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Publicação - Culturgest

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Ser abstractoBruno Marchand5Há um carácter dúbio no título desta exposição.Lido como a afirmação que é, To BeAbstract (Ser Abstracto), ganha contornosde manifesto estóico. Por entre a sua formulaçãoparece insinuar-se um “apesar detudo” – o reconhecimento tácito de que senavega por águas já exploradas, que se cruzamcaminhos porventura demasiado batidospara sustentarem ainda a promessa deuma descoberta, o vislumbre de uma glória.Por outro lado, este título parece nunca bastar-sea si mesmo nem estabilizar-se nomodo afirmativo. Nele sugerem-se múltiplasinterrogações: ser abstracto hoje?, ser abstractoainda?, ser abstracto como?Há razões muito concretas para o carácterdúbio deste título. A maioria delas tem origemnuma das mais profundas e perenes herançasque nos ficaram do projecto moderno.Falamos dessa irreprimível expectativa donovo e da forma como ela continua a pautar,profundamente, as mais diversas áreas davida contemporânea. Face a este cenário,com que argumentos se justifica, então, reincidirnuma prática pictórica cuja evolução nãosó se considerou terminada em meados doséculo XX, como viu toda a sua históriadesenrolar-se em torno da noção de morte dapintura? O que pode ser a pintura abstractadepois da abstracção 1 e qual a sua relevânciano panorama artístico actual?O trabalho que Sónia Almeida (Lisboa,1978) tem vindo a desenvolver na últimadécada é inevitavelmente marcado por estasquestões. Centrada quase exclusivamente nouniverso daquilo que entendemos por pinturaabstracta, a obra desta artista pode ser vistacomo uma reflexão acerca das condições desobrevivência desta prática na contemporaneidade.Porém, e ao primeiro encontro, talveza ideia que mais rapidamente se desenheem nós seja a de que estamos perante umconsiderável exercício de recuperação ereformulação de alguns dos momentos e daspremissas que fizeram a própria história daarte abstracta. Como se esta pudesse sertratada como uma linguagem autónoma, noseio da qual a artista investe em particularesexplorações sintáxicas.Tomemos como ponto de partida pinturascomo Sails (2005) ou Shipainting (2005). Noquadro de uma avaliação puramente formal,estas obras remetem muito claramente parauma estética que poderíamos classificarcomo expressionista. A referência evidente àtemática da paisagem (que se vê reforçadano carácter explícito dos títulos), a forte presençada materialidade da tinta, a gestualidadefluida, a aplicação excêntrica da cor e asaturação tonal, ou a diluição do detalhe afavor de uma impressão difusa, são efeitosque assistem uma decomposição pictóricaque, contudo, é ainda devedora de um índiceclaro de figuração. Até certo ponto, a estruturainterna destas pinturas reúne um conjuntode referências que as situa na linhagemdo primeiro modernismo e dos seusesforços iniciais no sentido de definir umconjunto de parâmetros para o desenvolvimentosustentado de uma abstracção napintura. Como é sobejamente conhecido, adisseminação da fotografia, logo a partir daterceira década do século XIX, foi de extremaimportância para a deriva abstracta dasartes visuais. A insuperável eficácia destanova tecnologia na reprodução do mundovisual instaurou uma crise no seio da pinturaque despoletou o reequacionamento dasdirectivas que até então norteavam estaprática. Inspirados pelas reflexões de autorescomo Arthur Schopenhauer ou WilhelmWorringer 2 e apoiados por estudos e tratadoscomo sejam os de Hermann vonHelmholtz ou Michel Chevreul 3 , os fundadoresdo modernismo viram-se dotados debases filosóficas e científicas para ensaiarnovas aproximações ao estatuto ontológico

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