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Outros Retratos – Ensaiando um panorama do ... - Itaú Cultural

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54 Liliana Sulzbach Tendências <strong>do</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário contemporâneo 55Esses seriam, na melhor das hipóteses, os precursores e, na maioria <strong>do</strong>s casos, os porta-vozesdessa forma de interpretar a sociedade. Assim, apontar tendências não significa preferir <strong>um</strong>aà outra, mas detectar e realizar <strong>um</strong> retrato valioso da forma como as pessoas se expressam emdetermina<strong>do</strong> perío<strong>do</strong>, por razões que muitas vezes fogem às análises da obra cinematográficapropriamente dita. Eu diria que em ambas as tendências podemos encontrar filmes bons eruins, realizações preciosas e outras medíocres. Essas tendências também não são estanques.Exemplos de filmes bem-sucedi<strong>do</strong>s com características modernas foram realiza<strong>do</strong>s após osanos 1960 e 1970 e não são necessariamente considera<strong>do</strong>s ultrapassa<strong>do</strong>s.No que tange ao conteú<strong>do</strong>/tema eleito pelos filmes de produção nacional, tanto os filmesconsidera<strong>do</strong>s modernos como os considera<strong>do</strong>s contemporâneos concentram-se emtemas que representam o Brasil em seu aspecto cultural e simbólico (folclore, religião,linguagem, cost<strong>um</strong>es etc.), socioeconômico (trabalha<strong>do</strong>res desfavoreci<strong>do</strong>s, disputa declasses, miséria), mas pouco se ocupam <strong>do</strong> aspecto político. Certamente temos produçõesde <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entários políticos, como o clássico de Eduar<strong>do</strong> Coutinho Cabra Marca<strong>do</strong> paraMorrer (1984); os filmes de Silvio Tendler, entre eles Os Anos JK, <strong>um</strong>a Trajetória (1980), Jango(1984), Doutor Getúlio, Últimos Momentos (2002) e Marighella (2002); Jânio a 24 Quadros(1981), de Luis Alberto Pereira; Jânio, 20 Anos Depois (1981) e Revolução de 30 (1980), deSilvio Back; Em Nome da Segurança Nacional (1978), de Renato Tapajós; Barra 68 (2001) eConterrâneos Velhos de Guerra (1992), de Vladimir Carvalho; e mais recentemente No Olho<strong>do</strong> Furacão (2003), de Renato Tapajós e Toni Venturi; Tempo de Resistência (2004), de AndréRist<strong>um</strong>; e Entreatos (2004), de João Salles. Mas, curiosamente, e com alg<strong>um</strong>as exceções,os filmes são mais biografias <strong>do</strong> que <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entários sobre <strong>um</strong> determina<strong>do</strong> momentopolítico, mais sobre políticos ou personagens <strong>do</strong> que sobre política.É claro que, se tomamos o termo “político” n<strong>um</strong> senti<strong>do</strong> mais amplo, podemos incluir váriosfilmes de cunho socioeconômico na esteira de filmes políticos. É impossível pensar o la<strong>do</strong>social sem esbarrar no político. Mas o que interessa aqui definir como político são os filmesque desvendam aspectos políticos presentes na agenda de determina<strong>do</strong> momento <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong>-nação ou mesmo a sua relação política com os demais países. Sem procurar valoraro aspecto formal, temos fartos exemplos em outros países, como Farenheit 9/11 (2004), noqual Michael Moore investiga como os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s se tornaram alvo de terroristas combase nos eventos ocorri<strong>do</strong>s no atenta<strong>do</strong> de 11 de setembro de 2001. Os filmes produzi<strong>do</strong>se/ou dirigi<strong>do</strong>s por Robert Greenwald, como Unprecedent: The 2000 Presidential Election(2002), e por Richard Pérez e Joan Sekler, como Iraq for Sale, quem Lucra com a Guerra(2006) e Outfoxed – A Guerra ao Jornalismo de Rupert Mur<strong>do</strong>ch (2004), são exemplos clarosde filmes políticos contrários à era George Bush. Também podem-se destacar Sob a Névoada Guerra (2003), de Errol Morris, que narra a história militar recente <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s<strong>do</strong> ponto de vista <strong>do</strong> controverti<strong>do</strong> político norte-americano Robert S. McNamara, exsecretáriode Defesa nos governos Kennedy e Johnson; Why We Fight [Por que Lutamos?](2005), de Eugene Jarecki, <strong>um</strong> olhar crítico sobre a tendência <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s de seenvolver em conflitos arma<strong>do</strong>s; Black Box Germany (2001), de Andres Veil, que recorre aopassa<strong>do</strong> recente da República Federativa da Alemanha nos anos 1970 e 1980 para retratara polarização <strong>do</strong> país entre a força <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e a força <strong>do</strong> Exército Vermelho, geran<strong>do</strong> <strong>um</strong>asérie de conflitos que beiram a guerra civil. Na América Latina, Memórias Del Saqueo (2004),<strong>do</strong> argentino Fernan<strong>do</strong> Solanas, investiga os fatos que levaram à fragilização econômica eà degradação da Argentina. Solanas também é realiza<strong>do</strong>r de La Hora de los Hornos (1968).Allende (2004), <strong>do</strong> chileno Patrício Guzmán, desvenda Salva<strong>do</strong>r Allende, ao mesmo tempoem que defende seu lega<strong>do</strong> para o Chile <strong>do</strong> século XXI. É também o diretor da estupendasérie A Batalha <strong>do</strong> Chile (1975-1979). Nesses filmes, além <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> claramente político,nota-se <strong>um</strong>a tendência a apresentar os fatos de forma investigativa, mostran<strong>do</strong> situaçõese reflexões novas sobre assuntos presentes na mídia e no jornalismo cotidiano.Justamente essa tendência investigativa que busca trazer fatos novos a assuntos jápauta<strong>do</strong>s, ou que procura esclarecer questões no calor <strong>do</strong>s acontecimentos, é poucotrabalhada pelos <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entaristas nacionais. Podemos citar ainda Who Betrayed CheGuevara [Quem Traiu Che Guevara] (2001), em que <strong>do</strong>is jovens realiza<strong>do</strong>res, Erik Gandini eTarik Saleh, vão desvendar, décadas depois, os fatos que levaram o argentino Ciro Bustosa ser injustamente acusa<strong>do</strong> de trair Che, enquanto outro companheiro, Regis Debray,gozava na França de prestígio como grande amigo <strong>do</strong> líder revolucionário. Em Na Captura<strong>do</strong>s Friedmans (2003), de Andrew Jarecki, o professor Friedman e seu filho caçula sãoacusa<strong>do</strong>s e presos por molestar a<strong>do</strong>lescentes. A família começa a entrar em colapso e o<strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário não só registra, mas tenta agregar novos fatos ao assunto.Quanto à forma, podemos perceber alg<strong>um</strong>as tendências mundiais também presentesem <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entários brasileiros. Uma delas seria o que Jean-Claude Bernardet chama de“<strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário de busca”. Nesse senti<strong>do</strong>, podemos falar de Offspring, <strong>do</strong> canadense BarryStevens, no qual <strong>um</strong> homem, que é o próprio diretor, foi fruto de <strong>um</strong>a inseminação artificial.O filme é <strong>um</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário de busca <strong>do</strong> realiza<strong>do</strong>r, que pesquisa bancos de esperma <strong>do</strong>mun<strong>do</strong> atrás <strong>do</strong> esperma original, para descobrir quem é seu pai e encontrar possíveisirmãos espalha<strong>do</strong>s pelo mun<strong>do</strong>. No Brasil, alguns exemplos poderiam ser defini<strong>do</strong>s como<strong>do</strong>c<strong>um</strong>entários de busca, como 33, de Kiko Goifman, e Passaporte Húngaro, de Sandra Kogut.“Os filmes partem de <strong>um</strong> projeto pessoal de seus realiza<strong>do</strong>res. No caso de Kiko Goifman, é ofilho a<strong>do</strong>tivo que se propõe a encontrar a mãe biológica e, no caso de Sandra Kogut, (...) seuprojeto é obter a nacionalidade e o passaporte húngaro” (Bernardet, 2005). Nesses casos,como bem coloca Bernardet, “a filmagem tende a se tornar a <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entação <strong>do</strong> processo.Não há <strong>um</strong>a preparação <strong>do</strong> filme (a preparação é a própria filmagem), não há <strong>um</strong>a pesquisaprévia; a pesquisa, que freqüentemente no <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário é anterior à filmagem, é a própriafilmagem” (Bernardet, 2005).Não preten<strong>do</strong> fazer <strong>um</strong>a análise mais profunda desses filmes, já muito bem realizada porJean-Claude Bernardet, mas gostaria de salientar <strong>do</strong>is aspectos que envolvem ambosos filmes e que acho importante destacar porque nos conduzem e apresentam <strong>um</strong>aproposta de <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário que eu arriscaria chamar de <strong>um</strong>a tentativa de conferir plot ao<strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário. Seriam os seguintes aspectos:1) Nesses filmes, mesmo não existin<strong>do</strong> <strong>um</strong> roteiro como base, já é possível “prever” a própria

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