12.07.2015 Views

Outros Retratos – Ensaiando um panorama do ... - Itaú Cultural

Outros Retratos – Ensaiando um panorama do ... - Itaú Cultural

Outros Retratos – Ensaiando um panorama do ... - Itaú Cultural

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

64 Luiz Eduar<strong>do</strong> Jorge A expressão cinematográfica no território <strong>do</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>ental 65Rouch foi, pois, toca<strong>do</strong> pela autenticidade que atingiu suas pesquisasquan<strong>do</strong> ele ‘deixou falar livremente o ator diante da imagem.’ Ao refletirsobre este sucesso, disse ainda, disse a mim mesmo que se poderia irmais longe ainda na verdade, se ao lugar de tomar atores e de lhes fazerinterpretar <strong>um</strong> papel, se pedisse a homens para representar suas própriasvidas. E este foi Eu <strong>um</strong> Negro.” (Sa<strong>do</strong>ul, 1971)Proceden<strong>do</strong> assim, Rouch elaborou <strong>um</strong> novo méto<strong>do</strong> <strong>do</strong> cinema-verdade e <strong>um</strong>novo conceito <strong>do</strong>s vetores essenciais <strong>do</strong> movimento para o cinema etnográfico narealização de filmes que tratam <strong>do</strong>s rituais mágico-religiosos <strong>do</strong> Níger, estabelecen<strong>do</strong><strong>um</strong> comportamento da observação fílmica em plano-seqüência a fim de <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entar,na íntegra, os movimentos <strong>do</strong> corpo das pessoas em transe. Denominou esse cinema<strong>do</strong>c<strong>um</strong>ental de cine-transe. E, ao filmar a passagem da natureza à cultura e o universo derepresentação das etnias tradicionais <strong>do</strong> Níger, tornou-se o principal propulsor da escola<strong>do</strong> cinema etnográfico francês, influencian<strong>do</strong>, assim, gerações de novos realiza<strong>do</strong>res dediversas referências culturais e países <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.O cinema <strong>do</strong>c<strong>um</strong>ental, o etnográfico em especial, sempre foi em busca da realidade <strong>do</strong>“outro” a fim de tornar visíveis as diferenças sociais e etno-históricas, pela compreensãoda complexidade da cultura. São seus símbolos e seus signos culturais os fenômenos queestão à frente das lentes <strong>do</strong> cine-olho para o desenvolvimento de <strong>um</strong>a gramática <strong>do</strong> real.As particularidades <strong>do</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>ental e suas imensas possibilidades de expressãocontribuíram para que cineastas clássicos da geração de Flaherty e Vertov desenvolvessemsuas teorias, com base em suas próprias produções <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entais, acerca de sua funçãoeducativa, estética, política, sociológica e antropológica. Entre eles, estão John Grierson,na Inglaterra, diretor <strong>do</strong> filme Drifters (1929); Jean Vigo, na França, com À Propos de Nice(1929); Aleksandr Ivanovithc Medvedkin, na Rússia, com O Trem Cinematográfico ou 294Dias sobre Rodas (1932); Alberto Cavalcanti, realiza<strong>do</strong>r brasileiro com filmes produzi<strong>do</strong>sna Inglaterra por Grierson e autor <strong>do</strong> livro Filme e Realidade (1957).Os estu<strong>do</strong>s e as pesquisas científicas realiza<strong>do</strong>s no território <strong>do</strong> outro, para a produção<strong>do</strong>c<strong>um</strong>ental acerca da diversidade cultural, demonstraram a importância <strong>do</strong> cinema<strong>do</strong>c<strong>um</strong>ental para o desvelamento <strong>do</strong> território <strong>do</strong> outro na relação com o eu. O cinema<strong>do</strong>c<strong>um</strong>ental passa, então, a direcionar o seu olhar à complexidade das questões sociaisrelacionadas aos grupos h<strong>um</strong>anos <strong>do</strong> campo e da cidade, seguin<strong>do</strong>, assim, o percurso daspreocupações específicas e universais das ciências h<strong>um</strong>anas e sociais. O outro passa a serredescoberto no eu.Com base nessa postura cinematográfica, há <strong>um</strong>a arg<strong>um</strong>entação <strong>do</strong> olhar <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entalcompartilha<strong>do</strong> no fazer e nas experiências <strong>do</strong>s autores que investigam a vida h<strong>um</strong>anapelo viés <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> social, psicológico, mítico e antropológico. Uma busca incessante deinteriorização <strong>do</strong> espírito h<strong>um</strong>ano, da alma h<strong>um</strong>ana, na expressão poética da imagem.O fundamento <strong>do</strong> cinema <strong>do</strong>c<strong>um</strong>ental está localiza<strong>do</strong> na forma de apresentar arealidade social e cultural na perspectiva imanente de suas experiências históricas como<strong>um</strong> fenômeno dialético que se manifesta em sua mais profunda essência, revelan<strong>do</strong>-a.Desde sua origem, o cinema <strong>do</strong>c<strong>um</strong>ental, com suas referências empíricas espelhadas nosformatos fotográficos, escreve sob a ação da luz associada a suportes físicos, químicose ópticos pesquisa<strong>do</strong>s por meio de méto<strong>do</strong>s de pesquisa e técnicas instr<strong>um</strong>entaiselaboradas como indica<strong>do</strong>res das novas experiências científicas. A ciência de Muybridge,Marey e Démeny, associada à construção <strong>do</strong> cinetoscópio Edison e <strong>do</strong> cinematógrafoL<strong>um</strong>ière, criou <strong>um</strong>a nova forma e <strong>um</strong> novo méto<strong>do</strong> para o homem olhar para o mun<strong>do</strong>e para si mesmo.Por essa razão, o cinema nasce tecnicamente científico 1 e <strong>do</strong>c<strong>um</strong>ental. Nasce tambémsob as idéias disseminadas na forma poética de compor a perspectiva para falar <strong>do</strong>movimento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, <strong>do</strong>s seres e das coisas por meio <strong>do</strong> registro <strong>do</strong> real. A realidadematerial e psicológica é apresentada no fenômeno <strong>do</strong> processo projetivo: imagensdadas aos senti<strong>do</strong>s da psique h<strong>um</strong>ana.No tempo presente, o cinema é remissivo ao tempo passa<strong>do</strong>, às suas origens, aos seusprocessos e procedimentos meto<strong>do</strong>lógicos, estéticos e filosóficos, antropológicos ehistóricos, caben<strong>do</strong>, sempre, pensá-lo em sua dimensão subjetiva porque eleita pelopensamento e pelo olhar lança<strong>do</strong> sobre o mun<strong>do</strong> observa<strong>do</strong>.Salvo raras exceções, notadamente Rituais e Festas Bororo (1917), de Luis Thomas Reis,a aurora <strong>do</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>ental é marcada pelo registro puro e simples nos <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entáriosde viagens, enfatizan<strong>do</strong> o outro. Mais tarde, sob influência das reflexões estéticas,sociológicas e antropológicas, fundamenta-se em posturas críticas e arranjosnarrativos combina<strong>do</strong>s nos processos de construção de peças fortemente marcadaspor tons poéticos e ideológicos questiona<strong>do</strong>res, sobretu<strong>do</strong> por meio <strong>do</strong> cinemapolítico e militante. Atualmente, o acesso aos novos recursos tecnológicos permite<strong>um</strong>a dilacerada “reinvenção” da forma de expressão e da gramática audiovisual combase em experiências individuais, que tornam o audiovisual <strong>um</strong>a prática educativaem razão das possibilidades que pode criar no exercício <strong>do</strong> aprofundamento<strong>do</strong> conhecimento específico e universal, especialmente no campo das ciênciash<strong>um</strong>anas e sociais.Falo da produção audiovisual de caráter educativo, consideran<strong>do</strong> somente filmesque abordam temas e questões de interesse educativo, fundamenta<strong>do</strong>s em pesquisae produção <strong>do</strong> conhecimento científico e/ou estético. Obviamente que produçõesque inventam a realidade no extraordinário, no fantástico e no sensacionalismo nãodecorrem de tais propósitos e não decorrem de <strong>um</strong>a reflexão crítica, pois, como venhoafirman<strong>do</strong>, a subjetividade e as idéias cinematográficas são formas artísticas de tratar averdade por meio da expressão <strong>do</strong>c<strong>um</strong>ental.1Em Palo Alto, Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, 1872, em<strong>um</strong> cenário prepara<strong>do</strong> para diversos testesenvolven<strong>do</strong> estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> movimentode <strong>um</strong> cavalo fotografa<strong>do</strong> em alta velocidade,por meio de <strong>um</strong> dispositivo quepermitiu inicialmente a interface de 12e, posteriormente, de 24 câmeras ligadasem <strong>um</strong>a mesma bateria, Muybridgepermitiu constatar que, no compasso<strong>do</strong> galope, o animal realmente fica comas quatro patas no ar. Com base nessasíntese fotográfica, o fotógrafo evidenciou<strong>um</strong> movimento impossível de serpercebi<strong>do</strong> a simples vista. Essa síntesefotográfica possibilitou a Marey criaro fusil photographique e comprovar atese <strong>do</strong> movimento pela obtenção deimagens a 24 quadros por segun<strong>do</strong>, de<strong>um</strong> pássaro filma<strong>do</strong> em pleno vôo (Mitry,1967, p. 41).

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!