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Outros Retratos – Ensaiando um panorama do ... - Itaú Cultural

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84 Carlos Nader Filme livre 85cultural é, via de regra, <strong>do</strong> consenso estético entre grupos de influência que decorrem asdecisões de alocação de verba, inclusão em leis de incentivo e julgamento de premiações.Em decorrência da reação corporativista <strong>do</strong> establishment cinematográfico, o cinemafeito em vídeo, por exemplo, viveu durante alg<strong>um</strong> tempo <strong>um</strong>a versão às avessas <strong>do</strong>célebre para<strong>do</strong>xo de Tostines (aquele <strong>do</strong> “vende mais porque é fresquinho ou é fresquinhoporque vende mais?”). Assim, o biscoito fino <strong>do</strong> audiovisual eletrônico passou <strong>um</strong> perío<strong>do</strong>considerável excluí<strong>do</strong> <strong>do</strong>s critérios da Lei <strong>do</strong> Audiovisual, por ser eletrônico, e igualmenteexcluí<strong>do</strong> <strong>do</strong>s mecanismos práticos de aprovação na Lei Rouanet, por ser audiovisual esupostamente já ter <strong>um</strong>a lei própria, a Lei <strong>do</strong> Audiovisual, que na verdade tambémo excluía. Felizmente, essas distorções foram corrigidas a tempo em ambas as pontas,e a imagem eletrônica foi paulatinamente sen<strong>do</strong> resgatada de seu limbo financeiro aomesmo tempo em que era retirada <strong>do</strong> limbo estético.No território de museus e galerias de arte, deu-se <strong>um</strong> processo semelhante ao ocorri<strong>do</strong>nas salas de projeção. É verdade que no princípio de tu<strong>do</strong> o vídeo foi usa<strong>do</strong> por artistasmainstream, no melhor senti<strong>do</strong> da palavra, como Anna Bella Geiger no Brasil ou Nam JunePaik na cena internacional. Mas <strong>um</strong> desvio de rota, inicia<strong>do</strong> nos anos 1980 e ainda nãototalmente explica<strong>do</strong>, fez com que no começo <strong>do</strong>s anos 1990 a arte <strong>do</strong> vídeo acabassepor se encontrar bastante insulada. Nessa época, a chamada videoarte, apesar de já propor<strong>um</strong>a fusão efervescente entre cinema, música, mídia e outras artes plásticas ou temporais,tinha para<strong>do</strong>xalmente <strong>um</strong> sistema de criação e exibição exclusivo, aparta<strong>do</strong> e a princípionegligencia<strong>do</strong> pelos circuitos tradicionais das artes. Mas antes ainda que as salas de cinemaaceitassem o vídeo em suas exibições, as galerias, os museus e os próprios artistas plásticosforam gradualmente abraçan<strong>do</strong> o meio eletrônico. Foi <strong>um</strong> processo relativamente rápi<strong>do</strong>,mas essa aceitação não aconteceu sem passar por alg<strong>um</strong>as situações intermediáriasesdrúxulas, como a da Bienal de São Paulo de 1994, em que todas as instalações devideoarte foram sintomaticamente colocadas sob <strong>um</strong>a construção efêmera de lona, <strong>um</strong>atenda anexa ao prédio central. A tenda era <strong>um</strong>a espécie de apêndice inflável da exposição,alegoria involuntária que expressava muito bem a dificuldade que os cardeais da artedaquela época tinham em aceitar definitivamente <strong>um</strong> novo meio em seu panteão.O esta<strong>do</strong> das coisas hoje é bem outro. A incorporação <strong>do</strong>s meio eletrônicos por aquela artechamada apenas de “arte” seguiu com rapidez as três etapas que Schopenhauer enxergano surgimento de toda nova verdade. Primeiro, ela foi combatida. Depois, foi ridicularizada.E, por fim, foi aceita como se sempre tivesse si<strong>do</strong> a coisa mais óbvia <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Em poucosanos, a eletrônica passou de penetra a vedete – tanto no circuito das artes internacionaisquanto na palheta <strong>do</strong>s artistas contemporâneos. Mesmo que com a abertura definitivada porteira <strong>do</strong> museu para a boiada <strong>do</strong> vídeo possa ter havi<strong>do</strong> alg<strong>um</strong> vale-tu<strong>do</strong> autoindulgente,a quebra de qualquer barreira limitante, de qualquer reserva de merca<strong>do</strong>, ésempre muito salutar. E, hoje, com exceção daqueles poucos retardatários que mencionei,sempre literalmente de plantão, quase mais ninguém discute se o vídeo em particular ouqualquer outra tecnologia moderna em geral pode ou não carregar arte. O tempo, sempreele, se encarregou de despertar definitivamente toda a exuberante irrelevância dessadiscussão. Irrelevância esta que já era latente no início <strong>do</strong>s anos 1990, perío<strong>do</strong> ao qual,aliás, eu terei brevemente de voltar para colocar outra discussão, correlata e igualmenteirrelevante, mas central para mim e, acredito, para esta publicação: “E o <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário,especificamente, pode ou não ser considera<strong>do</strong> arte?”.Foi no começo de 1992 que essa questão me apareceu pela primeira vez. Para ela, recebibasicamente duas respostas. Uma curta e <strong>um</strong>a longa. A curta foi: “Não”. E a longa foi: “Oseu <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário não”. O meu primeiro trabalho não foi, a princípio, considera<strong>do</strong> “arte”.Eu havia acaba<strong>do</strong> de terminá-lo. Era realmente <strong>um</strong> vídeo sem grandes efeitos, a não sero de misturar verdades e mentiras sobre <strong>um</strong> personagem, José Alves de Moura, tambémconheci<strong>do</strong> como Beijoqueiro, que para mim era <strong>um</strong>a alegoria ambulante <strong>do</strong> Brasil daquelaépoca, maníaco-depressivo entre a violência e o afeto. Durante os <strong>do</strong>is meses de filmagens,em que dividi o mesmo teto com meu personagem, a questão “<strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário é arte” nãoteve tempo para me ocorrer. Mas logo depois, com o vídeo já pronto debaixo <strong>do</strong> braço,pude notar que a maioria <strong>do</strong>s responsáveis pelas principais instituições que exibiamvídeos na época acreditava que <strong>um</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário de formato relativamente televisivosobre <strong>um</strong> homem que saía beijan<strong>do</strong> pela rua não era exatamente arte. Por causa disso,o vídeo ficou <strong>um</strong> ano engaveta<strong>do</strong>, sem espaço para lançamento. Em 1993, O Beijoqueiroteve sua première no World Wide Video Festival, <strong>do</strong> cura<strong>do</strong>r holandês Tom van Vliet, <strong>um</strong>aimportante plataforma de lançamento da “arte <strong>do</strong> vídeo” da época. A partir dela, o filmecorreu não só boa parte daquele circuito internacional de videoarte que mencionei acima,mas também parte <strong>do</strong> circuito de festivais e canais de TV que exibiam <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entários “dequalidade”. Durante essas exibições, notei que, mesmo que alguns especta<strong>do</strong>res vissemno vídeo apenas o coté <strong>do</strong> Brasil exotique et bizarre que o Primeiro Mun<strong>do</strong> cultua, muitosoutros enxergavam nele <strong>um</strong>a experiência de contato legítima e profunda entre <strong>um</strong> autorgenuinamente envolvi<strong>do</strong> e <strong>um</strong> personagem excepcional. Ou seja, arte.Meus quatro <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entários seguintes – Trovada, de 1995; O Fim da Viagem, de 1996;Carlos Nader, de 1998; e Concepção, de 2001 – iniciaram trajetórias que pareciam, aprincípio, menos esquizofrênicas. Eles de cara foram aceitos e mesmo premia<strong>do</strong>s porinstituições culturais importantes, como o Videobrasil por aqui e a ZKM na Europa. Assim,foram logo reconheci<strong>do</strong>s como “arte”. O que aconteceu, estranhamente, é que elesnão foram reconheci<strong>do</strong>s como “<strong>do</strong>c<strong>um</strong>entários”. Não foram seleciona<strong>do</strong>s para nenh<strong>um</strong>festival <strong>do</strong> gênero, nem foram exibi<strong>do</strong>s em nenh<strong>um</strong>a programação <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entária deTV. De certo mo<strong>do</strong>, era compreensível. Se, por <strong>um</strong> la<strong>do</strong>, eles têm várias característicasóbvias de <strong>um</strong>a linguagem “artística” e “experimental”, por outro, Trovoada, Carlos Nadere Concepção não têm algo que caracteriza a maioria <strong>do</strong>s <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entários: <strong>um</strong>a estruturaconcêntrica ao seu tema, seja esse tema <strong>um</strong> cantor, seja <strong>um</strong>a <strong>do</strong>ença. Esses meus ensaiosvisuais são o que chamei de “<strong>do</strong>c<strong>um</strong>entários sobre <strong>um</strong>a sensação pessoal”, com <strong>um</strong>aestrutura associativa, como a <strong>do</strong> pensamento livre. Já O Fim da Viagem fugia <strong>um</strong> poucoà regra. O vídeo é <strong>um</strong>a mistura estranha de cinema direto e proto-reality show, em quea câmera e eu acompanhamos, falsamente ausentes, <strong>um</strong>a fatia da vida com<strong>um</strong> de <strong>um</strong>homem com<strong>um</strong>. Mesmo que a princípio esses pequenos filmes tenham causa<strong>do</strong> alg<strong>um</strong>

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