgos, ela agora seria produzida apenas por profissionais, mantendo-se aí adistância entre produtores e consumidores.Partindo daí, introduzimos a discussão sobre o acesso às ferramentas eletrônicas<strong>de</strong> produção e publicação <strong>de</strong> textos. Falamos <strong>de</strong> sites e blogs e fiz<strong>em</strong>os uma análiseparalela entre os diários eletrônicos <strong>de</strong> <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong> e Alessandro Buzo. Foiinstrutivo observar como os dois espaços têm apresentações distintas, levando <strong>em</strong> containclusive as noções que cada escritor t<strong>em</strong> <strong>de</strong> estética visual, mas objetivos idênticos:divulgar literatura e divulgar-se.No capítulo seguinte, traçamos a história da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong>, grupo restrito ehermético que reúne os escritores antologizados por Nelson <strong>de</strong> Oliveira e tambémoutros, além <strong>de</strong> críticos, jornalistas e interessados <strong>em</strong> literatura. Nesse relato histórico,entraram as análises das estratégias do grupo e <strong>de</strong> seus agentes, <strong>em</strong> paralelo com a idéia<strong>de</strong> campo, já que o ambiente da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> reproduz o cenário literário brasileiro, <strong>em</strong>suas relações, na existência <strong>de</strong> regras internas etc.Os textos dos antologizados e dos <strong>de</strong>mais m<strong>em</strong>bros efetivos do grupo revelamcoesão. E também consegu<strong>em</strong> igualmente ter diversida<strong>de</strong>. Nomes, formas, abordagens econteúdos são plurais, mas conversam, se referenciam e compartilham objetivos, noâmbito ficcional e também na vida real. Algumas linhas gerais revelam a proximida<strong>de</strong>formal entre esses textos: a opção pelo conto, <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento do romance, é evi<strong>de</strong>nte e,<strong>em</strong> alguns casos, o miniconto é a forma escolhida para as narrativas.Mas isso é também facilmente percebido nos textos da geração anterior, aquelaque protagonizou o boom do conto na década <strong>de</strong> 1970. O que talvez diferencie a<strong>Geração</strong> 70 da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> são as estratégias <strong>de</strong>sta. Antes, porque são explicitadas.Depois, porque vinculam abertamente os textos à publicida<strong>de</strong>. O uso da mídia comoaliada na divulgação <strong>de</strong> textos, apesar <strong>de</strong> presente <strong>em</strong> gerações anteriores à <strong>de</strong> 1970(vi<strong>de</strong> discussão do segundo capítulo), talvez nunca tenha sido tão presente e tratado s<strong>em</strong>pudores.Quatro escritores b<strong>em</strong> sucedidos da <strong>Geração</strong> <strong>90</strong> foram brev<strong>em</strong>ente biografadospara visualizarmos o processo <strong>de</strong> entrada <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les no mercado e a consagração,122


que se <strong>de</strong>u <strong>de</strong> modo diferente para cada um. Entre os quatro, esteve <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>,cujas estratégias mereceram capítulo à parte. Nesse momento do trabalho, apresentamosdois gran<strong>de</strong>s eixos que contêm as estratégias <strong>de</strong> <strong>Freire</strong>: 1) obra e 2) posturas/discursosextra-texto.Ao abordarmos os livros <strong>de</strong> <strong>Freire</strong>, nos <strong>de</strong>paramos com a aposta <strong>em</strong> duas linhasestratégicas: a atualida<strong>de</strong> e a proximida<strong>de</strong>. Com a primeira, o autor faz conversar osconteúdos <strong>de</strong> seu texto com a realida<strong>de</strong> social latente. As r<strong>em</strong>issões do leitor são quaseautomáticas. Nessa abordag<strong>em</strong>, i<strong>de</strong>ntificamos os momentos <strong>em</strong> que <strong>Freire</strong> faz coro aodiscurso politicamente correto dos movimentos sociais e <strong>em</strong> que ele <strong>de</strong>sconstrói ess<strong>em</strong>esmo discurso. Ambos são eficazes no seu objetivo <strong>de</strong> conectar o leitor com arealida<strong>de</strong>, uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> que estão os dois – <strong>em</strong>issor e receptor – falando do mesmoassunto e que ora compartilham das mesmas aflições, ora não.A aposta na proximida<strong>de</strong> se evi<strong>de</strong>nciou quando focalizamos alguns aspectosformais, apesar <strong>de</strong> que com o conteúdo o approach é também inevitável. O uso <strong>de</strong>recursos como a oralida<strong>de</strong> e a opção por uma abordag<strong>em</strong> grotesca são significativos.Rimas, ritmo cor<strong>de</strong>lizado, ca<strong>de</strong>nciado, são alguns ex<strong>em</strong>plos presentes <strong>em</strong> todos ostextos do autor; <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu primeiro e renegado livro, o Acrústico, <strong>Freire</strong> v<strong>em</strong>trabalhando com uma linguag<strong>em</strong> muito aproximada da fala cotidiana. A presença dospalavrões e das imagens sujas e nojentas compõ<strong>em</strong> o universo grotesco, tambémresponsável por aproximar (ou afastar <strong>de</strong> vez) o leitor por sua figuração mais terrena,naturalista. As referências ao sujo, ao físico, ao disforme são como pontes que ligam oleitor à realida<strong>de</strong> mais latente. A diagramação e as fotos do livro Angu <strong>de</strong> sangue seutilizam <strong>de</strong>sses el<strong>em</strong>entos para gerar proximida<strong>de</strong> com leitor.Ao passarmos para o segundo aspecto, focalizamos as estratégias não vinculadasao texto literário impresso do autor. Afirmamos que a imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> <strong>Freire</strong> éintencionalmente construída e prevê pelo menos quatro acepções: “<strong>Marcelino</strong>trabalhador”, “<strong>Marcelino</strong> porta-voz”, “<strong>Marcelino</strong> amigo e promoter” e “<strong>Marcelino</strong>gente-como-a-gente”. São todas elas componentes <strong>de</strong> uma imag<strong>em</strong> maior, já vinculada àfigura do escritor pernambucano. A primeira estabelece a idéia do escritor ligado aotrabalho, intelectual ou não; a segunda mostra o escritor como canalizador <strong>de</strong> discursos,tanto nos textos literários quanto nas palestras e afins; a terceira nos faz vislumbrar umafigura comprometida com os amigos, fiel e responsável pelo sucesso <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>les; aúltima, e provavelmente a mais importante, nos permite antever um escritorextr<strong>em</strong>amente alinhado ao que já se espera <strong>de</strong> um profissional <strong>de</strong>ssa natureza, como123


vimos anteriormente, pois <strong>Freire</strong> se afasta da figura “superior” do escritor tradicional.Os intermédios são dispensados, o que dá a ver uma postura populista: o autor interagediretamente com seu público, conversa, respon<strong>de</strong> e-mails, troca idéias, cervejas.Por fim, observamos que <strong>Freire</strong> se relaciona b<strong>em</strong>, e isso também significa umaestratégia, com os meios <strong>de</strong> comunicação. O resultado é uma recepção positiva. Entre osmuitos companheiros <strong>de</strong> profissão e <strong>de</strong> “geração”, ele é um dos poucos que não po<strong>de</strong>mreclamar da receptivida<strong>de</strong> que a imprensa t<strong>em</strong> <strong>de</strong> seus textos e <strong>de</strong> sua figura.Além <strong>de</strong> meramente – e esquizofrenicamente, claro – <strong>de</strong>senhar a realida<strong>de</strong>literária brasileira cont<strong>em</strong>porânea, para <strong>de</strong>pois discutirmos os reflexos sociais disso, oobjetivo maior <strong>de</strong>ste trabalho foi o <strong>de</strong> tentar <strong>de</strong>smistificar algumas visões. Ao enten<strong>de</strong>resta dissertação como espaço <strong>de</strong> discussão, optamos por tentar romper idéiasconservadoras sobre a literatura, que a <strong>de</strong>fin<strong>em</strong> como algo digno <strong>de</strong> poucos, e sobreaqueles que a produz<strong>em</strong> e consom<strong>em</strong>. Posturas irredutíveis, como a que confere àmanifestação artística aura superior, ten<strong>de</strong>m a ser geradoras <strong>de</strong> preconceitos.Apresentamos, ainda, o ambiente, as posturas dos agentes e suas relaçõescont<strong>em</strong>porâneas e evi<strong>de</strong>nciamos como outras formas <strong>de</strong> exclusão acabam porpermanecer, mesmo quando há rompimento da lógica conservadora. Se já se nota certacrítica à acepção da literatura na cont<strong>em</strong>poraneida<strong>de</strong>, é possível perceber que o foco estáagora na profissionalização, o que faz com que o campo permaneça hermético. Se a<strong>Geração</strong> <strong>90</strong> quebra tabus quando explicita seus interesses mercadológicos, ela é tambémreforçadora <strong>de</strong> estereótipos, tanto o <strong>de</strong> escritor (intelectual, branco, <strong>de</strong> classe média-alta,já que é esse o perfil que t<strong>em</strong> efetivo acesso à produção) quanto <strong>de</strong> personagens. Com<strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>, que representa uma classe <strong>de</strong> escritores brasileiros, ocorre o mesmo.Juntar pedacinhos para tentar apresentar algo concreto, digno <strong>de</strong> discussão –engajada, <strong>em</strong> alguns pontos – e pensar essas relações e os seus resultados práticos quaseimperceptíveis são atos que formaram o nosso objetivo paranóico. Otimista, frente àpossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um futuro menos exclu<strong>de</strong>nte.124


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Anexos131


Anexo I – Contrato <strong>de</strong> edição (mo<strong>de</strong>lo)CONTRATO DE EDIÇÃOPor este instrumento particular <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> edição, as partes, a saber, RONALDO CAGIANOBARBOSA, brasileiro, autor literário, RG 7865 OAB-DF, CPF nº 380..221.176-68, resi<strong>de</strong>nte edomiciliado à Quadro 1211, bloco A, apto. 202, Cruzeiro Novo, Brasília, DF 78658-201, aseguir, simplesmente AUTOR, eLíngua Geral Livros Ltda, com se<strong>de</strong> na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong>Janeiro/RJ, na Rua Jardim Botânico nº. 600, grupo 501- 503, CEP: 22.461-000, inscrita noCNPJ sob o nº. 07.882.969/0001-82, inscrição estadual nº. 78.141.816, inscrição municipal n-º.394.389-5, neste ato por seu representante legal, ao final assinado, Maria da ConceiçãoLopes, brasileira, <strong>em</strong>presária, portadora da carteira <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> RNE V35731-3, CPF /MFnº.011.208.978-07, doravante simplesmente EDITORA;RESOLVEM, <strong>de</strong> pleno e comum acordo e na melhor forma <strong>de</strong> direito, firmar o presente, <strong>de</strong>acordo com as cláusulas e condições a seguir.Cláusula Primeira - Do ObjetoO objeto do presente contrato é a concessão da autorização, pelo AUTOR, com absolutaexclusivida<strong>de</strong>, dos direitos <strong>de</strong> edição, publicação, quer literária, quer não e comercialização edistribuição, <strong>em</strong> qualquer das modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> publicação, quer física, quer virtual, b<strong>em</strong> como,<strong>de</strong> todas as formas <strong>de</strong> divulgação, da obra literária “DICIONÁRIO DE PEQUENASSOLIDÕES, doravante simplesmente OBRA, direitos esses, <strong>de</strong> titularida<strong>de</strong> do AUTORCláusula Segunda - Do TerritórioO presente contrato <strong>de</strong> edição vigerá no Brasil e no exterior, s<strong>em</strong> qualquer limitação editorial.Cláusula Terceira - Do PrazoO prazo do presente contrato será <strong>de</strong> 7 (sete) anos, contados da data da primeira publicação,comportando, por consenso formal das partes, renovação por igual período, manifestado comseis meses <strong>de</strong> antecedência da data <strong>de</strong> sua expiração.Cláusula Quarta - Dos Direitos do Autor4.1 – O AUTOR, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente dos direitos concedidos à EDITORA terá assegurada amenção <strong>de</strong> seu nome, a saber ©2006 Ronaldo Cagiano, nas publicações que sejam realizadaspela EDITORA, b<strong>em</strong> como <strong>em</strong> toda e qualquer peça promocional vinculada à cada edição.Cabe esclarecer que ainda que não seja física a publicação, a menção do nome do AUTOR<strong>de</strong>verá constar na mídia adotada para a edição respectiva, nesse sentido o AUTOR estarávalidando e aprovando, formal e previamente, a versão final <strong>de</strong> sua OBRA, antes dacomercialização, incluindo-se, mas no limitando-se nessa aprovação, a paginação, tipo <strong>de</strong> letra,as ilustrações, <strong>de</strong>talhes da arte final da capa e contra-capa, enfim a totalida<strong>de</strong> dos aspectospertinentes à cada publicação, quer física, quer não, assim, tão logo pronta a prova gráfica ouequivalente, a EDITORA submeterá ao AUTOR que terá o prazo <strong>de</strong> 10.(<strong>de</strong>z) dias para revisála.133


4.2 - Ao AUTOR é assegurado o direito <strong>de</strong> mandar examinar os controles e registros daEDITORA, relativamente às edições <strong>de</strong> suas OBRAS, <strong>de</strong>vendo para tanto informar aEDITORA com 30 (trinta) dias <strong>de</strong> antecedência, realizando o exame, <strong>de</strong>ntro do horáriocomercial, nos escritórios da EDITORA, pessoalmente ou através <strong>de</strong> profissionais gabaritadospara tanto.4.3 – O AUTOR receberá <strong>de</strong> cada primeira edição 6 (seis) ex<strong>em</strong>plares, s<strong>em</strong> qualquer ônus.4.4 – O AUTOR po<strong>de</strong>rá adquirir ex<strong>em</strong>plares <strong>de</strong> suas OBRAS, com <strong>de</strong>sconto <strong>de</strong> 50% (cinqüentapor cento) do preço <strong>de</strong> capa, no varejo, no entanto, não po<strong>de</strong>rá dar qualquer <strong>de</strong>stino comercial atais ex<strong>em</strong>plares.4.5 – É assegurado ao AUTOR, dar por terminado o presente contrato, caso a EDITORA,notificada formalmente pelo AUTOR, não provi<strong>de</strong>ncie, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 60 (sessenta ) dias, novaedição <strong>de</strong> sua OBRA, <strong>de</strong>pois que a mesma haja se mantido com um estoque zerado por mais doque três meses.4.6 - É assegurada ao AUTOR uma primeira edição física <strong>de</strong> no mínimo 1.500 mil equinhentos) ex<strong>em</strong>plares <strong>de</strong> sua OBRA,Cláusula Quinta – Dos Diretos da Editora5.1 - É assegurado, com exclusivida<strong>de</strong> à EDITORA o direito a fixar o preço do ex<strong>em</strong>plar daOBRA editada, seja qual for a modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comercialização, competindo-lhe ainda, a <strong>de</strong>cisãoquanto às alterações no citado preço, b<strong>em</strong> como a <strong>de</strong>finição da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plares <strong>de</strong>cada edição e reedições.5.2 - É garantido pelo AUTOR à EDITORA relativamente à sua OBRA, os direitos <strong>de</strong>transformar sua obra literária original <strong>em</strong> encenação teatral, adaptação radiofônica, adaptaçãopara obras áudio visuais <strong>de</strong> qualquer natureza, ex<strong>em</strong>plificativamente, DVD, cin<strong>em</strong>a,. televisão,etc....5.3 – A EDITORA po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>stinar à promoção da OBRA uma quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plares nãosuperior a 10% (<strong>de</strong>z por cento) da tirag<strong>em</strong> respectiva, s<strong>em</strong> que para esses ex<strong>em</strong>plares tenha quequitar o direito do AUTOR.Cláusula Sexta - Das Obrigações do AutorO AUTOR garante e assegura, sob as penas da lei, a originalida<strong>de</strong> e autenticida<strong>de</strong> da OBRA,assumindo <strong>de</strong> modo pleno, a total responsabilida<strong>de</strong> por toda e qualquer restrição àcomercialização da mesma.Cláusula Sétima - Das Obrigações da EDITORA7.1 - A EDITORA se obriga a realizar a primeira publicação da OBRA no prazo máximo <strong>de</strong> 6(seis) meses, a contar da data <strong>de</strong> assinatura do presente, comprometendo-se, a<strong>de</strong>mais, a fazê-lofielmente, a partir do original que lhe haja sido entregue. Caso a EDITORA não publique aOBRA <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse prazo, per<strong>de</strong>rá o direito à edição, dando-se por terminado <strong>de</strong> pleno direito opresente contrato.7.2 - Deverá a EDITORA dar a saber ao AUTOR, formalmente, sobre toda e qualquermodalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comercialização que envolva a OBRA.7.3 - Deverá a EDITORA proce<strong>de</strong>r à pronta correção dos erros constatados pelo AUTORquando <strong>de</strong> sua revisão.134


Cláusula Oitava – da R<strong>em</strong>uneração8.1 - O direito patrimonial do AUTOR sobre a OBRA, correspon<strong>de</strong>rá a 10% (<strong>de</strong>z por cento) dopreço <strong>de</strong> capa dos ex<strong>em</strong>plares da OBRA.Quando a modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comercialização seja “especial”, a saber, ex<strong>em</strong>plificativamente,bancas <strong>de</strong> jornal, venda, convênio ou co-edição com entida<strong>de</strong>s governamentais, <strong>em</strong>presaspúblicas ou privadas, a r<strong>em</strong>uneração do AUTOR nestas modalida<strong>de</strong>s, será <strong>de</strong> 10% (<strong>de</strong>z porcento) sobre o valor líquido do negócio.8.2 - Para as hipóteses referidas <strong>em</strong> 5.2, retro, durante todo o prazo <strong>de</strong>ste contrato e <strong>em</strong> relaçãoa OBRA, objeto <strong>de</strong>ste contrato, a captação <strong>de</strong> negócios relativos à transformação/adaptação daobra literária original competirá, com exclusivida<strong>de</strong>, a EDITORA, que r<strong>em</strong>unerará o AUTOR<strong>de</strong> acordo com os termos aqui previstos, no entanto, sendo o negócio fechado pela EDITORAapós o prazo <strong>de</strong> vigência do presente e contando com a anuência do AUTOR, a EDITORAr<strong>em</strong>unerará o AUTOR à base <strong>de</strong> 50% (cinqüenta por cento) do valor líquido do negóciocaptado.Cláusula Nona – Da Prestação das Contas9.1 – A EDITORA, a título <strong>de</strong> adiantamento, pagará ao AUTOR, na data <strong>de</strong> assinatura docontrato, o valor <strong>de</strong> R$ 1.950,00. ( mil e novecentos e cinquenta reais), equivalente ao direitopatrimonial sobre 500 (quinhentos) ex<strong>em</strong>plares ao preço <strong>de</strong> venda <strong>de</strong> R$ 39,00 (trinta e nove)reais que <strong>de</strong>le dá plena e irrevogável quitação.9.2. A EDITORA prestará contas ao AUTOR, trimestralmente, até sessenta dias após oencerramento <strong>de</strong> cada trimestre civil aon<strong>de</strong> aconteceram as vendas da OBRA, <strong>de</strong>vendoencaminha-las para o en<strong>de</strong>reço <strong>de</strong> domicilio do autor.9.3 – A EDITORA <strong>de</strong>verá, no prazo <strong>de</strong> quinze dias, a contar da data <strong>em</strong> que haja recebido osvalores <strong>de</strong>correntes dos negócios “especiais” quitar o AUTOR, <strong>de</strong> acordo com o estabelecido nacláusula oitava, retro.9.4 – A EDITORA <strong>de</strong>verá <strong>de</strong>positar os direitos patrimoniais do AUTOR <strong>em</strong> sua conta, cujos<strong>de</strong>talhes são:Banco: Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ralAgência: 2286Conta corrente: 606.930-8/0 operação 013Cláusula Décima – Da PreferênciaO AUTOR assegura a EDITORA absoluta preferência para contratos <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> novasOBRAS suas, pelo prazo <strong>de</strong> 7(sete) anos, da data <strong>de</strong> assinatura do presente ou, para a primeiraOBRA que venha a editar, após assinatura do presente, garantindo-se à EDITORA eAUTOR, as mesmas condições neste previstas, sendo certo que o AUTOR entregará àEDITORA seu primeiro manuscrito das OBRAS novas, excluídas <strong>de</strong>ssa categoria, suascrônicas, cabendo a EDITORA manifestar seu direito <strong>de</strong> preferência no prazo máximo <strong>de</strong> 2(dois) meses, a contar do recebimento do manuscrito, sob pena <strong>de</strong>, assim não o fazendo, per<strong>de</strong>ro referido direito.Cláusula Décima Primeira - Das Disposições GeraisOcorrendo término antecipado do presente contrato, fica assegurada a EDITORA uma janela <strong>de</strong>6 (seis) meses, a contar da data do término para, com exclusivida<strong>de</strong>, seguir comercializandoseus estoques da OBRA .135


E por estar<strong>em</strong> assim justas e contratadas, firmam as partes o presente, <strong>em</strong> três vias <strong>de</strong> igual eúnico conteúdo, na presença das test<strong>em</strong>unhas a seguir, elegendo o foro da Comarca do Rio <strong>de</strong>janeiro para dirimência das questões neste fundadas, com renúncia a quaisquer outros.Editora:___________________Língua Geral Livros LtdaAutor:___________________Língua Geral Livros LtdaTest<strong>em</strong>unhas :___________________Língua Geral Livros Ltda___________________Língua Geral Livros Ltda136


Anexo II – Edital <strong>de</strong> incentivo à criação literária do governo <strong>de</strong> São Paulo ! A SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA torna público, para conhecimento dos interessados que, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong>Julho <strong>de</strong> 2006 a 24 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2006, estará recebendo inscrições para o Processo <strong>de</strong> Seleção que fará realizar,visando à concessão <strong>de</strong> bolsa <strong>de</strong> incentivo à criação literária, com observância na Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 8.666 <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> junho<strong>de</strong> 1993, Lei <strong>de</strong> Direitos Autorais (Lei Fe<strong>de</strong>ral 9610/ 98), Lei Estadual 12.268, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2006 e no quecouber, Lei Estadual nº 6.544, <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1989, e alterações posteriores, e <strong>em</strong> conformida<strong>de</strong> com ascondições e exigências estabelecidas neste Edital e seus anexos.I. DO OBJETO1- Constitui objeto do presente a realização <strong>de</strong> concurso público para seleção <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> criação literária, nascondições <strong>de</strong>terminadas por este concurso.2 – Serão selecionados 30 (trinta) projetos para contratação, sendo 5 (cinco) <strong>em</strong> cada uma das categorias abaixo:RomancePoesiaContos e crônicasJuvenilInfantilReportag<strong>em</strong>, biografia e ensaios.3 – A pr<strong>em</strong>iação para cada uma das categorias será:a) Romance: R$20 165,00 (vinte mil,, cento e sessenta e cinco reais).Poesia: R$20 165,00 (vinte mil, cento e sessenta e cinco reais).Contos e crônicas: R$20 165,00 (vinte mil, cento e sessenta e cinco reais)Juvenil: R$20 165,00 (vinte mil, cento e sessenta e cinco reais)Infantil: R$25 175,00 (vinte e cinco mil, cento e setenta e cinco reais).Reportag<strong>em</strong>, biografia e ensaios: R$20 165,00 (vinte mil, cento e sessenta e cinco reais)4 – O valor total <strong>de</strong> pr<strong>em</strong>iação será <strong>de</strong> R$630 000,00 (seiscentos e trinta mil reais).II. DAS DEFINIÇÕESPara os efeitos <strong>de</strong>ste Edital ficam estabelecidas as seguintes <strong>de</strong>finições:1. Categorias <strong>de</strong> inscrição:1.1.Romance: prosa relativamente longa na qual se narram fatos imaginários, às vezes inspirados <strong>em</strong> histórias reais,cujo centro <strong>de</strong> interesse po<strong>de</strong> estar no relato <strong>de</strong> aventuras, no estudo <strong>de</strong> costumes ou tipos psicológicos, na críticasocial etc.1.2. Poesia: composição <strong>em</strong> versos (livres e/ou providos <strong>de</strong> rima) cujo conteúdo apresenta uma visão <strong>em</strong>ocional e/ouconceitual na abordag<strong>em</strong> <strong>de</strong> idéias, estados <strong>de</strong> alma, sentimentos, impressões subjetivas etc., quase s<strong>em</strong>pre expressospor associações imagéticas.1.3. Contos e crônicas:a) conto: narrativa curta, <strong>em</strong> geral, ficcional;b) crônica: narrativa curta, baseada geralmente <strong>em</strong> assuntos do cotidiano ou <strong>de</strong> interesse geral que se caracteriza pelatransitorieda<strong>de</strong> dos t<strong>em</strong>as abordados.137


1.4. Infantil: texto ficcional ilustrado, que po<strong>de</strong> ou não mesclar el<strong>em</strong>entos do “real”, <strong>de</strong>stinado ao público infantil.1.5. Juvenil: texto ficcional, ilustrado ou não, que po<strong>de</strong> ou não mesclar el<strong>em</strong>entos do “real”, <strong>de</strong>stinado ao públicoadolescente.1.6. Reportag<strong>em</strong>: textos documentários ou analíticos vistos sob a perspectivajornalística.Biografia: textos documentários ou analíticos vistos sob a perspectiva biográfica.Ensaio: prosa livre, que versa sobre t<strong>em</strong>a específico, s<strong>em</strong> esgotá-lo, reunindodissertações menores, menos <strong>de</strong>finitivas que as <strong>de</strong> um tratado formal, feito<strong>em</strong> profundida<strong>de</strong>.2. Proponente: escritor com reconhecida competência literária, pessoa física responsável legal perante a Secretaria <strong>de</strong>Estado da Cultura pela inscrição da proposta neste concurso e, <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong>sta, pela criação do textoliterário que será publicado pela <strong>em</strong>presa editora responsável por ele apresentada junto com o projeto.3. Escritor com reconhecida competência literária: autor com carta <strong>de</strong> recomendação <strong>de</strong> 3 (três) nomes <strong>de</strong> indiscutívelreputação no campo cultural <strong>de</strong> opção do candidato.4. Empresa responsável – <strong>em</strong>presa editora brasileira, apresentada pelo proponente, que será responsável legalmentepela realização do projeto <strong>de</strong> publicação da obra literária resultante.5. Empresa editora brasileira – pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras, com se<strong>de</strong> e administração no Estado<strong>de</strong> São Paulo há pelo menos 02 (dois) anos, cuja maioria do capital total e votante seja <strong>de</strong> titularida<strong>de</strong> direta ouindireta <strong>de</strong> pessoas físicas brasileiras, natas ou naturalizadas há mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos, as quais <strong>de</strong>v<strong>em</strong> exercer, <strong>de</strong> fato e <strong>de</strong>direito, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>cisório da <strong>em</strong>presa.6. Projeto- conjunto da documentação <strong>de</strong>scrita no subit<strong>em</strong> 2.2., do it<strong>em</strong> IV <strong>de</strong>ste Edital.9. Objeto Resultante <strong>em</strong> todas as categorias: livro impresso, contendo ficha catalográfica, código <strong>de</strong> barra e ISBN,com tirag<strong>em</strong> mínima <strong>de</strong> 2000 (dois mil) ex<strong>em</strong>plares, sendo que <strong>de</strong>sta tirag<strong>em</strong> 200 unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>verão ser entregues aSecretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura.a) Nas categorias romance, poesia, contos e crônicas, juvenil, e reportag<strong>em</strong>, biografia e ensaios: miolo <strong>em</strong> papeloffset 75 g no mínimo, impresso <strong>em</strong> uma cor e capa <strong>em</strong> papel cartão 250g no mínimo, impressa <strong>em</strong> 4 cores, comorelha;b) Na categoria infantil: miolo <strong>em</strong> papel couché impresso <strong>em</strong> 4 cores e capa <strong>em</strong> papel cartão 250g no mínimo,impressa <strong>em</strong> 4 cores;III. DA HABILITAÇÃO1.Po<strong>de</strong>rão habilitar-se para os fins <strong>de</strong>ste Edital os projetos que atendam cumulativamente aos requisitos:a – cujos proponentes sejam escritores resi<strong>de</strong>ntes, comprovadamente, no Estado <strong>de</strong> São Paulo há mais <strong>de</strong> 2 (dois)anosb – cujos proponentes sejam escritores com reconhecida competência literária, atestada por carta <strong>de</strong> recomendação <strong>de</strong>3 (três) nomes <strong>de</strong> indiscutível reputação no campo cultural, <strong>de</strong> opção do candidato.c – cujos proponentes apresent<strong>em</strong> termo <strong>de</strong> compromisso <strong>de</strong> <strong>em</strong>presa editora sediada no Estado <strong>de</strong> São Paulo há mais<strong>de</strong> 02 (dois) anos, que será responsável pela publicação do original a ser produzido.2 - Cada proponente po<strong>de</strong>rá inscrever apenas 1 (um) projeto.3 – Cada <strong>em</strong>presa responsável po<strong>de</strong>rá celebrar contrato <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> livro com no máximo 5 (cinco) proponentes.IV. DA INSCRIÇÃO1 – O proponente, obrigatoriamente, <strong>de</strong>verá efetuar seu cadastro no formulário disponível no sitewww.cultura.sp.gov.br, seguindo as instruções:a) clicar no it<strong>em</strong> Menu –Incentivo à Cultura;b) clicar no it<strong>em</strong> cadastro <strong>de</strong> proponente;c) efetuar o cadastro;138


d) imprimir solicitação <strong>de</strong> cadastro;e) imprimir ficha <strong>de</strong> inscrição;f) imprimir número <strong>de</strong> protocolo.2 - As propostas a ser<strong>em</strong> inscritas <strong>de</strong>verão ser entregues diretamente ou encaminhados por via postal (A.R. ouSEDEX com A.R.), <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 2 (dois) envelopes lacrados, com a i<strong>de</strong>ntificação: EDITAL N 12 – Bolsa <strong>de</strong>incentivo à criação literária”, nome do projeto e pseudônimo do proponente, no período <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 2006a 24 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2006, nos dias úteis, <strong>de</strong> 09:00 a 18:00 horas, na Secretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura, situada naRua Mauá nº 51, São Paulo-SP, CEP 01028-<strong>90</strong>0, contendo <strong>em</strong> seu interior:2.1 – Envelope nº 1 - Obrigatório constar no envelope o número <strong>de</strong> protocolo do cadastro, efetuado via internet -“DOCUMENTAÇÃO”, <strong>em</strong> 1 (uma) via - montado com grampos metálicos ou plásticos com duas perfurações(mo<strong>de</strong>lo “arquivo”), com i<strong>de</strong>ntificação na primeira página, “CADERNO 1 - DOCUMENTAÇÃO”, acrescida donome do projeto e do nome do proponente, constando:a) Ficha <strong>de</strong> Inscrição (anexo I).b) Declarações (anexo II).c) Currículo do proponente (máximo 2 laudas) e comprovante <strong>de</strong> residência no Estado <strong>de</strong> São Paulo há mais <strong>de</strong> 2anos.d) Cópia do CPF e RG do proponente;e) Indicação da <strong>em</strong>presa responsável acompanhada <strong>de</strong> currículo mesma.f) Termo <strong>de</strong> compromisso <strong>de</strong> <strong>em</strong>presa editora responsável se comprometendo formalmente a publicar o texto literárioresultante, caso o projeto seja selecionado.2.2 - Envelope nº 2 – PROJETO, <strong>em</strong> 5 (cinco) vias com idêntico conteúdo, montadas com grampos metálicos ouplásticos com duas perfurações (mo<strong>de</strong>lo “arquivo”), com i<strong>de</strong>ntificação na primeira página, “CADERNO 2 -PROJETO”, acrescida do nome do projeto e pseudônimo do proponente, constando:a) Ficha <strong>de</strong> Inscrição (anexo I <strong>de</strong>ste Edital)b) Descrição pormenorizada do conteúdo do trabalho a ser <strong>de</strong>senvolvido e finalizado, digitado <strong>em</strong> espaço 2, fonteTimes New Roman 12, margens 2,5 cm, impressas numa só face <strong>de</strong> folhas <strong>de</strong> ofício numeradas.c) Cronograma <strong>de</strong> trabalho, explicitando as etapas <strong>de</strong> criação com os respectivos prazos <strong>de</strong> execução e conclusão dasativida<strong>de</strong>s propostas.d) Cessão <strong>de</strong>finitiva ou provisória dos direitos autorais quando os projetos envolver<strong>em</strong> o trabalho <strong>de</strong> terceiros e apermissão <strong>de</strong> acesso à pesquisa quando se tratar <strong>de</strong> arquivos privados.e) Algumas páginas (esboço ou versão <strong>de</strong>finitiva) dos textos do romance, poesia, contos e crônicas, juvenil, infantil ereportag<strong>em</strong>, biografia e ensaios, a ser<strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvidos, conforme a categoria a que esteja se candidatando.f) Carta <strong>de</strong> recomendação <strong>de</strong> 3 nomes <strong>de</strong> indiscutível reputação no campo cultural, <strong>de</strong> opção do candidato, que serãoutilizados como referência da qualida<strong>de</strong> potencial do projeto.3 - Não serão admitidas modificações ou substituições <strong>de</strong> documentação da proposta <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua inscrição.4 - Serão aceitas as inscrições enviadas por correio, cujas postagens, <strong>de</strong>vidamente comprovadas, tenham sidoefetuadas <strong>de</strong>ntro do prazo estabelecido neste Edital.5 - Serão in<strong>de</strong>feridas as propostas que não for<strong>em</strong> apresentados no lugar, prazo, forma e <strong>de</strong>mais condiçõesespecificadas no presente Edital.6 - Nos casos <strong>de</strong> inscrição realizada por procurador do proponente, <strong>de</strong>verá ser provi<strong>de</strong>nciado o respectivo instrumento<strong>de</strong> procuração, a ser acrescido ao CADERNO 1 – DOCUMENTAÇÃO.V. DAS COMISSÕES1 - O Secretário <strong>de</strong> Estado da Cultura nomeará a Comissão <strong>de</strong> Análise <strong>de</strong> Documentação, formada por 5 (cinco)m<strong>em</strong>bros, com a atribuição <strong>de</strong> examinar a documentação apresentada e <strong>de</strong>cidir pelo <strong>de</strong>ferimento ou não da inscrição<strong>de</strong> propostas.2 - O Secretário <strong>de</strong> Estado da Cultura também nomeará, nos termos da Lei Estadual 12.268/06, a Comissão <strong>de</strong>Seleção dos projetos, formada por 05 (cinco) notórios especialistas da ativida<strong>de</strong> literária brasileira, assim <strong>de</strong>signados:a) 2 (dois) m<strong>em</strong>bros escolhidos pelo Secretario <strong>de</strong> Estado da Cultura, que indicará entre eles o Presi<strong>de</strong>nte e o Vice-Presi<strong>de</strong>nte.139


) 3 (três) m<strong>em</strong>bros escolhidos pelo Secretário <strong>de</strong> Estado da Cultura por meio <strong>de</strong> listas <strong>de</strong> nomes indicados peloConselho Consultivo da Área <strong>de</strong> <strong>Literatura</strong> da Secretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura.2.1 – Não po<strong>de</strong>rá integrar a Comissão <strong>de</strong> Seleção qu<strong>em</strong>, a qualquer título, tenha vínculo direto ou indireto com aspropostas a ser<strong>em</strong> analisadas.3 - O Secretário <strong>de</strong> Estado da Cultura <strong>de</strong>signará um servidor da Secretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura para exercer asecretaria da Comissão <strong>de</strong> Seleção.4 - Os m<strong>em</strong>bros da Comissão <strong>de</strong> Seleção <strong>de</strong>verão ser r<strong>em</strong>unerados pelos serviços prestados, <strong>de</strong> acordo com a LeiEstadual 12.268/06.VI. DO PROCEDIMENTO E DO JULGAMENTO1 - O envelope nº 1, contendo a documentação, será aberto pela Comissão <strong>de</strong> Análise <strong>de</strong> Documentação <strong>em</strong> sessãopública a ser realizada <strong>em</strong> data que será publicada no Diário Oficial do Estado.1.1 - No prazo máximo <strong>de</strong> 08 (oito) dias úteis, contados da abertura dos envelopes nº 1, a Secretaria <strong>de</strong> Estado daCultura fará publicar, no Diário Oficial do Estado, a Ata da Comissão <strong>de</strong> Análise <strong>de</strong> Documentação com a relação dasinscrições <strong>de</strong>feridas e a justificativa, no caso <strong>de</strong> in<strong>de</strong>ferimento.1.2 – Os projetos que tiver<strong>em</strong> suas inscrições in<strong>de</strong>feridas ficarão à disposição do proponente, para sua retirada, porum prazo <strong>de</strong> 30 (trinta) dias, a partir da publicação no Diário Oficial do Estado, após o qual, serão inutilizados.1.3 – Do ato <strong>de</strong> habilitação ou inabilitação do proponente, pela Comissão <strong>de</strong> Análise <strong>de</strong> Documentação, caberárecurso no prazo <strong>de</strong> 5 (cinco) dias úteis, a contar da publicação da Ata no Diário Oficial do Estado.1.3.1 – O recurso <strong>de</strong>verá ser dirigido ao Secretário <strong>de</strong> Cultura, por intermédio da Comissão <strong>de</strong> Análise <strong>de</strong>Documentação, que <strong>de</strong>liberará no prazo <strong>de</strong> 5 (cinco) dias úteis.2 - O processo seletivo dos projetos, com a abertura e análise do envelope nº 2, ocorrerá <strong>de</strong> acordo com os seguintescritérios:Currículo do proponente;Originalida<strong>de</strong> e relevância da projeto apresentado;Qualida<strong>de</strong> literária e estética do esboço enviado;Gabarito intelectual dos signatários das cartas <strong>de</strong> recomendação.2.1 - A documentação constante do CADERNO 2 - PROJETO, será analisada pelos m<strong>em</strong>bros da Comissão <strong>de</strong>Seleção, que selecionará para contratação os 30 (trinta) projetos que melhor aten<strong>de</strong>r<strong>em</strong> aos critérios acima, <strong>de</strong>ntreeles havendo 6 (seis) para cada categoria.2.2 - A Comissão <strong>de</strong> Seleção indicará, além dos 30 (trinta) projetos selecionados para contratação, 12 (doze) projetos<strong>em</strong> or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>rados “suplentes”.2.3 - O resultado do Concurso, efetivado pela Comissão <strong>de</strong> Seleção, será consignado <strong>em</strong> Ata, a ser homologada peloSecretário <strong>de</strong> Estado da Cultura e publicada no Diário Oficial do Estado, indicando o nome da proponente, o título doprojeto e o valor a ser contratado.2.4 - Do resultado do Concurso, efetivado pela Comissão <strong>de</strong> Seleção caberá recurso no prazo <strong>de</strong> 5 (cinco) dias úteis, acontar da publicação da Ata no Diário Oficial do Estado.VII. DA CONTRATAÇÃO1 – O proponente que tiver seu projeto selecionado b<strong>em</strong> como a <strong>em</strong>presa responsável indicada serão notificados pelaSecretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura, para contratação nos termos e valores <strong>de</strong>terminados por este Edital.2 – O proponente que tiver seu projeto selecionado <strong>de</strong>verá apresentar à Secretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura a seguintedocumentação:a) contrato <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> livro firmado entre o proponente e a <strong>em</strong>presa editorial responsável;b) Contrato entre o proponente e a <strong>em</strong>presa editorial, firmando a publicação e distribuição do livro a ser criado sobvigência da bolsa <strong>de</strong> incentivo à criação literária.140


c) Cópia do CPF e do RG do proponente;d) indicação <strong>de</strong> “conta-corrente vinculada” ao projeto, aberta no Banco Nossa Caixa S/A para <strong>de</strong>pósito <strong>em</strong>ovimentação exclusivos dos recursos financeiros transferidos pela Secretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura, para os fins<strong>de</strong>ste Edital;e) <strong>de</strong>clarações, <strong>em</strong> papel timbrado e subscritas pelo representante legal da <strong>em</strong>presa editorial responsável:e.1) assegurando a inexistência <strong>de</strong> impedimento legal para contratar com a Administração, inclusive <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> daLei estadual nº 10.218, <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1999;2.1 – A documentação referida neste it<strong>em</strong> VII <strong>de</strong>verá ser entregue no prazo máximo <strong>de</strong> 08 (oito) dias úteis, contadosda data <strong>de</strong> publicação do resultado da seleção no Diário Oficial do Estado.3 - A proponente que não apresentar a documentação no prazo estipulado no subit<strong>em</strong> anterior, ou apresentá-la comalguma irregularida<strong>de</strong>, per<strong>de</strong>rá, automaticamente, o direito à contratação.4 - Não serão aceitos protocolos da documentação referida no subit<strong>em</strong> 2, <strong>de</strong>ste it<strong>em</strong> VII, b<strong>em</strong> como documentos comprazos <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> vencidos.5 – Verificada a regularida<strong>de</strong> da documentação apresentada, será celebrado o contrato com o proponente <strong>em</strong> uma dascategorias previstas neste Edital.6 – os projetos consi<strong>de</strong>rados “suplentes” po<strong>de</strong>rão ser contratados exclusivamente no caso <strong>de</strong> perda do direito <strong>de</strong>contratação por algum dos projetos selecionados ou na hipótese do proponente vencedor não comparecer para assinaro contrato ou se recusar a fazê-lo.VIII. DO PAGAMENTO1 - Os valores do apoio serão <strong>de</strong>positados pela Secretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura na “conta-corrente vinculada”, doBanco Nossa Caixa S/A, nas seguintes condições:1ª parcela: 80% após assinatura do contrato com o proponente, no exercício <strong>de</strong> 2006;b) 2ª parcela: 20% após a comprovação da conclusão do objeto <strong>de</strong>ste Edital.1.1 – O pagamento da segunda parcela ocorrerá num prazo mínimo <strong>de</strong> <strong>90</strong> dias após o recebimento da primeiraparcela.2. - Para os fins do pagamento previsto na alínea “b” do subit<strong>em</strong> 1 <strong>de</strong>ste it<strong>em</strong> VIII, a SECRETARIA DE ESTADODA CULTURA <strong>em</strong>itirá atestado comprovando a execução do projeto <strong>de</strong> acordo com os termos do concurso e ocumprimento das condições contratuais mediante entrega pelo proponente do seguinte material:a) 200 (duzentos) ex<strong>em</strong>plares <strong>de</strong> livros impressos, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> distribuição para bibliotecas públicas doestado, contendo código <strong>de</strong> barras, ficha catalográfica e ISBN, e <strong>de</strong> acordo com as seguintes especificações:a.1) nas categorias romance, poesia, contos e crônicas, juvenil e reportag<strong>em</strong>, biografia e ensaios – miolo <strong>em</strong> papeloffset 75 g no mínimo, impresso <strong>em</strong> uma cor e capa <strong>em</strong> papel cartão 250g no mínimo, impressa <strong>em</strong> 4 cores, comorelha;a.2) na categoria infantil: miolo <strong>em</strong> papel couché impresso <strong>em</strong> 4 cores e capa <strong>em</strong> papel cartão 250g no mínimo,impressa <strong>em</strong> 4 cores;.b) cópia autenticada <strong>de</strong> nota fiscal comprovando a edição <strong>de</strong> 2000 ex<strong>em</strong>plares.3. - No período correspon<strong>de</strong>nte ao intervalo entre as liberações e sua efetiva utilização, os recursos <strong>de</strong>verão seraplicados <strong>em</strong> ca<strong>de</strong>rneta <strong>de</strong> poupança na conta do Banco Nossa Caixa S/A, se a previsão <strong>de</strong> seu uso for igual ousuperior a um mês, sendo que as receitas financeiras auferidas <strong>de</strong>verão ser aplicadas no objeto do contrato.IX. DAS OBRIGAÇÕES1 - O contrato a ser firmado entre a Secretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura, e o proponente conterá as seguintes condições:O CONTRATADO-PROPONENTE obriga-se e responsabiliza-se a:a) Autorizar previamente e por escrito a utilização da obra para edição e distribuição pela <strong>em</strong>presa editorialresponsável.141


) Realizar o projeto, entregando consoante as especificações técnicas previstas no Edital.c) Encaminhar relatórios trimestrais informando o andamento da execução do projeto.d) Responsabilizar-se pelos encargos trabalhistas, previ<strong>de</strong>nciários, fiscais, comerciais e quaisquer outros resultantesdo presente contrato, <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência da execução do objeto, isentando-se a CONTRATANTE <strong>de</strong> qualquerresponsabilida<strong>de</strong>.e) Responsabilizar-se pela eventual utilização, na execução do projeto, <strong>de</strong> todo e qualquer b<strong>em</strong>, <strong>de</strong> titularida<strong>de</strong> <strong>de</strong>terceiros, protegido pela legislação atinente a direitos autorais, conforme a Lei Fe<strong>de</strong>ral 9610/ 98 .f) Inserir na quarta capa <strong>de</strong> todos os títulos a ser<strong>em</strong> impressos e <strong>em</strong> todo o material <strong>de</strong> sua divulgação, <strong>em</strong> padrões aser<strong>em</strong> aprovados previamente pela Secretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura, a logomarca da SECRETARIA DE ESTADO DACULTURA, assim como as expressões:“GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO""SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA"“EDIÇÃO COM APOIO DA SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA”Para a execução do objeto do presente contrato, o CONTRATANTE obriga-se a:a) Indicar formalmente o gestor e/ou fiscal para acompanhamento da execução contratual.b) Efetuar os pagamentos <strong>de</strong>vidos, <strong>de</strong> acordo com o estabelecido no contrato.c) Utilizar as cópias previstas no subit<strong>em</strong> 2. do it<strong>em</strong> VIII, exclusivamente para os seguintes fins:c.I. Preservação histórica;c.II. Arquivo.c.III. Distribuição <strong>em</strong> bibliotecas públicas2.1 – Caso a primeira edição se esgote e a <strong>em</strong>presa editora publique mais uma edição, <strong>de</strong>verá a mesma, para os finsdos direitos da SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA, doar o equivalente a 10% (<strong>de</strong>z por cento) <strong>de</strong> cada novatirag<strong>em</strong> a ser feita.X. DO PRAZO DE EXECUÇÃO1 - O prazo máximo para a execução do projeto, o que inclui a criação do texto e a posterior edição do livro será <strong>de</strong>12 (doze) meses, após o recebimento da primeira parcela contratual.2 - Por solicitação justificada da proponente, <strong>em</strong> até 20 (vinte) dias corridos antes do término <strong>de</strong>ste prazo, a critérioda SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA, o prazo <strong>de</strong> vigência do contrato po<strong>de</strong>rá ser prorrogado por apenasmais um período <strong>de</strong> <strong>90</strong> (noventa) dias corridos.XXI II. .. DDAASS DDI IISSPPOOSSI IIÇÇÕÕEESS GGEERRAAI IISS1 - A inscrição da proponente implica na prévia e integral concordância com as normas <strong>de</strong>ste Concurso.2 - A utilização <strong>de</strong> direitos autorais ou patrimoniais pelo proponente para realização do projeto, anteriores ouposteriores à contratação, é <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> única e exclusiva da mesma.3 – O projeto <strong>de</strong>ve ser realizado aten<strong>de</strong>ndo a todas características <strong>de</strong>finidas por ocasião da inscrição.4 – Não po<strong>de</strong>rão ser substituídos, antes ou após a formalização do contrato com a Secretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura, oproponente e a <strong>em</strong>presa editorial responsável.5 - O <strong>de</strong>scumprimento parcial ou total do contrato obrigará a contratada à <strong>de</strong>volução dos valores já disponibilizadospela Secretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura, acrescidos <strong>de</strong> juros, correção monetária e multa.6 - Os projetos não selecionados ficarão à disposição dos interessados na SECRETARIA DE ESTADO DACULTURA por 30 (trinta) dias corridos após a divulgação do resultado do concurso no Diário Oficial do Estado,prazo após o qual serão <strong>de</strong>struídos.7 - Eventuais esclarecimentos referentes a este concurso serão prestados na SECRETARIA DE ESTADO DACULTURA, na Rua Mauá, 51 – 1º andar, pelos telefones: 11 3351-8283 e 3351-8122 ou e-mail : vantoni@sp.gov.br,<strong>em</strong> dias úteis, no horário <strong>de</strong> 09:00 às 17:00.142


8 - Compõ<strong>em</strong> o presente edital:Anexo I – Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> requerimento <strong>de</strong> inscriçãoAnexo II – Mo<strong>de</strong>lo das <strong>de</strong>claraçõesAnexo III – Minuta <strong>de</strong> Contrato9 - Fica eleito o foro da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo como competente para dirimir quaisquer omissões ou dúvidas relativasa este Edital, b<strong>em</strong> como a contratação e execução <strong>de</strong>le <strong>de</strong>correntes.10- Os casos omissos serão dirimidos pelo Secretário <strong>de</strong> Estado da Cultura.São Paulo, 4 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2006ANEXO 1 – MODELO DE REQUERIMENTO E DE FICHA DE INSCRIÇÃOPROTOCOLO Nº:_____________________Eu, ............................................................................................., RG.........................., CPF.........................................,dirijo-me à Secretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura para requerer inscrição da proposta abaixo <strong>de</strong>scrita, no Processo <strong>de</strong>Seleção para bolsa <strong>de</strong> incentivo à criação literária, <strong>de</strong> acordo com as normas previstas <strong>em</strong> seu edital.Proponente:Nome do Titular:CPF:R.G:Local e data:Assinatura:______________________________________________TÍTULO DA PROPOSTA:DADOS DA PROPONENTERAZÃO SOCIAL:ENDEREÇO:BAIRRO:DDD TELEFONE:CORREIO ELETRÔNICO:NÚMEROANEXO II – MODELO DAS DECLARAÇÕESObs.: Preencher <strong>em</strong> papel timbrado da proponente, contendo na mesma folha as <strong>de</strong>clarações com os itens <strong>de</strong> nºs 1 à 8.PROTOCOLO Nº:_____________________Eu, ........................................................., RG................................,. CPF.........................., morador no município <strong>de</strong>......................................,bairro............................,CEP....................,proponente da proposta <strong>de</strong>nominada............................................................................................................................................................venho:<strong>de</strong>clarar que o projeto apresentado para este concurso nunca foi realizado anteriormente.<strong>de</strong>claro que moro <strong>em</strong> São Paulo há mais <strong>de</strong> 2 anos.143


<strong>de</strong>claro que será observada as exigências da Lei Fe<strong>de</strong>ral 6533/78.que serão entregues na Secretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura 200 ex<strong>em</strong>plares do livro publicado, para distribuição <strong>em</strong>bibliotecas públicas do Estado <strong>de</strong> São Paulo;Que tenho ciência e concordo com os termos do EditalLocalida<strong>de</strong>, ........ <strong>de</strong> ............................. <strong>de</strong> 2006....................................................................................................(Nome e assinatura)ANEXO III – MODELO DE CONTRATOCONTRATO Nº _____ / 2006PROCESSO N°CONTRATO QUE ENTRE SI CELEBRAM, O ESTADO DE SÃO PAULO, ATRAVÉS DE SUA SECRETARIADE ESTADO DA CULTURA E EMPRESA ........., TENDO POR OBJETIVO A REALIZAÇÃO DO PROJETO .....RELATIVO AO EDITAL DE “BOLSA DE INCENTIVO À CRIAÇÃO LITERÁRIA”.Aos..........dias do mês <strong>de</strong>....................do ano <strong>de</strong>....... ., na se<strong>de</strong> da Secretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura, na Rua Mauá, 51 –Luz – São Paulo, CNPJ nº 51.531.051/0001-80, compareceram as partes interessadas, a saber, <strong>de</strong> um lado comoCONTRATANTE o Estado <strong>de</strong> São Paulo, por sua Secretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura, neste ato por seu Secretário <strong>de</strong>Estado da Cultura, RG. nº...................... e <strong>de</strong> outro lado a pessoa física......................moradora <strong>em</strong>......................................................., RG. nº............................e CPF nº....................................., doravante <strong>de</strong>nominado(a) CONTRATADA e pelos mesmos foi dito que <strong>em</strong> face do concurso realizado para concessão <strong>de</strong> bolsa <strong>de</strong>incentivo à criação literária, resolveram celebrar o presente contrato que será regido pelas normas da Lei Estadualnº 6.544/89, pela Lei 12.268/06, pela Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 8.666/93 e respectivas alterações, Lei Fe<strong>de</strong>ral dos DireitosAutorais nº 9.610/98, assim como pelas <strong>de</strong>mais normas legais e regulamentares pertinentes a espécie inclusive pelaResolução SC-09/91, e às seguintes cláusulas e condições que reciprocamente outorgam e aceitam:CLÁUSULA PRIMEIRA: DO OBJETOO presente Contrato t<strong>em</strong> por objeto a concessão <strong>de</strong> BOLSA DE INCENTIVO À CRIAÇÃO LITERÁRIA,intitulado _________________________, doravante <strong>de</strong>nominada simplesmente PROJETO.PARAGRAFO ÚNICO: O objeto <strong>de</strong>ste contrato também compreen<strong>de</strong> a entrega <strong>de</strong> 200 (duzentos) ex<strong>em</strong>plares dolivro publicado para esta Secretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura.CLÁUSULA SEGUNDA: DO VALOR DO CONTRATO E DOS RECURSOSO valor total do presente contrato é <strong>de</strong> R$........ (...................), sendo R$.........referente ao exercício <strong>de</strong> ......e R$.........referente ao exercício <strong>de</strong> ....... No presente exercício o valor onerará o sub-el<strong>em</strong>ento econômico nº....., <strong>de</strong>vendo orestante onerar recursos orçamentários futuros, se efetivamente consignados valores a esse título.CLÁUSULA TERCEIRA: DA VIGÊNCIA E PRORROGAÇÃOO prazo <strong>de</strong> vigência do presente contrato é <strong>de</strong> 12 (doze) meses, a contar da data <strong>de</strong> recebimento da primeira parcelada quantia prevista na Cláusula Sexta, po<strong>de</strong>ndo ser prorrogado na hipótese do prazo <strong>de</strong> execução do objeto serprorrogado nos termos parágrafo único <strong>de</strong>sta cláusula.PARÁGRAFO ÚNICO - O prazo máximo para execução do objeto, ou seja, o prazo total para a criação do texto e aposterior publicação do livro resultante, será <strong>de</strong> 12 (doze) meses, após o recebimento da primeira parcela, po<strong>de</strong>ndo,<strong>em</strong> até 20 (vinte) dias corridos antes do término <strong>de</strong>ste prazo, e ouvido o Conselho Consultivo da área <strong>de</strong> <strong>Literatura</strong> daSecretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura, ser prorrogado uma única vez, por um período <strong>de</strong> <strong>90</strong> (noventa) dias, por motivosjustificados e comprovados por escrito, mediante Termo <strong>de</strong> Aditamento, autorizado pela autorida<strong>de</strong> competente. Talprorrogação não é renovável.CLÁUSULA QUARTA: DAS OBRIGAÇÕES E RESPONSABILIDADES DA CONTRATADACaberá a CONTRATADA:entregar o PROJETO <strong>de</strong> acordo com o previsto no edital para à CONTRATANTE, especialmente:i. Criação <strong>de</strong> texto literário;ii Publicação e distribuição <strong>de</strong> livro a partir do original criado;iii entrega <strong>de</strong> 200 (duzentos) ex<strong>em</strong>plares do título publicado para esta Secretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura, com afinalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> distribuição para bibliotecas públicas;nos livros, no material gráfico e <strong>em</strong> todas as outras formas <strong>de</strong> divulgação do projeto resultante do apoio previsto nesteEdital, <strong>de</strong>verá constar <strong>em</strong> seus créditos, a logomarca da Secretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura e o crédito: “LIVROPUBLICADO COM O APOIO DA SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA DE SAO PAULO”;144


esponsabilizar-se pelos encargos trabalhistas, previ<strong>de</strong>nciários, fiscais, comerciais e quaisquer outros resultantes dopresente contrato, <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência da execução do objeto, isentando-se a CONTRATANTE <strong>de</strong> qualquerresponsabilida<strong>de</strong>;responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> eventual utilização, na execução do projeto, <strong>de</strong> todo e qualquer b<strong>em</strong>, <strong>de</strong> titularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> terceiros,protegido pela legislação atinente a direitos autorais;Encaminhar relatórios bimestrais, informando o andamento da execução do projetoCLÁUSULA QUINTA: DAS OBRIGAÇÕES DO CONTRATANTEPara a execução do objeto do presente contrato, o CONTRATANTE obriga-se a:I - Indicar formalmente o gestor e/ou fiscal para acompanhamento da execução contratual.II – Efetuar os pagamentos <strong>de</strong>vidos, <strong>de</strong> acordo com o estabelecido neste contrato.CLÁUSULA SEXTA: DOS PAGAMENTOSOs pagamentos serão efetuados <strong>em</strong> 2 (duas) parcelas e na seguinte forma:I) - 1ª parcela: 80%, após assinatura do contrato com o proponente, no exercício <strong>de</strong> 2006.II) - 2ª parcela: 20%, após a comprovação da entrega do projeto, mediante atestado expedido pelo servidorresponsável da Secretaria da Cultura.PARÁGRAFO PRIMEIRO - Em caso <strong>de</strong> atraso nos pagamentos, a parcela <strong>de</strong>vida será acrescida <strong>de</strong> correçãomonetária, calculada nos termos do artigo 74, da Lei Estadual nº 6.544/89, b<strong>em</strong> como juros moratórios, à razão <strong>de</strong>0,5% (meio por cento) ao mês, calculados pro rata t<strong>em</strong>pore, <strong>em</strong> relação ao atraso verificado.PARÁGRAFO SEGUNDO - Os pagamentos serão efetuados mediante crédito aberto <strong>em</strong> conta corrente <strong>em</strong>nome da CONTRATADA no Banco Nossa Caixa S.A.CLÁUSULA SÉTIMA: DAS CONDIÇÕES DE RECEBIMENTO DO OBJETOO objeto <strong>de</strong>ste contrato será dado como realizado <strong>de</strong>finitivamente <strong>em</strong> até 10 dias corridos, contados da data darecepção pelo CONTRATANTE do atestado expedido pelo servidor responsável da Secretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura,<strong>de</strong> acordo com o estabelecido no inciso II da Cláusula Sexta, uma vez verificada a execução do objeto.CLÁUSULA OITAVA:DA SUBCONTRATAÇÃO, CESSÃO OU TRANSFERÊCNIA DOS DIREITOS EOBRIGAÇÕES CONTRATUAISÉ <strong>de</strong>feso aos CONTRATADOS a subcontratação total do objeto <strong>de</strong>ste contrato, b<strong>em</strong> como sua cessão outransferência total.CLÁUSULA NONA: DAS SANÇÕES PARA O CASO DE INADIMPLEMENTOSe a CONTRATADA inadimplir as obrigações assumidas, no todo ou <strong>em</strong> parte, ficará sujeita às sanções previstasnos artigos 86 e 87 da Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 8.666/93, artigos 80 e 81 da Lei Estadual nº 6.544/89, <strong>de</strong> acordo com oestipulado na Resolução SC-09/91 publicada no DOE <strong>de</strong> 16/03/1991, no que couber.PARÁGRAFO ÚNICO – Na hipótese <strong>de</strong> inexecução parcial ou total do contrato a CONTRATADA ficará obrigadaa <strong>de</strong>volver os recursos recebidos para execução do contrato, acrescidos <strong>de</strong> juros e correção monetária.CLÁUSULA DÉCIMA:– DA RESCISÃO E RECONHECIMENTO DOS DIREITOS DO CONTRATANTEO contrato po<strong>de</strong>rá ser rescindido, na forma, com as conseqüências e pelos motivos previsto nos artigos 75 a 82 da LeiEstadual nº 6.544/89 e artigos 77 a 80 e 86 a 88, da Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 8.666/93.PARÁGRAFO ÚNICO -A CONTRATADA reconhece <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, os direitos do CONTRATANTE, nos casos <strong>de</strong>rescisão administrativa, prevista no Artigo 79 da Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 8.666/93 , e no artigo 77 da Lei Estadual nº 6.544/89.CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA: DAS DISPOSIÇÕES FINAISFica ajustado ainda que:I - Consi<strong>de</strong>ram-se partes integrantes do presente contrato, como se nele estivess<strong>em</strong> aqui transcritos:Anexo I – cópia do Edital do concurso;Anexo II – ficha <strong>de</strong> Inscrição;Anexo III – cópia do projeto selecionado;Anexo IV – cópia da Resolução 09/91.II - Para dirimir quaisquer questões <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>ste contrato, não resolvidas na esfera administrativa, serácompetente o foro da Comarca da Capital do Estado <strong>de</strong> São Paulo.E, assim, por estar<strong>em</strong> as partes justas e contratadas, foi lavrado o presente instrumento <strong>em</strong> 03 (vias) <strong>de</strong> igual teor eforma que lido e achado conforme, vai assinado pelas partes para que produza todos os efeitos <strong>de</strong> direito.JOÃO BATISTA DE ANDRADESecretário <strong>de</strong> Estado da CulturaPUBLICADO NOVAMENTE DEVIDO A INCORREÇÕES NA PUBLICAÇÃO ANTERIOR145


146


Anexo III – Carta ao ministro da Cultura e Manifesto <strong>Literatura</strong> Urgente ! "!#$%&'!('#')* !(#'*+ +,(#+-!#&#' +!#"(,+./0!' %#1/!"+!("2'+#"!"+#''%!!+%1#(!!#+!(!&!"+,+,!))"3""("!'&!3,4$ !.536$7#&'+%-'+ "#&!!!)+,!(#' -(# !" !'!28# #$ %&' (8+'+')! ))147


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Anexo IV – Edital do Programa Petrobras Cultural ! "#$%&'• !()* &' +,-.//)/////$%)* " + & ' !(* "+&'0 1 "!1 1+)* " + + 2 ) ""!+ )* + 3 + "4$%#$%)5 & ' 6 ! 7 2 " ')* " ++ 7 "!67#$%+ $89%)* & ' 0 2 :+;++ ) " + + + + + 3 , 7+ ) 5 +! )*+ !,-.//)///// $ % < " +0,-=/)/////$ %)*+ ,->)/////$1+ % 774$%!6#?$;%) +!@;@" ) ,- =)///// $ % !+ ;7#)A//$ %6 )" "+6!+ * " & ' 7 6+ ) 5 " + & ' $+% 76+) ;! 0 0 ; $ % $ B*+ C D EEE)+ ))% 6 ; +) ; ' 0 ) * +; 155


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Anexo V – Relatório da primeira oficina sobre produção literária, promovida peloMinistério da Cultura" # $" %& ' $ (& ()%&(*+,-($ < 1$ *&: < 1 $ *& 1 A1+ L $ MNNO+ " 7 7,) >" 77?+ 3 0 P$= $+ + + !+ +', + ,) Q 0+ ) +F + 0( $, + ," +74',1 # % I% " >% "?+,)1 # $:< $!1 0R!SN ,TU!A 0TS!MNTV!SN+ 7 : $ 0W 2 1 A $0 10 $330 I$1 & % + F J $ 5 XX+ W) $ 1>$?+ 0 $ 2 W Q ) 0 $ ):Q+1 + 0 ,) + 2 + 0& 3+ 0 * @ ) 1 ( * + ," MNNLA TUN+ ,2 111 WI$X" , 0 I$ $)0&X+ 1 0 $ 03 & 0 + ) 2 + + 1 : 3 1 $+ + I+1:3 < 0 * @ )0 X X3I$+ 0 3 1 Y & < 1 A 2 7 $ : + 1 A 3 0& $0P) 03 Q) J $ , * 3 :1Q $ &Q&Q $$ 1 + 2 10 0 * @ )+ !0 $ = $ 0 7 $ P >T? $0 12C X0X X% "P 7 " ! " X+ 0 0 " 77Q ) 2 P) !+0 2 5 Z3Z >M? $0 5 :) 1+ 2 1 &+& $$0W0 $+ + 161


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Anexo VI – “Carta aberta ao escritor Mário Sabino”, <strong>de</strong> <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>./0 " 1+*(,-$)+2+*(-+3%4,( +(+(,-*4%3-4 +5 +:053+445& + !:452 +, A!10+,+7 '& $ 07 4# !)+&)7 03 "3$[2 05,$ < &Z2 050 02 'F _(` 07 07 # & :2 $&&&"+12 % , + +0: $7@ )&% )+71 )"2 012 PX+2 1ZX $) : 2C< 4 !7 +) A1+02 PX3'F 1+0)) X &0< ! +0 2 !+ & +!\+ X0 *.MNNVX ,P'F 2 ) $' !>0MNNL? 1 $#PX@ )$ 0 *&.&,;0;2 1 ! X 2 !< \( $ 2 0 )+)+ $ 0&45 Z'F ! Z,0A +) A1+TT +1 $) G G G $) < ! AX'F + X ,2 0 +4+$X 0 * @ )X+2 145 Z% Z$Z!2 2 050& A A$* A A+&,P2 'F !10> 0) +,0Z?0 1 ,$ + !!1(0 &&)PX ))X+X!X+X :X+X0X+X &0X+X3 X+7\45$ ) 0+&70E 2 $P0, )70, ,0Z2 $+,+2 'F $ 005 ! &)2 5Z 2 +002 ,< !P0! + c < 13TRR]< & )+ + 05 42 051+Z0$>00!?00 1. 0+ 0 +2 * @ )+ 12 $2 00 $)0 $ .+! 1 05+ + !0) < &173


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Anexo VII – “Jerônimo, o matador”, <strong>de</strong> <strong>Marcelino</strong> <strong>Freire</strong>/078 " " % % 0 12 !0) /+1&+% 011) 2 + + (9(-,%-*(9-:;%< (4+=&*(0&7+->&%< " (,(*-% 0 +,2 0,ON]NUN7+ !:$ +J)+Y "$+2 0 !" !#04 0 * @ )+2 X $ !X+ \< !'F >$ (?1+)32 " 0 + 0X"0X+ 'F ) $ +) P$% 7!P2 0 Z A +! !P05, X3X 0 7 P1 ) +) + 0$!% % 0" 0 &% 1 ),2 ) 712 P) + ! +0 +0% ,Y2 &+ , &)++!& + $, +$ +1 "1+ 0) 2 :+$ +) + +2 W2 +) +3XX7 P2 2 , + *+ 7@ 77I + I W2 0 7'F $, 0+ .1++ 0 2 0 ++02 WZ"$ 0W+ $Y Z% 'F , 1 !03 ++ +[)< ):,$7 Z#2 +0 ) 91 "! 2 ,31% 040*)2 +, + ,1P) 2 05 ) +&+&+&2 ), $ \% ,[++ 0 2 1$ 0 ) 2 W" ) $ P ! &175


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