Os afetos da Primeira Guerra Mundial na vida e na obra de ...

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Os afetos da Primeira Guerra Mundial na vida e na obra de Sigmund Freud.Cynthia Cristiane Guerreiro Baldi 11- Introdução.Tomando a Primeira Guerra Mundial como marco de grande importância na vidae na obra do fundador da Psicanálise, pretendemos abordar as influências dos afetos(pathos) que esse violento evento e o difícil período do pós-guerra, na Áustria,proporcionaram sobre a vida e a obra de Sigmund Freud. Nossa hipótese é de que seustextos, dessa época, trazem as pistas dessas influências. Tendo como foco a CiênciaPolítica, apontaremos para a ampliação do objeto de estudo do autor – o indivíduo -para questões mais abrangentes, relacionadas ao social. Ainda que essas preocupaçõesjá estivessem presentes em trabalhos anteriores é, precisamente, a partir da Guerra queFreud, de fato, se propõe a expô-las à uma análise mais detalhada. Mesmo que Freudnunca tenha perdido de vista seu objeto, o indivíduo, acreditamos ser possível extrairimportantes contribuições de seu pensamento acerca das relações sociais e, portanto,políticas, para as ciências sociais como um todo e não apenas para a Psicanálise.Antes da Primeira Guerra Mundial começar, Freud já havia escrito Totem eTabu e rompido com Jung. Em Totem e Tabu o tema da morte (nesse caso, do pai) jáparecia central tanto para o desenvolvimento do indivíduo (o Complexo de Édipo) comopara o da sociedade (assassinato do pai primitivo). As preocupações de Freud, antes daGuerra giravam em torno da reorganização da Associação Psicanalítica Internacional,sem Jung na presidência, e com a Psicanálise em outros níveis, sua clínica, suaspublicações e da organização do próximo congresso psicanítico que se realizaria emsetembro. 22- A Primeira Guerra Mundial.O período da Guerra foi uma época extremamente difícil e dolorosa, ainda queseus efeitos não se tenham revelado logo após o seu início. Foi um tempo onde a razão,1Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Mestranda no Programa deCiência Política, na mesma universidade. Área de concentração: Teoria Política. Linha temática depesquisa: Poder, Subjetividade e Mudança Política. Sob orientação do Professor Doutor Renato Lessa.2Max Schur, Freud: Vida e Agonia.1

<strong>Os</strong> <strong>afetos</strong> <strong>da</strong> <strong>Primeira</strong> <strong>Guerra</strong> <strong>Mundial</strong> <strong>na</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>na</strong> <strong>obra</strong> <strong>de</strong> Sigmund Freud.Cynthia Cristiane Guerreiro Baldi 11- Introdução.Tomando a <strong>Primeira</strong> <strong>Guerra</strong> <strong>Mundial</strong> como marco <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância <strong>na</strong> vi<strong>da</strong>e <strong>na</strong> <strong>obra</strong> do fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> Psicanálise, preten<strong>de</strong>mos abor<strong>da</strong>r as influências dos <strong>afetos</strong>(pathos) que esse violento evento e o difícil período do pós-guerra, <strong>na</strong> Áustria,proporcio<strong>na</strong>ram sobre a vi<strong>da</strong> e a <strong>obra</strong> <strong>de</strong> Sigmund Freud. Nossa hipótese é <strong>de</strong> que seustextos, <strong>de</strong>ssa época, trazem as pistas <strong>de</strong>ssas influências. Tendo como foco a CiênciaPolítica, apontaremos para a ampliação do objeto <strong>de</strong> estudo do autor – o indivíduo -para questões mais abrangentes, relacio<strong>na</strong><strong>da</strong>s ao social. Ain<strong>da</strong> que essas preocupaçõesjá estivessem presentes em trabalhos anteriores é, precisamente, a partir <strong>da</strong> <strong>Guerra</strong> queFreud, <strong>de</strong> fato, se propõe a expô-las à uma análise mais <strong>de</strong>talha<strong>da</strong>. Mesmo que Freudnunca tenha perdido <strong>de</strong> vista seu objeto, o indivíduo, acreditamos ser possível extrairimportantes contribuições <strong>de</strong> seu pensamento acerca <strong>da</strong>s relações sociais e, portanto,políticas, para as ciências sociais como um todo e não ape<strong>na</strong>s para a Psicanálise.Antes <strong>da</strong> <strong>Primeira</strong> <strong>Guerra</strong> <strong>Mundial</strong> começar, Freud já havia escrito Totem eTabu e rompido com Jung. Em Totem e Tabu o tema <strong>da</strong> morte (nesse caso, do pai) jáparecia central tanto para o <strong>de</strong>senvolvimento do indivíduo (o Complexo <strong>de</strong> Édipo) comopara o <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> (assassi<strong>na</strong>to do pai primitivo). As preocupações <strong>de</strong> Freud, antes <strong>da</strong><strong>Guerra</strong> giravam em torno <strong>da</strong> reorganização <strong>da</strong> Associação Psica<strong>na</strong>lítica Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l,sem Jung <strong>na</strong> presidência, e com a Psicanálise em outros níveis, sua clínica, suaspublicações e <strong>da</strong> organização do próximo congresso psicanítico que se realizaria emsetembro. 22- A <strong>Primeira</strong> <strong>Guerra</strong> <strong>Mundial</strong>.O período <strong>da</strong> <strong>Guerra</strong> foi uma época extremamente difícil e dolorosa, ain<strong>da</strong> queseus efeitos não se tenham revelado logo após o seu início. Foi um tempo on<strong>de</strong> a razão,1Gradua<strong>da</strong> em Ciências Sociais pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense. Mestran<strong>da</strong> no Programa <strong>de</strong>Ciência Política, <strong>na</strong> mesma universi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Área <strong>de</strong> concentração: Teoria Política. Linha temática <strong>de</strong>pesquisa: Po<strong>de</strong>r, Subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e Mu<strong>da</strong>nça Política. Sob orientação do Professor Doutor Re<strong>na</strong>to Lessa.2Max Schur, Freud: Vi<strong>da</strong> e Agonia.1


tão admira<strong>da</strong> por Freud, ficou em segundo plano diante <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a agressivi<strong>da</strong><strong>de</strong> que eralibera<strong>da</strong>.A partir <strong>de</strong> 1908, o Império Austro-Húngaro viveu algumas crises sucessivas,envolvendo os Bálcãs. O imperialismo <strong>na</strong> Alemanha seguia rumo ao choque com osinteresses <strong>da</strong>s Potencias Oci<strong>de</strong>ntais, além disso, o militarismo, as rivali<strong>da</strong><strong>de</strong>s raciais eculturais eram outros fatores complexos <strong>de</strong>ntro do Império austro-húngaro. Em 28 <strong>de</strong>junho <strong>de</strong> 1914 o Arquiduque austríaco Francisco Ferdi<strong>na</strong>nd foi assassi<strong>na</strong>do, emSarajevo, por militantes bósnios. Seis sema<strong>na</strong>s <strong>de</strong>pois, eclodiu a <strong>Primeira</strong> <strong>Guerra</strong><strong>Mundial</strong>.Em 23 <strong>de</strong> julho a Áustria <strong>de</strong>u um ultimato à Sérvia, com o apoio <strong>da</strong> Alemanha e,cinco dias <strong>de</strong>pois, 29 <strong>de</strong> julho, o exército austro-húngaro a atacou. Nesse período, Freu<strong>de</strong> quase to<strong>da</strong> a população autríaca foram assolados por uma euforia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista. No dia4 <strong>de</strong> agosto, confirma<strong>da</strong> a invasão <strong>da</strong> Bélgica pela Alemanha, a Inglaterra entrou <strong>na</strong>guerra. Em agosto, a maior parte <strong>da</strong> Europa e as regiões vizinhas estavam em guerra;mais tar<strong>de</strong>, a Itália e os Estadoas Unidos também entrariam <strong>na</strong> guerra. Em novembro,Freud soube <strong>da</strong> morte <strong>de</strong> seu meio irmão Emanuel, num aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> trem , <strong>na</strong> Inglaterra.Era impressio<strong>na</strong>nte o entusiasmo com que a guerra foi sau<strong>da</strong><strong>da</strong>, não ape<strong>na</strong>s pelapopulação, mas por intelectuais e artistas. O entusiasmo <strong>de</strong> Freud foi breve, até porquesua admiração pela Inglaterra era gran<strong>de</strong> o que não se repetia em relação à Alemanha.Além disso, outro fator que o fez <strong>de</strong>saprovar a guerra foram as consequências diretassobre sua vi<strong>da</strong> pessoal e profissio<strong>na</strong>l: até o fim <strong>da</strong> guerra seus tres filhos tinhamparticipado <strong>de</strong> combates e sua ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> clínica foi praticamente arrui<strong>na</strong><strong>da</strong> nos anos emque a guerra prosseguiu.O congresso <strong>de</strong> Psicanálise que aconteceria em setembro, em Dres<strong>de</strong>m, não pô<strong>de</strong>se realizar. <strong>Os</strong> a<strong>de</strong>ptos <strong>da</strong> psicanálise e colegas <strong>de</strong> Freud foram quase todos recrutadospara servir <strong>na</strong> guerra. Por falta <strong>de</strong> dinheiro e disponibili<strong>da</strong><strong>de</strong> as publicaçõespsica<strong>na</strong>líticas foram sendo interrompi<strong>da</strong>s, paraliza<strong>da</strong>s e diminui<strong>da</strong>s. A socie<strong>da</strong><strong>de</strong>psica<strong>na</strong>lítica <strong>de</strong> Vie<strong>na</strong> que se reunia sema<strong>na</strong>lmente fazia anos, diminuiu gra<strong>da</strong>tivamenteseus encontros até que se tor<strong>na</strong>ssem esporádicos. Congressos inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is foramimpossibilitados o que punha em risco a própria Psicanálise. An<strong>na</strong> Freud, filha maisnova <strong>de</strong> Freud, que viajou para a Inglaterra, em meados <strong>de</strong> julho, foi surpreendi<strong>da</strong> pelashostili<strong>da</strong><strong>de</strong>s e voltou em segurança para Vie<strong>na</strong>, no fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> agosto, com a aju<strong>da</strong> <strong>de</strong>Ernest Jones, colega inglês <strong>de</strong> Freud, apesar do risco que ela correu não ter sido tãogran<strong>de</strong>. No início <strong>de</strong> agosto, um dos filhos <strong>de</strong> Freud, Martin, que havia sido recusado2


num primeiro momento, se apresentou voluntariamente para servir no fronte. Em 1916,foi a vez <strong>de</strong> outro filho, Oliver. Ernest; o filho mais novo, se tornou voluntário emoutubro. O genro, marido <strong>de</strong> Sophie, combateu até ser ferido e reformado por invali<strong>de</strong>z,em 1916.Esse foi um período doloroso e <strong>de</strong> muitas espectativas pelo bem-estar dos filhos,Freud enviava dinheiro e alimentos para eles, no fronte, e aguar<strong>da</strong>va angustia<strong>da</strong>mentepor notícias suas.O período <strong>de</strong> guerra foi também uma época <strong>de</strong> isolamento forçado para Freud,seus colegas estudiosos <strong>da</strong> psicanálise estavam praticamente todos servindo ao exército;com os amigos dos países adversários era difícil manter contato por causa <strong>da</strong> censura,além disso a maioria <strong>de</strong> seus pacientes ou estava também servindo ao exército ou tinhaproblemas mais imediatos, gerados pela guerra, do que a análise para se ocupar; aspublicações diminuiram gigantescamente, não havia congressos psica<strong>na</strong>líticos. O ladopositivo é que lhe sobrou tempo para <strong>de</strong>senvolver suas idéias e escrever mais. Em 1915,escreveu os artigos sobre metapsicologia, empreen<strong>de</strong>ndo uma exposição completa esistemática <strong>de</strong> suas teorias psicológicas, que eram doze, mas dos quais sete foram<strong>de</strong>struídos pelo autor, dos que restaram estão <strong>Os</strong> Instintos e suas vicissitu<strong>de</strong>s,Repressão, O Inconsciente, Suplemento Metapsicológico à Teoria dos Sonhos e Luto eMelancolia. Escreveu ain<strong>da</strong>, Um Caso <strong>de</strong> Paranóia que Contraria a TeoriaPsica<strong>na</strong>lítica <strong>da</strong> Doença, Reflexões para os Tempos <strong>de</strong> <strong>Guerra</strong> e Morte, Sobre aTransitorie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Em 1916, com sessenta anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, Freud escreveu Alguns Tipos <strong>de</strong>Caráter Encontrados no Trabalho Psica<strong>na</strong>lítico.Nos invernos <strong>de</strong> 1915-16 e 1916-17, Freud apresentou três séries <strong>de</strong> palestrasintrodutórias, resumindo e tentando popularizar a Psicanálise: ConferênciasIntrodutórias, on<strong>de</strong> não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> mencio<strong>na</strong>r a guerra, ain<strong>da</strong> que brevemente, <strong>da</strong>ndomostra do quanto a <strong>de</strong>strutivi<strong>da</strong><strong>de</strong> huma<strong>na</strong> ocupava seus pensamentos durantes essesanos.Em 1917, uma vitória <strong>da</strong>s Potências Centrais parecia impossível, ain<strong>da</strong> mais coma entra<strong>da</strong> dos Estados Unidos <strong>na</strong> <strong>Guerra</strong>, ao lado dos Países Aliados. A situação emVie<strong>na</strong> era precária: comi<strong>da</strong> e combustíveis, necessários para o aquecimento, escassostor<strong>na</strong>vam o frio difícil <strong>de</strong> suportar, a inflação galopante sobre os gêneros <strong>de</strong> primeiranecessi<strong>da</strong><strong>de</strong> era ain<strong>da</strong> maior que a oficial, no mercado negro. Freud recebia,3


ocasio<strong>na</strong>lmente, remessas <strong>de</strong> alimentos dos colegas <strong>de</strong> outros países o que era ape<strong>na</strong>sum paliativo. 3Em 1918, após publicar Luto e Melancolia, Freud <strong>de</strong>struiu 7 dos 12 ensaios <strong>de</strong>metapsicologia que havia escrito nos últimos anos, um gesto enigmático, queprovavelmente, teve alguma ligação com o sofrimento gerado pela guerra.Em setembro, um congresso psica<strong>na</strong>lítico inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l pô<strong>de</strong>, fi<strong>na</strong>lmente, serealizar, o último havia sido em 1913. Com um número <strong>de</strong> participantes reduzido, umdos temas discutidos foram as neuroses <strong>de</strong> guerra.Em novembro, a guerra estava termi<strong>na</strong><strong>da</strong> e império austro-húngaro sendo<strong>de</strong>smantelado. Depois <strong>de</strong> sema<strong>na</strong>s sem notícias, no fim do mês, Freud teve notícias <strong>de</strong>Martin, prisioneiro <strong>de</strong>s<strong>de</strong> outubro, <strong>na</strong> Itália.Em Luto e Melancolia 4 , escrito em 1915 mas só publicado em 1917, Freu<strong>da</strong><strong>na</strong>lisa mais profun<strong>da</strong>mente os sentimentos ambivalentes envolvidos no processo <strong>de</strong>luto. Descreve também como a agressivi<strong>da</strong><strong>de</strong> volta-se para o próprio indivíduo.Com a continui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> guerra e influenciado por to<strong>da</strong>s as consequências que elavinha impondo, Freud começou a refletir sobre a <strong>de</strong>cadência <strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong> e areali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong> <strong>da</strong> qual a guerra era a expressão e, em 1915 publicou doisartigos: A Desilusão <strong>da</strong> <strong>Guerra</strong> e Nossa Atitu<strong>de</strong> para com a Morte que compõem asReflexões para os Tempos <strong>de</strong> <strong>Guerra</strong> e Morte 5 . Nesses artigos, Freud admitia que aexistência <strong>de</strong> <strong>na</strong>ções entre as quais havia diferenças econômicas e culturais po<strong>de</strong>ria<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar guerras, mas que a espectativa era <strong>de</strong> que a civilização pu<strong>de</strong>sse gerarmaneiras alter<strong>na</strong>tivas e mais pacíficas <strong>de</strong> resolver esses conflitos e que, mesmo sechegassem a ocorrer guerras que elas seriam pouco sangrentas, que respeitariam asnormas do direito inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, espectativas que se frustravam com o advento maissangrento que a humani<strong>da</strong><strong>de</strong> presenciava até então.No primeiro artigo, Freud chama a atenção para a <strong>de</strong>struição dos bensconstruídos pela humani<strong>da</strong><strong>de</strong>, através <strong>da</strong> explosão do ódio e do <strong>de</strong>sprezo pelo inimigo.Mesmo os intelectuais, artistas e cientistas foram carregados pela propagan<strong>da</strong>ten<strong>de</strong>nciosa <strong>da</strong> guerra e per<strong>de</strong>ram a luci<strong>de</strong>z. Uma <strong>da</strong>s consequências <strong>da</strong> guerra foi pôrabaixo as ilusões acerca <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>; <strong>na</strong>tureza essa que, para a Psicanálise, nãoera nenhuma surpresa. O homem não é ‘bom’ e nem ‘mau’, ape<strong>na</strong>s expressa seus3Peter Gay, Freud: Uma Vi<strong>da</strong> para o Nosso Tempo.4Sigmund Freud, Luto e Melancolia.5Sigmund Freud, Reflexões para os Tempos <strong>de</strong> <strong>Guerra</strong> e Morte.4


impulsos primitivos que, <strong>na</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> civiliza<strong>da</strong>, são inibidos social e inter<strong>na</strong>mente e,to<strong>da</strong> a agressivi<strong>da</strong><strong>de</strong> que é reprimi<strong>da</strong>, em algum momento, vem novamente à to<strong>na</strong>. Aguerra mostrou que a humani<strong>da</strong><strong>de</strong> não é <strong>na</strong>turalmente boa, essa ilusão é que causoutanta <strong>de</strong>cepção quando se percebeu a <strong>de</strong>strutivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e a mortan<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que é capaz ahumani<strong>da</strong><strong>de</strong>.No segundo artigo, o tema <strong>da</strong> morte é central. Freud questio<strong>na</strong> o posicio<strong>na</strong>mento<strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> civiliza<strong>da</strong> em relação à morte. Segundo ele, o homem mo<strong>de</strong>rno negaconstantemente a existência <strong>da</strong> morte e usa a imagi<strong>na</strong>ção para atenuar os efeitos que oimpacto <strong>da</strong> morte <strong>de</strong> outros causa sobre si; exemplo disso são o romance e o teatro que,permitem uma certa i<strong>de</strong>ntificação com a morte <strong>da</strong> perso<strong>na</strong>gem, mas enquanto ela estádistante, no plano <strong>da</strong> ficção. O que a civilização tenta ocultar, a agressivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, sob o véu<strong>da</strong> gentileza e <strong>da</strong> cortesia, o homem primitivo vivia mais abertamente, se satisfazendo<strong>de</strong>spudora<strong>da</strong>mente com a morte do inimigo. Freud sustenta que um dos sentimentosambivalentes que surgem, em função <strong>da</strong> morte, é a culpa e, é esse sentimento que fazsurgir a crença numa vi<strong>da</strong> eter<strong>na</strong>, no espríto imortal, <strong>na</strong> reencar<strong>na</strong>ção e, o medo <strong>da</strong>morte está relacio<strong>na</strong>do a esse sentimento <strong>de</strong> culpa. Ora, a proibição <strong>de</strong> matar, norma <strong>na</strong>socie<strong>da</strong><strong>de</strong> civiliza<strong>da</strong>, com a mortan<strong>da</strong><strong>de</strong> provoca<strong>da</strong> pela guerra, é mostra <strong>de</strong> que ohomem mo<strong>de</strong>rno ape<strong>na</strong>s reprimiu a agressivi<strong>da</strong><strong>de</strong> que é parte integrante <strong>da</strong> sua psiquê eque o coloca muito próximo do homem primitivo.Desfeita essa ilusão, a morte estando cara-a-cara com o homem, a vi<strong>da</strong> se tor<strong>na</strong>mais interessante; admitindo a real possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> morte é que o homem tem apossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> reconstruir uma civilização menos hipócrita e frágil. Tendo seus filhosno fronte, Freud sabia bem o que era essa proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> com a morte. Ele con<strong>de</strong><strong>na</strong>va aguerra e a única via <strong>de</strong> escape para essa opção, em sua opinião, era através do Logos.Sua própria ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> intelectual, durante a guerra, o ajudou a tolerar seus efeitos sobresua sua vi<strong>da</strong> como, por exemplo, o receio pela morte dos filhos e as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>sfi<strong>na</strong>nceiras.Em Reflexões para os Tempos <strong>de</strong> <strong>Guerra</strong> e Morte, Freud <strong>de</strong>positou to<strong>da</strong> atentativa <strong>de</strong> explicar o advento <strong>da</strong> guerra <strong>na</strong>s proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>, aliás,to<strong>da</strong> aproximação <strong>de</strong> uma análise mais social ou <strong>de</strong> fenômenos sociais, <strong>na</strong> <strong>obra</strong> <strong>de</strong>Freud, tem sempre como foco e ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> a <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>.5


Também tratando <strong>da</strong> morte, em 1915, Freud escreveu Sobre a Transitorie<strong>da</strong><strong>de</strong> 6 ,on<strong>de</strong> afirma que a mortali<strong>da</strong><strong>de</strong>, não anula o valor <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> assim como a limitaçãotemporal <strong>de</strong> uma <strong>obra</strong> <strong>de</strong> arte não minora sua beleza.Falando <strong>da</strong>s proezas realiza<strong>da</strong>s pela guerra: a <strong>de</strong>struição <strong>da</strong>s realizações <strong>da</strong>civilização, o fim <strong>da</strong> ilusão sobre a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> fim <strong>da</strong>s diferenças entre raças e<strong>na</strong>ções, o fim <strong>da</strong> crença <strong>na</strong> imparciali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> ciência, a exposição dos instintosprimitivos agressivos que se julgavam domesticados pela educação civiliza<strong>da</strong>; Freu<strong>da</strong>firma que a perecivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sses objetos não faz com seu valor seja anulado, ain<strong>da</strong> queaparentemente essa per<strong>da</strong> <strong>de</strong> valor se mostre ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira. Isso será ver<strong>da</strong><strong>de</strong> ape<strong>na</strong>senquanto durar o luto pela per<strong>da</strong> <strong>de</strong>sses objetos, <strong>de</strong>pois disso, a libido novamente estarápronta para investir em outros objetos e <strong>na</strong> reconstrução do que foi perdido e,possivelmente, em bases mais sóli<strong>da</strong>s, menos frágeis.3- O pós-gerra.<strong>Os</strong> meses seguintes ao fim <strong>da</strong> guerra foram marcados por instabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s políticas<strong>na</strong> Alemanha, <strong>na</strong> Àustria e <strong>na</strong> Hungria e por batalhas, <strong>na</strong>s ruas, entre militantes radicaise reacionários. O ano seguinte, provou que o fim <strong>da</strong> guerra não acabaria com asdificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>na</strong> Áustria; a nutrição e a saú<strong>de</strong> continuavam precárias. Foi um anomarcado também, por uma série <strong>de</strong> tratados que puseram fim aos impérios centroeuropeuse, em junho, os alemães assi<strong>na</strong>ram o Tratado <strong>de</strong> Versalhes. Boa parte <strong>da</strong> antigaÁstria também foi mutila<strong>da</strong> com a assi<strong>na</strong>tura do Tratado <strong>de</strong> St. Germain.A situação em Vie<strong>na</strong>, no pós-guerra, continuava tão precária que Freud chegou aescrever um artigo para um jor<strong>na</strong>l pedindo batatas como pagamento; para comer carneas pessoas criavam coelhos ou caçavam esquilos. 7 O governo racio<strong>na</strong>va os gêneros <strong>de</strong>primeira necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>, os combustíveis continuavam escassos e o mercado negroprosperava. Países oci<strong>de</strong>ntais enviavam gêneros <strong>de</strong> primeira necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> para apopulação, tentando aten<strong>de</strong>r aos apelos <strong>de</strong> políticos austríacos o que não resolvia, <strong>de</strong>forma alguma, o problema. A mortali<strong>da</strong><strong>de</strong> infantil era alarmante.Em 1919, Martin fi<strong>na</strong>lmente voltou para casa <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ficar por um bomperíodo se recuperando <strong>de</strong> ferimentos num hospital, <strong>de</strong>stino diferente <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 800mil sol<strong>da</strong>dos austro-húngaros que morreram em combate ou por doenças <strong>na</strong> guerra.6Sigmund Freud, Sobre a Transitorie<strong>da</strong><strong>de</strong>.7Peter Gay, Freud: Uma Vi<strong>da</strong> para o Nosso Tempo.6


Freud havia se preparado, durante a guerra, para, possivelmente, receber anotícia <strong>da</strong> morte dos filhos. Diferente <strong>de</strong> muitas famílias, a família Freud teve sorte e aguerra não foi responsável pela maorte <strong>de</strong> nenhum <strong>de</strong>les. Mas o período seguinte, dopós-guerra, pôs a morte em contato com Freud em vários momentos. O primeiro <strong>de</strong>les,em 3 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1919, foi através <strong>de</strong> Victor Tausk, psica<strong>na</strong>lista em Vie<strong>na</strong> que, <strong>de</strong>pois<strong>da</strong> guerra procurou a aju<strong>da</strong> <strong>de</strong> Freud que se recusou a a<strong>na</strong>lisá-lo, indicando HeleneDeutsch para para substituí-lo <strong>na</strong> análise. Freud era a<strong>na</strong>lista <strong>de</strong> Helene e Helene setornou a<strong>na</strong>lista <strong>de</strong> Tausk, a análise não <strong>de</strong>u certo e Tausk se suicidou. Freud parece nãoter se abalado muito com a morte <strong>de</strong> Tausk. A segun<strong>da</strong> morte foi a <strong>de</strong> Anton VonFreund, essa sim, o abalou Freud profun<strong>da</strong>mente. No início <strong>de</strong> 1920, Sophie, filha <strong>de</strong>Freud, grávi<strong>da</strong> do terceiro filho e <strong>de</strong>ixando mais dois, morreu por causa <strong>de</strong> umapneumonia, agravamento <strong>de</strong> uma gripe, se tor<strong>na</strong>ndo mais uma vítima <strong>da</strong> guerra. Freud esua esposa não pu<strong>de</strong>ram comparecer ao enterro porque não havia trens.Freud sofria até mesmo com a escassez <strong>de</strong> papel, o que fazia racio<strong>na</strong>r as cartasaos amigos e parentes estrangeiros <strong>na</strong>s quais pedia, no que era prontamente atendido,que lhe enviassem e a sua família todo tipo <strong>de</strong> produtos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> alimentos até charutos eroupas; essas cartas eram também, uma forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar a situação calamitosa emque viviam. Como se não bastasse, Freud ain<strong>da</strong> tinha que se preocupar com o <strong>de</strong>svio <strong>de</strong><strong>de</strong>stino e a violação que sofriam muitas <strong>de</strong> suas encomen<strong>da</strong>s. A família <strong>de</strong> Freud sofriatambém com a <strong>de</strong>bili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>, gera<strong>da</strong> por anos <strong>de</strong> nutrição insuficiente. Sua esposateve pneumonia, complicação gera<strong>da</strong> pela ‘gripe espanhola’ que vinha matandomilhares <strong>de</strong> pessoas. Em 1918, escolas e teatro eram fecha<strong>da</strong>s nos tempos mais friospara tentar diminuir o contágio. Em 1921, quando findou a epi<strong>de</strong>mia, mais <strong>de</strong> 15 milpessoas haviam morrido, em <strong>de</strong>corrência <strong>da</strong> doença e <strong>da</strong> falta <strong>de</strong> medicamentos paracombatê-la. Felizmente Martha Freud sobreviveu, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma longa recuperação.A partir <strong>de</strong> 1921, as coisas começaram a melhorar lentamente, a inflaçãocontinuava e Freud, com muitos pacientes ingleses e norte-americanos, <strong>na</strong> atualconjunturas seus preferidos, pedia o pagamento em dólares. Como consequência <strong>da</strong>guerra, seus filhos ficaram <strong>de</strong>sempregados ou com empregos precários, o que fez comque Freud se tor<strong>na</strong>sse também responsável por sua subsistência.Em 1923, Freud publicou O Ego e o Id, escrito no ano anterior para ser umacontinuação <strong>de</strong> Além do Princípio do Prazer, on<strong>de</strong> apresentava a divisão em id, ego esuperego <strong>da</strong> estrutura e do funcio<strong>na</strong>mento mental.7


Em agosto, sua sobrinha Cecilie Graf, com 23 anos, suicidou-se, estava grávi<strong>da</strong>e solteira, morte que o balou bastante.Des<strong>de</strong> o fim <strong>de</strong> 1917, Freud vinha sofrendo com um inchaço no palato; emfevereiro <strong>de</strong> 1923, percebeu um tumor leucoplástico 8 no maxilar e no palato que foiremovido poucos meses <strong>de</strong>pois. Des<strong>de</strong> o início Freud <strong>de</strong>sconfiava <strong>da</strong> maligni<strong>da</strong><strong>de</strong> dotumor, mas Maximiliam Steiner, o <strong>de</strong>rmatologista que procurou, não confirmou odiagnóstico <strong>de</strong> câncer. Pouco tempo <strong>de</strong>pois, procurou felix Deutsch, outro médico, paraouvir sua opinião, ele também não confirmou o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro diagnóstico – epitelioma –mas aconselhou sua remoção. Freud escolheu o rinologista Marcus Hajek para fazer acirurgia - médico que não tinha fama <strong>de</strong> muito competente. A cirurgia foi realiza<strong>da</strong>,irresponsavelmente, no ambulatório <strong>da</strong> clínica <strong>de</strong>sse médico. Freud teve gran<strong>de</strong>hemorragia durante e <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> cirurgia e ficou numa enfermaria sem acompanhamentoalgum e somente <strong>na</strong> companhia <strong>de</strong> um outro paciente. Esse paciente percebendo o malestar<strong>de</strong> Freud durante a tar<strong>de</strong> foi quem, provavelmente, salvou sua vi<strong>da</strong> indo chamar aenfermeira já que a campanhia não funcio<strong>na</strong>va. Foram ain<strong>da</strong> receita<strong>da</strong>s pelo médico,sessões <strong>de</strong> rádio e raio x que não surtiram efeito, pois para esse tipo <strong>de</strong> câncer não eramaconselháveis. 9 Meses <strong>de</strong>pois, com a continui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s dores, Freud voltou a procurarDeutsch, que aconselhou uma segun<strong>da</strong> operação, ain<strong>da</strong> sem revelar o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>irodiagnóstico ao paciente.Junto com todo o sofrimento e a preocupação com sua saú<strong>de</strong>, Freud, novamente,teve contato com a morte, talvez essa tenha a sido a per<strong>da</strong> mais dolorosa para ele, seuneto, filho mais novo <strong>de</strong> Sophie, com 4 anos, morreu <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> constata<strong>da</strong> umatuberculose miliar, em 19 <strong>de</strong> junho.Somente em setembro, Freud teve acesso a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> sua doença, enfrentandocorajosamente todos os procedimentos a que foi obrigado a se submeter. Procurou entãoHans Pichler, conceituado ciurgião <strong>da</strong>s vias orais, indicado por Deutsch, foramrealiza<strong>da</strong>s duas cirurgias, em 4 e 12 <strong>de</strong> outubro. Em novembro, novos tecidoscancerosos foram <strong>de</strong>tectado e uma nova cirurgia necessária. Em segui<strong>da</strong>, cerca <strong>de</strong> 30cirurgias foram realiza<strong>da</strong>s para retirar novas leucoplasias benig<strong>na</strong>s ou pré-cancerosas, assucessivas próteses eram incômo<strong>da</strong>s e dolorosas, impediam uma boa dicção e comer efumar se tor<strong>na</strong>ram ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s dolorosas, Freud lutou bravamente contra a doença e,8Tumor benigno associado ao consumo regular <strong>de</strong> tabaco.9Max Schur, Freud: Vi<strong>da</strong> e Agonia.8


somente em 1936, o câncer seria novamente <strong>de</strong>tectado. Em 23 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1939, amorte fi<strong>na</strong>lmente venceu, Freud tinha 83 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>.1920 foi ano em que Freud publicou Além do Princípio do Prazer 10 , escrito noano anterior. Nesse texto, on<strong>de</strong> continua a tratar do tema <strong>da</strong> morte, ele <strong>de</strong>senvolveu oconceito <strong>de</strong> ‘pulsão <strong>de</strong> morte’ e <strong>de</strong>u ênfase à agressão. Chegou a se cogitar que Freudtivesse escrito esse texto motivado pela morte <strong>da</strong> filha Sophie, mas ele já havia escrito otexto quando ela morreu, mas <strong>de</strong> qualquer forma, a violência dos anos anteriores tevesua parcela <strong>de</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> numa maior preocupação <strong>de</strong> Freud com a morte e aagressivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do indivíduo e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> já que, a guerra revelava uma face <strong>da</strong>humani<strong>da</strong><strong>de</strong> que ilusoriamente julgava-se inexistente. Em <strong>obra</strong>s anteriores à guerraFreud já havia <strong>da</strong>do atenção à questão <strong>da</strong> agressão, mas num nível mais restrito aoindivíduo. Por isso mesmo, ele insistia que, para a Psicanálise, a <strong>Guerra</strong> não foisurpresa, veio ape<strong>na</strong>s confirmar suas hipóteses acerca <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>. Outro fatorque fez parte do pano <strong>de</strong> fundo para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sse texto foi ter acompanhadoa luta do amigo e paciente Anton von Freund 11 , que sofria <strong>de</strong> câncer, contra a morte eque faleceu dias antes <strong>de</strong> sua filha.Além do Princípio do Prazer foi um texto um pouco mais especulativo e menosfincado <strong>na</strong> experiência clínica, que seus escritos anteriores, o próprio autor alertava parasuas incertezas. No entanto, introduziu importantes avanços à teoria <strong>da</strong>s pulsõesampliando o conceito <strong>de</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, introduzindo o conceito <strong>de</strong> <strong>na</strong>rcisismo e aafirmando a <strong>na</strong>tureza regressiva <strong>da</strong>s pulsões.Na mente huma<strong>na</strong> existiria uma forte tendência para o princípio do prazer,porém o que gera prazer po<strong>de</strong> simultaneamente gerar <strong>de</strong>sprazer, caberia, então, aoprincípio <strong>de</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> adiar a obtenção <strong>de</strong>sse prazer imediato para evitar o <strong>de</strong>sprazeradiando e redirecio<strong>na</strong>ndo a satisfação.A partir <strong>da</strong>í usa a compulsão à repetição como uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> extremamenteinstintiva chegando à conclusão <strong>de</strong> que “a fi<strong>na</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> é a morte”, ou seja, <strong>de</strong>que há, também, uma tendência a restauração do estado inorgânico através <strong>da</strong> morte; era10Sigmund Freud, Além do Princípio do Prazer.11Anton Von Freund fez análise com Freud e foi curado <strong>de</strong> uma neurose, sua gratidão o fez fun<strong>da</strong>r umaeditora para apoiar as publicações psica<strong>na</strong>líticas; era um homem rico. Em 1919, foram constata<strong>da</strong>smetástases <strong>de</strong> seu câncer abdomi<strong>na</strong>l; tendo total consciência <strong>de</strong> seu estado, Freund lutou o quanto pô<strong>de</strong>contra a doença. As cartas <strong>da</strong> época mostram como o sofrimento do jovem amigo abalou Freud. Freundmorreu em 21 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1920. Freud acompanhou o amigo durante todos os dias até sua morte, com40 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ver Max Schur, Freud: Vi<strong>da</strong> e Agonia e Pete Gay, Freud: Uma Vi<strong>da</strong> para o NossoTempo.9


essa a pulsão <strong>de</strong> morte. Mas, se assim fosse, a morte seria o principal objetivo <strong>da</strong> mente,porém, <strong>na</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, pulsão <strong>de</strong> morte e pulsão <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, Eros e Tâ<strong>na</strong>tos, lutam até o fim,ou seja, até a vitória <strong>da</strong> pulsão <strong>de</strong> morte durante to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>, vi<strong>da</strong> que é o palco <strong>de</strong>sseconflito, <strong>na</strong> mente huma<strong>na</strong>. A pulsão <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> ten<strong>de</strong> a investir tudo – o corpo, as coisas,outros seres – libidi<strong>na</strong>lmente, buscando a coesão entre tudo, no movimento oposto,estaria a pulsão <strong>de</strong> morte tentando <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r essa libido dos objetos, separá-los,acabando com a tensão e voltando ao estado inorgânico. A pulsão <strong>de</strong> morte buscaria ofim <strong>da</strong> tensão psíquica através <strong>da</strong> morte. Ambas as pulsões tentam reestabelecer umestado, anterior, a primeira através <strong>da</strong> ligação libidi<strong>na</strong>l, aumentando a tensão, e asegun<strong>da</strong>, através <strong>da</strong> busca <strong>da</strong> calma do inorgânico. Esse estado anterior po<strong>de</strong> serprazeroso ou não. Essa tendência à repetição, para Freud, seria maior que a própriatendência ao princípio <strong>de</strong> prazer. 12 Outra forma <strong>de</strong> aliviar essa tensão, e é essa a quepô<strong>de</strong> ser observa<strong>da</strong> durante a <strong>Guerra</strong>, seria através <strong>da</strong> agressivi<strong>da</strong><strong>de</strong> dirigi<strong>da</strong> ao mundoexterno, ao social, à civilização.Segundo Max Schur, “As formulações <strong>de</strong> Freud quanto à pulsão <strong>de</strong> morte e àcompulsão à repetição foram, em parte, <strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>da</strong>s por uma permanete tentativa <strong>de</strong>“elaborar” suas supertições obsessivas e chegar a um acordo com o problema <strong>da</strong> morte,tratando-o como problema científico” 13 . Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, quase todos os escritos <strong>de</strong> Freud<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>da</strong> <strong>Guerra</strong>, mostram sua clara preocupação com a questão <strong>da</strong> morte e <strong>da</strong>agressivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, questões que, o levaram a refletir acerca <strong>de</strong> fenômenos sociais como aprópria guerra, as religiões etc. Como se, para suportar todos acontecimentos queassolaram sua vi<strong>da</strong>, a partir <strong>da</strong> guerra, Freud tivesse que colocar muitas <strong>de</strong>ssas questõesno plano científico, aliás, para ele, o conhecimento seria a única solução sóli<strong>da</strong> para osproblemas que a civilização e ele mesmo vinham enfrentando.Em Psicologia <strong>de</strong> Massa e Análise do Ego 14 , Freud quis apontar um caminhopara, <strong>da</strong> análise do indivíduo, passar para a compreensão <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ele tentavaenten<strong>de</strong>r o que mantinha os grupos unidos, além do interesse próprio. Para o autor,como o (s) Outro (s) está presente <strong>na</strong> vi<strong>da</strong> do indivíduo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seus primeiros momentos– como objeto <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação, objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo, adversário e auxiliar – a psicologiaindividual seria ao mesmo tempo psicologia social, pois, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, há relações12J. –D. Nasio, O Prazer <strong>de</strong> Ler Freud.13Max Schur, Freud: Vi<strong>da</strong> e Agonia.14Sigmund Freud, Psicologia <strong>de</strong> Massa e Análise do Ego.10


sociais com outros indivíduos; as relações familiares são relações sociais, relações <strong>de</strong>po<strong>de</strong>r. Com isso, Freud <strong>de</strong>ixava claro que não é possível a<strong>na</strong>lisar o indivíduo semrecorrer ao exterior, à socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, às relações sociais e vice-e-versa, do contrário, se têmape<strong>na</strong>s análises superficiais.Para Freud, o que liga os grupos são emoções sexuais difusas, o fim <strong>de</strong>ssa libidoé inibi<strong>da</strong>, ou seja, sublimado. A<strong>na</strong>lisando o exército e a igreja, os indivíduos estariamligados libidi<strong>na</strong>lmente ao lí<strong>de</strong>r (coman<strong>da</strong>nte, Cristo) por um lado, e aos outrosindivíduos do grupo, por outro lado. Sendo ligados por laços libidi<strong>na</strong>is, os grupos só se<strong>de</strong>sintegram quando esses laços enfraquecem. Sendo unidos intensamente por laços <strong>de</strong>amor, <strong>na</strong> mesma intensi<strong>da</strong><strong>de</strong>, será dirigido ódio aos que não pertencem ao grupo, quesão diferentes. Isso explicaria a intolerância religiosa, por exemplo.4- Conclusão.Segundo Mezan, os escritos <strong>de</strong> Freud, que contém os conceitos fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong>Psicanálise, são compostos, paralelamente por construções, pensamentos e inferênciasdo indivíduo Sigmund Freud, e que são expressão e elaboração <strong>de</strong> sua visão particulardo mundo e que, escapam à rigi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> sua ciência. Essa dimensão singular e única <strong>da</strong>vi<strong>da</strong> psíquica freudia<strong>na</strong>, subterrânea em sua <strong>obra</strong>, é que permite concluir que sua <strong>obra</strong> éprofun<strong>da</strong>mente marca<strong>da</strong> pelos acontecimentos <strong>de</strong> sua vi<strong>da</strong> pessoal e que os mesmostiveram importante influência nos rumos que sua <strong>obra</strong> seguiu. È por essa razão,também, que achamos <strong>de</strong> fun<strong>da</strong>mental importância fazer uma análise os escritos <strong>de</strong>Freud consi<strong>de</strong>rando a marca, durante e após a <strong>Primeira</strong> <strong>Guerra</strong> <strong>Mundial</strong>, <strong>de</strong> um reflexo,<strong>de</strong> uma influência, não num sentido <strong>de</strong>terminista, do sofrimento (pathos) que esseperíodo representou para o nosso autor. 15 Como a morte esteve muito próxima <strong>de</strong>le,nesse período, <strong>na</strong><strong>da</strong> surpreen<strong>de</strong> que ela se revelasse presente nos seus escritos <strong>de</strong>sseperíodo e que a preocupação com fenômenos sociais, ain<strong>da</strong> que, sempre partindo suasreflexões sobre a <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>, compusessem suas preocupações em sua <strong>obra</strong>, maisfortemente apartir <strong>de</strong>sse catastrófico evento: a <strong>Primeira</strong> <strong>Guerra</strong> <strong>Mundial</strong>.5- Referências Bibliográficas:15Re<strong>na</strong>to Mezan, Freud, Pensador <strong>da</strong> Cultura.11


FREUD, Sigmund. Luto e Melancolia; Reflexões para os Tempos <strong>de</strong> <strong>Guerra</strong> e Morte eSobre a Transitorie<strong>da</strong><strong>de</strong>. In: Edição Stan<strong>da</strong>rt Brasileira <strong>da</strong>s Obras PsicológicasCompletas <strong>de</strong> Sigmund Freud. Vol. XIV. Rio<strong>de</strong> Janeiro: Imago, 2006.---------------------. Além do princípio do Prazer e Psicologia <strong>de</strong> Grupo e a Análise doEgo. In: Edição Stan<strong>da</strong>rt Brasileira <strong>da</strong>s Obras Psicológicas Completas <strong>de</strong> SigmundFreud. Vol. XIV. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago, 2006.GAY, Peter. Freud: Uma Vi<strong>da</strong> para o Nosso Tempo. São Paulo: Cia <strong>da</strong>s Letras, 2005.MEZAN, Re<strong>na</strong>to. Freud, Pensador <strong>da</strong> Cultura. São paulo: Cia. Das Letras, 2006.--------------------. Sigmund Freud – A Conquista do Proibido. São Paulo: AteliêEditorial, 2003.NASIO, J. –D. O Prazer <strong>de</strong> Ler Freud. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1999.SCHUR, Marx. Freud: Vi<strong>da</strong> e Agonia. Uma Biografia. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago, 1981.12

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