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Outros Retratos – Ensaiando um panorama do ... - Itaú Cultural

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36 Sheila Schvarzman Tendências e perspectivas <strong>do</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário contemporâneo: <strong>um</strong> olhar histórico retrospectivo 37Grosso mo<strong>do</strong>, se fossem usa<strong>do</strong>s os termos da historiografia para definir as produções<strong>do</strong>c<strong>um</strong>entais, veríamos que, na primeira fase <strong>do</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário nacional, filmaram-se osvence<strong>do</strong>res da história e os personagens caros à chamada “alta cultura”. A partir <strong>do</strong>s anos1960, foram filma<strong>do</strong>s os venci<strong>do</strong>s e a cultura popular. Navega-se atualmente por <strong>um</strong>anoção de cultura mais ampla, e os heróis de hoje são os persegui<strong>do</strong>s e os clandestinos deontem. Apesar da mudança de foco, a reverência é a mesma, com outra roupagem, salvoalg<strong>um</strong>as exceções, como em Barra 68, de Vladimir Carvalho (2000), sobre a ocupação daUniversidade de Brasília. Ali, a presença instigante e anti-reverente de Darcy Ribeiro deixano filme não <strong>um</strong> memorialismo celebratório com<strong>um</strong> a tantos outros desse gênero, masantes de tu<strong>do</strong> a lembrança viva da fala, que pode ser partilhada.Bem ao contrário disso, e ainda que em mostras de reflexibilidade ostensivas – a cadeira<strong>do</strong> diretor montada no meio da praça, a interlocução com o “povo” –, Vladimir Herzog écelebra<strong>do</strong>, lembra<strong>do</strong>, mas é antes de tu<strong>do</strong> <strong>um</strong> herói petrifica<strong>do</strong> em Vla<strong>do</strong> 30 Anos Depois,de João Batista de Andrade (2005). Ainda que saibamos toda a sua história, suas lutas,até mesmo sua intimidade, ele segue sen<strong>do</strong> alguém de quem se fala com reverência:<strong>um</strong> mártir cujo sacrifício permitiu mudanças no país, mas cuja identidade se perde nosreitera<strong>do</strong>s elogios <strong>do</strong>s depoentes, na câmera fechada em primeiríssimo plano – comose, ao fim, a distorção nas imagens <strong>do</strong> rabino Sobel, <strong>do</strong> jornalista Fernan<strong>do</strong> Morais ou deRo<strong>do</strong>lfo Konder, de Clarice Herzog e de seu filho fossem a caução de verdade: lágrimasnos olhos nos momentos de emoção...Não preten<strong>do</strong> com isso apontar <strong>um</strong> caminho ou perspectiva para o <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entárionacional. Entretanto, procurei traçar aquilo que interpreto como suas principais tendênciasatuais, religan<strong>do</strong>-as à nossa tradição e enfocan<strong>do</strong> prioritariamente a questão <strong>do</strong> sujeito no<strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário. Assistimos hoje a <strong>um</strong>a multiplicidade de tendências em desenvolvimento,mas em nenh<strong>um</strong>a delas – salvo no <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário em primeira pessoa, de matriz artística– o <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entarista é capaz de falar de sua realidade mais próxima, desprovi<strong>do</strong> de máconsciência, como já se apontou largamente e como mostramos com alguns exemplos.É tempo de falar não apenas de sua individualidade – em primeira pessoa –, mas dasquestões que dizem respeito diretamente aos autores, como tem feito o <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entáriointernacional prioritariamente.Como escrevi no início deste artigo, a postura <strong>do</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entarista brasileiro é muitopautada por suas questões ideológicas, culturais e de classe. Já é tempo de colocar-secomo objeto.Por outro la<strong>do</strong>, e como já chamou atenção Jean-Claude Bernardet, os diretores poucofalaram de suas condições de vida. Pouco falaram daquilo que lhes é próprio. Como se asituação das classes médias e camadas pensantes e artísticas, de que os cineastas fazemparte, não fosse objeto de interesse <strong>do</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário. Claro, há filmes sobre artistas, ousobre o próprio meio cinematográfico, mas talvez seja somente no <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário emprimeira pessoa que possamos encontrar esses diretores, com suas questões que semostram não apenas como indagações individuais, mas também h<strong>um</strong>anas, históricas euniversais. É o caso de 33, de Kiko Goiffman, que trata da busca de sua mãe biológica, ede Passaporte Húngaro, de Sandra Kogut. Neste último, através das malhas da burocraciae das mudanças da história, vemos a neta de <strong>um</strong>a senhora judia húngara, fugida de seupaís, reconquistar a cidadania européia, representada pelo direito a Passaporte Húngaro.Há muita história incrustada nesses relatos: o nazismo, o anti-semitismo, a SegundaGuerra, a fuga para cá, o Brasil como terra prometida – agora não o é mais, porque émais importante poder estar na Europa – e, por meio dessa história toda, sem falar deto<strong>do</strong>s os meandros da burocracia, a neta faz com que a avó fugida reate com o passa<strong>do</strong>de que fora banida. Um belo resgate.Faltam-nos histórias e falta o olhar <strong>do</strong> <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entarista sobre aquilo que lhe é próprio,próximo. A sua vida, as suas carências – ou será que, por pu<strong>do</strong>r, o <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entarista de classemédia não poderá falar disso? Como se, de alg<strong>um</strong>a forma, não fosse isso mesmo que, de<strong>um</strong> la<strong>do</strong>, pode nos esclarecer sobre a falta <strong>do</strong> outro.

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