ANAIS DE FILOSOFIA CLÁSSICA, vol. V nº 9, 2011ISSN 1982-5323SANTOS, José Trin<strong>da</strong><strong>de</strong>Princípios <strong>da</strong> <strong><strong>na</strong>tureza</strong> <strong>na</strong> Física A, <strong>de</strong> Aristóteles: pré-socráticos, Platãocriados os corpos (51a). Estes, porém, requerem que “os vestígios elementais” sejam“esquematizados por meio <strong>de</strong> Formas e números” (53a-b).Passando do macrocosmos ao microcosmos, Platão lança as bases – que algunsconsi<strong>de</strong>ram míticas 16 – <strong>da</strong> sua cosmologia. No entanto, para que ela possa explicar ofuncio<strong>na</strong>mento do sensível, será necessário, a partir do inteligível, introduzir uma série <strong>de</strong>paradigmas conceituais reguladores <strong>da</strong>s fenomenologias sensíveis. No plano físico, o Tempo 17é o único que Platão conscientemente i<strong>de</strong>ntifica, <strong>da</strong>do que o seu tratamento do espaço recorrea sugestivas metáforas, e o <strong>de</strong> matéria se acha <strong>de</strong> todo ausente. Esta abor<strong>da</strong>gem causa aAristóteles a maior perplexi<strong>da</strong><strong>de</strong> 18 .É, contudo, evi<strong>de</strong>nte que a intenção <strong>da</strong> <strong>de</strong>scrição platônica se limita à tentativa <strong>de</strong>“salvar os fenómenos” <strong>da</strong> <strong><strong>na</strong>tureza</strong>, a<strong>de</strong>quando-os aos pressupostos teóricos <strong>da</strong> suacosmologia, visando em última análise preservar a sua outra intenção, crítica do <strong>na</strong>turalismofisicalista dos pré-socráticos.Este esclarecimento é necessário para compreen<strong>de</strong>r as diferenças que separam ostratamentos platônico e aristotélico <strong>da</strong> physis. Embora o termo e a tradução sejam os mesmos,Platão e Aristóteles estão a falar <strong>de</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s inteiramente distintas.ARISTÓTELESAo rejeitar a componente mítica <strong>da</strong> “<strong>na</strong>rrativa plausível” (eikos mythos, eikos logos:Ti. 30b, passim) <strong>de</strong> Platão, o Estagirita anula os seus contornos teológicos e a sua intençãocrítica. O criacionismo vitalista que confere sentido ao Timeu e ao Livro X <strong>da</strong>s Leis éignorado e substituído por uma teoria física que rejeita as Formas platônicas e suprime to<strong>da</strong>sas manifestações do dualismo que distingue os mundos inteligível e sensível (vi<strong>de</strong> Ti. 27d).16 Ver a posição e a bibliografia cita<strong>da</strong> por H. Cherniss, Aristotle’s Criticism of Plato and the Aca<strong>de</strong>my, NewYork 1944, 424 ss.; L Tarán, “The Creation Myth in Plato’s Timaeus”, New Essays in Ancient Greek Philosophy,J. P. Anton, G. L. Kustas (eds.) Albany 1971, 372-407. Ver o sumário <strong>de</strong>stas posições em: A. Vallejo, “No, It’snot a Fiction”, Interpreting the Timaeus-Critias”, T. Calvo, L. Brisson (eds.), Skt. Augustin 1977, 141-164.17 Note-se que o tempo cronológico, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do tempo cosmológico, começa com o início <strong>da</strong> rotação <strong>da</strong> almacósmica. Na<strong>da</strong> existe, nem <strong>na</strong><strong>da</strong> acontece antes <strong>de</strong>sse momento: o estado pré-cósmico é ape<strong>na</strong>s invocado comojustificação <strong>da</strong> ação do <strong>de</strong>miurgo (vi<strong>de</strong> J. G. T. Santos, ”O Tempo <strong>na</strong> <strong>na</strong>rrativa platônica <strong>da</strong> criação: o Timeu”,Hypnos 18, S Paulo 2007, 42-55).18 Na Física Δ2,209b5-16, a propósito do conceito <strong>de</strong> ‘lugar’, citando a chôra a partir do Timeu, Aristótelesi<strong>de</strong>ntifica-o com a ‘matéria’. No Da alma A3,406b26-407a2, sustenta que o <strong>de</strong>miurgo criou a alma a partir doselementos. Note-se que nem uma, nem outra <strong>de</strong>stas afirmações é confirma<strong>da</strong> pelo Timeu. A segun<strong>da</strong> está erra<strong>da</strong>e a primeira confun<strong>de</strong> a sutil explicação pela qual Platão oscila entre o “em que” e o “<strong>de</strong> que” os corpos sãofeitos, proposta no paradigma do mol<strong>da</strong>dor (49e-51b). Esta posição é coerente com a <strong>de</strong>scrição do “material”pré-cósmico através <strong>da</strong> perífrase “movimentos <strong>de</strong>sor<strong>de</strong><strong>na</strong>dos”.22
ANAIS DE FILOSOFIA CLÁSSICA, vol. V nº 9, 2011ISSN 1982-5323SANTOS, José Trin<strong>da</strong><strong>de</strong>Princípios <strong>da</strong> <strong><strong>na</strong>tureza</strong> <strong>na</strong> Física A, <strong>de</strong> Aristóteles: pré-socráticos, PlatãoNo entanto, embora o não <strong>de</strong>clare, Aristóteles aceita com reservas o princípio<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>nte <strong>da</strong> crítica platônica aos pré-socráticos, expresso <strong>na</strong> concepção fi<strong>na</strong>lista <strong>da</strong>i<strong>de</strong>ali<strong>da</strong><strong>de</strong> do ser (Sofista 243-256, Timeu, Filebo). Neste sentido, a linha que vai <strong>de</strong>senvolver<strong>na</strong> Física irá acomo<strong>da</strong>r os dois pólos inconciliáveis <strong>da</strong> reflexão sobre a <strong><strong>na</strong>tureza</strong> <strong>da</strong>s coisas,<strong>na</strong>s abor<strong>da</strong>gens paralelas <strong>da</strong> física e metafísica <strong>da</strong> Natureza.Por um lado, reconhece o movimento <strong>na</strong> <strong><strong>na</strong>tureza</strong>, conferindo aos contrários a funçãoque lhes foi atribuí<strong>da</strong> pela tradição pré-socrática, como princípios <strong>da</strong> constituição e explicaçãofísica. Por outro, insere esta perspectiva física no contexto metafísico <strong>da</strong> substância,reforçando o teleologismo e rejeitando o dualismo platônicos.O seu ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> é a <strong><strong>na</strong>tureza</strong> (physis), que o filósofo enten<strong>de</strong> em diversossentidos, dos quais <strong>de</strong>staco três:1. “a gênese <strong>da</strong>s coisas que crescem” (Met. Δ4,1014b16-17);2. “a substância dos seres <strong>na</strong>turais” (Ibid. 36);3. “a substância <strong>da</strong>s coisas que têm o princípio <strong>de</strong> movimento em si mesmas,enquanto tais” (Id. 1015a14-15).To<strong>da</strong>s estas expressões receberão <strong>na</strong> Física A a explicitação e estruturação conceituaisem que assenta a teoria física <strong>de</strong> Aristóteles.OS PRINCÍPIOS DA NATUREZAEstas três citações <strong>de</strong>limitam o problema <strong>de</strong> Aristóteles. Para o abor<strong>da</strong>r, começarei poruma breve exposição <strong>da</strong> Física A, cujo objetivo será <strong>de</strong>finir os conceitos que permitemcompreen<strong>de</strong>r o tratamento aristotélico <strong>da</strong> Natureza. Termi<strong>na</strong>rei com a aplicação <strong>de</strong>stesconceitos à teoria física <strong>de</strong> Aristóteles, cujo estudo concluirei com uma exposição sumária doproblema <strong>da</strong> materia prima, sem o qual a teoria física do Estagirita se mostra inconsistente.Se as substâncias dos seres <strong>na</strong>turais explicam a sua gênese e crescimento, então asubstância <strong>de</strong>ve ser entendi<strong>da</strong> como o “princípio <strong>de</strong> movimento e do repouso” que as fazserem como são. Mantendo o uso do termo como princípio em virtu<strong>de</strong> do qual as coisas são oque são, “enquanto tais”, a análise do Estagirita confere dois sentidos complementares àphysis:1) individualmente, o princípio em virtu<strong>de</strong> do qual ca<strong>da</strong> coisa é aquilo que é(B1,193b32-193a2);23
- Page 2 and 3: ANAIS DE FILOSOFIA CLÁSSICA, vol.
- Page 4 and 5: ANAIS DE FILOSOFIA CLÁSSICA, vol.
- Page 8 and 9: ANAIS DE FILOSOFIA CLÁSSICA, vol.
- Page 10 and 11: ANAIS DE FILOSOFIA CLÁSSICA, vol.
- Page 12 and 13: ANAIS DE FILOSOFIA CLÁSSICA, vol.
- Page 14 and 15: ANAIS DE FILOSOFIA CLÁSSICA, vol.
- Page 16 and 17: ANAIS DE FILOSOFIA CLÁSSICA, vol.
- Page 18 and 19: ANAIS DE FILOSOFIA CLÁSSICA, vol.
- Page 20 and 21: ANAIS DE FILOSOFIA CLÁSSICA, vol.
- Page 22 and 23: ANAIS DE FILOSOFIA CLÁSSICA, vol.
- Page 24 and 25: ANAIS DE FILOSOFIA CLÁSSICA, vol.
- Page 26 and 27: ANAIS DE FILOSOFIA CLÁSSICA, vol.
- Page 28 and 29: ANAIS DE FILOSOFIA CLÁSSICA, vol.