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Paralelo - Fundação Luso-Americana

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ESPECIAL ELEIÇÕES EUA’08<br />

Primavera | Verão 2008 02<br />

A tesouraria virtual de Obama Hillary e as mulheres "Simplex" McCain<br />

ISSN 1646-883X<br />

Nos dois lados do Atlântico:<br />

Participação política<br />

Internacionalização da<br />

língua portuguesa<br />

Encontro de escritores<br />

"Os Estados Unidos<br />

nação reinventada<br />

por Hollywood"<br />

entrevista exclusiva a<br />

Eduardo Lourenço


2<br />

<strong>Fundação</strong> <strong>Luso</strong>-<strong>Americana</strong><br />

ConseLho DireCtivo:<br />

Teodora Cardoso (Presidente)<br />

Thomas F. Stephenson<br />

Jorge Figueiredo Dias<br />

Jorge Torgal<br />

Luís Braga da Cruz<br />

Luís Valente de Oliveira<br />

Maria Gabriela Canavilhas<br />

Michael de Mello<br />

Vasco Graça Moura<br />

ConseLho exeCutivo:<br />

Rui Chancerelle de Machete (Presidente)<br />

Charles Allen Buchanan, Jr<br />

Mário Mesquita<br />

seCretário-GerAL: Fernando Durão<br />

DireCtores: Maria Idalina Salgueiro, Fátima<br />

Fonseca, Paulo Zagalo e Melo, Miguel Vaz<br />

subDireCtores: António Vicente, Rui Vallêra<br />

responsáveL peLos serviços FinAnCeiros:<br />

Maria Fernanda David<br />

responsáveL peLos serviços ADministrAtivos:<br />

Luiza Gomes<br />

Assessores: João Silvério, Paula Vicente<br />

Rua do Sacramento à Lapa, 21<br />

1249-090 Lisboa | Portugal<br />

Tel.: (+351) 21 393 5800 • Fax: (+351) 21 396 3358<br />

Email: fladport@flad.pt • www.flad.pt<br />

paralelo<br />

DireCtor: Rui Chancerelle de Machete<br />

eDitorA: Sara Pina<br />

CoorDenADorA: Paula Vicente<br />

seCretAriADo DA reDACção: Cristina Cambezes<br />

e Sofia Roquete<br />

CoLAborAm neste número: António Vicente,<br />

Branca Cardoso, Carla Baptista, Carla Maia<br />

de Almeida, Clara Pinto Caldeira, Fábio Silva,<br />

Filipa Brazona, Filipa Melo, Filipa Oliveira,<br />

Filipe Vieira, Francisco Belard, Guto Ferreira,<br />

Isabel Braga, José Cutileiro, Luís Nunes,<br />

Marco Silva, Maria Elisa Domingues,<br />

Mário Ruivo, Michael Werz, Nuno Costa Santos,<br />

Onésimo Teotónio de Almeida, Rita Siza,<br />

Rui Catalão, Rui Hermenegildo Gonçalves,<br />

Rui Ochôa, Teodora Cardoso, Susana Neves,<br />

Victor K. Mendes, Victor Melo<br />

DesiGn: José Brandão | Susana Brito [Atelier B2]<br />

revisão: am edições | antónio alves martins<br />

impressão: Textype<br />

tirAGem: 3000 exemplares<br />

paralelo@flad.pt<br />

Depósito legal: 269 114/07<br />

ISSN 1646-883X<br />

© Copyright: <strong>Fundação</strong> <strong>Luso</strong>-<strong>Americana</strong><br />

para o Desenvolvimento<br />

Todos os direitos reservados<br />

Nunca se viu tão grande interesse<br />

dos cidadãos portugueses numa campanha<br />

eleitoral norte-americana<br />

Caro leitor<br />

“<br />

Too close to call” é a frase que mais temos ouvido e lido<br />

durante a cobertura noticiosa da campanha para Presidente<br />

dos Estados Unidos da América. A corrida renhida dos<br />

candidatos democratas tem gerado um enorme interesse, não só no seu<br />

país (onde a participação política e eleitoral dos cidadãos tem comprovadamente<br />

aumentado) mas também por todo o mundo. Nunca se viu<br />

tão grande interesse dos cidadãos portugueses numa campanha eleitoral<br />

norte-americana.<br />

De todo o ambiente, a campanha, as consequências para a política<br />

externa, a participação dos imigrantes portugueses, a <strong>Paralelo</strong> dá conta<br />

neste especial eleições norte-americanas – um número para guardar.<br />

Nesta edição, o apoio da <strong>Fundação</strong> ao programa do MIT, contribuindo para<br />

o desenvolvimento português na área da ciência, tecnologia e educação, e,<br />

também, ao CohITEC para criação de empresas com projectos inovadores.<br />

Além disso, o ciclo de literatura “Asas sobre a América”, que durante<br />

meses tem enchido o auditório da FLAD com espectadores ávidos de ouvir<br />

escritores portugueses a falar sobre escritores norte-americanos.<br />

De salientar, ainda, duas iniciativas da <strong>Fundação</strong>. Uma é totalmente<br />

nova: o Acordo de Mobilidade Antero de Quental que permitirá o intercâmbio<br />

de estudantes e professores da Universidade dos Açores com universidades<br />

norte-americanas. A outra reinicia-se agora, embora em termos<br />

inovadores: os programas “José Rodrigues Miguéis” (nacional) e “Alfredo<br />

Mesquita” (Região Autónoma dos Açores) para formação de jornalistas<br />

portugueses na América. sArA pinA<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


índice<br />

EUA‘08<br />

especial<br />

06 | REVISTA DE IMPRENSA<br />

18 | A escolha do próximo<br />

Presidente norte-americano<br />

26 | O financiamento<br />

das campanhas e a internet<br />

30 | As mulheres e Hillary<br />

44 [CuLturA]<br />

Escritores portugueses<br />

falam sobre escritores<br />

norte-americanos<br />

46 | Eduardo Lourenço<br />

em entrevista<br />

50 | Jornalistas<br />

portugueses nos EUA<br />

54 | Acordo Antero de<br />

Quental: mobilidade de<br />

estudantes portugueses<br />

e americanos<br />

10 [portuGAL/euA]<br />

Entrevista ao senador<br />

luso-americano<br />

Marc Pacheco<br />

14 | A língua<br />

portuguesa no mundo<br />

tabtoons@telus.net | Caglecartoons.com<br />

CAPA<br />

especial eleições<br />

norte-americanas<br />

16 páginas<br />

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<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 3<br />

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21 | O voto português<br />

por António Vicente<br />

24 | Consequências<br />

para a União Europeia<br />

por José Cutileiro<br />

28 | A influência<br />

dos latino-americanos<br />

por Michael Werz<br />

62 | A terceira<br />

margem do rio<br />

por Mário Mesquita<br />

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4<br />

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A incerteza aumenta<br />

após as primárias democratas<br />

‘ A alternância do partido Democrata, após os oito anos<br />

do presidente George W. bush, não parece estar adquirida.<br />

terminadas as primárias com a vitória de barack obama,<br />

nada está ainda decidido. tudo está mais obscuro<br />

e enevoado.<br />

’<br />

A vantagem de obama sobre mcCain é muito<br />

pequena. A incerteza permanece.<br />

Comentários e reportagens<br />

sobre as eleições americanas<br />

pp. 6-8, 18-30 e 62-63<br />

“Não, obama não é negro, pelo<br />

menos, em Nova Iorque. Eu sou<br />

nova-iorquina. Para mim, ‘Barack is<br />

mixed, not black’”. Quem o afirma é<br />

uma habitante de Manhattan.<br />

Convicta. Talvez tenha razão, no que<br />

se refere aos meios cosmopolitas,<br />

onde existe sempre a hipótese da<br />

“terceira via”, por exemplo entre a<br />

pele branca e a negra. Na outra<br />

América, dita profunda, nas pequenas<br />

e médias cidades, no “velho Sul”, só<br />

há preto e branco. Um cidadão de<br />

etnia negra, nascido no hawai, a disputar<br />

um lugar na Casa Branca. o<br />

impensável. ou quase.<br />

o qualificativo “histórico” está<br />

muito enfraquecido pelo excessivo<br />

uso jornalístico. Banalizou-se. Por<br />

tudo e por nada, invoca-se a história<br />

com maiúscula a propósito de acontecimentos<br />

destinados a desaparecer<br />

como areia entre os dedos. Mas, apesar<br />

do desgaste da palavra, ninguém<br />

contestará, presume-se, a sua apli-<br />

cação à vitória de obama nas primárias:<br />

ele é o primeiro negro – se<br />

preferirem, mulato – a disputar a<br />

Casa Branca. Da mesma forma que<br />

hillary Clinton teria sido, se conseguisse<br />

ser nomeada, a primeira<br />

mulher a lutar pela Presidência dos<br />

Estados Unidos.<br />

olhando a história da América,<br />

desde o tempo da escravatura e da<br />

Guerra da Secessão, este é um<br />

momento de viragem, que desenvolve<br />

os combates pelos Direitos Cívicos<br />

da década de 1960. Mas também é<br />

possível observar a pré-campanha<br />

em curso na perspectiva da luta pela<br />

hegemonia republicana ou democrata.<br />

Desse ponto de vista, a vantagem<br />

que, nos finais de 2007, os observadores<br />

concediam aos democratas<br />

parece, agora, incerta e reduzida<br />

quase à distância da margem de erro<br />

de uma sondagem. A ousadia de<br />

obama e de Clinton já teve o seu<br />

preço. A campanha eleitoral (propriamente<br />

dita) começará em<br />

Setembro de 2008 com maior incerteza<br />

do que seria previsível há um ano.<br />

A alternância do Partido Democrata,<br />

após os oito anos do Presidente<br />

George W. Bush, não parece estar<br />

adquirida. Terminadas as primárias<br />

com a vitória de Barack obama,<br />

nada está ainda decidido. Tudo está<br />

mais obscuro e enevoado. mm<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


eDitoriAL<br />

A comunidade<br />

luso-descendente<br />

nas presidenciais americanas<br />

rui ChAnCereLLe De mAChete<br />

Vive-se com grande entusiasmo nos Estados<br />

Unidos a primeira fase do processo eleitoral<br />

para a escolha do próximo Presidente.<br />

Apesar de alguns analistas conjecturarem<br />

já o que será o “Post-American World”, a<br />

América será ainda num futuro previsível<br />

o mais importante país do mundo, cujas<br />

decisões, vida política e económica para<br />

além de eventuais crises irradiam consequências<br />

sobre os restantes Estados.<br />

‘ A solidariedade entre portugueses de cá<br />

e portugueses e luso-descendentes de lá<br />

torna as eleições presidenciais americanas<br />

ainda mais relevantes para nós.<br />

’<br />

Permanecerá igualmente o palco privilegiado<br />

onde se ganha ou perde a influência<br />

e o prestígio das potências e dos políticos<br />

estrangeiros e onde se joga a sorte de múltiplas<br />

iniciativas internacionais. Daí que, o<br />

modo como se desenrola a designação do<br />

futuro Presidente e, sobretudo, a personalidade<br />

e ideias dos principais candidatos,<br />

interesse sobremaneira não apenas ao Povo<br />

americano, mas também aos outros Estados<br />

e respectivos cidadãos.<br />

Compreende-se assim que Portugal e os<br />

portugueses estejam atentos a este processo<br />

de transferência de poder e de sucessão<br />

do titular do cargo mais relevante do sistema<br />

político americano. os Estados Unidos<br />

são o líder do ocidente, o aliado preponderante<br />

da NATo, o parceiro mais importante<br />

da União Europeia. Mas são também<br />

um país que alberga uma numerosa comunidade<br />

de emigrantes lusófonos. A solidarie-<br />

dade entre portugueses de cá e portugueses<br />

e luso-descendentes de lá torna as eleições<br />

presidenciais americanas ainda mais relevantes<br />

para nós.<br />

É sabido que poucas vezes o que se promete<br />

nas campanhas eleitorais, mesmo quando<br />

há programas formais de governo, tem correspondência<br />

no que os eleitos realmente<br />

fazem uma vez em posto. Apesar disso, e<br />

particularmente na América do Norte, os<br />

candidatos são sensíveis quando governantes,<br />

e sobretudo se aspiram a uma reeleição,<br />

às opiniões e desejos dos seus eleitores e<br />

governados. A participação nas múltiplas<br />

eleições a nível federal, dos Estados federados<br />

e municipal constitui conditio sine qua non<br />

para que a nossa comunidade se torne mais<br />

visível naquele grande País. Por isso, a<br />

<strong>Fundação</strong> <strong>Luso</strong>-<strong>Americana</strong> está profundamente<br />

empenhada, há já vários anos, num<br />

programa – o “Portuguese American<br />

Citizenship Project” – que, sem quebra dos<br />

laços político-culturais com Portugal, promova<br />

a aquisição da nacionalidade americana<br />

por parte dos nossos emigrantes e incite<br />

a comunidade lusófona a participar intensamente<br />

nas eleições a todos os níveis.<br />

A FLAD, como instituição portuguesa que<br />

tem, entre os seus propósitos mais significativos,<br />

reforçar a cooperação transatlântica,<br />

desenvolve também programas<br />

específicos que facultem um conhecimento<br />

mais aprofundado do sistema político<br />

norte-americano. Com a proximidade das<br />

eleições esses esforços serão intensificados<br />

de modo a atingirem-se audiências mais<br />

vastas através do uso dos meios de comunicação<br />

social. Um melhor conhecimento<br />

facilita o reforço dos laços de amizade e<br />

cooperação.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 5


6<br />

Os candidatos à<br />

Presidência e o Iraque<br />

(...)<br />

o quinto aniversário da invasão do Iraque deu azo a uma profusão<br />

de discursos por parte do Presidente Bush e dos candidatos democratas<br />

que esperam herdar a Casa Branca no próximo ano.<br />

Lamentavelmente, um aspecto comum a todos eles foi<br />

a incapacidade de enfrentarem as realidades – a começar<br />

pela impossibilidade de discernir qualquer caminho claro<br />

ou rápido para chegar à “vitória” prometida por Bush<br />

ou à promessa de hillary Clinton e de Barack obama de<br />

“acabar com esta guerra”.<br />

‘ [...] no iraque,<br />

os progressos alcançados<br />

podem ser rapidamente<br />

anulados.<br />

’<br />

EUA‘08<br />

especial<br />

revistA De imprensA<br />

George Bush, afirmou que, mais do que “inverter a situação no<br />

Iraque”, o aumento de tropas “abriu a porta a uma importante<br />

vitória estratégica na guerra mais geral contra o terrorismo”. Foi<br />

uma afirmação no mínimo prematura, atendendo à fragilidade<br />

dos progressos no domínio da segurança e à lentidão dos dirigentes<br />

iraquianos em estabelecer os acordos políticos necessários<br />

para estabilizar verdadeiramente o país.<br />

o Presidente pelo menos reconhece, graças à sua “dura experiência”,<br />

que, no Iraque, os progressos alcançados podem ser<br />

O charme republicano<br />

com os media<br />

(…)<br />

Ao contrário dos jornalistas que giram na órbita da senadora<br />

hillary Rodham Clinton e do senador Barack obama – que se<br />

queixam diariamente da falta de acesso aos seus candidatos –,<br />

John McCain fala diariamente com os jornalistas que estão a<br />

cobrir a sua campanha, tanto assim que este vosso blogger já<br />

ouviu mais de um jornalista dizer que gostaria que “aquele<br />

tipo que fala sem rodeios” se calasse de uma vez por todas.<br />

Mas não é inteiramente verdade que esse seja o seu desejo,<br />

pois até reconhecem que McCain faz um esforço considerável<br />

para manter satisfeito o seu bando de jornalistas habituais. E o<br />

que se passou com os poucos jornalistas americanos que seguiram<br />

o candidato republicano até Londres e Paris? John McCain<br />

respondeu às perguntas de quase todos, ainda que, para o<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


apidamente anulados. ontem, prometeu não ordenar retira-<br />

das de tropas para além das cinco brigadas que deverão regres-<br />

sar aos Estados Unidos no Verão deste ano, “a não ser que as<br />

apartamento dilecto<br />

em Cornville, no<br />

Arizona, não muito<br />

longe de Sedona.<br />

Enquanto os jornalistas que o acompanham se dirigem<br />

para um local espectacular chamado Enchantment<br />

Resort.<br />

(…)<br />

[ Joseph Curl, correspondente principal para a Casa Branca,<br />

26 de Março de 2008 ]<br />

está em jogo para os Estados Unidos está divorciada da rea-<br />

lidade, que foi aquilo de que acusaram Bush quando este<br />

decidiu invadir o Iraque.<br />

condições no terreno e as recomendações dos nossos coman- (...)<br />

dantes” o justifiquem. Isto significa que, se Barack obama ou Barack obama e hillary Clinton propõem-se ambos retirar as<br />

hillary Clinton se tornarem presidentes, um deles passará a tropas americanas ao ritmo mais rápido que o Pentágono diz<br />

ser comandante-chefe de pelo menos 100 mil militares ame- ser possível – uma brigada por mês. Durante os cerca de 16<br />

ricanos que se encontram no Iraque. No entanto, os seus meses que levaria a retirar as tropas, imaginam conseguir<br />

discursos sugerem que a sua visão do conflito e daquilo que realizar milagrosamente todos os objectivos políticos que a<br />

Administração Bush se propôs alcançar em cinco<br />

anos, desde o estabelecimento de um governo<br />

fazer, tenha sido obrigado a esquivar-se aos insistentes jorna- estável à concordância dos países vizinhos em<br />

listas britânicos e aos mal-humorados jornalistas franceses. apoiarem esse governo. Supõem que o facto de se<br />

saber que as forças americanas iriam partir inspi-<br />

E como são os seus fins-de-semana? Depois de uma fase iniraria<br />

esses acordos. Na verdade, o mais provável é<br />

cial em que fez campanha ininterruptamente, assim que a sua<br />

que a partida das tropas levaria todas as partes a<br />

ignorarem a influência americana e a prepararemnomeação<br />

ficou garantida McCain começou a passar os fins- -se para preencher violentamente o vazio deixado<br />

-de-semana no seu pela retirada dos americanos.<br />

‘ mcCain fala diariamente<br />

com os jornalistas<br />

que estão a cobrir<br />

a sua campanha<br />

’<br />

especial<br />

EUA‘08<br />

revistA De imprensA<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 7<br />

(...)<br />

[ Editorial, 20 de Março de 2008 ]


8<br />

O sabor amargo da vitória<br />

(...)<br />

A resposta à pergunta “E se nós ganharmos?” depende, obviamente,<br />

da definição de “ganhar” no Iraque. Para mim, significa o seguinte:<br />

as tendências da situação de segurança já estabelecidas durante<br />

o aumento de tropas mantêm-se num rumo positivo, a violência<br />

diminui para níveis aceitáveis, a capacidade das forças de segurança<br />

do Iraque aumenta, e o Governo central resiste a ponto de os<br />

Estados Unidos poderem contemplar a possibilidade de reduzirem<br />

substancialmente as suas forças sem que o país caia no caos.<br />

o Governo continuará a ser fraco e corrupto e permanecerá dividido,<br />

mas pelo menos continuará a governar. Postular mais do que<br />

isto tornaria este raciocínio circular e inútil.<br />

Ironicamente, uma “vitória” neste sentido representaria enormes<br />

problemas para um Presidente democrata em Janeiro de 2009.<br />

haveria uma base positiva de segurança que apenas se deterioraria<br />

se os Estados Unidos retirassem as suas tropas demasiado depressa<br />

e, portanto, uma pressão considerável para que não fossem respeitadas<br />

as promessas de uma retirada rápida feitas durante a campanha.<br />

Se conseguimos pressupor uma vitória nestes termos, também<br />

podemos pressupor as condições necessárias para permitir uma<br />

retirada total, mas é muito difícil imaginar como é que isso<br />

poderia acontecer a não ser durante um período prolongado<br />

e, portanto, politicamente desconfortável. A grande interrogação<br />

consistirá em saber como é que os diferentes<br />

actores políticos irão interpretar o legado de tal “vitória”.<br />

No que respeita aos actores da região, uma vitória<br />

poderá ser a salvação da reputação americana, mas o<br />

momento de obter um efeito de demonstração positivo<br />

com a substituição de Saddam por um Iraque democrático<br />

já passou. A aceitação deste novo actor made-in-<br />

America pelos países árabes vizinhos virá, mas levará<br />

especial<br />

EUA‘08<br />

revistA De imprensA<br />

tempo e não será concedida de bom grado. Muito dependerá do<br />

tipo de forças residuais que os Estados Unidos entenderem manter<br />

no Iraque. Nas melhores circunstâncias, o Iraque nunca se tornará<br />

uma Alemanha, nem um Japão, nem uma Coreia do Sul, onde uma<br />

presença permanente de forças americanas passou a fazer parte da<br />

rede de segurança regional. Uma presença americana a longo prazo<br />

no Iraque, mesmo que essa presença seja pequena e discreta, pre-<br />

judicará a legitimidade do regime de Bagdade.<br />

A “vitória” que acabamos de definir encerra uma importante<br />

contradição. os Estados Unidos não podem vencer sem que o<br />

Irão vença também. Esta vitória do Irão será medida pela aquisição<br />

de pelo menos um “cliente” no Sul do Iraque sobre o qual,<br />

em última análise, exercerá muito mais influência do que os<br />

Estados Unidos. Isto reduzirá significativamente o valor da vitória,<br />

a não ser que admitamos outros acontecimentos, como, por<br />

exemplo, uma mudança de regime em Teerão ou um afastamento<br />

entre Teerão e os seus “clientes” iraquianos – duas hipóteses<br />

que não parecem ter grande probabilidade de se concretizar num<br />

futuro próximo.<br />

(...)<br />

[Francis Fukuyama vol. II, n.º4, Março-Abril de 2008]<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


REVISTA TRIMESTRAL DE<br />

Política Externa e<br />

Assuntos Internacionais<br />

EDITADA PELO<br />

INSTITUTO PORTUGUÊS DE<br />

RELAÇÕES INTERNACIONAIS<br />

da Universidade Nova de Lisboa<br />

Rua de D. Estefânia, 195 - 5º, D. to<br />

1000-155 Lisboa | PORTUGAL<br />

Tel.: +351 21 314 1176<br />

Fax: +351 21 314 1228<br />

Email: ipri@ipri.pt<br />

www.ipri.pt<br />

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RELAÇÕES<br />

INTERNACIONAIS<br />

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<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 9


10<br />

portuGAL/euA<br />

senador luso-americano<br />

Apelo à participação portuguesa<br />

na vida política americana<br />

Eleito pelo Partido Democrata, com vinte anos de experiência política no estado de Massachusetts,<br />

o senador Marc Pacheco ocupa o cargo de maior relevo atribuído a um luso-descendente.<br />

Além da representação da comunidade portuguesa, ocupa-se da legislação de questões que interessam<br />

a todos os cidadãos, desde a saúde às alterações climáticas e ao aquecimento global.<br />

A <strong>Paralelo</strong> visitou-o na State House de Boston.<br />

POR CArLA mAiA De ALmeiDA<br />

FOTOGRAFIAS Guto FerreirA<br />

O que significa para si ser senador<br />

estadual e como é que representa<br />

a comunidade portuguesa de<br />

Massachusetts?<br />

Em primeiro lugar, é uma<br />

grande honra, porque é um<br />

cargo para o qual se é eleito<br />

por sufrágio directo pelos<br />

cidadãos e porque em todo o<br />

estado de Massachusetts apenas<br />

40 pessoas o podem desempenhar.<br />

Mas também tenho a honra de ser<br />

o senador principal, eleito oficialmente,<br />

neste estado cujo legado português<br />

é tão importante.<br />

Represento uma<br />

p o p u l a ç ã o<br />

numerosa de<br />

comunidadesportug<br />

u e s a s ,<br />

responsabilidade<br />

que levo muito a sério. Desde muito jovem<br />

que mantenho ligações com a comunidade<br />

portuguesa. A minha família nunca me<br />

deixou esquecer as minhas raízes e fez-me<br />

apreciá-las. Mas represento um círculo<br />

eleitoral muito diversificado, não só em<br />

termos de etnicidade e religião, mas também<br />

em termos económicos, e isso é<br />

muito estimulante e implica uma grande<br />

satisfação pessoal.<br />

Em comparação com outros grupos, considera que<br />

é mais difícil exercer pressão política quando se<br />

trata de fazer aprovar leis destinadas a apoiar<br />

e defender a comunidade portuguesa?<br />

É verdade. Embora neste estado haja muitas<br />

pessoas de origem portuguesa com<br />

direito de voto nos Estados Unidos, não há<br />

muitos americanos de ascendência portuguesa<br />

eleitos na assembleia legislativa do<br />

Massachusetts. De certa maneira, isto deve-<br />

-se ao tipo de cidadãos que somos, enquanto<br />

americanos de ascendência portuguesa.<br />

A maioria das pessoas que tenho representado<br />

ao longo dos anos e que tenho conhecido<br />

ocupa-se, em primeiro lugar, da<br />

família e da Igreja, independentemente de<br />

há quantos anos se encontram neste país.<br />

Quando essas pessoas decidem exercer<br />

o seu direito e participar na vida política,<br />

são tão competentes como<br />

outro grupo qualquer, sobretudo<br />

a nível local. No entanto,<br />

a decisão de o fazer<br />

não é tão frequente<br />

como eu gostaria<br />

que fosse. E os<br />

membros da<br />

comunidade<br />

p o r t u g u e s a


portuGAL/euA<br />

“Quando vou a uma certa zona de boston, assim que as pessoas vêem o meu nome (“pacheco”)<br />

pronunciam-no “patchéco”, porque pensam que é um nome latino-americano […]<br />

na zona norte […] pensam que é um nome italiano”.<br />

MASSACHUSETTS: DEZ FACTOS<br />

QUE FIZERAM A DIFERENÇA<br />

• A Boston Latin School, a primeira escola pública dos EUA, foi fundada em 1635. Ali se<br />

graduaram cinco dos subscritores da Declaração de Independência: John Hancock, Samuel<br />

Adams, Benjamin Franklin, Robert Treat Paine e William Hooper.<br />

• Em 1773, é publicado em Boston um livro intitulado Poems on Various Subjects, Religious<br />

and Moral. A autora é uma adolescente negra trazida num barco de escravos e adoptada por<br />

uma família que a ensina a ler e a escrever.<br />

• “Todos os homens nascem livres e iguais”, escreve John Adams no primeiro artigo da<br />

Constituição de Massachusetts, em 1780. Dezasseis anos mais tarde, será eleito segundo<br />

Presidente dos EUA.<br />

• Em 1820, um baleeiro vindo de Nantucket é totalmente destruído por uma baleia de grande<br />

porte. O facto inspirou Herman Melville na escrita do clássico Moby Dick.<br />

• Em 1837, Mary Lyon funda a primeira universidade para raparigas do país, Mount Holyoke<br />

College. “Vai aonde mais ninguém for. Faz o que mais ninguém fizer”, eis o seu lema.<br />

• Em 1845, Henry David Thoreau constrói a sua cabana no lago Walden. Com Ralph Waldo<br />

Emerson, Emily Dickinson e outros transcendentalistas da Nova Inglaterra, o seu pensamento<br />

vive até hoje.<br />

• O primeiro congresso nacional dos Direitos das Mulheres realiza-se em Worcester, em<br />

1850.<br />

• Em Boston, Alexander Graham Bell e o seu assistente Thomas Watson demonstram aos<br />

jornalistas a invenção patenteada em 1876: o telefone.<br />

• Em 1944, nos laboratórios de Harvard e do MIT (Massachusetts Institute of Technology),<br />

cientistas trabalham em protótipos de calculadoras, abrindo caminho para a era digital.<br />

• O senador de Massachusetts J. F. Kennedy é eleito Presidente dos EUA em 1960. Em 1972,<br />

Massachusetts será o único estado do país a não votar em Nixon, preferindo o democrata<br />

John McGovern.<br />

(do livro The 101 Events that Made Massachusetts, de Christopher Kenneally, Commonwealth Editions, 2005)<br />

‘ represento uma<br />

população numerosa<br />

de comunidades<br />

portuguesas,<br />

responsabilidade<br />

que levo muito<br />

a sério.<br />

’<br />

não votam necessariamente a favor de uma<br />

pessoa com base na sua origem étnica... o<br />

que me parece ser um bom princípio.<br />

Ter um nome português traz­lhe mais vantagens<br />

ou mais desvantagens no desempenho das suas<br />

funções?<br />

Bem, só lhe posso falar da minha experiência<br />

pessoal. Quando vou a uma certa<br />

zona de Boston, assim que as pessoas<br />

vêem o meu nome (“Pacheco”), pronunciam-no<br />

“Patchéco”, porque pensam que<br />

é um nome latino-americano, um nome<br />

espanhol. Mas se eu for à zona norte da<br />

cidade pensam que é um nome italiano.<br />

Portanto, as vantagens e as desvantagens<br />

são muitas, consoante a zona da cidade<br />

onde me encontro! (Ri-se.) Tive uma<br />

experiência muito real em 2001, quando<br />

decidi concorrer ao Congresso dos Estados<br />

Unidos. Passei tempos difíceis. Para o fazer,<br />

é preciso ter recursos financeiros para<br />

conseguirmos transmitir a nossa mensagem<br />

às massas. Infelizmente, este é um<br />

aspecto em que estamos bastante aquém<br />

dos outros grupos. Alguns, como os gregos<br />

ou os italianos, têm uma grande capacidade<br />

de angariação de fundos.<br />

Há centenas de estudantes portugueses a frequentar<br />

as melhores universidades americanas.<br />

Considera que eles também representam o futuro<br />

da comunidade portuguesa?<br />

Sim. Estou absolutamente convencido de que<br />

nos estabelecimentos de ensino superior da<br />

América inteira – e particularmente nos<br />

estados em que existe uma grande percentagem<br />

de luso-americanos – temos suficientes<br />

pessoas qualificadas com capacidade para<br />

ascender aos cargos mais altos e a posições<br />

de autoridade na administração pública. Está<br />

a começar a acontecer com bastante frequência.<br />

o Dr. Mello (Craig C. Mello, Prémio<br />

Nobel da Medicina em 2006, em conjunto<br />

com Andrew Z. Fire) é um exemplo disso.<br />

Sentimos muito orgulho nele. Porque uma<br />

coisa que ouvimos dizer constantemente<br />

acerca dos portugueses é que têm excelentes<br />

características e uma óptima<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 11


12<br />

portuGAL/euA<br />

‘ [...] os membros da comunidade portuguesa não votam<br />

necessariamente a favor de uma pessoa com base<br />

na sua origem étnica... o que me parece ser<br />

um bom princípio.<br />

’<br />

reputação: são trabalhadores, honestos, íntegros,<br />

constituem boas famílias – tudo valores<br />

positivos. Mas não é muito frequente,<br />

na nossa comunidade, ouvirmos louvar pessoas<br />

ligadas ao ensino superior, pessoas do<br />

campo da medicina, do campo jurídico,<br />

do campo literário...<br />

Ao mesmo tempo, não é verdade que se está a<br />

tornar cada vez mais difícil ensinar português às<br />

crianças luso­americanas?<br />

Durante muitos anos tivemos em<br />

Massachusetts um ensino bilingue, mas<br />

os eleitores votaram a favor da sua supressão.<br />

opus-me veementemente a essa decisão,<br />

assumi publicamente uma posição<br />

contra a eliminação do ensino bilingue,<br />

mas mesmo em cidades como New<br />

Bedford, que é talvez uma das cidades com<br />

maior número de eleitores portugueses,<br />

o ensino bilingue foi suprimido.<br />

Por que é que isso aconteceu?<br />

Porque se fizeram sentir grandes pressões<br />

no sentido de se avançar para o ensino<br />

emergente, como alternativa. Em vez de<br />

haver aulas em que o ensino é ministrado<br />

em inglês e português, nos programas do<br />

ensino emergente tudo é ensinado em<br />

língua inglesa. De facto, funciona melhor<br />

para os alunos muito novos, mas quando<br />

se chega aos alunos um pouco mais velhos<br />

ou do secundário, não resulta. o problema<br />

aqui em Massachusetts, ou nos Estados<br />

Unidos, é que somos um melting pot, e tentar<br />

escolher uma língua, ou duas línguas,<br />

passa a ser um braço-de-ferro político.<br />

haverá sempre um grupo a perguntar:<br />

“Por que não a minha língua?”<br />

No que toca às últimas gerações, acha que há<br />

alguma coisa que se pode fazer para reavivar a<br />

sua identidade cultural, ou considera que terão<br />

mais benefícios quanto mais se integrarem na<br />

sociedade americana?<br />

Penso que é absolutamente fundamental<br />

para o futuro da América e de Portugal<br />

trabalharmos juntos no sentido de renovar<br />

esses laços. Estamos num mundo<br />

diferente, um mundo em que necessitamos<br />

de ser mais bem compreendidos<br />

entre os nossos concidadãos. E julgo que<br />

não há melhor maneira de promover<br />

uma maior compreensão do que permitir,<br />

através do processo educativo, que<br />

os nossos jovens participem em programas<br />

de intercâmbio, aprendam mais<br />

sobre os seus antepassados e sobre as<br />

origens das suas famílias, frequentando<br />

aulas no estrangeiro... e também recebendo<br />

aqui estudantes portugueses para<br />

frequentar aulas nos Estados Unidos.<br />

Julgo que isto representa um enorme<br />

benefício para os nossos dois países e<br />

também para os cidadãos.<br />

Desde 1993 que Marc R. Pacheco ocupa<br />

um lugar no Senado de Massachusetts.<br />

Descendente de açorianos, a educação na<br />

língua inglesa não impede que se mantenha<br />

a par das questões que interessam<br />

à comunidade portuguesa. Ilda Marques,<br />

sua assistente há muitos anos, fluente<br />

em português, espanhol e inglês, é a res-<br />

Mas será que o intercâmbio que tem havido é<br />

suficiente?<br />

Julgo que não, e a questão é precisamente<br />

essa. Massachusetts perdeu cerca de dois<br />

mil estudantes estrangeiros nos últimos<br />

dois anos, e isso equivale a uma perda<br />

de aproximadamente 63 milhões de dólares<br />

de receitas. Temos de redobrar esforços<br />

e tentar encontrar escolas do ensino<br />

superior e universidades que desejem<br />

estabelecer parcerias com os Estados<br />

Unidos, neste contexto, e vamos ter de<br />

tentar resolver eventuais problemas<br />

de burocracia. Temos de trabalhar com os<br />

líderes do Congresso e as pessoas aqui<br />

nos Estados Unidos que desejam facilitar<br />

a promoção de programas deste género<br />

e proporcionar este tipo de oportunidades<br />

aos estudantes estrangeiros que queiram<br />

vir para cá. Especialmente em<br />

Massachusetts, porque, a longo prazo,<br />

isso só nos beneficiará.<br />

ponsável pela recepção das muitas perguntas<br />

que chegam ao gabinete 312-B,<br />

na State House de Boston. Convicto de<br />

que hoje é mais fácil ser-se imigrante nos<br />

Estados Unidos da América do que há<br />

trinta anos, aguarda as próximas “eleições<br />

históricas” enquanto torce por Hillary<br />

Clinton.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


novo embaixador dos euA<br />

em portugal<br />

Thomas F. Stephenson é o novo embaixador<br />

dos Estados Unidos para Portugal. Até ao<br />

final do ano passado, altura em que tomou<br />

posse, foi sócio de uma empresa de capital<br />

de risco em Silicon Valley – a Sequóia<br />

Capital, dedicando-se, especialmente, a<br />

empresas de tecnologias da informação e<br />

prestação de cuidados de saúde.<br />

Natural de Wilmington, Delaware,<br />

Stephenson licenciou-se em Economia em<br />

breves<br />

Transatlânticas<br />

harvard e em Direito no Boston College,<br />

tendo completado o MBA na harvard<br />

Business School, mantendo, ainda, relações<br />

estreitas com esta universidade onde é,<br />

actualmente, membro do quadro de<br />

decuriões e da comissão executiva.<br />

Com 38 anos de experiência no sector<br />

do capital de risco e tendo pertencido a<br />

mais de uma dezena de quadros de administração<br />

de empresas públicas e privadas,<br />

Thomas F. Stephenson mudou-se para<br />

Lisboa com a sua mulher e um dos filhos<br />

apresentando credenciais ao Presidente<br />

Cavaco Silva em Fevereiro passado.<br />

“projecto regressos”<br />

em avaliação<br />

Facilitar a integração nos Açores dos cidadãos<br />

portugueses repatriados pelos Estados<br />

Unidos e estabelecer uma ligação entre o<br />

regressado e a família no país de acolhimento<br />

foram objectivos cumpridos do<br />

“Projecto Regressos”.<br />

Dois anos após a sua criação, o balanço do<br />

“Projecto Regressos”, iniciativa financiada<br />

Jorge paulus bruno, director do iAC (terceiro a contar da esquerda)<br />

ouve as explicações de João silvério, curador da FLAD.<br />

pela FLAD e pelo Governo Regional dos<br />

Açores, é positivo. As principais conclusões<br />

foram apresentadas em Abril, com a participação<br />

de Alzira Silva, da Direcção Regional<br />

das Comunidades, Charles Buchanan, da<br />

FLAD, Sam Sutter, procurador-geral do condado<br />

de Bristol (EUA) e Thomas hodgson,<br />

xerife de Bristol, entre outros.<br />

A reunião contou ainda com as participações<br />

de representantes do Centro de<br />

Assistência ao Emigrante (EUA), da Arrisca<br />

e da Novo Dia, entidades que operacionalizam<br />

o projecto no terreno.<br />

Alzira silva, James maclinchey e Charles buchanan<br />

na apresentação das conclusões do “projecto<br />

regressos” (na foto, da esquerda para a direita).<br />

Arte contemporânea<br />

em Angra do heroísmo<br />

“Corpo Intermitente”, exposição de arte<br />

contemporânea, que incluiu obras de Álvaro<br />

Lapa, Ana Jotta, Eduardo Batarda, Jorge<br />

Queiroz, José Loureiro, Miguel Branco, Rui<br />

Chafes, Rui Leitão, Rui Moreira e Rui<br />

Sanches, pôde ser visitada, durante dois<br />

meses, no Museu de Angra do heroísmo.<br />

A exposição teve como objectivo dar<br />

a conhecer a diversidade de propostas<br />

artísticas integradas na colecção da FLAD<br />

e estimular a descentralização.<br />

João Silvério, curador da FLAD, apresentou<br />

esta exposição como: “Pensada especificamente<br />

para o Museu de Angra do<br />

heroísmo. [...] o museu é como um<br />

corpo reconstruído que resguarda e projecta<br />

dentro de si um outro corpo dinâmico,<br />

multifacetado e versátil.” “Corpo<br />

Intermitente” esteve integrada num projecto<br />

da FLAD em colaboração com o<br />

Governo Regional dos Açores e do Instituto<br />

Açoriano de Cultura que incluiu a publicação<br />

de um catálogo.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 13


14<br />

portuGAL/euA<br />

A internacionalização<br />

da língua portuguesa<br />

“Da minha língua vê-se o mar”, escreveu Vergílio Ferreira, para quem uma língua<br />

“é o lugar donde se vê o mundo e se traçam os limites do nosso pensar e sentir”.<br />

Na sede da FLAD reuniram-se representantes<br />

das embaixadas dos PALoP, Instituto<br />

Camões, CPLP, Instituto Cervantes,<br />

Ministério da Educação, Ministério dos<br />

Negócios Estrangeiros, British Council,<br />

Comissão Europeia e Parlamento Europeu,<br />

diversas universidades, Assembleia da<br />

República e outras instituições, para debater<br />

a “dimensão política da língua portuguesa<br />

e as estratégias de articulação da<br />

política cultural externa com a política de<br />

internacionalização da economia portuguesa”.<br />

Segundo a revista Ethnologue, a bíblia dos<br />

linguistas, existem cerca de sete mil idiomas<br />

no planeta. A maioria serve comunidades<br />

reduzidas e apenas 12 são usadas por cerca<br />

de 50 por cento da população mundial. “o<br />

português está no top ten, ocupando a sétima<br />

posição, com cerca de 200 milhões de falantes<br />

espalhados por oito países em quatro<br />

continentes”, afirmou Nicholas ostler, um<br />

dos oradores convidados pela FLAD para<br />

participar no encontro.<br />

A herança histórica e cultural do português<br />

coloca-o em boa posição, acima do<br />

alemão, do francês e do japonês, mas<br />

abaixo do espanhol, do russo e do bengali,<br />

para competir no futuro mercado global<br />

das línguas. No entanto, aquele especialista<br />

alertou para o facto de a glória de uma<br />

língua (como, de resto, de tudo o mais)<br />

ser transitória e só permanecer se a comunidade<br />

de origem se mantiver como centro<br />

de visibilidade e prestígio.<br />

POR CArLA bAptistA<br />

seminário de português na universidade de massachusetts – Dartmouth.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008<br />

VICTOR K. MENDES


‘ existem cerca<br />

de sete mil idiomas<br />

no planeta. [...]<br />

“o português<br />

está no top ten,<br />

ocupando a sétima<br />

posição, com cerca<br />

de 200 milhões<br />

de falantes<br />

espalhados por<br />

oito países em quatro<br />

continentes”, afirmou<br />

nicholas ostler.<br />

’ na<br />

A difusão do português beneficia de uma<br />

forte pressão demográfica positiva do<br />

Brasil. Neste momento, por cada português<br />

existem 16,7 falantes brasileiros, o que<br />

constitui, de longe, o ratio mais favorável<br />

de todas as antigas colónias e metrópoles.<br />

No caso do espanhol, por exemplo, a proporção<br />

é de três mexicanos para cada<br />

espanhol, ou, para o inglês, de quatro<br />

americanos para cada britânico.<br />

Também é previsível um aumento do<br />

número de falantes em Angola e<br />

Moçambique, tanto por razões demográficas<br />

como de crescimento do investimento<br />

estrangeiro naqueles países.<br />

“Mas existem outras economias e respectivas<br />

línguas a considerar”, afirmou David<br />

Graddol, outro dos participantes no evento,<br />

que apresentou o cenário de um mundo em<br />

acelerada transformação. É previsível que<br />

línguas como o português, o russo e o hindi<br />

cresçam bastante após 2010, mas os maiores<br />

impactos virão dos gigantes China (o mandarim<br />

está a implantar-se fortemente como<br />

segunda língua, mesmo nos países ocidentais),<br />

Índia e do bloco dos países árabes. Entre<br />

2025 e 2050, é possível que o árabe se torne<br />

a língua mais difundida no mundo.<br />

A tendência actual também nos ensina<br />

que a riqueza material dos países de origem<br />

já não é o principal factor que contribui<br />

para o sucesso da difusão das respectivas<br />

línguas. o mais importante, disse David<br />

Graddol, é o número de pessoas que virá<br />

a reconhecer alguma utilidade em usá-las<br />

como segundo idioma.<br />

sua intervenção na FLAD, nicholas ostler falou sobre os usos políticos e económicos da língua.<br />

As línguas<br />

do passado, do presente<br />

e do futuro<br />

Dois académicos britânicos falam sobre as tendências<br />

históricas que fazem aparecer e desaparecer<br />

as línguas do mundo.<br />

“Padre, quem te trouxe a esta terra tão<br />

longe da Índia?”, terá sido a frase pronunciada<br />

num português impecável por<br />

um comandante militar persa e dirigida<br />

a um espantado frei Gaspar de São<br />

Bernardino que, em 1606, parou na região<br />

para se abastecer de água.<br />

Nicholas ostler, académico inglês com<br />

graus em Grego, Latim, Filosofia e<br />

Economia (Universidade de oxford)<br />

e um doutoramento em Linguística pelo<br />

MIT, foi um dos especialistas convidados<br />

pela FLAD para discursar sobre os usos<br />

políticos e económicos da língua, tendo<br />

apresentado este exemplo para ilustrar<br />

como o português foi usado como língua<br />

franca em vastíssimas regiões do<br />

mundo até ao século XVIII.<br />

outros casos são relatados no seu último<br />

livro, Empires of the Word: A Language History of<br />

the World, e contam uma história fascinante<br />

de como, alicerçado numa política expansionista<br />

e comercial baseada no estabelecimento<br />

de feitorias costeiras, paróquias e<br />

missões religiosas no interior, o império<br />

colonial português conseguiu a proeza de<br />

pôr todos os que pretendiam comerciar<br />

com as nações europeias (mesmo, mais<br />

tarde, com os franceses, ingleses e<br />

holandeses) a falar a língua de Camões,<br />

incluindo uma vasta população de árabes,<br />

arménios, hindus, japoneses e africanos.<br />

Já em 1551, o inglês Thomas Wyndham,<br />

viajando com o piloto António Pinteado<br />

ao longo da Costa da Guiné, descobriu<br />

que podia conversar em português com<br />

o rei do Benim, que tinha aprendido a<br />

língua em criança.<br />

Em 1600, quando o Japão recebeu o seu<br />

primeiro visitante inglês, o piloto Will<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 15<br />

RUI OCHôA


RUI OCHôA<br />

Adams, este serviu-se de um intérprete<br />

português para conseguir comunicar com<br />

o xógum Tokugawa Ieyasu.<br />

Actualmente, graças a uma política de<br />

ensino e difusão da língua a nível mundial,<br />

o inglês impôs-se como linguagem<br />

universal. A globalização do inglês foi<br />

explicada por David Graddol, linguista e<br />

autor do relatório English Next, encomendado<br />

em 2006 pelo British Council. Nele<br />

são analisadas as principais tendências<br />

económicas e demográficas que irão afectar<br />

a posição do inglês e de outras línguas<br />

ao longo do século XXI.<br />

Enquanto a expansão do português se<br />

baseou numa política de encontros face-a-<br />

-face e provocou uma rápida crioulização<br />

da língua, o inglês universalizou-se graças<br />

a um conjunto de razões demográficas,<br />

económicas, tecnológicas e políticas.<br />

Ao aumento do número de falantes, juntaram-se<br />

factores como a afirmação dos<br />

países anglo-saxónicos como os mais ricos<br />

do mundo e os fenómenos intrínsecos ao<br />

próprio movimento de globalização:<br />

maior mobilidade, tanto espacial como<br />

16<br />

David Graddol: mandarim, espanhol e árabe,<br />

competidores da “língua franca” inglesa.<br />

‘ [...] o império colonial português conseguiu a proeza<br />

de pôr todos os que pretendiam comerciar com as<br />

nações europeias [...] a falar a língua de Camões,<br />

incluindo uma vasta população de árabes, arménios,<br />

hindus, japoneses e africanos.<br />

’<br />

cultural, suportada pelas tecnologias de<br />

comunicação e a criação de redes transnacionais<br />

muito densas em vários níveis<br />

das sociedades.<br />

A fluência em inglês é consensualmente<br />

reconhecida como uma competência<br />

básica e os governos de todo o mundo<br />

têm introduzido intensivamente o ensino<br />

desta língua em níveis escolares cada vez<br />

mais básicos – neste momento, as crianças<br />

chinesas (e as portuguesas) já aprendem<br />

inglês desde o primeiro ano da escola<br />

primária.<br />

Porém, David Graddol afirma que se o<br />

inglês foi claramente a língua franca do<br />

século XX, enfrenta sérios competidores<br />

no século XXI, entre eles o mandarim, o<br />

espanhol, o árabe e o hindi-urdu.<br />

As pessoas não vão deixar de falar inglês,<br />

que já é visto como uma ferramenta de<br />

trabalho mais do que como uma língua<br />

estrangeira. os falantes nativos do idioma<br />

de Shakespeare é que podem ficar para<br />

trás se persistirem em manterem-se avessos<br />

à aprendizagem das outras línguas<br />

emergentes. Cb<br />

há potencial<br />

de crescimento<br />

para o ensino<br />

do português<br />

nos euA<br />

A promoção da língua e da cultura portuguesa<br />

nos Estados Unidos é um dos objectivos<br />

da FLAD desde 1985. Em muitos dos<br />

países – entre os quais se incluem a<br />

Espanha, a Itália, a França, a Coreia, a Grã-<br />

-Bretanha, a China, a Rússia ou o Japão –<br />

que concentram recursos consideráveis na<br />

difusão das suas línguas, existe o consenso<br />

de que as acções desenvolvidas em território<br />

norte-americano possuem um impacto<br />

e uma capacidade de irradiação muito<br />

superiores à sua base geográfica.<br />

Sendo a maior economia mundial e um<br />

país de emigrantes, os Estados Unidos<br />

oferecem um ambiente muito competitivo<br />

e qualquer estratégia ou lóbi em prol de<br />

uma língua terá de partir da comunidade<br />

local para obter sucesso. Neste sentido, a<br />

FLAD tem promovido e coordenado, desde<br />

2004, um conjunto de estudos no âmbito<br />

do seu programa “Iniciativa Língua<br />

Portuguesa”, que recolheu dados estatísticos<br />

rigorosos sobre o número de escolas<br />

americanas que ensinam português e a<br />

sua relação com as comunidades imigrantes<br />

portuguesas sediadas nessas zonas.<br />

Esse documento, pioneiro, apurou que<br />

cerca de 300 universidades americanas<br />

possuem cadeiras de Português e cerca de<br />

110 escolas secundárias públicas, situadas<br />

em seis estados (o mais relevante é a<br />

Califórnia, onde vivem 28 por cento dos<br />

luso-amer icanos, mas também<br />

Massachusetts, Rhode Island, Connecticut,<br />

Nova Jérsia, Nova Iorque e Florida são<br />

zonas que concentram uma forte emigração<br />

de origem portuguesa), oferecem este<br />

idioma como segunda língua.<br />

o relatório permitiu ainda perceber<br />

que existe um grande potencial de crescimento<br />

no número de alunos que poderão<br />

frequentar aulas de Português. Neste<br />

momento, a nível do ensino secundário,<br />

eles são à volta de 11 mil estudantes. No<br />

entanto, só na Califórnia existem cerca de<br />

79 mil pessoas com mais de cinco anos<br />

que falam português em casa, das quais<br />

quase 10 mil têm entre cinco e 17 anos<br />

de idade, ou seja, são luso-descendentes<br />

de segundas e terceiras gerações.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


outro dado encorajador é que<br />

o sistema escolar americano possui<br />

uma grande responsiveness, sendo<br />

bastante flexível e adaptável à<br />

diversidade cultural das comunidades<br />

locais. Em Massachusetts,<br />

por exemplo, basta um pedido<br />

formulado por 30 alunos ou<br />

encarregados de educação solicitando<br />

uma determinada cadeira<br />

de opção para o estado ser obrigado<br />

a criar a disciplina, contratar<br />

um professor e certificar a qualidade.<br />

As más notícias é que, neste<br />

momento, ainda existem poucos<br />

factores, para além de uma legítima<br />

nostalgia pela terra-mãe, que<br />

levem os luso-descendentes a querer<br />

estudar português.<br />

A FLAD tem conduzido iniciativas<br />

para levar o Colllege Board,<br />

a entidade mais credível que certifica<br />

os exames de acesso à maioria<br />

das universidades, a permitir a criação<br />

de um exame de língua portuguesa que<br />

possibilite aos estudantes liceais o acesso<br />

ao ensino superior.<br />

Estes exames são designados por Advanced<br />

Placement Courses and Exams (AP), e a<br />

sua aprovação garante a atribuição de créditos<br />

universitários existindo em cerca de<br />

19 áreas temáticas, incluindo as línguas<br />

(inglês, francês, alemão, latim, italiano,<br />

coreano e, em breve, japonês e chinês).<br />

Se o objectivo da criação desta prova for<br />

alcançado, abrem-se inúmeras oportuni-<br />

portuGAL/euA<br />

A maior concentração geográfica da comunidade luso-americana nos euA<br />

encontra-se assinalada a encarnado.<br />

‘ […] cerca de 300 universidades americanas possuem<br />

cadeiras de português e cerca de 110 escolas<br />

secundárias públicas, situadas em seis estados,<br />

oferecem este idioma como segunda língua.<br />

’<br />

A laranja, universidades onde se ensina português.<br />

dades para expandir o ensino do<br />

português. A existência de um<br />

exame de coreano, por exemplo,<br />

disponibilizada desde 1997,<br />

levou a que apenas em quatro<br />

anos o número de liceus que<br />

oferecem essa língua subisse de<br />

17 para 70.<br />

Em paralelo, a FLAD continuará<br />

a apoiar os departamentos de<br />

estudos portugueses e lusófonos<br />

em várias universidades, promovendo<br />

uma política de encontro<br />

entre académicos do mundo<br />

lusófono, bem como outras<br />

acções de menor âmbito, como<br />

o apoio a campos de férias com<br />

temáticas portuguesas e brasileiras,<br />

muito populares entre as<br />

famílias norte-americanas e que<br />

podem deixar memórias e estímulos<br />

positivos (embora dificilmente<br />

quantificáveis) nas<br />

centenas de crianças e jovens que<br />

os frequentam. Cb<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 17


18<br />

��������<br />

primárias norte-americanas:<br />

“simplex” republicano facilita<br />

escolha de mcCain<br />

Para se ser designado à Casa Branca pelos dois principais partidos,<br />

o escolhido tem de obter o apoio da maioria dos delegados que participam<br />

nos congressos dos respectivos partidos e que decorrem no Verão.<br />

A inexistência de uma recandidatura, quer<br />

por parte de George W. Bush, quer do<br />

próprio Vice-Presidente Dick Cheney, deixou<br />

campo aberto a todos os republicanos<br />

com aspirações à Casa Branca. E foi vê-los<br />

digladiarem-se à conquista da liderança,<br />

do Iowa à Florida, onde John McCain,<br />

apesar dos amargos de boca causados ao<br />

longo da jornada por Mike huckabee,<br />

finalmente se definiu como o virtual candidato<br />

republicano.<br />

Mas foram, na realidade, os candidatos<br />

democratas que emprestaram a estas primárias<br />

de 2008 um interesse e um dinamismo<br />

verdadeiramente invulgares. Em<br />

termos demográficos, não há memória<br />

recente de uma adesão tão entusiástica por<br />

parte do sector mais jovem da sociedade<br />

americana ao processo de nomeação do<br />

próximo Presidente.<br />

Milhões de votantes, acabados de registar,<br />

foram às urnas, arrastados sobretudo<br />

pelo apelo sedutor que lhe fora lançado<br />

pelo candidato Barack obama, prometendo<br />

“mudança” e semeando esperança,<br />

qual flautista de hamelin, enchendo estádios<br />

a abarrotar de gente jovem.<br />

Em resultado de toda a mobilização do<br />

campo democrata, a que também não foi<br />

alheia hillary Clinton, a taxa de participação,<br />

tradicionalmente baixa e com<br />

tendência para se agravar, alterou-se significativamente.<br />

Comparativamente às<br />

presidenciais de 2000, o New hampshire<br />

registou nestas primárias 52,5 por cento<br />

de afluência às urnas (contra 44,4),<br />

a Carolina do Sul 30,4 (contra 20,2),<br />

o Alabama 31,7 (contra 15,3), a Georgia<br />

POR FiLipe vieirA*<br />

32 (contra 17,7), sendo Nova Jérsia o caso<br />

mais paradigmático, onde uma afluência<br />

de 4,4 por cento há oito anos se transformou<br />

agora numa percentagem de 32,2<br />

por cento.<br />

Para se ser designado candidato à Casa<br />

Branca pelos dois principais partidos,<br />

o escolhido tem de obter o apoio da maioria<br />

dos delegados que participam nos<br />

congressos dos respectivos partidos e que<br />

decorrem no Verão que antecede as presidenciais,<br />

eleições aprazadas este ano para<br />

o dia 4 de Novembro. os democratas vão<br />

reunir-se de 25 a 28 de Agosto, na cidade<br />

de Denver, no Colorado, enquanto os<br />

republicanos têm o seu conclave marcado<br />

‘ não há memória recente<br />

de uma adesão tão entusiástica<br />

por parte do sector mais jovem<br />

da sociedade americana<br />

ao processo de nomeação<br />

do próximo presidente.<br />

’<br />

para as cidades gémeas de Minneapolis-<br />

-Saint Paul, no estado do Minnesota, de<br />

1 a 4 de Setembro.<br />

A escolha dos delegados resulta, por sua<br />

vez, dos chamados caucuses e das eleições<br />

primárias, que são disputadas estado a<br />

estado, num sistema de eliminatórias que<br />

acaba por afastar os candidatos com menor<br />

arcaboiço e correspondente falta de apoio<br />

popular e financeiro. Trata-se de um pro-<br />

cesso complexo que nem sempre é fácil<br />

de entender em todas as suas nuances.<br />

E se, em termos percentuais, os resultados<br />

das primárias facilmente tornam visível,<br />

a olho desarmado, um vencedor – pelo<br />

menos no que toca aos candidatos republicanos<br />

–, o facto é que, do lado dos<br />

democratas, esses números não se traduzem<br />

numa proporcionalidade directa em<br />

termos de delegados eleitos. Neste particular,<br />

o método adoptado pelo Partido<br />

Republicano é absolutamente linear.<br />

A começar pelos caucuses eleitorais, que são<br />

reuniões partidárias, geralmente realizadas<br />

em pequenas localidades, onde a votação<br />

é feita de braço no ar entre pessoas que<br />

se reúnem numa<br />

igreja, numa sala de<br />

uma qualquer asso-<br />

ciação cívica ou<br />

mesmo em casas de<br />

particulares, como<br />

foi o caso do Iowa,<br />

o estado talismã,<br />

onde todo o processo<br />

das primárias arranca,<br />

cada quatro anos.<br />

os caucuses, que tiveram<br />

lugar em mais de 15 estados e territórios<br />

sob administração americana, constituem<br />

um invulgar caso do exercício da democracia<br />

de base, que os republicanos resolvem<br />

numa única votação individual, conferindo<br />

a vitória ao candidato com maior apoio. No<br />

caso dos democratas, os votantes congregam-se<br />

em grupos de apoio aos diversos<br />

candidatos e cada um desses núcleos vota<br />

em bloco. Se não for achado de imediato<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


LUSA / EPA STEFAN ZAKLIN<br />

um vencedor, que obtenha um mínimo de<br />

15 por cento do total dos votos, os dois<br />

grupos mais votados procuram cooptar o<br />

apoio dos que estão em minoria, num diálogo<br />

directo e, às vezes, moroso, até se<br />

encontrar um front-runner em sucessivas votações.<br />

Nos estados onde decorrem eleições primárias,<br />

que são a maioria, os republicanos<br />

adoptam o sistema the winner takes it all,<br />

o que permite ao candidato mais votado<br />

arrebatar todos os delegados em jogo<br />

naquele estado, independentemente da<br />

posição do segundo classificado, mesmo<br />

que este tenha obtido uma percentagem<br />

muito próxima da do vencedor.<br />

No que toca à escolha do seu candidato,<br />

o Partido Republicano revela, uma vez mais,<br />

o seu pragmatismo ao adoptar um processo<br />

extremamente linear para a definição do seu<br />

candidato à Casa Branca. o vencedor terá<br />

apenas de reunir sob o mesmo tecto da sala<br />

do congresso do partido 1191 delegados<br />

dispostos a indicar o seu nome, não exis-<br />

��������<br />

no princípio do ano, bill richardson, hillary Clinton, John edwards e barack obama na corrida às presidenciais. hillary e obama ainda estavam bem-dispostos.<br />

tindo, na nomenclatura republicana, a figura<br />

dos superdelegados.<br />

Entre os democratas, a divisão dos delegados<br />

começa por não corresponder, de<br />

todo, à percentagem total obtida pelos<br />

candidatos e obedece a um sistema extremamente<br />

intrincado de contagem, círculo<br />

eleitoral a círculo eleitoral, numa proporcionalidade<br />

que tem a ver com o número<br />

de inscritos em cada assembleia de voto.<br />

Caso concreto destas eleições, na Califórnia,<br />

hillary Clinton conseguiu 52 por cento<br />

dos votos e ganhou 195 delegados,<br />

enquanto o seu rival, Barack obama, obteve<br />

43 por cento, tendo-lhe sido atribuídos<br />

152 delegados. No estado da Virginia,<br />

onde obama conquistou 64 por cento do<br />

eleitorado, foram-lhe atribuídos 54 delegados<br />

contra 29 para hillary, que ficou<br />

pelos 35 por cento.<br />

A atestar a dificuldade processual está a<br />

discrepância na contagem dos delegados<br />

atribuída a obama e a hillary pelos diversos<br />

meios de comunicação social ameri-<br />

canos. A determinada altura, os números<br />

da CNN não correspondiam aos da MSNBC<br />

e estes diferiam também dos da Associated<br />

Press (AP). os dados fornecidos pela AP<br />

acabariam por revelar-se mais correctos,<br />

dado que os seus repórteres se deram ao<br />

trabalho de acompanhar localmente o<br />

processo, falando com os dirigentes partidários<br />

e, às vezes mesmo, com os próprios<br />

delegados.<br />

Para obter a nomeação, o candidato vencedor<br />

terá de receber o mandato expresso<br />

de uma maioria de 2025 delegados presentes<br />

ao congresso do Partido Democrata.<br />

os delegados eleitos são, no total, 3253.<br />

Mas há ainda os chamados “superdelegados”<br />

que não são eleitos. São figuras de<br />

proa do partido, antigos presidentes,<br />

governadores estaduais, membros do<br />

Congresso dos Estados Unidos. E a esta<br />

lista acrescem os nomes de democratas de<br />

menor notoriedade, que são escolhidos,<br />

supostamente, para garantir a diversidade<br />

étnica e regional e, nalguns casos,<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 19


LUSA / EPA JOSHUA GATES WEISBERG<br />

como retribuição por pequenos-grandes<br />

favores, que é preciso reconhecer.<br />

A existência dos “superdelegados” passa,<br />

em regra, despercebida, mas a importância<br />

destes 796 votos pode muito bem<br />

determinar um vencedor se, perante o<br />

congresso, se apresentarem dois candidatos<br />

sem uma maioria clara. Foi esse o caso<br />

do congresso democrata de 1984, ao preferir<br />

a candidatura do ex-Vice-Presidente<br />

Walter Mondale à de Gary hart.<br />

o senador hart tinha conseguido recriar<br />

junto dos media a mística e o carisma de<br />

um outro senador, igualmente jovem e<br />

ambicioso e que conquistou a Casa Branca.<br />

hart pretendia seguir as pegadas de John<br />

Kennedy, o primeiro e único Presidente<br />

católico americano, tragicamente assassinado<br />

durante o seu mandato. E a nomeação<br />

parecia estar ao alcance de Gary hart: havia<br />

ganho mais primárias e caucuses do que o<br />

20<br />

��������<br />

seu rival democrata,<br />

Walter Mondale,<br />

que obteve um<br />

maior número de<br />

delegados, ainda<br />

que insuficientes<br />

para garantir a<br />

vitória no congresso.<br />

os “superdelegados”<br />

acaba-<br />

‘ A existência dos “superdelegados”<br />

passa, em regra, despercebida,<br />

mas a importância destes 796 votos<br />

pode muito bem determinar<br />

um vencedor<br />

’<br />

ram por pôr a nomeação nas mãos de<br />

Mondale, uma decisão a que não terá sido<br />

alheio o escândalo extramatrimonial em<br />

que Gary hart se viu envolvido, com honras<br />

de fotografias de primeira página, tiradas<br />

no tombadilho de um veleiro iro-<br />

nicamente chamado Monkey Business. Mondale<br />

acabou por concorrer à Casa Branca, propondo<br />

para a sua vice-presidência Geraldine<br />

Ferraro, a primeira mulher a candidatar-se<br />

àquele cargo na história da América. Mas<br />

a candidatura Mondale-Ferraro revelou-se<br />

um autêntico fracasso frente a um carismático<br />

Ronald Reagan, que garantiu a sua<br />

permanência no cargo para um segundo<br />

mandato por uma esmagadora maioria.<br />

Mondale conseguiu apenas ganhar as eleições<br />

no Minnesota, o seu estado natal, e<br />

na capital americana, Washington, um<br />

reduto dos democratas.<br />

* Jornalista em Washington DC<br />

mcCain em campanha na Califórnia: nos estados onde decorrem eleições primárias, que são a maioria,<br />

os republicanos adoptam o sistema the winner takes it all.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


POR António viCente*<br />

��������<br />

A comunidade<br />

luso-americana e a política<br />

A emigração tem uma curiosa relação com o tempo<br />

– os que partem tendem a ‘parar’ o país no momento<br />

em que o deixam, e os que ficam cristalizam a imagem<br />

dos emigrantes no momento da partida; anos<br />

mais tarde, tanto uns como outros surpreendem-se<br />

quando constatam as enormes mudanças ocorridas.<br />

Uma curiosa e pouco conhecida mudança nos<br />

últimos anos tem sido o surgimento de um número<br />

cada vez maior de políticos luso-americanos com<br />

considerável sucesso na vida americana. Alguns são<br />

emigrantes, outros são filhos ou netos de emigrantes<br />

portugueses. Mas todos assumem e projectam<br />

a sua “herança” portuguesa. Ainda menos conhecida<br />

é a influência política da comunidade luso-<br />

-americana em alguns contextos específicos. Estes<br />

dados deviam talvez ser mais discutidos em Portugal<br />

não só pela importância que os Estados Unidos têm<br />

no mundo, mas também porque a comunidade<br />

luso-americana pode assumir um papel cada vez<br />

mais importante nas relações económicas e diplomáticas<br />

entre Portugal e os Estados Unidos.<br />

há quase duas décadas, a FLAD iniciou um programa<br />

específico destinado a conhecer melhor a comunidade<br />

e a apoiar projectos apresentados por<br />

associações luso-americanas. Para além do apoio a<br />

estudos académicos sobre a temática, as prioridades<br />

da <strong>Fundação</strong> têm sido a educação – bolsas universitárias<br />

a jovens luso-descendentes, ensino da língua<br />

portuguesa, apoio a estudos portugueses em universidades<br />

situadas em zonas da emigração portuguesa<br />

– e a promoção da intervenção cívica e eleitoral da<br />

comunidade. Neste último campo, a <strong>Fundação</strong> criou,<br />

em 1998, o Portuguese American Citizenship Project,<br />

um programa que actua em 16 cidades americanas<br />

com forte concentração demográfica portuguesa e<br />

que reúne líderes da comunidade, promove campanhas<br />

de naturalização e de recenseamento eleitoral e<br />

organiza debates políticos com candidatos eleitorais<br />

onde se discutem assuntos relevantes. Um dos aspectos<br />

mais inovadores do projecto foi o desenvolvimento<br />

de uma ferramenta informática que cruza de forma<br />

rápida e eficiente as bases de dados de clubes e associações<br />

luso-americanos com os dados oficiais de<br />

recenseamento e voto. Com esta informação, consegue-se<br />

compreender a força eleitoral do clube e<br />

empreender campanhas personalizadas de apelo ao<br />

voto. Assim, umas semanas antes de uma determinada<br />

eleição, os voluntários do projecto enviam centenas<br />

(por vezes milhares) de cartas personalizadas<br />

relembrando ao destinatário a eleição que se aproxima,<br />

o local onde vota e o respectivo horário. Na carta,<br />

é feito ainda um apelo à importância do voto. Uns<br />

meses mais tarde, consegue-se medir o impacto da<br />

campanha, pois nos Estados Unidos a informação<br />

sobre se uma dada pessoa se absteve ou votou é<br />

pública. Este método tem permitido constatar que,<br />

ao contrário do que se pensava, a comunidade luso-<br />

-americana tende a votar em percentagens superiores<br />

à média da dos locais onde vive. Comprova-se também<br />

que a intervenção do Portuguese American Citizenship<br />

Project permite aumentar de forma visível e consistente<br />

a taxa de participação eleitoral dos luso-americanos.<br />

Esta informação tem sido amplamente<br />

divulgada junto dos luso-americanos e dos políticos<br />

locais, o que tem constituído uma fonte de empowerment<br />

da comunidade.<br />

Mas muito antes do surgimento deste e de outros<br />

projectos semelhantes, vários luso-americanos obtinham<br />

importantes vitórias eleitorais nos Estados<br />

Unidos. Embora a comunidade luso-americana ainda<br />

não tenha gerado um candidato à Casa Branca (ao<br />

contrário da comunidade grega, com Michel Dukakis,<br />

em 1988), nos últimos anos emanaram da mesma<br />

dezenas de congressistas federais (durante a anterior<br />

legislatura havia quatro congressistas luso-americanos<br />

na Câmara de Representantes em Washington DC;<br />

actualmente, são três), representantes e senadores<br />

estaduais, membros do executivo estadual e presidentes<br />

de câmara. Muitos mantêm estreitos laços com<br />

Portugal, todos continuam intimamente ligados<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 21


22<br />

à comunidade luso-americana, até porque muitas<br />

vezes o seu cargo depende do voto desta. Em alguns<br />

momentos (como durante a crise desencadeada pelo<br />

referendo em Timor Leste em 1999), este grupo,<br />

assim como alguns políticos eleitos por zonas de<br />

forte concentração portuguesa, acabam por mostrar<br />

uma maior liderança e sensibilidade em matérias<br />

importantes para a comunidade e para Portugal.<br />

‘ Comprova-se [...] que a intervenção do<br />

portuguese American Citizenship project permite<br />

aumentar de forma visível e consistente a taxa<br />

de participação eleitoral dos luso-americanos.<br />

’<br />

Naturalmente, a força da comunidade luso-americana<br />

revela-se principalmente na política local (a nível<br />

nacional, talvez apenas a hispânica tenha um poder<br />

efectivo). Mas, como referiu o conhecido político<br />

americano, Tip o’Neill, na América “all Politics is<br />

local”. o facto de os representantes federais serem<br />

eleitos por círculos uninominais faz com que alguns<br />

congressistas precisem do voto e do apoio da comunidade<br />

luso-americana, o que em alguns assuntos<br />

específicos permite dar uma dimensão nacional a um<br />

poder local. Quando, por exemplo, a <strong>Fundação</strong> iniciou<br />

um programa de promoção do ensino da língua portuguesa<br />

nos Estados Unidos e precisou do apoio de<br />

uma iniciativa federal, pôde contar com a cooperação<br />

de alguns destes congressistas.<br />

��������<br />

imigrantes portugueses em Fall river.<br />

Como tantos outros grupos de imigração recente,<br />

a comunidade portuguesa nos Estados Unidos tende<br />

a votar mais no campo democrata. Acresce que um<br />

dos principais locais de concentração da comunidade<br />

é precisamente um dos estados mais democratas da<br />

União – Massachusetts (também conhecido entre<br />

alguns republicanos como a “People’s Republic of<br />

Massachusetts”). Embora a maior parte dos políticos<br />

de origem portuguesa pertença ao Partido Democrata,<br />

existem, no entanto, importantes excepções. Do<br />

grupo de quatro congressistas federais luso-americanos<br />

referidos anteriormente, dois eram democratas<br />

e dois republicanos.<br />

Na actual eleição presidencial não se revela possível<br />

nem mesmo particularmente útil apurar com<br />

rigor se a comunidade luso-americana está mais<br />

próxima de obama ou de hillary. Importante, sim,<br />

é constatar a cada vez mais intensa participação<br />

cívica da comunidade luso-americana e os benefícios<br />

que daí advêm para a comunidade. Como<br />

referem os materiais de campanha produzidos pelo<br />

Portuguese American Citizenship Project, na democracia<br />

americana “quem não vota, não conta” e<br />

“sem voto, sem voz”. Um outro poster, desenhado<br />

por um grupo de luso-americanos de Fall River,<br />

acaba por invocar a tal ideia da “paragem” e “avanço”<br />

do tempo, assim como a vida entre dois mundos<br />

e duas culturas – junto à imagem da bandeira<br />

americana e do Uncle Sam lê-se a frase “Vota!<br />

o Voto é a Arma do Povo”.<br />

* Subdirector da FLAD<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008<br />

RUI OCHôA


��������<br />

o voto português<br />

na América<br />

Historicamente, a comunidade luso-americana favorece os candidatos do Partido Democrata.<br />

Estas eleições primárias não constituem excepção.<br />

Nos estados de Rhode Island e de<br />

Massachusetts, para falar da Costa Leste dos<br />

EUA, os votos luso-americanos têm sido<br />

determinantes para a vitória dos democratas,<br />

tanto a nível local como nacional.<br />

o mesmo se passa noutros centros urbanos,<br />

onde é numerosa a presença dos luso-<br />

-descendentes. Refira-se Newark, no<br />

estado de Nova Jérsia, ali às portas de<br />

Manhattan. ou a Manassas, no estado da<br />

Virginia, a cerca de uma hora de distância<br />

da Casa Branca, onde se instalou a mais<br />

recente comunidade emigrante.<br />

Mas é na Costa Leste que está a parte<br />

mais visível da franja de poder partilhada<br />

pelos luso-descendentes. Foi onde Bob<br />

Correia foi recentemente eleito presidente<br />

da Câmara de Fall River, numa corrida que<br />

envolveu outro luso-americano: Alfredo<br />

Alves, antigo vereador daquela edilidade.<br />

Alves é, aliás, uma excepção no que toca<br />

à generalidade das escolhas feitas nestas<br />

presidenciais, já que o seu voto está reservado<br />

para o senador republicano John<br />

McCain, porque “McCain representa estabilidade<br />

e, numa altura de guerra como<br />

POR FiLipe vieirA*<br />

a que vivemos, não podemos estar a brincar<br />

à presidência”. Apesar desta sua argumentação,<br />

Alfredo Alves faz, porém,<br />

questão em sublinhar que a sua intenção<br />

de voto poderá mudar, daqui até<br />

Novembro!<br />

observador atento ao que se passa nos<br />

estados da Nova Inglaterra, é director do<br />

Portuguese Times, uma das mais antigas publicações<br />

em língua portuguesa na América.<br />

Manuel Adelino Ferreira apoia a candidatura<br />

da senadora hillary Clinton e não o<br />

esconde. Disse-o publicamente, num seu<br />

programa de televisão que vai para o ar<br />

todos os sábados à noite no Portuguese<br />

Channel, um canal local dirigido à comunidade.<br />

Adelino Ferreira recordou à <strong>Paralelo</strong><br />

ter “manifestado desde logo a sua simpatia<br />

pela senadora Clinton, dado que a acha a<br />

mais experiente, porque é uma figura de<br />

mais prestígio, capaz de restaurar a imagem<br />

dos EUA, muito abalada pela Administração<br />

Bush, a nível nacional e internacional”.<br />

E é preciso não esquecer a Califórnia,<br />

onde os luso-americanos detêm já uma<br />

apreciável fatia do poder no plano regio-<br />

Alfredo Alves João Luís de medeiros<br />

manuel Adelino Ferreira<br />

nal, incluindo ao nível do Senado estadual,<br />

em Sacramento, a capital.<br />

João Luís de Medeiros, um açoriano que<br />

vive em Rancho Mirage, na Califórnia,<br />

é um indefectível apoiante da campanha<br />

de Barack obama, político que, na sua opinião,<br />

“aparece em cena como uma das mais<br />

credíveis apostas presidenciais do século<br />

XXI, um político que veio de baixo para<br />

cima no panorama nacional, à revelia dos<br />

patrões do aparelho do Partido Democrata”.<br />

Para Medeiros, que, nos anos 70, foi deputado<br />

à Assembleia Regional dos Açores e à<br />

Assembleia da República (PS) “ao contrário<br />

de hillary Clinton, obama não se apresenta<br />

como servo ‘noblesse oblige’ da renovação na<br />

continuidade. o seu carisma tem sido testado<br />

e consolidado pela maciça adesão popular<br />

à sua candidatura”.<br />

John Bento, arquitecto com ateliê na<br />

Califórnia do Sul, preside ao PALCUS, a associação<br />

para a defesa dos interesses da comunidade<br />

portuguesa nos Estados Unidos,<br />

sediada em Washington. Em declarações à<br />

<strong>Paralelo</strong>, Bento não manifestou a sua intenção<br />

de voto, mas admitiu “que John McCain<br />

não terá muitas hipóteses de vencer, porque<br />

qualquer candidato que esteja associado ao<br />

actual Presidente Bush irá ter uma grande<br />

dificuldade em ganhar a Casa Branca”.<br />

Comentou, por outro lado, estar surpreendido<br />

pela forma como o senador Barack<br />

obama conseguiu arrancar de uma situação<br />

de quase total anonimato e assumir a liderança.<br />

“À partida, esperaria que quem quer<br />

que fosse competir com hillary Clinton<br />

acabasse esmagado, o que não aconteceu<br />

com obama”, disse John Bento.<br />

* Jornalista em Washington DC<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 23


POR José CutiLeiro*<br />

24<br />

��������<br />

As eleições<br />

presidenciais americanas<br />

e a União Europeia<br />

Em 1995, numa conversa no State Department com<br />

o subsecretário de Estado Peter Tarnoff, em que discutíamos<br />

problemas de defesa europeia, eu disse a<br />

certa altura:<br />

“A Europa é um lugar complicado...”<br />

“Eu sei”, respondeu Tarnoff. “É por isso que nós<br />

estamos aqui.”<br />

‘ economicamente, não há dois blocos no mundo<br />

com relações mais estreitas do que a união<br />

europeia e os estados unidos.<br />

’<br />

Lembro-me muitas vezes deste esclarecimento.<br />

Embora adoptando e venerando valores europeus,<br />

os Estados Unidos nasceram e cresceram convencidos<br />

de terem deitado para trás das costas as zaragatas<br />

históricas do Velho Continente. o século XX<br />

veio dar emenda realista a essa convicção ingénua:<br />

estão com efeito do outro lado do mar mas, na<br />

Primeira Grande Guerra, na Segunda Grande Guerra<br />

e na Guerra Fria tiveram de passar para este lado<br />

para ajudarem a pôr a Europa – e o resto do mundo –<br />

em ordem. Das duas primeiras vezes com custos<br />

penosos que os cemitérios militares da Flandres e<br />

da Normandia atestam. (Conta-se que quando<br />

De Gaulle, em 1966, retirou a França da estrutura<br />

militar integrada da NATo e a organização se<br />

mudou para a Bélgica, Lyndon Johnson lhe mandou<br />

perguntar se queria que os americanos levassem<br />

também as sepulturas). Quando, em 1995,<br />

Tarnoff marcava a diferença entre a Europa e os<br />

Estados Unidos, fazia-o durante uma conversa sobre<br />

a partilha de encargos da nossa defesa comum.<br />

hoje, num mundo em constante e desordenada<br />

mutação, com as chamadas potências emergentes<br />

a crescerem como bambus, a olhos vistos, europeus<br />

e americanos continuam detentores de património<br />

de valores e interesses, defendido e promovido por<br />

laços militares, comerciais e financeiros e por esforços<br />

na protecção e disseminação dos Direitos do<br />

homem e de decência cívica e política. os laços<br />

transatlânticos são fortíssimos.<br />

Militarmente, a NATo – a mais poderosa aliança<br />

do mundo – aumentou o âmbito da sua acção desde<br />

o colapso da União Soviética: juntou à protecção<br />

que nos dava contra a guerra, aptidão para exportar<br />

paz. Continua não só a assegurar a defesa territorial<br />

dos seus Estados-membros mas também,<br />

de vez em quando com debate interno muito duro,<br />

a ir-lhes proteger interesses materiais ou morais<br />

onde for preciso: Kosovo, Afeganistão, Mediterrâneo,<br />

são as missões em curso. Dada como morta várias<br />

vezes desde o fim da Guerra Fria, por várias vezes<br />

tem vindo a mostrar que está viva e sã.<br />

Economicamente, não há dois blocos no mundo<br />

com relações mais estreitas do que a União Europeia<br />

e os Estados Unidos; na realidade, trocas comerciais<br />

e investimentos cruzados dão ao conjunto dos dois<br />

uma força incomparável e ilustram o benefício da<br />

associação, sobretudo agora que a concorrência<br />

exterior de outros blocos – Japão, China, Índia,<br />

Rússia, Brasil – é mais poderosa e acesa do que<br />

alguma vez foi. Na Europa, espíritos tão isentos<br />

quanto o de Jacques Delors, que recomenda também<br />

maior cooperação transatlântica em defesa e segurança,<br />

dão-se conta disso: Édouard Balladur escreve<br />

sobre as vantagens de uma comunidade atlântica<br />

– e Nicolas Sarkozy aproximou a França dos Estados<br />

Unidos de maneira inédita, pelo menos desde o<br />

regresso de De Gaulle ao poder em 1958.<br />

Por outro lado, nos Estados Unidos há quem<br />

sugira que o país vive um momento palmerstoniano<br />

(Lord Palmerston, estadista inglês do século XIX,<br />

disse que a Inglaterra não tinha amigos nem inimigos<br />

permanentes – tinha interesses permanentes)<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


LUSA / EPA MICHAL CZERWONKA<br />

no qual, por divergência de interesses – por exemplo,<br />

falta de empenho em capacidade militar dos<br />

europeus –, a centralidade da Europa será mais<br />

fraca na política externa norte-americana durante<br />

o(s) mandato(s) do 44.° Presidente americano do<br />

que foi na segunda metade do século XX. Não<br />

tenho a certeza. Se por “centralidade” se entender<br />

a prioridade imposta pela situação geográfica da<br />

Europa durante a Guerra Fria, com certeza que esta<br />

já desapareceu. Se, porém, “centralidade” tiver a<br />

ver com um conjunto de valores e interesses que<br />

aproxima os dois lados do Atlântico mais do que<br />

aproxima qualquer deles de qualquer outro centro<br />

de poder no mundo multipolar que se avizinha,<br />

o laço transatlântico continuará a ser central na<br />

política externa dos Estados Unidos – e a exigir<br />

mais da Europa na partilha dos encargos de defesa<br />

e segurança.<br />

Seja John McCain, Barack obama ou hillary<br />

Clinton o 44.° Presidente dos Estados Unidos, a<br />

sua política externa não poderá afastar-se muito da<br />

de George W. Bush. As sementes de muito do que<br />

Bush fez, incluindo a invasão do Iraque, tinham<br />

sido deitadas por Clinton; outras há mais tempo<br />

ainda e os interesses americanos permanecem. Mas<br />

mudará com certeza a maneira de fazer. Washington<br />

terá um discurso mais racional e compreensivo das<br />

posições de outros, o que trará uma lufada de ar<br />

fresco e ajudará a tentar resolver algumas questões<br />

pendentes. o próximo Presidente americano chegará<br />

com parti pris favorável só por não ser George<br />

W. Bush, que acumulou demasiados erros de política<br />

externa (e de política interna com implicações<br />

��������<br />

externas), sobretudo no decurso do primeiro mandato.<br />

No segundo, o bom senso de vez em quando<br />

veio ao de cima e, do lado de cá do Atlântico, entre<br />

os Estados-membros da União Europeia houve<br />

alternâncias políticas favoráveis a Washington.<br />

Assim, no fim de Janeiro do ano que vem, o<br />

homem ou a mulher<br />

do oval office<br />

estará em condições<br />

de repor as<br />

relações transatlânticas<br />

na calha<br />

de onde George<br />

W. Bush parecia<br />

quase a fazê-las saltar<br />

– que é o que<br />

os europeus também querem. Sem esquecermos,<br />

nem nós nem eles, que eles estão do lado de lá<br />

porque nós somos como somos, acudiremos todos<br />

(outra vez Palmerston...) aos interesses permanentes<br />

que nos unem.<br />

Entretanto, a campanha eleitoral americana tem<br />

mostrado tal intensidade de vida política, tal<br />

riqueza de participação, tal entusiasmo e cogitação<br />

quanto ao futuro do país, tal alegria, que a imagem<br />

dos Estados Unidos na Europa e no mundo começa<br />

a pouco e pouco a sair do buraco negro onde<br />

entrara. E, se se comparar tudo isso com a eleição<br />

que levou Medvedev ao Kremlin, percebe-se, mais<br />

uma vez, a sorte grande que foi a Guerra Fria ter<br />

sido ganha por este lado.<br />

* Embaixador<br />

Dia de votação em Circleville, ohio.<br />

‘ Com as presidenciais, a imagem<br />

dos estados unidos na europa<br />

e no mundo começa a sair<br />

do buraco negro onde entrara.<br />

’<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 25


26<br />

��������<br />

obama combate hillary<br />

com tesouraria virtual<br />

A sua história está a ser escrita a cada ciclo<br />

noticioso, que há muito deixou de ser de<br />

vinte e quatro horas e cuja memória se<br />

transferiu das primeiras páginas dos jornais<br />

e dos telejornais para passar a assumir<br />

a perenidade fugaz dessa ardósia virtual<br />

que é a internet. As campanhas estão cientes<br />

disso mesmo e simulam, assim, a pose<br />

que julgam mais adequada para o combate<br />

eleitoral. os comícios populares são<br />

ainda a arena final, a prova real para o<br />

frente-a-frente entre os candidatos e os<br />

eleitores.<br />

Mas a nova realidade mediática é mais<br />

complexa do que nunca. Esta campanha<br />

começa por fazer história pelo simples<br />

facto de colocar, pela primeira vez, na<br />

corrida à Casa Branca um candidato negro<br />

e uma mulher. De uma assentada,<br />

a América confronta-se com dois desafios<br />

na aceitação social de si própria: Barack<br />

obama, o senador do Illinois, filho de um<br />

queniano e de uma americana branca; e<br />

hillary Clinton, a mais combativa de todas<br />

as ex-primeiras-damas. Ambos conquistaram<br />

facilmente o centro das atenções, que<br />

dividem o país e a unidade do próprio<br />

Partido Democrata. o senador John<br />

McCain, já definido como o candidato do<br />

Partido Republicano, acabou por ser<br />

empurrado para os destaques menores,<br />

esperando o seu dia ao sol.<br />

hillary Clinton começou por ser vista<br />

como a vencedora inevitável da nomeação<br />

democrata. Essa era a dinâmica decorrente<br />

do reconhecimento dado ao seu nome,<br />

reforçada pela influência que Bill Clinton<br />

tem na máquina partidária. habilmente e<br />

desde o início, os Clinton garantiram o<br />

apoio financeiro e o dos principais apoiantes<br />

do Partido Democrata, esgotando, em<br />

primeira análise, o acesso àquelas fontes<br />

por parte de novos candidatos.<br />

Barack obama arrancou para a sua campanha<br />

com conhecimento de que os Clinton<br />

Estas eleições estão a mudar a face política da América.<br />

POR FiLipe vieirA*<br />

consumiram, de facto, todo o “oxigénio<br />

financeiro” à volta de novos concorrentes<br />

e que seria necessário encontrar outros<br />

meios de sustentação. Já em 2004, a campanha<br />

do ex-governador pelo estado de<br />

Vermont, howard Dean, havia demonstrado<br />

a utilidade da internet na angariação de<br />

fundos a partir de pequenos doadores anónimos.<br />

obama agarrou nessa ideia e expandiu-a<br />

para a transformar num instrumento<br />

que utilizasse as tecnologias on-line para<br />

organizar a sua campanha ao nível comunitário.<br />

Na prática, o senador pretendia usar<br />

a internet para fazer uma campanha de<br />

porta-a-porta virtual, em tudo semelhante<br />

às que efectuou enquanto activista comunitário<br />

nos bairros pobres de Chicago, nos<br />

primórdios da sua carreira política. Para isso<br />

contou com o apoio de diversos gurus da<br />

informática, como foi o caso do criador do<br />

famoso site “FaceBook”, um dos mais populares<br />

pontos de encontro de toda a net.<br />

“Barackobama.com” tem sido o portal<br />

usado para gerir toda a sua campanha, um<br />

endereço afectuosamente conhecido entre<br />

os militantes como “MyBo”.<br />

A angariação de fundos tem sido um<br />

êxito absoluto. Só em Fevereiro, obama<br />

angariou 55 milhões de dólares, contra<br />

os 35 milhões que hillary arrecadou utilizando<br />

os métodos tradicionais. Naquele<br />

mesmo mês, no site de obama mais de<br />

385 mil doadores individuais ultrapassou,<br />

pela primeira vez, a marca de um milhão<br />

de dólares em dinheiro canalizado via<br />

internet.<br />

A par da angariação de fundos, a campanha<br />

de obama criou uma enorme e complexa<br />

comunidade on-line que, nalguns estados,<br />

mantém em contacto permanente e instantâneo<br />

mais de 100 mil apoiantes. Isso permite<br />

a mobilização das bases, quarteirão a<br />

quarteirão, bairro a bairro, cidade a cidade,<br />

estado a estado, numa reinterpretação benigna<br />

do poder popular à dimensão continental<br />

da América. Não é, pois, de estranhar<br />

que a sua campanha seja considerada a<br />

melhor em termos de coordenação e administração<br />

durante estas primárias.<br />

Ainda que utilizando a internet, hillary<br />

Clinton recorre com frequência aos media<br />

mais convencionais. E a sua organização,<br />

em geral, tem revelado muitos pontos<br />

fracos no que toca à mera gestão, que se<br />

revelou convulsiva com o despedimento<br />

e substituição da sua principal coordenadora,<br />

para não falar de um episódio verbal<br />

entre os dois principais estrategos trocando<br />

insultos ao telefone numa chuva de “efes”<br />

‘ A par da angariação de fundos, a campanha de obama<br />

criou uma enorme e complexa comunidade on-line que,<br />

nalguns estados, mantém em contacto permanente<br />

e instantâneo mais de 100 mil apoiantes.<br />

’<br />

que serviu para gáudio dos tablóides.<br />

ocorre falar também na decerto não<br />

menos importante súbita falta de fundos,<br />

que obrigou a candidata a fazer um auto-<br />

-empréstimo de cinco milhões de dólares<br />

– até que novo fluxo de dinheiro fosse<br />

injectado pelos doadores –, e pôs a nu<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


��������<br />

barack obama discursa em plainfield, indiana. A sua campanha é considerada a melhor em termos de coordenação e administração.<br />

gastos sumptuários, uns, e aparentemente<br />

desnecessários, outros.<br />

As vitórias de hillary no ohio, no Texas<br />

e em Rhode Island, depois de 12 derrotas<br />

consecutivas frente a obama, serviram de<br />

lenitivo e permitiram-lhe relançar a campanha.<br />

A notável habilidade política dos<br />

Clinton transformou aquela super-terça-<br />

-feira num fulminante contra-ataque que<br />

deixou sem fôlego a campanha de obama,<br />

um obama subitamente abandonado pelos<br />

media, agora seduzidos por esta nova versão<br />

no feminino do comeback kid.<br />

hillary contou, desde o início, com o<br />

apoio das figuras institucionais do Partido<br />

Democrata (incluindo os “superdelegados”)<br />

e, ao contrário de Al Gore, não enjeitou o<br />

apoio expresso do antigo Presidente Bill<br />

Clinton. A presença do seu ex-marido tem<br />

sido, nalguns casos, uma bênção política,<br />

e, noutros, quase uma maldição. os seus<br />

adversários chegaram mesmo a designar a<br />

candidata por “Billary”, numa maldosa simbiose<br />

dos seus nomes. Bill Clinton, que<br />

começou por vender as virtualidades da sua<br />

presidência como razão para votar na<br />

mulher, mudou várias vezes o tom do seu<br />

discurso para se adaptar a ventos e marés,<br />

sem conseguir verdadeiramente achar-se<br />

neste seu novo papel secundário.<br />

À sombra destas primeiras figuras, o candidato<br />

republicano John McCain viu, de<br />

certo modo, diminuído o seu protagonismo<br />

nestas primárias para as presidenciais de<br />

Novembro. E o feito de McCain não foi<br />

coisa pouca. Perante múltiplos candidatos<br />

republicanos com os cofres cheios (caso de<br />

Mitt Romney) e com um inegável carisma<br />

(caso de Mike huckabee), McCain pôs à<br />

prova, uma vez mais, a sua capacidade de<br />

sobrevivência. Prisioneiro de guerra no<br />

Vietname, aquele senador esteve cinco anos<br />

detido na famigerada prisão vietcongue<br />

ironicamente conhecida como “Saigon<br />

hilton”, onde lhe partiram os dois braços,<br />

de tal forma que ainda hoje não os consegue<br />

sequer levantar para se pentear.<br />

Também no que toca a estas eleições,<br />

McCain parece ter renascido das cinzas<br />

quando a sua campanha, antes da votação<br />

de New hampshire, se viu reduzida a 40<br />

mil dólares dos três milhões que o senador<br />

havia pedido emprestados ao seu seguro<br />

de vida, no início da corrida. os fundos<br />

eram tão esparsos, que um dos administradores<br />

da campanha, numa determinada<br />

altura, trocou o voo do candidato de uma<br />

companhia para outra para poder poupar<br />

uns trocados... Já em 2000, McCain havia<br />

adoptado o autocarro como a forma ideal<br />

de fazer campanha, baptizando-o de Straight<br />

Talk, o que se pode traduzir por “sem papas<br />

na língua”. E McCain cultiva essa imagem<br />

de linguagem directa com o eleitorado e,<br />

sobretudo, com os jornalistas que com ele<br />

viajam no autocarro o dia inteiro, com<br />

acesso permanente ao candidato. McCain,<br />

que sobreviveu a uma das mais mortíferas<br />

formas de cancro da pele (melanoma), tem<br />

uma personalidade a um tempo jovial e<br />

abrasiva e a sua relação aberta com os<br />

repórteres já lhe valeu ser considerado um<br />

media darling, o que terá decididamente<br />

mudado com o surgimento de uma outra<br />

estrela no firmamento político: Barack<br />

obama.<br />

* Jornalista em Washington DC<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 27<br />

LUSA / EPA STEVE C. MITCHELL


POR miChAeL Werz*<br />

28<br />

��������<br />

“Viva La Raza!”<br />

Como as eleições hispanizam a América<br />

É um dado adquirido que nas eleições se decide<br />

uma orientação para o futuro de uma sociedade.<br />

Mas nos EUA iniciou-se, em vez disso, e para espanto<br />

de muitos americanos, uma intensa discussão sobre<br />

a actualidade. Pela primeira vez na história americana<br />

as eleições não vão ser disputadas entre dois<br />

homens brancos. E o mais interessante é que as tradições<br />

dos fluxos migratórios e as alterações nas<br />

relações raciais se tornaram o centro do concurso<br />

das decisões políticas, sendo o peso dos latino-<br />

-americanos decisivo na corrida à Presidência.<br />

Foi isto mesmo que John Kerry provou quando<br />

há poucas semanas, após uma viagem ao Afeganistão,<br />

em vez de regressar a Washington, voou directamente<br />

para Del Rio, Texas, para apoiar Barack<br />

obama nestas eleições. Del Rio, o limite sul dos<br />

EUA, é o verdadeiro<br />

Sul. o número de<br />

habitantes ronda os<br />

36 mil, dos quais<br />

mais de 80 por cento<br />

são hispânicos e 17<br />

por cento são brancos.<br />

Em poucos minutos<br />

chega-se a pé ao<br />

rio Bravo. Na outra<br />

margem, situa-se a<br />

cidade-irmã mexicana,<br />

a Ciudad Acuña.<br />

Não admira, por isso,<br />

que John Kerry, já no palco, perguntasse, num tom<br />

meio irónico, onde é que se encontrava. o Sul do<br />

Texas dista tanto de Boston como Copenhaga de<br />

Faro e, ainda assim, esta região fronteiriça encontra-se<br />

no centro político dos EUA.<br />

A disputa das eleições primárias que este ano se<br />

realizam cedo tem sido bastante renhida e, pela<br />

primeira vez, as minorias de origem hispânica têm<br />

uma grande influência na nomeação. Dois terços<br />

dos hispânicos vivem no Texas, na Florida e na<br />

Califórnia, estados que nos anos 80 não tinham<br />

nenhuma relevância política porque as eleições<br />

primárias só começavam quando a corrida às urnas<br />

já estava decidida. Por isso, este ano os candidatos<br />

democratas precisaram de encontrar novas ideias,<br />

de forma a conquistarem a participação do eleitorado<br />

daquela que é a primeira minoria do país,<br />

com mais de 40 milhões de membros.<br />

No entanto, há que salientar que entre a Califórnia<br />

e o Texas, dois estados com mais de 40 por cento<br />

de população hispânica, existem enormes diferenças.<br />

Basta recuar à fundação do estado do Texas, em<br />

Dezembro de 1845, quando a região ainda pertencia<br />

ao México, para relembrar a história da ocupação<br />

dos hispânicos. A expressão “não fomos nós<br />

que atravessámos as fronteiras, foram elas que nos<br />

atravessaram a nós”, não é de maneira nenhuma<br />

uma mera piada política. No Texas, os hispânicos<br />

vêem-se a si próprios no centro e não à margem<br />

da sociedade. Na Califórnia, pelo contrário, existem<br />

‘ As minorias de origem hispânica<br />

têm uma grande influência na nomeação.<br />

Dois terços dos hispânicos vivem no texas,<br />

na Florida e na Califórnia.<br />

’<br />

muitos imigrantes de primeira e segunda geração<br />

provenientes do México.<br />

Barack obama utilizou, por isso, estratégias completamente<br />

diferentes para se dirigir a estes dois<br />

grupos distintos. Na Califórnia, nos preparativos<br />

das eleições primárias a 5 de Fevereiro, lembrou o<br />

seu pai queniano, e num comício realizado na parte<br />

oriental de Los Angeles afirmou: “o meu pai não<br />

aparentava ter vindo [da Europa] no Mayflower para<br />

a América.” Este discurso sobre a viagem é muito<br />

útil no Sul californiano mas não no Texas, onde<br />

mais de metade dos hispânicos se vêem como ‘brancos’<br />

e olham para obama percepcionando-o provavelmente<br />

mais negro do que ele é.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


‘ A melodia e o ritmo<br />

da campanha eleitoral<br />

de hillary Clinton<br />

são claramente<br />

hispanizados.<br />

’<br />

Para além disso, no Sul, o nome Clinton,<br />

principalmente para os hispânicos mais velhos,<br />

é sinónimo de Partido Democrata, o que está<br />

directamente ligado às lutas pelos direitos civis.<br />

Isto é relevante no Texas, porque até aos anos 60<br />

do século passado a discriminação contra os hispânicos<br />

era muito forte. Como minoria estabelecida,<br />

em pleno gozo de todos os direitos civis, os<br />

hispânicos do Texas denunciaram, no âmbito da<br />

sua própria luta, as más experiências vividas noutras<br />

partes do país. No entanto, devido ao facto de<br />

os cargos políticos do Texas reservados para a minoria<br />

não branca estarem ocupados por afro-americanos,<br />

desenvolveu-se uma concorrência pelo status<br />

de minoria par excellence. Isto levou a que os hispânicos<br />

se vissem muitas vezes forçados a defender<br />

os seus interesses através de alianças com políticos<br />

e activistas brancos progressistas.<br />

As eleições primárias no Texas transformaram esta<br />

constelação (comunidade) num tema de discussão<br />

em toda a América. A discussão pública sobre hispânicos<br />

texanos, cuja experiência política foi negra<br />

apesar da representação política ser branca, tornou-<br />

-se tema permanente de um debate mais alargado<br />

sobre o status quo da cultura e da política. Este<br />

debate, iniciado no outono passado, incendiou-se<br />

e intensificou-se devido às eleições, levando a que<br />

muitos milhões de americanos nele participassem.<br />

Debate que diz respeito a todos, tanto a minorias<br />

como a maiorias. É cada vez mais difícil ignorar<br />

que esta época tão marcada pelos movimentos dos<br />

direitos civis, pelo debate sobre o racismo e as<br />

demonstrações de afirmação, esteja a chegar ao seu<br />

��������<br />

fim, sem negligenciar os problemas existentes. As<br />

eleições e as suas alianças de 2008 mostram que<br />

não só uma parte da classe média instruída se vê<br />

como uma fracção de uma sociedade em que a<br />

colour line já não é uma linha divisória inflexível.<br />

Isto é visível nos apoios de ambos os candidatos<br />

democratas, uma vez que estes não recolhem simpatia<br />

apenas pela cor da pele mas também pela<br />

formação do eleitorado. Eleitores que acabaram o<br />

ensino secundário, com posses e consciência pós-<br />

-étnica, sentem-se fortemente identificados com o<br />

discurso de Barack obama e a retórica da “mudança”<br />

e de um mundo melhor. Para os trabalhadores<br />

migrantes provenientes da América Latina e de<br />

outras regiões, com um nível de formação abaixo<br />

da média, hillary Clinton orientou o seu discurso<br />

para os temas do “pão e da manteiga”, de modo<br />

a garantir os cerca de dois terços dos votos da<br />

Califórnia. Também no Texas os hispânicos contribuíram<br />

para aquele que poderá vir a ser o mais<br />

importante sucesso da sua carreira. Foi lá que muitos<br />

deles viram em hillary Clinton uma personagem<br />

política mais familiar do que Barack obama, o filho<br />

de imigrantes radicado no havai e formado em<br />

harvard. No entanto, conseguiu ganhar a simpatia<br />

dos hispânicos mais jovens que relacionam o nome<br />

Clinton com a velha mentalidade americana – o<br />

clássico conflito geracional no seio de uma minoria<br />

que se diferencia rapidamente.<br />

As eleições lançam para a ribalta um dos momentos<br />

históricos ainda em aberto nos EUA; um momento<br />

sobre o qual os candidatos têm visões políticas diferentes,<br />

seja qual for a cor de pele. A melodia e o ritmo<br />

da campanha eleitoral de hillary Clinton<br />

são claramente hispanizados, enquanto Barack obama<br />

projecta a imagem do visionário intelectual. No<br />

entanto, ambos sabem que, pelo menos por agora, o<br />

futuro dos EUA depende do Sudoeste do país.<br />

* Transatlantic Fellow do German Marshall Fund e Visiting Scholar<br />

na Universidade de Georgetown, em Washington DC<br />

http://www.gmfus.org/experts/espert.cfm?id=48<br />

Traduzido do alemão por Luís Nunes<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 29


30<br />

��������<br />

hillary e as mulheres<br />

Nos estados que já votaram até agora o grupo estatístico das mulheres entre<br />

os 40 e os 50 anos tem-se revelado o principal bloco de apoio de Hillary Clinton.<br />

Carol e Susie, duas mulheres de meia-<br />

-idade de Austin, no Texas, admitem que<br />

estavam decididas a apoiar o senador democrata<br />

do Illinois Barack obama nas eleições<br />

primárias do seu estado – só que na hora<br />

da verdade, quando entraram no cubículo<br />

reservado aos eleitores e se confrontaram<br />

com o ecrã da máquina de voto, o dedo<br />

fugiu-lhes para o quadrado que assinalava<br />

a candidatura de hillary Clinton.<br />

“Ela é uma excelente candidata, mas,<br />

mais importante do que isso, é uma<br />

mulher. Naquele momento apercebi-me<br />

que não podia cometer essa traição e votar<br />

num homem”, justificou-se Susie, que<br />

reúne todas as características que as estatísticas<br />

apontam como comuns aos mais<br />

fiéis apoiantes da senadora de Nova Iorque<br />

e antiga primeira-dama: mulher, branca,<br />

47 anos, casada, habitante dos subúrbios,<br />

com qualificações mas sem terminar um<br />

curso superior.<br />

“Li um artigo com uma estatística que<br />

dizia que 11 por cento dos americanos<br />

nunca votariam numa mulher, contra seis<br />

por cento que nunca votariam num negro.<br />

E senti-me insultada”, lamentou Susie,<br />

explicando que foi esse facto que a fez<br />

mudar de ideias e votar em hillary. “Afinal,<br />

neste país a misoginia é muito pior do que<br />

o racismo”, considerou.<br />

Nos estados que já votaram até agora o<br />

grupo estatístico das mulheres entre os<br />

40 e os 50 anos tem-se revelado o principal<br />

bloco de apoio de hillary Clinton.<br />

Não admira, por isso, que a sua candidatura<br />

continue a investir fortemente na<br />

realização de eventos direccionados para<br />

o público feminino.<br />

Nessas ocasiões, como destaca a imprensa<br />

norte-americana, o discurso da candidata<br />

concentra-se em torno de assuntos como a<br />

saúde, a educação, a criação de empregos<br />

ou mesmo a religião – temas alegadamente<br />

mais ‘queridos’ pelo eleitorado feminino.<br />

POR ritA sizA*<br />

Mas a verdade é que as mulheres têm<br />

uma reacção mais emocional à candidatura<br />

de hillary Clinton: adoram-na ou<br />

odeiam-na muito mais convictamente (e<br />

talvez mais irracionalmente).<br />

Para umas, hillary é a representante<br />

máxima da geração baby-boomer: uma<br />

mulher que lutou pela igualdade de<br />

oportunidades, afirmou a sua competência<br />

e ganhou a admiração dos seus<br />

pares. Mas para outras, não passa de uma<br />

política ambiciosa e calculista, capaz de<br />

fazer qualquer sacrifício para vencer –<br />

um comportamento rejeitado como a<br />

repetição de uma fórmula de sucesso<br />

machista.<br />

Aliás, bastou a apresentação da sua candidatura<br />

para se relançar o debate sobre<br />

o actual movimento feminista na América.<br />

o que pretendem agora as mulheres:<br />

liderar ou derrubar o status quo? Qual<br />

Apoiantes femininas de hillary no ohio.<br />

deverá ser a sua estratégia: juntar-se ao<br />

clube ou incendiar as suas instalações?<br />

É um debate para já estéril – pelo menos<br />

no que diz respeito ao futuro da campanha<br />

eleitoral.<br />

À Carol essa discussão não interessa. “há<br />

décadas que esta mulher se sujeita ao mais<br />

apertado escrutínio do mundo. olho para<br />

ela e penso: não há hipótese de ela poder<br />

ser encarada como uma pessoa normal,<br />

porque não há nada de normal na sua<br />

vida”, assinala. A simpatia que sente por<br />

hillary é antes de mais uma questão de<br />

solidariedade. “Basta pensar em tudo por<br />

que ela passou por causa do ‘affaire’ do<br />

marido, tudo o que ela aguentou para<br />

chegar a este momento. Agora, às vezes,<br />

pergunto-me se, caso perca a eleição, ela<br />

se vai finalmente divorciar…”<br />

* Correspondente do jornal Público nos EUA<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008<br />

LUSA / EPA MICHAL CZERWONKA


poLÍtiCA<br />

A turquia é uma mistura<br />

da ue a 27<br />

As relações entre a Turquia, a União<br />

Europeia (UE) e os Estados Unidos da<br />

América (EUA) não enfrentam novas<br />

dificuldades pois nunca existiu uma<br />

situação consideravelmente melhor. Esta<br />

foi uma das várias opiniões partilhadas<br />

numa discussão cujo mote foi dado<br />

pelo lançamento do livro Beyond Suspicion:<br />

Rethinking US Turkish Relations, de Ian Lesser,<br />

especialista em relações internacionais<br />

do German Marshall Fund, e que contou,<br />

ainda, com a presença de omer Kaya<br />

Turkmen, embaixador da República da<br />

Turquia, Armando Marques Guedes,<br />

presidente do Instituto Diplomático do<br />

Ministério dos Negócios Estrangeiros,<br />

Ahmet Evin, director do Istambul Policy<br />

Center, e Charles Buchanan, administrador<br />

da FLAD.<br />

Kaya Turkmen defendeu que a Turquia e<br />

os EUA são “aliados, embora, em alguns<br />

aspectos, pensem de forma distinta”,<br />

considerando um “exagero” julgar que<br />

se assiste a uma crise relacional pois,<br />

como admitiu, “nunca se viveu uma<br />

situação melhor”. “o lugar da Turquia<br />

é no ocidente” – disse o embaixador,<br />

acrescentando que acredita na rápida<br />

adesão do seu país à UE, apesar da longa<br />

espera de já cinquenta anos.<br />

POR FiLipA brAzonA<br />

Por sua vez, Marques Guedes, recorrendo<br />

à obra de Ian Lesser, apresentou uma<br />

perspectiva histórica das relações entre os<br />

três actores. À semelhança do primeiro<br />

orador, assegurou “firmemente” que “o<br />

lugar da Turquia é com o ocidente”.<br />

Apesar desta convicção, acrescentou que<br />

“seria desastroso se a Turquia aderisse à<br />

UE”, mas que seria um desastre “ainda<br />

maior se tal não viesse a acontecer”.<br />

Ahmet Evin acredita ser imperioso<br />

estabelecer uma data limite para a adesão<br />

da Turquia à UE, admitindo que o grande<br />

obstáculo no processo de adesão da<br />

Turquia à UE prende-se com a difícil<br />

definição da Turquia enquanto país: “A<br />

Turquia é uma mistura da UE a 27.”<br />

É essa amálgama de valores que confunde<br />

o mundo e que a impede de ser totalmente<br />

parte do ocidente ou do oriente.<br />

o título do livro – Beyond Suspicion:<br />

Rethinking US Turkish Relations – foi escolhido<br />

pelo autor para sublinhar a ideia de<br />

suspeição mútua. A Turquia mantém hoje<br />

relações com o Irão e o Iraque, situação<br />

que a Administração Bush não encara<br />

de forma pacífica, olhando estes países,<br />

muitas vezes, como um todo, “um bloco<br />

de problemas e não países diferenciados”,<br />

disse Lesser.<br />

ACIMA DE QUALQUER<br />

SUSPEITA...<br />

À margem do encontro, ian Lesser<br />

respondeu a algumas questões.<br />

O estreitar de relações com a UE dá à Turquia<br />

a possibilidade de melhores relações com os<br />

EUA?<br />

Tal dependerá do estado das relações<br />

transatlânticas. Se estas forem positivas,<br />

poderá ser uma ajuda ter uma base formal<br />

para uma relação triangular forte entre a<br />

Turquia, a Europa e os EUA. Por outro lado,<br />

simplificará as coisas para a Turquia porque<br />

o país não vai querer estar na posição de ter<br />

de escolher entre uma orientação pró-América<br />

e uma pró-Europa.<br />

Alienar ou isolar a Turquia, é uma possibilidade?<br />

Qual seria o pior cenário?<br />

O colapso do projecto europeu da Turquia seria<br />

o pior que poderia acontecer, porque os turcos<br />

iriam tornar-se mais nacionalistas e isolados.<br />

Também não é positivo que as relações entre<br />

os EUA e a UE continuem a deteriorar-se devido<br />

a questões como o Iraque. Poderíamos chegar<br />

a um triângulo de alienação… com os EUA a<br />

perderem os seus aliados, a Turquia a isolar-<br />

-se e a UE com dificuldade em relacionar-se<br />

com os seus parceiros. Há um sério risco de<br />

nacionalismo… mas esse é o pior cenário e não<br />

creio que venha a suceder.<br />

Que tipo de iniciativas deveriam ser levadas a<br />

cabo para enfatizar a relação transatlântica?<br />

Algumas dessas iniciativas terão mesmo de<br />

esperar por um novo governo norte-americano.<br />

As opiniões na Turquia e na Europa são, hoje,<br />

muito negativas e é difícil contrariar essa<br />

posição. Só com uma nova Administração<br />

haverá oportunidade para um tipo diferente<br />

de relação. Teremos de esperar para ver. Em<br />

qualquer caso, penso que é essencial ter caras<br />

novas com outras ideias para se pensar a sério<br />

nestas parcerias.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 31


32<br />

poLÍtiCA<br />

Quando a nAto mora ao lado<br />

rede de bases militares norte-americanas<br />

discutida em Lisboa<br />

No Instituto de Estudos Superiores Militares debateu-se<br />

"O impacto político e social das bases militares da NATO".<br />

Mas uma questão ficou no ar: com uma Europa cada vez mais forte<br />

como serão as relações transatlânticas?<br />

A convite do Instituto Português de Relações<br />

Internacionais (IPRI), especialistas oriundos<br />

de vários pontos do globo participaram<br />

num workshop de “Pesquisa Avançada” (ver<br />

caixa) promovido pela NATo em Lisboa.<br />

Durante três dias foi analisado o impacto<br />

da instalação de bases militares norte-americanas<br />

nos vários continentes.<br />

POR mArCo siLvA<br />

Embora a NATo estivesse em causa,<br />

a referência à União Europeia (UE) foi<br />

transversal a todas as comunicações,<br />

numa altura em que os líderes europeus<br />

estavam reunidos em Lisboa. Foi evocada<br />

a situação de uma Europa cada vez mais<br />

forte e discutidas as repercussões dessa<br />

evolução na estratégia transatlântica.<br />

soldados aguardam junto do AWACs da nAto (Warning and Control system/sistema Aéreo de Alerta<br />

e Controle) equipado com radares para defesa e táctica militares.<br />

LUSA<br />

o DesAFio europeu<br />

Com uma Europa a Vinte e Sete, novos<br />

são os desafios que se colocam às relações<br />

internacionais, sobretudo no que respeita<br />

às estratégias de defesa e de segurança<br />

comuns – uma ideia consensual entre os<br />

oradores.<br />

Para Simon Duke, do European Institute<br />

of Public Administration em Maastricht,<br />

“Sendo a Europa um actor cada vez mais<br />

activo ao nível da política externa, ela terá<br />

de definir o seu próprio papel global em<br />

conjunto com os EUA e vice-versa […] a<br />

Europa vai querer ser encarada não como<br />

um parceiro inferior, mas antes de igual<br />

para igual”.<br />

Apesar das dificuldades em encontrar<br />

consensos políticos entre a Europa e<br />

os EUA, os oradores reconheceram que<br />

existem condições para o desenvolvimento<br />

das relações transatlânticas, ainda que esse<br />

seja um desafio entregue em parte ao<br />

futuro Presidente norte-americano.<br />

Entre os convidados encontrava-se o<br />

antigo embaixador da Roménia, Sebastian<br />

Mitrache. Actualmente ao serviço do<br />

Ministério dos Negócios Estrangeiros<br />

romeno (Departamento da NATo), falou<br />

sobre a política externa romena na última<br />

década. Tendo entrado para a UE há um<br />

ano atrás, a Roménia não virou contudo<br />

as costas à NATo: “Apoiamos tanto a<br />

NATo como a UE e acreditamos que<br />

ambas as estruturas deveriam cooperar<br />

no futuro.”<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


MARCO SILVA<br />

Na Cimeira de Bucareste, que decorreu<br />

em Abril, esta cooperação foi posta à prova;<br />

da agenda fazem parte a participação<br />

militar da NATo no Afeganistão e a<br />

parceria com a Ucrânia.<br />

A herAnçA DA GuerrA FriA<br />

os oradores originários de países de<br />

Leste não deixaram de fazer referência<br />

à Rússia e aos efeitos da sua política<br />

externa na definição da estratégia da<br />

NATo e da UE.<br />

poLÍtiCA<br />

Numa altura em que a NATo se encontra<br />

a desenvolver fortes laços com os países<br />

da Europa de Leste, Volodymiyr Dubovyk,<br />

da Universidade de odessa, na Ucrânia,<br />

afirmou contudo que “a expansão<br />

da NATo não se pode traduzir numa<br />

militância contra a Rússia pois, nesse<br />

caso, verificar-se-á uma aproximação<br />

deste país aos tempos da Guerra Fria”.<br />

Da mesma opinião é Gevorg Melikyan, da<br />

organização não governamental arménia<br />

“Solidariedade dos Estudantes”, que<br />

afirma ser necessário “aliviar algumas das<br />

Luís nuno rodrigues, co-director do encontro, com o antigo embaixador da roménia,<br />

sebastian mitrache, e Carlos Gaspar, presidente do ipri.<br />

no final dos três dias do workshop, a <strong>Paralelo</strong><br />

entrevistou Luís nuno rodrigues, membro do<br />

ipri e co-director do encontro.<br />

paralelo [p] Agora que o workshop chegou<br />

ao fim, que balanço faz da iniciativa?<br />

Luís nuno rodrigues [Lnr] Faço um balanço<br />

altamente optimista e favorável. Acho que<br />

se deram vários passos significativos em<br />

prol de um conhecimento mais profundo<br />

desta problemática (a existência de bases<br />

militares da NATO espalhadas pelo globo).<br />

“Aqui produziu-se conhecimento”<br />

Durante três dias, aqui produziu-se conhecimento.<br />

[p] num mundo com novos centros de poder,<br />

ainda há espaço para a nAto?<br />

[Lnr] Penso que sim. Independentemente das<br />

alterações que se venham a verificar na sua<br />

rede de bases militares, a NATO continuará<br />

a ter um papel fundamental (senão mesmo<br />

decisivo) na manutenção da segurança e da<br />

defesa da Europa, dos próprios países que<br />

fazem parte da organização. Para além disso,<br />

a NATO tem procurado dar resposta a um<br />

posições da NATo em relação à Rússia”.<br />

Volodymiyr Dubovyk revelou-se ainda<br />

preocupado com o rumo político que<br />

o Kremlin está a tomar, sobretudo no<br />

domínio da política externa: “A Rússia<br />

está a mover-se na direcção errada,<br />

no que diz respeito, por exemplo,<br />

à consolidação de práticas autoritárias.”<br />

Por isso, considera que “Workshops deste<br />

tipo são essenciais para chamar a atenção<br />

para os problemas em territórios como a<br />

Crimeia, a Tchechénia, a Transnístria ou<br />

a Geórgia”.<br />

O que são os<br />

Workshops de<br />

Pesquisa Avançada<br />

(WPA)?<br />

Os WPA são encontros de académicos e<br />

especialistas, promovidos pela NATO. Têm<br />

como objectivo a construção de um diálogo<br />

transatlântico em diversos domínios do<br />

conhecimento, desde o ambiente às Forças<br />

Armadas. Proporcionam aos participantes a<br />

hipótese de partilharem conhecimentos de<br />

uma maneira informal. Estes workshops não<br />

são abertos ao público, fazendo-se a entrada<br />

mediante convite. Geralmente, têm a duração<br />

média de quatro dias e são financiados na<br />

íntegra pelo Programa Científico da NATO<br />

para a Paz e para a Segurança. Para mais<br />

informações, consultar: http://www.nato.<br />

int/science/<br />

conjunto de outras questões fora da área<br />

geográfica tradicional da sua acção. Por tudo<br />

isto, acredito que temos um papel crucial a<br />

desempenhar no futuro.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 33


34<br />

soCieDADe<br />

Alunos de harvard<br />

estudam arquitectura lisboeta<br />

“Re-inventar” Lisboa como Capital Europeia do Atlântico foi o tema da sessão<br />

organizada pelo Lisbon Design Studio, iniciativa dos arquitectos Bernardo Vaz Pinto<br />

e Levi Dacosta Maia. O objectivo era transmitir aos 12 estudantes de Harvard<br />

presentes no auditório da FLAD uma visão global da história da cidade de Lisboa,<br />

das suas condições urbanísticas, sociais e económicas.<br />

Esta delegação norte-americana, dirigida<br />

pelo professor Rodolfo Machado, deslocou-<br />

-se a Portugal integrada num mestrado do<br />

Departamento de Urbanismo da Graduate<br />

School of Design.<br />

o projecto, desenvolvido pelos dois<br />

arquitectos formados igualmente em<br />

harvard, conta com o apoio da FLAD e<br />

visa promover a cidade de Lisboa num<br />

âmbito internacional. A visita de uma<br />

semana dos estudantes a Lisboa constitui,<br />

por isso, um dos principais momentos<br />

deste curso. Têm assim a possibilidade de<br />

contactar com a realidade lisboeta, observando<br />

directamente o objecto do seu trabalho.<br />

As propostas académicas que<br />

resultarem desta formação podem constituir,<br />

no futuro, soluções urbanísticas para<br />

a capital portuguesa.<br />

Mário Mesquita, administrador da FLAD,<br />

deu as boas-vindas aos estudantes de<br />

harvard e a Rodolfo Machado, abrindo a<br />

sessão com um incentivo: “o sucesso do<br />

vosso trabalho contribuirá para o sucesso<br />

de Lisboa.” Defendeu a ideia de que Lisboa<br />

é um “desafio” e uma “mais-valia” para<br />

quem a procura estudar e enquadrou a<br />

iniciativa na estratégia da <strong>Fundação</strong>, falando<br />

na vontade em “fomentar um olhar<br />

crítico, distanciado, mas informado, sobre<br />

as questões centrais do desenvolvimento<br />

da cidade”.<br />

o colóquio prosseguiu com uma breve<br />

apresentação do projecto, a cargo do<br />

arquitecto Bernardo Vaz Pinto. o responsável<br />

pelo Lisbon Design Studio deu a<br />

conhecer à audiência a área da cidade<br />

sobre a qual o estudo destes estudantes<br />

incide, numa extensão que vai de Santa<br />

Apolónia à Ponte 25 de Abril. Numa alu-<br />

RUI OCHôA<br />

POR rui CAtALão<br />

vista aérea de Lisboa.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


FáBIO SILVA<br />

são ao título deste exercício, Bernardo Vaz<br />

Pinto reconheceu a ambição de elevar a<br />

cidade de Lisboa a Capital Europeia do<br />

Atlântico, uma “visão optimista do desenvolvimento<br />

da cidade”.<br />

Por outro lado, não poupou elogios ao<br />

professor Rodolfo Machado, de quem foi<br />

aluno, afirmando que “Lisboa só tem<br />

a ganhar com a sua experiência”. Sob a<br />

orientação do “mestre”, acredita que os<br />

estudantes de harvard “têm todas as capacidades<br />

para perceber e analisar os problemas<br />

actuais da cidade, propondo soluções<br />

interessantes para o futuro”.<br />

o grupo de alunos assistia com um<br />

misto de interesse, atenção e descontracção<br />

às palavras dos oradores. À primeira<br />

soCieDADe<br />

“Lisboa é um local único”<br />

eugenio simoneti, 28 anos, do Chile, e Ya Gao,<br />

23, chinesa, alunos de harvard e participantes<br />

do projecto partilharam as suas opiniões sobre<br />

Lisboa...<br />

paralelo [p] Agora que já tiveram o primeiro<br />

contacto com a cidade, o que mais vos cativou<br />

em Lisboa?<br />

eugenio simoneti [es] A história, a forte<br />

identidade da cidade e do país e as<br />

potencialidades de Lisboa enquanto imagem<br />

de marca.<br />

Ya Gao [YG] Surpreendeu-me pela interessante<br />

localização e pela grande ligação com o<br />

oceano.<br />

[p] tendo em conta o que tiveram a<br />

oportunidade de ouvir e de conhecer, qual é<br />

o maior desafio deste projecto?<br />

[YG] Lisboa é um local único. Só por isso já<br />

é um desafio.<br />

[es] Reinventar a cidade sem perder a identidade.<br />

Acho que essa é a tarefa mais árdua.<br />

Depois de Lisboa, o que esperam do<br />

futuro?<br />

[es] Ir para a Índia trabalhar como arquitecto,<br />

pois é um país que precisa muito de gente<br />

da nossa área.<br />

[YG] Primeiro quero trabalhar em Portugal.<br />

Depois espero voltar aos Estados Unidos e<br />

mais tarde à China.<br />

vista, sobressaía a pluralidade de nacionalidades:<br />

dois chineses, dois taiwaneses,<br />

cinco norte-americanos, um libanês, um<br />

porto-riquenho e um chileno. Conhecendo<br />

um pouco mais estes alunos, tornava-se<br />

fácil constatar que a pluralidade se estende<br />

igualmente à profissão. Uns provêm da<br />

área da arquitectura, outros do design<br />

urbanístico, outros ainda do planeamento<br />

urbano.<br />

o olissipógrafo José Sarmento de Matos<br />

propôs olhar para Lisboa numa perspectiva<br />

mais histórica, alertando para a necessidade<br />

de “entender o desenvolvimento e<br />

crescimento da cidade”. Este especialista<br />

em história da capital portuguesa traçoulhe<br />

o perfil desde a tomada do castelo aos<br />

mouros até à reconstrução após o terramoto<br />

de 1755. Aos estudantes, procurou<br />

transmitir a noção de que “todos os projectos<br />

têm de ser muito bem pensados,<br />

tendo em conta a carga histórica” que<br />

Lisboa encerra, bem como a importância<br />

da relação entre a cidade e o rio.<br />

Aproveitando a deixa de José Sarmento<br />

de Matos, Ana Tostões – também ela especialista<br />

em história da cidade – partiu da<br />

explicação do plano de reconstrução<br />

da Baixa para dar o seu contributo. Mostrou<br />

inúmeras imagens e falou de monumentos<br />

e outras construções, desde o Elevador de<br />

Santa Justa ao Parque Florestal de Monsanto,<br />

da Avenida da Liberdade à Ponte 25 de<br />

Abril.<br />

Após um pequeno coffee-break e dois dedos<br />

de conversa, o advogado José Miguel<br />

Júdice e o gestor Rolando Borges Martins<br />

assumiram o papel de oradores. o primeiro<br />

intitulou-se um “cidadão de Coimbra com<br />

ideias sobre Lisboa”, reforçando o argumento<br />

de que é preciso “voltar a juntar<br />

Lisboa e o rio”. Para José Miguel Júdice,<br />

a frente ribeirinha é como o “jardim” de<br />

Lisboa, pelo que “não se deve construir<br />

em cima dos jardins”. Nesse sentido, vê<br />

com bons olhos o trabalho dos 12 estudantes<br />

de harvard, de quem espera resultados<br />

que tenham uma aplicação<br />

efectiva.<br />

A última exposição da tarde coube ao<br />

responsável máximo pela Parque Expo,<br />

entidade criada pelo Governo para a<br />

requalificação da zona do Parque das<br />

Nações, iniciada logo após o encerramento<br />

da Expo’98. Rolando Borges Martins<br />

procurou explicar aos presentes a estratégia<br />

urbanística e ambiental que esteve<br />

na base da intervenção na zona do Parque<br />

das Nações. Partindo deste exemplo, apresentou<br />

os novos projectos para a cidade<br />

de Lisboa, divididos em três frentes distintas:<br />

a Grande Lisboa, mais concretamente<br />

a frente ribeirinha da Baixa<br />

pombalina; a zona oeste, nos eixos Ajuda-<br />

-Belém e Pedrouços-Dafundo; e a zona<br />

este, com a consolidação do investimento<br />

no Parque das Nações. Tal como Rolando<br />

Borges Martins assegurou, todas estas<br />

intervenções têm como vector fundamental<br />

a “multifuncionalidade”, isto é, a articulação<br />

de áreas distintas como os<br />

espaços verdes, as zonas residenciais e<br />

os centros de negócios.<br />

Todos os oradores estiveram de acordo<br />

quanto à necessidade de apostar na cidade<br />

de Lisboa enquanto imagem de marca. Já<br />

os estudantes saíram da sessão com a certeza<br />

de que se deparam com um desafio<br />

complexo, mas que lhes permitirá desenvolver<br />

as suas competências.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 35


36<br />

eConomiA<br />

mit portugal<br />

na hora do balanço<br />

O Programa MIT Portugal, iniciado em Outubro de 2006,<br />

começou por se centrar no domínio dos “Sistemas de Engenharia”. O sector energético<br />

e a indústria automóvel são as áreas que até agora melhor responderam a este programa.<br />

Em finais de Fevereiro, o MIT Portugal estendeu-se à área da gestão.<br />

o Programa MIT Portugal, envolvendo o<br />

Massachusetts Institute of Technology (MIT),<br />

o Governo português, universidades e<br />

laboratórios nacionais e várias<br />

empresas, lançado em outubro de 2006<br />

pelo ministro da Ciência, Tecnologia e<br />

Ensino Superior, Mariano Gago, tem como<br />

objectivo demonstrar que um investimento<br />

em ciência, tecnologia e educação ao<br />

nível mais avançado pode ter um impacto<br />

positivo e duradouro na economia portuguesa.<br />

“o nosso objectivo é desenvolver a interacção<br />

universidade-empresa e criar valor<br />

com a investigação desenvolvida”, sublinha<br />

Paulo Ferrão, professor do Instituto<br />

Superior Técnico e coordenador do Programa<br />

MIT Portugal.<br />

o MIT Portugal desenvolve-se em duas<br />

vertentes principais, os sistemas de engenharia<br />

e a gestão, sendo que esta última se<br />

encontra ainda numa fase inicial, uma vez<br />

que o protocolo que permite a obtenção<br />

do MBA (Master in Business Administration),<br />

ao abrigo da cooperação entre o MIT e as<br />

universidades portuguesas, só no passado<br />

dia 21 de Fevereiro foi assinado.<br />

“os projectos já em curso inserem-se<br />

no domínio dos sistemas de engenharia,<br />

uma ideia que significa, simplesmente, pôr<br />

a funcionar um conjunto de áreas que até<br />

agora funcionavam separadamente, como<br />

a engenharia, a economia e as ciências<br />

sociais”, afirma o mesmo responsável.<br />

Um exemplo concreto deste funcionamento<br />

pode encontrar-se ao nível dos<br />

graus académicos proporcionados pelo<br />

MIT Portugal. “Faculdades de Engenharia<br />

MIT<br />

POR isAbeL brAGA<br />

experiência laboratorial mit.<br />

e de Economia juntaram-se para oferecer,<br />

no domínio das energias sustentáveis,<br />

os dois graus académicos que o<br />

MIT Portugal proporciona, ou seja, doutoramentos<br />

e mestrados profissionais”,<br />

sublinha Paulo Ferrão.<br />

As outras áreas de sistemas de engenharia<br />

em que o MIT Portugal aposta são a<br />

engenharia de concepção e fabrico avançado,<br />

os sistemas de bioengenharia e os<br />

sistemas de transporte. As quatro áreas<br />

proporcionam quatro doutoramentos<br />

– “completamente novos”, afirma o coordenador<br />

do programa – com a duração<br />

de três a quatro anos, um dos quais passado<br />

no MIT.<br />

os três mestrados profissionais criados<br />

pelo MIT Portugal destinam-se a quadros<br />

de empresas, têm a duração de nove<br />

meses, em horário pós-laboral, e envolvem<br />

já 130 alunos.<br />

A estes cursos candidataram-se alunos<br />

portugueses e de países como o Brasil,<br />

a Finlândia, a Grécia, a Itália, a Moldávia e<br />

a Roménia. Cinquenta bolsas de doutoramento<br />

e cerca de 20 para estágios de pósdoutoramento<br />

foram atribuídas em<br />

instituições portuguesas em colaboração<br />

com o MIT.<br />

Segundo o Ministério da Ciência,<br />

Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), no<br />

trabalho realizado durante o primeiro ano<br />

colaboraram cerca de 60 professores<br />

do MIT, incluindo um Prémio Nobel e três<br />

Institute Professors (distinção atribuída apenas<br />

‘ os projectos já em curso inserem-se no domínio<br />

dos sistemas de engenharia, uma ideia que significa,<br />

simplesmente, pôr a funcionar um conjunto de áreas<br />

que até agora funcionavam separadamente, como<br />

a engenharia, a economia e as ciências sociais.<br />

’<br />

a 14 dos mil professores do MIT), e 180<br />

professores e investigadores das sete universidades<br />

e onze instituições portuguesas<br />

envolvidas no programa.<br />

Como exemplos de projectos concretos<br />

em desenvolvimento no âmbito do MIT<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


RUI OCHôA<br />

Portugal, Paulo Ferrão cita aquele que<br />

está em curso na Autoeuropa – no domínio<br />

da concepção e fabrico dos componentes<br />

automóveis –, os que envolvem<br />

a GALP, a EFACEC e a EDP – para promover<br />

a eficiência energética em centros<br />

urbanos actuando na gestão da energia<br />

em edifícios, as redes energéticas inteligentes<br />

– e o projecto desenvolvido com<br />

a AGNI – de criação de pilhas de combustível<br />

que vai permitir produzir equipamentos<br />

de microgeração, capazes de<br />

produzir frio ou calor e de importar ou<br />

exportar energia, consoante as necessidades.<br />

o relatório elaborado pela <strong>Fundação</strong> para<br />

a Ciência e a Tecnologia (FCT), instituição<br />

do MCTES, sobre os primeiros doze meses<br />

de actividade do programa, sublinha que<br />

o MIT Portugal tem-se saldado por um<br />

“enorme sucesso”, uma vez que tem<br />

atraído “excelentes alunos” para os programas<br />

de ensino criados e recebido respostas<br />

muito positivas do sector<br />

empresarial, com destaque para a indústria<br />

automóvel e o sector energético.<br />

o lançamento, em Portugal, no âmbito<br />

deste programa, da área de “Sistemas de<br />

Engenharia”, permitiu identificar 30 áreas<br />

prioritárias de investigação e desenvolvimento,<br />

com importância estratégica quer<br />

para Portugal, quer para o MIT.<br />

Segundo o relatório de avaliação do programa,<br />

no âmbito dos sistemas sustentáveis<br />

de energia, o conceito de redes de equipamento<br />

de microgeração em edifícios, de<br />

paulo Ferrão, coordenador do programa mit portugal.<br />

eConomiA<br />

‘ o relatório elaborado pela<br />

<strong>Fundação</strong> para a Ciência<br />

e a tecnologia (FCt),<br />

instituição do mCtes,<br />

sobre os primeiros doze<br />

meses de actividade<br />

do programa, sublinha<br />

que o mit portugal<br />

tem-se saldado por um<br />

“enorme sucesso” […]<br />

’<br />

metabolismo urbano e de tecnologia de<br />

aproveitamento de energia das ondas são<br />

algumas das novas áreas prioritárias.<br />

No que se refere à engenharia de concepção<br />

e sistemas avançados de produção,<br />

destaca-se, entre outras áreas, a aplicação<br />

ao automóvel.<br />

Dentro dos sistemas de bioengenharia,<br />

a nanotecnologia e biomateriais, as prioridades<br />

em termos de investigação e<br />

desenvolvimento vão para a engenharia<br />

celular e de tecidos, e a interacção homem-<br />

-robot, factores humanos e interacções<br />

com o cérebro. Finalmente, no que respeita<br />

aos sistemas de transportes, as áreas<br />

prioritárias são os sistemas inteligentes,<br />

o projecto de aeroportos e o transporte<br />

ferroviário de alta velocidade.<br />

O relatório divulgado pela FCT cita também um<br />

grupo de empresas do sector automóvel que<br />

se comprometeram, de forma inédita, a duplicar<br />

as suas despesas em I&D, em Portugal, até<br />

finais de 2009, devendo essas despesas atingir<br />

em média seis por cento do total da facturação<br />

no período entre 2007 e 2013.<br />

Essas empresas são a VW Autoeuropa, a Amorim<br />

Industrial Solutions, a Celoplás – Plásticos<br />

para Indústria, SA, a Iber Oleff – Componentes<br />

em Plástico SA, a Inapal Metal SA, a Inapal<br />

Plásticos SA, a Manuel da Conceição Graça<br />

LDA., a Plasdan, a Simoldes Plásticos LDA., a<br />

Sunviauto Indústria de Componentes Automóveis<br />

TMG-Automotive e o CEIIA (Centro de Excelência<br />

e Inovação da Indústria Automóvel).<br />

Adicionalmente, a Autoeuropa vai apoiar o<br />

desenvolvimento dos programas de formação<br />

avançada e disponibilizar, no âmbito do MIT<br />

Portugal, estágios profissionalizantes e programas<br />

de doutoramento.<br />

A FCT apoiará a formação avançada de recursos<br />

humanos e a contratação de investigadores<br />

doutorados pelo CEIIA, os quais desenvolverão<br />

actividades dentro do enquadramento científico<br />

dos grupos académicos envolvidos no<br />

Programa MIT Portugal.<br />

Uma resposta muito positiva surgiu também<br />

do sector energético, tendo aderido ao MIT<br />

Portugal, a Agni-Inc, a Deimos Engenharia, SA,<br />

a EDP, SA, a EDP Inovação, a EFACEC, SA, a<br />

GALP Energia, SA, a MARTIFER, SA, a REN –<br />

Redes Energéticas Nacionais, SA.<br />

Garantir o ingresso de mais de 20 quadros<br />

superiores por ano nos cursos de programação<br />

avançada promovidos pelo Programa MIT<br />

Portugal é um compromisso das empresas afiliadas<br />

nas áreas da engenharia de concepção<br />

e fabrico avançado.<br />

A acrescentar a isto há ainda o compromisso<br />

das empresas também ligadas ao MIT Portugal,<br />

que se comprometem a garantir o ingresso de<br />

mais de 20 quadros superiores por cada ano<br />

nos cursos de formação avançada promovidos<br />

pelo programa.<br />

A Agência Ciência Viva também se encontra<br />

vinculada a este programa, assegurando a interacção<br />

deste com as camadas mais jovens.<br />

“Sempre que vem a Portugal um professor do<br />

MIT, levamo-lo a fazer uma palestra em escolas<br />

secundárias de todo o país”, lembra ainda<br />

Paulo Ferrão.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 37


A FLAD assinou um protocolo com o MIT<br />

Portugal, mediante o qual se compromete<br />

a contribuir com 500 mil dólares para este<br />

programa, durante os próximos quatro<br />

anos.<br />

Rui Machete, presidente da FLAD, considera<br />

o MIT Portugal “um salto em frente” no<br />

chamado Plano Tecnológico do Governo<br />

português. “Já tínhamos uma colaboração<br />

antiga com o MIT, mas nada que atingisse<br />

esta dimensão. Agora, além de apoiarmos<br />

financeiramente o MIT Portugal com uma<br />

soma importante, procuramos apostar em<br />

iniciativas convergentes e complementares,<br />

que o Estado tinha dificuldade em realizar,<br />

38<br />

eConomiA<br />

sede do mit em Cambridge, massachusetts.<br />

FLAD apoia mit portugal<br />

ou promover acções que possam conferir maior<br />

flexibilidade ao programa”, sublinhou.<br />

Zagalo e Melo, director da FLAD para a<br />

área da educação, ciência, tecnologia e<br />

inovação, enumerou as áreas a que a FLAD<br />

irá dar especial atenção no apoio ao MIT<br />

Portugal: os sistemas de energia sustentável,<br />

o empreendedorismo – visando fomentar uma<br />

atitude proactiva na criação de negócios –,<br />

o transporte e logística, especialmente na<br />

componente marítima, e a inovação em<br />

ciência e tecnologia.<br />

O programa das iniciativas a concretizar<br />

durante o ano corrente e parte de 2009 no<br />

âmbito do acordo entre a FLAD e o MIT Portu-<br />

gal estará definido “até finais de Abril”, afirmou<br />

Zagalo e Melo. No entanto, a FLAD já se<br />

comprometeu a apoiar um projecto concreto, a<br />

Conferência MIT Europa 2008, que, a 26 e 27<br />

de Março deste ano, reuniu em Lisboa a rede<br />

dos antigos alunos e colaboradores do<br />

programa, espalhados por toda a Europa.<br />

Neste encontro participaram especialistas<br />

norte-americanos nas áreas da energia, do<br />

ambiente, da engenharia civil e da bioquímica,<br />

aeronáutica e astronáutica, ciência dos<br />

materiais, gestão e transportes, com<br />

directores de grandes empresas, na área dos<br />

plásticos, da indústria farmacêutica e da<br />

informática.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008<br />

MIT


eConomiA<br />

Conhecer, inovar,<br />

experimentar o CohiteC<br />

O que aconteceria se, numa mesma sala, estivessem reunidos gestores e cientistas?<br />

O que aconteceria se ambos partilhassem um mesmo projecto de trabalho?<br />

A resposta é dada pelo COHITEC, um programa que visa<br />

a criação de empresas de base tecnológica.<br />

o conceito é simples: juntar o faro para o<br />

negócio dos estudantes de MBA à investigação<br />

de ponta desenvolvida pelos cientistas.<br />

os resultados são notórios: projectos de<br />

negócio de forte componente tecnológica<br />

emergem. Em traços gerais, assim se define<br />

o CohITEC – um programa de valorização<br />

do conhecimento promovido pela CoTEC<br />

(Associação Empresarial para a Inovação).<br />

Numa altura em que o “Choque<br />

Tecnológico” está na ordem do dia, programas<br />

como o CohITEC asseguram aos<br />

gestores e investigadores uma oportunidade<br />

de se associarem na criação de um<br />

plano de negócio. “Quando foi projectado,<br />

em 2003, o CohITEC era uma iniciativa<br />

pioneira. Não havia ninguém, na altura,<br />

que fizesse a ponte entre cientistas e gestores”,<br />

afirma Pedro Vilarinho, um dos<br />

responsáveis pelo programa.<br />

Seguindo o modelo proposto pelo centro<br />

hITEC (parte da North Carolina State<br />

University), criou-se então este programa<br />

com a ajuda de alguns parceiros: a FLAD,<br />

a Faculdade de Economia da Universidade<br />

Nova de Lisboa (FEUNL) e a Escola de Gestão<br />

do Porto (EGP). De ambas as instituições de<br />

ensino saem os estudantes de MBA, prontos<br />

para colaborar com os cientistas no desenvolvimento<br />

de planos de negócio.<br />

Do proJeCto pArA o merCADo<br />

o CohITEC está estruturado em duas fases<br />

distintas. Num primeiro momento, são<br />

admitidos cerca de 80 participantes (50<br />

investigadores e 30 estudantes de MBA).<br />

POR mArCo siLvA<br />

Nesta fase do programa, todos os participantes<br />

são divididos por equipas de trabalho e<br />

submetidos a acções de formação, que decorrem<br />

tanto no Porto (EGP) como em Lisboa<br />

(FEUNL). Nelas, os formandos adquirem as<br />

competências necessárias para o desenvolvimento<br />

dos respectivos planos de negócio.<br />

Desde a fundação do CohITEC, já<br />

aconteceram seis edições destas acções de<br />

formação.<br />

Concluída esta fase, são seleccionados cerca<br />

de 10 projectos de negócio, que passam por<br />

um conjunto de filtros, antes de serem apresentados<br />

aos investidores. Caso algum dos<br />

projectos seja considerado viável, é-lhe dado<br />

então acesso à segunda fase do programa: a<br />

altura em que é criada uma “empresa virtual”<br />

(financiada pelo IAPMEI) e se preparam os<br />

projectos de negócio para apresentação aos<br />

investidores.<br />

Embora o CohITEC só tenha entrado na<br />

segunda fase uma vez desde a sua fundação<br />

(em 2005), Pedro Vilarinho não se revela<br />

preocupado: “A nossa actividade visa sobretudo<br />

a globalização do conhecimento. o mais<br />

importante não é propriamente o número<br />

de empresas criadas, mas antes a valorização<br />

do conhecimento.”<br />

ApostAr nA inovAção<br />

Ano após ano, o número de candidaturas<br />

tem excedido o número de vagas –<br />

tendência que demonstra, segundo Pedro<br />

Vilarinho, o sucesso do CohITEC. “os<br />

custos de um programa como este são<br />

elevados, já que os participantes não<br />

‘ numa altura em que<br />

o “Choque tecnológico”<br />

está na ordem do dia,<br />

programas como o<br />

CohiteC asseguram<br />

aos gestores<br />

e investigadores<br />

uma oportunidade<br />

de se associarem<br />

na criação de um<br />

plano de negócio.<br />

’<br />

pagam nada. Mas enquanto houver<br />

investigadores dispostos a participar, o<br />

programa vai continuar”, garante. A este<br />

nível, Pedro Vilarinho aponta a FLAD<br />

como um parceiro fundamental: “Estão<br />

connosco desde que começámos. São o<br />

nosso primeiro parceiro.”<br />

Assegurando o financiamento do programa,<br />

a FLAD tem garantido a continuidade da iniciativa<br />

– um investimento que, de acordo<br />

com o secretário-geral da FLAD, Fernando<br />

Durão, se justifica: “A FLAD tem desenvolvido<br />

uma forte aposta na inovação e o apoio ao<br />

CohITEC faz parte dessa aposta.”<br />

Abrangendo, de ano para ano, domínios<br />

comerciais cada vez mais diversos (desde<br />

a alimentação ao domínio do software),<br />

o programa tem “andado um passo à fren-<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 39


te na criação de conceitos de negócio”,<br />

afirma Fernando Durão. Da mesma opinião<br />

é Pedro Vilarinho, que considera<br />

muitos dos projectos inseridos no<br />

CohITEC “tão bons como os da North<br />

Carolina University”, onde o modelo do<br />

programa surgiu.<br />

Talvez por essa razão o sucesso do programa<br />

tenha sido reconhecido em 2006<br />

pela Universidade de Stanford através do<br />

prémio Price Foundation Innovative<br />

Entrepreneurship Educators Award. Tendo<br />

sido atribuído pela primeira vez a um programa<br />

fora dos Estados Unidos, este prémio<br />

40<br />

novos projectos<br />

eConomiA<br />

representa para Pedro Vilarinho “aquilo que<br />

qualquer pessoa que anda nesta área gostaria<br />

de receber: é o maior prémio de reconhecimento<br />

a nível mundial”.<br />

um suCesso em tons De verDe<br />

Embora só tenha entrado uma vez na<br />

segunda fase, o CohITEC lançou já as bases<br />

de uma empresa: a Consumo em Verde<br />

– Biotecnologia das Plantas S.A. (ver entrevista<br />

a Ricardo Boavida Ferreira, p. 41).<br />

Tendo como objectivo a produção de um<br />

Com os olhos postos em novos projectos empresariais, a COTEC deu já início a mais<br />

uma edição deste programa. Durante o mês de Dezembro de 2007, decorreram no Porto<br />

e em Lisboa sessões de apresentação do COHITEC com novas equipas de investigadores<br />

e gestores. Prevê-se agora que no início de Junho sejam apresentados os projectos de<br />

negócio. A partir daí, a Comissão Executiva da COTEC decidirá quais os projectos viáveis<br />

para propor aos investidores. Uma das grandes novidades este ano tem que ver com a<br />

estreia de uma instituição do ensino politécnico no programa – o Instituto Superior de<br />

Engenharia do Porto.<br />

fungicida bioquímico, esta empresa foi<br />

a primeira, no quadro do programa, a<br />

encontrar investidores privados dispostos<br />

a financiar o projecto.<br />

Associando a investigação desenvolvida<br />

em torno de uma proteína (base do fungicida)<br />

ao contributo de um conjunto de<br />

estudantes de MBA da Universidade Nova<br />

de Lisboa, o CohITEC proporcionou condições<br />

para que o projecto fosse apresentado<br />

a um consórcio de empresas<br />

portuguesas, que decidiu investir no projecto<br />

quase 12,5 milhões de euros.<br />

Dentro em breve, um outro projecto<br />

deverá entrar na segunda fase. É tutelado<br />

pela Universidade do Minho e propõe<br />

uma autêntica revolução ao nível dos<br />

materiais de construção: a substituição do<br />

aço utilizado nas construções por polímeros.<br />

De ano para ano, novos investigadores<br />

se juntam ao programa, na esperança de<br />

encontrarem nele uma porta para o mercado,<br />

a chave para a industrialização. Casos<br />

como o da empresa Consumo em Verde<br />

demonstram que é possível a criação e<br />

desenvolvimento de empresas de base tecnológica.<br />

Porque, afinal, como afirma<br />

Pedro Vilarinho: “o conhecimento tem de<br />

ser transferido para a sociedade.”<br />

entrega do prémio CoteC 2007. eduardo marçal Grilo (administrador da <strong>Fundação</strong> Calouste Gulbenkian), José Carlos marques dos santos (reitor da universidade do porto),<br />

mariano Gago (ministro da Ciência, tecnologia e ensino superior), rui machete (presidente da FLAD), António santos silva (presidente do bpi) e José Carlos pinto (optimus).<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008<br />

RUI OCHôA


COTEC<br />

ricardo<br />

boavida Ferreira<br />

“A COTEC ajudou-nos a<br />

escolher os investidores<br />

e transmitiu-lhes<br />

confiança.”<br />

A Consumo em Verde – Biotecnologia das<br />

Plantas S.A. (CEV) foi a primeira empresa a<br />

emergir graças ao apoio do COHITEC. Para<br />

conhecer melhor o projecto de negócio que<br />

deu origem a esta empresa, a <strong>Paralelo</strong> falou<br />

com Ricardo Boavida Ferreira, um dos<br />

investigadores que a lidera. É com ambição<br />

que fala do futuro, que pode muito bem<br />

passar pela distribuição à escala global de<br />

um poderoso fungicida descoberto em<br />

Portugal.<br />

[<strong>Paralelo</strong>] Em que circunstâncias surge o projecto<br />

da CEV?<br />

[Ricardo Boavida Ferreira] Tudo começou há<br />

16 anos, com a descoberta acidental de<br />

uma proteína. Durante 10 anos, estudámos<br />

essa proteína no Instituto Superior de<br />

Agronomia e no Instituto de Tecnologia<br />

Química e Biológica. Durante esse período,<br />

fomos levados a deduzir que ela teria propriedades<br />

antifúngicas surpreendentes. Ao<br />

contrário da maioria das proteínas, esta<br />

teria uma resistência extrema a agentes<br />

físicos, podendo ser utilizada na agricul-<br />

MARCO SILVA<br />

eConomiA<br />

é a partir da planta do tremoço que a Cev – biotecnologia das plantas extrai a proteína<br />

que age como fungicida.<br />

tura não só como fungicida, mas<br />

também como bioestimulante.<br />

[P] Quem estava envolvido no projecto na<br />

altura?<br />

[RBF] Eu e o professor Artur<br />

Ricardo Teixeira liderávamos na<br />

altura o grupo de trabalho. Mais<br />

tarde, quando descobrimos a actividade<br />

fungicida, juntou-se a nós<br />

a professora Sara Monteiro.<br />

Finalmente, em 2005, pudemos<br />

contar com a participação de um<br />

colega que introduziu no grupo<br />

uma componente de empreendedorismo:<br />

o professor Virgílio<br />

Loureiro, com quem já tínhamos<br />

anteriormente colaborado.<br />

[P] De que forma é que o COHITEC contribuiu<br />

para o sucesso do projecto?<br />

[RBF] Até 2004 publicámos artigos científicos,<br />

onde demos a conhecer esta proteína.<br />

Mas, a certa altura, quando nos<br />

apercebemos do seu potencial comercial,<br />

parámos de escrever e contactámos algumas<br />

multinacionais. Como estávamos sozinhos,<br />

esse contacto não deu quaisquer<br />

resultados. Meses depois, entrámos no<br />

CohITEC, que se revelou uma ajuda ines-<br />

timável para ultrapassar o fosso entre a<br />

investigação e o desenvolvimento comercial.<br />

Na segunda fase do programa, a<br />

CoTEC ajudou-nos a escolher os investidores<br />

e transmitiu-lhes confiança. Isso foi<br />

muito gratificante para nós.<br />

[P] Encontrar um investidor foi um processo<br />

fácil?<br />

[RBF] Desde o início, tivemos a noção de<br />

que este projecto poderia chegar a valer<br />

uma enormidade. Depois de apresentarmos<br />

o nosso projecto aos investidores,<br />

ficámos com sete ou oito investidores dos<br />

quais escolhemos os dois melhores. Mas<br />

tivemos muita dificuldade em tomar uma<br />

decisão, porque havia propostas excelentes<br />

– o que me surpreendeu pela positiva.<br />

Às vezes, achava que nós tínhamos mais<br />

dúvidas sobre o produto do que os próprios<br />

investidores.<br />

[P] Quais são os planos para o futuro da CEV?<br />

[RBF] Tentar pôr o produto no mercado<br />

o mais depressa possível. Agora que os<br />

desafios de laboratório já foram ultrapassados,<br />

o grande desafio é mesmo o<br />

desenvolvimento industrial. Isto, é claro,<br />

depois de resolvermos as formalidades da<br />

patente e da homologação.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 41


RUI OCHôA<br />

POR teoDorA CArDoso*<br />

Em 1989, um artigo da Harper’s Magazine 1<br />

resumia as ideias expostas por Robert Reich<br />

(que viria a ser responsável pelo Trabalho<br />

na Administração Clinton) aos seus alunos<br />

da Kennedy School of Government com<br />

respeito ao futuro do trabalho. Afirmava ele:<br />

“À medida que a economia americana<br />

se funde com o resto do mundo, quem se<br />

dedicar a tarefas relativamente pouco qualificadas,<br />

que possam ser executadas com<br />

menores custos noutros locais, não pode<br />

esperar manter-se próspero por muito<br />

tempo. [...] Muitas tarefas de rotina vão<br />

desaparecer, tanto na indústria como nos<br />

serviços. As que restam serão de dois tipos:<br />

serviços complexos, parte dos quais será<br />

vendida ao resto do mundo em troca de<br />

importações, e serviços pessoais que não<br />

podem ser fornecidos à distância.<br />

“os serviços complexos (como a engenharia,<br />

a finança, o direito, a informática,<br />

etc.) implicam trabalhar com dados e conceitos<br />

abstractos. Mesmo na indústria, são<br />

as tarefas executivas e de gestão que vão<br />

desenvolver-se mais rapidamente e também<br />

elas envolvem esse tipo de competências.<br />

[...] o equipamento intelectual<br />

necessário às tarefas do futuro é a capacidade<br />

de definir problemas, de assimilar<br />

rapidamente os dados relevantes, de conceptualizar<br />

e reorganizar a informação, de<br />

extrair conclusões, tanto dedutiva como<br />

intuitivamente, de fazer as perguntas difíceis,<br />

de discutir os resultados com os<br />

colegas, de colaborar na busca de soluções<br />

e de convencer outros.”<br />

Por seu turno, Peter Drucker, num dos<br />

seus últimos textos, escrito quando o<br />

autor já ultrapassara os 90 anos, mas não<br />

tinha perdido nada da sua excepcional<br />

capacidade de análise da sociedade que o<br />

rodeava 2 , afirmava em 2001: “A próxima<br />

sociedade será a sociedade do conhecimento.<br />

o conhecimento será o seu<br />

recurso-chave e os trabalhadores do<br />

42<br />

eConomiA<br />

As universidades<br />

e a nova sociedade<br />

conhecimento serão o grupo dominante<br />

da sua força de trabalho. As suas três características<br />

principais serão:<br />

“A ausência de fronteiras, porque o<br />

conhecimento se dissemina ainda mais<br />

facilmente que o dinheiro.<br />

“A capacidade de ascensão social, promovida<br />

por sistemas de educação formal<br />

acessíveis a todos.<br />

“o potencial de falhar, tal como de ser<br />

bem-sucedido. Todos podem adquirir os<br />

‘meios de produção’, isto é, os conhecimentos<br />

necessários a uma profissão, mas<br />

nem todos sairão vencedores.”<br />

E acrescenta: “A sociedade do conhecimento<br />

é a primeira sociedade humana em<br />

que o potencial de ascensão social é<br />

potencialmente ilimitado. o conhecimento<br />

difere de todos os outros meios de<br />

produção pelo facto de não poder ser herdado<br />

ou doado. Tem de ser adquirido de<br />

novo por cada indivíduo e todos partem<br />

da mesma total ignorância.”<br />

‘ Gasto por aluno inferior a 10 mil euros<br />

na europa contra mais de 35 mil euros<br />

nos estados unidos.<br />

’<br />

Este conjunto de ideias tem estado, por<br />

todo o mundo, na base de muito do debate<br />

sobre os temas da educação e das políticas<br />

do sector, em particular no que<br />

respeita ao ensino superior. Contudo, ao<br />

fim de duas décadas, verificamos que a<br />

maior parte das políticas foram ineficazes<br />

e, nalguns casos, agravaram mesmo os<br />

problemas, em especial no que respeita à<br />

ligação com a investigação científica e a<br />

inovação. Toda a Europa, onde o problema<br />

se tornou evidente, está, por isso, empe-<br />

nhada numa profunda reforma do ensino<br />

superior, que vai desde o Processo de<br />

Bolonha, ao financiamento das universidades<br />

e à articulação com a investigação.<br />

o reforço do financiamento é um dos<br />

pontos-chave da questão, bem caracterizado<br />

pelo facto de a despesa total (pública<br />

e privada) com o ensino superior a<br />

atingir apenas 1,3 por cento do PIB na<br />

UE25 contra 3,3 por cento nos Estados<br />

Unidos, o que se traduz num gasto por<br />

aluno inferior a 10 mil euros na Europa<br />

contra mais de 35 mil euros nos Estados<br />

Unidos 3 . A agravar o problema – e também<br />

a dificultar a solução – está a má qualidade<br />

da governança das instituições na Europa,<br />

a sua insuficiente autonomia e os incentivos<br />

perversos a que estão sujeitas.<br />

Todos estes factores estão presentes em<br />

Portugal, em geral em maior grau que na<br />

média europeia. Questões como a ausência<br />

de articulação com o ensino secundário,<br />

a dispersão de cursos com um<br />

pequeno número<br />

de candidatos, a<br />

desadequação dos<br />

apoios financeiros<br />

aos estudantes, os<br />

elevados custos<br />

administrativos (por<br />

vezes resultantes de<br />

imposições regulamentares),<br />

a “consanguinidade”<br />

dos corpos docentes,<br />

recrutados entre os diplomados da própria<br />

escola, ou a progressão nas carreiras,<br />

determinada pela existência de vagas e não<br />

pelo desempenho, estão entre os factores<br />

críticos apontados pela oCDE na sua avaliação<br />

recente do ensino superior em<br />

Portugal 4 .<br />

Quanto ao financiamento, essa análise<br />

defende que o seu aumento deve ser precedido<br />

de uma revisão do actual sistema<br />

de distribuição de fundos baseado em<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


fórmulas que se revelam desincentivadoras<br />

das instituições mais dinâmicas, substituindo-o<br />

por contratos entre as<br />

instituições e o Governo, baseados em<br />

planos estratégicos e em objectivos negociados<br />

e sujeitos a acompanhamento<br />

quanto aos indicadores de desempenho.<br />

o sistema deve igualmente incentivar a<br />

captação de fundos privados e a articulação<br />

com a investigação científica, favorecendo<br />

a autonomia de gestão, com base<br />

na definição de estratégias de investimen-<br />

eConomiA<br />

‘ Factores críticos apontados pela oCDe na sua avaliação<br />

recente do ensino superior em portugal.<br />

’<br />

to e num sistema de indicadores que permita<br />

uma avaliação eficaz do desempenho,<br />

reduzindo simultaneamente a carga burocrática<br />

que pesa sobre as instituições, com<br />

um muito reduzido proveito em matéria<br />

de acompanhamento efectivo.<br />

Não pode esperar-se que a adopção<br />

deste tipo de medidas, já parcialmente<br />

consagrada em lei, coloque imediatamente<br />

Portugal em pé de igualdade com os<br />

Estados Unidos nesta matéria tão essencial<br />

para o desenvolvimento da economia<br />

Cerimónia de formatura enchendo de estudantes o Care stadium em blacksburg, virginia.<br />

e da sociedade. Elas constituem, no<br />

entanto, um passo indispensável para a<br />

necessária melhoria de resultados e para<br />

a capacidade de simultaneamente atrair<br />

investimento privado e incentivar a inovação,<br />

o binómio em que assenta o bom<br />

desempenho americano.<br />

1<br />

The Future of Work, Abril de 1989.<br />

2<br />

“Survey: The Near Future”, The Economist, 1 de Novembro<br />

de 2001.<br />

3<br />

Ver, por exemplo, “Why reform Europe’s universities?”,<br />

Brugel Policy Brief, n.º 4, 2007.<br />

4<br />

Tertiary Education in Portugal, 2007.<br />

* Economista, administradora do Banco de Portugal e presidente do<br />

Conselho Directivo da FLAD<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 43<br />

LUSA / EPA DAVIS TURNER


44<br />

CuLturA<br />

AsAs sobre A AmériCA<br />

um encontro transatlântico<br />

entre irmãos em universo<br />

Portugal Infinito, onze de Junho de mil novecentos e quinze...<br />

Hé-lá-á-á-á-á-á-á!<br />

Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa,<br />

dirige-se em saudação a Walt Whitman, seu “irmão em Universo”.<br />

Enquanto tira a gravata e o colarinho,<br />

porque “não se pode ter muita energia<br />

com a civilização à roda do pescoço”,<br />

garante-lhe:<br />

Sou dos teus, tu bem sabes, e compreendo-te e amo-te,<br />

E embora te não conhecesse, nascido pelo ano em que<br />

morrias,<br />

Sei que me amaste também, que me conheceste, e estou<br />

contente.<br />

Sei que me conheceste, que me contemplaste e me explicaste,<br />

Sei que é isso que eu sou, quer em Brooklyn Ferry dez<br />

anos antes de eu nascer,<br />

Quer pela Rua do Ouro acima pensando em tudo que<br />

não é a Rua do Ouro,<br />

E conforme tu sentiste tudo, sinto tudo, e cá estamos de<br />

mãos dadas,<br />

De mãos dadas, Walt, de mãos dadas, dançando o universo<br />

na alma.<br />

os mais de duzentos versos de Saudação a<br />

Walt Whitman são talvez o testemunho mais<br />

efusivo de ligação decisiva de um autor<br />

português a um autor norte-americano.<br />

É simbólico também o facto de Fernando<br />

Pessoa ter nascido poucos anos antes<br />

(1888) da morte de Whitman (1892), as<br />

duas obras unindo assim dois séculos de<br />

criação poética dos dois lados do Atlântico.<br />

E é pela carga simbólica da união criativa<br />

entre a dupla de poetas que esta foi escolhida<br />

como matriz tutelar para o ciclo “Asas<br />

sobre a América – Wings over America”,<br />

a decorrer na sede da FLAD até Julho próximo.<br />

A ideia inicial foi de Mário Mesquita,<br />

administrador da <strong>Fundação</strong> que tem a seu<br />

POR FiLipA meLo<br />

FOTOGRAFIAS rui oChÔA<br />

cargo a área cultural, abrangendo as humanidades,<br />

as ciências sociais e as artes. “Asas<br />

sobre a América – Wings over America” foi<br />

pensado primeiro como proposta de reflexão<br />

sobre as possíveis pontes entre a<br />

literatura portuguesa e a literatura norte-<br />

-americana, o modo como se manifestaram<br />

no passado e se manifestam no presente.<br />

A abordagem queria-se não exaustiva, mas<br />

antes particular e criativa, e daí o objectivo<br />

de interpelar autores portugueses para que<br />

dissertassem sobre os laços afectivos, intelectuais,<br />

formativos e mesmo técnicos, que<br />

os uniram e unem ao seu autor (ou um<br />

dos seus autores) norte-americano e obra<br />

ou conjunto de obra de eleição e possíveis<br />

influências destes sobre as suas próprias<br />

criações.<br />

Gonçalo M. Tavares,<br />

Manuel António Pina,<br />

Inês Pedrosa, Lídia<br />

Jorge, Pedro Mexia,<br />

Ana Luísa Amaral e Rui<br />

Zink, os autores convidados,<br />

representam<br />

várias gerações e várias<br />

expressões distintas da<br />

prosa e da poesia contemporâneas,<br />

e relativamente<br />

a todos é<br />

manifesto o reconhecimento da qualidade<br />

das suas obras. o convite teve em conta<br />

uma provável experiência estética de ligação<br />

à literatura norte-americana. Em alguns<br />

casos, foi endereçado a partir do conhecimento<br />

prévio da escolha mais provável de<br />

um determinado autor norte-americano,<br />

como, por exemplo, para o ficcionista Rui<br />

Zink, tradutor de obras de Saul Bellow, ou<br />

para a poeta Ana Luísa Amaral, doutorada<br />

em Literatura Norte-<strong>Americana</strong> com uma<br />

tese sobre Emily Dickinson. Noutros casos,<br />

foi feita uma sugestão inicial, que depois<br />

correspondeu, ou não, ao conjunto de preferências<br />

de cada autor português, procurando<br />

ajustar-se a opção final dentro<br />

dessas preferências a um conjunto coerente<br />

de referências a autores que representassem<br />

uma parte da melhor literatura norte-americana,<br />

desde o século XIX até à actualidade:<br />

Ezra Pound, Emily Dickinson, William<br />

Faulkner, Carson McCullers, Flannery<br />

o’Connor, Saul Bellow e Philip Roth.<br />

“Asas sobre a América – Wings over<br />

America” serve também uma abordagem<br />

‘ o ciclo afirma-se como incentivo<br />

ao debate criativo sobre o que poderá<br />

unir a ficção e a poesia portuguesas<br />

contemporâneas a um legado<br />

da literatura norte-americana.<br />

’<br />

à edição e ao ensino da literatura norte-<br />

-americana em Portugal não só através da<br />

realização de dois debates sobre o tema e<br />

do convite a várias editoras para a exposição<br />

e venda das suas traduções em paralelo<br />

a cada sessão do ciclo, como também através<br />

de parcerias entre a <strong>Fundação</strong> e várias<br />

universidades para a deslocação de estu-<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


CuLturA<br />

eduardo Lourenço abriu o ciclo acompanhado por Filipa melo (escritora), rui machete<br />

e Abílio hernandez (Faculdade de Letras da universidade de Coimbra).<br />

dantes com o objectivo de assistirem às<br />

sessões. Vários docentes dessas universidades<br />

são também convidados a intervir nas<br />

sessões do ciclo, nomeadamente participando<br />

na condução do debate com o público.<br />

A relação entre Fernando Pessoa e Walt<br />

Whitman foi analisada por Richard Zenith,<br />

tradutor e ensaísta norte-americano e<br />

importante investigador pessoano há anos<br />

a residir em Portugal.<br />

“Asas sobre a América – Wings over<br />

America” acompanha um esforço recente<br />

de edição em língua portuguesa de inúmeras<br />

obras fundamentais da literatura<br />

norte-americana. o ciclo afirma-se como<br />

incentivo ao debate criativo sobre o que<br />

poderá unir a ficção e a poesia portuguesas<br />

contemporâneas a um legado da literatura<br />

norte-americana. Serve também de<br />

incitação para um entendimento daquilo<br />

que, na sessão inaugural, o filósofo e ensaísta<br />

Eduardo Lourenço definiu como “um<br />

continente futurante”, referindo-se sobretudo<br />

ao contributo dos Estados Unidos<br />

para uma mitologia planetária. Ao longo<br />

de cinco meses, a América, como “uma<br />

espécie de realidade objectiva incontornável”,<br />

surgirá reflectida no olhar subjectivo<br />

de criadores que, do lado de cá do<br />

Atlântico, colheram na melhor literatura<br />

norte-americana noções, inquietações,<br />

memórias e fascínios vários. Através do<br />

dinamismo desses trânsitos literários, saúdam-se<br />

possíveis irmandades, como a que<br />

levou o engenheiro e poeta sensacionista<br />

Álvaro de Campos a meter esporas e a<br />

convidar Whitman, “lá do outro mundo”,<br />

para uma dança furiosa, exclamando:<br />

“Meu velho Walt, meu grande Camarada,<br />

evohé!”<br />

sessão do ciclo “Asas sobre a América” no auditório da FLAD.<br />

> Philip Roth pinta um quadro geral,<br />

mas não esquece os pormenores. Os<br />

grandes e os pequenos movimentos da<br />

mão. Como falar do organismo e ainda<br />

da História, eis duas das tarefas de Roth.<br />

Ligadas de modo improvável.<br />

GonçALo m. tAvAres<br />

> Ezra Pound encontra-se de forma<br />

manifesta em alguns poemas que escrevi,<br />

mas tenho razões para suspeitar de que<br />

está presente em muitos mais sem ser<br />

visível em parte nenhuma deles.<br />

mAnueL António pinA<br />

> Com The Heart is a Lonely Hunter, de<br />

Carson McCullers, descobri que a<br />

adolescência é eterna e que a poesia<br />

pode nascer da limpidez da prosa.<br />

inÊs peDrosA<br />

> Walt Whitman, autor de Canto de Mim<br />

Mesmo, ajudou Pessoa a libertar-se de<br />

si próprio e para si próprio.<br />

riChArD zenith<br />

> Admiro profundamente a obra de<br />

William Faulkner. Não conheço outro<br />

escritor que melhor tenha entrado no<br />

coração profundo dos homens. Ainda por<br />

cima, relê-lo é surpreender a própria<br />

escrita na fonte da modernidade.<br />

LÍDiA JorGe<br />

> O mais fascinante em Flannery<br />

O’Connor é talvez a ilustração ao mesmo<br />

tempo cruel e compassiva dos caminhos<br />

ínvios para a salvação.<br />

peDro mexiA<br />

> “Habito a Possibilidade, uma Casa<br />

mais bela do que a Prosa”, declarou a<br />

maior poeta de língua inglesa. Emily<br />

Dickinson escreve uma poesia em que<br />

se propõe dizer toda a verdade, mas de<br />

forma oblíqua, e assim antecipa o radical<br />

gesto moderno do fingimento poético.<br />

“O meu ofício é a Circunferência”, disse<br />

ainda – que melhor cartão de visita?<br />

AnA LuÍsA AmArAL<br />

> Saul Bellow começa por ser uma voz,<br />

uma grande voz, que conversa comigo.<br />

E me faz aceitar um bocadinho mais o<br />

humano terno e ridículo e vivo que há<br />

em mim. (Nem sempre é fácil.)<br />

rui zinK<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 45


46<br />

CuLturA<br />

Querendo representar uma “espécie de cowboy armado” que “impõe a democracia”<br />

no mundo inteiro, os Estados Unidos criam a figura do “anticowboy”,<br />

defende Eduardo Lourenço. Assim, o “anjo” bélico do século XXI<br />

continua o imaginário de um “Continente violado na origem”,<br />

no qual o exercício da liberdade incluía o direito à violência.<br />

Reflectir sobre os Estados Unidos a partir<br />

do cinema, tema da conferência de<br />

Eduardo Lourenço (ver caixa, p. 48) que<br />

abriu o ciclo “Asas sobre a América –<br />

A Pietá impiedosa<br />

POR susAnA neves<br />

FOTOGRAFIAS rui oChÔA<br />

Wings over America”, na <strong>Fundação</strong> <strong>Luso</strong>-<br />

-<strong>Americana</strong>, implica inevitavelmente<br />

analisar o western, género cinematográfico<br />

paradigma da cultura americana.<br />

Nesta entrevista inédita, onde se procura<br />

descobrir se a genealogia do cowboy<br />

é europeia ou por que razão a humanidade<br />

ainda tem sede de mitos, revela-se em<br />

eduardo Lourenço em entrevista. um pensador capaz de “perscrutar a vocação das nações”, disse rui machete.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


simultâneo a capacidade ensaística e a<br />

independência intelectual do autor de,<br />

entre outras obras, A Morte de Colombo –<br />

Metamorfose e Fim do Ocidente como Mito<br />

(Gradiva, 2005).<br />

Como bem definiu Rui Chancerelle de<br />

Machete, presidente da FLAD, no dia da<br />

sessão inaugural, Eduardo Lourenço não<br />

é só “por excelência um ensaísta na literatura<br />

e na história”, mas um pensador<br />

capaz de “perscrutar a vocação das<br />

Nações”.<br />

André Bazin diz que “o western nasceu do<br />

encontro de uma mitologia com um meio de<br />

expressão”. Que mitologia é esta que o cinema<br />

americano, e em particular o género western,<br />

recriou e divulgou?<br />

o western veicula a posse virtual ou real de<br />

um espaço que não pertencia aos americanos.<br />

Lembra a epopeia da sua conquista<br />

e colonização, o momento em que se formou<br />

uma identidade. Quando os cowboys,<br />

heróis desta conquista, começam a desaparecer<br />

é quando começam a ser interessantes<br />

como objectos de ficção. Porque as<br />

histórias do western situam-se sempre no<br />

passado, manifestam uma nostalgia por<br />

uma época de ouro, uma nostalgia dos<br />

grandes espaços, do contacto com a terra,<br />

a América fundamental.<br />

Podemos considerar que os westerns legitimaram<br />

a usurpação de um território e a violência<br />

contra um ‘outro’ que não foi reconhecido como<br />

‘outro’ e como igual?<br />

Sem dúvida. Numa primeira fase, de total<br />

boa consciência, o western oscila entre o<br />

divertimento, com conotação épica, e uma<br />

maneira de tornar heróico aquilo que foi<br />

uma usurpação, e uma colonização, por<br />

vezes, particularmente violenta; que, de<br />

resto, não se exerceu apenas contra os<br />

índios, mas também contra o México,<br />

a quem foi roubada uma parte imensa do<br />

território, a que posteriormente se veio a<br />

chamar Texas, fonte de grande riqueza<br />

devido à existência de petróleo.<br />

No livro La Grande Aventure du Western,<br />

de Jean­Louis Rieupeyrout [Les Éditions du Cerf,<br />

Paris, 1971], encontrei um anúncio de 1860,<br />

que recrutava cavaleiros para o Pony Express.<br />

Neste anúncio, divulgado por um periódico de<br />

São Francisco, pedia­se um cavaleiro jovem, que<br />

não tivesse mais de 18 anos, fosse excelente<br />

cavaleiro e estivesse disposto a enfrentar o risco<br />

de morte diária – preferiam órfãos. Fiquei<br />

a pensar no perfil do cowboy e em qual seria<br />

a sua genealogia. Será que podemos encontrar<br />

um equivalente ao cowboy, por exemplo, num<br />

cruzado?<br />

Não creio que seja essa a genealogia.<br />

CuLturA<br />

o primeiro número da paralelo sob o olhar atento de eduardo Lourenço.<br />

o mito do cowboy não é de origem inglesa<br />

mas mais de origem hispânica, enraíza-se<br />

na longínqua ascendência do cavaleiro da<br />

Ibéria. o que é curioso é que o cowboy, em<br />

princípio, não tem a conotação aristocrática<br />

ou nobre que representa o cavaleiro na<br />

Europa, é pura e simplesmente um elemento<br />

da cultura das grandes fazendas, a sua<br />

extracção é muito mais humilde. o western<br />

é que elevou, pouco a pouco, esses personagens<br />

a heróis, sobretudo os positivos, os<br />

que fazem respeitar a lei e a justiça num<br />

mundo onde o poder central não tem grande<br />

eficácia. Eram simples vaqueiros, assalariados,<br />

os cowboys eram uma Pietá, e talvez<br />

até por isso o género foi imediatamente<br />

muito popular.<br />

Acha que os Estados Unidos já se libertaram dos<br />

seus westerns ou a sociedade norte­americana<br />

vive refém desta cultura popular?<br />

Não, creio é que a natureza épica, de acção<br />

contínua, veiculada pelo cinema, impregna<br />

todo o sistema social americano. os americanos<br />

não são actores de uma cultura ou<br />

civilização adquiridas, têm sempre de<br />

impor a sua lei com mais ou menos violência,<br />

o que era natural na primeira fase<br />

de conquista do oeste. Ainda hoje, são uma<br />

nação armada, sem inimigo à vista. Na<br />

Idade Média, só o cavaleiro tinha direito<br />

de andar armado, mas para o americano é<br />

legal e honroso, é um direito. Esta atitude<br />

guerreira impregnou todo o inconsciente<br />

da cultura americana; digamos que os<br />

Estados Unidos, no seu conjunto, e a cultura<br />

americana em particular, são uma<br />

espécie de cowboy armado.<br />

Michael Moore realizou Tiros em Colombine<br />

(“Bowling for Colombine”, 2002), sobre o massacre<br />

na escola secundária de Colombine.<br />

Recentemente, houve mais um massacre no meio<br />

universitário americano. Que tipo de herói/cowboy<br />

é este que mata sem ter inimigo?<br />

É preciso uma sociologia complexa para<br />

explicar este tipo de fenómenos mas eu<br />

penso que desde o início toda a América,<br />

não só a do Norte, nasceu de um acto de<br />

violência, é como se um continente tivesse<br />

sido violado na origem. É preciso não<br />

esquecer que essa América são sempre duas<br />

Américas, a que existia há milhares de anos,<br />

que desconhecia a existência de um outro<br />

mundo, e a que vem da Europa, ou seja,<br />

literalmente de outro planeta, e destrói a<br />

primeira. os vestígios dessa violência ainda<br />

estão latentes. A verdade é que essa violência<br />

quase natural e estrutural das Américas<br />

se repercute a nível simbólico em todos os<br />

campos: na literatura, na arte, em tudo.<br />

A nossa necessidade de construir mitos fez­me<br />

pensar em Marcel Proust. Na obra Em Busca<br />

do Tempo Perdido, defende que a ascensão<br />

ao conhecimento significa também a destruição<br />

dos mitos, ou seja, a passagem da “Idade dos<br />

Nomes à Idade das Palavras”. Ora nós, e quando<br />

digo “nós” refiro­me à cultura toda, a<br />

Humanidade, continuamos agarrados aos mitos,<br />

venham eles de onde vierem. O cinema é óptimo,<br />

é uma máquina visual, auditiva e sensorial fortíssima.<br />

Se tivermos em conta as ideias de Proust<br />

significa que não crescemos, não atingimos ainda<br />

a maturidade? Continuamos na Idade dos<br />

Nomes, dos Mitos e não chegámos ainda à das<br />

Palavras?<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 47


os mitos não são uma criação nem uma<br />

leitura da realidade intrinsecamente falsa<br />

ou aparente, mas uma leitura da realidade<br />

em imagem. A mitologia é a primeira<br />

expressão da verdade e nunca desaparece.<br />

Depois pode haver outras versões que se<br />

desmistificam sucessivamente, mas o enraizamento<br />

do nosso imaginário é imediatamente<br />

mítico. Fernando Pessoa dizia que<br />

tinha o sentimento de não existir mas tinha<br />

conseguido transformar-se num mito.<br />

Embora o professor Eduardo Lourenço tenha<br />

começado por anunciar que a sua presença<br />

na abertura do ciclo de conferências “Asas<br />

sobre a América – Wings over America" era<br />

“um erro de casting”, uma vez que não é<br />

“americanista” nem expert em cinema americano,<br />

a sua intervenção constituiu um<br />

momento ensaístico decisivo para o entendimento<br />

dos Estados Unidos como nação<br />

reinventada por Hollywood, fábrica de mitos<br />

de carácter universal e “futurante”.<br />

No seu habitual tom pausado, falando para<br />

um auditório a transbordar de visitantes, o<br />

autor de O Esplendor do Caos (Gradiva, 2007)<br />

explicou que os Estados Unidos não só forjaram<br />

a sua identidade a partir do cinema como<br />

através da Sétima Arte conseguiram suscitar<br />

nos outros povos o desejo de ser americano,<br />

disseminando desta forma os seus sonhos,<br />

valores e padrões de comportamento.<br />

Máquina de colonização simbólica prodigiosa,<br />

o cinema americano foi também um<br />

instrumento de reinvenção e “comentário”<br />

da história americana, à medida que ela ia<br />

acontecendo. O Nascimento de Uma Nação<br />

("The Birth of a Nation"), de D. W. Grifffith,<br />

1915, E Tudo O Vento Levou ("Gone with<br />

the Wind"), de Victor Fleming, 1939, ou<br />

ainda As Vinhas da Ira ("The Grapes of<br />

Wrath"), de John Ford, 1940, seriam para<br />

Eduardo Lourenço alguns dos filmes paradigmáticos<br />

da cinematografia americana<br />

enquanto lugar de História, os dois primeiros<br />

por abordarem o conflito Norte-Sul que<br />

dividiu os Estados Unidos entre abolicionistas<br />

e defensores da escravatura, o terceiro<br />

por ser uma referência à Grande Depressão<br />

de 1929.<br />

“Espaço mitológico por excelência”, sobretudo<br />

a partir dos anos de 1940 e 1950, o<br />

cinema americano soube “reciclar” todas as<br />

temáticas e mitologias ocidentais (Cleópatra,<br />

48<br />

CuLturA<br />

Nenhuma cultura em tão pouco tempo<br />

criou uma mitologia tão eficaz e tão partilhada<br />

pelo mundo inteiro como o cinema<br />

americano. Por que é que o western<br />

teve tanta eficácia, tanto impacto, sobretudo<br />

nos primeiros tempos? Porque de<br />

uma forma simples mostrou o confronto<br />

entre o Bem e Mal. Na fase mais inocente<br />

e maniqueísta, o cowboy é uma<br />

espécie de Deus ex-machina, restaura a<br />

ordem e a paz quando a comunidade já<br />

“A América é a vida como cinema”<br />

Joseph L. Mankiewicz, 1963) e não ocidentais,<br />

impondo-se também pela invenção no âmbito<br />

dos seus vários géneros e a originalidade<br />

dos seus personagens que ascenderam ao<br />

estatuto de ícones universais.<br />

Se Tarzan se tornou um símbolo da “heroicidade<br />

medida não pela relação do Homem<br />

com os outros homens mas com a Natureza”,<br />

“sem precedentes no imaginário europeu”,<br />

Charlot conquistaria uma universalidade<br />

equivalente a D. Quixote, enquanto Fred<br />

Astaire, herói aéreo, capaz de dançar até no<br />

tecto (You Are All the World to Me, 1951),<br />

é um dos mais carismáticos representantes<br />

da comédia musical, género cinematográfico<br />

que foi de “uma novidade total” na história<br />

não sabe o que há-de fazer perante os<br />

crimes, arbitrariedades e injustiças que<br />

se cometem. Quando a paz social foi<br />

corroída pelo medo, pelo pânico e pela<br />

cobardia. O Comboio Apitou Três Vezes (“high<br />

Noon”, 1952, de Fred Zinnemann), com<br />

Gary Cooper, é um filme paradigmático<br />

e uma metáfora do mundo dominado<br />

pelo medo, temática muito forte da sociedade<br />

americana, onde se teme voltar ao<br />

caos.<br />

João Lopes e Almeida Faria (na foto da direita para a esquerda) no auditório a transbordar<br />

para ouvir eduardo Lourenço.<br />

do cinema, porventura, também um dos mais<br />

“abstractos”.<br />

“Duplo do mundo” mas com uma “capacidade<br />

de emocionar superior à vida”, o cinema,<br />

e em particular o americano, tornou-se<br />

em si mesmo um Continente onde são possíveis<br />

todas as viagens no tempo. Quer seja<br />

ao passado, sob a forma nostálgica da revisitação<br />

da “origem absoluta de si mesmo”,<br />

de que o género western é um paradigma<br />

exemplar, quer seja rumo ao futuro, unidade<br />

temporal onde é possível reinventar o Paraíso<br />

à maneira americana, ou seja, pela acção.<br />

“A América é a vida como cinema e sobretudo<br />

como cinema americano”, conclui Eduardo<br />

Lourenço, e o público aplaudiu.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


Podemos encontrar na cultura e literatura ocidentais<br />

narrativas que sejam equivalentes às narrativas<br />

do western?<br />

A Odisseia [atribuída a homero] não é<br />

propriamente um western, mas Ulisses<br />

é submetido a uma série de provas, com<br />

um conteúdo iniciático, é alguém que<br />

também vai atravessar e vencer uma série<br />

de obstáculos no Mar – que é uma metáfora<br />

da existência, uma substância imprevisível,<br />

na qual os homens estão sempre<br />

em perigo de naufragar. É exactamente<br />

o mesmo esquema da mitologia americana.<br />

Nela, os heróis lançam-se em perigos<br />

diversos, sempre com a ideia de<br />

chegarem a um espaço mítico onde se<br />

encontra uma espécie de paz, a Terra<br />

Prometida. Nos nossos clássicos, o herói<br />

também procura chegar a um lugar específico,<br />

no caso de Ulisses é a casa. Mas o<br />

problema de Ulisses é que ele não queria<br />

muito regressar a casa.<br />

o que distingue a mitologia americana<br />

em relação a qualquer mitologia ocidental<br />

é que nela há um fundo de optimismo<br />

superior. A mitologia americana nasceu<br />

de um sonho, de gente que encontrou<br />

qualquer coisa que alegoricamente era o<br />

Paraíso, era o que o Colombo procurava.<br />

Mas que ele se encarregou de destruir rapidamente.<br />

Sim, mas essa ideia ficou. Toda a mitologia<br />

americana está ligada à ideia de que<br />

aquela é a Terra da Liberdade. onde cada<br />

um, na medida do possível, é capaz de<br />

concretizar os seus sonhos até ao fim. E,<br />

sobretudo, ser ele mesmo, ser responsável<br />

pela sua vida. os Estados Unidos herdaram<br />

essa pulsão messiânica que vem do texto<br />

bíblico, que se tornou o texto cultural por<br />

excelência dos colonos e depois da maioria<br />

dos americanos. É muito interessante<br />

verificar que logo nos primeiros anos do<br />

século XX, toda essa gente que tem um<br />

papel importante na criação do cinema<br />

americano, na altura o espectáculo mais<br />

popular do mundo, são judeus. Não só os<br />

proprietários das majors, por exemplo,<br />

Warner, Mayor e Goldwyn, mas também<br />

os realizadores como [Josef von] Sternberg<br />

ou grandes actores como Chaplin.<br />

Acha possível o regresso dos cowboys?<br />

Se os cowboys são essa espécie de anjos<br />

cinematográficos que incarnam os valores<br />

mais preciosos na tradição ocidental,<br />

enquanto restauradores da justiça, esperemos<br />

que haja sempre cowboys! o problema<br />

é se a América se institui cowboy para<br />

fazer reinar a justiça no mundo inteiro<br />

– nessa altura, contraria o ideal de liberdade<br />

que defende e torna-se anticowboy.<br />

CuLturA<br />

Uma coisa é querer que todos os povos<br />

do mundo sejam cada vez mais democráticos,<br />

outra coisa é impor a democracia à<br />

força, através da violência e, sobretudo,<br />

uma violência absolutamente desproporcionada.<br />

Quando os Estados Unidos vieram<br />

salvar a Europa da ameaça hitleriana,<br />

quando durante vários anos enfrentaram<br />

a ameaça soviética, confrontavam forças<br />

iguais; agora, mobilizar as armas mais<br />

sofisticadas do mundo para pôr na ordem<br />

um país de décima quinta categoria isso<br />

é o cúmulo da violência e da injustiça.<br />

[No 11 de Setembro] os Estados Unidos<br />

foram atacados pela primeira vez no seu<br />

solo, mas atacados por quem? Por nenhum<br />

Estado. Punir o mundo inteiro porque uma<br />

espécie de loucos decidiu castigar os<br />

Estados Unidos pelos seus pecados, significa<br />

entrar já não num western mas num<br />

género dramático e eticamente pouco<br />

aceitável.<br />

“uma coisa é querer que todos os povos do mundo sejam cada vez mais democráticos,<br />

outra coisa é impor a democracia à força.”<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 49


50<br />

CuLturA<br />

Jornalistas portugueses<br />

nos euA<br />

Dez jornalistas portugueses estão de partida para<br />

os Estados Unidos com bolsas de curta duração. Vão<br />

ao abrigo dos programas “Alfredo Mesquita”<br />

(Açores) e “Rodrigues Miguéis” (Continente), criados<br />

pela FLAD com o objectivo de favorecer o intercâmbio<br />

na área jornalística.<br />

os seleccionados irão visitar diversas instituições<br />

norte-americanas – como o Congresso, o Senado e<br />

o jornalista José<br />

rodrigues miguéis,<br />

escritor<br />

POR onésimo teotónio ALmeiDA<br />

o escritor José Rodrigues Miguéis foi<br />

também um jornalista assíduo que pelos<br />

jornais derramou prolífica colaboração.<br />

Muitos dos seus livros foram mesmo surgindo<br />

primeiro na imprensa, se bem que<br />

em textos escritos com intenção de serem<br />

mais tarde reunidos em volume.<br />

A sua vinda para os Estados Unidos em<br />

1935 proporcionou-lhe (ou, se preferirmos,<br />

empurrou-o para) um contacto<br />

intenso com as comunidades emigrantes<br />

portuguesa e hispânica. No período de<br />

adaptação é comum os recém-chegados a<br />

um país procurarem relacionar-se com as<br />

comunidades que lhes são culturalmente<br />

mais próximas. Miguéis tinha, por um<br />

lado, o na altura pequeno núcleo português<br />

de Nova Iorque (e Newark, ali perto);<br />

por outro, a Guerra Civil de Espanha agarrou<br />

a sua sensibilidade de animal político,<br />

fazendo-o envolver-se fortemente na causa<br />

republicana. Numa entrevista à revista<br />

Gávea-Brown, por sinal a última que conce-<br />

deu, afirmava: “Colaborei muito em jornais<br />

luso-americanos como o Diário de<br />

Notícias, de New Bedford, o Independente, de<br />

Fall River, etc.; em jornais e revistas do<br />

segmento hispano-americano, por vezes<br />

ao abrigo de pseudónimos; no diário<br />

republicano La Voz, de Nova Iorque, na<br />

revista Norte e na revista Nueva Democracia<br />

(escrevia espanhol correntemente).<br />

Colaborei em inglês em revistas como The<br />

Nation e The Protestant.” Alguns desses escritos<br />

têm sido recuperados. Duarte Barcelos<br />

Mendonça reuniu toda a colaboração no<br />

Diário de Notícias, de New Bedford, que será<br />

publicada em breve na revista Gávea-Brown,<br />

com uma introdução do investigador.<br />

o professor George Monteiro procurou<br />

identificar a colaboração em La Voz, mas<br />

sem êxito. os pseudónimos diferentes não<br />

facilitam o trabalho. Apesar do auxílio da<br />

viúva, Camila Miguéis, que indicou a<br />

George Monteiro alguns dos mais usados<br />

pelo escritor.<br />

Foram dez anos de intensa participação<br />

política e jornalística que não deixaram<br />

boas recordações no escritor. Na citada<br />

entrevista ele explica porquê. Ao ser-lhe<br />

pedido que explicitasse melhor uma afirmação<br />

feita sobre ter sido um erro dedicar<br />

demasiado tempo aos problemas dos<br />

emigrantes, esclareceu-se nestes termos:<br />

“Não tanto aos imigrantes, como à política<br />

em que eles se envolviam – na mino-<br />

o Supremo Tribunal de Justiça –, bem como universidades,<br />

e contactar com personalidades de áreas<br />

públicas e privadas. Participarão, também, num<br />

curso do Committee of Concerned Journalists e em<br />

seminários dirigidos pelos jornalistas Bill Kovacs e<br />

Tom Rosenthiel.<br />

os programas contam com o apoio do Departamento<br />

de Estado e da Embaixada dos EUA em Lisboa. CpC<br />

ria! Foi um erro na medida em que vim<br />

a verificar que, em troca da minha dedicação<br />

total, conheci a ingratidão e o abandono.<br />

Mas até no erro se aprende – talvez<br />

melhor! Também, enquanto me dediquei<br />

aos nossos emigrantes não produzi literariamente.<br />

Identifiquei-me com eles! Já<br />

antes tinha escrito: ‘o homem em nós<br />

mata o escritor’ – ao que acrescentei:<br />

‘Diante das lágrimas que escorrem pela<br />

face interior do mundo, cai-nos das mãos<br />

a pena’. o escritor em mim tinha morrido<br />

às mãos do sectário! Mas, um dia,<br />

como que renasceu das cinzas, acreditando<br />

que a função do escritor é a de realizar-se<br />

fazendo obras e que a essência da sua<br />

vocação é exprimir-se – exprimindo os<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


dramas dos outros.” (“Entrevista com José<br />

Rodrigues Miguéis”, conduzida por<br />

Carolina Matos, enviada pela revista a Nova<br />

Iorque: Gávea-Brown, Janeiro-Junho de<br />

1980, p. 44).<br />

No entanto, Miguéis nunca mais largaria<br />

os jornais. Deixou, sim, o artigo de<br />

opinião, mas o seu impulsivo reagir ao<br />

que à sua volta se passava bem como a<br />

Alfredo Mesquita, escritor e jornalista, natural<br />

de Angra do heroísmo onde nasceu em<br />

1871, deixou-nos belas páginas de ensaio<br />

histórico-filosófico sobre a vida e os costumes<br />

de vários países, incluindo Portugal, a<br />

Espanha, a holanda e os Estados Unidos da<br />

América. A sua obra inclui livros passados<br />

em Lisboa (Alfacinhas e Rua do Ouro), e em<br />

Angra (o Jarrão da Índia), e crónicas de viagens<br />

com detalhes sobre os lugares onde serviu<br />

como diplomata (Espanha, holanda, Estados<br />

Unidos da América).<br />

É dele a seguinte descrição do grupo dos<br />

“Vencidos da Vida”, da qual faziam parte<br />

personalidades como Eça de Queirós,<br />

CuLturA<br />

sua perspicaz atenção<br />

ao quotidiano ditaram-lhe<br />

sempre crónicas<br />

que foi regular-<br />

mente enviando para a<br />

imprensa lisboeta,<br />

sobretudo o Diário<br />

Popular, onde tinha<br />

como arrimo o seu<br />

indefectível, infatigável<br />

e sempre leal<br />

amigo Jacinto Baptista. Continuou escrevendo<br />

para a imprensa periódica em<br />

parte por necessidade económica, pois<br />

decidira ser escritor a tempo inteiro e<br />

precisava de conseguir algum suporte<br />

económico. No espólio doado à Biblioteca<br />

John hay, da Brown University, há várias<br />

cartas tratando de assuntos contabilísticos<br />

com os jornais reveladores de como os<br />

tostões eram todos contados. A crónica<br />

foi, por isso, a par do conto (e dos aforismos),<br />

o seu modo perene de presença<br />

jornalística. Crónicas sobretudo tomando<br />

como tema a América do Norte, mais<br />

precisamente Nova Iorque. Escritas em<br />

português, uma selecção delas foi finalmente<br />

traduzida para inglês pelo professor<br />

David Brookshaw, da Universidade de<br />

Bristol, no Reino Unido, que tem dedicado<br />

algum tempo da sua pesquisa a<br />

investigar o espólio de Miguéis. Um volu-<br />

Alfredo mesquita,<br />

a diplomacia ao correr da pena<br />

POR CArLA bAptistA<br />

Ramalho ortigão, Jaime Batalha Reis e<br />

outros intelectuais da chamada “Geração<br />

de 70”: “A redacção [do jornal Tempo] era<br />

nas vizinhanças do hotel Bragança, e os<br />

Vencidos da Vida, que lá tinham os seus<br />

habituais jantares, costumavam invadir-nos<br />

a casa ao levantarem-se da mesa, enchendo-nos<br />

as salas com o alarido confuso da<br />

sua conversação, que o champanhe espiritualizava<br />

e risonhamente requintava.<br />

“Umas vezes era Eça de Queirós, desengonçando-se<br />

em pequenos pulos, dando<br />

volta à sala onde escrevíamos, vindo de<br />

mesa em mesa apresentar a cada um de nós<br />

os seus ‘mais respeitosos cumprimentos’,<br />

‘ A crónica foi, a par do conto<br />

(e dos aforismos),<br />

o modo perene<br />

da presença jornalística<br />

de miguéis.<br />

’<br />

me com o título The Polyedric Mirror. Tales of<br />

American Life foi publicado em 2007 pela<br />

editora Gávea-Brown, do Departamento de<br />

Estudos Portugueses e Brasileiros da Brown<br />

University, em Providence, Rhode Island.<br />

Mais um na infelizmente ainda magra série<br />

de livros de Miguéis traduzidos para inglês.<br />

(os outros são uma colectânea de contos<br />

– Steerage and Ten Other Stories, coordenada por<br />

George Monteiro e também da responsabilidade<br />

da Gávea-Brown, e A Man Smiles at<br />

Death – with half-a-face, tradução por George<br />

Monteiro de Um Homem Sorri à Morte – com<br />

Meia-Cara, publicado pela University Press<br />

of New England).<br />

Só resta espaço para lembrar a importância<br />

de se reler Miguéis, quanto mais<br />

não seja para se saborear uma escrita de<br />

altíssima qualidade estilística. Nos tempos<br />

que correm, já não é pouco. há, porém,<br />

muito mais.<br />

tratando por ‘vossa excelência’ e perguntando<br />

com voz aflautada pela esposa e os<br />

meninos ao paladino do celibato que era<br />

Alberto Braga. Depois, ao fim desta estúrdia,<br />

pedia a um de nós o lugar para escrever<br />

a notícia do banquete; mas a meio da<br />

segunda linha escrita suspendia a pena e<br />

declarava peremptoriamente não se lembrar<br />

já do que lá se passara, nem do que<br />

se comera, e ia adormecer num sofá, soluçando<br />

e implorando do conde de Ficalho<br />

a conclusão da notícia.<br />

“Ficalho, por sua vez desmemoriado<br />

miserimamente, como ele dizia, recorria à<br />

memória, incomparavelmente pronta<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 51


de António Cândido; mas mesmo esse apenas<br />

se recordava, de um modo muito incerto<br />

e vago, de que houvera perdizes. Só<br />

Carlos de Lima Mayer parecia convencido<br />

de que haviam sido devoradas duas lagostas<br />

opíparas.”<br />

Estas linhas integram um livro que<br />

Alfredo Mesquita dedicou ao seu grande<br />

amigo João Chagas, que começa com um<br />

parágrafo comovente:<br />

“Na terça feira passada, 31 de Janeiro, ao<br />

fim da tarde, fui ao alto de S. João para estar<br />

52<br />

CuLturA<br />

ilustração do livro América do norte.<br />

ainda uns instantes com o meu amigo João<br />

Chagas, que ali tem a sua última morada.<br />

Encontrei-o só, estivemos sós, e durante<br />

muito tempo não trocámos duas palavras.<br />

Decerto o meu silêncio não lhe causou surpresa,<br />

porque me foi sempre hábito, estando<br />

em sua companhia, ouvi-lo e calar-me.”<br />

Partilhando o fel habitual entre os intelectuais<br />

da época que viveu, foi mordaz<br />

em relação aos hábitos lusos. No livro de<br />

memórias, intitulado justamente Memórias<br />

de Um Fura-Vidas (1905), encontramos frases<br />

como “A ambição de todo o português<br />

é ser empregado público – e não ir à repartição”,<br />

para depois prestar homenagem aos<br />

que, sendo funcionários públicos, vão à<br />

repartição: “A legião dos magros, dos pálidos,<br />

dos escanifrados que já por volta das<br />

nove e meia da manhã, em todos os dias<br />

úteis, vêm chegando à formiga dos bairros<br />

velhos e pobres da cidade, atravessam as<br />

Arcadas e arrastam pelas infinitas escadarias<br />

dos ministérios as solas rotas e os tacões<br />

gastos das suas botas esbeiçadas, se perdem<br />

depois pelos corredores daqueles imensos<br />

casarões e se somem por aquelas mil e<br />

uma portas misteriosas, que se não abrem<br />

a pessoas estranhas ao serviço.”<br />

o seu último livro foi também o mais<br />

bem-sucedido, tendo conhecido várias<br />

edições depois da primeira, em 1916.<br />

Intitula-se América do Norte e é um misto de<br />

diário jornalístico e ensaio sociológico<br />

sobre a paisagem e as instituições americanas,<br />

justificando a sua fama de ser o<br />

“Tocqueville português”.<br />

‘ partilhando o fel habitual<br />

entre os intelectuais<br />

da época que viveu,<br />

foi mordaz em relação<br />

aos hábitos lusos.<br />

no livro Memórias de<br />

Um Fura-Vidas (1905),<br />

encontramos frases<br />

como “A ambição<br />

de todo o português é<br />

ser empregado público<br />

– e não ir à repartição”.<br />

’<br />

Alfredo Mesquita foi redactor da<br />

Democracia Portuguesa, Revista Ilustrada,<br />

de António Maria Pereira, O Nacional, de<br />

Mariano Pina, Portugal, Correio Nacional, Jornal<br />

do Comércio e Diário de Notícias, tendo sido<br />

delegado da Associação dos Jornalistas de<br />

Lisboa nos congressos de Imprensa em<br />

Itália, na Suíça e em França.<br />

Em 1911, foi nomeado cônsul de segunda<br />

classe em Durban, transitando depois<br />

para orense, Melbourne, Constantinopla,<br />

Roma, Nova Iorque, hamburgo e Paris.<br />

Finda a carreira diplomática, decidiu ficar<br />

em Paris, tornou-se gerente de um hotel<br />

e aí morreu, em 1931.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


RUI OCHôA<br />

CuLturA<br />

No 15.º aniversário da Bolsa Ernesto de Sousa Arte Experimental Intermedia<br />

recordamos o artista transversal.<br />

Contra “a austera, apagada e vil tristeza”<br />

dos portugueses, já observada em Camões,<br />

Ernesto de Sousa (1921-1988), em sintonia<br />

com Raúl Brandão, defendia: “a<br />

pedra há-de dar flor”.<br />

o mais importante, para o realizador do<br />

filme Dom Roberto, 1962, premiado em<br />

Cannes, pioneiro e divulgador da arte<br />

intermedia em Portugal, não era o espectá-<br />

“ele [ernesto de sousa] vivia no futuro”,<br />

lembra isabel Alves.<br />

o homem que estava<br />

sempre a ler<br />

POR susAnA neves<br />

culo, nem a arte, mas a<br />

vida, a comunicação,<br />

o encontro plural, propício<br />

à festa.<br />

Para ele, conversar<br />

com Man Ray ou com<br />

o mítico Joseph Beuys<br />

(Documenta 5, Kassel,<br />

1972) era equivalente à descoberta de<br />

artistas portugueses quase anónimos e<br />

esquecidos como Rosa Ramalho ou o iletrado<br />

Franklin que um dia lhe dissera:<br />

“o Sol descobre a arte.”<br />

Para a “invenção do dia claro”, frase de<br />

Almada Negreiros, com quem muito conviveu<br />

e sobre quem realiza o filme Almada,<br />

Um Nome de Guerra, 1983, todas as “provocações”<br />

eram indispensáveis, sobretudo,<br />

as que punham em causa “a cultura asfixiante”,<br />

burguesa, tanto ética como esteticamente<br />

rígida e parcelar.<br />

Na linhagem de Dubuffet, influenciado<br />

pelo Living Theatre e os artistas Fluxus,<br />

Ernesto de Sousa defendia que a verdadeira<br />

vanguarda só é possível através do<br />

aproveitamento da memória e da “aventura<br />

da tradição”.<br />

Luis Vaz 73, obra mixed media, apresentada<br />

no V Festival Internacional de Mixed<br />

Media (Gent, 1975), é um bom exemplo<br />

desse princípio. Inspirando-se na poesia<br />

camoniana, Ernesto de Sousa concebe um<br />

conjunto de imagens enquanto Jorge<br />

Peixinho compõe música sem qualquer<br />

relação de complementaridade ou ilustração.<br />

E é a partir desta obra transversal<br />

que no futuro se propicia o encontro com<br />

Phill Niblock, director da Experimental<br />

Intermedia Foundation, Nova Iorque,<br />

‘ Leitor contínuo, estudioso e criador<br />

imparável, tinha “projectos e trabalho<br />

para vários séculos”.<br />

’<br />

actual orientador da Bolsa Ernesto de<br />

Sousa, co-financiada pela FLAD e pela<br />

<strong>Fundação</strong> Calouste Gulbenkian.<br />

“Ernesto só foi aos Estados Unidos uma<br />

vez, em 1983, a convite de Phill Niblock,<br />

para apresentar o mixed media Ultimatum. Ele<br />

vivia no futuro. Lembro-me de nessa viagem,<br />

quando era preciso acertar os últimos<br />

detalhes da apresentação, já estar a<br />

falar do projecto seguinte”, recorda Isabel<br />

Alves, sua companheira ao longo de vinte<br />

e dois anos, autora do site documental de<br />

referência: www.ernestodesousa.com.<br />

Leitor contínuo, estudioso e criador<br />

imparável, tinha “projectos e trabalho<br />

para vários séculos”, Ernesto de Sousa foi<br />

também um crítico controverso e um<br />

divulgador apaixonado das obras de<br />

outros. Recorde-se, entre muitos eventos,<br />

o comissariado de várias representações<br />

portuguesas na Bienal de Veneza bem<br />

como a notável exposição “Alternativa<br />

Zero”, realizada em Belém, em 1977,<br />

e a abertura da inovadora Galeria<br />

Diferença, da qual foi um dos fundadores.<br />

Ao final da tarde, na “sala branca” da R.<br />

S. Filipe Nery, havia tertúlia, muitos artistas<br />

de várias gerações apareciam para o<br />

ouvir falar. Ele que estava sempre a ler, e<br />

cultivara a “ingenuidade voluntária”,<br />

atraía e metia medo.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 53


54<br />

CuLturA<br />

Açores e estados unidos da América<br />

universidades em partilha<br />

A partir de agora, professores e estudantes da Universidade dos Açores poderão trabalhar,<br />

durante o máximo de um ano, em vários estabelecimentos de ensino superior norte-americanos,<br />

assim como destes virão universitários para os Açores, pelo mesmo período de tempo,<br />

graças ao Acordo de Mobilidade Antero de Quental.<br />

Assinado em Ponta Delgada, em Março, este<br />

acordo é financiado (para o ano de 2008)<br />

em 100 mil euros pela FLAD e em 25 mil<br />

pela <strong>Fundação</strong> Calouste Gulbenkian.<br />

Mário Mesquita, administrador da FLAD<br />

responsável pelo projecto, explica a escolha<br />

do nome do programa: “Antero de<br />

Quental terá sido, de entre os grandes<br />

nomes da cultura portuguesa do século<br />

XIX, aquele que, desde a juventude, mais<br />

se interessou pela cultura norte-americana,<br />

conforme sustenta a anterianista Ana Maria<br />

de Almeida Martins. Talvez a sua condição<br />

de açoriano seja responsável por essa simpatia,<br />

tendo em conta que a emigração<br />

açoriana para os Estados Unidos, já considerável<br />

a partir de 1860, fazia parte da<br />

vida social dos insulares.”<br />

o acordo funcionará, para já, entre a<br />

Universidade dos Açores e o consórcio de<br />

universidades norte-americanas situadas<br />

em áreas onde se concentram as comunidades<br />

de emigrantes portugueses:<br />

Universidade de Brown; Universidade de<br />

Massachusetts – Dartmouth; Universidade<br />

de Massachusetts – Amherst; Universidade<br />

da Califórnia – Berkeley e Bristol<br />

Community College. outras universidades<br />

americanas poderão vir a aderir.<br />

Tanto os docentes como os estudantes,<br />

bem como os coordenadores deste projecto,<br />

serão seleccionados pelas respectivas<br />

universidades. E já há candidatos...<br />

Por ocasião da assinatura do Acordo de<br />

Mobilidade Antero de Quental foi organizado<br />

um colóquio na Universidade dos Açores<br />

sobre “Dinâmicas da Língua Portuguesa<br />

em Contexto Multilingue”, no qual foi<br />

discutida e analisada, ao longo de todo o<br />

dia, a difusão do português no Mundo e,<br />

em especial, nos Estados Unidos.<br />

A abrir o colóquio, Luís Andrade, pró-<br />

-reitor da Universidade dos Açores,<br />

POR sArA pinA<br />

FOTOGRAFIA viCtor meLo<br />

agradeceu o apoio da FLAD. Desta universidade<br />

intervieram, ainda, Clara Rolão<br />

Bernardo, helena Montenegro, Paulo<br />

Meneses e Graça Castanho. Para além dos<br />

subscritores do acordo, da Universidade<br />

de Massachusetts participou, também,<br />

Anna Klobucka, responsável pela coordenação<br />

de Ponto de Encontro, um manual de<br />

ensino de português.<br />

António Vicente, da FLAD, apresentou<br />

dados actualizados sobre o estado e perspectivas<br />

de crescimento da língua portuguesa<br />

que, nos Estados Unidos, é grande.<br />

Entre os 5 e os 17 anos de idade há mais<br />

de 85 mil pessoas que falam português<br />

em casas norte-americanas. A FLAD tem<br />

vindo a trabalhar com o College Board,<br />

em Nova Iorque, para que a língua portuguesa<br />

seja uma língua dos exames de<br />

acesso às universidades americanas e em<br />

breve apresentará, através do seu site<br />

(www.flad.pt), um programa interactivo<br />

sobre o português nos Estados Unidos.<br />

o presidente do Conselho Executivo, Rui<br />

Machete, encerrou o debate congratulan-<br />

do-se por este Acordo de Mobilidade constituir<br />

um instrumento de preservação e<br />

desenvolvimento da língua portuguesa.<br />

Assinatura do Acordo. Da esquerda para a direita: onésimo t. Almeida (universidade de brown<br />

e em representação da universidade da Califórnia – berkeley), rui machete, presidente da FLAD, Avelino<br />

de meneses, reitor da uAC, manuel Carmelo rosa, em representação da Gulbenkian, e victor C. mendes<br />

(universidade de massachusetts – Dartmouth). José Francisco Costa do bristol Comunity College,<br />

em representação da universidade de massachusetts – Amherst subscreveu, também, o acordo.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


No dia em que fiz 50 anos, estava profundamente apaixonada e<br />

em Nova Iorque: era-me difícil imaginar conjugação mais feliz.<br />

Depois de me arranjar para o jantar, registei esse momento<br />

numa daquelas fotos que só empolgam quem visita a cidade<br />

pela primeira vez ou os namorados: diante das inebriantes cortinas<br />

de néon de Times Square.<br />

Nova Iorque proporcionou-me muitas outras alegrias: entre elas,<br />

o prazer de ouvir Frank Sinatra por duas vezes ao vivo, no<br />

Metropolitan e no Radio City hall, o puro deleite de ver Rex<br />

harrison interpretar o Professor higgins de My Fair Lady (hélas! sem<br />

Audrey hepburn), George C. Scott dominar magistralmente o notável<br />

elenco de Twelve Angry Men. Pelo amor ao teatro, segui afoita, por<br />

vielas esconsas, atrás de um enorme negro que me prometera arranjar<br />

bilhetes para um hit do momento absolutamente esgotado.<br />

A história só não acabou mal porque o cavalheiro tinha cadastro e<br />

havia dois polícias no seu encalço que intervieram no exacto<br />

momento em que ele se preparava, com competência, para me<br />

assaltar; enquanto um dos agentes da lei se afastava com o delinquente<br />

algemado, a outra pregava-me um violento raspanete, olhando-me<br />

como se estivesse a dirigir-se a alguém apoucado.<br />

Foi também em Nova Iorque, instalados no Soho, que passei<br />

as últimas grandes férias a sós com o meu filho, antes daquele<br />

momento natural, mas melancólico para uma mãe, em que ele<br />

passou a preferir outras companhias femininas à minha. É provavelmente<br />

a pessoa com quem partilho mais afinidades e um<br />

grande companheiro de viagem. Tenho, muitas vezes, saudades<br />

desse Verão.<br />

CArtA brAnCA<br />

O dia do meu aniversário<br />

‘ nova iorque proporcionou-me muitas alegrias:<br />

entre elas, o prazer de ouvir Frank sinatra ao vivo,<br />

o puro deleite de ver rex harrison interpretar<br />

o professor higgins de my Fair Lady,<br />

George C. scott dominar magistralmente<br />

o notável elenco de twelve Angry men.<br />

’<br />

mAriA eLisA DominGues*<br />

Mas foi igualmente em Nova Iorque que vivi, na coincidência<br />

de um outro aniversário, a maior desilusão da minha<br />

vida, daquelas que rasgam o peito e nos fazem questionar<br />

toda a nossa existência, dilacerarmo-nos a procurar o<br />

momento em que falhámos, tentando em vão encontrar um<br />

sentido para continuar. Creio que nunca me recompus dessa<br />

graça perdida.<br />

E como os grandes amores não existem sem o reverso, foi<br />

em Nova Iorque ou graças a ela que, por duas vezes, me<br />

soube traída: da primeira, fugi do hotel – que, de qualquer<br />

modo odiava, imenso, impessoal – e regressei no primeiro<br />

avião para Lisboa, perdendo o que deveriam ter sido umas<br />

deliciosas férias nas ilhas Keys, tontice de que ainda hoje me<br />

arrependo, tanto mais que acabei por voltar para os braços<br />

do traidor.<br />

Da segunda vez foi mais grave: no rescaldo do 11 de Setembro,<br />

o homem que jurava ser eu a mulher da sua vida, publicou<br />

num jornal o relato emotivo das suas recordações de Nova<br />

Iorque contando, entre outros detalhes igualmente íntimos,<br />

que se declarara à mulher que amava no cimo do Empire State<br />

Building. o que jamais poderia ocorrer comigo pois detesto<br />

alturas, ainda que o clima seja da maior paixão.<br />

Dessa vez, não perdoei, foi corte definitivo. Por algum<br />

tempo, remoí a ideia de que a culpa era da cidade, perdi a<br />

vontade de lá voltar. Mas durou pouco. Como poderia eu<br />

virar costas ao sítio do mundo onde, no intervalo de poucos<br />

quarteirões, me senti morrer de dor e morrer de amor?<br />

* Jornalista da RTP<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 55<br />

RUI GAGEIRO


Seamounts: Ecology,<br />

Fisheries & Conservation<br />

pitcher, t. J., morato, t., et al. (eds.)<br />

2007, Oxford: Blackwell Publishing<br />

56<br />

Montes<br />

submarinos<br />

POR mário ruivo<br />

Professor, presidente do Comité Português<br />

para a Comisssão Oceanográfica Intergovernamental<br />

A publicação deste livro é particularmente<br />

oportuna, tendo em conta o tema e a<br />

abordagem polifacetada seguida, bem<br />

como o contexto da exploração e conservação<br />

do oceano em que se enquadra.<br />

Num conjunto de capítulos de grande<br />

qualidade, esta obra oferece um panorama<br />

sobre o estado actual dos conhecimentos<br />

e das implicações socioeconómicas da<br />

exploração dos seamounts (montes submarinos,<br />

terminologia que entrou em uso<br />

na década de 1930), numa perspectiva de<br />

gestão dos recursos e do meio marinho<br />

com base científica e da avaliação dos<br />

impactos de origem antropogénica.<br />

o interesse deste livro é acentuado pelo<br />

equilibrado plano a que obedece e que<br />

traduz a estreita interacção entre os autores<br />

e as abordagens interdisciplinares,<br />

apoiadas numa vasta bibliografia das mais<br />

recentes investigações na matéria. É de<br />

notar a preocupação em inserir os temas<br />

numa perspectiva contextualizada, ecológica<br />

e norteada pelos objectivos de um<br />

desenvolvimento sustentável. o professor<br />

Tony J. Pitcher sublinha, porém, no “Series<br />

Editors Forward”, que apesar dos progressos<br />

verificados no conhecimento de alguns<br />

dos habitats menos estudados do planeta,<br />

como é o caso dos montes submarinos e<br />

dos organismos que os habitam, estes<br />

continuam a ser “um mistério”, desbravado<br />

nos 21 capítulos, estruturados em<br />

Livros<br />

estante FLAD<br />

quatro partes, da autoria de 57 especialistas<br />

mundiais, entre os quais vários portugueses:<br />

I – Metodologias e técnicas; II<br />

– Interacção biofísica da produtividade<br />

dos montes submarinos; III – Visão sinóptica<br />

da ecologia dos montes submarinos<br />

e dos recursos pesqueiros; e, IV – Gestão<br />

e conservação.<br />

o “triunfo da colaboração” entre institutos<br />

e autores de reconhecidas competências<br />

nas matérias abordadas e a<br />

atmosfera que caracterizou o encontro<br />

realizado na horta, Faial, Açores, em Maio<br />

de 2005, é visível na expressão dos participantes<br />

na fotografia comemorativa.<br />

Não se trata, efectivamente, de um livro<br />

ocasional integrado na prestigiada série<br />

“Fish and Aquatic Resources Series”.<br />

Resulta de uma longa colaboração e de<br />

um rigoroso e paciente trabalho preparatório<br />

entre os autores-investigadores, no<br />

âmbito de uma rede científica que se tem<br />

vindo a consolidar ao longo dos anos e<br />

na qual o Departamento de oceanografia<br />

e Pescas da Universidade dos Açores, liderado<br />

pelo Doutor Ricardo Serrão Santos,<br />

tem estado activamente envolvido.<br />

É de notar, ainda, a preocupação de colocar<br />

os conhecimentos científicos ao ser-<br />

‘ [...] apesar dos progressos<br />

verificados no conhecimento<br />

de alguns dos habitats menos<br />

estudados do planeta, como<br />

é o caso dos montes submarinos<br />

e dos organismos que<br />

os habitam, estes continuam<br />

a ser “um mistério”<br />

’<br />

viço da gestão e da governação do oceano,<br />

apoiada numa leitura responsável da<br />

Convenção das Nações Unidas sobre o<br />

Direito do Mar (UNCLoS) e de outros<br />

instrumentos relevantes, cuja implementação<br />

requer consciencialização e envolvimento<br />

da sociedade civil. Este objectivo<br />

exprime-se no tratamento equilibrado da<br />

gestão dos recursos vivos/pesqueiros e da<br />

biodiversidade dos fundos marinhos,<br />

nomeadamente nos montes submarinos,<br />

num enquadramento ecossistémico e de<br />

desenvolvimento sustentável apoiado no<br />

conhecimento científico e, quando apropriado,<br />

no princípio da precaução.<br />

A consulta e leitura deste livro (525<br />

páginas, enriquecidas com ilustrações e<br />

gráficos de alta qualidade) é facilitada pelo<br />

estilo adoptado pelos autores, que contribui<br />

para a boa compreensão dos temas<br />

abordados não só por especialistas como<br />

também pelo público em geral.<br />

Seamounts: Ecology, Fisheries & Conservation<br />

constitui, pois, uma valiosa contribuição<br />

para uma governação mais adequada e<br />

eficaz do oceano, na linha da recente<br />

decisão da União Europeia de definir uma<br />

Política Marítima Europeia para os Mares<br />

e oceanos, e, no que diz respeito a<br />

Portugal, da adopção da Estratégia Nacional<br />

para o Mar.<br />

Neste contexto, mereceria projectar-se<br />

uma versão de divulgação sobre estes<br />

“habitats menos conhecidos” do espaço<br />

interior do nosso planeta. Estão de parabéns<br />

os autores e as instituições que contribuíram<br />

para a organização do encontro<br />

da horta e para a edição deste livro.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


As Fundações na Europa:<br />

Aspectos Jurídicos<br />

rui Chancerelle de machete<br />

e henrique sousa Antunes (coord.)<br />

Janeiro de 2008, Lisboa: <strong>Fundação</strong><br />

<strong>Luso</strong>-<strong>Americana</strong><br />

Fundações<br />

e direito da<br />

União Europeia<br />

POR rui hermeneGiLDo GonçALves<br />

Doutorando da Faculdade de Direito<br />

da Universidade Nova de Lisboa<br />

o livro As Fundações na Europa: Aspectos Jurídicos,<br />

uma edição bilingue da FLAD, de Janeiro<br />

de 2008, coordenada por Rui Chancerelle<br />

de Machete e henrique Sousa Antunes,<br />

transcreve as comunicações apresentadas<br />

no seminário internacional organizado<br />

pela própria FLAD, em parceria com a<br />

<strong>Fundação</strong> Bertelsmann, com o mesmo<br />

título, em Junho de 2005, bem como os<br />

animados debates que se seguiram às diferentes<br />

sessões. o objectivo fundamental<br />

deste seminário, resumido por Rui<br />

Chancerelle de Machete no discurso de<br />

abertura, consistia em proporcionar um<br />

debate público sobre os dois projectos de<br />

“estatuto de <strong>Fundação</strong> Europeia” existentes<br />

àquela data, do Centro Europeu de<br />

Fundações e do consórcio liderado pela<br />

<strong>Fundação</strong> Bertelsmann, que são reproduzidos<br />

integralmente no final do livro.<br />

Se, em Junho de 2005, se revelava oportuno<br />

discutir os projectos referidos, em<br />

2008, devido às recentes evoluções ao nível<br />

da União Europeia, a questão é de uma<br />

profunda actualidade. Com efeito, em Abril<br />

de 2007, a Direcção-Geral do Mercado<br />

Interno e Serviços da Comissão Europeia,<br />

também em resposta a um apelo reiterado<br />

Livros<br />

das fundações europeias, lançou finalmente<br />

um concurso público para a apresentação<br />

de um estudo sobre a viabilidade de introduzir<br />

um “estatuto de <strong>Fundação</strong> Europeia”,<br />

cujos resultados deverão ser conhecidos até<br />

ao final de 2008. o estudo será realizado<br />

pelo Max Planck Institute for International<br />

Private Law, em hamburgo, e pelo Centre<br />

for Social Investment, em heidelberg, dirigidos<br />

por Klaus J. hopt e Volker Then,<br />

respectivamente, que participaram activamente<br />

no seminário de 2005. A decisão da<br />

FLAD de publicar o livro As Fundações na<br />

Europa: Aspectos Jurídicos permite, por isso,<br />

recuperar a memória da relevante discussão<br />

sobre um assunto que influenciará necessariamente<br />

o futuro<br />

das fundações na<br />

Europa.<br />

Sem prejuízo das<br />

diferenças entre os<br />

projectos em comparação<br />

no livro,<br />

devidamente assinaladas<br />

por Klaus J.<br />

hopt na sua intervenção,<br />

pode afirmar-se<br />

que ambos concretizam uma<br />

aspiração legítima das fundações europeias<br />

de obter um enquadramento jurídico ver-<br />

dadeiramente europeu para as suas actividades<br />

transfronteiriças, pelo menos<br />

dentro da União Europeia. o estatuto de<br />

fundação europeia, que traduziria um<br />

instrumento jurídico optativo ou adicional<br />

para as fundações de interesse público,<br />

contribuiria assim para terminar com as<br />

restrições dos diferentes ordenamentos<br />

jurídicos nacionais às actividades intracomunitárias<br />

das fundações, designadamente<br />

discriminações fiscais em função da<br />

nacionalidade ou da residência, indo de<br />

encontro à jurisprudência mais recente<br />

do Tribunal de Justiça da União Europeia.<br />

Por último, a adopção de um estatuto<br />

de fundação europeia poderia ainda con-<br />

tribuir para o aprofundamento da integração<br />

europeia bem como para a<br />

diminuição do distanciamento entre os<br />

cidadãos europeus e as instituições da<br />

União. Tal como reconhece Rui Chancerelle<br />

de Machete, “as fundações ajudarão pode-<br />

rosamente no reforço do movimento de<br />

integração europeia, tão carecido de novos<br />

agentes e factores que o dinamizem”.<br />

A mudança de paradigma que o Tratado<br />

de Lisboa aportará à União Europeia passará<br />

necessariamente por um crescimento<br />

do papel e da importância das fundações<br />

e das demais organizações da sociedade<br />

civil. Tendo em conta a reconhecida capacidade<br />

de intermediação das fundações<br />

entre a sociedade civil e as instituições<br />

públicas, o estatuto de fundação europeia<br />

poderia por isso incentivar o exercício da<br />

filantropia como uma expressão de cidadania<br />

europeia e de concretização do bem<br />

comum europeu.<br />

‘ o estatuto de fundação europeia, que traduziria<br />

um instrumento jurídico optativo ou adicional para<br />

as fundações de interesse público, contribuiria<br />

assim para terminar com as restrições dos<br />

diferentes ordenamentos jurídicos nacionais […].<br />

’<br />

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<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 57<br />

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In Pursuit<br />

of Their Dreams<br />

Jerry r. Williams<br />

2005, Massachusetts: Center for<br />

Portuguese Studies and Culture,<br />

University of Massachusetts<br />

O sonho açoriano<br />

58<br />

POR nuno CostA sAntos<br />

Escritor<br />

Comecemos pela foto da capa – que é<br />

todo um romance. Uma foto a preto e<br />

branco de uma família açoriana nos<br />

Estados Unidos. Nove pessoas. Nove rostos<br />

de entre os milhares e milhares que, desde<br />

o início do século XIX, deixaram as ilhas<br />

e as suas biografias de pobreza, em busca<br />

de oportunidades de trabalho. há homens,<br />

mulheres, crianças. E um relógio por cima<br />

deles, sublinhando o tempo que corre.<br />

‘ […] um tempo de esforço e de labor.<br />

não há alegria nem tristeza nestes<br />

rostos fechados. Apenas a serena<br />

resignação de quem viajou por<br />

necessidade – não por turismo.<br />

’<br />

Curiosamente, percorre esta fotografia a<br />

ideia de suspensão desse tempo – um<br />

tempo de esforço e de labor. Não há alegria<br />

nem tristeza nestes rostos fechados.<br />

Apenas a serena resignação de quem viajou<br />

por necessidade – não por turismo.<br />

ou, noutra perspectiva: para fugir a problemas<br />

como o excesso de população,<br />

o decréscimo da produtividade agrícola e<br />

as condições naturais adversas.<br />

É destas famílias, tantas vezes ignoradas,<br />

que trata o livro de Jerry R.<br />

Williams, In Pursuit of Their Dreams – a History<br />

Livros<br />

of Azorean Immigration to the United States, obra<br />

útil e informada para quem perceber<br />

com alguma profundidade a questão<br />

da emigração açoriana para as várias<br />

Américas – a da Costa Leste, a da Costa<br />

oeste, a do havai.<br />

Emigração esta que, como<br />

lembra o autor, teve vários<br />

ciclos – iniciou-se com os<br />

baleeiros da Nova Inglaterra<br />

do início do século XIX,<br />

imortalizados pela pena de<br />

Melville, e tem, como última<br />

vaga reconhecida, a que<br />

se iniciou nos anos 60,<br />

nuns Estados Unidos pós-<br />

-Segunda Guerra Mundial,<br />

mais abertos a receber<br />

estrangeiros e as suas experiências.<br />

Jerry R. Williams faz aquilo<br />

que o jargão da imprensa<br />

não consegue fazer:<br />

pormenoriza. Distingue, em<br />

termos de ocupações laborais<br />

e hábitos de vida, os<br />

vários destinos da emigração<br />

(a título de exemplo, os<br />

destinos dos operários fabris<br />

e dos pescadores da Costa<br />

Leste nada tiveram a ver<br />

com os dos agricultores e<br />

dos mineiros da Califórnia).<br />

Trajectórias diferentes e diversas<br />

que se unificam num<br />

conjunto de valores de<br />

“portuguesidade” (e de,<br />

arrisque-se uma palavra<br />

menos consensual, “açorianidade”)<br />

que se mantêm ao<br />

longos dos anos: a importância<br />

da família, a figura<br />

paterna como marca de<br />

autoridade e a manutenção<br />

de laços com a família alargada.<br />

In Pursuit of Their Dreams é,<br />

apesar dos seus intentos<br />

especificamente académicos,<br />

uma homenagem.<br />

Uma homenagem a uma<br />

comunidade que, depois<br />

de ter ultrapassado a fase<br />

da sobrevivência pura e simples, foi<br />

aprendendo a impor-se, social e culturalmente,<br />

nas complexas e multiétnicas<br />

sociedades para as quais transportou<br />

um sonho e uma ambição.<br />

‘ uma homenagem a uma comunidade<br />

que, depois de ter ultrapassado<br />

a fase da sobrevivência pura e simples,<br />

foi aprendendo a impor-se, social<br />

e culturalmente, nas complexas e multiétnicas<br />

sociedades para as quais transportou um<br />

sonho e uma ambição.<br />

’<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


Aventuras<br />

de Um Nabogador<br />

onésimo teotónio Almeida<br />

2007, Lisboa: Bertrand<br />

Contares<br />

do andarilho<br />

POR FrAnCisCo beLArD<br />

Jornalista freelance<br />

Navegar é preciso, viver idem, podia dizer<br />

o autor de Aventuras de Um Nabogador & Outras<br />

Estórias-em-Sanduíche, ou desventuras de um<br />

navegador. A dupla qualidade do narrador<br />

– autor e protagonista – marca as<br />

histórias ou “estórias”, “ensanduichadas<br />

em crónicas”. Português nos EUA, a dupla<br />

pertença terá marcado a predilecção por<br />

um termo que aspira a demarcar story de<br />

history e trocar “conto” por short story<br />

(mesmo short é mais ampla semanticamente),<br />

contornando na volta a questão da<br />

“história” com e sem maiúscula. Este viajante,<br />

não turista, dado a recriar mas não<br />

a mentir, narra episódios que viveu ou lhe<br />

foram contados, que assim aconteceram<br />

ou podiam acontecer. onésimo é um dos<br />

nossos melhores navegantes em fim de<br />

século ou começo de outro. Faz-se ao mar<br />

de avião, e, se tal não ocorre, mete água<br />

metafórica, como no episódio que<br />

encerrao livro e lhe dá título. Neste livro<br />

reitera o jeito raro de contar acontecimentos<br />

(reais, passe a redundância) e efabular<br />

em torno. A realidade irrompe tão rica,<br />

interessante e até prodigiosa que dispensa<br />

ficções propriamente mentidas.<br />

o escrúpulo dissuade-o de ser ficcionista,<br />

não lhe faltando experiências e arte que<br />

dele fariam “escritor” na acepção de<br />

matriz continental. Detecta-se na sua “poética”<br />

uma indecisão central entre ficção e<br />

registo (como cronista, testemunha, repórter<br />

ou revelador de indiscrições); talvez<br />

viesse ao caso discutir a natureza dos seus<br />

Livros<br />

textos não académicos a partir do conceito<br />

de paralaxe, ou parallax view, mas não<br />

serei eu a fazê-lo. Este homem, que<br />

defronta certezas infundadas do establishment<br />

intelectual e moral, que é atrevido a<br />

contar histórias reais e fictícias, poupa-se<br />

ao salto não mortal para a ficção “pura”<br />

que eliminaria problemas. Pairam sobre<br />

as andanças de onésimo a exposição ao<br />

olhar próximo (mãe, mulher, conhecidos,<br />

pudor na linguagem e em identificar pessoas;<br />

“excesso de pruridos”, “frágil vergar<br />

aos conselhos da minha primeira leitora”)<br />

e o medo de nos maçar, tão consentido<br />

que talvez lhe corte asas para voos de outra<br />

ordem. Sente-se a tensão fecunda entre<br />

olhar nativo e olhar estranho. É neste olhar<br />

movente que a sua perspicácia tão fundamente<br />

assenta, esteja aqui ou ali, observando<br />

todos como outros e, ao mesmo<br />

tempo, nossos. São textos que a voz do<br />

narrador torna homogéneos, em livro<br />

capaz de dispensar o itálico como separador<br />

entre “estórias”. Nuns casos, estas<br />

seriam fragmentos ou esboços de uma<br />

campus novel (e onésimo o nosso David<br />

Lodge), noutros, a literatura de viagens e<br />

a narrativa cómico-marítima que nos faltaram<br />

na viragem do século. Ao mesmo<br />

tempo, em digressão pelos espaços, ele<br />

condensa as expressões de mundos atlânticos<br />

e pacíficos, com as virtualidades da<br />

perspectiva luso-americana e da mundividência<br />

universalista. A sensibilidade às<br />

tragédias do povo de origem é patente,<br />

sem proclamações patéticas. Se a isto juntarmos<br />

o humor (subtil, subliminar ou de<br />

understatement nuns casos, aberto e descarado<br />

noutros), encontramos um escritor só<br />

tolhido por modéstia e autodepreciação<br />

(ficam-lhe bem, de resto), de que se evade<br />

em invenção vocabular e recursos estilísticos.<br />

onésimo é o bom contrabandista<br />

de géneros literários, que o seu talento<br />

guarda em gaveta indefinível de material<br />

confessável e inconfessável, contável e<br />

incontável. Na sua escrita vigiada, evita<br />

ser mais um romancista português. Toma<br />

diversas vozes; a pessoal, de actor e testemunha,<br />

e as que ecoam no poder de<br />

observador e contador, conjugando peças<br />

de descolagem variável em relação ao “que<br />

realmente aconteceu” (Ranke), acenando<br />

‘ onésimo é o bom contrabandista<br />

de géneros literários, que<br />

o seu talento guarda em gaveta<br />

indefinível de material confessável<br />

e inconfessável, contável<br />

e incontável.<br />

’<br />

ao que podia ter acontecido. Um universo<br />

sedutor, verdadeiro mesmo quando<br />

inverosímil (é também isso a realidade),<br />

marginal ao emprego deste investigador<br />

e professor, que escapa a ossos mais sisudos<br />

do ofício para dar o humor com que<br />

sobrevoa os oceanos e aterra em terras<br />

novamente descobertas. Essa harmonia<br />

polifónica não é manto fantasioso sobre<br />

a verdade nua; é desvio subtil entre nós e<br />

a crueza do mundo interpretado.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 59


o campo de intervenção e pesquisa de Rui Moreira é o desenho.<br />

Para este artista, desenhar não é apenas um fazer, é um modo de<br />

pensar. Pensar a arte e pensar o mundo. Cada desenho que realiza<br />

no seu ateliê pressupõe uma viagem que o antecede. Deserto<br />

do Sara, Amazónia, Trás-os-Montes. o seu desenho inicia-se com<br />

a experiência física de um determinado lugar, a experiência directa<br />

do viver, sentir, cheirar, encontrar. Esta imediatez é ‘armazenada’<br />

no seu corpo e transposta, já na interioridade do seu<br />

ateliê, para a folha de papel. o espaço entre os dois acontecimentos<br />

é fundamental para que a experiência se transforme em<br />

matéria artística, para que se transforme em linguagem visual.<br />

A proposição filosófica de heidegger – o ser-no-mundo – pode<br />

ser invocada aqui para pensar a prática artística de Rui Moreira.<br />

Não há uma dissociação entre a sua vida e a sua arte. o fazer<br />

arte, o desenhar, constitui um prolongamento do seu estar no<br />

mundo. E o seu estar no mundo, embebido e imerso no quotidiano<br />

tangível, traduz-se no seu desenho. Um “desenho alargado”,<br />

como o denomina.<br />

o projecto que realizou em Trás-os-Montes iniciou-se em 2004.<br />

A sua proposta era estudar as festas pagãs (orgiásticas em tempos)<br />

que ainda subsistiam no Norte do País, e em particular debruçar-<br />

-se sobre a figura do careto. Esta figura, também uma antiga<br />

tradição nacional, é um homem comum que, através do vestir<br />

Rui Moreira nasceu no Porto, em 1971. Formou-se no Ar.Co,<br />

tendo começado a expor em meados da década de 1990. Das suas<br />

exposições individuais destacam-se as realizadas na Galeria Lisboa<br />

20 (2007, 2005 e 2003). Prepara uma mostra antológica na<br />

60<br />

CoLeCção FLAD<br />

rui moreira<br />

Encarnar o desenho<br />

de indumentárias típicas, se transforma noutro ser. Um ente<br />

possuído pela magia, em forte comunhão com a natureza e transportando<br />

uma forte tensão sexual. os desenhos de Rui Moreira<br />

sobre estas personagens apresentam seres em processo de mutação<br />

(entre o homem, o animal e o vegetal) e armados de uma<br />

poderosa força sexual.<br />

o trabalho de execução de cada um destes desenhos (como é<br />

habitual na sua obra) é caracterizado por um extraordinário<br />

detalhe. A cruz é um elemento recorrente na sua obra. Simboliza<br />

a unidade, o indivíduo. Enquanto adorno das vestes do careto,<br />

ela traduz a comunidade (presente mas também do passado, do<br />

tempo da história) que este personifica naquele momento.<br />

Recorrente é ainda a cor. o azul que escolhe e que emprega de<br />

forma monocromática, alude igualmente a uma história e a uma<br />

tradição portuguesa.<br />

Apesar de esta série se alinhar na continuidade dos trabalhos<br />

que havia desenvolvido anteriormente (e daí a repetição de<br />

determinados elementos), ela representa uma mudança no traço<br />

do artista que passa a renunciar a linha geometrizante e rigorosa<br />

para adoptar um fluir manual.<br />

FiLipA oLiveirA<br />

Curadora de arte contemporânea<br />

<strong>Fundação</strong> Carmona e Costa, a inaugurar no decorrer deste ano.<br />

Das exposições colectivas em que participou destacam-se: “Portugal<br />

Agora”, Mudam, 2007; “Bouzean”, Faro Capital da Cultura, 2005;<br />

“os Últimos Dias”, <strong>Fundação</strong> Calouste Gulbenkian, 2000.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


CoLeCção FLAD<br />

Sem Título, 2004, tinta de caneta sobre papel, 121 × 160 cm<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 61


62<br />

bLoCo De notAs<br />

A terceira margem do rio<br />

‘ As três candidaturas, ainda em disputa, situam-se<br />

fora dos binómios que moldam a cultura americana.<br />

“o (número) três – escreve Damatta – é a sábia<br />

e sempre próxima (mas invisível e paradoxal) terceira<br />

margem do rio”.<br />

’<br />

“Se na sociedade brasileira as relações<br />

entre as pessoas obrigam a mentir e calcular<br />

constantemente quem nos deve e a<br />

quem devemos, aqui, nos Estados Unidos,<br />

o problema é a ilusão de que tudo pode<br />

ser resolvido formalmente por meio de<br />

instituições impessoais.”<br />

Estas palavras são de Roberto DaMatta,<br />

antropólogo brasileiro traduzido em múltiplas<br />

línguas, autor de estudos sobre a<br />

vida quotidiana brasileira, o carnaval e o<br />

futebol, a rua e o jogo do bicho. DaMatta<br />

compilou em livro as colunas do Jornal da<br />

Tarde (1993-2001), do Estado de S. Paulo<br />

(2001-2004) e de periódicos de menor<br />

difusão, sob o título sedutor de<br />

Tocquevilleanas – Notícias da América (Rio de<br />

Janeiro, Rocco, 2005). o autor foi professor<br />

da Universidade de Notre Dame<br />

(Indiana) durante os dezassete anos a que<br />

correspondem estes ensaios e crónicas.<br />

o contraste entre os tipos de sociedade<br />

a que DaMatta alude remete para as teses<br />

de Edward hall (Beyond Culture). Nas sociedades<br />

pobres em contexto (as anglo-americanas)<br />

os códigos comunicativos quase dispen-<br />

sam a compreensão aprofundada do<br />

ambiente circundante. Nas culturas ricas<br />

em contexto (as sul-americanas), a comunicação<br />

interpessoal e não-verbal relega<br />

para segundo plano a lei, a regra ou o<br />

código. DaMatta não afirma coisa diferente:<br />

“No Brasil todo o mundo personaliza;<br />

aqui (nos Estados Unidos) todo o mundo<br />

impessoaliza”.<br />

Textos jornalísticos, mas simultaneamente<br />

ensaios de investigador que procura<br />

evitar que “os factos canibalizem as teorias<br />

ou, para ser menos pedante, os vários<br />

estilos pelos quais os acontecimentos são<br />

anestesiados de suas repercussões pelo uso<br />

de receitas interpretativas rotineiras”. Ao<br />

contrário dos que se encerram no jargão<br />

especializado, Roberto DaMatta assume<br />

a sua atitude de procurar traduzir para<br />

públicos mais vastos os resultados da pesquisa<br />

e da reflexão universitárias.<br />

o contraste entre sociedades desenvolvidas<br />

e “pobres em contexto” e sociedades<br />

em vias de desenvolvimento “ricas em<br />

contexto” – teorizado por Edward hall –<br />

não adquire na obra do antropólogo bra-<br />

mário mesQuitA<br />

um tocqueville antropólogo e brasileiro<br />

em pleno século xxi.<br />

sileiro significado normativo. Equivale<br />

antes a um esforço de interpretação.<br />

A ilusão anglo-americana é que tudo pode<br />

ser resolvido sem a interferência das relações<br />

entre as pessoas, através do respeito<br />

da legalidade e do culto das instituições.<br />

A ilusão sul-americana é que a amizade e<br />

o compadrio bastam para regular a socie-<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008


dade enquanto a lei e a regra são pormenores<br />

de menor relevância.<br />

A personalização sulista provoca o recurso<br />

frequente à mentira, enquanto a impessoalidade<br />

do Norte, sob a inspiração de<br />

certa cultura protestante, conduz muitas<br />

vezes à hipocrisia. No Brasil, o acento<br />

tónico nas relações interpessoais redunda,<br />

muitas vezes, na “corrupção e (na) incapacidade<br />

de, no plano público, separar o<br />

joio do trigo”, enquanto nos Estados<br />

Unidos, “o preço de uma radical institucionalização<br />

da vida social tem sido o mal-<br />

-estar causado pelo desencanto com um<br />

mundo que não tem lugar para as contradições,<br />

as dualidades e as ambiguidades”.<br />

Este exercício comparativo não conduz<br />

a adoptar uma das sociedades como<br />

“modelo” a imitar e a outra como “antimodelo”<br />

a exorcizar. Em muitos aspectos,<br />

Roberto DaMatta admira a organização<br />

social norte-americana. Noutros, a simpatia<br />

do colunista e investigador vai para<br />

a raiz brasileira. Mas nunca a admiração<br />

pelo Norte se converte em culto basbaque,<br />

nem o amor do Sul em autocontemplação<br />

alheia ao espírito crítico. DaMatta: “No<br />

Brasil e em outros países (como o Chile)<br />

muita gente está convencida de que falta<br />

muito pouco para sermos como eles [os<br />

americanos]: adiantados, grandes, desenvolvidos,<br />

hiperconsumistas e obviamente<br />

felizes. Mas, quando chegarmos lá, eles<br />

serão muito diferentes, provavelmente,<br />

muito mais parecidos connosco do que<br />

gostaria a nossa vã sociologia ou economia.”<br />

A eterna questão do terceiro partido<br />

norte-americano foi reavivada pelas candidaturas<br />

de Ross Perot e de Ralph Nader<br />

(tácticas ou não, pouco importa). Colin<br />

Powell, negro republicano e centrista, sustentou,<br />

sem ambiguidades, que os Estados<br />

Unidos precisam de um terceiro partido.<br />

Sucede que – como sublinha o antropólogo<br />

brasileiro – “o número três não é<br />

bem visto nesta terra que representa-se a<br />

si mesma como dual e que sempre imaginou<br />

que o tudo ou nada, o preto ou o<br />

branco, o leste ou o oeste, o sul ou o<br />

norte, constituem as opções de uma moralidade<br />

suficiente e superior”.<br />

A questão do terceiro termo não se resume,<br />

claro, ao terceiro partido ou ao terceiro<br />

candidato presidencial. Na<br />

actualidade, o número três inscreve-se por<br />

todos os ecrãs televisivos nos relatos e<br />

especulações sobre as próximas eleições<br />

norte-americanas. As três candidaturas,<br />

ainda em disputa, situam-se fora dos binómios<br />

que moldam a cultura americana.<br />

“o (número) três – escreve DaMatta – é<br />

bLoCo De notAs<br />

A excelente montagem da capa da time magazine acentua que só haverá lugar para um dos<br />

pré-candidatos – obama ou hillary – nas eleições americanas, mas a presença de uma mulher<br />

e de um mulato na luta pela Casa branca deixará traço na história da América.<br />

a sábia e sempre próxima (mas invisível<br />

e paradoxal) terceira margem do rio.”<br />

A ironia da história poderá ditar a “renovação<br />

na continuidade”, com a vitória do<br />

candidato republicano (isto não é uma<br />

previsão, mas uma hipótese), mas a presença<br />

de hillary e Barack – uma mulher<br />

e um mulato – na margem democrática<br />

da política americana, representa já uma<br />

enorme mudança que, sejam quais forem<br />

os resultados finais, deixará traço na história<br />

da América.<br />

Desde as primeiras sufragistas a hillary<br />

Clinton, desde a escravatura a Barack<br />

obama, os americanos perfizeram um<br />

enorme percurso. o longo caminho não<br />

está terminado, nem para a América, nem<br />

para o mundo, longe disso, mas ganha<br />

novo alento neste ano de 2008. Ao fundo,<br />

na linha do horizonte, esconde-se, sob o<br />

nevoeiro da esperança, a tal “terceira margem”<br />

– utópica, mas, por certo, necessária.<br />

Nunca chegaremos a vê-la,<br />

provavelmente, mas sabemos de ciência<br />

certa que lá está, em lugar incerto, sob o<br />

denso nevoeiro, à nossa espera.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 63

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