ANAIS DE FILOSOFIA CLÁSSICA, vol. V nº 9, 2011ISSN 1982-5323SANTOS, José Trin<strong>da</strong><strong>de</strong>Princípios <strong>da</strong> <strong><strong>na</strong>tureza</strong> <strong>na</strong> Física A, <strong>de</strong> Aristóteles: pré-socráticos, PlatãoO SENTIDO DAS CRÍTICAS AOS ELEÁTICOSSe é indubitável que o objetivo <strong>da</strong>s críticas <strong>de</strong> Aristóteles aos Eleatas é <strong>de</strong>nunciar anuli<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> sua contribuição para a investigação <strong>da</strong> Natureza 28 , é lícito perguntar por que lhes<strong>de</strong>dica atenção. A resposta a esta pergunta colhe-se logo a seguir, <strong>na</strong> Física A, quando, nocurso <strong>da</strong> exposição <strong>da</strong>s teorias físicas <strong>de</strong> A<strong>na</strong>xágoras, o Estagirita revela quanto nelas sereflete a aceitação <strong>da</strong> argumentação eleática sobre o ser.Esta observação sugere que Aristóteles lê Parmêni<strong>de</strong>s <strong>na</strong> tradição <strong>da</strong> qual ele próprio éo termo, mais do que <strong>na</strong> letra do Poema, pois, se to<strong>da</strong> a argumentação do Da <strong><strong>na</strong>tureza</strong> é alheiaa uma perspectiva cosmológica, pelo contrário, as obras dos pós-eleáticos importam osargumentos eleáticos para o contexto do mundo físico 29 .Já a acusação <strong>de</strong> que Parmêni<strong>de</strong>s diz o ser “<strong>de</strong> uma só maneira” 30 (Fís. A3,186a-187a3ss.; Met. B4,1001a29 ss., N2,1089a2 ss.; Alexandre, metaph. 44,10 s.: vi<strong>de</strong> DK28A27)proce<strong>de</strong> no Poema a partir <strong>da</strong> oposição do ser ao não-ser; este último i<strong>de</strong>ntificado com <strong>na</strong><strong>da</strong>(Met. A5,986b29). Contudo, se <strong>na</strong><strong>da</strong> liga o ser <strong>de</strong> Parmêni<strong>de</strong>s à Natureza, é claro que não é noDa <strong><strong>na</strong>tureza</strong>, mas nos fragmentos dos eleáticos e póseleáticos que, <strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> semântica doverbo ‘ser’, são extraí<strong>da</strong>s:1. a proibição <strong>da</strong> geração/corrupção e <strong>da</strong> multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong> no mundo físico (Fís.A8,191a24 ss.: DK28A24);2. a <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> e imobili<strong>da</strong><strong>de</strong>/imutabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> <strong><strong>na</strong>tureza</strong> (Met. A3,984a27 ss.:id.).O texto <strong>da</strong> Física documenta a relevância <strong>de</strong>stas duas teses para as críticas queAristóteles en<strong>de</strong>reça a Parmêni<strong>de</strong>s 31 . No entanto, por nenhuma <strong>de</strong>las o Eleata é responsável,To<strong>da</strong>via, o argumento proce<strong>de</strong> <strong>de</strong> premissas linguísticas e epistemológicas, por alegar a impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong>do conhecimento <strong>de</strong> algo cuja i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> é nega<strong>da</strong> (aquilo a que Aristóteles chama “nome in<strong>de</strong>finido”: Dainterpretação 16a30-33), mantendo-se <strong>de</strong> todo alheio à reali<strong>da</strong><strong>de</strong> física.28 Note-se que logo em 185a12-13 Aristóteles afirma:“Para nós, consi<strong>de</strong>re-se estabelecido que que as coisas que são por <strong><strong>na</strong>tureza</strong>, ou to<strong>da</strong>s elas ou algumas,são suscetíveis <strong>de</strong> movimento” (Angioni 2009).Nesta <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> Aristóteles está implícita a rejeição <strong>da</strong>s duas teses pelas quais os Eleatas sãoreconheci<strong>da</strong>mente responsáveis: as <strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> e imobili<strong>da</strong><strong>de</strong> do ser.29 Ver em J. T. Santos, “Presença <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> eleática <strong>na</strong> filosofia grega clássica”, Jour<strong>na</strong>l of AncientPhilosophy III, 2009,2, 1-41 (www.filosofiaantiga.com), a <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> tese segundo a qual “o que é”, no Poema <strong>de</strong>Parmêni<strong>de</strong>s, não se refere ao mundo físico. De acordo com esta interpretação, a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> por conferir aomundo físico os “atributos” do ser enumerados em B8 cabe às cosmologias póseleáticas.30 Em particular, ao tomar o ser como sujeito e predicado (“substância, vs. quali<strong>da</strong><strong>de</strong> e quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>”: Fís. 185a20-b4).31 A segun<strong>da</strong> tese é objeto <strong>de</strong> atura<strong>da</strong> crítica em A2-3. A primeira constitui o tópico que inicia a exposição sobreA<strong>na</strong>xágoras.28
ANAIS DE FILOSOFIA CLÁSSICA, vol. V nº 9, 2011ISSN 1982-5323SANTOS, José Trin<strong>da</strong><strong>de</strong>Princípios <strong>da</strong> <strong><strong>na</strong>tureza</strong> <strong>na</strong> Física A, <strong>de</strong> Aristóteles: pré-socráticos, Platãose não há motivo para supor que aos “atributos” do ser, enumerados em B8, correspon<strong>da</strong> anegação <strong>de</strong> fatos ou proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s do mundo físico. Feita esta reserva, <strong>de</strong>ve, contudo, notar-seque a oposição do ser ao não-ser 32 – capital em B2.2-8 –, registra<strong>da</strong> <strong>na</strong> Met. A5,986b28-31,merece uma chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> atenção.No fi<strong>na</strong>l do passo, sem transição – tal como fará <strong>na</strong> Física (A5,188a20-22: veradiante) –, Aristóteles passa a referir-se a tópicos constitutivos <strong>da</strong>s “opiniões dos mortais”(B8.51-61). Sustenta aí que, embora Parmêni<strong>de</strong>s pense que <strong>na</strong><strong>da</strong> existe além do ser –“... obrigado a seguir os fenômenos e a opi<strong>na</strong>r que o uno é segundo o logos, e múltiplo,segundo as sensações” –,distingue duas causas e princípios: o quente e o frio, ou o fogo e a terra –, alinhandouns do lado do ser, outros, do não ser (Met. A5,986b27-987a2; vi<strong>de</strong> G. C. A3,318b6-7,B3,330b13-15: DK28A35).No entanto, parece que, longe <strong>de</strong> querer confundir ou transformar o monismo eleáticonum dualismo – entrando em flagrante contradição com a linha domi<strong>na</strong>nte <strong>da</strong> sua crítica –,Aristóteles visa a apontar a distinta proveniência <strong>de</strong> um e <strong>de</strong> outro. A sua intenção é mostrarque, enquanto o primeiro se restringe à teoria epistêmica, o segundo é requerido para <strong>da</strong>rconta <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos fenômenos. Na sua perspectiva, a argumentação monista aspiraape<strong>na</strong>s a fornecer as condições <strong>de</strong> compreensão do real e não a <strong>de</strong>screvê-lo. Por isso mesmo,<strong>na</strong> sequência <strong>da</strong> citação <strong>de</strong> B16, <strong>de</strong> Parmêni<strong>de</strong>s, em <strong>de</strong>fesa do princípio <strong>da</strong> contradição, oEstagirita observa que os filósofos:“... investigaram a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> acerca dos seres, mas consi<strong>de</strong>ram seres ape<strong>na</strong>s ossensíveis, e nestes em muito inere a <strong><strong>na</strong>tureza</strong> do in<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do e a do ser...” (Met.Γ5,1010a2-4).Que sentido atribuir a esta última observação? Creio que Aristóteles quer apontaraquele problema que consi<strong>de</strong>ra nuclear <strong>da</strong> investigação do mundo físico. Todos os pensadoresque o antece<strong>de</strong>ram tentaram explicar a <strong><strong>na</strong>tureza</strong> <strong>da</strong>s coisas conjugando princípios <strong>de</strong> or<strong>de</strong>mdistinta, quando não oposta. Enquanto, <strong>de</strong> um lado, colocaram o princípio metafísico que lhespermitia conce<strong>de</strong>r uni<strong>da</strong><strong>de</strong> e regulari<strong>da</strong><strong>de</strong> à Natureza, do outro, puseram o princípio materialconstitutivo dos corpos.Desta abor<strong>da</strong>gem resultou o problema que afeta to<strong>da</strong>s as suas tentativas, a saber, o <strong>da</strong>irredutibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> in<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção <strong>da</strong> matéria à inteligibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do ser (acima aludi<strong>da</strong>s).32 Esta crítica é o “cavalo <strong>de</strong> batalha” <strong>de</strong> Aristóteles em A3: se ser e não-ser não se opusessem em bloco, seriapossível falar <strong>de</strong> “um certo ente” no Da <strong><strong>na</strong>tureza</strong> (vi<strong>de</strong> a expressão no argumento iniciado em A3,186b2-3).29
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