Outros Retratos â Ensaiando um panorama do ... - Itaú Cultural
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16 17A realidade como crítica de cinema – O cinema comocrítica da realidadeJosé Carlos AvellarCrítico de cinema, autor de ensaios sobre cinema brasileiro e latino-americano, entre eles:Glauber Rocha, Madri, Editorial Cátedra, 2002; A Ponte Clandestina, Teorias de Cinema na AméricaLatina, São Paulo, Editora 34, 1996; Deus e o Diabo na Terra <strong>do</strong> Sol, Rio de Janeiro, Rocco, 1995;O Chão da Palavra: Cinema e Literatura no Brasil, Editorial Prêmio, 1994. Foi diretor cultural daEmbrafilme (1985-1987) e diretor-presidente da Riofilme (1994-2000). Atualmente é consultorde cinema <strong>do</strong> Programa Petrobras <strong>Cultural</strong>.1No começo <strong>do</strong> século XIX, quase no mesmo instante em que Nicéphore Niépceinventava a fotografia comportan<strong>do</strong>-se como <strong>um</strong> pintor, deixan<strong>do</strong>-se ficar longo. tempo diante da paisagem (exageremos <strong>um</strong> pouco: a objetiva da câmera ficou abertadurante to<strong>do</strong> <strong>um</strong> dia de sol para que se pudesse gravar a imagem), John Constable pintavacomportan<strong>do</strong>-se como se fosse <strong>um</strong> fotógrafo (exageremos <strong>um</strong> pouco: fazen<strong>do</strong> <strong>um</strong> quadron<strong>um</strong>a fração de segun<strong>do</strong>), registran<strong>do</strong> instantâneos de nuvens. Óleo ou aquarela sobrepapel, madeira ou tela, pouco mais que esboços para as paisagens que iria pintar mais tarde,quase fotos jornalísticas que traziam <strong>um</strong>a espécie de legenda com local, dia, mês, ano, horae condições meteorológicas <strong>do</strong> instante registra<strong>do</strong>; estu<strong>do</strong> de nuvens com horizonte deárvores, meio-dia, depois da chuva, <strong>um</strong> pouco de vento (Cloud study with an horizon of trees:noon, September 27, 1821, after rain, wind). Dez da manhã, olhan<strong>do</strong> para o sudeste, nuvenscinzas corren<strong>do</strong> rápidas sobre o leito de <strong>um</strong> céu tingi<strong>do</strong> de amarelo (5th september, 1821, 10o‘clock, morning, looking south-east, very bright and fresh greys clouds running fast over a yellowbed, about half way in the sky). Constable antecipava assim o que primeiro a fotografia, que iasen<strong>do</strong> inventada então, e depois o cinema, a fotografia em movimento inventada no fim <strong>do</strong>século, iriam fazer adiante: <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário, <strong>um</strong> registro (objetivo subjetivo) <strong>do</strong> que se passano instante em que se passa. O cinema, e em particular o filme <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário, nasceu comoexpressão desse desejo que se formulou primeiro na pintura.Entre a pintura e o cinema existe <strong>um</strong>a relação semelhante à que se encontra entre asnuvens pintadas muito rapidamente por Constable para preparar as paisagens que eleiria produzir mais tarde – a pintura, de certo mo<strong>do</strong>, esboçou o que o cinema iria fazerem seguida. Se examinarmos a questão <strong>do</strong> ponto de vista <strong>do</strong> cinema <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário,interessa<strong>do</strong>s em examinar a relação que se estabeleceu entre o filme <strong>do</strong>c<strong>um</strong>entário e ofilme de ficção, encontraremos na experiência de Constable <strong>um</strong>a antecipação <strong>do</strong> que viriaa ocorrer no cinema brasileiro (não apenas, mas especialmente no cinema brasileiro) no