12.07.2015 Views

Piercings na língua: Hilda Hilst e Kiki Smith - Grupo de Estudos em ...

Piercings na língua: Hilda Hilst e Kiki Smith - Grupo de Estudos em ...

Piercings na língua: Hilda Hilst e Kiki Smith - Grupo de Estudos em ...

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

184 A<strong>na</strong> Chiaracom os materiais mais diversos – <strong>em</strong> pinturas, <strong>de</strong>senhos, fotos, instalações eobjetos – tais como o duro bronze, o amolecido papier-mâché, o frágil vidro,a porosa terracota, a docilida<strong>de</strong> da massa). Precisão atordoante <strong>em</strong> lidarcom os materiais, porque envolve logro, já que <strong>em</strong> <strong>Hilst</strong> e <strong>Smith</strong> o métodoé performatizar a fragmentação, a dispersão, por meio da comutação <strong>de</strong>formas, da proliferação, da dispersão (digamos assim) que atordoam o leitorou o público, com a exposição irônica da matéria corruptível <strong>de</strong> que somosfeitos e <strong>de</strong> que é feito o mundo que nos cerca.A instabilida<strong>de</strong> do mundo revela-se, <strong>de</strong>sta maneira, exposta pela força<strong>de</strong> uma arte que se apresenta como o efeito <strong>de</strong> uma operação violenta,técnica, precisa que nos coloca <strong>em</strong> frente do que a ilusão realista nos priva,agindo contra o habeas corpus da percepção gasta diante da cruelda<strong>de</strong> doreal, <strong>de</strong>sbloqueando os sentidos selvagens que subjaz<strong>em</strong> ao efeito <strong>de</strong> umolhar <strong>de</strong>spreocupado e obediente. Ao mundo or<strong>de</strong><strong>na</strong>do, orgânico, ilusórioda representação realista, opõ<strong>em</strong> uma dimensão crua e incômoda do real.Enfrentam a matéria nos estados extáticos, incomuns, <strong>de</strong>lirantes. Estadosexcessivos, nos quais o corpo humano regressa ao <strong>de</strong>sor<strong>de</strong><strong>na</strong>do da fisicalida<strong>de</strong>,com liberação <strong>de</strong> energia sexual, car<strong>na</strong>l, bestial. Trata-se da liberação<strong>de</strong> energia e das perdas exigidas pela arte, segundo a noção <strong>de</strong> dispêndio <strong>de</strong>Georges Bataille, para qu<strong>em</strong> a arte não se <strong>de</strong>ve inscrever <strong>na</strong> lógica do capital,do valor <strong>de</strong> troca, n<strong>em</strong> do valor <strong>de</strong> uso, pois é gasto, dom, doação: “Oraé necessário reservar o nome <strong>de</strong> dispêndio a essas formas improdutivas” 13 .Bataille aproxima essas formas artísticas do conceito <strong>de</strong> sacrifício – “issosignifica, com efeito, da maneira mais precisa, criação por meio da perda.Seu sentido é então vizinho daquele do sacrifício” 14 – e o artista é vistoradicalmente como um ser margi<strong>na</strong>l ao processo econômico da socieda<strong>de</strong> etambém no sentido <strong>de</strong> sua própria (do artista) experiência.Arte da dissolução e do <strong>de</strong>sapego ao eu que, <strong>na</strong> contracorrente do <strong>na</strong>rcisismocont<strong>em</strong>porâneo, mergulha no anonimato, <strong>na</strong>s baixas conformações.Seres s<strong>em</strong> psicologia, s<strong>em</strong> ‘caráter’, são <strong>em</strong>briões <strong>de</strong> perso<strong>na</strong>gens (vi<strong>de</strong> <strong>Hilda</strong>),fetos como curiosida<strong>de</strong>s museológicas, animais e perso<strong>na</strong>gens dos contos <strong>de</strong>fada, do imaginário infantil, recuam (vi<strong>de</strong> <strong>Kiki</strong>) ao campo fantasmático. Arte,como crime contra a <strong>na</strong>tureza, como império do artifício, corrompe e ilumi<strong>na</strong>13 Bataille, La Part Maudite, p. 28. (tradução minha).14 Id., “Il signifie, en effet, <strong>de</strong> la façon la plus precise, creation au moyen <strong>de</strong> la perte. Son sens est doncvoisin <strong>de</strong> celui du sacrifice”, p. 31. (tradução minha).

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!