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Piercings na língua: Hilda Hilst e Kiki Smith - Grupo de Estudos em ...

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180 A<strong>na</strong> Chiaraos limites binários: <strong>de</strong>ntro/fora, interior/exterior. <strong>Hilda</strong> e <strong>Kiki</strong> contrariam,portanto, qualquer noção simplista <strong>de</strong> realismo <strong>em</strong> arte, corromp<strong>em</strong> “por<strong>de</strong>ntro” os próprios pressupostos que fundam esta noção. Plasmam larvas,lavas vulcânicas, incan<strong>de</strong>scências, in<strong>de</strong>cências. O trabalho <strong>de</strong>las po<strong>de</strong>ria sercomparado à ação <strong>de</strong> fuçar das porcas, animal tão caro à <strong>Hilda</strong> <strong>Hilst</strong> comoencar<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> um “f<strong>em</strong>inino” <strong>em</strong> da<strong>na</strong>ção, <strong>de</strong>rrelição. Enfrentam o corpo, amatéria, <strong>em</strong> todas suas formas: pus, vômito, uri<strong>na</strong>, sêmen, sangue, lágrimas,leite, cuspe, <strong>de</strong>tritos. Refiro-me explicitamente ao trabalho <strong>de</strong> <strong>Kiki</strong> <strong>Smith</strong>“Untitled”, composto por 12 garrafas <strong>de</strong> vidro prateado, apresentadas sobreum bloco <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira branca, on<strong>de</strong> cada garrafa ostenta um <strong>de</strong>sses nomesdos fluidos corporais 2 .O idioma das duas artistas não é fácil. Desliza por quatro gêneros: o masculino,o f<strong>em</strong>inino, o neutro e o coletivo. Colam a <strong>língua</strong> no chão da Línguae lavam as palavras, as imagens, das cristalizações do excesso dos sentidos<strong>de</strong>positados. Trabalham como se lambess<strong>em</strong> o chão <strong>de</strong> pregos, escarificam aLíngua: letras mudas, duplos sentidos, formas i<strong>na</strong>cabadas, <strong>de</strong>composições.Escovam as palavras <strong>na</strong> prancha da linguag<strong>em</strong> artística, faz<strong>em</strong> acrobaciadas marcas, aceitam os tombos acrobáticos <strong>de</strong> uma <strong>língua</strong> que dispara, fulguraçãos<strong>em</strong> nome próprio, s<strong>em</strong> marcas próprias, apropriações e metáforasfulgurantes. Amor ao i<strong>na</strong>cabado da arte, extraindo da linguag<strong>em</strong> artística suapotência máxima. Linguag<strong>em</strong> flexível e virg<strong>em</strong> <strong>de</strong> on<strong>de</strong>, <strong>em</strong> galope, disparame mergulham <strong>de</strong> cabeça no excesso e no impossível.A noção do crime as tange <strong>em</strong> direção à máqui<strong>na</strong> da escrita e das artesplásticas e visuais, numa vertig<strong>em</strong> compulsiva... Renúncia ao b<strong>em</strong> estar, aosentido, à interpretação. Filiam-se a Sa<strong>de</strong> e a Bataille. Sa<strong>de</strong> pela noção <strong>de</strong>transgressão, por estar<strong>em</strong> no além da Língua, do possível da <strong>língua</strong>, e Bataille,pelo dispêndio: o gasto s<strong>em</strong> retorno. Uma economia lingüística s<strong>em</strong> troca.Renúncia a trocas. Soberania da linguag<strong>em</strong> <strong>de</strong>rrotando o pensamento. Nessesentido, são artistas solares, luminosida<strong>de</strong>s cegantes e fatais, triunfam sobrea razão e entregam-se ao excesso e ao impossível.Faz<strong>em</strong> “tudo por amor à <strong>língua</strong>”, anuncia <strong>Hilda</strong> <strong>em</strong> Fluxo-flo<strong>em</strong>a 3 ; estranholivro, no qual as mutações imperam. Os sons exalados, pela <strong>língua</strong> literária <strong>de</strong><strong>Hilst</strong>, arranham a garganta, limpam-<strong>na</strong>, por força <strong>de</strong> esfregá-la, dos sentidoscomuns, dos sentidos acumulados pelo caudal da tradição da máqui<strong>na</strong> do2 <strong>Smith</strong>, A Gathering, p.108.3 <strong>Hilst</strong>, Fluxo-flo<strong>em</strong>a.

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