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Outros Retratos – Ensaiando um panorama do ... - Itaú Cultural

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78 Érika Bauer O <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário como experiência 79Chegar próximo da verdade de fato seria o mesmo que falar de conhecer a si mesmo.Somos tantos, somos tão diferentes em diferentes momentos, fazen<strong>do</strong> leituras diferentesdas experiências que vivemos, que não existe a possibilidade de chegar a <strong>um</strong>a verdadefinal. Ela possui diferentes matizes, dependen<strong>do</strong> da luz em que for vista.Personagens escolhi<strong>do</strong>s por nós podem sugerir sentimentos diferentes daquelesque nos levaram a escolhê-los. Não existe unanimidade, e é isso que torna o trabalho<strong>do</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entarista interessante e fundamental. Quan<strong>do</strong> tentamos h<strong>um</strong>anizar <strong>um</strong>í<strong>do</strong>lo, <strong>um</strong> ícone da sociedade, fazen<strong>do</strong> <strong>um</strong> plano de 360º sobre ele, nos aproximamosmuito mais <strong>do</strong> que o enaltecen<strong>do</strong> ou contan<strong>do</strong> fatos relevantes da história que eleaju<strong>do</strong>u a construir.Poderia falar de minha experiência com o personagem de Dom Helder e minhapesquisa para o <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário O Santo Rebelde. A pesquisa teve várias etapas. Iniciousecom a descoberta <strong>do</strong> tema, ou “o tema me descobriu”, depois de <strong>um</strong>a série de“coincidências”. Vi <strong>do</strong>m Helder n<strong>um</strong>a entrevista sobre Josué de Castro, fiquei curiosa eem seguida deparei com <strong>um</strong>a biografia recém-lançada. Curiosidade e enamoramentopelo personagem. Quan<strong>do</strong> procurei me afastar da biografia escrita para iniciar minhaprópria jornada, enfrentei <strong>um</strong>a nova crise: falta de material de arquivo no Brasil. Fui atrásde outras fontes, como coleções particulares, entrevistas com colegas, pessoas ligadas àTeologia da Libertação, movimentos inicia<strong>do</strong>s por <strong>do</strong>m Helder. Também ouvi fontes <strong>do</strong>outro la<strong>do</strong>, críticos de seu trabalho etc. Seus críticos, no entanto, eram fracos, não valiaa pena ass<strong>um</strong>i-los dentro <strong>do</strong> filme, porque exporiam a fragilidade <strong>do</strong> próprio discurso.Fui perceben<strong>do</strong> a amplitude que o trabalho de <strong>do</strong>m Helder teve no mun<strong>do</strong> e parti paraa busca de imagens e depoimentos fora <strong>do</strong> Brasil. Foi a fase mais importante, pois medeu a segurança e <strong>um</strong>a melhor percepção da dimensão <strong>do</strong> personagem. A partir daí,o filme cresceu, e pude pensar realmente que o <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário não seria apenas sobre<strong>um</strong> homem da Igreja, mas sobre <strong>um</strong> homem de seu tempo no Brasil e no mun<strong>do</strong>. E porque não dizer que me apaixonei por ele e que me exporia dessa forma na colocaçãodas idéias <strong>do</strong> filme. Apaixonei-me por suas idéias, sua força, sua feiúra e sua beleza,seu h<strong>um</strong>or e sua inteligência, e – por que não dizer? – suas contradições, como suafamiliaridade com o poder.Ao perceber, no processo da montagem, o personagem que construímos, vamosentenden<strong>do</strong> o tempo como alia<strong>do</strong>. Como o trabalho amadurece, e como criamos nossasubjetividade em relação ao personagem. E as descobertas profundas são inevitáveis.Jung escreveu:Experimentar o eu significa estar sempre consciente da própria identidade.Então você fica saben<strong>do</strong> que nunca poderá ser outra coisa senão vocêmesmo, que nunca poderá perder-se e que nunca se alienará de si. Isto éassim porque você sabe que o eu é indestrutível, que é sempre <strong>um</strong> e o mesmo,que não pode ser dissolvi<strong>do</strong> nem troca<strong>do</strong> por nenh<strong>um</strong>a outra coisa. O eulhe permite permanecer o mesmo em todas as condições de vida. Ass<strong>um</strong>iro lugar no mun<strong>do</strong>, buscar idéias que formarão opiniões, analisar pontos devista, composição de quadro, encontrar maneiras de expor <strong>um</strong> drama.Diria, então, que o <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário é <strong>um</strong>a sujeição ao tempo. O <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entarista precisaestar conecta<strong>do</strong> com seu tempo, ass<strong>um</strong>in<strong>do</strong> e crian<strong>do</strong> necessidades que vão gerar novasinvenções formais. Encontrar seu objeto, seu tema, é manter-se liga<strong>do</strong> aos acontecimentos<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e a suas conexões com o mun<strong>do</strong> interno. Colocar perguntas que vão desde amotivação <strong>do</strong> tema até as possibilidades de pesquisa, conflitos a ser levanta<strong>do</strong>s, conexõescom a política, leituras diversas etc.É importante perceber a complexidade <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> hoje e as inúmeras possibilidades que <strong>um</strong>tema pode oferecer. E, fundamental, não se sujeitar à força <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>, <strong>do</strong> neo-liberalismoou da globalização, ou seja, tu<strong>do</strong> aquilo que limita, que esvazia conteú<strong>do</strong>s ou nos tornameros especta<strong>do</strong>res de algo maior <strong>do</strong> que nós. Não se deixar anestesiar diante da realidade.Temos de reagir, ir em busca de novas idéias, novos formatos, abraçar nossa subjetividade.Pessoalmente, sinto-me como <strong>um</strong> Dom Quixote, e são personagens assim que me inspiram!Vargas Llosa escreveu:El gran tema de Don Quijote de la Mancha es la ficción, su razón de ser, y lamanera como ella, al infiltrarse en la vida, la va modelan<strong>do</strong>, transforman<strong>do</strong>...Al mismo tiempo que una novela sobre la ficción, el Quijote es un canto a lalibertad. Conviene detenerse un momento a reflexionar sobre la famosísimafrase de <strong>do</strong>n Quijote a Sancho Panza:“La Libertad, Sancho, es uno de los más preciosos <strong>do</strong>nes que a los hombresdieron los cielos; con ella no pueden igualarse los tesoros que encierra la tierrani el mar encubre; por la libertad así como por la honra se puede y debeaventurar la vida, y, por el contrario, el cautiverio es el mayor mal que puedevenir a los hombres” (Dom Quixote de La Mancha, Edición del IV Centenario,Alfaguara, II, 58, p. 984-985).Como <strong>um</strong>a manifestação das novas necessidades <strong>do</strong>s <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entaristas no mun<strong>do</strong> hoje,diante das novas tecnologias e da invasão constante das imagens, os filmes adquiremformas mais complexas. Doc<strong>um</strong>entários reflexivos misturam passagens observacionaiscom entrevistas, a voz sobreposta <strong>do</strong> diretor com intertítulos, deixan<strong>do</strong> bem claro o quejá era <strong>um</strong> pressuposto: “o <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário sempre foi <strong>um</strong>a forma de representação, e nunca<strong>um</strong>a janela aberta para a ‘realidade’ “ (Bill Nichols).Assim, o cineasta se torna testemunha participante, crian<strong>do</strong> e modifican<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>enquadra<strong>do</strong>, desenquadran<strong>do</strong> preconceitos e inquietan<strong>do</strong> com novas maneiras depercepção, para melhor compreensão das inúmeras faces e possibilidades que a realidadepode oferecer. E é interessante observar a inversão <strong>do</strong> político para o pessoal, que fabrica

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