ANAIS DE FILOSOFIA CLÁSSICA, vol. V nº 9, 2011ISSN 1982-5323SANTOS, José Trin<strong>da</strong><strong>de</strong>Princípios <strong>da</strong> <strong><strong>na</strong>tureza</strong> <strong>na</strong> Física A, <strong>de</strong> Aristóteles: pré-socráticos, Platãoextrai o princípio condicio<strong>na</strong>nte <strong>da</strong> sua própria teoria física, segundo o qual as coisas sãoconstituí<strong>da</strong>s por aquilo que nelas há.Contudo, <strong>na</strong> Física a tese ganha diversos novos sentidos. Às “coisas” vai ser atribuídoo estatuto formal <strong>de</strong> “substâncias”, sendo aquilo que nelas há a “matéria” que a “forma” <strong>da</strong>substância <strong>de</strong>termi<strong>na</strong> através <strong>da</strong> interação dos “contrários”; sendo estes inerentes <strong>na</strong> matériarelativa à forma <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> substância específica. To<strong>da</strong>via, este complexo jogo <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>çõessó po<strong>de</strong> ser captado pela teoria hilemórfica, que conjuga <strong>na</strong>s substâncias as noções <strong>de</strong>‘matéria’, ‘forma’, ‘ato’ e ‘potência’.Um número finito <strong>de</strong> contrários 53 <strong>de</strong>ve ser atribuído à substância, em si, <strong>de</strong>sprovi<strong>da</strong> <strong>de</strong>contrário (A6,189a27-33), uma vez que, como se viu, só “o que não é oposto subsiste”(A7,190a18-19). Esta opção abre caminho à teoria <strong>de</strong> Aristóteles, proposta em três momentos.A menção <strong>da</strong>s “aporias dos Antigos” aponta à aceitação <strong>da</strong> proibição <strong>da</strong> geração ecorrupção tanto a partir do ser ou do não-ser, quanto para o ser ou o não-ser (A8,191a22-33).No primeiro momento, ain<strong>da</strong> <strong>na</strong> crítica aos eleáticos, Aristóteles implicitamente afirma anecessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> postulação <strong>de</strong> um substrato (191a31) no qual existam os contrários.Depois, para clarificar o modo <strong>de</strong> manifestação, distingue “ser” e “não-ser” em“enquanto tal” e “por aci<strong>de</strong>nte”: (191b2-4, 13-15). A sua solução <strong>da</strong> aporia consiste em tomara geração e a corrupção a partir <strong>de</strong>, ou para, contrários que “são” e “não-são” por aci<strong>de</strong>nte 54 ,enquanto o substrato persiste, enquanto tal 55 (191a34-b26).No terceiro momento, Aristóteles mostra que os contrários existem em potência nosubstrato, consistindo a mu<strong>da</strong>nça no processo pelo qual o contrário que existia em potênciapassa a existir em ato, enquanto o seu contrário passa pelo processo inverso (191b27-29).Os princípios <strong>da</strong> geração e corrupção são, portanto, três: o substrato e os contrários, osquais, como foi dito, “pela sua presença ou ausência produzem a mu<strong>da</strong>nça” (191a6-7), <strong>da</strong>ndosea presença dos contrários <strong>na</strong> forma, e a ausência, por aci<strong>de</strong>nte, <strong>na</strong> privação 56 (Ibid. 13-14):53 Notar, no fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> A4, a crítica à ilimitação dos princípios por A<strong>na</strong>xágoras e a preferência pela opção <strong>de</strong>Empédocles. Uma e outra posição refletem a censura eleática à aceitação <strong>da</strong> duali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos contrários: se sãocontrários, não po<strong>de</strong>m ambos ser; se só um é, o outro não é contrário (Parmêni<strong>de</strong>s B8.50-61). Enquanto oAgrigentino suprime a contrarie<strong>da</strong><strong>de</strong> dos elementos, remetendo a oposição para o Amor e o Ódio, o Ab<strong>de</strong>ritadissolve-a <strong>na</strong> admissão <strong>de</strong> uma infini<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> princípios.54 “Por concomitância” (Angioni 2009). Para o esclarecimento do sutil argumento <strong>de</strong>senvolvido por Aristótelesem A8, remeto para o meticuloso comentário, em Angioni 2009, 168-183.55 Se um médico constrói uma casa, fá-la não enquanto médico, mas enquanto construtor, embora, por aci<strong>de</strong>nte,seja médico.56 Adiante, Aristóteles caracterizará a matéria como não-ser por aci<strong>de</strong>nte e a privação como não-ser em si(A9,192a4-5).36
ANAIS DE FILOSOFIA CLÁSSICA, vol. V nº 9, 2011ISSN 1982-5323SANTOS, José Trin<strong>da</strong><strong>de</strong>Princípios <strong>da</strong> <strong><strong>na</strong>tureza</strong> <strong>na</strong> Física A, <strong>de</strong> Aristóteles: pré-socráticos, Platão“... também nós afirmamos que <strong>na</strong><strong>da</strong> provém do não-ser, sem mais; no entanto, mesmoassim, afirmamos que provém do não-ser, a saber, por concomitância (<strong>de</strong> fato, <strong>da</strong>privação, que é por si mesma um não-ser, e, que não está inerente [sc. no resultado],provém algo... )” (A8,191b13-16: Angioni 2009).A geração dá-se “por concomitância” (ou “por aci<strong>de</strong>nte”). Por exemplo, é porque umcerto cão <strong>na</strong>sce <strong>de</strong> certo um cão, e não do animal, embora o cão seja um animal, que a geraçãoé “por aci<strong>de</strong>nte” (Ibid. 16-27). Avança<strong>da</strong> esta primeira razão, há então que propor a segun<strong>da</strong>,<strong>de</strong> que a geração dá-se também segundo o ato e a potência, do modo que se verá a seguir(Ibid. 27-29).O erro dos Antigos foi, portanto, tomarem to<strong>da</strong> geração como sendo “sem mais”(haplôs: A9,191b36). Não po<strong>de</strong>, porém, ser assim, pois:“matéria e privação são distintas entre si, e [...] uma <strong>de</strong>las, a matéria, éaproxima<strong>da</strong>mente e <strong>de</strong> certo modo substância, mas a outra <strong>de</strong> modo algum ésubstância...” (A9,192a3-6: Angioni 2009).APLICAÇÃO DOS CONCEITOSFORMA/MATÉRIA, ATO/POTÊNCIAEm Aristóteles, a substância não po<strong>de</strong> ser – como para “os que primeiro filosofaram”– “<strong>na</strong> forma <strong>da</strong> matéria” (Met. A3,986b6), mas constituí<strong>da</strong> pela atuali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> forma <strong>na</strong>matéria. Entendi<strong>da</strong> como “princípio <strong>de</strong> movimento e repouso”, chama-se “substância” a ca<strong>da</strong>um dos entes que são “aquilo que são” e existem, com as suas proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s (p. ex., umaárvore e o leito fabricado com a ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>ssa árvore; vi<strong>de</strong> Met. Δ8,1017b10-26).O “princípio <strong>de</strong> movimento” <strong>de</strong>termi<strong>na</strong> as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> transformação <strong>de</strong> umasubstância (a árvore po<strong>de</strong> ser transforma<strong>da</strong> em chama, fumo e cinza – sejam, fogo, ar, água eterra –, por ação do fogo, mas não tem capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> para se transformar no que quer que seja:A5,188b3-8); enquanto o “princípio <strong>de</strong> repouso“ limita estas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s à permanência <strong>da</strong>i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> substância: a ma<strong>de</strong>ira persiste no leito, mas não a árvore. Daí o famosoexemplo, atribuído a Antifonte (Fís. B1.19312-16): se enterrarmos um leito e calhar eleganhar raízes, o que é gerado é uma árvore e não um outro leito.Esta série <strong>de</strong> exemplos permite compreen<strong>de</strong>r o modo como forma e matéria serelacio<strong>na</strong>m. “Matéria” é o substrato <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça e <strong>da</strong> permanência:“... aquilo que primeiramente está subjacente a ca<strong>da</strong> coisa, como elemento imanente<strong>de</strong> que algo provém não por concomitância” (Angioni 2009, ou “por aci<strong>de</strong>nte”).37
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