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Outros Retratos – Ensaiando um panorama do ... - Itaú Cultural

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40 Francisco Elinal<strong>do</strong> Teixeira Doc<strong>um</strong>entário expandi<strong>do</strong> – Reinvenções <strong>do</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário na contemporaneidade 41Uma nova denominação surgiu nesse meio-tempo, a de cinema de não-ficção.Ambivalente, se por <strong>um</strong> la<strong>do</strong> ela nos lança de volta aos debates <strong>do</strong>s anos 1920, queopunham o cinema de realidade ou <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário nascente ao cinema de ficçãoestabeleci<strong>do</strong>, oposição hoje (e desde sempre) no mínimo problemática diante dastrocas intensas entre ambos, por outro la<strong>do</strong> ela também inscreve dificuldades existentesno âmbito das definições, deixan<strong>do</strong>-as em aberto pela negativa, pelo vácuo de <strong>um</strong>anão-definição que abre, o que não deixa de ser <strong>um</strong> mo<strong>do</strong> de expor algo da consistênciametamórfica, heteróclita, camaleônica, hetero<strong>do</strong>xa de que se reveste o <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entáriocontemporâneo. Consistência essa que se põe em foco também em denominações comoas de anti<strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário, contra<strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário, para<strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário ou pós-<strong>do</strong>c<strong>um</strong>entárioque, em vez de remeterem ao paradigma ficcional, detêm-se ludicamente no própriosubstantivo ao lhe acrescentar prefixos que certamente inscrevem e ampliam muito desua feição polifônica.De todas essas terminologias que vieram des<strong>do</strong>brar a questão ontológica de base – o queé o <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário? –, a mais recente é essa que sugere <strong>um</strong> patamar pós-<strong>do</strong>c<strong>um</strong>ental para omomento em que nos situamos. O que seria a nossa época como <strong>um</strong>a era pós-<strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário?Significaria que to<strong>do</strong> o burburinho em torno <strong>do</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário nas últimas três décadas,toda essa rui<strong>do</strong>sa produção de textos, de filmes, de vídeos, de peças audiovisuais as maisdiversas que a ele remetem como <strong>um</strong> referente espesso e multifaceta<strong>do</strong>, teria a ressonânciade <strong>um</strong> canto de coruja de Minerva ao cair da tarde? Pura tagarelice em torno de algo quejá passou, teve sua época áurea e agora se recolhe e se esf<strong>um</strong>aça sob a “luz polar” de nossaera informacional? Questão difícil, já que os fatos e artefatos culturais nos habituaram a <strong>um</strong>desenho com esse tipo de trajetória. Por outro la<strong>do</strong>, já tivemos toda <strong>um</strong>a seqüência de póse pós-pós também nas últimas décadas, ten<strong>do</strong> atingi<strong>do</strong> o risível e irônico limiar daquilo queo poeta concreto chamou de “pós-tu<strong>do</strong>” ou “postu<strong>do</strong>”, quan<strong>do</strong> parecíamos querer deixar deser contemporâneos de nós mesmos e mergulhar na eternidade.A noção de pós-<strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário pode ter outra envergadura. Em vez de <strong>um</strong> fim ouesgotamento, ela aponta para novos começos, para formas expandidas <strong>do</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entárioobserváveis em larga escala nos diversos contextos audiovisuais da atualidade.Transmutemos-na, portanto, na noção de “<strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário expandi<strong>do</strong>”. Trata-se de <strong>um</strong>asérie de operações postas em curso no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário que visam à ampliaçãode suas fronteiras e que desmontam o senso com<strong>um</strong>, as idéias herdadas que dele setinham até recentemente. Essa expansão de limites se dá, basicamente, em relação aostrês grandes <strong>do</strong>mínios da ficção, <strong>do</strong> experimental e <strong>do</strong> próprio <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário em suasfeições clássica e moderna. Ou seja, ao mesmo tempo em que transforma sua própriatradição, a expansão <strong>do</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário desenha novas relações com os <strong>do</strong>mínios ficcionale experimental. Circunstanciemos esses três deslocamentos.Se tivéssemos de contornar e admitir que houve <strong>um</strong>a “essência” <strong>do</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário,sobretu<strong>do</strong> no perío<strong>do</strong> clássico, qual seria ela? Imediatamente nos ocorreria o grander<strong>um</strong>or em torno <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> de realidade que lá se produziu e que reivindicou <strong>um</strong>aalteridade radical para o <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário em termos de <strong>um</strong> “estar ali”, operan<strong>do</strong> com<strong>um</strong> registro <strong>do</strong> “tempo presente” n<strong>um</strong>a dada situação da realidade, <strong>do</strong> concreto, <strong>do</strong>historicamente da<strong>do</strong>. Ou seja, estamos diante de <strong>um</strong>a “metafísica da presença” que desdea invenção da fotografia não parou mais de reivindicar o privilégio de <strong>um</strong> “eu estive lá,eis aqui a prova”, des<strong>do</strong>bran<strong>do</strong>-se no <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário no familiar reclamo “eis a vida comoela é”. O <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário adquiria, assim, em relação aos outros gêneros ou <strong>do</strong>mínios <strong>do</strong>cinema, <strong>um</strong> charme peculiar análogo àquele da palavra oral concernente à escritura:diferentemente da mediação que a palavra escrita opera em relação ao pensamento, apalavra falada seria o suporte de <strong>um</strong> pensamento vivo, direto, sem mediação, portanto,porta<strong>do</strong>r das prerrogativas de autenticidade, verdade e objetividade <strong>do</strong> ser em suaimediata transparência.Essa matriz da presença na/da realidade como aquilo que fundava o mo<strong>do</strong> de ser <strong>do</strong><strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário, que por décadas o evocou e para muitos ainda hoje o evoca, foi <strong>um</strong><strong>do</strong>s seus primeiros aspectos a ser desconstruí<strong>do</strong>, já com o advento <strong>do</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entáriomoderno. Não no âmbito <strong>do</strong> cinema direto, cuja atitude tendencialmente contemplativadava a ver <strong>um</strong>a realidade que parecia escorrer sem cessar n<strong>um</strong> eterno presente, masno <strong>do</strong> cinema-verdade, que a pressionava de tal mo<strong>do</strong> que a fazia se <strong>do</strong>brar n<strong>um</strong>amultiplicidade de aspectos que acabavam por transformá-la entre o que ela era antes eo que será depois <strong>do</strong> filme completo.Com essa mística da realidade em presença se propon<strong>do</strong> a imprimir suas marcas no<strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário, os códigos ou as regras que o estruturavam se cercaram de to<strong>do</strong> <strong>um</strong>discurso de sobriedade que por décadas funcionou como <strong>um</strong>a espécie de “abre-te,sésamo!”. O <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário, por essa via, requeria-se como <strong>um</strong>a peça minimalista marcadapelo despojamento de materiais, pela austeridade construtiva, pela depuração de formas,pela ausência de ornamentos, ou seja, to<strong>do</strong> <strong>um</strong> requisitório para contornar ou deixar dela<strong>do</strong> o que fosse da ordem da expressividade ou da subjetividade, da reflexividade ouda auto-reflexividade, tu<strong>do</strong> que pudesse abalar ou comprometer seus investimentosnos poderes de <strong>um</strong>a realidade que se queria comunicativa, para<strong>do</strong>xalmente, quase semnenh<strong>um</strong>a mediação. Não é preciso dizer quanto essa ordem comunicacional cedeuquase ponto por ponto os seus termos, n<strong>um</strong> novo contexto de entropia da significaçãoque veio transformar o aproveitamento <strong>do</strong> ruí<strong>do</strong> na ponta-de-lança por excelência dacriação de novos senti<strong>do</strong>s para o <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário.Um segun<strong>do</strong> deslocamento deu-se em relação à ficção e aos seus códigos, objetos derecusa desde as fundações <strong>do</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário. Mas se n<strong>um</strong> primeiro momento tal recusa,de princípios mais que de fatos, pois <strong>um</strong>a mínima ficção continuou irresistível, pôde seapoiar na reivindicação da realidade ou da naturalidade contra o sistema artificial deprodução em estúdio e toda sua parafernália técnica, foi igualmente a partir <strong>do</strong>s anos1960 que essas petições de princípios se viram totalmente abaladas. Primeiro, em função<strong>do</strong> lugar estratégico que a nova base técnica passou a ocupar, quase como <strong>um</strong> fetiche,quan<strong>do</strong> então fazer <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entários tornou-se sinônimo de ter equipamentos leves, som

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