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Protestantismo em Revista, volume 02 (ano 02, n.1) - Faculdades EST

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<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Descrição cronológica do episódio MuckerPor Adilson Schultz *25 de junho de 1824: Chegada ao Brasil do primeiro grupo de imigrantes al<strong>em</strong>ães.25 de julho de 1824: Chegada dos primeiros 120 imigrantes al<strong>em</strong>ães a São Leopoldo.06 de nov<strong>em</strong>bro de 1824: Chegada <strong>em</strong> São Leopoldo (hoje Hamburgo Velho) deLibório Mentz e Madalena Ernestina Lips, avô e avó de Jacobina, naturais deTambach, na Turíngia (A família <strong>em</strong>igra após intenso período de perseguições porter se desligado da Igreja Evangélica e da escola, e criado, junto com mais seis ou setefamílias, uma comunidade de culto independente).18 de fevereiro de 1829: Chegada ao RS (São José do Hortênsio) de João FredericoCarlos Maurer, pai de João Jorge Maurer (Na mesma data chegam também asfamílias Fuchs, Nöe e Voltz, integrantes do posterior Movimento Mucker, todasprocedentes do Sarre, Hünsruck-Al<strong>em</strong>anha).1832: Libório Mentz (Filho), tio de Jacobina (o Libório avô falecera <strong>em</strong> 1826) constróia 1ª capela Evangélica <strong>em</strong> São Leopoldo, a Igreja da Piedade, <strong>em</strong> Hamburgo Velho.28 de fevereiro de 1840(1?): Nascimento de João Jorge Maurer, <strong>em</strong> São José doHortênsio.Junho de 1841(2?): Nascimento de Jacobina Mentz Maurer, <strong>em</strong> Hamburgo Velho,filha de André Mentz e Maria Elisabeth Müller.1850: Chegada a São Leopoldo dos Jesuítas (mais intensamente a partir de 1871).* Mestre <strong>em</strong> Teologia, com pesquisa sobre <strong>Protestantismo</strong> e Missão. Doutorando <strong>em</strong> Ciências daReligião no IEPG-<strong>EST</strong>, com pesquisa no campo Teologia e Literatura. Pesquisador do Núcleo deEstudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> e do Núcleo de Estudos e Pesquisa de Gênero.8Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 640813 de junho de 1873: Libertação de Jacobina e João, sendo constatado que ela nãoportava nenhuma enfermidade, e ambos nenhum crime.Junho de 1873: Os colonos Muckers passam a não mais sepultar mortos nosc<strong>em</strong>itérios. Em torno desta data abandonam também festas do salão comunitário,jogos e bailes.5 de julho de 1873: Jacobina e João são convocados a comparecer novamente <strong>em</strong> SãoLeopoldo. Assinam “termo de b<strong>em</strong> viver” proibindo os cultos. Na volta ao Ferrabrás,são recebidos como heróis.22 de nov<strong>em</strong>bro de 1873: O inspetor de quarteirão João Lehn, declarado opositor doscolonos Muckers, é baleado por dois homens, presumivelmente Muckers.Nov<strong>em</strong>bro de 1873: Alguns (32?) colonos são presos acusados do atentado a JoãoLehn. Por falta de provas, seriam libertados <strong>em</strong> 1 de dez<strong>em</strong>bro.10 de dez<strong>em</strong>bro de 1873: Viag<strong>em</strong> de João Maurer (?) e mais dois colonos Muckers aoRJ, para entrega de petição ao imperador D. Pedro II. 32 colonos subscreveram apetição, queixando-se de perseguição da polícia, ofensas morais e agressões físicas epatrimoniais de outros colonos. Durante a viag<strong>em</strong>, Rodofo Sehn, católico, aproximasede Jacobina, passando a ter importante papel enquanto receptáculo de suasmensagens e visões.27 de dez<strong>em</strong>bro de 1873: Carta de Carolina, irmã de Jacobina ao primo LúcioSchreiner, delegado de São Leopoldo, criticando-o pela perseguição e pedindo peloparadeiro do esposo. Representante imperial solicita explicações às autoridades daprovíncia do RS a respeito das queixas que os colonos Muckers faz<strong>em</strong> <strong>em</strong> petiçãoentregue ao imperador.Dez<strong>em</strong>bro de 1873: Karl von Koseritz sugere, através da imprensa, a deportação dosMuckers para uma ilha oceânica. Vários colonos estariam dispostos a colaborar nocusteio do projeto.12Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 640828 de janeiro de 1874: Lúcio Schreiner responde às autoridades imperiaisdesmentindo as queixas dos Muckers e acusando-os de agitadores.25 de março de 1874: Falecimento do Pastor Boeber.30 de abril de 1874: Assassinato do menor Jorge Haubert, ex-Mucker. Os Muckerssão responsabilizados e alguns presos.20 de maio de 1874: Carta de Jacobina a seu primo Mathias Schroder. Em tomagressivo, dá ultimato a qu<strong>em</strong> estava fora do movimento. Nomeia Lúcio Schreineranti-Cristo.24 de maio de 1874: Grande culto no Ferrabrás, onde Jacobina teria anunciado o fimdo mundo e decretado o extermínio de 16 famílias de colonos inimigas dos Muckers.Maio de 1874: Nascimento de Leidard, sexta e última criança de Jacobina. Celebradacom festa religiosa - Kerb - a conclusão da ampliação da casa dos Maurers. Aconstrução é nomeada de diversas formas: um anexo para abrigar melhor ascelebrações religiosas; um espaço maior para abrigar os enfermos; um t<strong>em</strong>plo; <strong>em</strong>esmo um forte militar. Karl von Koseritz incita os outros colonos a pegar<strong>em</strong> <strong>em</strong>armas para atacar os Muckers.Entre maio e junho de 1874: Ameaçados, vários colonos Muckers buscam abrigo napropriedade dos Maurers. Os Muckers se armam. Dois são presos trazendo armas dePorto Alegre.Junho de 1874: A violência explode na colônia. Amedrontados, os colonos passam asnoites reunidos <strong>em</strong> casas de vizinhos e casas comerciais. Os Muckers agrupam-secada vez mais na propriedade dos Maurers.15 de junho de 1874: Chacina da família Kassel, ex-Mucker, onde morr<strong>em</strong> umamulher e 4 crianças. Crime atribuído aos Muckers.23 de junho de 1874: Mandato de prisão de Jacobina e João e outros Muckers.24 de junho de 1874: Prisão de João Klein, o escrivão e presumido mentor intelectualdos Muckers.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 13


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408<strong>02</strong> de agosto de 1874: Derradeiro combate contra os Muckers. Ajudadas pelo ex-Mucker Carlos Luppa - que havia sido nomeado discípulo por Jacobina, com o nomede Judas -, os soldados avançam por três lados até o esconderijo. Os colonos resist<strong>em</strong>,mas tombam após alguns minutos de intenso tiroteio e combate franco. Morr<strong>em</strong>Jacobina e mais dezesseis Muckers. Seis ou sete fog<strong>em</strong> mato a dentro (?).Nov<strong>em</strong>bro de 1874: Início do julgamento dos colonos Muckers presos.16 de junho de 1880: Absolvição e/ou libertação dos últimos réus Muckers.1880: Os Muckers voltam à colônia, sobretudo para a região de Nova Petrópolis eLajeado. Muitos trocam de sobrenome para não ser<strong>em</strong> identificados. Com aabsolvição, os sete Muckers sobreviventes e refugiados no mato desde o últimocombate, voltam para casa.23-24 de outubro de 1897: Assassinato dos Jovens Mueller, Weber e Graebin, naFazenda Pirajá, <strong>em</strong> Nova Petrópolis. Crime atribuído aos Muckers da região, queestariam reunidos sob liderança de Aurélia, filha do casal Maurer.3 de janeiro de 1898: Mais de 100 colonos da região assassinam cinco colonosMuckers na região de Nova Petrópolis e Lajeado.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 15


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Probl<strong>em</strong>atização religiosa e histórica do episódio MuckerPor Adilson Schultz *Resumo:O texto apresenta uma descrição cronológica dos principais acontecimentos do eventoMucker e levanta questões sobre sua religião/piedade. Tendo sido apresentado durante o IS<strong>em</strong>inário de Estudos do NEPP como provocação à palestra de Martin Dreher sobre areligião de Jacobina, o texto reivindica que ciências fundamentalmente imanentes comoHistória, Psicologia e Literatura não pod<strong>em</strong>, sozinhas, dar conta de um fenômeno que tev<strong>em</strong>otivações, conteúdo e desfecho, sobretudo, transcendentes, sendo necessária a intervençãoda Teologia.Parece que tudo começou com João Jorge Maurer, um colono descendente deimigrantes al<strong>em</strong>ães, evangélico luter<strong>ano</strong>, que falava hünsruck e era analfabeto. Joãoaprendeu os segredos das ervas medicinais e, a partir de 1868 ou 1869, exerceu comêxito o ofício de curandeiro na colônia de São Leopoldo, RS, sendo conhecido comoWunderdoctar, o doutor maravilhoso, ou milagreiro. Muitas pessoas acorriam à suacasa, ao pé do morro Ferrabrás, hoje Sapiranga, onde além de r<strong>em</strong>édios, famíliasinteiras recebiam conselhos e descanso.Nesse começo, portanto, o Ferrabrás era endereço de cura. Mas é nessa casahospitalque apareceria aquela que se tornaria a líder do posterior movimentoespiritual, Jacobina Mentz Maurer, casada com João. Inicialmente, ela ajudava omarido no preparo dos r<strong>em</strong>édios e no cuidado e na hospedag<strong>em</strong> das pessoasdoentes. Assim como o marido, Jacobina também trabalhava na roça, como todas ascolonas da região. Casados <strong>em</strong> 1868, Jacobina e João levavam uma vida normal.* Mestre <strong>em</strong> Teologia, com pesquisa sobre <strong>Protestantismo</strong> e Missão. Doutorando <strong>em</strong> Ciências daReligião no IEPG-<strong>EST</strong>, com pesquisa no campo Teologia e Literatura. Pesquisador do Núcleo deEstudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> e do Núcleo de Estudos e Pesquisa de Gênero.16Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408A partir de 1871, no entanto, algo novo acontece: Jacobina passa a promovercelebrações religiosas com as pessoas doentes e suas famílias, colonas da região, nasua maioria evangélico-luteranas - mas também católicas. Nessas reuniões, havias<strong>em</strong>pre oração e cantos religiosos. Jacobina lia a Bíblia e a interpretava. Em seguida,as pessoas participavam da interpretação. As longas distâncias e a escassez depastores e padres fez com que esse tipo de culto na casa fosse muito comum à época.Jacobina sabia ler e interpretar a Bíblia, e isso já bastava para reunir as pessoas ao seuredor. A casa dos Maurer, agora, é endereço de cura e de reza.Mas Jacobina tinha também o dom especial de ter visões, geralmente durantesonhos ou estados de letargia, depois de passar longas horas adormecida. Suaenfermidade era pouco conhecida à época, o que lhe conferia um ar de mistério, eJacobina passou a ser vista como portadora de um dom divino. Quando despertavada letargia, aparent<strong>em</strong>ente ainda <strong>em</strong> êxtase, ditava interpretações especiais de textosbíblicos e receitas médicas, orientando o marido quanto a que tipo de erva devia seraplicada para determinada pessoa e doença.Não d<strong>em</strong>orou, para que Jacobina assumisse papel de destaque na casa,deslocando o foco central da peregrinação ao Ferrabrás, até então centrada nas curasde João. Jacobina curava com ajuda divina e também lia e interpretava a Bíblia etinha visões. Aos poucos, pessoas que não tinham doença alguma vinham para ouvirJacobina, cantar e rezar.É a partir dessa comunidade de colonos, reunida ao redor de um curandeiroe, depois, de uma pregadora e sonhadora, que irromperia mais tarde umacomunidade religiosa disposta a defender-se com armas, a matar colonos e soldadosinimigos, e até a morrer no combate. Como se operou tamanha mudança? Queel<strong>em</strong>entos internos e externos estiveram <strong>em</strong> jogo?Muito antes de rotular Jacobina, João Maurer e os colonos ao seu redor deMucker, revoltosos, fanáticos, incendiários e mesmo assassinos, há que responderDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 17


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408minimamente duas questões: o que realmente acontecia na casa de Jacobina e JoãoMaurer e qu<strong>em</strong> eram essas centenas de pessoas que acorriam à casa deles paracantar, rezar e curar-se.Qu<strong>em</strong> ia à casa de Jacobina eram, sobretudo, colonos da região, queinicialmente buscavam cura e depois conforto espiritual. “Todos os relatos àdisposição acerca dos primórdios do movimento Mucker, independente do seucaráter apologético ou inquisitório, reconhec<strong>em</strong> [apenas] que muitos colonosdoentes, curiosos, fiéis, amigos, parentes, estranhos, se dirigiam para dentro damontanha do Ferrabrás para ver/provar das [curas] de João e ouvir/ver os sonhosde Jacobina.” (BIEHL, Jamerthal, p. 123). Tratava-se, portanto, de uma comunidadede colonos, mais ou menos na mesma situação financeira - n<strong>em</strong> a miséria total, n<strong>em</strong>prosperidade, mas o duro e normal trabalho da colônia; quase todas evangélicas ecomunicando-se apenas <strong>em</strong> hünsruck; pessoas com boas relações com os vizinhos ecom as autoridades locais. Jacobina e João Maurer eram respeitados por todos.Aparent<strong>em</strong>ente, ela não era um d<strong>em</strong>ônio, n<strong>em</strong> uma prostituta, n<strong>em</strong> uma bruxa, n<strong>em</strong>uma louca, n<strong>em</strong> uma d<strong>em</strong>ente, n<strong>em</strong> uma doente, n<strong>em</strong> a encarnação do Cristo - paracitar apenas alguns dos adjetivos a ela atribuídos pela imprensa, pela Igreja, pelapolícia e governantes da época.Mas, além de curas, o que se fazia no Ferrabrás? Por que um grupo decolonos despertaria tantos probl<strong>em</strong>as na colônia? Aparent<strong>em</strong>ente, pelo menos noinício, nada de <strong>ano</strong>rmal ou extraordinário havia no Ferrabrás. João seguia curando, esendo muito eficaz. Jacobina orava, lia a Bíblia e a interpretava. Uma descrição feita apartir de relatos de test<strong>em</strong>unhas visuais dá uma boa idéia do que acontecia nasreuniões ao redor de Jacobina:Então tomava muitas vezes assento numa cadeira, sendo cercada deum roda de homens, mulheres e crianças. Na mesa diante dela,encontrava-se aberta a Bíblia. Sua vista brilhava de forma exaltada eos trações de seu rosto tomavam uma expressão `sobrenatural` oumisteriosa. Punha-se ela a ler. As palavras brotavam de modo morosoe desajeitado. Via-se que a leitura lhe causava dificuldades. Depois de18Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408levados a termo uma frase ou algum trecho maior, começava aexplicação, mudando-se-lhe, então, a voz, fluindo as palavras de seuslábios e sabendo ela, numa espécie de exaltação, dar ao que lera asinterpretações mais singulares e surpreendentes. [...]Por vezes os devotos encontravam, contudo, Jacobina reclinada <strong>em</strong>seu leito, tendo os olhos abertos voltados firm<strong>em</strong>ente num ponto fixo,como se tivesse visões. Ditos curiosos, pronunciados com vagar,sentenças exortativas de teor bombástico ou profecias procediam desua boca e preenchiam os ouvintes de um pavor misterioso, b<strong>em</strong>como de uma espécie de t<strong>em</strong>or reverencial, como se t<strong>em</strong> diante deum ser `sobrenatural`.Os altos conceitos que dela se tinham, moveram a muitos no sentidode lhe confiar<strong>em</strong> coisas secretas e de lhe pedir<strong>em</strong>, <strong>em</strong> casos dúbios,bons conselhos. Quanto a estes, Jacobina não sentia apuros.(SCHUPP, Os Muckers, p. 41-42)Oração, cantos, leitura bíblica, pregação, visões, profecias, conselhos, curas.Esse era o conteúdo dos encontros de colonos na casa do Ferrabrás. O que havia de<strong>ano</strong>rmal eram apenas as visões. São essas visões de Jabobina, seus sonhos, quedesencadiariam mais tarde o conflito na colônia.Muitas pessoas e grupos começaram a incomodar-se e construíram umaversão dramática do que acontecia na casa de Jacobina, diss<strong>em</strong>inando a antipatiageneralizada contra os Muckers e alimentando a ve<strong>em</strong>ente oposição da Igreja, deoutros colonos e das autoridades políticas e policiais. Havia notícias sobre secretas eabomináveis práticas, desde troca obrigatória de casais até assassinatos/sacrifícios decrianças. Uma forte campanha de difamação tomou conta da região e do RS,tachando os Muckers de fanáticos e desordeiros. Jacobina seria doente e lunática.João Maurer, charlatão e d<strong>em</strong>agogo. A Igreja acusa os Muckers e Jacobina decharlatanismo - é impactante no filme A paixão de Jacobina a grande foto de Lutero nasala onde o pastor e as autoridades decid<strong>em</strong> a sorte dos Muckers. Aparent<strong>em</strong>ente, elafoi realmente expulsa da Igreja Luterana. Posteriormente, Jacobina proibiu ascrianças de freqüentar<strong>em</strong> a escola e a Igreja, seja por causa da perseguição a queeram submetidas, seja porque estas instituições não ensinavam a verdade sobre aBíblia. Depois de um fracassado culto, vendo que a maioria dos m<strong>em</strong>bros estavam noDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 19


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408culto na casa de Jacobina, o pastor local encabeçou um abaixo assinado dirigido àsautoridades, solicitando imediata intervenção da polícia contra os Muckers.Com a pressão externa, as reuniões de colonos foram se fechando e seinstitucionalizando para proteger-se. Diz-se que, na festa de Pentecostes de 1873,Jacobina teria se autoproclamado revelação divina, sendo chamada de “o Cristo” poralgumas pessoas. Depois se diss<strong>em</strong>inou a notícia de que Jacobina anunciava o fim domundo, o dia <strong>em</strong> que os justos (os Muckers) combateriam contra os injustos e osvenceriam. Diz-se que ela escolheu 12 apóstolos, seus fiéis escudeiros. Ao final, já <strong>em</strong>1873 e 1874, os encontros de cura e reza do Ferrabrás já estavam envoltos <strong>em</strong> tonssolenes e messiânicos.Parece que foi a partir do avanço das pressões externas, promovidas,sobretudo, pela imprensa porto-alegrense e pela polícia de São Leopoldo na fase finaldo episódio, que Jacobina começou a pregar o fim do mundo, aparent<strong>em</strong>ente como“saída” encontrada para dar sentido ao que todos pressentiam como inevitável, oconfronto e a morte. O messianismo surge como explicação do confronto final - nãoexplicação do mundo colono, esse amplamente explicado pela estrutura de culto curae sonho oferecida por Jacobina e João, baseada numa espécie de religião natural.Em 1973, num domingo de culto da Ascensão, os colonos Muckers forampresos, sob a acusação de assassinato de um colono da região. Jacobina foi levada deSapiranga a São Leopoldo <strong>em</strong> estado de letargia, totalmente adormecida,transportada numa carroça, numa viag<strong>em</strong> de 9 horas. Depois de ficar um períodointernada na Santa Casa, <strong>em</strong> Porto Alegre, foi interrogada, e juntamente com osoutros Muckers presos, liberada por falta de doença e falta de prova de crime. OsMuckers não eram doentes n<strong>em</strong> criminosos.A partir desse episódio, no entanto, os Muckers parec<strong>em</strong> ter declaradoguerra santa aos oponentes. Já haviam recorrido às autoridades para reclamar dasagressões que vinham sofrendo por parte de outros colonos, que não apenas lhes20Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408destratavam, mas queimavam suas caixas de abelhas, cortavam o rabo dos seuscavalos, roubavam suas melhores roupas no varal. Como último recurso, foram atéao Rio de Janeiro falar ao Imperador, mas nada foi feito. Sentiram que não havia maisa qu<strong>em</strong> recorrer. O confronto parecia inevitável.Em 1874, uma série de agressões mútuas entre os colonos, pró e anti-Mucker,tomou conta da pacata região, com incêndio de várias casas, estrebarias, prisõesarbitrárias e assassinatos. Em junho e julho de 1874, o medo se instala, e os colonos searmam, anunciando uma catástrofe. Nos últimos meses, várias famílias de colonos,amedrontadas com as agressões dos vizinhos, ou mesmo esperando o fim do mundo,refugiam-se na propriedade dos Maurers, completando assim a cena do confronto,militar e apocalíptico. Em mutirão, aumentam o tamanho da casa e armam-se. N<strong>ano</strong>ite do dia 25 de junho de 1874, justamente na data da com<strong>em</strong>oração docinqüentenário da imigração al<strong>em</strong>ã, os Muckers imprim<strong>em</strong> um violento ataque aosinimigos, colonos da região, incendiando várias casas e matando várias pessoas.Formalmente, seriam posteriormente acusados de 16 assassinatos, inclusive de trêscrianças.A imprensa local, altamente integrada ao debate da questão, vaticinava que aúnica solução seria mesmo o extermínio dos bruxos, n<strong>em</strong> mais a proposta dedeportação do grupo para uma ilha oceânica era mais suficiente. Depois da noite defogo, só restava o ataque do Exército Imperial.E foram três ataques das forças legais, compostas por soldados e centenas decolonos. Ao primeiro, <strong>em</strong> 28 de junho, os Muckers resistiram e fizeram o exércitorecuar. Ao segundo, <strong>em</strong> 19 de julho, estando as forças legais compostas por centenasde homens, os Muckers sucumb<strong>em</strong>: a casa dos Maurers é incendiada, dezenas decolonos morr<strong>em</strong> no combate, e outros queimados, inclusive mulheres e crianças.Vários Muckers são presos. Morre também o coronel Genuíno Sampayo, líder dastropas imperiais.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 21


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Mas ainda faltava o desfecho: um grupo de colonos tinha se refugiado nomato, inclusive Jacobina. Contra eles o exército imprime o último combate <strong>em</strong> 2 deagosto de 1874. Depois de sangrenta batalha, morreram 16 colonos Muckers. Morretambém jacobina, aos 33 <strong>ano</strong>s de idade, aproximadamente à hora nona do dia <strong>02</strong> deagosto de 1874. Ela cai no local onde hoje está plantada uma cruz ao pé do morroFerrabrás. Ali ela e os 16 colonos seriam também sepultados, numa vala comum.O Rio Grande do Sul com<strong>em</strong>orou o massacre do grupo de colonos e o relatodo assassinato à queima roupa de Jacobina. Os Muckers tinham sido heroicamenteextirpados da face da terra, e a paz e a ord<strong>em</strong> voltara à colônia e ao país.A imprensa faz um longo debate a respeito, buscando as causas da tragédia.Entre os vários debates feitos, procurava-se pelos culpados da tragédia <strong>em</strong> colôniatão pacífica e ordeira. De qu<strong>em</strong> era a culpa? Da Igreja Luterana que não davaassistência, que não tinha pastores ordenados? Do passado místico e eclesialmenteseparatista da família de Jacobina, também expulsa da Al<strong>em</strong>anha? Do governobrasileiro, que não fornecia médicos verdadeiros? Dos Jesuítas, com suas crendices<strong>em</strong> milagres? De um povo s<strong>em</strong> instrução que seguiu ingenuamente um casal decharlatões? Do acesso livre à Bíblia promovido pelos protestantes, esse livroperigoso? Dos políticos brasileiros e sua lentidão <strong>em</strong> agir judicialmente? Damaçonaria, com seu projeto positivista anti-religião? Das lideranças eclesiaisprotestantes, com seu projeto de germanização? Dos Brummers e de seu projeto deuma Nova Al<strong>em</strong>anha? Ou simplesmente de uma mulher que se intrometeu <strong>em</strong>serviço de hom<strong>em</strong>? Ou seria mesmo coisa do d<strong>em</strong>ônio?Para fazer esse debate da época e ainda recorrente nos dias de hoje, muitasperguntas segu<strong>em</strong> as mesmas, mas outras entram somente agora no debate: o quefazia com que esses colonos reuniss<strong>em</strong>-se ao redor de uma sonhadora e de umcurandeiro? Qu<strong>em</strong> eram esses colonos? Qu<strong>em</strong> eram Jacobina e João Maurer? O queeles faziam nas suas reuniões? O que eles rezavam; o que cantavam: Qual era a22Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408paixão e a religião de Jacobina? Essas são as perguntas que o NEPP faz nesses<strong>em</strong>inário.Só assim, e só depois de saber isso, é que saber<strong>em</strong>os como um grupo decolonos foi levado ao conflito armado, disposto a morrer e a matar. O caminho paraencontrar as respostas passa por um desvio: desviar-se do conflito. Todos que tentamachar causas/respostas para o conflito acabam encontrando-as, mas elas não sãosuficient<strong>em</strong>ente amplas. Explicar o conflito socialmente é aparent<strong>em</strong>ente fácil.Rotular os Muckers de comunistas, também.Tentando evitar a identificação dos Muckers e de seus algozes com umsimples drama mocinho x bandido, o que parece evidente é que o grupo de colonosnão apenas transformou-se, mas, sobretudo, foi transformado num bando dedesordeiros. O Ferrabrás não foi construído apenas pelo casal Maurer. O que está nofundo dessa transformação é um discurso construído, consciente einconscient<strong>em</strong>ente, inicialmente, desde fora e, posteriormente, assumido peloscolonos, num intrincado jogo de poderes, saberes e interesses, sobretudo religiosos epolíticos, entre diversas entidades da sociedade rio-grandense da época.Pod<strong>em</strong> ser identificados sete grupos distintos que estiveram diretamenteenvolvidos na formulação desse discurso e no desenrolar dos fatos:o a Igreja Evangélica Luterana, por um lado, por causa do conflito entrepastores-leigos/colonos e pastores ordenados (sinodalização) e, poroutro, por causa de seu projeto de germanização do RS. A Igreja nãoapenas se omitiu na fase dramática do conflito, mas atacou os colonosquando do abaixo assinado organizado pelo pastor local;o a imprensa rio-grandense, sobretudo na pessoa de Karl von Koseritz,voz dos Brummers, grupo de al<strong>em</strong>ães imigrantes caudatários de ummodelo positivista de sociedade, que não tolerava manifestaçõesDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 23


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408religiosoas/espirituosas, muito menos aquelas fora do racional e doconvencional;o a Maçonaria - amplamente diss<strong>em</strong>inada na região naquela época,inclusive entre os colonos - pelos mesmos motivos da imprensa;o os Jesuítas, recém chegados à região, que aproveitaram os relatosdramáticos sobre os Muckers para desmoralizar o <strong>Protestantismo</strong> efazer proselitismo;o a polícia de São Leopoldo, que, sob influências e interesses políticoslocais, exerceu implacável perseguição aos Muckers e vergonhosamanipulação dos fatos, execrando os colonos perante a opiniãopública;o os colonos não-Muckers da região, que não simpatizando com o grupode Jacobina e t<strong>em</strong>erosos, imprimiram ataques e dificultavamenorm<strong>em</strong>ente o dia-a-dia dos Muckers;o os próprios colonos Muckers, que, como vimos, passaramrapidamente de um tipo de religião natural para um movimentomessiânico agressivo, aparent<strong>em</strong>ente s<strong>em</strong> controle centralizado nafase final.Para além das questões contextuais desse jogo de poder e de saber naconstrução do discurso sobre os Muckers e na precipitação dos trágicos fatos, apergunta essencial continua sendo “o que fazia com que os colonos se reuniss<strong>em</strong> aoredor de Jacobina e João Maurer?” Parece que havia algo de inerente ao movimento,enquanto organização religiosa, que o tornava sui generis, apesar do contexto social,político, religioso. Poder-se-ia dizer que o fenômeno Mucker poderia ter acontecido<strong>em</strong> qualquer outro lugar, independente do contexto? De qualquer forma, não foi só24Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408por causa da falta de médico ou de pastores que as pessoas iam à casa de Jacobina eJoão Maurer!Se realmente for assim, isto significa dizer que, assim como todo fenômenoreligioso, o episódio Mucker não pode ser analisado apenas pela história, pelapsicologia, pela sociologia, ou pela antropologia sozinhas. Precisa estar junto aTeologia. Ciências essencialmente imanentes não pod<strong>em</strong> dar conta, sozinhas, de algoque “parece” ter motivações, conteúdo e fins transcendentes. Parece haver umel<strong>em</strong>ento genuinamente religioso no movimento Mucker, <strong>em</strong> Jacobina e João Maurer,muito aquém das construções simplistas de messianismo e de milenarismo, queainda precisa ser profundamente debatido. Esse el<strong>em</strong>ento certamente também estámuito aquém de mera construção antropológica ou psicológica, ainda quedeterminadas pesquisas insistam <strong>em</strong> não reconhecer nos Muckers – e, de resto, <strong>em</strong>todo fenômeno religioso! - o aspecto genuinamente religioso.Para estudar os Muckers, portanto, há que se ater também e, sobretudo, àsquestões da fé. O que havia de essencialmente religioso no movimento? O que elescantavam? Quais textos Jacobina lia? O que ela pregava? Tratava-se de ummovimento messiânico ou místico? E ainda, o outro lado da moeda religiosa: o quefaltava no culto luter<strong>ano</strong> da Igreja para que aqueles colonos ainda precisass<strong>em</strong>reunir-se ao redor de uma sonhadora e pregadora, e de um curandeiro de ervas?Para concluir esta provocação introdutória, uma estrofe de um hino que,segundo historiadores, era o preferido de Jacobina. Ao recitá-lo, nós como queevocamos a m<strong>em</strong>ória todas as pessoas que morreram no episódio Mucker; ao lado deJacobina ou contra ela.Es glänzet der Christen inwendiges Leben,obgleich sie von aussen die Sonne verbrannt.Was ihnen der König des Himmels gegeben,ist kein<strong>em</strong> als ihnen nur selber bekannt.Was ni<strong>em</strong>and verspüret, was ni<strong>em</strong>and berühret,Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 25


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408hat ihre erleuchteten Sinne gezieretund sie zu der göttlichen Würde geführet.Brilha a vida interior dos cristãos,Mesmo que por fora o sol os queime.O que o rei dos céus lhes deu,A ninguém, só a eles próprios, é conhecido.O que ninguém sentiu, o que a ninguém comoveu,Afetou os seus sentidos iluminadosE os conduziu à dignidade divina.(tradução: Esterles Roese)Isso era o Ferrabrás. O começo da paixão e da religião de Jacobina.26Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Jacobina: a líder dos MuckersPor Elma Sant'Ana *Resumo:Jacobina foi uma mulher à frente de seu t<strong>em</strong>po. Sua biografia revela uma mulher forte epersistente na liderança político-religiosa e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, uma mãe zelosa. Tentandoevitar uma interpretação de caráter meramente inquisitório ou apologético, o presente textoapresenta um retrato de Jacobina, enfocando dois aspectos específicos: dados de suabiografia particular e do seu estado de saúde, este um dos t<strong>em</strong>as mais controversos dapesquisa sobre os Muckers. Uma introdução e uma conclusão amplas inser<strong>em</strong> no texto dadossobre o movimento como um todo.Introdução:Feiticeira? Charlatã? Doente? Curandeira? A encarnação f<strong>em</strong>inina de Cristo?Jacobina Mentz Maurer foi chamada de tudo. Não custava ser chamada também deprostituta. Jacobina foi o centro do episódio conhecido como os Muckers, acontecidono Morro do Ferrabrás, <strong>em</strong> Sapiranga, RS. O final, <strong>em</strong> 1874, foi trágico, com algumasdezenas de mortos. Aproximadamente 150 colonos al<strong>em</strong>ães, isolados, acreditando nofim do mundo, foram atacados pelo Exército e por outros colonos incentivados pelaIgreja e pela imprensa. Reagiram com violência.Não se pretende fazer a defesa de Jacobina Mentz Maurer, essa colona deorig<strong>em</strong> al<strong>em</strong>ã, nascida <strong>em</strong> Hamburgo Velho, afamada pelo episódio dos Muckers doFerrabrás.* Elma Sant'Ana é geógrafa, pós-graduada <strong>em</strong> folclore, atualmente coordenadora do Instituto AnitaGaribaldi. T<strong>em</strong> inúmeras publicações sobre história do Rio Grande do Sul. Seu livro mais recente,do qual retirou el<strong>em</strong>entos para compor esse texto, é Jacobina, a líder dos Muckers, editado pelaAGE, <strong>em</strong> Porto Alegre, RS, <strong>em</strong> 2001.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 27


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Jacobina ordenou a violência, é certo. Talvez não fosse uma mãe modelo,n<strong>em</strong> uma mulher dedicada ao marido, como seria normal esperar-se no meio <strong>em</strong> quevivia. Mas Jacobina não foi uma mulher comum para sua época. Hoje seria, qu<strong>em</strong>sabe, uma médium, uma umbandista b<strong>em</strong>-sucedida, como imagina Antonio AugustoFagundes, <strong>em</strong> seu livro As Santas Prostitutas, sobre as devoções populares.O certo é que seus transes espirituais, nos dias de hoje r<strong>em</strong>etidos ao campoda parapsicologia, foram interpretados à época como sinais de Deus apontando umnovo caminho, o que desagradou muita gente a sua volta, principalmente asautoridades constituídas, para qu<strong>em</strong> o poder de Jacobina sobre aqueles rebeldesMuckers ameaçava a ord<strong>em</strong> social. (Enviam-se soldados b<strong>em</strong> armados para combateros colonos do Ferrabrás, que eram aproximadamente 150, entre homens, mulheres ecrianças).A violência não d<strong>em</strong>orou para instalar o ódio na região de Sapiranga. E odesfecho não poderia ser outro que não as crueldades do dia dois de agosto de 1874.“Onde é derramado sangue e onde as vítimas são tratadas com injustiça,surg<strong>em</strong>, e terão que surgir, movimentos que por muito t<strong>em</strong>po agitarão o povo.Assim, surgiram com quase todas as religiões: sangue e injustiça são os promotoresde grandes acontecimentos sobre os quais a historiografia terá que escrever um dia”,diz Hunsche. E assim, o último livro sobre os Muckers ainda não foi escrito. Aprobl<strong>em</strong>ática não está esgotada. O que foi escrito até agora, s<strong>em</strong>pre ou quase s<strong>em</strong>pre,excetuando-se Moacyr Domingues, os d<strong>em</strong>ais o faz<strong>em</strong> com uma intenção: são engagé(engajados), e a historiografia pede a verdade, unicamente a verdade.“Ambrósio Schupp escreveu sua história sobre os Muckers com o fito dedizer aos seus fiéis: é isso que acontece quando a gente lê a Bíblia!”Leopoldo Petry foi informado por parte da mãe dele que os Muckerseram pessoas boas. Apesar de ser católico, ele começou a lutar pelajustiça dos Muckers e ultrapassou um pouco ou bastante o limitehistórico, fazendo deles uma espécie de gente boa. Eles não foram28Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408uma gente boa, mas também não foram aquilo que está nos livros <strong>em</strong>geral. Simplesmente, dev<strong>em</strong> ser melhor estudados. 1“Os Muckers eram trabalhadores. Pertenciam ao grupo as famílias maisrespeitáveis, mais religiosas, mais abastadas. Portanto, não é verdade o que se t<strong>em</strong>afirmado de que seria um bando de criminosos, um movimento comunista ou ummovimento religioso.”“Este grupo esforçou-se por um cristianismo s<strong>em</strong> ostentação e tornou-se,assim, a consciência ambulante para os fariseus, para os justiceiros. Eles viram lá oque os padres e pastores não viram”, conclui Hunsche.Nos t<strong>em</strong>pos recentes t<strong>em</strong> se procurado, com a versão dos vitoriosossuficient<strong>em</strong>ente conhecida, resgatar o outro lado da história. É o que se almeja aqui,onde se procura ajudar a entender Jacobina. Não se comete a imprudência de afirmarque obtiv<strong>em</strong>os uma visão perfeitamente imparcial. A minha condição de mulhernaturalmente pesa na interpretação de uma outra figura f<strong>em</strong>inina, tão controvertidaquanto Jacobina. Como deixar de ver na acusada sua missão de mãe, por ex<strong>em</strong>plo, àsvoltas com uma maternidade que lhe significou seis filhos <strong>em</strong> oito escassos <strong>ano</strong>s?Como deixar de flagrar sinais inequívocos de corriqueira puberdade quando aHistória descobre os primeiros indícios de seus probl<strong>em</strong>as psicológicos aos doze<strong>ano</strong>s? Como deixar de comover-se com a mulher que, coagida por ter assumido seupapel de líder, separa-se de seus filhos, desconhecendo o rumo por eles tomado? Detodo modo, procurou-se aqui não incorrer <strong>em</strong> erros que tanto têm deformado a visãodesse evento social.1 Carlos Henrique Hunsche, um dos maiores pesquisadores sobre os Muckers. Nasceu a 25 de julhode 1913 <strong>em</strong> São Sebastião do Caí, RS. Autor de numerosos trabalhos, principalmente genealógicos ereferentes à imigração e colonização al<strong>em</strong>ã no sul Brasil. Cadeira nº 5 do Instituto Histórico de SãoLeopoldo. Faleceu <strong>em</strong> 14 de março de 1986, na Áustria.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 29


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Biografia de Jacobina e roteiro do episódio MuckerNome: Jacobina Mentz MaurerNascimento: junho de 1841 ou 1842. Nasce <strong>em</strong> Hamburgo Velho, RS. Filha deAndré Mentz e Maria Elizabeth Müller. Ambos al<strong>em</strong>ães.Profissão: dona de casa.4 de abril de 1854: É crismada <strong>em</strong> Hamburgo Velho.Aos nove <strong>ano</strong>s, perde seu pai. Passa a sofrer influência de sua mãe, umamulher muito religiosa e de princípios rígidos. Aos doze <strong>ano</strong>s, começam seus“estranhos ataques”. Na escola, passa por aluna de difícil percepção. DoutorHillebrand aconselha a família que procure, "o quanto antes", um casamento paraJacobina.26 de abril de 1866: Casa com o carpinteiro João Jorge Maurer, descrito comoum hom<strong>em</strong> insinuante, boa índole, de trato amável. O casamento é realizado <strong>em</strong>Hamburgo Velho.1867: Nascimento de seu primeiro filho, Jacob, que desaparece das cenas doFerrabrás e ressurge <strong>em</strong> registros de 1920, <strong>em</strong> Uruguaiana, como eficiente pregadorda Igreja Adventista do Sétimo Dia e carpinteiro, como o pai. Jacobina adoece derepente. Fica muda e alheia a tudo. No segundo s<strong>em</strong>estre, mudam-se para Ferrabrás,cenário dos acontecimentos do episódio conhecido como Mucker.1868: Nascimento de seu segundo filho, Henrique. Aparecimento deBuchorn, que ensina Maurer a praticar o curandeirismo, o que o tornará famoso. Sãoatraídos os primeiros seguidores da seita, mas não despertam mais que olharesatravessados dos católicos, dos comerciantes e das autoridades. Maurer passa a serconsiderado o Wunderdocktor, ou seja, o Doutor Maravilhoso.1869: Nascimento de seu terceiro filho: Francisco Carlos.30Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 64081870: Nascimento de sua quarta criança: Matilde.1871: Por essa ocasião, aparece um opúsculo sobre sonambulismo na zonarural do Estado. Identificam Jacobina como vidente e curandeira, devido ao seuestado de sonambulismo, e, como tal, sabedora de segredos desconhecidos aosd<strong>em</strong>ais mortais. Aumenta o número de curiosos na casa dos Maurer.1872: Nascimento de sua filha Aurélia. Quando sua mãe foi assassinada noFerrabrás, tinha dois <strong>ano</strong>s e três meses. Vinte e três <strong>ano</strong>s depois, surge referência aAurélia. Casada com Miguel Nöe, filho de um Mucker convicto e autor deimportantes m<strong>em</strong>órias. Aurélia, aparent<strong>em</strong>ente era médium, como sua mãe. No finaldesse <strong>ano</strong>, os Muckers começam a ser pressionados. Abanam escolas, igrejas. Começaa ascensão de Jacobina.1873: Declínio da influência do curandeiro Maurer.Jacobina escreve, pela mão de Klein, para seu irmão Francisco. Franz, comoera chamado, era o único irmão que não pertencia à seita. A partir de maio, Jacobinae alguns Muckers abandonam as igrejas.21 de maio de 1873: Maurer é enviado a Porto Alegre, preso, depois deprestar depoimento.22 de maio de 1873: Jacobina é levada para São Leopoldo, presa, por umaescolta de oito praças, <strong>em</strong> uma carreta. A viag<strong>em</strong> durou nove horas. Foi insultada,exposta ao público.23 de maio de 1873: Jacobina responde a interrogatório do chefe de polícia,revelando inteligência e sagacidade.24 de maio de 1873: Jacobina é internada na Santa Casa de Porto Alegre. Ochefe de polícia ordena uma busca na casa dos Maurer.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 31


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 640813 de junho de 1873: Alta de Jacobina, sendo constatado que não portavanenhuma enfermidade.05 de julho de 1873: Jacobina e o marido são mandados para São Leopoldo.João Jorge assina um “termo de b<strong>em</strong> viver”. Voltam para o Ferrabrás como heróis.Final de 1873: Viag<strong>em</strong> de Maurer ao Rio de Janeiro. Rodolf Sehn ocupa olugar de receptáculo das mensagens de Jacobina.1874: Ascensão de Rodolfo Sehn. Nascimento de Leidard, no mês de maio,sexta e última criança de Jacobina. Jacobina envia uma carta pela mão de Klein, aLúcio Schreiner, querendo saber notícias da ausência de seu marido. Chacina dafamília Kassel <strong>em</strong> quinze de junho. Martinho Kassel, ex-Mucker, agora é ativopropagandista anti-Mucker. Recorre à polícia. Sua casa é incendiada com a mulher eos filhos.A violência explode na colônia. Klein é preso e enviado a Porto Alegre.Crimes são praticados <strong>em</strong> Campo Bom e Sapiranga. São incendiadas casas na Picadado Hortêncio e <strong>em</strong> Linha Nova. Antes do último combate, Maurer se despede deJacobina. Jacobina pede que lhe escrevam uma carta, na qual diz onde deveriam ficarseus cinco filhos e com qu<strong>em</strong>. Leidard, cuja morte é controvertida, permanece comela.Ferrabrás.19 de julho de 1874: capturados os cinco filhos de Jacobina. Combate no20 de julho de 1874: Morre o Coronel Genuíno Sampaio. Comandava aspoderosas forças militares inimigas dos Muckers. Assume o comando repressor oCapitão Dantas, do 12° Batalhão de Infantaria.<strong>02</strong> de agosto de 1874: morre Jacobina, com mais dezesseis adeptos.32Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408A saúde de Jacobina“Ela é uma bruxa, uma feiticeira! Ela é uma prostituta, uma sedutora dehomens, uma mulher desregrada, uma <strong>em</strong>busteira religiosa.”Jacobina foi acusada praticamente de todos os vícios de uma mulher ruim, aolongo desses <strong>ano</strong>s que separam os episódios dos Muckers dos dias atuais. Nãofaltariam acusações <strong>em</strong> torno de sua sexualidade, de sua fidelidade conjugal <strong>em</strong>esmo de sua capacidade materna.“Quando criança, nas noites frias <strong>em</strong> Santa Maria do Mundo Novo, buscandosilêncio, implantando o medo, minha mãe repetia s<strong>em</strong>pre a mesma cantilena ao péda cama:- Pass Dich uff! Sei Ruhig, sonscht komme die `Muckers’ Dich hole!”(Cuidado! Fica b<strong>em</strong> quietinho, senão os `Muckers’ vêm te buscar!)Erni Guilherme Engelmann, <strong>em</strong>presário <strong>em</strong> Igrejinha, RS,pesquisador e autor do projeto “A Saga dos Al<strong>em</strong>ães - Do Hunsrückpara Santa Maria do Novo”Com um pouco de atenção e cuidado, é possível ir destruindo todas asversões fantasiosas que a mitificaram tanto. Por ex<strong>em</strong>plo: consta no livro quatro,página oito, com número de ord<strong>em</strong> 262, na Matrícula Geral de Enfermos da SantaCasa de Misericórdia de Porto Alegre, que não foi constatada nenhuma enfermidadena paciente Jacobina Maurer, ali internada no período de 24 de maio a 13 de junho de1873. Tinha-se até pouco t<strong>em</strong>po outra versão sobre a saúde de Jacobina. Baseava-seprincipalmente no depoimento de seu cunhado João Jorge Klein: “... <strong>em</strong> sua meniniceera uma criança doentia, muito disposta a chorar. Aprendia pouco e comdificuldades e sofria de insônia. Agitada durante as noites com sonhos, sofria deconvulsões que faziam acreditar <strong>em</strong> manifestações epilépticas. As esperanças d<strong>em</strong>elhora nesse estado de saúde com o decorrer do t<strong>em</strong>po não se realizaram. Amoléstia aumentou e Jacobina jazia muitas vezes s<strong>em</strong> sentidos, abaixo de convulsões,Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 33


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408pronunciando palavras s<strong>em</strong> nexo. Consultando o médico João Daniel Hillebrand,este aconselhou procurar o quanto antes um casamento para a mocinha”.Hillebrand, no entanto, não se limitava à receita do matrimônio. “Aconformação craniana de Jacobina Maurer”, escreveu Klein <strong>em</strong> seu depoimento, “ede muitos parentes pelo lado materno, denotava, desde a mais tenra infância,disposição para o cretinismo e idiotia. Essas duas <strong>ano</strong>rmalidades manifestavam-se<strong>em</strong> tantos graus e variações como os indivíduos que dela são atacados. Apredisposição para as mesmas é inata. A caixa craniana de Jacobina e de grandenúmero de parentes seus era relativamente de pequenas dimensões e as fontanelas sefechavam na mais tenra idade”. Dizia mais: “O crânio d<strong>em</strong>asiadamente reduzido <strong>em</strong>suas dimensões comprime a massa encefálica s<strong>em</strong>pre irritada e <strong>em</strong> agitação,causando certas moléstias parecidas com convulsões, epilepsia e moléstias nervosas,que despertam no paciente desejo de suicídio”.Internada por vinte dias na Santa Casa de Porto Alegre, nenhum dessesmales foi sequer vislumbrado, conforme documento fornecido por aquela instituição<strong>em</strong> 13 de set<strong>em</strong>bro de 1984. Posteriormente, registrei flagrante rasura nointernamento de Jacobina Maurer na Santa Casa. No livro de assentamento ondeestava escrito não consta (referindo-se ao seu internamento), a palavra não foiapagada, no referido livro, após minha pesquisa na Santa Casa.Mais recent<strong>em</strong>ente, Carlos Hunsche traça um novo perfil da Profetiza doFerrabrás, que deixa de lado a epilepsia, a catalepsia e o histerismo como causas dostranses que ela sofria. Nele, Jacobina aparece como uma mulher com percepçõesextrasensoriais, enquadradas hoje dentro do campo da parapsicologia, <strong>em</strong> quefaculdades aparent<strong>em</strong>ente sobrenaturais são explicadas como fenômenos da mentehumana. Os poderes divinos para os adeptos eram provavelmente iguais aos de ZéArigó, o famoso médium de Congonhas do Campo (Minas Gerais). De inícioJacobina usava seus dons par<strong>ano</strong>rmais para curar, junto com o marido. Envolta pelaprópria fama de santidade, não resistiu à tentação do misticismo. Seu erro foi34Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408interpretar a Bíblia, abuso imperdoável aos inflexíveis pastores e padres. Enquanto acura era do corpo, a acusação foi apenas de charlatanismo, e, quando passou a ser daalma também, de sacrilégio. O fanatismo de parte a parte exigiu violência e, por fim,o martírio dos hereges.Nesta mesma direção, Antonio Augusto Fagundes, <strong>em</strong> seu livro sobre asSantas Prostitutas (devoções populares), analisa o episódio Mucker dando enfoqueespecial a Jacobina, que no seu parecer, “nos dias atuais, seria uma b<strong>em</strong>-sucedidamãe-de-santo na umbanda ou no batuque. À época, porém, fruto de um contextosocial desfavorável s<strong>em</strong> condições de cooptar ou absorver o fenômeno que seobrigava a gerar sua estratégia de sobrevivência, Jacobina foi tomada por profetiza eencarnou todas as qualidades idealizadas pelo grupo. Como sabia ler, ainda queprecariamente e <strong>em</strong> al<strong>em</strong>ão, passou a interpretar a Bíblia, dizendo o que o grupoqueria ou precisava ouvir”.ConclusãoParece bastante válido o que Antonio Augusto Fagundes afirmou respeitodas causas que determinaram e eclosão do movimento, b<strong>em</strong> como a repressão que selhes seguiu: “Estigmatizados pelo meio circundante, os adeptos de Jacobinapassaram a ser chamados de Muckers. E reagiram enquistando-se, rompendo com omeio, vivendo para dentro, endogenamente, bastando-se a si próprios. Como todosos movimentos messiânicos, os Muckers romperam com o poder e isso lhes foi fatal”.De uma forma ou outra, parece que ainda hoje, para qu<strong>em</strong> passa deautomóvel pela moderna estrada que vai de Novo Hamburgo a Taquara, o morro doFerrabrás é um sombrio monumento de granito povoado de fantasmas <strong>em</strong> m<strong>em</strong>óriados Muckers.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 35


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Mas este trabalho visou, antes de mais nada, destacar com luz própria, numcontexto de sombras, a figura carismática de Jacobina Mentz Maurer, que, graças àssuas qualidades e aptidões especiais, <strong>em</strong>ergiu fulgurant<strong>em</strong>ente <strong>em</strong> seu meio,sobrepondo-se a si e ao próprio meio.Claro que joga um papel importante no mito que se criou <strong>em</strong> torno dosMuckers e de Jacobina o fato de João Jorge Maurer ser carpinteiro e fazer curasmaravilhosas, como o Nazareno. E carpinteiro e pregador foi também seu filho maisvelho, Jacob. Certamente também a “mediunidade” de Jacobina - herdada por suafilha Aurélia - foi importante, como importante foi o fato de Jacobina ter sidomartirizada aos 33 <strong>ano</strong>s de idade, como Cristo.Muitos fatores colaboraram para isso e já foram teorizados por autores que seocuparam largamente do t<strong>em</strong>a. Mas, como mulher interessada <strong>em</strong> pesquisar amulher do Rio Grande do Sul, a autora pretendeu ver <strong>em</strong> Jacobina sua condição d<strong>em</strong>ulher, que envolve sua atuação como esposa, dona de casa e mãe. É assim que estetrabalho procurou vê-la.“Se outro fosse o p<strong>ano</strong>rama social da época, que ensejasse à mulherparticipação <strong>em</strong> outras espécies de atividades, ela poderia ter sido uma assistentesocial, uma líder política, uma filantropa, com o mesmo fervor que se entregou àpregação religiosa”, observa Domingues.“Jacobina é um messias diferente. Em primeiro lugar, porque é mulher. Emsegundo lugar, porque sua tragédia não se orienta pelos passos teorizados porAlphandéry. Boa esposa e boa mãe até o amargo fim (as lendas <strong>em</strong> contrário, JanaínaAmado desmoralizou suficient<strong>em</strong>ente), Jacobina muito lentamente <strong>em</strong>erge comolíder carismática relevada a tanto pela exasperante pressão do meio”, como disseAntonio Augusto Fagundes <strong>em</strong> sua dissertação de mestrado.Pobre mulher! Incompreendida, ridicularizada, injuriada, difamada,caluniada, perseguida e morta, mas fiel a si e aos seus até o último momento,sabendo que ia morrer e tentando poupar da morte os entes queridos.36Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408O Movimento Mucker na visão de dois pastores evangélicos *Por Martin N. Dreher **Resumo:Após examinar o contexto social e religioso europeu de onde partiram os imigrantes, opresente texto explora relatos sobre o movimento Mucker feitos pelos pastores luter<strong>ano</strong>sRotermund e Schmierer, que atuaram na região de São Leopoldo e Sapiranga imediatamenteapós o desfecho do conflito. Suas opiniões são muitas vezes antagônicas, oraresponsabilizando a ignorância dos colonos; ora o abandono dos <strong>em</strong>igrados de parte daIgreja Al<strong>em</strong>ã; ora a maçonaria e os políticos locais, ferrenhos areligiosos; ora a esperteza dosMaurers. Também louvam a piedade genuinamente evangélica dos Maurers. Interpretando aopinião dos pastores, conclui-se que os Muckers evidenciam “um choque entre uma piedadereavivalista e duas frentes que se lhe opõ<strong>em</strong>: o cristianismo iluminista e o ateísmomaterialista, mesclado com um mal digerido darwinismo”. Em termos religiosos, os Muckerscaracterizam-se como uma “piedade popular <strong>em</strong> luta com seus detratores. Há lamento sobrea situação <strong>em</strong> que se encontra a Igreja, muita leitura bíblica, culto doméstico, seriedade ética.A hermenêutica é alegórica e recebe contornos quiliásticos. A seriedade ética e moral leva-osa ser ‘consciência’ da Colônia, o que, naturalmente, vai levar à reação”. O relato dos pastorespermite ainda perguntar se ao invés de caracterizar os Muckers como reação ao projeto desinodalização da Igreja, sua clericalização, não estariam eles reagindo à Igreja dos pastorescolono,apoiando a clericalização.1. A localização da questãoO movimento Mucker <strong>em</strong>polgou a Colônia Al<strong>em</strong>ã de São Leopoldo e até apresente data não se obteve unanimidade na interpretação dos acontecimentos 1 .* Texto originalmente publicado <strong>em</strong> DREHER, Martin N (ed.). Peregrinação: estudos <strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> aJoachim Herbert Fischer pela passag<strong>em</strong> de seu 60º aniversário. São Leopoldo: Sinodal, 1990, p. 1<strong>02</strong>-112. Aeditora gentilmente cedeu os direitos para publicação online.** Martin Norberto Dreher é teólogo, pastor na IECLB, Doutor <strong>em</strong> história da Igreja. Foi Reitor daEscola Superior de Teologia e, atualmente, é professor na pós-graduação <strong>em</strong> História naUNISINOS.1 Cf. as publicações de Ambrósio SCHUPP, Die “Mucker”; eine Episode aus der Geschichte der deutschenKolonien von Rio Grande do Sul, Brasilien, 2. ed., Paderborn, Bonifacius-Druckerei, 1906, 352p.;Leopoldo PETRY, O episódio do Ferrabraz; Die Mucker; Erkenntnisse und Schlussfolgerungen zurGeschichte der Mucker am Ferrabraz, 2. ed., Porto Alegre: Metrópole, s. a., 248p.; MoacyrDOMINGUES, A nova face dos Muckers, São Leopoldo: Rotermund, 1977, 432 pp.; Janaína AMADO,Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 37


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Certo é que se tratou de movimento messiânico, devendo ser comparado ao queaconteceu <strong>em</strong> Canudos, no Contestado e no Caldeirão. Uma diferença do movimentoMucker <strong>em</strong> relação aos d<strong>em</strong>ais movimentos mencionados é que os Muckers forampreponderant<strong>em</strong>ente protestantes, tendo sido liderados por vulto f<strong>em</strong>inino, JacobinaMentz Maurer.A análise do movimento até agora pouco t<strong>em</strong> levado <strong>em</strong> conta a piedade dosenvolvidos. Os termos “sectários” ou “fanáticos” pouco ou nada auxiliam nainterpretação, pois os que deles se val<strong>em</strong> confer<strong>em</strong>-lhes, desde o início, conotaçãonegativa e que n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre faz jus ao significado etimológico da palavra. No entanto,a piedade dos envolvidos é fundamental para entendê-los, independente dos juízosanteriores que se tenha a respeito de sua ortodoxia. As formas de piedade, aliás,pouco têm de ortodoxas. Estudo bíblico, canto religioso e orações, por outro lado,faz<strong>em</strong>, tradicionalmente, parte do protestantismo al<strong>em</strong>ão, do qual Jacobina e a maiorparte de seus adeptos são provenientes. Estudo bíblico, canto e orações tambémfaz<strong>em</strong> parte, <strong>em</strong> nossos dias, das Comunidades Eclesiais de Base na Igreja CatólicaApostólica Romana da América Latina. No século passado, leitura da Vida dosSantos (Heiligenlegenden) canto e orações faziam parte da vida das famílias católicoromanasda Colônia Al<strong>em</strong>ã de São Leopoldo. Onde está a diferença? Minha tese é ade que a diferença esteja <strong>em</strong> diferentes formas e acentos de piedade. Tais formas eacentos é que vão ser mais ou menos ortodoxos.Pode-se falar de um tipo de piedade protestante na Colônia Al<strong>em</strong>ã de SãoLeopoldo? Certo é que não pod<strong>em</strong>os falar de uniformidade na piedade <strong>em</strong> SãoLeopoldo, no século XIX, n<strong>em</strong> entre evangélicos n<strong>em</strong> entre católico-rom<strong>ano</strong>s. Adiversidade da sua proveniência é muito grande. Há, porém, isso é sabido, um grupoque se distingue <strong>em</strong> virtude de seu maior número: trata-se dos imigrantesprovenientes do Planalto do Hunsrück, no Palatinado.Conflito social no Brasil; a revolta dos “Mucker”, Rio Grande do Sul 1868-1898, São Paulo: Símbolo,303p.38Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Realizando pesquisas sobre o imigrante da região do Palatinado 2 , verifiqueique nesta região jamais houve algo s<strong>em</strong>elhante a um reavivamento religioso.Movimentos como o Pietismo jamais encontraram número significativo de adeptos.Os habitantes da região, aliás, sofreram muito por questões religiosas, <strong>em</strong> virtude dasdiversas vezes <strong>em</strong> que tiveram que, por disposição das casas reinantes, mudar decredo cristão: foram luter<strong>ano</strong>s, depois calvinistas, depois católico-rom<strong>ano</strong>s 3 . Ora ointerior de seus t<strong>em</strong>plos teria feições católico-romanas, ora o rigor calvinista, ora apolifonia luterana. Ora a procissão de Corpus Christi lhes seria proibida, ora delaseriam forçados a participar. Ora haveria crucifixo, flores e velas sobre um altar, orao rigor calvinista eliminaria estes sinais. É quase que evidente que, ao longo dot<strong>em</strong>po, para os habitantes do Palatinado, religião seria algo a respeito do que não sefala publicamente; não se faz pública confissão de fé! Fé é algo interior que quase nãose comunica, pois pode mudar “a casa reinante”. Conseqüência disso é que religião écoisa privada. Vai-se ao culto ou à missa, mas não se fala n<strong>em</strong> se procura converter ooutro para nossa convicção religiosa - para a convicção política sim. L<strong>em</strong>bro d<strong>em</strong>inha avó paterna lendo seu livro de oração, fechada <strong>em</strong> seu quarto; não me l<strong>em</strong>brode ela falar de sua fé. Vejo-a indo à igreja, mas não a vejo test<strong>em</strong>unhar com palavrassua fé. Os avós dela vieram do Hunsrück. Será que a mãe e a avó dela terão ensinadoque de religião não se fala por ser coisa perigosa? A avó dela, aliás, era prima deJacobina.Mais uma observação: o interior de muitas igrejinhas da região da antigaColônia Al<strong>em</strong>ã de São Leopoldo mostra as feições das mudanças de credo cristãopelas quais os imigrantes do Hunsrück tiveram que passar. Há nelas altar, n<strong>em</strong> velas,flores e paramentos; no mais, porém, as paredes revelam toda a influência calvinista.Agrada-se aos dois lados, busca-se não desgostar a ninguém. Por isso, <strong>em</strong> 1864,2 Cf. p. ex. o estudo de Ernst KOCH. Pfälzisches Volksdeutschtum und Evangelische Kirche. In:Ernst SCHUBERT (Ed.). Auslanddeutschtum und evangelische Kirche. Jahrbuch 1938. München,Kaiser, 1938, pp. 84-166.3 Cf. Ernst KOCH, op. cit., p. 90-96.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 39


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Hermann Borchard escreveria a respeito do interior do t<strong>em</strong>plo da ComunidadeEvangélica de São Leopoldo:Na igreja encontra-se um retábulo, a ascensão de Cristo,originalmente destinado a um convento católico e, mais tarde, dadode presente, por dois comerciantes ingleses de Porto Alegre, àcomunidade local. Sobre o altar há velas. Na celebração da Santa Ceiaé usado pão. Ao invés de um cálice de Santa Ceia usa-se um copocomum, ao invés do jarro de Santa Ceia usa-se um copo comum, aoinvés do jarro de Santa Ceia usa-se a garrafa, ao invés da pia batismalusa-se uma velha bacia. Como [...] pode ver, t<strong>em</strong>os aqui uma misturacaótica de reformado e luter<strong>ano</strong> e algo de católico, de cristão eracionalista, de hábitos cristãos e de maus hábitos. 4Sobre a situação religiosa geral entre os imigrantes da Colônia Al<strong>em</strong>ã de SãoLeopoldo ainda são reveladoras outras palavras de Borchard:No tocante à situação religiosa, <strong>em</strong> geral, da população daqui, vale arespeito dos evangélicos o que um católico me disse a respeito daIgreja Católica: “Não se encontra religiosidade no Brasil”. Livrosateus como o Evangelho da Natureza, maus romances e escritosracionalistas de toda a espécie encontram o caminho através doOce<strong>ano</strong>. Romances são mais lidos do que a Bíblia, e o salão de bailet<strong>em</strong> maior poder de atração e a Igreja, a santificação do dia dodescanso é desconhecida. Mesmo assim não se encontra tão vil"descrença como entre os al<strong>em</strong>ães na América do Norte [...]. O queencontramos aqui é completo indiferentismo. A religião é algo quenão os interessa, para a maioria ela está fora de seu campo dereflexão. Um principio, bastante difundido por aqui, diz: “O pastor ea religião são bons para as crianças” [...]. Um sentimento religiosovago, tradicional, também ficou entre os aqui nascidos. Seus paiseram pobres proletários e trouxeram pouca fé da Al<strong>em</strong>anha consigo;mas eles ainda têm a velha Bíblia da família da Al<strong>em</strong>anha e esta osl<strong>em</strong>bra de que são cristãos evangélicos. Eles também ouviram queseus pais muitas vezes andaram milhas para batizá-los, por isso elestambém quer<strong>em</strong> batizar seus filhos e confirmá-los. O amor dos filhose a educação religiosa dos filhos constitui quase que o único ponto departida para se realizar aqui qualquer atividade missionária. 5Nesse ambiente <strong>em</strong> que fé não era algo que se exteriorizasse, <strong>em</strong> que para opastor vindo da Al<strong>em</strong>anha muitas questões eram fonte de escândalo, as reuniões na4 Cf. Martin N. DREHER. Hermann Borchard <strong>em</strong> São Leopoldo. In: Telmo MÜLLER. Simpósio dehistória da Igreja. São Leopoldo: Rotermund/Sinodal, 1986. p. 31.5 Cf. Martin N. DREHER, op. cit., p. 30.40Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408casa dos Maurers, junto ao Ferrabraz, dev<strong>em</strong> ter causado sensação. Ali haviaexteriorização da fé. Qu<strong>em</strong> assim agia podia ser alvo de chacotas.Qual era, porém, a fé exteriorizada? Aqui a situação se complica. Ossubsídios são poucos.Dois pastores que atuaram <strong>em</strong> São Leopoldo e <strong>em</strong> Sapiranga, a antigaFazenda Leão (Leonerhof), pouco após o final sangrento do episódio Mucker, falam doque encontraram <strong>em</strong> termos de piedade na Colônia. Trata-se de Wilhelm Rotermunde de Johann Caspar Schmierer 6 . Rotermund <strong>em</strong>barcou <strong>em</strong> Hamburgo, na Al<strong>em</strong>anha,a 6 de nov<strong>em</strong>bro de 1874. A 2 de agosto deste <strong>ano</strong> os Muckers eram dizimados porSan Tiago Dantas. Sua chegada se dá, portanto, poucos meses após o fim doseventos, pois a 2 de agosto de 1874 a questão terminara. Johann Caspar Schmierer foipastor <strong>em</strong> Sapiranga de 1876 a 1886, estando sepultado no c<strong>em</strong>itério evangélico deJuiz de Fora, Minas Gerais, falecido <strong>em</strong> conseqüência de febre tifóide, a 9 de marçode 1886. Rotermund permaneceria <strong>em</strong> São Leopoldo até a sua morte, <strong>em</strong> 1925 7 .Vejamos os relatos:2. O relato de RotermundAo iniciar suas atividades <strong>em</strong> São Leopoldo, Rotermund encontrava-se <strong>em</strong>situação delicada. O movimento messiânico estava dizimado. Piedade era, pois, algonegativo. Os setores maçônicos vê<strong>em</strong> a atividade do pastor como tentativa de manter6 Sobre Rotermund, dentre as muitas publicações a seu respeito, cf. Erich FAUSEL. D. Dr. Rotermund;ein Kampf um Recht und Richtung des evangelischen Deutschtums in Südbrasilien. São Leopoldo: Verlagder Riograndenser Synode, 1936, 248p. Sobre Schmierer, cf. Ferdinand SCHRODER. Brasilien undWittenberg; Ursprung und Gestaltung deutschen evangelischen Kirchentums in Brasilien. Berlin eLeipzig: Walter de Gruyter, 1936, p. 7s, 86, 326, 342.Cf. Die Arbeit unter den evangelischen Deutschen in Brasilien. In: Der Ansiedler im Westen;Zeitschrift der Berliner Gesellschaft für die deutsch-evangelische Mission in America, Berlin, 14:8ss., 1976: 113-119, 133-138, IS1-lSS; 171-174; 181-183.7 Trata-se do pastor-colono F. W. C. Böber. Cf. a seu respeito Carlos H. HUNSCHE. P. Heinrich W.Hunsche e os começos da Igreja Evangélica no Sul do Brasil. São Leopoldo: Rotermund, 1981, p. 178.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 41


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408o povo na ignorância e com consciência servil. Leitura bíblica e piedade levam aomuckerismo.Como vê Rotermund os acontecimentos <strong>em</strong> torno da família Maurer?Rotermund considera João Jorge e Jacobina pessoas “crescidas atrás das moitas”(“hinter den Hecken aufgewachsen”) tendo formação s<strong>em</strong>elhante a dos d<strong>em</strong>aiscamponeses al<strong>em</strong>ães no Brasil. João Jorge é tido por analfabeto, Jacobina por s<strong>em</strong>ialfabetizada.Freqüentavam assiduamente os cultos do P. Haesbaert. A mãe deJacobina teria sido adepta de seita na Al<strong>em</strong>anha e mantido círculo de seguidores rioBrasil. Jacobina, assim relatam a Rotermund, seria mulher de moral dúbia esonâmbula. A atenção da população <strong>em</strong> relação aos Maurers, no entanto, teria sidodespertada pelas curas maravilhosas feitas por João Jorge. Tais curas teriam levadomuitas pessoas a segui-lo. Em certa oportunidade, João Jorge teria afirmado que osmedicamentos lhe seriam prescritos pela esposa, quando <strong>em</strong> estado desonambulismo.Fato é que Jacobina gostava de dialogar com os pacientes de seu marido arespeito de assuntos religiosos, lamentava a situação deplorável <strong>em</strong> que seencontrava a Igreja e recomendava que as famílias se reuniss<strong>em</strong> à noite para a leiturada Bíblia. ‘A maioria de suas afirmações dessa época, que me foram relatadas,atestam uma moral séria e ao mesmo t<strong>em</strong>po um fundo de conhecimento cristão”. Oprobl<strong>em</strong>a, segundo Rotermund, seriam as idéias quiliásticas que se apresentariam<strong>em</strong> suas interpretações. O relatante não reproduz a hermenêutica da própriaJacobina, mas lega-nos interpretações que encontra na Colônia:Não se pode ser tão estúpido e rude a ponto de afirmar que Adãotenha sido casado com Eva, também se nega que Abraão tenha tidofilho com Hagar (‘isso significa alguma coisa’, Gl 4.24); e qu<strong>em</strong> julgarque as bodas de Caná realmente tenham acontecido t<strong>em</strong> que ter umespírito muito ‘carnal’. A água de Enom perto de Salim, onde Joãobatizava (Jo 3.23), não era água real, mas significa que ali muitospecados foram perdoados. Ninguém será tão simplório a ponto decrer que Saul realmente tenha procurado as jumentas de seu pai (1Sm 6); a jumenta é um animal de carga e significa; uma má42Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408consciência. Também nossa árvore de Natal está pré-figurada naBíblia, qual seja, na árvore (forca), na qual Hamã foi enforcado (Ester7.10), a qual também é típica para o t<strong>em</strong>po final. E caso o leitorquisesse ser tão ousado a ponto de fazer uma observação contra taleis-exegese, encontrará o revide: Mas Jesus afirma: Então olhe para osmontes qu<strong>em</strong> estiver na terra da Judéia! Como? O quê? pergunta oleitor. ‘Creio que agora cada um está <strong>em</strong> condições de se colocar nasituação de colonos que: escutam devotos e interessados os oráculosdo colega [...]. Fui o suficient<strong>em</strong>ente indiscreto, a ponto de perguntarpelo sentido dessa resposta obscura e fiquei sabendo que Jesus estariaadmoestando seus discípulos a buscar<strong>em</strong> um sentido mais profundopara a interpretação.Rotermund é de opinião que Jacobina também tenha se valido desse tipo dehermenêutica e que toda a passag<strong>em</strong> bíblica tenha recebido uma interpretaçãoalegórica. Tudo teria um significado que ainda estaria por ser cumprido. Rotermundpensa, inclusive, que Jacobina tenha sido desonesta e que tenha conscient<strong>em</strong>entefalsifica, do a interpretação bíblica. Quando não conseguia mais sincronizar suainterpretação com o texto bíblico, apresentava sua “leitura” como profecia,procurando dar a entender que Deus estaria falando por sua boca. Tais profecias,Jacobina teria proferido deitada “<strong>em</strong> situação de dormência”, tendo convulsões. Emuma oportunidade teria lido sua profecia “de uma folha <strong>em</strong> branco que oencadernador encaderna no final de toda a Bíblia. Mais tarde, leu dela os nomesdaqueles que, segundo a ord<strong>em</strong> de Deus, deveriam ser mortos. Encontra-se muitasvezes a crença de que nessa folha se encontram muitas coisas importantes que, noentanto, só pod<strong>em</strong> ser lidas por iniciados”.Rotermund rejeita com ve<strong>em</strong>ência as versões que afirmam ter<strong>em</strong> “todos ossujeitos depravados do município de São Leopoldo se reunido na casa de Maurer naFazenda Leão e formado um bando de criminosos, e que todo o movimento teria sidocomunista”. Para ele, “o movimento foi religioso”. As pessoas que se reuniam <strong>em</strong>torno de Jacobina eram “das mais dignas e melhores dá região”.O pastor da Comunidade Evangélica de São Leopoldo não consegue explicardetalhadamente o desenvolvimento da questão. Fato é que para ele “<strong>em</strong> breve,Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 43


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Jacobina tinha transferido o passado histórico da Bíblia para o futuro”. Via osanúncios bíblicos se realizando no presente. “Cristo teria vindo para erigir seureino”. Jacobina teria afirmado de si: “Olhai para mim! Não dou valor à aparênciaexterna [...] tenho minha alegria <strong>em</strong> Deus e <strong>em</strong> suas palavras; oro para ele, e ele falacomigo; eu sou Cristo”.Tal afirmação teria levado muitos a se afastar<strong>em</strong> dela. Outros, porém, e esteseram os melhores(!) e mais inteligentes(!), foram atraídos por Jacobina! A força deatração de Jacobina deve ter sido impressionante. Segundo Rotermund, movidos poressa força de atração, Jacobina e João Jorge ter-se-iam excluído da ComunidadeEvangélica de Fazenda Leão e exigido o mesmo procedimento de seus adeptos.Interessante é a fundamentação teológica oferecida: “Não necessitariam das pedrasdo t<strong>em</strong>plo, pois seriam eles próprios pedras vivas; eram t<strong>em</strong>plo do Deus vivo, e nãoseria necessário freqüentar um t<strong>em</strong>plo feito com mãos humanas”.Nos cultos particulares do movimento, Jacobina interpretava a Bíblia. Suaspregações eram ouvidas “com incrível devoção e credulidade”. Jacobina ter-se-iavalido de interpretações de fenômenos da natureza. Vestindo veste branca teria, naopinião de adeptos, flutuado ante seus olhos. A pergunta que dirigia a seus adeptos:“Qu<strong>em</strong> de vós ainda duvida que eu seja Cristo..., que se aproxime”, não eracontestada. Jacobina profetizava, desaparecia ante os olhos dos adeptos e nomeavaapóstolos. Rotermund, que recebeu todos estes relatos de segunda mão, se pergunta:Estariam Jacobina e João Jorge, conscient<strong>em</strong>ente realizando trapaça? E responde: “Édifícil de se dizer”.Relata a atuação dos pastores da vizinhança, entre eles o Pastor Wegel, deSão Leopoldo, que visitaram os colonos, de casa <strong>em</strong> casa. Tais visitas teriam evitado ocrescimento do grupo de Jacobina, cujos adeptos, no entanto, ter-se-iam mostradoirredutíveis na decisão de segui-la.44Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Com impressionante clareza, Rotermund descreve as causas que levam àexacerbação dos ânimos. Surg<strong>em</strong> pessoas que debocham da “vigarista” e de seus“loucos e d<strong>em</strong>entes” adeptos. As pobres pessoas não pod<strong>em</strong> mais aparecer <strong>em</strong>público, s<strong>em</strong> que lhes sejam proferidas “toda a espécie de codinomes ofensivos àhonra”. Cortam-se os rabos de seus cavalos, destrói-se a roupa que deixam noquarador. Surge também o codinome pejorativo “Mucker”, que lhes teria sidoaplicado pelo pastor de Fazenda Leão, um pseudo-pastor 8 . “Desde então ficaramcom esse nome, que muito b<strong>em</strong> servia aos inimigos do evangelho, para por<strong>em</strong> <strong>em</strong>dúvida o cristianismo, a Bíblia e a piedade”. Sábia é a observação: “As conseqüênciasde tal procedimento pod<strong>em</strong> ser imaginadas. O deboche s<strong>em</strong>pre machuca,especialmente quando atinge coisas que nos são santas e das quais deixamosdepender nosso destino, no futuro”. Os Muckers viram o escárnio, “muitas vezesrealmente blasf<strong>em</strong>o”, como inimizade contra Deus e Cristo. Tal situação teriafacilitado o trabalho de Jacobina <strong>em</strong> fanatizar por completo o grupo.Doravante uma série de passagens bíblicas passaria a ter importânciasignificava para o grupo. Destacadas são as passagens que falam a respeito dosfariseus, que agora encarnam os adversários do grupo. Igualmente destacados são oscapítulos 1, 2, 11 e 12 do Apocalipse de João. Eles serv<strong>em</strong> para fortalecer a fé noCristo Jacobina e para explicar acontecimentos que estão por vir. Especial atençãoJacobina dá às palavras de Jesus: “Eu vim para lançar fogo sobre a terra e b<strong>em</strong>quisera que já estivesse a arder. Tenho, porém, um batismo com o qual hei de serbatizado; e quanto me angustio até que o mesmo se realize. Supondes que vim paradar paz a terra? Não, eu vo-lo afirmo, antes, divisão. Porque daqui <strong>em</strong> diante estarãocinco divididos numa casa: três contra dois, e dois contra três. Estarão divididos: paicontra filho, filho contra pai; mãe contra filha, filha contra mãe; sogra contra nora, enora contra sogra” (Lucas 12.49-53). A passag<strong>em</strong> ajuda o movimento a responder ao8 Johann Caspar SCHMIERER. Die G<strong>em</strong>einde Leonerhof in Südbrasilien und der Muckeraufstand.In: Der Deutsche Ansiedler; Organ der evangelischen Gesellschaft für die protestantische Mission inAmerica zu Barmen und der Berliner Gesellschaft für die deutsche evangelische Mission in America,Barmen, 24: 69-72, 1886.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 45


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408escárnio com ameaças. As palavras de Paulo, <strong>em</strong> 2 Coríntios 4.3-6 não careciam degrande interpretação e eram aplicadas diretamente ao grupo e a Jacobina. Umatentado vai logo ser interpretado como ação dos Muckers. São aprisionados, massoltos por falta de provas. A amargura predomina. Os escarnecidos se armam. A 30de abril de 1874, o órfão Jorge Haubert, ex-adepto dos Muckers, era assassinado. Oterror se instala na Colônia, provocando a intervenção militar. O exército “nãoproduziu ato heróico, muito sangue correu desnecessariamente”. A 2 de agosto de1874 os Muckers eram dizimados.“A maioria dos Muckers está morta, os d<strong>em</strong>ais ainda se encontram na prisão.Alguns foram condenados e apelaram, outros ainda não foram processados.Nenhum juiz de direito deseja queimar seus dedos nesta melindrosa história, e hámeios para se transferir as sessões de um tribunal do júri para o outro. Tanto quantose ouve dos prisioneiros, ninguém ainda modificou sua opinião. Os homens, cujasesposas voltaram a se filiar à Comunidade e enviam seus filhos à escola, estão fora desi. Suas famílias e parentes t<strong>em</strong><strong>em</strong> o dia <strong>em</strong> que voltam a gozar de liberdade”.Rotermund presencia <strong>em</strong> São Leopoldo uma tripla interpretação dosacontecimentos: 1. O grupo adversário da Igreja - Rotermund pensa aqui <strong>em</strong> Carlosvon Koseritz, que por muitos <strong>ano</strong>s será seu adversário - vê nos acontecimentos umaadmoestação e advertência ante Mucker, pietistas, pastores e Bíblia. A Bíblia seria “olivro mais pernicioso do mundo”. No fundo, todo pastor gostaria de assumir o papeldo “profeta” Maurer. 2. Os jesuítas estariam aproveitando a oportunidade paraafirmar que o movimento Mucker evidenciaria a essência do protestantismo.Rotermund comenta que os jesuítas estariam esquecendo que, no mínimo, metadedos Muckers eram católico-rom<strong>ano</strong>s. 3. Um grupo mais eclesiástico estaria falandoque todo o acontecimento Mucker teria sido encenado para arruinar a fé cristã, commuito dinheiro de pessoas influentes e da maçonaria. O argumento desse grupoparte da observação de que os líderes do movimento teriam tido, originalmente, boasrelações com os adversários da palavra de Deus. Muito dinheiro teria corrido de46Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Porto Alegre para a Fazenda Leão, a guerra contra os Muckers teria tido todo o jeitode guerra aparente, Maurer teria desaparecido ao invés de ser morto. - Rotermundpensa que esta terceira interpretação é falsa. Pesquisas que estão sendo realizadas <strong>em</strong>nossos dias, porém, mostram que não são tão infundadas.Por outro lado, Rotermund também pergunta pelas influências deixadas pelomovimento Mucker. Encontra pessoas que outrora liam a Bíblia, mas que agora adeixam de lado. Maurer as levara à leitura bíblica, depois de sua morte deixam defazê-lo. Qu<strong>em</strong> se preocupa com sua salvação eterna é apelidado de “Mucker”.Movimentos de reavivamento que surg<strong>em</strong> <strong>em</strong> Santa Catarina e no Rio Grande do Sulsão logo colocados sob a suspeita de muckerismo. Positivamente, porém, Rotermundconstata que a vida religiosa não desapareceu no Rio Grande do Sul entre osevangélicos. Ela ressurge, t<strong>em</strong> que lutar contra “os apóstolos do materialismo e dodarwinismo”. Enorme é o peso que se coloca sobre o trabalho pastoral. “Onde secomeça a orar e a pesquisar na Escritura, onde não se é mais rude <strong>em</strong> palavras eações, aí se cheira o ‘Mucker’“. Todos julgam ser melhor parecer um beberrão, umfalsário, um ladrão do que um “Mucker”. Rotermund, porém, é grato por todo sinalde vida que ressurge. O livro de orações de Friedrich Stark é lido <strong>em</strong> muitas casas.No final de seu relato, Rotermund comenta que a 5 de março de 1876 aFazenda Leão recebera na pessoa do Pastor Schmierer um líder da Igreja. “Os amigosdo Reino de Deus esperam que as confusões provocadas por Maurer e as inimizadestermin<strong>em</strong> <strong>em</strong> breve”.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 47


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 64083. O relato Schmierer 9Johann Caspar Schmierer publicou seu relato dez <strong>ano</strong>s após haver iniciadosuas atividades <strong>em</strong> Fazenda Leão. Contrastando com as colocações de Rotermund,suas observações têm, antes, um estilo telegráfico. Mesmo assim, traz<strong>em</strong> algumascolocações e observações dignas de nota.Por ocasião de sua chegada, a Fazenda Leão apresentava um aspectolastimável. Muitas casas haviam sido queimadas, outras tantas haviam sidoliteralmente saqueadas por adeptos dos Muckers, por soldados e por “bonsvizinhos”.Schmierer vê o acontecimento Mucker como conseqüência do péssimoatendimento pastoral dado aos imigrantes. Culpa o governo imperial por facilitar oregistro de toda espécie de “pastores” e a Igreja al<strong>em</strong>ã pelo desinteressed<strong>em</strong>onstrado (?!) <strong>em</strong> relação aos <strong>em</strong>igrados. “A revolta Mucker é uma ilustração paraa história da negligência eclesiástica <strong>em</strong> relação a nossos irmãos <strong>em</strong>igrados”. Emcontraposição a essa negligência, acentua a piedade da família Mentz, da qualprovém Jacobina.Caracteriza-a como uma família luterana, proveniente da Saxônia, a qual nãoreconhecia os “pastores feitos”, isso é, os pastores-colonos, preferindo não batizarseus filhos, n<strong>em</strong> solicitar para eles a confirmação. Tais pastores vinham “inspirados”(pela cachaça) ao púlpito, é não pelo Espírito Santo. Não reconhecendo os pastorescolono,a família Mentz, mesmo assim, realizava seus cultos domésticos, orava e liaconstant<strong>em</strong>ente sua Bíblia.9 Cf. Friedrich SAUERBRONN. Rede am Napoleonstage. In: Deutsche Evangelische Blatter fürBrasilien, São Leopoldo, IS:SS-S9, 1933. Assim se pregava há c<strong>em</strong> <strong>ano</strong>s. Das obras póstumas dopastor Oswald Hesse, primeiro pároco de Blumenau. In: FLOS (Max). Unsere Vater - Nossos Pais; zurErinnerung an das 50-jährige Bestehen der Evangelischen Synode von Santa Catarina und Paraná 1911-1961; <strong>em</strong> com<strong>em</strong>oração ao 5O° aniversário do Sínodo evangélico de Santa Catarina e Paraná, fundado <strong>em</strong> 6de agosto de l9ll. São Leopoldo: Rotermund.48Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Tendo esse p<strong>ano</strong>-de-fundo, Schmierer vai dizer que Jacobina provém dessafamília, mas vai caracterizá-la como “a alma do movimento areligioso e socialpolítico”.Em que estaria Schmierer pensando com tal formulação? A caracterização“areligioso” parece-me ser apologética: quer negar-lhe caráter cristão. Mas, o quefazer com a caracterização “social-político”? Estaria ele retomando a caracterização“comunista”, expressamente rejeitada por Rotermund, ou estaria pensando <strong>em</strong>movimento de resistência como o caracterizado por Janaína Amado, muitos <strong>ano</strong>smais tarde?O marido é caracterizado de charlatão (Kurpfuscher). Suas curas atra<strong>em</strong>muitas pessoas, logo também atraídas pelos conselhos espirituais de Jacobina. Aospoucos se cria um grupo de seguidores, entre os quais Jacobina “encontra confiançairrestrita”. “Os m<strong>em</strong>bros dessa sociedade contam entre as famílias mais respeitáveis,mais eclesiásticas e mais ricas. E isso não é de causar admiração, pois no púlpito daFazenda Leão e <strong>em</strong> muitos outros lugares debulhava-se apenas a palha seca; ao invésde se incentivar o bom movimento e de libertá-lo da escória, vociferava-se do púlpitocontra “o bando de hipócritas e satânico”. Tenho dificuldades <strong>em</strong> traduzir aexpressão “die Mucker und Schwefelbande”. O conceito “Mucker” é aplicado aqui,claramente, no sentido de “hipócrita”, enquanto que “Schwefelbande” buscacaracterizar os adeptos de Jacobina como el<strong>em</strong>entos satânicos. “Schwefel”, enxofre, éo el<strong>em</strong>ento de satanás, do diabo. Schmierer assume uma postura de defesa <strong>em</strong>relação ao grupo de Jacobina. Enquanto o pastor-colono no detrator é visto comorepresentante do cristianismo do Iluminismo, o grupo <strong>em</strong> torno de, Jacobina vai serpor ele visto como conseqüência do Reavivamento. Oriundo da Casa de Missão deBarmen, Schmierer é um representante desse Reavivamento! O, que é, pois, omovimento Mucker <strong>em</strong> suas origens? Para o pastor da Fazenda Leão, o movimentoMucker é, <strong>em</strong> suas origens, um movimento de reavivamento, o qual, posteriormente,se desencaminha.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 49


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Schmierer é de opinião que quando o grupo se organizou teria sido possívelcanalizar suas boas intenções, caso houvesse havido pastores com boa formação enão apenas pastores-colono. Os pastores-colono, rejeitados pelo grupo Mucker, nãotiveram pessoas à altura que os pudess<strong>em</strong> substituir. Schmierer faz ainda uma outraobservação que causa espanto para a época <strong>em</strong> que foi formulada: “De parte dosadversários via-se toda a atividade dos leigos que fosse livre, consciente eextraeclesiástica, como um crime”. Qu<strong>em</strong> são esses adversários? É quase que naturalpensar-se <strong>em</strong> pastores europeus, oriundos de Casas de Missão ou das Universidadesal<strong>em</strong>ãs. Teríamos aqui um caso de clericanismo típico. No entanto, o número dessespastores é mínimo. Estaria Schmierer se referindo a eles, quando pensa quejustamente sua presença teria podido evitar a catástrofe? Parece-me que Schmiererestá descrevendo os pastores-colono, os “pseudo-pastores”, como clericais. Issosignificaria que se deveria rever a tese de Janaína Amado, segundo a qual omovimento Mucker teria sido, também, reação contra a clericalização trazida pelospastores europeus.O breve relato de Schmierer dá-nos a seguinte caracterização do grupo deJacobina: “Os ‘Mucker’ não desenvolveram um credo próprio e não tinham nenhumsist<strong>em</strong>a doutrinal desenvolvido; interpretavam a Bíblia e o que não interpretavam,deitavam nela. No mais, os difamados dedicavam-se a uma vida cristã silenciosa etornaram-se, com isso, consciência ambulante dos fariseus e escribas presunçosos daFazenda Leão e vizinhança”.É <strong>em</strong> virtude de sua postura que o grupo de Jacobina vai provocarinimizade. Os adversários usam do escárnio, arr<strong>em</strong>edam-nos na rua, cortam-se osrabos dos cavalos, rasgam-se as roupas, destro<strong>em</strong>-se as caixas de abelha. O corte dorabo do cavalo é explicado por Schmierer como uma das maiores ofensas, segundoconceitos brasileiros.O movimento até então pacífico modifica-se, assumindo contornosmessiânicos. Jacobina é vista como Cristo ou como o Espírito Santo. As passagens50Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408bíblicas que falam dos castigos sobre o mundo descrente são sublinhadas porJacobina. A comunhão de bens e a comunhão de mulheres são introduzidas.Amaldiçoados são todos os que a contestam. Duas petições dos moradores daFazenda Leão não obtiveram a atenção das autoridades. Seguiram-se ataques dosMuckers. Só então o governo interveio com forças militares. “A rebelião foi abatidacom o auxílio de colonos armados no <strong>ano</strong> de 1874, com isso também toda a fé noevangelho de Jesus Cristo foi lançada de bordo”. “A Comunidade de Fazenda Leão,<strong>em</strong> geral, o evangelho no Brasil sofrerão por muito t<strong>em</strong>po das conseqüências desseeng<strong>ano</strong>”.4. Interpretando posiçõesMuito t<strong>em</strong> sido escrito a respeito dos Muckers. Cada autor t<strong>em</strong> buscadotrazer sua interpretação. Não pretendo acrescentar mais uma. Julgo, porém, que osrelatos dos dois pastores traz<strong>em</strong> algumas contribuições que mereceriam algumasconsiderações, quando no futuro se tentar novamente uma apreciaçãopormenorizada dos acontecimentos.Parece-me que os dois pastores evangélicos apontam, inicialmente, para umchoque entre uma piedade reavivalista e duas frentes que se lhe opõ<strong>em</strong>: ocristianismo iluminista e o ateísmo materialista, mesclado com um mal digeridodarwinismo. Muitos dos imigrantes pod<strong>em</strong> ter sido adeptos do cristianismoiluminista. As pregações dos pastores Sauerbronn e Hesse parec<strong>em</strong> apontar parapregação do tipo iluminista entre nós. Que tipos de pregações terão usado osprimeiros pastores de São Leopoldo e os pastores-colono? 10 Rotermund terá boaparte de seu ministério, <strong>em</strong> São Leopoldo, devotado a discussões com o principalrepresentante do ateísmo materialista, Carlos von Koseritz.10 Cf. Reinhard KÜHNE. Die Auswirkungen der Kulturkampfzeit auf das Deutschtum in Rio Grandedo Sul. In: Kurt SCHUBERT (Ed.). Auslanddeutschtum und evangelische Kirche. Jahrbuch 1926, MChen, Kaiser, 1936, p. 310-321.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 51


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Como se apresenta a fé exteriorizada pelo reavivamento do Ferrabraz? Ela énitidamente um movimento <strong>em</strong> situação de defesa, pois defende seus valores frenteaos dois grupos acima mencionados. Trata-se de piedade popular <strong>em</strong> luta com seusdetratores. Há lamento sobre a situação <strong>em</strong> que se encontra a Igreja, muita leiturabíblica, culto doméstico, seriedade ética. A hermenêutica é alegórica e recebecontornos quiliásticos. A seriedade ética e moral leva-os a ser “consciência” daColônia, o que, naturalmente, vai levar à reação.Os integrantes do grupo <strong>em</strong> torno de Jacobina são caracterizados como osmelhores el<strong>em</strong>entos da Colônia. São os “melhores”, os “mais inteligentes”. De modoalgum são vistos como “bando de criminosos” ou “comunistas”. Parece me queapenas <strong>em</strong> Schmierer se poderia encontrar a opinião de que os adeptos de Jacobinateriam formado grupo “social-político”, no caso comunista. No entanto, seu relato émuito breve para possibilitar tal interpretação de maneira conclusiva.Parece-me que se torna necessário, após a leitura dos textos dos dois pastoresevangélicos, que se revise a “leitura” que se faz dos pastores-colono. Desde apublicação do livro de Janaína Amado, tive também a tendência de ver nomovimento Mucker uma reação ao novo tipo de Igreja que começa a se instalar noRio Grande do Sul desde a chegada de Hermann Borchard, <strong>em</strong> 1864. Como ocristianismo leigo dos primeiros quarenta <strong>ano</strong>s estaria sendo destruído pela vinda depastores formados <strong>em</strong> universidades ou <strong>em</strong> casas-de-missão, o grupo <strong>em</strong> torno deJacobina seria reação ao novo tipo de Igreja. Os relatos de Rotermund e de Schmierer,no entanto, estão a indicar que o movimento de piedade junto ao Ferrabraz pareceser antes reação à Igreja dos pastores-colono! Aqui uma tese parece-me estar sendocarente de retomada.Fica evidente que o fechamento do grupo sobre si é conseqüência daspressões externas. Nisso os dois pastores evangélicos concordam com as d<strong>em</strong>aisleituras. Importantes são as conseqüências do movimento para a vida dos imigrantesevangélicos. Vimos na introdução ao presente trabalho que as condições históricas do52Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Palatinado haviam levado a uma introversão <strong>em</strong> termos de piedade. Parece-me queos acontecimentos do Ferrabraz levam a uma maior introversão. Piedade,protestantismo, reavivamento, leitura bíblica passam a ser sinônimo de muckerismo.Até hoje os evangelistas têm dificuldades para promover reavivamento nestas áreas.A m<strong>em</strong>ória histórica ainda está por d<strong>em</strong>ais presente. Rotermund, porém, nos alertapara o fato de que n<strong>em</strong> toda a piedade estava destruída. Aparent<strong>em</strong>ente ele e seuscolegas puderam continuar a construir sobre a piedade que esteve presente nomovimento Mucker. A referência à leitura do livro de orações de Stark é umindicativo. As comunidades, porém, teriam que se defrontar com os ataques dogrupo <strong>em</strong> torno de von Koseritz.A questão Mucker está longe do ponto de ter sido estudada até as últimasconseqüências. Pequenos detalhes que se encontram aqui e ali permit<strong>em</strong> que sechegue um pouco mais perto dos acontecimentos. As colocações aqui feitaspretend<strong>em</strong> ser uma contribuição neste sentido.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 53


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Jacobina Mentz Maurer: a representação de uma líderPor Marinês Andrea KunzPUCRSResumo:O artigo pretende mostrar, de forma sucinta, como é representada Jacobina Maurer nostextos históricos “Os Muckers”, de Ambrósio Schupp e “O episódio do Ferrabraz”, deLeopoldo Petry, além dos seguintes textos ficcionais: “Videiras de Cristal”, de Luís A. deAssis Brasil, os filmes “Os Muckers”, de Bodansky e Gauer e “A paixão de Jacobina”, deLucy e Fábio Barreto. Os textos retratam a protagonista de modo s<strong>em</strong>elhante, mas cada umapresenta uma leitura própria da líder. Pod<strong>em</strong> ser lidos uns através dos outros s<strong>em</strong>, noentanto, recuperar<strong>em</strong> a imag<strong>em</strong> original de Jacobina.É notável que, 128 <strong>ano</strong>s depois, os fatos ocorridos no Ferrabrás roub<strong>em</strong> acena, sendo novamente reproduzidos na grande tela, sendo pauta de s<strong>em</strong>inários eobjeto de estudos nas mais diversas áreas, como a História, a Teologia e a Teoria daLiteratura. Apesar de todo o <strong>em</strong>penho já realizado no sentido de desvendar a aura d<strong>em</strong>istério que envolve os episódios e, de forma especial, a imag<strong>em</strong> de JacobinaMaurer, ainda há muitos pontos obscurecidos, que, certamente, nunca serãorecuperados integralmente, pois, como afirma Jeanne-Marie Gagnebin, “não exist<strong>em</strong>[...] reencontros imediatos com o passado, como se pudesse agarrar uma substância,mas há um processo meditativo e reflexivo [...]” 1 . Assim, cabe aos pesquisadoreslançar<strong>em</strong> luz sobre o ocorrido, debruçando-se sobre seus vestígios, <strong>em</strong> busca de umacompreensão plausível.O objetivo deste trabalho não é reconstituir o passado, uma vez que estapesquisadora que vos fala não é historiadora; tampouco, é discutir a religião deJacobina <strong>em</strong> si, pois não se trata de um estudo teológico. Consiste, sim, <strong>em</strong> analisar a1 GAGNEBIN, Jeanne-Marie. História e narração <strong>em</strong> W. Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 1994. p. 17.54Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408representação da protagonista do evento, Jacobina Mentz Maurer, nos principaistextos acerca do assunto. Entre eles, estão os textos históricos de Ambrósio Schupp,Os Muckers, primeiramente <strong>em</strong> al<strong>em</strong>ão, <strong>em</strong> 1906, e de Leopoldo Petry, intitulado Oepisódio do Ferrabraz, de 1957. Quanto aos textos ficcionais, elesfaz<strong>em</strong> parte do corpus oromance Videiras de Cristal, de Luís Antônio de Assis Brasil; a narrativa fílmica OsMuckers, de Jorge Bodansky e Wolf Gauer, b<strong>em</strong> como o recente filme A paixão deJacobina, de Lucy e Fábio Barreto.Se, como afirma Mikhail Bakhtin, todo texto mantém uma relação dialógicacom outro texto, mesmo que esse não exista concretamente, pode-se afirmar que ostextos escolhidos, b<strong>em</strong> como outros não mencionados aqui, dialogam entre si. Oumelhor, percebe-se a possibilidade de leitura de um através do outro, como uma redeintertextual, <strong>em</strong> que variam as representações de Jacobina, de João Jorge, de seusseguidores e da trama dos fatos. Alguns textos aproximam-se <strong>em</strong> sua abordag<strong>em</strong>,apresentando, contudo, nuances inusitadas, revelando uma nova face possível para oocorrido.Segundo Bakhtin, cada signo está inserido <strong>em</strong> determinado contexto, d<strong>em</strong>odo que reflete o mesmo e apresenta dele uma nova imag<strong>em</strong>, podendo “distorceressa realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico” 2 .Portanto, da mesma forma como é influenciado pelo contexto social, o signo agesobre ele, tornando-se, conseqüent<strong>em</strong>ente, formador de opinião.O estudo da representação de Jacobina Maurer se dá a partir do signo, ouseja, a partir das marcas enunciativas. É necessário, portanto, fazer um levantamentolexical, <strong>em</strong> que se deflagram os substantivos e os adjetivos <strong>em</strong>pregados para designála,os verbos, os modalizadores do enunciado e os advérbios, uma vez que essesel<strong>em</strong>entos revelam o processo avaliativo e ideológico instaurado pelo autor. Alémdisso, urge auscultar, <strong>em</strong> especial nos textos históricos, o processo argumentativoengendrado para defender as teses de culpabilidade ou não de Jacobina e seu grupo.2 BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguag<strong>em</strong>. São Paulo: Hucitec, 1997. p. 32.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 55


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Nesse sentido, o texto de Ambrósio Schupp t<strong>em</strong> um papel muito importantena construção da imag<strong>em</strong> de Jacobina, por dois motivos. O fato de ser o primeirotexto publicado a narrar os fatos consagrou-o como referência para todos os d<strong>em</strong>ais.Além disso, o distanciamento t<strong>em</strong>poral entre o episódio e a publicação é muito curto,pois o padre jesuíta veio ao Brasil <strong>em</strong> 1874, quando ocorreu o massacre dos muckers.Assim, o religioso pôde, ainda, entrevistar muitos envolvidos e conferir de perto asconseqüências.Isso pode parecer um simples dado, mas é, na verdade, um el<strong>em</strong>entofundamental na interpretação da obra, porque é possível conjeturar que o padre foiinfluenciado por alguns fatores. Primeiro, ele entrevistou principalmente osantagonistas ao movimento, uma vez que eles permaneceram na região, não forammassacrados e não sofriam discriminação, podendo expressar sua opinião sobre ocaso. Além disso, o clima de animosidade <strong>em</strong> relação aos muckers era, ainda, muitointenso, de modo que uma obra que se posicionasse a favor deles não seria,evident<strong>em</strong>ente, b<strong>em</strong> recebida. Por fim, a condição de padre jesuíta com certezaimpulsionou suas conclusões sobre esse movimento liderado por uma mulherprotestante.Ao longo de todo texto, o padre Schupp assume um tom bastanteimpressionista, o que já fica evidente quando, no intuito de contextualizar o leitor,descreve o palco dos episódios: “um áspero paredão desce de modo íngr<strong>em</strong>e, quasecarrancudo, para a planície, sobre a qual ele olha com a sua face cercada de mataescura, revelando uma atitude séria, quase apavorante” 3 . Diante dessa adjetivação -áspero paredão; modo íngr<strong>em</strong>e, quase carrancudo; mata escura; atitude séria, quaseapavorante -, o leitor mais desavisado, aderindo ao discurso, já se coloca <strong>em</strong> posiçãode alerta, pois sabe que nesse local algo de muito grave aconteceu.3 SCHUPP, Ambrósio. Os Muckers. Porto Alegre: Martins Livreiro, 2000. p. 33.56Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Quanto a Jacobina, refere-se a ela como “a profetisa”, e descreve-a como “umtanto lerda <strong>em</strong> sua atitude meã e de fisionomia singularmente exaltada” 4 . O autor aretrata como uma feiticeira que agia com má fé, cujas pregações “indubitavelmentevisavam por cálculo seduzir os corações de seus veneradores e arrastá-los para asmealhas enfeitiçadas de uma torpe sensualidade” 5 .Além disso, caracteriza-a como adúltera, pois ela teria se unido a RodolfoSehn e, posteriormente, se separado de Maurer. Ela teria, ainda, articulado a ausênciade Maurer do Ferrabrás, tendo <strong>em</strong> vista que “não queria ter a ‘papaizinho’ comotest<strong>em</strong>unha constante de sua infidelidade” 6 . Pior do que isso, Jacobina teriaincentivado os d<strong>em</strong>ais casais a também se separar<strong>em</strong>, citando, inclusive, vários quenão deveriam mais viver juntos, mas deveriam casar-se com outr<strong>em</strong>.O autor afirma, ainda, que os cultos e as “interpretações fantásticas” deJacobina seriam a causa do suicídio de Pedro Hirt, o sogro do Subdelegado, que teriase tornado um “fanático”. Os encontros eram realizados na nova edificação,denominada pelo autor de forma nada inocente de “burgo dos muckers”. Alémdisso, ele descreve o cotidi<strong>ano</strong> de Jacobina como o de uma senhora que é servidapelos outros: “Achava-se ela entregue à sua vida de ócios e se fazia servir por outr<strong>em</strong>. Éque já se fizera norma doméstica a decisão de que Jacobina não tinha mais detrabalhar” 7 .É recorrente a opinião de Schupp acerca do comportamento liberal deJacobina <strong>em</strong> relação aos homens, o que serve a seu objetivo de retratá-la como imoral.Sobre as moças e senhoras, “[...] ela exercia um regimento férreo, ao passo queconcedia ao el<strong>em</strong>ento masculino uma vida mais livre” 8 . Conclui seu livro com o seguintequestionamento: “De quê [...] é capaz uma mulher, quando se acha entendida <strong>em</strong>4 Id<strong>em</strong>, p. 40.5 Id<strong>em</strong>, p. 43.6 Id<strong>em</strong>, p. 160.7 Id<strong>em</strong>, p. 99.8 Id<strong>em</strong>, p. 99.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 57


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408desenfrear as paixões do mundo masculino e <strong>em</strong> imprimir, além disso, ao crime o caráterdo culto divino?!” 9 . Assim, por meio desses poucos trechos, fica clara aimparcialidade do autor, que se posiciona totalmente contra o movimento e tenta detodas as maneiras manchar a imag<strong>em</strong> de Jacobina.Já Leopoldo Petry, que era protestante, <strong>em</strong> O episódio do Ferrabraz, t<strong>em</strong> oobjetivo de abordar os fatos diferent<strong>em</strong>ente dos que o antecederam. Ele pretende“estudar os acontecimentos desenrolados no Ferrabraz sob o ponto de vista social,hum<strong>ano</strong> e psicológico, como reação de homens dignos e laboriosos, revoltados contraas arbitrariedades de órgãos da polícia que tentaram espoliá-los de seus direitossagrados, garantidos pelas Leis do País” 10 . O lugar de onde ele vê os acontecimentosdiferencia-se pelo fato de que ele se envolve de modo pessoal, uma vez que se definecomo “filho de colonos e passou quase toda existência entre colonos e ligado ainteresses da colônia” 11 , conhecendo, portanto, “a grandeza d’alma” do agricultor.Tomado por esse sentimento, Petry relativiza os fatos e o que deles se conta,com o objetivo de apresentar os equívocos e exageros e, conseqüent<strong>em</strong>ente, chamar oleitor à razão, s<strong>em</strong>, no entanto, inocentar Jacobina e seus seguidores. Nesse sentido, oautor assim a caracteriza: “pertencia à classe das mulheres trabalhadoras, ajudavanas lides da roça o marido e agora, <strong>em</strong> sua nova profissão, procurava tornar-se-lheútil, esforçando-se <strong>em</strong> tratar b<strong>em</strong> e alimentar convenient<strong>em</strong>ente os clientes queapareciam” 12 .Além disso, o autor refuta a acusação feita por Schupp de que Jacobina teriamandado degolar o próprio filho e de que teria incentivado a troca de casais,argumentando que isso não seria possível, pois todos os envolvidos eram “homenssimples e de boa fé, todos educados dentro dos princípios do cristianismo e, <strong>em</strong>borarudimentares seus conhecimentos religiosos, a tradição moral não se apagara <strong>em</strong>9 Id<strong>em</strong>, p. 324.10 PETRY, Leopoldo. Os Muckers: O episódio do Ferrabrás. São Leopoldo: Rotermund, 1966, p. VI.11 Id<strong>em</strong>, p. VI.12 Id<strong>em</strong>, p. 44.58Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408seus espíritos, e jamais teriam concordado com as monstruosidades que os inimigosda seita lhes atribu<strong>em</strong>” 13 .Embora retrate os seguidores de Jacobina como pessoas de boa índole,vítimas das perseguições da população e da polícia, o autor não se furta de criticar alíder. Ele afirma que, depois de ter se tornado o centro dos encontros no Ferrabrás, osataques epilépticos de Jacobina ocorriam com mais freqüência, “ao que parece, porencomenda” 14 . O casal teria se valido dos desmaios <strong>em</strong> virtude de um livro sobresonambulismo que teria circulado na colônia, segundo o qual pessoas acometidasdesse mal teriam a capacidade de diagnosticar doenças que fugiam ao conhecimentomédico. Por fim, o autor afirma que não entende que força misteriosa instalou o ódionos colonos, de modo que foram exterminadas “as pobres vítimas de JacobinaMaurer” 15 . A expressão vítimas de Jacobina revela que Petry, na verdade, não étotalmente favorável à líder.Quanto ao romance de Luís Antônio de Assis Brasil, Videiras de cristal, éimportante destacar que seu caráter literário é a diferença essencial <strong>em</strong> relação aosanteriores. Por ser ficção, não há uma preocupação com a veracidade do que énarrado, mas com o interesse do leitor pela obra, de modo que el<strong>em</strong>entos ficcionaispod<strong>em</strong> ser inseridos no texto, como alterações de datas, nomes, locais e a inserção depersonagens, que, obviamente, não comprometam a totalidade do fundo histórico.Além disso, cabe salientar que, na literatura, existe a possibilidade de se <strong>em</strong>pregarpontos de vista diferentes, através dos quais novos olhares pod<strong>em</strong> ser lançados sobredeterminado assunto, como o de Jacó Mula, de Carolina Mentz e de Christi<strong>ano</strong>Fischer. Em virtude desses aspectos, obras literárias não oferec<strong>em</strong> fidelidade estritado texto ficcional aos fatos, mas é justamente por isso que elas pod<strong>em</strong> colaborar nosentido de modificar concepções já sedimentadas.13 Id<strong>em</strong>, p. 14.14 Id<strong>em</strong>, p. 50.15 Id<strong>em</strong>, p. 115.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 59


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Assim, o narrador cria um universo ficcional, <strong>em</strong> que Jacobina é uma mulhersedutora que envolve seus seguidores. A princípio, ela pede que não dê<strong>em</strong> ouvidos enão reajam aos boatos e provocações sofridas. Contudo, após os ataques violentosque ocasionaram a morte de m<strong>em</strong>bros de seu grupo, ela passa a apoiar o revide.Além disso, o narrador reapresenta aspectos já polêmicos na obra de Schupp, poisconta que a líder passa a ter a seu lado, não mais o marido, mas Rodolfo Sehn, que aama e pode ser o pai de Leidard, a filha da fé. Relata também o momento <strong>em</strong> queJacobina afirma que um dia todos viverão <strong>em</strong> paz e não mais precisarão obedecer àsleis dos homens, podendo se amar<strong>em</strong> uns aos outros, conforme seu desejo. Por fim,conta que, no esconderijo, antes da derradeira hora, Jacobina ordena a degola deLeidard, que havia começado a chorar, podendo, assim, delatá-los. Esses eventos,destacados por Schupp e rechaçados por Petry, serv<strong>em</strong> para tornar a ação doromance mais intensa e picante.No filme de Bodansky e Gauer, Os Muckers, não são explorados meioscin<strong>em</strong>atográficos mais elaborados, de modo que as tomadas são bastanteel<strong>em</strong>entares, variando apenas os tipos de pl<strong>ano</strong>s, os movimentos da câmera e ozoom. O cenário também é muito simples, uma vez que as casas dos colonos nãoforam <strong>em</strong>belezadas; pelo contrário, são <strong>em</strong>pregadas moradias de pessoas comuns,inclusive já gastas pela ação do t<strong>em</strong>po como, por ex<strong>em</strong>plo, a de Haubert. Ailuminação do ambiente é fraca, para manter a fidelidade ao momento histórico <strong>em</strong>que não havia eletricidade.Os colonos não são representados por atores renomados, mas por pessoas domeio que falam <strong>em</strong> al<strong>em</strong>ão, o que aproxima a ficção da realidade e retira a aura deglamour cin<strong>em</strong>atográfico, aproximando a narrativa do documentário. Além disso,sua vestimenta, adequada à época e ao grupo, constitui-se de roupas simples, ou seja,vestidos e saias longas, <strong>em</strong> tons de claro e escuro, s<strong>em</strong> cores vivas. Os homenstambém vest<strong>em</strong> calças escuras e camisas brancas, escuras ou <strong>em</strong> xadrez. A roupa de60Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408trabalhos é r<strong>em</strong>endada, e as mulheres usam lenços e chapéus de palha, além d<strong>em</strong>anter<strong>em</strong> o cabelo s<strong>em</strong>pre preso.Jacobina não se diferencia das d<strong>em</strong>ais mulheres, pois se veste e trabalhacomo todas as outras, até mesmo arando a terra. Apesar de não ser apresentada comouma mulher linda e sensual, sua conduta moral é manchada quando ela seduz ojov<strong>em</strong> Haubert e trai o marido com Rodolfo Sehn, que está s<strong>em</strong>pre a seu lado. Alémdisso, Jacobina não distribui beijos entre os apóstolos e não abraça as outras pessoas,s<strong>em</strong>, contudo, deixar de ser bondosa, uma vez que todos viv<strong>em</strong> sob o mesmo teto etrabalham juntos para o sustento do grupo. Muitas vezes, ela permanece imóvel, como olhar parado e absorto como se estivesse tendo uma visão, para, <strong>em</strong> seguida, fazeruma revelação.Sua determinação é clara ao longo da narrativa, pois nunca se deixa abaterdiante das dificuldades. Sua prédica é transmitida com firmeza e convicção, b<strong>em</strong>como suas ordens, o que transmite segurança a seus seguidores. Isso é confirmadoquando, ao acordar <strong>em</strong> São Leopoldo diante das autoridades policiais, defende omovimento e acusa os inimigos de perseguição e, na batalha final, quando decideque todos dev<strong>em</strong> morrer para não ser<strong>em</strong> mortos ou presos pelos inimigos.A segunda narrativa fílmica, A paixão de Jacobina, apresenta a protagonistasob outro prisma, <strong>em</strong>bora algumas características sejam mantidas, como aobstinação. Logo no início do filme, a cena, <strong>em</strong> que a mão dela não permite que osfilhos saci<strong>em</strong> sua fome com o feijão encontrado <strong>em</strong> uma choça abandonada, é indicialpor apontar para os sacrifícios aos quais ela estava habituada, b<strong>em</strong> como a educaçãosevera, segundo rígidos preceitos morais. Essa caracterização funciona comoargumento que depõe a favor da protagonista, figurativizando-a como merecedorade respeito e de credibilidade.Outro el<strong>em</strong>ento indicial apontado por essa cena é a cruz que a meninarecolhe do local e traz consigo na vida adulta, que revela a intensa religiosidade daDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 61


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408protagonista já na infância, ou seja, ela provém de um lar <strong>em</strong> que os valoresreligiosos são cultivados. Com esse índice inicia um processo de divinização dapersonag<strong>em</strong>, que é continuado quando ela t<strong>em</strong> a visão e recebe o chamado de Cristo,que lhe indica sua missão. Essa caracterização também se dá pela abstinência sexuala que se decide e pela ação de curar os males dos enfermos, como o fazia Jesus. Alémdisso, sua vestimenta - a permanente túnica branca e a coroa de flores - e o cabelosolto têm um efeito ambíguo, pois, por um lado, completam a imag<strong>em</strong> divinizada dapureza de Jacobina, por outro, configuram-se <strong>em</strong> um el<strong>em</strong>ento de sedução, tanto <strong>em</strong>busca da adesão dos seguidores, como <strong>em</strong> relação ao el<strong>em</strong>ento masculino.Até mesmo sua atitude adúltera pode ser considerada mais legítima nessanarrativa, uma vez que ela já era apaixonada pelo primo na adolescência. QuandoFranz a procura na cachoeira, ela procura resistir, <strong>em</strong>bora não consiga, ao que sesegue o arrependimento e a opção pela abstinência sexual.Sua caracterização também se dá por suas atitudes. Destaca-se pela bondadepara com os m<strong>em</strong>bros do grupo, como, por ex<strong>em</strong>plo, quando perdoa sua cunhadaque foge para os braços do inspetor João Lehn e quando acolhe Jacó Mula <strong>em</strong> seusbraços. No início, também não permite armas na propriedade, ordenando que sejamenterradas. Depois, contudo, deixa de ser tão pacífica e, usando palavras da bíblia,autoriza o revide aos agressores. Após nomear os apóstolos, pratica o ósculo, mass<strong>em</strong>pre com os olhos esbugalhados, como <strong>em</strong> um ritual.Também se pode destacar outras cenas que são favoráveis à configuração daimag<strong>em</strong> dos muckers nesta narrativa fílmica. É apresentada, por ex<strong>em</strong>plo, a mortedos cavalos cometida por um grupo de desordeiros, pela qual, no entanto, osm<strong>em</strong>bros de Jacobina foram responsabilizados. Além disso, na Santa Casa, Jacobinadiz à enfermeira que é o Estado e a Igreja que desejam sua permanência no hospital,não Deus. Com a primeira passag<strong>em</strong>, o grupo é inocentado; com a segunda, éinstaurada a crítica ao sist<strong>em</strong>a.62Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Ambas as narrativas fílmicas diferenciam-se, portanto, <strong>em</strong> vários aspectos.No primeiro, Jacobina é apenas uma mulher comum, com probl<strong>em</strong>as desonambulismo, e líder promíscua de um grupo de fanáticos. Ela divide o palco comKlein que aparece como importante articulador de todos os acontecimentos. O filmenão elabora imagens metafóricas, n<strong>em</strong> faz uso de procedimentos cin<strong>em</strong>atográficosmais avançados, sendo, por isso, muito simplório <strong>em</strong> sua linguag<strong>em</strong>. O segundo, aocontrário, recria o mito de Jacobina de forma mais positiva, recobrindo-a de umaaura mística, fugindo da representação comum da personag<strong>em</strong>. Emprega, ainda,melhor maneira os recursos técnicos e instaura figuras que ajudam a caracterizá-la d<strong>em</strong>odo mais rico. Além disso, vale destacar que as narrativas fílmicas, devido ao fatode sua linguag<strong>em</strong> ocupar um t<strong>em</strong>po específico e limitado, não pode abarcar toda ahistória <strong>em</strong> seus detalhes, sendo, portanto, mais elípticas que as obras cujo suporte éo código lingüístico.Para concluir, constata-se, então, que os textos citados, tanto os de cunhohistórico como os ficcionais, pod<strong>em</strong> ser lidos uns através dos outros, <strong>em</strong>bora cadaum apresente diferenças na abordag<strong>em</strong> da protagonista e dos fatos. Assim, Jacobinaé representada de diferente modos, com várias nuances, como num jogo de espelhos<strong>em</strong> que sua imag<strong>em</strong> é refletida e refratada, nunca alcançando a perfeição do original.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 63


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Função paterna e imigração:o episódio Mucker à luz da psicanálise *Por Lúcia Serr<strong>ano</strong> Pereira **Resumo:O fenômeno Mucker está associado às rupturas dos laços simbólicos inerente a todo processode imigração e colonização. Frente à ruptura com a terra natal, à decepção com a nova terra,às péssimas condições de vida da colônia, Jacobina funcionou como um Nome-do-Pai, nosentido de servir como um tipo de “ancouradouro” do Outro, possibilitando na organizaçãocomunitária a sustentação de um laço social que se encontrava maltratado, enfraquecido;recuperando algo da dignidade desses sujeitos, devolvendo-lhes certa condição de pertença.O desfecho sangrento do fenômeno mostra que quando o laço simbólico sofre rupturas,aparece a tendência das relações passar<strong>em</strong> a ser orientadas pela força e pelo domínio,propiciando a configuração de um confronto que não aceita nenhum tipo de pacto viável.IntroduçãoÉ difícil considerar a possibilidade de prática da Psicanálise s<strong>em</strong> levarmos<strong>em</strong> conta a historicidade e a cultura de onde se está. A história dos grupos aos quaiscada um pertence (família, nação, etc.) deixa para o sujeito uma gama depossibilidades de posições subjetivas que ele, por ser filho dessa cultura, vai poderocupar de forma singular, de acordo com o momento <strong>em</strong> que ele v<strong>em</strong>, pelo quadrodiscursivo que o acolhe. Por isso a história dos grupos é decisiva na nossadeterminação simbólica (ref. C. Calligaris).Ao mesmo t<strong>em</strong>po, as heranças identificatórias não são conscientes. Não épreciso conhecer a história de um país, de uma filiação, para sofrer seus efeitos. A* Texto apresentado na Convergência Lacaniana de Psicanálise, <strong>em</strong> Barcelona, <strong>em</strong> 1997.** Lúcia é psicanalista e vice-presidente da Associação Psicanalítica de Porto Alegre - RS.64Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408aposta que faz<strong>em</strong>os ao falar transitando um pouco pela história é que isso possapermitir engajamentos talvez um pouco diferentes.T<strong>em</strong>os um país de orig<strong>em</strong> colonial, e que, além disso, recebeu imigrantes dosmais diferentes contextos.Uma notícia publicada na página policial de um jornal <strong>em</strong> Porto Alegre, hápouco t<strong>em</strong>po, me interrogou nesta direção. Informa o acontecimento de crimesbrutais e inexplicáveis que v<strong>em</strong> ocorrendo <strong>em</strong> uma cidadezinha do interior, o últimosendo o corpo de uma mulher encontrado decapitado na estrada. Extraídas asdigitais, a identificação resultou negativa. “Esta mulher nunca deve ter tirado umacarteira de identidade”, explicou o policial; ou seja, não se sabe seu nome. Mas o quechama a atenção na reportag<strong>em</strong> é o tom de ressurgimento que veicula. A manchetedo texto é: “Violência ressurge na terra dos Muckers”. E nas primeiras linhas: aviolência adormecida desde o século passado começa a ressurgir com força.Qu<strong>em</strong> são os Muckers?Os Muckers foram um grupo de colonos de orig<strong>em</strong> al<strong>em</strong>ã que protagonizouuma das situações mais brutais na história da imigração no RS, ao final do séculoXIX. Naquela ocasião, a colônia al<strong>em</strong>ã sofreu uma divisão, estabelecendo-se umaguerra fratricida e um massacre violento; o governo intervindo ao final com cerca de700 soldados para combater as poucas famílias Muckers que ainda resistiam.O corpo de mulher decapitado e s<strong>em</strong> identidade encontrado na estrada, hoje,evoca uma outra mulher, chamada Jacobina, que ocupou o lugar de líder e condutorados Muckers, levando o grupo a um movimento de cunho messiânico. Jacobina,inspirada nos escritos do Apocalipse, se dizia “a voz de Cristo”, nomeava apóstolos<strong>em</strong> meio a transes e profecias, conduzindo seus fiéis a romper os laços com aDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 65


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408comunidade. No seu último ato, os Muckers incendeiam as casas dos “inimigos”, queeram os próprios parentes. A seguir, são exterminados.Ficou <strong>em</strong> torno dos Muckers algo de mistério, de perplexidade e de malestar.Ninguém gosta de ter relação n<strong>em</strong> parentesco com isso ainda hoje, e o trabalhoreligioso na região ainda enfrenta dificuldades.O que Mucker veicula no tecido da imigração no sul do Brasil? O episódiopõe <strong>em</strong> questão algo da dificuldade nesse processo imigratório, sua probl<strong>em</strong>atização,pois ali não foi possível nenhum tipo de mediação que impedisse o confronto. E odesfecho de extermínio é ainda no nosso contexto um cotidi<strong>ano</strong> preocupante e atual.Mucker, do al<strong>em</strong>ão, designa falso beato, hipócrita; é pejorativo. Assim foramchamadas as famílias colonas que passam a reunir-se <strong>em</strong> torno do “wunderdoctor”,como chamavam o colono João Jorge Maurer. Conhecedor de ervas medicinais,recebia os doentes com suas famílias, e muitos permaneciam <strong>em</strong> sua casa para otratamento. Jacobina, sua mulher, gostava de falar com as famílias lamentando asituação deplorável <strong>em</strong> que se encontravam os colonos, recomendando que sereuniss<strong>em</strong> à noite para a leitura da Bíblia, na tradição protestante do culto doméstico.Com as leituras e as conversas que ela orienta, sua palavra passa a ter um peso e umalegitimidade extr<strong>em</strong>amente fortes na comunidade que vai se organizando. Qu<strong>em</strong>vinha, na grande maioria, eram aqueles que tiveram que vender a terra, os que foramficando marginalizados. Não havia nada de espetacular n<strong>em</strong> de milagroso nostratamentos, mas havia uma particularidade: a cura implicava uma convivência. Oque os Maurers ofereciam era algo mais do que uma receita, era o acolhimento damiséria, da marginalidade desses colonos.Do contexto de onde vinha o colono, a comunitariedade era vital. Então, nãoé que com os colonos do “wunderdoctor” vai criar-se uma sociedade religiosa. Areligião está inserida nessa organização, e qu<strong>em</strong> trabalha o religioso na família colonaé a mãe. Entrando na casa de Jacobina, não estamos entrando num movimento sacro.66Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408N<strong>em</strong>, de início, <strong>em</strong> um movimento messiânico. O que ocorre com as leituras e asconversas que ela orienta é que sua palavra passa a ter um peso e uma legitimidadeextr<strong>em</strong>amente forte no grupo.A questão da filiação paterna na imigraçãoTalvez seja importante considerar que a questão da imigração já coloca por sisó uma complexidade do lado dos laços simbólicos, das referências paternas, umafastamento da própria filiação (o pai que se t<strong>em</strong> que recalcar) e a entrada num novomeio social onde não se t<strong>em</strong> o reconhecimento como filho. Sab<strong>em</strong>os que é do lado dosimbólico que, enquanto sujeitos produzidos relativamente a uma filiação, t<strong>em</strong>os umlugar desde onde falar e desejar, e uma posição sexuada. Qu<strong>em</strong> sai do seu país deorig<strong>em</strong> na condição de <strong>em</strong>igrante faz de alguma forma o recalque da filiação <strong>em</strong>nome da qual se constituiu como sujeito. É uma operação um pouco inevitável, atémesmo para “agüentar” sair. Ao chegar a um novo lugar na condição agora deimigrante, pede-se filiação a um novo pai. T<strong>em</strong>os aí a probl<strong>em</strong>atização da questãopaterna, que não deixa o imigrante numa situação muito fácil, pois o pai da linhag<strong>em</strong>é um nome ao qual nos liga uma dívida simbólica, e o novo pai, mesmo que a ele sepeça o reconhecimento enquanto filho, ainda é um pai que, por ser novo, talvez peça,supostamente, um pagamento no real para dar seu reconhecimento.As promessas aos imigrantes não se efetivaram na chegada ao Brasil: terra eisenção de impostos, a manutenção da religião de orig<strong>em</strong>, instrumentos de trabalho,dinheiro por cabeça e a naturalização. Nos primeiros vinte <strong>ano</strong>s eles tinham a posseda terra, mas não os documentos, o que impedia a naturalização no país. O colononão tendo terra n<strong>em</strong> renda suficiente não poderia ser votado n<strong>em</strong> votar. Nessa vindado al<strong>em</strong>ão, tratava-se b<strong>em</strong> mais de trazer gente para branquear a raça, ter mão-deobra,assegurar a fronteira, abrir estrada, plantar para alimentar o exército; não setratava de cidadania.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 67


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Nos primeiros quarenta <strong>ano</strong>s de imigração, os próprios colonos tiveram quepreservar sua religião. Os religiosos oficiais, quando chegam, afirmam que esta“religiosidade colona” estava errada, que foram quarenta <strong>ano</strong>s incorretos, indevidos.As comunidades que continuam com aquela prática religiosa, como o grupo deJacobina, passam a ser atacadas pelos padres e pastores nos seus sermões epregações. Para os religiosos católicos e protestantes, os Muckers passam arepresentar o obscuro, o primitivo.Na imprensa da época, o Mucker aparece como um desvio, a encarnação dabarbárie que precisa ser extirpada.O movimento que até então era pacífico vai fechando-se, a dimensãomessiânica instalando-se com as leituras dos textos do Apocalipse, com as promessasde redenção e os delírios de Jacobina. Cristo fala através dela. Sua palavra polariza osfiéis indicando o caminho da salvação. Ela passa a encarnar no real o que o discursosocial lhe propõe. Embora através da transformação <strong>em</strong> um personag<strong>em</strong>, isso operacomo reconhecimento. Jacobina reencontra sua filiação de um modo delirante: o queo discurso social simboliza para representá-la, ela o torna real.A ord<strong>em</strong> que permitia a convivência sofre uma ruptura. Sab<strong>em</strong>os que ondeos laços simbólicos encontram-se enfraquecidos - quanto menos defendidos peloslaços simbólicos - mais exposto se está a uma promessa, um certo delírio de salvação,de redenção, que acabe tomando lugar enquanto imperativo. Em outros termos, umafalha simbólica que abre lugar a uma solução buscada no real, pela violência, pelaforça, e que é sustentada num certo excesso imaginário, eleitos por Deus.O messianismo de Jacobina - tornar-se a voz de Cristo - pode ser pensadocomo uma tentativa de “realização” do Outro, uma realização de Deus.Por onde pod<strong>em</strong>os pensar um pouco mais essa falha na ord<strong>em</strong>, nessa ord<strong>em</strong>que permite que as pessoas convivam, se organiz<strong>em</strong> socialmente?Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 69


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408O colono <strong>em</strong> questão não encontrou na chegada um mínimo de referênciasnacionais que pudess<strong>em</strong> ajudar na sua instalação. A naturalização, quando é impostaa qu<strong>em</strong> chega, pode valer como um traumatismo, mas por outro lado, quando érecusada, pode valer como um “não me aceitam pela minha orig<strong>em</strong>”, pedindo umrecalque ainda maior. Mas o apontamento dessa situação não vai na direção de fazeruma interpretação da condição do colono, como se pelo seu desenraizamento ele sópudesse fracassar. De certa maneira todos os que vieram no caminho da imigraçãoprecisaram trabalhar a questão das promessas e da orig<strong>em</strong>.O laço simbólico do qual falávamos é o que organiza nossas relações, é o quefaz o reconhecimento do outro enquanto um s<strong>em</strong>elhante, permitindo umaconvivência possível. Nas situações <strong>em</strong> que esse laço sofre rupturas, se enfraquece,rapidamente aparece a tendência da relação passar a ser orientada pela força e pelodomínio. O Mucker já não é mais o colono, mas o fanático, o monstro, o sanguinário.Surge aí um probl<strong>em</strong>a real na distribuição dos lugares, propiciando a configuraçãode um confronto que não aceita nenhum tipo de pacto viável.Freud, a propósito da exclusão nos grupos sociais, nos diz: “s<strong>em</strong>pre sepoderá vincular amorosamente entre si um maior número de homens, com acondição de que sobr<strong>em</strong> outros <strong>em</strong> qu<strong>em</strong> descarregar os golpes”. Fala dascomunidades vizinhas e ainda aparentadas como os que mais combat<strong>em</strong> edesdenham entre si, fenômenos que chamou de narcisismo das pequenas diferenças.Lacan retoma a questão do narcisismo das pequenas diferenças ressaltando aimportância desta proposição freudiana, na medida <strong>em</strong> que nesta “pequenadiferença” articula-se tanto uma função simbólica, um traço que nos singulariza,quanto a mirag<strong>em</strong> do narcisismo, que acena com um horizonte de eliminação: “ou euou o outro”. É também aí que se joga a diferença entre identificação e identidade, nasubjetividade.70Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Voltando aos nossos colonos, talvez possamos pensar que algo do efeito deintolerância v<strong>em</strong> na relação ao narcisismo, resultando no caminho da paranóia.A designação Mucker diz da passag<strong>em</strong> de um s<strong>em</strong>elhante para o lugar doinimigo, e o revide Mucker evoca algo do especular no sentido de acabar sendo o queo outro vê nele - o herege, o monstro, o assassino, etc.ConclusãoCom esses aportes sobre a questão da imigração <strong>em</strong> nosso país que atravésda história dos Muckers tentamos destacar, gostaria somente de pôr <strong>em</strong> contato asdificuldades quanto a sustentação subjetiva, as incidências de ord<strong>em</strong>social/simbólica e a resposta na violência com aquilo que parece também aí incidirou coincidir: a imposição de um laço nas situações coloniais, cuja única via é tambémtraçada pela violência, e seus efeitos.Isso me v<strong>em</strong> a partir da interrogação: <strong>em</strong> que medida nossa subjetividadepode ser comandada por um efeito colonial? (do texto de Melman – “Complexe deColomb”).Se pensarmos, como ali proposto, o colonialismo como a dificuldade detomar o real de outra maneira do que pelos parâmetros que nos são familiares, aposição dos religiosos oficiais católicos e protestantes frente à religiosidade colonados primeiros t<strong>em</strong>pos pode ser ex<strong>em</strong>plar.Se tomarmos <strong>em</strong> conta o lugar <strong>em</strong> que esse colono imigrante é recebido naesteira do colonialismo, na substituição do lugar escravo <strong>em</strong> uma certa condição derecalque, não é de espantar a resolução pela força e pelo domínio, pois qu<strong>em</strong> porta amarca do escravo não t<strong>em</strong> a condição de s<strong>em</strong>elhante.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 71


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Considerando ainda que o episódio Mucker ficou como um mal-estar, umresto, falado no tom de um ressurgimento violento, talvez a irrupção messiânicaveiculada pelo significante Mucker valha como o apontamento de um sintoma destaimigração marcada pela herança colonial.Inúmeros movimentos dos chamados colonos s<strong>em</strong>-terra tomaram por todo oBrasil, até hoje, o caminho dos messianismos. Alguns também exterminados.Resíduos intratáveis, diz<strong>em</strong> os antropólogos. Assim como esse corpo de mulher,decapitado, s<strong>em</strong> nome, encontrado na estrada, assim como as chacinas dos meninosde rua, o extermínio nas favelas, os sacrifícios hum<strong>ano</strong>s e a proliferação de seitasreligiosas. Restos que envolv<strong>em</strong> mais do que a terra ou o território, questões relativasà cidadania.72Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408A religião <strong>em</strong> “A Paixão de Jacobina” *Por Joe Marçal Gonçalves. dos Santos **Resumo:Neste texto, procuro desenvolver uma reflexão acerca da religiosidade protestante a partir dapersonag<strong>em</strong> principal do filme “A Paixão de Jacobina”. Exploro a relação de cumplicidade e,ao mesmo t<strong>em</strong>po, ambigüidade entre o pl<strong>ano</strong> antropológico e o teológico prefigurado numarelação com o Sagrado <strong>em</strong> que se instaura a contradição, o conflito e o juízo, <strong>em</strong> lugar dasimultaneidade e da graça que caracteriza a teologia luterana. Por fim, aponto para além dofilme com considerações hipotéticas a respeito do fenômeno social dos Muckers comoex<strong>em</strong>plo histórico de uma certa incompatibilidade entre a teologia protestante e osmovimentos religiosos de massa.Para fazer justiça ao próprio filme, a primeira consideração que faço é sobr<strong>em</strong>eu próprio olhar - tendo <strong>em</strong> vista que o filme se recomenda, conforme o própriodiretor Fábio Barreto, a olhares mais distraídos, buscando uma ponta de reflexão.Devo confessar, infelizmente, que não fui muito convencido pela distração etampouco encontrei a ponta de reflexão que o diretor se propunha - daí minha opçãopor uma reflexão mais “a partir de” que do próprio filme.Dito isso, há que se considerar o evento Mucker <strong>em</strong> si, narrado e visualizado(incluindo aí pontos de vista) pelo filme. Quer dizer, mesmo querendo exercer umolhar especificamente teológico, não dá para não se deixar atravessar por el<strong>em</strong>entospsicanalíticos, sociológicos, históricos, e poéticos, imaginários, fantásticos.Inclusive, essa pluralidade de olhares é, por si mesma, característica docin<strong>em</strong>a, sendo o caso de “A paixão de Jacobina”, tratado dentro de um encontro de* Texto apresentado no I S<strong>em</strong>inário de Estudos do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> - Apaixão (e a religião) de Jacobina: debates sobre o movimento Mucker, Escola Superior de Teologia, SãoLeopoldo, 20 e 21 de nov<strong>em</strong>bro de 20<strong>02</strong>.** O autor é doutorando <strong>em</strong> Teologia, sob o t<strong>em</strong>a da teologia da cultura audiovisual (<strong>EST</strong>/CAPES).Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 73


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408discussão acerca do movimento Mucker, endossado pela ressalva de Janaína Amado<strong>em</strong> Conflitos sociais no Brasil: “Os movimentos messiânicos confund<strong>em</strong>... É precisopenetrar dentro da ‘loucura’ e da ‘<strong>ano</strong>rmalidade’ para, centrado ali, conseguirperceber conexões, funções e significados” 1 . Nesse sentido, o próprio filme, enquantodiscurso audiovisual sobre o movimento Mucker, é uma narração que se quer, ao seumodo, mergulhada na “loucura” e na “<strong>ano</strong>rmalidade”, pressupondo e exigindo ummesmo mergulho do público que o assiste.Na verdade, o terreno que estamos pisando, <strong>em</strong> se tratando de cin<strong>em</strong>a e de“movimento Mucker”, é o do simbólico, do mágico, das transfigurações de eventos egeografias pelo sonho. A vocação do cin<strong>em</strong>a é ser um meio catártico e revelador porexcelência; sua capacidade “mitológica” lhe permite ser documento do espírito desua época. E isso, mesmo ao se tratar de um filme passível de uma classificação comoo de “cin<strong>em</strong>a-escola” 2 , e mesmo que se possa questionar o quanto o próprio filmepenetrou devidamente na “loucura” e na “<strong>ano</strong>rmalidade” que procura representar 3 .Assim, é sob toda essa imprecisão que o filme de Fábio Barreto coloca areligião de Jacobina Mentz Maurer sob um ponto de vista inaudito: de sua paixão, desua sensualidade, sua intimidade e sua loucura. A proposta do filme,definitivamente, não é uma revisão histórica e conceitual, mas, sim, umaromantização declarada de um mito 4 .1 Janaína AMADO, Conflito social no Brasil: a revolta dos ’Muckers’, p.17,18.2 Ao lado de produções como "Mauá, o imperador do Brasil" entre outros.3 Uma questão que eu mesmo levanto: <strong>em</strong> que medida “A paixão de Jacobina” consegue dar contado t<strong>em</strong>a que se propõe? Achei o filme, <strong>em</strong> boa medida, desapaixonado e, <strong>em</strong> seu desdobramentonarrativo, acaba cedendo à construção histórica dos eventos, o que acaba inevitavelmente fazendomal, pois se quer um filme sobre a paixão de uma mulher. Em palavras b<strong>em</strong> simples, é complicadopara um filme sobre o amor de duas pessoas que morr<strong>em</strong> no “fogo” de sua paixão não fazerapaixonar e queimar algo dentro da gente mesmo.4 Com “romantização” não estou querendo ser necessariamente taxativo; o caso de “O Quatrilho”(do mesmo cineasta), por ex<strong>em</strong>plo, poucas suspeitas sobre o filme foram levantadas quanto a sua“veracidade histórica”. O probl<strong>em</strong>a, então, se revela um debate historiográfico no que diz respeitoao audiovisual como objeto de investigação do historiador, que se nega ser tratado comodocumento textual e evidencia o complexo jogo de objetividade e subjetividade na construção denarrativas e representações históricas (cf. discussão <strong>em</strong> Andrea Paula dos SANTOS, O audiovisual74Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Dito também isso, proponho uma reflexão enfocando este “núcleo”narrativo, a personag<strong>em</strong> de Jacobina. A pergunta que trago comigo, antes da própriareligião, é acerca da paixão que atinge Jacobina e (re)define sua vida completamentee sua teologia, expressando-se exclusivamente no ato religioso. O que reflete daprópria Jacobina a religião, a pregação, a visão de mundo que promove? Se suapaixão está assim tão interligada com sua religião, que implicações têm o dualismo, osentimento de “fins dos t<strong>em</strong>pos”, as visões e os êxtases para si mesma no que dizrespeito a sua corporeidade, a constituição de si mesma? Assim, a reflexão queproponho quer explorar a cumplicidade entre teologia e antropologia e suasimplicações mútuas, na direção dada pelo filme: da ambigüidade entre o pl<strong>ano</strong>antropológico e o teológico prefigurado numa relação com o sagrado <strong>em</strong> que seinstaura a contradição e o conflito <strong>em</strong> lugar da simultaneidade e da graça.Primeiramente, mesmo o público do filme não é poupado de umaambigüidade fundamental que evoca a narrativa: Jacobina é louca ou santa? T<strong>em</strong>uma doença ou um dom? Sua paixão é carnal ou espiritual? É corpo ou espírito? Oepisódio dos Muckers, como tal, depende desta ambigüidade 5 , que o filme não sósugere como mantém s<strong>em</strong> definitivas, com exceção de um aspecto: se não é passívelde solução a dubiedade de Jacobina, se não há como resolver se trata-se de algolegítimo ou não, certo é que são alternativas opostas, relacionadas e simultâneasdentro de uma mesma personalidade. Disso consiste a ambigüidade de Jacobina, deonde <strong>em</strong>ana também sua aura sagrada: o que para o pastor é vestir-se como umaprostituta, para o devoto é tornar-se apenas alma.Aqui, porém, uma dualidade se impõe no interior da própria personag<strong>em</strong>:<strong>em</strong> detrimento de sua ambivalência, ela se entende dentro de um processo deabandono de um el<strong>em</strong>ento para permanecer apenas com outro. Isto é, a missão deJacobina, levada a efeito, implica num despojar-se, numa desencarnação idealizada ecomo documento histórico: questões acerca de seu estudo e produção. Disponível na Internet <strong>em</strong>http://www.mn<strong>em</strong>ocine.com.br, 23.06.20<strong>02</strong>).5 Cf. Janaína AMADO, Conflito social no Brasil: a revolta dos ‘Muckers’, p.289-90.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 75


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408contraditória, expressa na cena <strong>em</strong> que se entrega a Jesus: Jacobina, indiferente àfilha, permanece numa atitude extática <strong>em</strong> seu quarto, quando t<strong>em</strong> a visão de umacruz sustentando o Cristo crucificado, surgindo <strong>em</strong> meio à luz; caminha até a cruz,toca o corpo de Jesus, se despe e se entrega ao Cristo. A sensualidade da nudez, aexcitação do toque, a declaração verbalizada contrasta com a luz excessiva, que, aomesmo t<strong>em</strong>po, <strong>em</strong> que sugere pureza, permite contornos e sombras do corpo nu deJacobina e do Jesus entalhado na madeira. Embora a personag<strong>em</strong> entendaexperimentar ali um novo nascimento, as imagens confund<strong>em</strong> mística e sexoexigindo a permanência da ambigüidade mesmo e justamente quando se pensa estarsuperando-a religiosamente.Assim, a religião, a santidade, a missão de Jacobina se impõeheteronomamente, isto é, como um princípio externo que, se fazendo próprio,pretende sufocar tudo o que a liga a sua carnalidade, sua paixão, sua vida - coisas,então, tidas agora como “exteriores”, <strong>em</strong>bora sejam tão íntimas. Visto assim, o“movimento” nasce e explode no interior de Jacobina, e progressivamente vaiassimilando as implicações s<strong>em</strong>pre mais amplas desta ambigüidade e deste conflitoque ela experimenta <strong>em</strong> si mesma. Isto é, acontece um “reordenamento” do mundo apartir de uma religião tão intensa quanto a paixão que oculta: à sua paixão “carnal”pelo primo e a relativa culpa, segue a um desprezo do corpo que toma proporções deum abandono do mundo e, logo, numa guerra contra o mundo. Sua paixão“espiritual” por Jesus e a relativa expiação levam Jacobina a ser “apenas espírito”, oque se redimensiona numa comunidade espiritual, de pessoas separadas e escolhidascomo justas, logo, legítima e efetivamente “contra” os não separados e nãoescolhidos. S<strong>em</strong> levar <strong>em</strong> conta sua própria ambigüidade, a imediação do sagradoleva inevitavelmente a uma estrutura idolátrica de fanatismo e sectarismo, aidentificação concreta do sagrado aqui e agora.76Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408A novidade que o filme traz sobre estes el<strong>em</strong>entos típicos de “movimentosmessiânicos” 6 está na interpretação do mito messiânico <strong>em</strong> torno da personag<strong>em</strong>Jacobina, o “Cristo Mulher”: sua santidade (divina para uns, d<strong>em</strong>oníaca para outros)e sua lascívia, igualmente intensas e avassaladoras, são movidas por uma mesma“paixão”. Jacobina, quando nega a si mesma, ainda que radicalmente e <strong>em</strong> favor deoutros, o faz “apaixonadamente” <strong>em</strong> causa própria. Isto é, ainda que dada nosmoldes heterônomos de religiosidade fanática e sectária, o messiado de Jacobinanasce de um impulso de autonomia primeiramente bastante subjetivo, mas que acabaagregando <strong>em</strong> torno de si uma causa e uma multidão de seguidores. E,definitivamente, isso nos coloca diante da fonte de todo o probl<strong>em</strong>a: a ambigüidadeentre el<strong>em</strong>entos antropológicos e teológicos assumidos numa relação de oposiçãoexcludente, caindo na hybris enquanto "inchaço" da virtude a ponto de torná-laviciosa.Esta ambigüidade fundamental para qual aponto, de alguma forma, implic<strong>ano</strong> reconhecimento de uma compl<strong>em</strong>entação, ainda que <strong>em</strong> oposição, dacomunidade externa ao círculo “Mucker” ao próprio movimento. S<strong>em</strong> esta força,digamos, centrífuga, a constituição (centrípeta) do messiado de Jacobina seriaimpossível. É bom l<strong>em</strong>brar, indo um pouco além do próprio filme, que o movimentoMucker é um test<strong>em</strong>unho histórico tanto do surgimento, crescimento e quasecompleta dizimação de um grupo religioso, quanto da situação sócio-cultural a qualpertence este movimento, de desapropriação, <strong>em</strong>pobrecimento e surgimento de algoinusitado tanto para a vida social como religiosa: uma população <strong>em</strong>pobrecida nacolônia de imigrantes, a qual sugiro referir como “massa”, <strong>em</strong> oposição a uma eliteeconômica <strong>em</strong> ascensão.6 Três características principais constitu<strong>em</strong> o “movimento messiânico” que o filme também insere<strong>em</strong> sua narrativa: (1) a expectativa de fim dos t<strong>em</strong>pos iminente com a inauguração de um novot<strong>em</strong>po, (2) uma liderança carismática que represente o novo ensino/nova humanidade, e (3) aconstrução de um novo espaço social <strong>em</strong> que estes el<strong>em</strong>entos se concretiz<strong>em</strong>. (Cf. JanaínaAMADO, Conflito social no Brasil: a revolta dos ‘Muckers’, p.279, nota ‘1’).Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 77


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Ou seja, o “reordenamento do mundo” que Jacobina experimenta écorrelativo à nova ord<strong>em</strong> social que surgia, que ela experimentava pela situação d<strong>em</strong>enina e mulher imigrante <strong>em</strong> si e agravada pelas reconfigurações sociais que acolônia experimentava. É certo que o filme pouco cont<strong>em</strong>pla essa questão,desencarnando sensivelmente a “paixão/religião” de Jacobina de seu contextopolítico e social. Porém, vale l<strong>em</strong>brar a ocasião <strong>em</strong> que se dá o diálogo entre o pastore Jacobina, logo depois de sua primeira experiência, quando ouve a voz de Jesus:J: “Falei com Jesus...” / P: “Ele fala a todos nós...” / J: “Ele disse quesou especial...” / P: “Aos seus olhos, todos somos...” / J: “Pastor, osenhor não está me entendendo...”Este diálogo preconiza toda a inevitável incompreensão, mas também asignificativa cumplicidade entre a colônia e a comunidade Mucker, entre o culto doFerrabraz e o culto oficial, entra a teologia de Jacobina e a teologia do pastor. Ateologia hiperinclusivista do pastor já não legitima, já não faz eco, já não alcança asnecessidades, as carências e os interesses de Jacobina e a população que elarepresenta. Para Jacobina, a experiência religiosa deveria reconstituir seu centropessoal e não, ao contrário, diluí-la numa comunidade a qual já não pertence, numaexperiência que não é sua.Se para Jacobina, a confluência de paixão e religião t<strong>em</strong> um papel catártico, omesmo acontece para o próprio movimento, que toma a forma de um fenômenocatártico de massa <strong>em</strong> que religião e paixão se entrelaçam, contaminam, formam edeformam. Se há algo de doentio e heterônomo nessas manifestações, há que sel<strong>em</strong>brar do que a representação da personag<strong>em</strong> de Jacobina indica: o el<strong>em</strong>ento deautonomia que sai <strong>em</strong> busca de sua própria constituição. Essa busca é legítima e deveser resguardada, e poderia ser entendida, dentro da tradição teológica protestante,como um movimento também de protesto, que acaba tomando proporções (d<strong>em</strong>ovimento, de revolta) que julgam não isoladamente alguns fatores, mas toda umasituação sócio-cultural.78Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Jacobina figura, então, neste filme, um ícone trágico de um messianismo quesurge como protesto legítimo. Pois, a loucura e a <strong>ano</strong>rmalidade não deveriam ser oteologicamente escandaloso, pois estes são el<strong>em</strong>entos legítimos da religião, e opróprio cristianismo deita aí suas raízes. O probl<strong>em</strong>a também não deveria ser o fatode Jacobina ter encontrado <strong>em</strong> sua paixão a sua religião, <strong>em</strong> seu corpo o seu espírito,<strong>em</strong> sua d<strong>em</strong>ência a sua razão, pois a “encarnação” e a “simultaneidade” sãoprincípios fundamentais do cristianismo e do protestantismo. O trágico está no fatode a “graça almejada” de Jacobina tornar-se, para ela, a sua desgraça, conforme ofinal do filme: o dia da purificação se consuma, mas o fogo purificador é aoportunidade derradeira de viver o seu amor, morrendo <strong>em</strong> seus braços, e alitermina tudo. Pensando <strong>em</strong> termos de teologia protestante, a sua religião passoulonge de lhe dar condições de viver sua humanidade, e pretendendo vencer suaambigüidade tornou-se não apenas ambígua, mas psíquica, moral e religiosamenteabalada, contraditória e conflitiva. Fica, finalmente, a questão se a crise religiosa queo fenômeno social dos Muckers traz consigo, representado <strong>em</strong> “A paixão deJacobina”, não seria um ex<strong>em</strong>plo expressivo, também hoje, da incompatibilidadeentre a teologia protestante e os movimentos de massa.Créditos e referências bibliográficasA Paixão de Jacobina, 20<strong>02</strong>. 100 minutos. Direção: Fábio Barreto. Produção: Lucy Barreto e LuizCarlos Barreto. Música: Jaques Morelenbaum. Fotografia: Felix Monti. Direção de Arte: HélioEichbauer.AMADO, Janaína. Conflito social no Brasil: a revolta dos ‘Muckers’. São Paulo: Símbolo, 1978.CAMARGO, César S. Os “Muckers”: movimento messiânico protestante no Brasil. Simpósio. v. 7,n. 33, dez<strong>em</strong>bro de 1990. p. 26-38.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 79


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408O Ferrabraz:um veículo de representações anti-Mucker (1950-1965)Por Daniel Luci<strong>ano</strong> Gevehr *Resumo:Este artigo t<strong>em</strong> por finalidade analisar as formas de representação do movimento Mucker naimprensa local. Nesse sentido, buscamos relacionar as representações criadas por LeopoldoSefrin no jornal O Ferrabraz com o contexto sapiranguense das décadas de 1950 e 1960,período durante o qual essas idéias se faziam presentes. Da mesma forma, analisamos comoessas representações influenciaram na construção do imaginário social da comunidade local,rel<strong>em</strong>brando os acontecimentos do passado e r<strong>em</strong>etendo o leitor do jornal a distinguir doismundos distintos: o mundo Mucker como sinônimo de barbárie e o momento atual que sevivia, representado como ex<strong>em</strong>plo de civilização. Esta comunicação t<strong>em</strong> por finalidadeanalisar as formas de representação do movimento Mucker na imprensa sapiranguense,entre as décadas de 1950 e 1965, através de seu jornal local, O Ferrabraz.O Jornal: duas fasesPrimeiramente, a análise das representações veiculadas pelo jornal OFerrabraz deve considerar o contexto no qual o mesmo se insere, na medida <strong>em</strong> quepretend<strong>em</strong>os compreender os motivos que levaram a sociedade sapiranguense arel<strong>em</strong>brar os acontecimentos que envolveram os colonos do Ferrabraz, passadoscerca de oitenta <strong>ano</strong>s.* Licenciado <strong>em</strong> História e Mestrando <strong>em</strong> História Latino-Americana pela UNISINOS, São Leopoldo,RS.1 Movimento ocorrido no final do século XIX, na antiga Colônia de São Leopoldo, atual municípiode Sapiranga, envolvendo um grupo de colonos al<strong>em</strong>ães, que supostamente estariam formandouma nova seita religiosa, de caráter messiânico, liderada por Jacobina Mentz Maurer e seu maridoJoão Jorge Maurer. O conflito acaba com o extermínio destes colonos, pelas forças oficiais, no <strong>ano</strong>de 1874, que se afirmando <strong>em</strong> nome da ord<strong>em</strong> e do progresso, eliminaram os colonos envolvidosno conflito.80Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Quanto à trajetória do jornal pod<strong>em</strong>os apontar duas fases distintas natrajetória percorrida pelo jornal O Ferrabraz. A primeira fase, e sobre a qual maisinteressa-nos saber, começa com sua fundação, <strong>em</strong> 1º de dez<strong>em</strong>bro de 1949, sob adireção de Guilherme José Powolny, nascido na Al<strong>em</strong>anha, no <strong>ano</strong> de 1904. Powolnyveio para o Brasil com apenas quatro <strong>ano</strong>s de idade, vivendo grande parte de suajuventude <strong>em</strong> Porto Alegre. Tipógrafo de profissão, Powolny foi diretor eproprietário da Gráfica Sapiranga Ltda. e também diretor do jornal O Ferrabraz.Porém, o fato de ser estrangeiro, obrigou-o, por motivos legais, a colocaroficialmente outra pessoa como proprietário oficial de seu jornal. Esta pessoa foiLeopoldo Luís Sefrin (filho de Leopoldo Sefrin), que, na verdade, servia apenas comofachada para seu verdadeiro dono, Guilherme José Powolny.Durante dez <strong>ano</strong>s, Powolny, Nordhausen e Tito Lima foram os responsáveispela edição mensal do jornal, que contava ainda com a colaboração de pessoas dolocal e tinha como filosofia, “publicar as notícias de interesse coletivo da população de SãoLeopoldo”.A segunda fase do jornal corresponde ao período <strong>em</strong> que Olival Monteiroassumiu sua direção. Este recebe gratuitamente, <strong>em</strong> 1961, o jornal do filho deGuilherme Powolny, <strong>em</strong> função da morte de seu pai. A partir deste momento, ojornal passa a ser quinzenal e não mais mensal como na primeira fase, sendo editadoaté o <strong>ano</strong> de 1969, <strong>ano</strong> <strong>em</strong> que t<strong>em</strong> suas edições encerradas por motivo de censura,podendo ser reaberto apenas <strong>em</strong> 1975.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 81


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Público leitor e linha editorialSegundo Peters 2 , o jornal seguia uma linha editorial claramente moralista econservadora. Podendo-se atribuir tais características também aos seus leitores, econseqüent<strong>em</strong>ente à sociedade que compunha Sapiranga neste período. Formadabasicamente por descendentes de imigrantes al<strong>em</strong>ães, a Sapiranga deste momentocaracteriza-se por seus rígidos padrões morais que inclu<strong>em</strong> a observância de boaconduta e severidade com relação a tudo aquilo que ocasionasse mudanças nestespadrões pré-estabelecidos.Analisando o ambiente vivido pelos sapiranguenses na década de 50,verificamos que havia na mentalidade local um grande sentimento de pertencimentoà cultura germânica, desprezando aquilo que é tido como cultura dos “brasileiros”,ou seja, dos não descendentes de al<strong>em</strong>ães. Estas afirmações ficam mais evidentes seanalisarmos o perfil da imprensa local b<strong>em</strong> como a conduta assumida por seusmoradores.Pod<strong>em</strong>os acompanhar um pequeno trecho do jornal, que comprova a suaposição conservadora e moralista:Não acreditamos que se consiga conceito e crédito junto `a opiniãopública, se não noticiarmos escrevendo, s<strong>em</strong>pre a verdade.Agora completada com grau máximo dez, com a realização por nósda levada a efeito com a maior lisura e honestidade, à PRÉVIAELEITORAL <strong>em</strong> nossa cidade.T<strong>em</strong>os uma doutrina perfeitamente delineada e diretrizes de açãos<strong>em</strong>pre perfeitamente definidas, determinando com acerto, nossoponto de vista para a implantação do império da VERDADE <strong>em</strong>nossos escritos.E como nos é confortador verificar a sintonia de nossos pensamentoscom o nosso povo. (grifos nossos), (O FERRABRAZ, p. 01, nº 167,15/10/1962)2 PETERS, Karin. Ferrabraz Ont<strong>em</strong> e Hoje. São Leopoldo, 1982. Trabalho de Conclusão, Curso deComunicação Social: Habilitação <strong>em</strong> Jornalismo, Centro de Ciências da Comunicação, UNISINOS.82Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Sefrin e o imaginário acerca dos MuckerValendo-se, portanto, do respaldo de seus leitores, o jornal afirma-se como omeio oficial de divulgação de notícias da cidade, representando o pensamento deseus cidadãos. É exatamente neste contexto político e ideológico que encontramos osartigos referentes ao movimento Mucker. Estes aspectos desenvolvidos até omomento poderão ser melhor compreendidos se analisarmos os artigos sobre osMuckers, de autoria de Leopoldo Sefrin. Nascido <strong>em</strong> São Leopoldo, Sefrin transferiusepara Sapiranga <strong>em</strong> 1941, quando recebeu a concessão do cartório de Sapiranga.Era considerado um hom<strong>em</strong> de conduta conservadora e moralista, bastante atuantena comunidade católica local. É principalmente a partir da concepção de Sefrin,materializada através de seus artigos, que a população construía um determinadoimaginário acerca dos Muckers.A leitura dos artigos de Sefrin aponta para sua intenção de difamar a imag<strong>em</strong>dos Muckers, oitenta <strong>ano</strong>s após o desfecho do conflito, encontrando-se consonânciaentre o seu pensamento e as idéias publicadas pelo Padre Ambrósio Schupp <strong>em</strong> seulivro “Os Muckers”. Ao que tudo indica esta era a obra na qual Sefrin baseava-separa escrever seus artigos, além, é claro, de valer-se dos test<strong>em</strong>unhos desobreviventes do conflito, que contavam a sua própria versão dos acontecimentos 3 .Existência de dois mundosDesta forma, observando o caráter cívico e moralista do jornal, t<strong>em</strong>os umaidéia da linha editorial seguida pelo Ferrabraz, no período analisado. As idéiasveiculadas na imprensa revelam a intenção de apresentar para o leitor a existência dedois mundos. O primeiro é o mundo Mucker, caracterizado pelo desregramento, pelaviolência e pelo afastamento do convívio social. O segundo é o mundo que se vivianaquele momento, ou seja, o ambiente no qual insere-se o próprio jornal e seus3 Deve-se l<strong>em</strong>brar, que estes eram sobreviventes do lado oposto ao dos Muckers.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 83


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408leitores, este caracterizado pelo civismo, pela cidadania, pelo respeito aos bonscostumes e a preservação da cultura germânica, fort<strong>em</strong>ente presente no momento <strong>em</strong>questão.O jornal, seguindo uma ideologia que definimos como moralista econservadora, retrata os colonos envolvidos no movimento Mucker de formabastante categórica e definitiva, não deixando <strong>em</strong> nenhum momento, espaço para areflexão do próprio leitor. As colocações feitas apontam para o objetivo de imprimirnestes leitores a idéia de que realmente os Muckers não passaram de fanáticos,selvagens e violentos.Representação sobre os Muckers: violência e obscuridadeA partir da criação de uma representação dos Muckers, ligada à violência e àobscuridade, torna-se inteligível o objetivo, e mais, a ideologia presente nest<strong>em</strong>omento, não somente por parte de qu<strong>em</strong> escreve os textos para o jornal, mastambém a mentalidade e o imaginário de toda uma população, que reproduzindo asidéias do veículo oficial de informação da cidade, o jornal, acaba por assimilar ereproduzir esta mesma representação criada.Entendendo estes artigos como textos, que têm um significado e um contextosócio-histórico, buscamos entender no seu conjunto, el<strong>em</strong>entos da linguag<strong>em</strong>,utilizados por Sefrin na construção de seu discurso. Como ex<strong>em</strong>plos de suas criaçõescitamos alguns artigos como Um pouco de humor na tragédia, Novos Crimes, OCurandeiro e Violenta ação dos Muckers, entre outros.84Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Intenção do discurso e da narrativa dos fatosEm função da brevidade desta comunicação selecionamos alguns artigospara exposição, que d<strong>em</strong>onstram a forma como Sefrin elaborou seu discurso,veiculando representações que chamamos de anti-Muckers, que tinham a pretensãode influenciar o imaginário social sapiranguense.No Ferrabraz se pratica a Religião 4 , artigo publicado no dia 31 de julho de 1951,traz consigo notícias referentes aos cultos ministrados por Jacobina nos altos doFerrabraz. Neste artigo, perceb<strong>em</strong>os o tom irônico das palavras, que <strong>em</strong> últimaanálise, buscam satirizar e debochar dos cultos religiosos dos Muckers. Utiliza-separa tanto, de algumas descrições cuja veracidade é bastante suspeita, uma vez quesão extraídas de fontes questionáveis, ou seja, dos depoentes contrários aos Muckers.Todavia, acompanh<strong>em</strong>os estes fatos narrados pelo autor. Certo dia, Jacobina,encontrando-se <strong>em</strong> seu quarto, viu através de uma fresta a aproximação de doiscavaleiros. Nervosa e alterada, esta saiu de seu quarto e dirigiu-se à sala, onde seencontravam seus adeptos que esperavam pelo início do culto. Jacobina teria olhadopara todos e dito que logo chegariam mais dois cavaleiros amigos. Quando esteschegam, causam espanto entre os presentes, contribuindo ainda mais para a crençade seus poderes inexplicáveis. Em síntese, este artigo trata das características do cultoliderado por Jacobina, que seguia, segundo o autor, falsas ideologias e visavaenganar seus adeptos, retirando-os da vida <strong>em</strong> comunidade.Os Muckers não respeitavam n<strong>em</strong> mesmo parentes e amigos. Esta é a notíciapublicada no mês de maio de 1952 5 , trazendo na capa, o artigo Violenta ação dosMuckers.Em artigos anteriores já foi mencionado que na sua sanha dedestruição os Muckers, não conheciam n<strong>em</strong> respeitavam parentes ouamigos. Qu<strong>em</strong> não pactuasse com êles era seu enimigo.4 O FERRABRAZ, nº 21, 31 de julho de 1951.5 O FERRABRAZ, nº 31, maio de 1952.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 85


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Para êles o não pertencer ao bando ou o que era pior, retirar-se dêle éum crime que só podia ser perdoado com a morte do indivíduo. Eprecisamente esta foi a pena que teve que sofrer uma famíliaresidente <strong>em</strong> Campo Bom. (O FERRABRAZ, nº 31, maio de 1952).Este artigo fala de mais um dos tantos assassinatos atribuídos aos Muckers.Desta vez, refere-se ao assassinato de dois parentes de Jacobina, Jacob Maurer eGuilherme Maurer, mortos por tiros <strong>em</strong> uma <strong>em</strong>boscada sofrida numa noite fria deinverno, quando várias famílias da região estavam reunidas na casa do tio deJacobina, João Jorge Maurer, já t<strong>em</strong>endo ataques por negar<strong>em</strong>-se a entrar para a“seita” do Ferrabraz. A autoria deste ataque é mais uma vez atribuída aos Muckers.Porém não exist<strong>em</strong> provas que possam comprovar tal fato, fica então nossoquestionamento: Será que, realmente o grupo atacaria a casa de parentes seus, edispararia tiros contra seus familiares, ou existiria outro motivo que fazia despertar omedo destas famílias <strong>em</strong> relação aos seus parentes Muckers. Não seriam talvez oscontrários aos Muckers, espalhando o terror pela região para depois usá-los comoprova contra os Muckers. Mais uma vez, ficamos com simples suposições.Jacobina “A Endiabrada” torna-se alvo das críticasA Filmag<strong>em</strong> do Episódio dos “Muckers” 6 , nos possibilita uma análise críticabastante interessante, tal é o seu conteúdo ideológico. O autor ocupa-se, neste artigo,<strong>em</strong> escrever sobre os preparativos que serão feitos para a filmag<strong>em</strong> do filme que iráretratar uma das mais tristes páginas do Rio Grande do Sul. Ao escrever a este respeito,caracteriza os colonos simplesmente como vítimas dos ataques Muckers, sendo estesconsiderados como pacatos colonos que viviam de forma pacífica e querepentinamente se viram atacados e hostilizados por se negar<strong>em</strong> a entrar para a“seita” de Jacobina. O autor utiliza-se das informações de uma test<strong>em</strong>unha cujonome é preservado, levando-nos a questionar sua validade, pois dev<strong>em</strong>os l<strong>em</strong>brar,que como nosso autor segue uma linha de análise bastante conservadora, baseando-6 O FERRABRAZ, nº 82, 18 de maio de 1956.86Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408se comumente <strong>em</strong> Ambrósio Schupp para escrever seus textos, este deve também seutilizar de test<strong>em</strong>unhas que provavelmente dev<strong>em</strong> ser oponentes dos Muckers, ouseja, que são sobreviventes ou descendentes de pessoas que eram rivais dos Muckers.Jacobina parece ser o alvo das críticas neste artigo, que chega a afirmar queesta era “endiabrada”, referindo-se as ordens dadas por Jacobina durante a luta entreo exército e os Muckers. Neste sentido, o autor afirma:Os mensageiros iam e vinham do campo da luta e do reduto deJacobina com incrível rapidez e seguimento e, quando levaram àendiabrada Jacobina a notícia de que o tiroteio, por falta de cartuchosafrouxara, Jacobina mais os incitou a combater, porque, dizia ela,referindo textos sagrados, os sitiantes não ganhariam a parada.(grifos nossos) (O FERRABRAZ, nº 82, 18/05/1956)Imag<strong>em</strong> veiculada sobre os Muckers: obstinados e fanáticosFinalmente, dev<strong>em</strong>os pensar no impacto que estas notícias veiculadas pelojornal causaram na população, que revivia os “sórdidos” ataques dos Muckers, sobreas “inocentes” famílias do Ferrabraz, uma vez que o jornal veiculava as notícias sobreos Muckers, representando-os como verdadeiros obstinados e fanáticos <strong>em</strong> pregaçõesreligiosas que contrariavam o pensamento oficial, ou seja, da Igreja e dos meiosoficiais de poder. Neste sentido, recria-se, através dos artigos publicados pelo jornal aimag<strong>em</strong> denegrida dos Muckers, que na verdade repete a visão que se tinha doconflito no final do século XIX, contribuindo assim para a formação de umimaginário coletivo que legitimava os Muckers como os verdadeiros e únicosculpados dos acontecimentos, o que fica evidente através das representaçõesconstruídas por Sefrin na imprensa local.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 87


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Cartas de Jacobina e documentos do episódio MuckerPor Adilson Schultz *Resumo:O texto apresenta o conteúdo integral de seis documentos referente aos Muckers, de 1873 e1874: 1. Carta de Jacobina a seu irmão Franz Mentz; 2. Abaixo-assinado de colonos deSapiranga solicitando intervenção policial contra os Muckers; 3. Abaixo-assinado dosMuckers r<strong>em</strong>etido ao Imperador D. Pedro II ; 4. Carta de Carolina Mentz a seu primo LúcioSchreiner, delegado de polícia de São Leopoldo; 5. Carta de Jacobina a seu primo LucioSchreiner; 6. Carta de Jacobina a seu primo Mathias Schröder. Alguns documentos v<strong>em</strong>acompanhados de breves explicações, visando localizá-los historicamente.IntroduçãoGrande parte da pesquisa atual sobre o movimento Mucker baseia-se <strong>em</strong>fontes secundárias. Faz<strong>em</strong> parte dessas fontes alguns livros que são referência paratodas as áreas do conhecimento, da História à Teologia, entre eles os de LeopoldoPetry, Moacyr Domingues, Ambrósio Schupp e Janaína Amado. Naturalmente, todosos livros tec<strong>em</strong> seus comentários sobre como compreend<strong>em</strong> o evento Mucker, ora deforma inquisitória, ora apologética, ora tentando a máxima imparcialidade.A grande riqueza dessas obras, no entanto, está <strong>em</strong> que elas publicam nãoapenas opiniões, mas também documentos sobre os Muckers. Revirando arquivoshistóricos do governo do RS, do governo Imperial, da Igreja Evangélica Luterana, daIgreja Católica, dos jornais da época, de fóruns judiciais e/ou acervos pessoais, essespesquisadores descobriram inúmeros documentos que registram os acontecimentosdo evento <strong>em</strong> primeira mão, verdadeiras fontes primárias.* Mestre <strong>em</strong> Teologia, com pesquisa sobre <strong>Protestantismo</strong> e Missão. Doutorando <strong>em</strong> Ciências daReligião no IEPG-<strong>EST</strong>, com pesquisa no campo Teologia e Literatura. Pesquisador do Núcleo deEstudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> e do Núcleo de Estudos e Pesquisa de Gênero.88Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Seis desses valiosos documentos estão transcritos abaixo. A sua transcriçãonessa publicação segue a intuição de que eles têm um valor inestimável, justamentepor permanecer<strong>em</strong> incólumes frente a qualquer tipo de interpretação. O acesso diretoaos documentos permite leituras s<strong>em</strong>pre surpreendentes e diferenciadas sobre oevento Mucker. Nos documentos aparec<strong>em</strong> detalhes do dia-a-dia dos colonos doFerrabrás; aparec<strong>em</strong> seus sentimentos, sua fé, suas reações aos inimigos; e também ocomportamento dos colonos não-Muckers. Um exercício especialmente instigante ébuscar nos documentos informações de entrelinhas que mostram a religião/apiedade dos Muckers.São esses os documentos, dispostos cronologicamente:1. Carta de Jacobina a seu irmão Franz Mentz, de 24 de fevereiro de 1873;2. Abaixo-assinado de colonos de Sapiranga solicitando intervenção policialcontra os Muckers, de 10 de maio de 1873;3. Abaixo-assinado dos Muckers r<strong>em</strong>etido ao Imperador D. Pedro II:3.A) Trecho do texto original do abaixo-assinado, de 10 de dez<strong>em</strong>bro de 1873;3.B) M<strong>em</strong>orial do abaixo-assinado, r<strong>em</strong>etido pelo Ministro da Justiça aoPresidente da Província do Rio Grande do Sul, de 27 de dez<strong>em</strong>bro de 1873;4. Carta de Carolina Mentz, irmã de Jacobina, a seu primo Lúcio Schreiner,delegado de polícia de São Leopoldo, de 27 de dez<strong>em</strong>bro de 1873;5. Carta de Jacobina a seu primo Lucio Schreiner, delegado de polícia de SãoLeopoldo, de 19 de maio de 1874;6. Carta de Jacobina a seu primo Mathias Schröder, de 20 de maio de 1874.Os documentos foram extraídos de:Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 89


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408BIEHL, João Guilherme. Jammerthal, O Vale da Lamentação: crítica àConstrução do Messianismo Mucker. Santa Maria: Curso de Pós-Graduação<strong>em</strong> Filosofia/UFSM,1991. (Dissertação de Mestrado)DOMINGUES, Moacyr. A Nova Face dos Muckers. São Leopoldo: Rotermund,1977.PETRY, Leopoldo. O Episódio do Ferrabraz: os Muckers. 2. ed. São Leopoldo:Rotermund, 1966.SCHUPP, Ambrósio. Os Muckers: a tragédia histórica do Ferrabrás. 4. ed.Porto Alegre: Martins Livreiro, 1993.Para facilitar a leitura e a localização histórica, foram inseridos ao final dealguns documentos breves comentários explicativos, extraídos, sobretudo, doconjunto da bibliografia disponível sobre os Muckers.Os documentos extraídos de Petry tiveram o texto atualizado/corrigidoquanto à pontuação <strong>em</strong> algumas palavras - publicado <strong>em</strong> 1966, o Português utilizadoainda traz acentuadas as palavras como êsse, êle, dêsses, tôda, sôbre, fôss<strong>em</strong>, etc...O idioma usado nas cartas originalmente é ora o al<strong>em</strong>ão, ora o Hünsruck,dialeto próximo ao al<strong>em</strong>ão, falado pela maioria dos imigrantes al<strong>em</strong>ães chegados aSão Leopoldo. O abaixo-assinado ao Imperador foi redigido <strong>em</strong> al<strong>em</strong>ão. No ArquivoHistórico Nacional, consta a versão original <strong>em</strong> português, presumivelmente a quechegou ao Imperador.Como se sabe, Jacobina não sabia escrever. Diz-se que ela lia apenas letrasimpressas, como as da Bíblia. Não obstante, sabe-se que Jacobina ditava cartas paraoutras pessoas escrever<strong>em</strong>, sobretudo João Jorge Klein. Ela teria ditado inclusive oabaixo-assinado r<strong>em</strong>etido ao Imperador D. Pedro II. Schupp está convicto de que acarta de Jacobina para Franz tenha sido redigida por João Jorge Klein, visto que umamissiva da carta foi encontrada nos seus pertences particulares. Biehl suspeita que90Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408todas as cartas e documentos dos Muckers eram redigidos por Klein, ainda queditados por suas/seus autoras/es.Quanto a isso, um breve comentário final: ao contrário do que se crê, pode-sesuspeitar que, <strong>em</strong>bora a taxa de analfabetismo fosse elevada, muitos/as colonos/assabiam ler e escrever, pelo menos <strong>em</strong> al<strong>em</strong>ão. Três evidências que colaboram nessesentido:A) Bíblias e hinários <strong>em</strong> casa: há registros de que cada família de imigrantes,e mesmo mais pessoas dentro da mesma família, tinham hinários e Bíblias pessoais.Os hinos tinham geralmente letras muito extensas, o que impossibilitaria ser<strong>em</strong>cantados s<strong>em</strong> que as pessoas soubess<strong>em</strong> ler.B) As mulheres sabiam ler: nos depoimentos dos Muckers presos após oconflito com o exército <strong>em</strong> 19/07/1873 (registrados <strong>em</strong> arquivos oficiais e publicados<strong>em</strong> DIECKE, Maria Amélia. Afetos e Circunstâncias: um estudo sobre os Muckers eseu t<strong>em</strong>po), consta que várias pessoas, homens e mulheres, liam e escreviam <strong>em</strong>al<strong>em</strong>ão.C) Os Maurers ensinavam a ler a Bíblia: O pastor luter<strong>ano</strong> Wilhelm Borchard,chegado a São Leopoldo logo depois do desfecho do conflito, registra <strong>em</strong> relatório(cf. DREHER, Martin N. O movimento Mucker na visão de dois pastores evangélicos)registra com alegria o test<strong>em</strong>unho de colonos da região que disseram que, apesar detudo o que diz<strong>em</strong> dos Muckers, os Maurers lhe ensinaram a ler a Bíblia.1. Carta de Jacobina a seu irmão Franz MentzFerrabrás, aos 24 de fevereiro de 1873.Hoje ainda uma vez digo: Querido m<strong>ano</strong>!Abandonaste-me como se eu fosse uma devassa. Agora passo aperguntar: Sou eu uma devassa ou és tu um libertino?Quero, no entanto, agüentá-lo. Diz, porém, o Senhor:Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 91


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408– Ai dos escribas, que faz<strong>em</strong> leis injustas e profer<strong>em</strong> sentençasiníquas, para torcer<strong>em</strong> a causa dos pobres e oprimir<strong>em</strong> o direito dosinfelizes, julgando que as viúvas devam ser a sua presa e os órfãos asua vítima!O que pretendeis fazer no dia da tribulação e do infortúnio, que seavizinha? A qu<strong>em</strong> haveis de acorrer por ajuda? Sabeis, no entanto,que Ele é justo, pois como um filho a seu pai ele me serviu noevangelho. Pois eu não tenho a ninguém, que tanto goste de afinarcom os meus sentimentos, que tão cordialmente de mim cuide.Dói-me, querido m<strong>ano</strong>, o fato de tu teres um coração de tal forma<strong>em</strong>pedernido, que não reconheças a herança celeste! Peço-te, porém,com o Pai do Céu: _ Volta (converte-te) e depõe o tumulto mund<strong>ano</strong>,pois de modo brutal me apunhalaste o coração, visto que tomba umagota de sangue após outra!Ai de nós! Que dirá a nossa boa mamãe, quando vier a ouvi-lo? Hádedizer então: _ Como me dói o coração!Mas tu podes de novo curá-lo. L<strong>em</strong>bra-te, porém, da lei que juraste, e,se a consideras, não podes deixá-la, pois qu<strong>em</strong> a despreza, desprezanão a homens, mas a Deus, que deu o seu Espírito, derramando-o <strong>em</strong>vós.Não se faz preciso, contudo, que eu vos escreva do amor fraterno,porque fostes vós mesmo ensinados por Deus a vos amardes uns aosoutros.Querido m<strong>ano</strong>, onde está o teu amor? Sumiu-se teu amor. Onde estáa tua fé? Onde estão as tuas obras? Tu tens a fé e as obras, mas elasnão se dirig<strong>em</strong> ao Pai do Céu. Cansam-se por isso todas as mãos e ocoração de todos os homens será medroso. Susto, angústia e doreshão de assaltá-los, e eles sentirão horror. Apavorar-se-á um diante dooutro, e seus rostos serão vermelhos com o fogo.Jacobina Maurer, nascida MentzExtraído de Ambrósio SCHUPP, Op. cit., p. 69-70.Franz foi o único dos sete irmãos e irmãs de Jacobina a não integrar omovimento. Ele não apenas rejeitou o título de apóstolo de Jacobina, como passou ahostilizar os Muckers.92Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 64082. Abaixo-assinado de colonos de Sapiranga, solicitando intervençãopolicial contra os MuckersIl.mo Sr. Delegado de Polícia de São Leopoldo.Il.mo Sr.Os abaixo-assinados, moradores do 4.° Distrito de São Leopoldo,denominado Leonerhof, traz<strong>em</strong> ao conhecimento de V. S.a o seguinte:Em nosso distrito mora um hom<strong>em</strong>, chamado João Jorge Maurer, queganhava os mantimentos para sua vida nos primeiros <strong>ano</strong>s comtrabalhos na sua profissão, como carpinteiro, mas há alguns<strong>ano</strong>s/pouco mais ou menos 4 <strong>ano</strong>s/ como médico - médico d<strong>em</strong>ilagres - e neste último t<strong>em</strong>po ele arranjou uma grande porção deamigos pelas suas palavras miraculosas, especialmente pelaexplicação da Bíblia sagrada.Esses seus amigos se reún<strong>em</strong> nos últimos 14 dias muitas vezes <strong>em</strong>casa do mesmo João Jorge Maurer e foram ditos aos abaixo assinadosos seguintes fatos pelos também abaixo assinados Adão Michel eFilipe Sehn, moradores daqui dos quais o primeiro foi convidadopara as reuniões por um cunhado do mesmo Maurer e o segundo quevisitou uma vez essas reuniões. Essas duas pessoas estão s<strong>em</strong>preprontas a jurar os fatos abaixo declarados.No dia 7 deste mês, nesse dia Filipe Sehn visitou a reunião, disse amulher de João Jorge Maurer a todas as pessoas reunidas que elamesma é Cristo, o nosso salvador, e depois ela leu alguns artigos dacrucificação de Nosso Senhor Jesus Cristo da Bíblia sagrada e explicaosdizendo que agora, nesta explicação, as palavras de sua boca sãosomente as palavras do Espírito de Cristo, dizendo mais, que ela faztambém uma ressurreição mesmo e que todos aqueles que criamtodas estas coisas e muitas mais receberão a felicidade do céu.S<strong>em</strong> isto (sic) a mulher de Maurer chamou até agora três apóstolos (omarido dela para Apóstolo João, o irmão dela, chamado HenriqueMentz, para o Apóstolo Jacó e o outro irmão dela, Francisco, para oApóstolo Pedro). Ela disse mais, que no t<strong>em</strong>po de quatorze dias(ultimamente três s<strong>em</strong>anas) esses três apóstolos, <strong>em</strong> companhia deoutros nove Apóstolos, vão no mundo todo para ensinar a novareligião.Essas publicações, que exist<strong>em</strong> entre nós abaixo-assinados, comoutros fatos, que são publicados (por ex<strong>em</strong>plo, que exist<strong>em</strong> jádissoluções entre hom<strong>em</strong> e mulher, pais e filhos, etc., etc.) e mais, queos amigos de Maurer quer<strong>em</strong> comprar muitas libras de chumbo, etc. eque aqueles não pagam mais os direitos para a igreja e escola (isto éuma lei cardeal de Maurer) e que todos os dias aquele Maurer recebeuma grande porção de pessoas de outras picadas, são a ocasião depedir.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 93


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Que V. S.a mande examinar este estado <strong>em</strong> nosso lugar para asegurança dos moradores; e os abaixo-assinados então prontos aarranjar test<strong>em</strong>unhas para constatar os fatos acima e outros mais.E. R. Mercê.Extraído de Moacyr DOMINGUES, Op. cit., p. 126-128.DOMINGUES, p. 127-128, acrescenta o seguinte:Esse documento está datado no 4.° distrito de São Leopoldo a 10 d<strong>em</strong>aio de 1873 e contém as seguintes assinaturas:Frederico Guilherme F. Boeber, Pastor Evangélico; João Weis,Professor Contratado; Adam Michel; Hermann Siebel; AugustHeil<strong>em</strong>eyer; Michael Fleck; Heinrich Kautzmann; HeinrichOhlweiler; Philip Sehn; Jacob Kichler; Valentin Petry; Cl<strong>em</strong>enzKonrath; Johann Nicol Müller; Wilhelm Selzerlein; ChristophDietrich; Peter Ohlweiler; Wilhelm Müller; Johann Becker; FrazDahmer; Heinrich Peter Kautzmann; Wilhelm Ohlweiler; WilhelmKrei; Jacob Lenz; Johann Nicolaus Brenner; Carl Venter; Peter JacobSchweitre; Carl Schönardie; Jacob Klein; Manuel Custódio A1ves dosSantos; Jacob Jäger; Simão Kappel; Nicolau Schmidt; JohannSchönardie; Jacob Rech; Karl Kauer; Wilhelm Kreus; Heinrich PeterMichel; Jacob Feltes Filg; Jacob Kötz; Carl Nadler; MichaelScheuermann; Ludwiech Schönardie; Adam Klippel; JohannesMaurer; Philip Jacobus.[...] 46 pessoas diferentes assinaram o documento, entre 10 e 13 d<strong>em</strong>aio, do sábado à segunda-feira.O abaixo-assinado parece ter sido uma reação imediata do Pastor evangélicolocal frente ao grande culto do dia 04 de maio de 1873 na casa dos Maurer.Segundo DOMINGUES (p. 128), a ord<strong>em</strong> das assinaturas revela qu<strong>em</strong>organizou o abaixo-assinado. A 1ª assinatura é do pastor evangélico da localidade. Aesse respeito destaca Domingues: “no dia 04 de maio, um Domingo, manifestara-seum cisma declarado na Comunidade Evangélica dirigida pelo Pastor Boeber.Precisaria de ser pressionado pra no fim-de-s<strong>em</strong>ana próximo encabeçar umarepresentação contra os dissidentes?”94Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Como se sabe, 4 de maio de 1873 é a data do grande culto na casa dosMaurer, com a aparição de Jacobina vestida de branco, anunciando os apóstolos eanunciando-se (ou sendo vista!) como o Cristo f<strong>em</strong>inino. Schupp e Koseritz situamessa grande aparição no Domingo de Pentecostes de 1872, dia 19 de maio, masDomingues conclui que na verdade ela ocorreu dia 04 de maio de 1873, numDomingo, mas não de Pentecostes - que <strong>em</strong> 1874 se daria <strong>em</strong> 1 de junho - mas daAscensão do Senhor. Fala-se <strong>em</strong> 100, <strong>em</strong> 200 e mesmo <strong>em</strong> 500 pessoas congregadasnesse culto. Mais detalhes sobre esse famoso e crucial culto, cf. DOMINGUES (p. 93-95) e BIEHL (p.159ss).O filme “A paixão de Jacobina”, de Lucy e Fábio Barreto, 20<strong>02</strong>, explora commaestria o contraste entre a Igreja vazia do pastor Boeber e a casa de culto cheia dosMaurer.Como l<strong>em</strong>bra DOMINGUES (p. 126), o pastor Boeber (ou Böber?) nãoassistiu ao desfecho do conflito: “O Pastor Frederico Wilhelm Furchtegott Boebernasceu a 1/4/1825, <strong>em</strong> Sachsen, e faleceu a 25/3/1874, na Picada Hartz”.3. Abaixo-assinado dos Muckers r<strong>em</strong>etido ao Imperador D. Pedro II3.a) Trecho do texto original do abaixo-assinado, de 10 de dez<strong>em</strong>bro de 1873:Os colonos abaixo assinados, moradores nas colônias Ferrabrás ecampo Bom, vêm declarar a Vossa Majestade quanto sofreram, não sóde alguns moradores das mesmas colônias que são desordeiros eintrigantes, como também do próprio subdelegado e algunsinspetores de quarteirão deste distrito que têm protegido osmalvados, consentido, e fazendo violência e perseguições contra osabaixo assinados e outros. [...]. E assim os malvados cada diainsultavam onde encontravam um de nós, dirigindo-nos palavrasobscenas, atacando uns de rebenque, a outros atirando pedras s<strong>em</strong>ter<strong>em</strong> a mínima razão para maltratar-nos, e assim estamos nós eoutros perseguidos e sofrendo desde maio do corrente <strong>ano</strong>.Do Arquivo Nacional, apud BIEHL, p.186.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 95


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 64083.b) M<strong>em</strong>orial do abaixo-assinado, r<strong>em</strong>etido pelo Ministro da Justiça ao Presidente daProvíncia do Rio Grande do Sul, de 27 de dez<strong>em</strong>bro de 1873A 10 de dez<strong>em</strong>bro do mesmo <strong>ano</strong> (1873), vários colonos de CampoBom e de Ferrabraz representaram ao Imperador o quanto sofriam,não só de alguns moradores das colônias, que eram desordeiros eintrigantes, como também do próprio subdelegado e algunsinspetores de quarteirão do distrito, que protegiam os malvados,consentindo e fazendo violências contra os requerentes, chegando aponto de ser<strong>em</strong> insultados por palavras obscenas e atacados derebenque e pedras, perseguidos assim desde maio daquele <strong>ano</strong>.Representavam que a 20 de maio fora preso o colono Jorge Maurer,conduzido e escoltado para a cidade de S. Leopoldo, insultado <strong>em</strong>todo o caminho e desfeiteado, s<strong>em</strong> que alguém os repelisse até aquelacidade, onde chegaram a lhe cuspir na cara, sendo r<strong>em</strong>etido no diaseguinte par porto Alegre, onde ficara preso no quartel de polícia;que no dia 22 do mesmo mês, dia da Ascensão do Senhor, fora presaa mulher de Maurer, se achando ela doente de um mal que secostumava dar, ficando s<strong>em</strong> sentidos, sendo levada - por uma escoltade 8 praças - <strong>em</strong> uma carreta, sendo que na viag<strong>em</strong>, que durou 9horas, foi ela insultada continuando doente até aquela cidade, onde adepositaram na casa da câmara, exposta ao público, tendo sidoexaminada por médios, a fim de ver se era fingida a moléstia, comaplicações de agulhas e pontas de canivetes por todo o corpo e maisaplicações médicas para ela tornar a si, o que conseguiram só depoisde 5 horas; que no dia seguinte fora <strong>em</strong>barcada <strong>em</strong> um vapor <strong>em</strong>andada para Porto Alegre, recolhida à Santa Casa de Misericórdia,ficando assim 5 filhos s<strong>em</strong> pais e entregues aos estranhos; que foramconservados 45 dias ausentes de suas casas por ord<strong>em</strong> policialobrigados a assinar um termo para não consentir n<strong>em</strong> fazer reuniõesreligiosas, sendo depois mandados para as suas casas; que Maurerestava fazendo uma casa e pedira ao Dr. Chefe de polícia queconsentisse <strong>em</strong> Ter <strong>em</strong> sua casa o número de pessoas precisas parasua obra, o que lhe fora consentido, mas, que o subdelegado s<strong>em</strong>preia incomodá-lo, proibindo, que ficass<strong>em</strong> apenas três pessoas, e,sabendo que não havia reunião, mesmo assim, o incomodava; que aocolono Nicolau Barch estragaram uma porção de roupa branca, quese achava estendida no quintal e que encontraram <strong>em</strong> pedaços;estragaram 40 milheiros de abelhas e, que indo <strong>em</strong> passeio, com suasirmãs, um filho deste fora espancado por um inspetor, acompanhadopor um vadio; que ao colono Luppa atearam fogo a uma cerca deroça; que no dia 23 do corrente, prenderam novamente Maurer, <strong>em</strong>sua casa, por ord<strong>em</strong> do subdelegado, arrancaram-no, s<strong>em</strong> motivo, dasua mulher que se achava doente, ficando com ela os cinco filhosmenores; que prenderam 33 pessoas, sendo deste número ospeticionários que foram presos <strong>em</strong> suas casas, trabalhando uns <strong>em</strong>suas roças e outros <strong>em</strong> passeio, s<strong>em</strong> que tivess<strong>em</strong> cometido o mínimo96Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408delito, foram todos conduzidos presos para uma taverna, onde osdeixaram dois dias. Ali receberam visitas e tomaram-lhes os animais,que tinham montado; que foram escoltados para S. Leopoldo einsultados <strong>em</strong> caminho e recolhidos ao xadrez daquela cidade, ondetiraram um menino de 14 <strong>ano</strong>s, órfão, da companhia de seu padrinho,contra a vontade de ambos; que no dia 27 mandaram par PortoAlegre cinco moços para assentar<strong>em</strong> praça na marinha; que oscavalos pertencentes aos queixosos foram postos <strong>em</strong> um potreiro, e ostrês melhores, d estimação, inutilizaram, morrendo um de umafacada que lhe deram, e dois outros com talhos de faca; que depois depresos sete dias, s<strong>em</strong> saber<strong>em</strong> por que, foram postos <strong>em</strong> liberdade,mandados para suas casas, e, como sofress<strong>em</strong> todas estas vergonhas edesfeitas, pediam justiça.Da <strong>Revista</strong> do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 68, 1907, p. 399-401; apud PETRY, Op. cit., p. 66-69.PETRY (p. 68) diz que “este m<strong>em</strong>orial foi informar ao Presidente daProvíncia do Rio Grande, por despacho do Ministro, de 27 de dez<strong>em</strong>bro de 1873”.DOMINGUES (p. 211) acrescenta o seguinte:O documento original dessa representação se encontra no ArquivoNacional do Rio de Janeiro; t<strong>em</strong> a data de 10/12/1873 e... estáredigido <strong>em</strong> português, <strong>em</strong> bom português! Foi assinado no Ferrabráspelas seguintes pessoas, <strong>em</strong> número de 31:Karl Luppa, João Jacob Karst, Heinrich Weber, Andreas Karst,Christian Karst, Johann Sehn, Jacob Sehn, Karl Sehn, Martin Sehn,Johann Volz, Rudolf Sehn, Heirich Wilhelm Gaesler, Johann CarlHermann Schnell, Nicolas Schnell, Joseph Schnell, Karl Maurer,Wilhelm Maurer, Karl Maurer Junior, Christian Maurer, NicolasBarth, Peter Barth, Friedrich Barth, Jacob Mentz, Ludwig Kilsen,Jacob Müller, Valentin Wasum, Georg Robinson, Christian Kassel,Philipp Heisner, August Wilborn.PETRY (p. 68) acrescenta que o abaixo-assinado “foi levado ao Imperador D.Pedro II por Carlos Luppa, Jacob Sehn, Jacob Fuchs, João Sehn e João Jorge Maurer, oqual viajava sob o nome de João Arend. A viag<strong>em</strong> era feita a cavalo. Em SantaCatarina João Sehn e João Jorge Maurer separam-se dos d<strong>em</strong>ais companheiros deviag<strong>em</strong> e prosseguiram sozinho até a capital do Império”.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 97


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Como se sabe, <strong>em</strong> 27 de dez<strong>em</strong>bro o Ministro da Justiça pediuesclarecimentos sobre o relatado no abaixo-assinado ao Presidente da Província. Este,por sua vez, pediu esclarecimentos ao delegado de São Leopoldo, Lúcio Schreiner,ferrenho inimigo dos Muckers. Em 28 de janeiro, Schreiner respondia contestandotodas as acusações dos Muckers.Acrescenta PETRY (p. 69): Os colonos “esperaram s<strong>em</strong>anas e meses pelaresposta às suas queixas, pois não sabiam, n<strong>em</strong> podiam saber o destino de suapetição [...] Julgavam-se abandonados pelo Imperador <strong>em</strong> que tinham depositadosua última esperança, e, à vista dos vexames que continuaram, foram-se preparandopara fazer<strong>em</strong> justiça pelas próprias mãos, já que não a encontravam entre asautoridades”.4. Carta de Carolina Mentz, irmã de Jacobina, a seu primo Lúcio Schreiner,Delegado de Polícia de São LeopoldoFazenda Leão, 27 de dez<strong>em</strong>bro de 1873.Senhor Lúcio Schreiner.Em virtude de vários, notadamente dos últimos acontecimentos naresidência de meu cunhado João Jorge Maurer e dos fatos que a elesse prend<strong>em</strong>, não posso deixar de apresentar-lhe a seguintedeclaração. Não queira incomodar-se por causa do parentesco que oliga a nós, a fim de que não tenha motivos para lamentar de que jápoderia ter conseguido uma posição de destaque, se não tivesseparentes tão modestos e atualmente muitas vezes injuriados . . . Já dehá muito estamos habituados a desistir de simpatias amistosas efamiliares.Mas, com tudo isso, podíamos esperar das pessoas que viv<strong>em</strong> nomundo civilizado e até se consideram pertencentes às classes cultasmesmo nos casos <strong>em</strong> que exerçam as funções de funcionários dapolícia - se comport<strong>em</strong> como homens educados e não como bugres,quando entram nas casas de residência e se encontram com sereshum<strong>ano</strong>s . . . Os bugres reviram tudo de cima a baixo, carregam o quelhes agrada, e destro<strong>em</strong> o que não quer<strong>em</strong> levar junto. . . Dirigi-me aV. S. como chefe da escolta, na presença de muitas test<strong>em</strong>unhas,perguntando se nós éramos obrigados a admitir a qualquer um queaqui aparecesse, nos revistasse todos os quartos e caixões, revirando,98Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408todos os objetos e V. S. respondeu, à moda de um jumento, comextenso - s i m - e um encolher de ombros que teria revoltado um reiafric<strong>ano</strong>. Por intermédio do cunhado Klein mandei pedir informaçõessobre o cavalo de Maurer, maltratado pelos homens de sua escolta, eV. S. respondeu que Maurer <strong>em</strong>prestara o cavalo ao hom<strong>em</strong>. Agoratodos sab<strong>em</strong> que V. S. mentiu...Conforme noticiou o “Deutsche Zeitung” (Jornal Al<strong>em</strong>ão) , V. S.informou ter encontrado meu cunhado Klein, no mencionado dia (23de nov<strong>em</strong>bro) <strong>em</strong> casa de Maurer. Outra mentira descarada, assimcomo o é também o seu relatório sobre a sua primeira visita à casa deMaurer. Agora tenho a dizer-lhe que meu cunhado Klein foi o último,entre toda a nossa parentalha, que ainda o tinha <strong>em</strong> consideração, eespera, de s<strong>em</strong>ana <strong>em</strong> s<strong>em</strong>ana que V. S. fosse desmentir a deslavadamentira do jornal. Já que deixou de providenciar nesse sentido, Kleinsaberá o que fazer. Parece que o hom<strong>em</strong> aqui na casa de Maurer lhe émuito importuno, já que espalhou boatos tão venenosos a seurespeito. T<strong>em</strong>-se a impressão de que os homens se constrangeram <strong>em</strong>sua presença de executar tudo o que estava planejado. Pelo menosnão se pode explicar de outra maneira sua indecisão. Sab<strong>em</strong>os quenos cumpre respeitar as leis e jamais deixamos de respeitá-las, n<strong>em</strong>outra cousa quer<strong>em</strong>os, mas exigimos que nos trat<strong>em</strong> de acordo comas leis do País e não de acordo com o arbítrio de gente perversa. Nãodeve V. S. esperar que irá tecer seda com esse seu procedimento e quereceberá o galardão esperado. Qu<strong>em</strong> com ferro fere, com ferro seráferido. Se conseguir que todos sejamos expulsos do País, entãopoderá avançar feliz e s<strong>em</strong> <strong>em</strong>pecilhos. Para que melhor se realiz<strong>em</strong>seus pl<strong>ano</strong>s, e para todas as eventualidades, saúda-o.Karoline MentzExtraído de PETRY, Op. cit., 155-156.5. Carta de Jacobina a seu primo Lúcio Schreiner, Delegado de Polícia deSão LeopoldoPadre Eterno, 19 de maio de 1874.Senhor Lúcio Schreiner - São LeopoldoPrimo:Os acontecimentos do último <strong>ano</strong> me faz<strong>em</strong> recordar de V.. Minhairmã Carolina já o abandonou de todo, como moralmente perdido eisto mesmo lhe disse por escrito. Eu não faço a mesma coisa enquantoconservo a esperança de restar ainda um só cabelo são <strong>em</strong> alguém, oDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 99


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408que às vezes custa muito e mesmo mais do que vale o respectivoobjeto.Contou-me alguém uma história do Imperador Nero, que comquanto prazer assassinou sua mulher, sua mãe, sua irmã e outrosparentes. O fim que ele teve porém V. sabe.Está escrito: Qu<strong>em</strong> verte sangue hum<strong>ano</strong>, verá por sua vez vertido oseu sangue por mão humana, porque Deus fez o hom<strong>em</strong> à suas<strong>em</strong>elhança. Ignoro se V. ainda t<strong>em</strong> algum respeito da escriturasagrada, contra a qual tanto t<strong>em</strong> pecado, mas espero que V. aindaacredita que eu também sou de carne e osso e que me foi tãodoloroso(como ao inocente Abel quando Caim o matou) quando V.no <strong>ano</strong> passado me fez levar à força, expondo-me ao escárnio e a umtratamento das massas.As sevícias que no <strong>ano</strong> passado no edifício da Câmara Municipal mefez uma multidão de pessoas grosseiras e selvagens, ainda muitodepois me doíam e o sangue hum<strong>ano</strong> que V. fez verter do meu corpotambém brada da terra para o céu, pedindo vingança. Mas não daforma como V. nos quer imputar, mas de conformidade com osdireitos divinos e hum<strong>ano</strong>s.Não procure V. defender-se que não t<strong>em</strong> culpa nesse negócio, como ofez <strong>em</strong> outro t<strong>em</strong>po, quando <strong>em</strong> nossa casa acusou o Chefe de PolíciaSampaio. Sab<strong>em</strong>os com toda a exatidão a parte que V. t<strong>em</strong> na petiçãomonstroe nas calúnias dos jornais.Em breve far-se-á a luz para todos.Continue V. a ensopar as suas mãos na própria carne e sangue, istono sangue dos seus parentes; <strong>em</strong> pouco t<strong>em</strong>po talvez já não existamsobrinhos seus e então V. terá de haver-se com seus irmãos, comovosso pai o fez com as irmãs da nossa mãe, que se vê<strong>em</strong> roubadas <strong>em</strong>suas fortunas e por isso lançadas <strong>em</strong> desonradez. Muitos dos filhosdo seu pai já se queixam há t<strong>em</strong>pos de idênticos acontecimentos.Não será possível que V. deixe de fazer nos injuriar e escarnecer denós de forma indigna no Deutsche Zeitung pelo tio D.? Que tanto V.se importa com o meu marido? S<strong>em</strong> dúvida o fará V. com a suaconhecida nobre e generosa tenção. Meu marido não fugiu para omato, como tio D. a seu t<strong>em</strong>po disse no jornal Deutsche Zeitung (voucontar-lhe para satisfazer sua curiosidade) mas foi para o Rio deJaneiro para procurar o seu direito, no que V., nobre primo, terá s<strong>em</strong>dúvida grande prazer.Tome tento V.: aí v<strong>em</strong> o juízo último. E talvez V. não saiba que cadaum dia que corre de fato pode ser o último dia de vida? Felizesdaqueles que não precisam t<strong>em</strong>er os castigos que vulgarmente sejulga reservados para o juízo último. Esse último dia provará qu<strong>em</strong> énos nossos negócios o Nero Rom<strong>ano</strong>, o Judas Hebraico ou o BrenoGaulês.100Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Mando agora procurar a meu marido cheia de tristeza. Diga-m’omenos uma vez com franqueza, se V. e seus cúmplices não oagarraram também, como o pobre Guilherme Gaelzer e Cristi<strong>ano</strong>Richter.De mim, V. só tirou sangue. Não me dirá V. se meu marido não foidevorado com carne e sangue, pele e ossos, cabelos e unhas? Vossaspalavras me parec<strong>em</strong> muito suspeitas: V. disse que havia estirpado omal pela raiz e com isso só pode referir-se ao meu marido. V. pois émais suspeito do que todos nós.Se as pesquisas a que procedo não tiver<strong>em</strong> sucesso, instaurarei umadevassa. Não se recorda V. ao ver o meu estado sofredor, de sua irmãHenriqueta e de sua sobrinha Luísa?Quando V. esteve a última vez aqui <strong>em</strong> casa, disse: “Como me édolorosa esta casa!” Não quero crer que V. tenha inveja, senão nãoseríamos parentes d’alma, porque para mim só é doloroso que V. nãotenha 6, ou 60, ou 600 casas dessa ord<strong>em</strong>.Como ainda espero uma pronta resposta, para poder responder aindaantes do Sagrado Espírito Santo (se meu estado o permitir) porquenessa ocasião pode ser que um espírito bom desça sobre V..Sua Prima Jacobina MaurerNascida MentzExtraído de DOMINGUES, Op. cit., p. 241-242.DOMINGUES (p 243) dá ainda os seguintes detalhes sobre a carta:O Pe. Schupp reproduz <strong>em</strong> sua obra [109 parte desse documento,com algumas diferenças de tradução e omite, talvez por uma questãode delicadeza, aqueles trechos que envolv<strong>em</strong> probl<strong>em</strong>as íntimos defamília. Nós outros, porém - não que isso constitua prazer -divulgamo-la na íntegra, para que o leitor constate que aincompatibilidade de Jacobina e seus irmãos <strong>em</strong> relação a Schreiner,não decorria a penas de divergências de ord<strong>em</strong> religiosa ou política.Vinha de longe e Jacobina deixa transparecer que o pai de Schreinerlesara as cunhadas [tias de Jacobina pelos Muller] e que outro tantoestaria a fazer Lúcio com os próprios irmãos.A petição-monstro citada na carta, provavelmente é uma referência aopedido de deportação do país de todos os Muckers, formulado e reivindicado àépoca por outros colonos da região e parte da imprensa riograndense.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 101


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408O dia do Espírito citado na carta é o Pentecostes, que deu-se 5 dias depois,<strong>em</strong> 24 de maio. Especula-se que nesse dia Jacobina ameaçou de morte todos osinimigos dos Muckers, sobretudo famílias da região que os hostilizavam.Essas ameaças foram concretizadas no ataque da noite do fogo, a 25 e 26 dejunho de 1874, <strong>em</strong> que vários grupos de três a quatro colonos, presumivelmenteMuckers, incendiaram casas e assassinaram vários pessoas <strong>em</strong> Sapiranga, LinhaNova e São José do Hortêncio. Em dois processos judiciais contra os Muckers presosno dia 19 de julho de 1873, são imputados a eles ataques e incêndio de 13 casas eduas estrebarias, assassinatos de 16 pessoas, incluindo três crianças, e agressões eferimentos a 3 pessoas. Todos os crimes aconteceram nos <strong>ano</strong>s 73 e 74 (Cf. MariaAmélia Schmidt DICKIE, Afetos e circunstâncias, p. 93, nota 45).6. Carta de Jacobina ao seu primo Mathias SchröderPadre Eterno, <strong>em</strong> 20 de maio de 1874.Meu prezado Primo.O procedimento e a conversação que Você teve na Capela da Piedadecom o meu m<strong>ano</strong> Jacó, no domingo de Espírito Santo, faz l<strong>em</strong>brar osseguintes fatos e muito eu estimo que Você, por fim, se l<strong>em</strong>brasse daslições e admoestações que a sua falecida mãe lhe deu.Você mencionou que ela lhe tinha dito que Você veria o “Anti-Cristo”o qual teria muitos seguidores; isto é pura verdade, meu caro, e eulhe posso confirmar que também tenho muita lástima disso, quantomais que cheguei a ter o triste conhecimento de que Você caiu nasciladas que ele t<strong>em</strong> armado.“Anti-Cristo” quer dizer contra Cristo e desses há muitos. Eles têm aintenção de excitar e persuadir os seus próximos a ser<strong>em</strong> espiões efalsos traidores como o primo Lúcio [era o delegado de São Leopoldo,naquele t<strong>em</strong>po - N. d. T.] t<strong>em</strong> feito com Você e como ele o t<strong>em</strong> atiçadohá perto já de um <strong>ano</strong>.Por isso lhe digo que são horas de Você se l<strong>em</strong>brar dos ensinamentosde sua saudosa mãe. O Lúcio, Anti-Cristo, também procurou excitarteu gênio, dizendo que eu tinha desonrado toda a parentalha ao falarmal, numa carta, sobre o seu falecido pai. Daí Você já pode observar1<strong>02</strong>Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408que idéias injustas esse hom<strong>em</strong> formou de nós; e Você deve aceitarmelhores lições e preceitos.É certo que por cima do corpo de um defunto pode nascer capim ehervas [sic!], mas por cima de seus feitos, ou para me explicar, porcima das suas malfeitorias, nunca nascerão senão a história domundo que não pode ser o tribunal deste mundo.Os homens mais poderosos e celebrados não puderam impedir e queas suas ações foss<strong>em</strong> comentadas e censuradas pela posteridade. Nãoconsiste a reputação de um hom<strong>em</strong> alcançar alta idade, mas ficaridoso na probidade, merecer estimação.A circunstância de Você ter servido de espião a favor dos nossoscontrários nunca lhe fora honra, n<strong>em</strong> que Você morra de velhice.Também acho que é preciso restabelecer a sua l<strong>em</strong>brança. Você não sel<strong>em</strong>bra de que a falecida sua mãe muitas vezes se queixou de que nãotinha sido estimada pelos seus soberbos parentes? Não se l<strong>em</strong>bra deque a rica família dos Hanzen tinha vergonha dos Schroeders, Andrese Menezes por ser<strong>em</strong> pobres, que preferiam vê-los saír<strong>em</strong> achegar<strong>em</strong>?Você não reparou que nos vieram visitar somente, quandoprecisaram de nós, por ex<strong>em</strong>plo como o Lúcio se t<strong>em</strong> servido deVocê, não para uma boa causa, mas para ser espião e traidor.Para ter notícia de nós não é preciso espiar. O nosso comportamento eas nossas ações estão abertos e claros, s<strong>em</strong> segredos e s<strong>em</strong> fraudealguma, mas aquele que não se confia <strong>em</strong> ninguém, também nãomerece confiança.Para explorar-nos, o Lúcio não precisa de ninguém, mas paradifamar-nos e tornar-nos suspeitos perante o mundo, ele procuragente. Ele mesmo, por fim, há de cair na cilada que com tanto zelot<strong>em</strong> armado para pegar os nossos correligionários. Ele que tome oSpindler por modelo. Destas minhas palavras Você pode tomar anecessária clareza e explicação. Agora escolha Você de que forma <strong>em</strong>aneira quer proceder daqui para diante.Em lugar de obedecer cegamente às ordens de Lúcio, dou-lhe umconselho de vir aqui no nosso meio e Você logo poderá saber dosfeitos e procedimentos dele. Apareça aqui para eu lhe poder dar asnecessárias explicações sobre ele, sobre o que ele t<strong>em</strong> praticado esobre as pretensões secretas que ele ainda t<strong>em</strong>.Vá perguntar ao padre Klein que lhe prestara tantos serviços, comofoi recompensado pelo mesmo Lúcio. O gosto e o prazer dele consiste<strong>em</strong> improvisar abaixo-assinados contra nós, fabricar cartas maliciosase informações falsas, esconder-se timidamente e depois negar tudo.Por que é que ele procura absolutamente a nossa cabeça?Julgo que é porque ele mesmo não a possui: provas disso ele já t<strong>em</strong>dado. Ele, para ser alfaiate, era muito estúpido; para ser oleiro, muitoDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 103


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408preguiçoso; e, para ser advogado, ora meu Deus! N<strong>em</strong> sei o que vouentão dizer. Finalmente lhe dirijo a pergunta, se está ciente dasdeclarações e comunicações que fiz<strong>em</strong>os ao seu cunhado JacóAltenhofen?Caso não saiba, venha que lhe digo. Aqui sou com estima suaJacobina MaurerExtraído de PETRY, Op. cit., p. 152-154.Aí a carta t<strong>em</strong> o seguinte título: “Carta de Jacobina Maurer ao Sr. MathiasSchröder, residente <strong>em</strong> Maratá, e publicada na <strong>Revista</strong> do Instituto HistóricoBrasileiro, (Já citada no tópico “Fontes Históricas”) às páginas 421 e 422, sendo atradução do professor Gustavo Adolfo Brandt”Padre Eterno era o nome da Linha, localidade onde residia Jacobina.A Igreja da Piedade era a Igreja de Hamburgo Velho.Essa carta é particularmente significativa quanto à recorrente linguag<strong>em</strong>religiosa de cunho messiânico. O Anti-Cristo está nitidamente identificado na pessoade Lúcio Schreiner, o delegado de polícia. O tom é agressivo e pautado por ameaças,assim como a carta de Jacobina ao próprio Lúcio Schreiner. Veja que estas duas cartasforam redigidas na fase mais tensa do episódio Mucker, s<strong>em</strong>anas antes do sangrentodesfecho de julho e agosto de 1874.104Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Es glänzet der Christen inwendiges Leben: o hino preferidode Jacobina Mentz Maurer, líder dos MuckersPor Adilson Schultz *Segundo SCHUPP, Ambrósio. Os Muckers: a tragédia histórica doFerrabrás. 4. ed. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1993. p. 72-77. O hino constaoriginalmente ao número 889 (?) do Gesangbuch für Evangelische G<strong>em</strong>einen, 8. ed.Berlin, 1853, livro de cantos usado por evangélicos no século XIX. O autor é ChristianFriedrich Riechter, 1676-1711. O texto e a melodia r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> ao pietismo, ao qualRiechter pertencia. O hino consta também no hinário do Sínodo Riograndense, aonúmero 176 do Evangelisches Gesangbuch. 15. ed. São Leopoldo: Sinodal/SínodoRiograndense, 1975, amplamente divulgado na IECLB. O hino não consta no Hinos doPovo de Deus, hinário oficial da IECLB <strong>em</strong> Português.Ao que tudo indica, o hino não apenas era o favorito de Jacobina, mas de fatotraduzia a alma do movimento Mucker, pelo menos na sua fase final. Os termos reicelestial, tumulto do mundo e herança celeste, centrais nesse hino, aparec<strong>em</strong> na carta queela escreveu para seu irmão Franz Mentz, explicando sua situação e o que iaacontecer aos que não estavam com ela. A predominância de oposições no hino -tumulto-paz, vida interior-vida exterior, ninguém mais-só eles, terra-céus, etc -traduz b<strong>em</strong> o t<strong>em</strong>po do anúncio onde qu<strong>em</strong> não estava com Jacobina, seguia o Anti-Cristo e seria amaldiçoado - como Jacobina diz na carta supracitada (a carta estápublicada nesta edição da revista eletrônica <strong>Protestantismo</strong> <strong>em</strong> <strong>Revista</strong>)* Mestre <strong>em</strong> Teologia, com pesquisa sobre <strong>Protestantismo</strong> e Missão. Doutorando <strong>em</strong> Ciências daReligião no IEPG-<strong>EST</strong>, com pesquisa no campo Teologia e Literatura. Pesquisador do Núcleo deEstudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> e do Núcleo de Estudos e Pesquisa de Gênero.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 105


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408O hino t<strong>em</strong> sete estrofes. Nesta página, estão o texto original, uma traduçãoliteral para o português e uma adaptação musical fiel à métrica e melodia originaisdas estrofes um e cinco. As d<strong>em</strong>ais estrofes estão na página seguinte, apenas <strong>em</strong>al<strong>em</strong>ão. Consta ainda no site da revista, um arquivo <strong>em</strong> áudio das estrofes um ecinco, <strong>em</strong> al<strong>em</strong>ão, executada por Ruth Kratochvil. Clique no link a seguir para ouvilo:http://www3.est.edu.br/nepp/revista/0<strong>02</strong>/ruth.mp3(Reservados os direitos de reprodução da tradução, adaptação e gravação)Texto OriginalEs glänzet der Christeninwendiges Leben,obgleich sie von aussendie Sonne verbrannt.Was ihnen der König desHimmels gegeben,ist kein<strong>em</strong> als ihnen nurselber bekannt.Was ni<strong>em</strong>and verspüret,was ni<strong>em</strong>and berühret,hat ihre erleuchtetenSinne gezieretund sie zu der göttlichenWürde geführet.Sie wandeln auf Erden unleben im Himmel,sie bleiben ohnmächtigund schützen die Welt;sie schmecken denFrieden bei all<strong>em</strong>Getümmel,sind arm, doch sie haben,was ihnen gefällt.Sie stehen in Leiden undbleiben in Freuden,sie scheinen ertötet denäusseren Sinnenund führen das Leben desGlaubens von innen.Tradução Literal(Por Esterles Roese)Brilha a vida interior doscristãos,Mesmo que por fora o sol osqueime.O que o rei dos céus lhesdeu,A ninguém, só a elespróprios, é conhecido.O que ninguém sentiu, oque a ninguém comoveu,Afetou os seus sentidosiluminadosE os conduziu à dignidadedivina.Eles andam na terra eviv<strong>em</strong> no céu,Eles permanec<strong>em</strong>impotentes e proteg<strong>em</strong> omundo,Eles experimentam a paz<strong>em</strong> meio ao tumulto,São pobres, têm, entretanto,o que lhes agrada.Eles estão no sofrimento epermanec<strong>em</strong> <strong>em</strong> alegria,Eles parec<strong>em</strong> mortos aossentidos externosE levam a vida da féinteriormente.Adaptação Musical(Adilson Schultz)A vida interior dos cristãos brilhaforteAinda que o sol o exterior lhesqueimouO que o rei celeste lhes deu, suasorte,Só eles conhec<strong>em</strong>, ninguém maisprovou.Ninguém mais sentiu, maisninguém imaginaO que aos seus sentidos tocou eilumina,Levando-os a ter dignidadedivina.Vivendo na Terra, no céupermanec<strong>em</strong>.Em meio ao tumulto eles provamda paz.Tão frágeis e fracos, ao mundoguarnec<strong>em</strong>.São pobres mas têm tudo o quelhes apraz.Alegres prossegu<strong>em</strong> meio aosofrimento;Morreram aos sentidos de fora,ao tormento,E levam a vida de fé desdedentro.106Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408As d<strong>em</strong>ais estrofes do hino2. Sie scheinen vonaussen oft arm undgeringe,ein Schauspiel der Engel,verlacht von der Welt;doch innerlich sind sievoll herrlicher Dinge,der Zierat, die Krone, dieJesu gefällt,das Wunder der Zeiten,die hier sich bereiten,d<strong>em</strong> König, der unter denLilien weidet,zu dienen, mit heilig<strong>em</strong>Schmucke bekleidet.6. Wenn Christus, ihr Leben, wirdoffenbar werden,wenn er einst sich dar in derHerrlichkeit stellt,so werden sie mit ihm als Fürsten derErdenauch herrlich erscheinen zum Wunderder Welt;sie werden regieren, mit ihmtriumphieren,den Himmel als prächtige Lichterauszieren;da wird man die Freude gar ofenbarspüren.3. Sonst sind sie wohlAdams natürliche Kinderund tragen das Bildnis desIrdischen auch;sie leiden am Fleische wieandere Sünder,sie essen und trinken nachnötig<strong>em</strong> Brauch;in leiblichen Sachen, inSchlafen und Wachensieht man sie vor andernnichts Sonderlichs machen,nur dass sie die Torheit derWeltlust verlachen.4. Doch innerlich sind sie ausgöttilich<strong>em</strong> Stamme,geboren aus Gott durch seinmächtiges Wort;es lodert in ihnen die himmlischeFlamme,entzündet von oben, genähretvon dort.Die Engel sind Brüder, die ihreLoblieder,mit ihnen holdselig, undwonniglich singen;muss dann ganz herrlich, ganzprächtig erklingen.7. O Jesus, verborgenes Leben der Seelen,du heimliche Zierde der inneren Welt,lass deinen verborgenen Weg uns erwählen,wenn gleich uns die Schmach deines Kreuzesentstellt.Hier übel genennet und wenig erkennet,hier heimlich mit Christo im Vater gelebet,dort öffentlich mit ihm im Himmel geschwebetDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 107


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Bibliografia Mucker comentadaPor Adilson Schultz *1. AMADO, Janaína. A revolta dos Muckers: Rio Grande do Sul, 1868-1898. 2. ed. SãoLeopoldo: Unisinos, 20<strong>02</strong>.Na sua primeira edição a obra tinha como título Conflito Social no Brasil: a revoltados “Mucker”. São Paulo: Símbolo, 1978.Tese de doutorado da autora, a obra está construída <strong>em</strong> 3 capítulos: palco da revolta;atores da revolta; a revolta. É uma das principais obras de referência sobre osMucker. A pesquisa apresenta amplos dados que descrev<strong>em</strong> o contexto social daépoca, inclusive com tabelas sobre posse da terra, alfabetização, composição religiosae população.Sobre a obra, um comentário de Maria Amélia DICKIE, Afetos e Circunstâncias, p. 17-18:Ela reinterpreta Pereira de Queiroz, alicerçada sobre o conceito d<strong>em</strong>odo de produção. Fala de um confronto ente o modo de produçãocapitalista, que se originava com o progresso da colônia de S.Lepoldo,a acumulação nas mãos dos comerciantes e transportadores daprodução rural e que ditava a direção do futuro, e um "modo deprodução auto-suficiente" que havia sido a forma autônoma deorganização da produção na Colônia até a década de 1870. De acordocom esta análise, os colonos <strong>em</strong>pobrecidos pela ruptura da coerênciainterna de seu modo de produção reagiram na forma de ummovimento messiânico que propunha o retorno ao passadoigualitário, negando o presente cheio de desigualdades e conflitos.* Mestre <strong>em</strong> Teologia, com pesquisa sobre <strong>Protestantismo</strong> e Missão. Doutorando <strong>em</strong> Ciências daReligião no IEPG-<strong>EST</strong>, com pesquisa no campo Teologia e Literatura. Pesquisador do Núcleo deEstudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> e do Núcleo de Estudos e Pesquisa de Gênero.108Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Paradoxalmente à sua proposta teórica, que assume o messianismocomo decorrência lógica de uma situação de cise econômica, o livrode amado é rico <strong>em</strong> detalhes dos múltiplos fatores que poderiam tê-lalevado a explicar os elos desta decorrência: afinal, por que a uma criseeconômica gera uma crise religiosa, ou uma solução religiosa? Apesarde apontar várias possibilidades, seu trabalho se restringe aconsiderar todos os fenômenos presentes [...] como secundários àdiferenciação econômica que ocorria. [...]Tanto Pereira de Queiroz como Amado t<strong>em</strong> <strong>em</strong> comum a ênfase naanálise causal. Tentam responder à pergunta: o que fez surgir ummovimento messiânico?2. ARAVANIS, Evangelia. Movimento Mucker: a necessidade de novos estudos enovas abordagens. In: MAUCH, Cláudia, VASCONCELLOS, Naira (Org.). Os al<strong>em</strong>ãesno sul do Brasil: cultura - etnicidade - história. C<strong>ano</strong>as: Editora da ULBRA, 1994.3. ASSIS BRASIL, Luiz Antonio de. Videiras de Cristal: o romance dos Muckers. 5. ed.Porto Alegre: Mercado Aberto, 1997.Romance publicado <strong>em</strong> 1990, o livro descreve com detalhes o dia-a-dia dos colonosda região do episódio Mucker. A nova edição de 20<strong>02</strong> apresenta o livro com o títuloA paixão de Jacobina, <strong>em</strong> alusão ao filme homônimo de Lucy e Fábio Barreto,baseado na obra de Assis Brasil.4. BARBOSA, Fidélis Dalcin. Os fanáticos de Jacobina. Porto Alegre: Escola Superior deTeologia São Lourenço de Brindes, 1976.5. BARRETO, Eneida Weigert Menna. D<strong>em</strong>ônios e santos no Ferrabrás: Uma leitura deVideiras de Cristal. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2001.6. BIEHL, João Guilherme. Jammerthal, O Vale da Lamentação: crítica à Construção doMessianismo Mucker. Santa Maria: Pós-Graduação <strong>em</strong> Filosofia/UFSM, 1991.(Dissertação de Mestrado)Com base <strong>em</strong> ampla pesquisa <strong>em</strong>pírica e documental, Biehl constrói sua dissertaçãotentando escutar a voz dos colonos Muckers. Fez inúmeras entrevistas com colonosda região, tentando apreender o discurso sobre os Muckers hoje. A obra t<strong>em</strong> tambémDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 109


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408uma valiosa contribuição documental inédita, ao fornecer acesso direto aos jornais daépoca do evento. Ao lado do trabalho de Maria Amélia Dickie, é seguramente umadas principais pesquisas sobre os Muckers desde Janaína Amado.À p. 24ss, Biehl diz: “Procuro nos Muckers uma afirmação daquela cultura colona, eno caso dos seus adversários como a imposição da heteronomia, do germanismolocal, está vinculada à morte da vivência mítica colona, que ressurge na narrativamessiânica como literatura: realismo fantástico. Quer dizer, um movimento religiosoé aqui lido a partir de uma perspectiva religiosa, i.e., simbólica”.E à p. 32, um trecho de um extenso parágrafo provocativo:é isso que eu parecia estar vendo à minha frente, na casa de Edgar, eouvindo ao longe, nos interstícios do que até agora ouvira dosMuckers. Eles me pareciam menos preocupados <strong>em</strong> reconstruir omundo (como propõ<strong>em</strong> as pesquisas de Queiroz e de Janaína) do queseus adversários. Eram os clérigos protestantes e católicos aliados aosintelectuais positivistas que s<strong>em</strong>pre de novo apelavam para umaord<strong>em</strong> e tranqüilidade primeira, no intuito de negar os Muckerscomo sendo portas, vozes, imagens do fantástico que era aquelepresente real das colônias de São Leopoldo, onde sagrado e prof<strong>ano</strong>se metabolizavam. Ao apelar<strong>em</strong> a uma harmonia primeira,inexistente, as autoridades civis e eclesiásticas negavam o cotidi<strong>ano</strong>colono expresso simbolicamente pelos Muckers....A respeito da obra, DICKIE, p. 22-24, comenta:a perspectiva crítica que a informa é uma novidade entre os queescreveram sobre os Muckers, e as informações sobre a retórica dosintelectuais al<strong>em</strong>ães que escrever<strong>em</strong> contra eles, uma contribuiçãoimportante. Seu trabalho explora o discurso desses intelectuais, quena época eram chamados de os Brummers, como uma versão sobre osMuckers, cotejada, constant<strong>em</strong>ente, com a versão dos colonos, dosMuckers e usando como contraponto a atual versão dos habitantes dointerior das regiões de colonização al<strong>em</strong>ã. É uma agradável leitura,provocativa, que articula poesia e erudição com o cotidi<strong>ano</strong> doscolonos, s<strong>em</strong> esconder uma perspectiva afetiva. [...] Ele teve acesso aojornal al<strong>em</strong>ão Deutsche Zeitung (D.Z) dos <strong>ano</strong>s 1873/74, onde todasas cores momentâneas do discurso menos articulado do principalporta-voz dos Brummers, Karl von Koseritz, aparec<strong>em</strong>, mostrando adinâmica deste discurso corroborando o que dele se depreendeatravés de outros textos, mais articulados, disponíveis. [...]110Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Biehl constrói colonos e Muckers como o mesmo e, maisespecificamente, Mucker como representando uma essência colona[...] A construção dos Muckers como essência colona constrói umdualismo <strong>em</strong> que os vizinhos opositores aos Muckers são reduzidos àpresa fácil de um “discurso instituinte” (externo e estranho a“colônia”) enquanto os Muckers são o “discurso colono” e, maisespecificamente, a essência da colônia, <strong>em</strong> resistência ao discursoinstituinte.7. CAMARGO, César. S. Os Mucker: Movimento messiânico protestante no Brasil.<strong>Revista</strong> Teológica da Associação de S<strong>em</strong>inários Teológicos Evangélicos (ASTE), São Paulo,<strong>ano</strong> XXI, v. 7 (1), n. 33, dez 1990.8. DICKIE, Maria Amélia Schmidt. Afetos e Circunstâncias: um Estudo sobre osMucker e seu T<strong>em</strong>po. São Paulo : Programa de Pós-Graduação <strong>em</strong> AntropologiaSocial/ FFLCH/USP,1996. (Tese de Doutorado)Tese de doutorado da autora, o denso trabalho, com 520 páginas, é, ao lado de Biehl,o mais importante trabalho sobre os Muckers desde Janaína Amado. A obra t<strong>em</strong> 14capítulos, divididos <strong>em</strong> 4 partes, além de apêndices documentais.Seu diferencial está na ampla utilização como fonte documental dos processos einquéritos policiais judiciais contra os Muckers. Vários depoimentos dos colonos,Muckers ou não, b<strong>em</strong> como textos acusatórios, são transcritos integralmente. A partirdesses textos, dado a posteriori, é construído o texto que precipitou osacontecimentos trágicos do Ferrabrás.É seguramente a obra mais importante quando à religião dos Muckers, analisandoprofundamente o contexto religioso da época, inclusive teologicamente, seja dosimigrantes, seja das instituições religiosas, ou da piedade Mucker.Na introdução, p. 6, Dickie resume sua pesquisa: “Vou me deter sobre os Muckers e oseu entorno durante o período <strong>em</strong> que duraram o Inquérito Policial e os ProcessosJudiciais que foram instaurados contra eles, antes e depois da morte de Jacobina. [...]A tese está dividida <strong>em</strong> partes. Na Parte I, discuto as condições de produção da tese,Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 111


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408passando pela crítica aos autores que me precederam. Na Parte II, interpreto aacusação feita pelos colonos contra os Muckers, tal como aparece nos documentosjudiciais. Na Parte III, incursiono pelas matrizes culturais que localizam e constitu<strong>em</strong>esta acusação. Na Parte IV, trato de interpretar o escasso material disponível comodiscurso Mucker”.9. DOMINGUES, Moacyr. A Nova Face dos Muckers. São Leopoldo: Rotermund, 1977.É seguramente a obra mais citada como fonte sobre os Muckers, justamente porapresentar ampla documentação. Em mais de 400 páginas, Domingues dispõecronologicamente cartas, notícias de jornal, autos de inquérito e outros documentos,fornecendo uma visão ampla e detalhada do episódio. Numa nítida tentativa de serimparcial, o autor tece poucos comentários a respeito, dando ao/à leitor/a a tarefa dejulgamento próprio a partir dos documentos.10. DREHER, Martin N. O movimento Mucker na visão de dois pastores evangélicos.In: DREHER, Martin N. (Ed.). Peregrinação: estudos <strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> a JoachimHerbert Fischer pela passag<strong>em</strong> de seu 60º aniversário. São Leopoldo: Sinodal, 1990,p.1<strong>02</strong>-112.Um dos poucos que se detém no aspecto religioso do evento Mucker. Após examinaro contexto religioso europeu de onde partiram os imigrantes, explora relatos sobre omovimento feitos pelos pastores Rotermund e Schmierer, que atuaram <strong>em</strong> SãoLeopoldo imediatamente após o desfecho do conflito. Com opiniões antagônicas, ospastores responsabilizam pelo fenômeno ora a ignorância dos colonos, ora oabandono dos <strong>em</strong>igrados de parte da Igreja Al<strong>em</strong>ã, ora a maçonaria e os políticoslocais, ferrenhos areligiosos; ora a esperteza dos Maurers. Eles também louvam apiedade genuinamente evangélica dos Muckers. Interpretando a opinião dospastores, o autor conclui que os Muckers evidenciam “um choque entre uma piedadereavivalista e duas frentes que se lhe opõ<strong>em</strong>: o cristianismo iluminista e o ateísmomaterialista, mesclado com um mal digerido darwinismo”. Eles apresentam uma112Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408“piedade popular <strong>em</strong> luta com seus detratores. Há lamento sobre a situação <strong>em</strong> quese encontra a Igreja, muita leitura bíblica, culto doméstico, seriedade ética. Ahermenêutica é alegórica e recebe contornos quiliásticos. A seriedade ética e moralleva-os a ser ‘consciência’ da Colônia, o que, naturalmente, vai levar à reação”. Aofinal o autor pergunta se ao invés de caracterizar os Muckers como reação ao projetode sinodalização da Igreja, não estariam eles reagindo à Igreja dos pastores-colono,apoiando a clericalização.11. HUNSCHE, Carlos H. Dez novas fontes, desconhecidas e inéditas, sobre oepisódio e o epílogo dos Muckers no Rio Grande do Sul. - Separata dos Anais do 1.Simpósio de História da Imigração e Colonização Al<strong>em</strong>ã no Rio Grande do Sul. SãoLeopoldo, 1974, p. 247-262.Esta pequena brochura apresenta dez documentos sobre os Muckers, entre elesnotícias de jornais al<strong>em</strong>ães, <strong>ano</strong>tações do pastor Heinrich W. Hunsche, informaçõessobre passaporte al<strong>em</strong>ão e <strong>em</strong>igração dos principais colonos Muckers, e as m<strong>em</strong>óriasda família de Miguel Nöe, casado com Aurélia, filha de Jacobina. A obra apresenta naíntegra dois artigos sobre os Muckers do Jornal “Die Gartenlaube”, de 1874.12. LÉONARD, Émile-G. Os “Muckers” do Rio Grande do Sul. In: LÉONARD, Émile-G. O iluminismo num protestantismo de constituição recente. São Bernardo do Campo:Programa Ecumênico de Pós-Graduação <strong>em</strong> Ciências da Religião, 1988, p. 14-20.Autor clássico no estudo do protestantismo, Léonard publicou o artigo originalmente<strong>em</strong> 1952. Afirma que os Muckers representam o único movimento messiânicoprotestante do Brasil. Explica sua irrupção a partir do abandono a que os colonos daregião estavam submetidos, sobretudo abandono espiritual. Não havia clérigos eorganização institucional que abrigasse e administrasse as piedades concorrentes daépoca, o que produziu o fanatismo e o isolamento.13. MONTEIRO, Douglas Teixeira. Os errantes do novo século: um estudo sobre o surtomilenarista do Contestado. São Paulo: Duas cidades, 1974.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 113


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Ampla pesquisa sobre o movimento milenarista do Contestado, ocorrido nos <strong>ano</strong>s1912-1916 na região serrana de Santa Catarina, a obra é freqüent<strong>em</strong>ente citada nostrabalhos sobre os Muckers, sobretudo por ter revolucionado metodologicamente aanálise dos movimentos milenaristas/messiânicos ao propor uma mudança de focona análise: ao invés de buscar as causas do movimento, deve-se ater-se a ele; dar vozaos sujeitos do conflito. Trata-se de estudar o movimento desde dentro, e não a partirdas causas externas. No caso dos Muckers, sua explicação não estaria, sobretudo, nocontexto social - nas dificuldades financeiras, por ex<strong>em</strong>plo -, mas na formação dodiscurso interno. E aí sua tese é que as pesquisas dev<strong>em</strong> se deter mais no aspectoreligioso do movimento. Monteiro diz que os estudos dev<strong>em</strong> focalizar não o início, ascausas ou o fim do movimento, mas o período intermediário, o próprio movimento,aqueles aspectos culturais e religiosos que o dinamizam.Na introdução, à p. 10-11, Monteiro fala da sua pesquisa: “Minha intenção é analisaro comportamento social de uma comunidade humana que, enfrentando uma criseglobal, recolocou, dentro dos limites que lhe eram dados, os probl<strong>em</strong>as fundamentaisda sua existência enquanto grupo. Ao fazê-lo, elaborou um universo mítico,adotando as condutas ritualizadas correspondentes”.A respeito da obra, comenta BIEHL, p. 33-34:Opto por me aproximar ao messianismo nos Muckers inspirado notrabalho que Duglas Teixeira Monteiro fez com o movimentomessiânico do Contestado, “Os errantes do novo século”. Duglasaprofunda-se neste evento concreto situando-se junto aosparticipantes, e procurando ouvir o significado/ou não que osmesmos atribu<strong>em</strong> à sua ação. Ressalto mais uma vez: para mim aênfase está na ação simbólica, dialética com o con-texto. E a partir daíarriscar (como faz Douglas <strong>em</strong> método inverso ao de Maria Isaura)ampliar a discussão do messianismo para longe das comparações egeneralizações apressadas, forçadas e limitantes e aproximá-las doque, segundo Octavio Paz, a história desdenha, o cada dia.14. MUXFELDT, Hugo. A chacina mucker: crônicas. Porto Alegre: Pallotti, 1991.114Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 640815. MUXFELDT, Hugo. Os muckers 100 <strong>ano</strong>s depois. Porto Alegre: Edição do Autor,1983.16. PETRY, Leopoldo. O Episódio do Ferrabraz: os Muckers. 2. ed. São Leopoldo:Rotermund, 1966.Referência amplamente citada, é tido como obra restauradora, por surgir comoreação à d<strong>em</strong>onização generalizada a que estavam submetidos os Muckers. O livrosurge como antítese, sobretudo, ao livro de Schupp, este altamente inquisitório.Baseado <strong>em</strong> depoimentos e m<strong>em</strong>órias pessoais do evento, documentos oficiais e olivro de Nöe, test<strong>em</strong>unha ocular do movimento, o livro apresenta ainda artigosintegrais de Karl von Koseritz, João Jorge Klein e Arno Phillip. Publica também fotos,tabelas e matas referentes ao episódio.17. QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O Messianismo no Brasil e no mundo. São Paulo:Alfa-Omega, 1976.Obra de referência no estudo do Messianismo, apresenta um pequeno estudo sobreos Mucker, baseado, sobretudo, nas informações das obras de Petry e Schupp. Tratasedo primeiro texto do Brasil que enquadra os Muckers como movimentomessiânico, passando a ter influência abrangente na acad<strong>em</strong>ia. Entende os Muckerscomo movimento de reação à desigualdade social e estratificação injusta de poderexperimentada pelos colonos <strong>em</strong> relação às camadas mais abastadas da sociedadelocal. Os Muckers não eram classicamente messiânicos, pois não pretendiam umarevolução. Sobre a obra, um comentário de DIECKE, à p. 15:A autora classifica os Muckers como um messianismo rústico quefoge ao padrão dos d<strong>em</strong>ais messianismo rústicos brasileiros porquenão se dá como reação à <strong>ano</strong>mia social mas como reação ao processode estratificação de uma sociedade igualitária. [...] Comomessianismo, o movimento dos Muckers se caracteriza por ter aexpectativa da vinda de um salvador, num t<strong>em</strong>po indeterminado, omilênio, na esperança de que ele realize o futuro, seja reinstaurando aIdade de Ouro do passado, seja definido um novo mundo. [...]Identificando o movimento como messianismo, o importante, paraDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 115


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Pereira de Queiroz, é mostrar as regularidades sociológicas quedefin<strong>em</strong> as condições para seu surgimento e o seu desenvolvimento.18. SANTANA, Elma. Jacobina: a líder dos Muckers. Porto Alegre: AGE, 2001.Destinado ao público <strong>em</strong> geral, com linguag<strong>em</strong> simples e disposição didática clarados principais acontecimentos do evento Mucker, o livro t<strong>em</strong> como enfoque Jacobina,que é apresentada como forte líder espiritual e política e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, mãezelosa. Jacobina é “uma mulher à frente do seu t<strong>em</strong>po”.Trata-se de uma reedição do livro homônimo da autora, acrescido de várias fotos,como as atribuídas a Jacobina, João Maurer e Jacó Maurer, filho do casal, e fotos docenário do filme “A paixão de Jacobina”. Apresenta também pesquisa inédita sobreJacó Maurer, filho do casal Maurer, que após o desfecho do conflito teria se refugiadona região da fronteira com a Argentina, e aí dirigido uma comunidade Adventista doSétimo Dia, sendo um respeitado pregador. Seu túmulo está Palmeira das Missões,RS.19. SCHUPP, Ambrósio. Os Muckers: episódio histórico extraído da vidacont<strong>em</strong>porânea nas colônias al<strong>em</strong>ãs do Rio Grande do Sul. 2. ed. Porto Alegre:Selbach & Mayer Editores, s/d (a 1. edição é de 1901).É considerada a principal referência bibliográfica sobre os Muckers, devido à suaproximidade aos fatos - o livro foi escrito ainda no final do século XIX, e editado <strong>em</strong>1900, na Al<strong>em</strong>anha. A primeira edição brasileira é de 1901. Apresenta uma versãodetalhada dos fatos, com descrição dos cultos, dos julgamentos e das agressõesmútuas, inclusive recriando diálogos entre os principais protagonistas do episódio.Apresenta também vários documentos, como cartas e pautas de inquéritos. Nãoobstante sua importância, o livro é apontado como d<strong>em</strong>asiadamente parcial. O teorda obra é inquisitório, estando nitidamente comprometido com a visão externa aosfatos, condenando os Muckers e o casal Maurer como fanáticos e desequilibrados, eaté mesmo louvando a intervenção forte das forças legais.116Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 640820. SPERB, Angela. O processo dos Muckers. <strong>Revista</strong> de Estudos da FEEVALE. NovoHamburgo, v.4, n. 22, 1981.Filmes e DocumentáriosOs Muckers - Jorge Bodansky e Wolf Gauer, Globo Vídeo, 1977. 115min. (A biblioteca da <strong>EST</strong>t<strong>em</strong> cópia).A paixão de Jacobina - Lucy e Fábio Barreto, Columbus, 20<strong>02</strong>, 105min.Making Off do filme A paixão de Jacobina, 14min - a biblioteca da <strong>EST</strong> t<strong>em</strong> cópia.Heimat - a querência al<strong>em</strong>ã no RS - Unisinos, 20<strong>02</strong>, 9min.Os Muckers: fé e fogo no Ferrabráz - Marta Biachevski, 20 min, RBS produções, 2003.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 117


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Extratos de resenhas críticas de Videiras de Cristal, de LuísAntônio de Assis BrasilPor Adilson Schultz *1. ASSIS BRASIL: um romancista para além da História - Léa Masina[Extraído de MASINA, Léa. O códice e o cinzel. In: Luis Antonio de AssisBrasil. 2. ed. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro/ULBRA/AGE, 1995, p. 20(coleção Autores Gaúchos, v. 18)]Em Videiras de cristal [...] o romancista recorta crônicas de vidasprivadas para, através da construção de sagas familiares, compor umimaginário que dialoga com o individual e o coletivo, o público e oprivado.O episódio dos muckers, indigesto sob a ótica da política decolonização do Brasil, presta-se feito mote à construção de umuniverso lúgubre e dramático <strong>em</strong> que a narrativa de cunho realistacede espaço à representação de fantasias coletivas. O texto dissolve oeixo ideológico do positivismo histórico e transforma o enredo apartir da multiplicação do foco narrativo. A partir de Videiras de cristalacentua-se a tendência natural do escritor para relativizar a intriga equestionar, pelo viés das personagens, as leituras tradicionais daHistória. Serão reais os documentos pesquisados e transcritos, osfragmentos de jornal, os bilhetes e as cartas? A dúvida insere-se nodiscurso e assegura o espaço para a imaginação e a m<strong>em</strong>ória,obrigando o leitor a um comportamento solidário. As indagações,construídas na esfera do literário, multiplicam-se, transformando oisolamento cultural do povo de Jacobina num desafio à reflexão sobrea natureza humana. Será também pelos olhos das personagenssecundárias que o misticismo do Ferrabrás desvenda-se aos leitores.A visão humanística do escritor, aliando-se a uma técnica apurada,permite-lhe mais uma vez, erradicar o maniqueísmo das versõespúblicas e oficiais e mostrar homens e mulheres acossados pela* Mestre <strong>em</strong> Teologia, com pesquisa sobre <strong>Protestantismo</strong> e Missão. Doutorando <strong>em</strong> Ciências daReligião no IEPG-<strong>EST</strong>, com pesquisa no campo Teologia e Literatura. Pesquisador do Núcleo deEstudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> e do Núcleo de Estudos e Pesquisa de Gênero.118Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408indiferença cultural dos seus governos, desvalidos na fé e frustrados<strong>em</strong> seus anseios.Embora o paralelo com o clássico Os sertões, de Euclides da Cunha,seja inevitável, <strong>em</strong> Videiras de cristal não há a apologia do hom<strong>em</strong>corajoso, resistente e forte. Fiel à motivação social, presente desdeseus primeiros textos, o romancista constrói a visão urgente e trágicade personagens que lutam desesperadamente contra a morte certa eassim erradicam qualquer possibilidade de epifania. A obraaprofunda a análise da loucura coletiva que assola uma comunidadefechada e s<strong>em</strong> saída, onde as paixões dialogam com a lucidez efuncionam como índices de resistência a um processo de aviltamentoque privilegia a homogeneidade e destrói a diferença. Essaconstatação assume foros e denúncia à medida que o leitor sente aproximidade com o fato ocorrido, “a verdade” que subjaz ao“possível” do texto literário. O registro do processo de colonizaçãoque visava homogeneizar culturas acentua, portanto, o el<strong>em</strong>entopolítico na obra romanesca de Luiz Antonio de Assis Brasil.2. Personagens, contexto, enredo e outros detalhes de Videiras de Cristal[extraído de página da WEB]As almas dos fiéis se ass<strong>em</strong>elham a videiras de cristal: fecundas nosverões luminosos, mas frágeis e quebradiços quando cobertas pelageada do inverno.Sobre o autor, nota-se a preocupação <strong>em</strong> desmistificar os heróis d<strong>ano</strong>ssa História, apresentando-os <strong>em</strong> sua dimensão humana, comfalhas, fraquezas, mas exaltando também os momentos de grandeza.Tendo a história como p<strong>ano</strong> de fundo, Assis Brasil, vai desta forma,reconstituindo o passado do Rio Grande do Sul.1. Preliminares: A obra trata da imigração al<strong>em</strong>ã no RS. O autor partede um acontecimento político - o episódio dos Mukers. Apersonag<strong>em</strong> principal é a própria Jacobina, que comandou ainsurreição contra a ord<strong>em</strong> constituída <strong>em</strong> nome dos princípiosreligiosos, o fanatismo, o abandono espiritual e material a que foramrelegados os al<strong>em</strong>ães que se estabeleceram na região do RS - Vale dosSinos - a partir de 1824. O cenário é o próprio morro do Ferrabrás,próximo a Nova Hartz, palco dos lamentáveis acontecimentos qu<strong>em</strong>ancharam a História do RS na metade do século XIX.2. Características: Predomínio do romance histórico; estrutura neorealista:linguag<strong>em</strong> tradicional; visão crítica e desmistificadora dopassado.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 119


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 64083. Espaço: A noção de espaço é precisa, porque o autor utiliza-se dedescritivismo. O local é o Rio Grande do Sul, área de colonizaçãoal<strong>em</strong>ã - Padre Eterno - no morro Ferrabrás (atual Sapiranga), colôniacom pouca infra-estrutura.4. T<strong>em</strong>po: Entre 1872 e 1874. À época do Segundo Reinado e doprocesso de Industrialização. É o início da fase de descrédito de D.Pedro II. O fato relatado pelo livro não foi um processo isolado e, sim,uma relação com a realidade política, econômica e social da época.Outras tantas revoltas surgiram no Brasil no final do século XIX einício do século XX.5. Linguag<strong>em</strong>: Constitui-se de uma narrativa fragmentada, ora feita<strong>em</strong> 1ª pessoa, ora <strong>em</strong> 3ª pessoa do singular (narrador onisciente eimparcial). Os personagens são apresentados individualmente e, aospoucos, incorporam-se à trama. Em algumas passagens, o narradorassume a "fala" de certos personagens para melhor externar seussentimentos.6. Personagens:Jacobina Maurer: Esposa de João Jorge Maurer, mulher frágil queliderou o movimento messiânico dos Muckers. Grande capacidade depersuasão, carisma, d<strong>em</strong>onstrava equilíbrio <strong>em</strong>ocional. Dizia ser onovo Cristo. Curava as pessoas pelo Espírito Natural;João Jorge Maurer: O "Wunderdocktor", marido de Jacobina;Jacó-Mula: Estereótipo do fanatismo do movimento. Ignorado pelafamília e pelos amigos, foi morar <strong>em</strong> Ferrabrás, integrando-se aosmuckers. Tornando-se um dos mais fiéis amigos de Jacobina;Johann Georg Klein: Nascido na Al<strong>em</strong>anha era um hom<strong>em</strong> culto comdesejo de ser pastor. No Brasil, casou-se com Carolina Mentz, irmãmais velha de Jacobina, sendo convidado por esta a exercer funçõeseclesiásticas entre os Muckers. Ele aceitou e tornou-se um dosm<strong>em</strong>bros mais importantes;Rodolfo Sehn: Amante de Jacobina;Christian Fischer: Psiquiatra al<strong>em</strong>ão que acabou aderindo à causa dosmuckers;Ana Maria Hofstäter: Era apaixonada por Halbert. Com o assassinatodeste, passou a odiar Jacobina (para qu<strong>em</strong> trabalhava como criada);Halbert: Morava <strong>em</strong> Ferrabrás, era um mucker; porém, quando presoe, logo após absolvido, foi morar com seu tutor, que era católico.Começou a colaborar com a polícia, indicando nomes e suspeitos doatentado contra João Lehn. Foi assassinado;Tio Fuchs: O ruivo mucker; matou Halbert;Schreiner: Delegado da província de São Leopoldo;Splinder: O subdelegado;120Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408João Lehn: Inspetor de Quarteirão do Ferrabrás;Padre Mathias Münsch: Da Companhia de Jesus;Pastor Boeber: Da Igreja Luterana do Padre Eterno;Coronel Genuíno Sampaio: Comandou o primeiro ataque aos muckers;Capitão San Tiago Dantas: Passa ao comando do segundo ataque.7. ResumoNa colônia germânica de Padre Eterno, aos pés do Morro Ferrabrás,nos <strong>ano</strong>s de 1872 a 1874, dá-se um episódio fascinante da história doRio Grande do Sul. Um grupo de colonos al<strong>em</strong>ães liderados por umafrágil mulher, Jacobina Maurer, a qual se intitulava o “CristoF<strong>em</strong>inino”, revolta-se contra as instituições da época. Os “muckers”(santarrões, hipócritas, santos fingidos, <strong>em</strong> al<strong>em</strong>ão) eram confortadospor Jacobina com suas promessas do paraíso celeste, pois esta faziaprevisões sobre o fim do mundo. Sendo vistos como fanáticos pelasautoridades e d<strong>em</strong>ais cidadãos, o muckers começaram a serperseguidos. Ao contrário do que pensavam, o grupo começou aaumentar, tendo como apoio as palavras da Mutter (mãe), “a portavozdo Espírito Natural”. Com isso, uma verdadeira guerra seinstaurou na colônia: de um lado os muckers, defendendo sua fé, e deoutro os d<strong>em</strong>ais colonos, que defendiam a ord<strong>em</strong>.Com o elevado número de mortes e incêndios, a situação chegou aoponto de ser necessária a convocação do Exército Imperial para pôrfim à confusão. A essa altura, os muckers eram cerca de duzentospessoas, capazes de morrer por Jacobina. Com a chegada do ExércitoImperial, eles se reuniram na casa da Mutter, na busca de refúgio eproteção; porém, após alguma resistência, o lugar foi tomado peloexército, que se constituía de mais ou menos quinhentos homens b<strong>em</strong>armados, e os muckers e sua cidadela foram arrasados.Jacobina, sua filha caçula (“a filha da fé”) e mais umas vinte pessoas,entre elas os principais líderes, conseguiram fugir para umesconderijo no Morro Ferrabrás. No entanto, um dos sobreviventes,Andreas Luppa, que teve sua família morta, revoltou-se contraJacobina, entregando-a às autoridades.Num segundo ataque, o Exército matou o restante, inclusive a líderJacobina Maurer.8. Resenha críticaO livro Videiras de Cristal pareceu-nos relatar, com verossimilhança,os fatos ocorridos <strong>em</strong> tal acontecimento (Revolta Messiânica dosMuckers). Luís Antônio de Assis Brasil, com ajuda de pesquisas e umbom respaldo bibliográfico, conseguiu caracterizar com detalhes avida dos personagens envolvidos na história. É, no entanto, umromance de ficção, tendo <strong>em</strong> vista a criação de vários personagens esuas vicissitudes. Apesar de o livro estar preso no t<strong>em</strong>po,Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 121


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408conseguimos visualizar muito b<strong>em</strong> a história devido ao detalhismo.Assis Brasil usa um artifício muito peculiar para melhor caracterizarseus personagens que é a profunda análise psicológica.Assim, pod<strong>em</strong>os perceber os conflitos internos de cada um. O autorfaz uma crítica sutil à estrutura do governo imperial, através dosliberais, mas não apresenta solução para os probl<strong>em</strong>as. A história(religiosa) é at<strong>em</strong>poral, pois seitas como a dos Muckers surg<strong>em</strong> a todahora. Outro ponto interessante a ser ressaltado é a mesquinhez, oindividualismo e a ingenuidade das pessoas. Os adeptos da seitaeram cegos de tão ingênuos e os outros personagens, com exceção doPadre Munsch, colocavam seus interesses <strong>em</strong> primeiro lugar.Dev<strong>em</strong>os observar as três guerras messiânicas ocorridas no Brasil, noséculo XIX: Muckers(RS), com Jacobina Maurer; Canudos(BA), comAntônio Conselheiro e Contestado(SC), com Antônio Maria.122Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Apresentação e Resumo do livro “Correntes Religiosas eGlobalização”Por Oneide BobsinA coerência t<strong>em</strong>ática de um conjunto de textos escritos <strong>em</strong> época distintas epor razões diferentes seria uma tarefa difícil se as motivações não estivess<strong>em</strong>balizadas por perspectiva analítica interdisciplinar do fenômeno religioso e suasmúltiplas tendências, no horizonte de um compromisso ecumênico que se configurana prática pastoral e política transformadora. Relacionado a esta perspectiva, oprobl<strong>em</strong>a comum aos textos aqui reunidos nasce da compreensão de que há umabusca de sentido nas fronteiras, ora difusas, ora rígidas, entre velhas e novasidentidades religiosas.Neste sentido, o trabalho Tendências Religiosas e Transversalidade - Hipótesessobre a transgressão de fronteiras expressa os aspectos teóricos comuns a todos textos. Oartigo reflete sobre as reconfigurações dos mapas das religiões a partir da noção detransversalidade num contexto <strong>em</strong> que a globalização transcende a economia d<strong>em</strong>ercado e o sist<strong>em</strong>a financeiro internacional. Captar a dinâmica da trajetória decrenças e idéias religiosas que não apenas se destradicionalizam, mas tambémperpassam as fronteiras confessionais e das grandes religiões mundiais, constituiu-se,nos últimos <strong>ano</strong>s, uma preocupação constante na compreensão da globalização eseus efeitos sociais e simbólico-religioso.No segundo texto desta coletânea o t<strong>em</strong>a transversalidade encontra no camporeligioso brasileiro um lugar para ser exercitado. Em A Morte Morena do<strong>Protestantismo</strong> Branco: Contrabando de espíritos nas fronteiras religiosas, ao lançar mão daimag<strong>em</strong> da tela de cin<strong>em</strong>a sobre a qual é projetada as cenas de um filme, pretendoDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 123


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408auscultar possíveis passagens entre fenômenos religiosos com ampla base popular noBrasil. Para aquilo que é nomeado como a expressão “vasos comunicantes” poralguns cientistas das religiões cunho a idéia de contrabando simbólico. Assim, ao meapropriar da idéia de uma transação ilegal na circulação de mercadorias retomo, decerta forma, a pergunta pelas interseções t<strong>em</strong>áticas nas fronteiras de fenômenosreligiosos distintos. Faz<strong>em</strong>os, portanto, um exercício ao auscultar os t<strong>em</strong>as sócioexistenciaiscomuns ao catolicismo popular, cultos afro-brasileiros. espiritismo,umbanda e pentecostalismo/neopentecostalismo. Neste horizonte nos perguntamos,pois, o que é comum a uma diversidade de práticas religiosas, não obstante aconcorrência religiosa influenciada pelo mercado e o confronto simbólico-religiosoentre pentecostais/ neopentecostais e os cultos de possessão. Em que medida oconflito entre práticas religiosas distintas não é decorrência de um esforço paradesenhar diferenças não tão visíveis aos olhos dos fiéis?Se com os dois primeiros textos buscamos apresentar a dinâmica do universoreligioso brasileiro e seus vínculos com as tendências mais globais, <strong>em</strong> Pentecostalismoe neopentecostalismo no Brasil: Aspectos políticos e culturais analisamos um dosfenômenos religiosos mais expressivos que atravessou o século XX num crescendonumérico. Seguimos, desta forma, um raciocínio dedutivo.Seu impacto na sociedade brasileira foi confirmado pelo Censo do IBGE de2000, o qual nos d<strong>em</strong>onstra que 10% da população brasileira é pentecostal. Seucrescimento numérico parece ser diretamente proporcional ao seu envolvimentopolítico, especialmente a partir das últimas duas décadas. Pentecostais eneopentecostais apóiam entre tantos no momento um candidato à presidência daRepública e o candidato a vice na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva. O interesse pelapolítica transcende os interesses fisiológicos e deita suas raízes na forma como opentecostalismo e neopentecostalismo se constituíram numa ruptura religiosa nolastro de continuidades culturais na sociedade brasileira. Além disso, opentecostalismo e o neopentecostalismo constitu<strong>em</strong>-se como tendências que cruzam124Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408as fronteiras das Igrejas cristãs tradicionais, apresentando-se nelas na forma d<strong>em</strong>ovimento carismático.Mesmo que tenha sido elaborado durante o período da campanha eleitoralde quatro <strong>ano</strong>s atrás e de estar vinculado a um t<strong>em</strong>a específico de um simpósio cujot<strong>em</strong>a foi Populações Rio-grandenses e Modelos de Igreja, seus dados e pistasinterpretativas não se prend<strong>em</strong> àquela conjuntura e aos propósitos da ComissãoHistória Eclesiástica (CEHILA) que promoveu aquele evento.Entre as tendências ou correntes religiosas de perfil transnacional está ofundamentalismo. Como os pentecostais das últimas décadas, os gruposfundamentalistas também vinculam suas práticas a um discurso político-religioso. Apartir do mote “Deus salve a América”, tantas vezes repetido por George W. Bushapós os atentados de “11 de set<strong>em</strong>bro” de 2001, tec<strong>em</strong>os fios que vinculam o usopolítico da religião pelo presidente da maior potência econômico-militar do planeta àtão discutível Religião Civil americana e ao protestantismo fundamentalista. S<strong>em</strong>cairmos num dualismo polarizado entre b<strong>em</strong> e mal, a título de contrapontoigualmente buscamos nos grupos islâmicos fundamentalistas minoritários um outromote: “Morte à América”, é o que bradavam os 8 milhões de muçulm<strong>ano</strong>s que foramvisitar o túmulo de Khomeini uma <strong>ano</strong> após a sua morte.Os discursos de Bush após o atentado terrorista de 11 de set<strong>em</strong>bro contra ossupostos terroristas muçulm<strong>ano</strong>s liderados por Bin Laden não reflet<strong>em</strong> um “choquede civilizações” como quer Samuel Huntington. Ad<strong>em</strong>ais, as acusações que levam àd<strong>em</strong>onização do outro, tanto de Bush quanto de Bin Laden, não nos autorizam aafirmar que a religião voltou a assumir o lugar de maestra nos conflitos políticosinternacionais. Reconhec<strong>em</strong>os, isto sim, que está ocupando um lugar no espaçopúblico, não obstante as teses que sustentam sua forte tendência à privatização. Destaforma, o texto “Deus Salve a América”: fundamentalismo, identidade e política tentarelativizar os lugares que as religiões ocupam tanto na tendência fundamentalistaque volta os olhos para o passado como se a resposta ao mundo modernoDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 125


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408secularizado consistisse na subordinação do Estado e da cultura a credos religiososquanto à idéia de que caminhamos, inevitavelmente, para a determinação do camporeligioso pela lógica do mercado. Logo, a presença das instituições religiosas noespaço público pode facilitar os surgimentos de novas identidades e práticassolidárias desde de que a dinâmica da sociedade civil e do próprio Estado trac<strong>em</strong>contornos a tendências ao entrincheiramento identitário.No último texto, os t<strong>em</strong>as e as questões abordados ao longo da coletânearetornam sob a forma de uma linguag<strong>em</strong> própria de romances; esta é, pelo menos, atentativa do autor. Religiões <strong>em</strong> romances compreende a apresentação de três obras,sendo que duas são romances. A primeira a ser apresentada t<strong>em</strong> por título O rei, osábio e o bufão. O teólogo protestante e cientista da religião Shafique Keshajveapresenta o diálogo entre as grandes religiões mundiais por meio de uma fábula. Aquestão fundamental é colocada pelo rei que pretende, através de um torneio entrelideres religiosos, descobrir qual a melhor religião para superar a crise de sentido daspessoas de seu país.A viag<strong>em</strong> de Théo da escritora francesa Catherine Clément apresenta umdrama de uma família de orig<strong>em</strong> grega que vive na França, cujo filho adolescentesofre de uma doença incurável. A tia de Théo, uma viúva rica, resolve presentear osobrinho com uma viag<strong>em</strong> pelos grandes centros religiosos do mundo. Talvez seja oúltimo presente que Théo receberá antes de morrer. Através da ficção Catharine vaiapresentando a Théo os mais diversos personagens das religiões, b<strong>em</strong> como ritos quevisam a terapia. Não faltam os debates acalorados de Théo e de sua tia comsacerdotes e sacerdotisas a respeito dos conflitos e guerras religiosas. Mesmodescrentes, a visita a centros religiosos dos cinco continentes traz novas perspectivaspara aquele adolescente que reflete as perguntais fundamentais dos seres hum<strong>ano</strong>s esuas articulações distintas pelas religiões.As questões existenciais romanceadas por Shafique e Catherine encontramlugar <strong>em</strong> O livro das religiões, de Jostein Gaardner, autor do best-seller “Mundo de126Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Sofia”. Com certeza, os personagens dos dois primeiros romancistas se encontrariamno texto de Gaardner, quando este busca na descrição das religiões respostas paraperguntais fundamentais, tais como: Qu<strong>em</strong> sou eu? Como foi que o mundo passou aexistir? Que forças governam a história? Deus existe? O que acontece conoscoquando morr<strong>em</strong>os? Como um filósofo europeu de tradição protestante, Gaardner eos co-autores V. Hellern e H. Notaker não ignoram respostas a estas perguntas porqu<strong>em</strong> não t<strong>em</strong> as religiões como referência. Com certeza, alguns personagens deShafique e o próprio Théo se sentiram à vontade com a abordag<strong>em</strong> secular dasquestões existenciais feitas por Gaardner.Na viag<strong>em</strong> por meio desta coletânea as pessoas poderão se decepcionar, b<strong>em</strong>como encontrar razões para a esperança. Não está expresso, mas perpassa todos ostextos a compreensão segundo a qual as religiões são fenômenos sociais e hum<strong>ano</strong>s;logo, carregados de ambigüidade. Em outras palavras, as religiões se constitu<strong>em</strong>como espaços de vida ou de morte. Elas pod<strong>em</strong> fazer viver ou morrer. Elas pod<strong>em</strong>ser espaços de fuga da realidade ou motivação de transcendência para dentro dahistória. Pod<strong>em</strong> ser vistas como correntes que prend<strong>em</strong> e/ou correntes de água quel<strong>em</strong>bram a liberdade que brota da fé rompe grilhões.Também é importante ressalvar que se o “e” dará lugar ao “ou”, saber<strong>em</strong>oscontar até três e nos tornar<strong>em</strong>os mais d<strong>em</strong>ocráticos. Como a política, as religiõespod<strong>em</strong> alienar como nos colocar <strong>em</strong> marcha num processo de libertação; ou as duasrealidades simultaneamente. Como disse o apóstolo Paulo <strong>em</strong> 1 Coríntios 13. 12,“agora v<strong>em</strong>os <strong>em</strong> espelho e de uma maneira confusa, mas, depois, ver<strong>em</strong>os face aface”. Além disso, nos alerta de que a ciência s<strong>em</strong> amor nos deixará inchados;inchados de arrogância.São Leopoldo, julho de 20<strong>02</strong>.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 127


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Apresentação e Resumo do livro “Movimento de RenovaçãoEspiritual: o carismatismo na IECLB”Por Oneide BobsinO livro é o “Relatório de pesquisa junto à 2ª Conferência Luterana doEspírito Santo, do Movimento de Renovação Espiritual da IECLB, realizada <strong>em</strong>Joinville/SC, 07-09 de set<strong>em</strong>bro de 2001, e junto a comunidades da IECLBidentificadas como o MRE”.O Relatório de Pesquisa t<strong>em</strong> dois capítulos de caráter distintos. O 1ºapresenta quatro relatos que objetivam descrever o que aconteceu na 2ªConferência, dando destaque para diferentes manifestações da Conferência. O 2ºCapítulo apresenta análises, impressões e comentários individuais de cadaintegrante da equipe de pesquisa a respeito da 2ª Conferência e do MRE.Assim, no 1º Capítulo, o primeiro relato descreve o desenrolar da 2ª Conferência,destacando suas atividades, palestras, prédicas e seus gestos “carismáticos”. Não se trata deuma fotografia da 2ª Conferência, o que s<strong>em</strong>pre é impossível, mas de um olhar daequipe de pesquisa, interessada <strong>em</strong> aproximar outras pessoas do que vimos eouvimos. Para registrar o movimento dos acontecimentos, utilizamo-nos da técnicade pesquisa chamada Observação Participante.No segundo relato do Relatório de Pesquisa estão sist<strong>em</strong>atizadas respostas aosquestionários enviados a cinco comunidades da IECLB, expressando opiniões de liderançasque se identificam com o conteúdo da 2ª Conferência, todas m<strong>em</strong>bros da IECLB. Oquestionário foi elaborado a partir do conteúdo do documento IECLB no Pluralismoreligioso, texto publicado pela direção da IECLB no <strong>ano</strong> 2000, que visou estabelecer128Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408critérios evangélico-luter<strong>ano</strong>s de avaliação e orientação da Igreja diante da realidadereligiosa no País. Evidente que inserimos perguntas diretas e simples a partir dasinúmeras versões que circulavam sobre a atuação dos carismáticos na IECLB. Asrespostas foram registradas assim como chegaram a nós. Entend<strong>em</strong>os que destaforma os/as leitoras/as poderão avaliar as falas de pessoas identificadas com MREcom um maior grau de imparcialidade, levando <strong>em</strong> conta como elas se vê<strong>em</strong> atravésdo Movimento.O terceiro relato deste 1º capítulo do Relatório registra a transcrição de parte de umdos cultos realizados na 2ª Conferência. Os cultos da noite eram ansiosamenteaguardados por pelos participantes. Transcrev<strong>em</strong>os um culto porque, na nossaopinião, eles mostram o rosto do MRE. Na primeira parte do culto, que dura de duasa três horas, dá-se muito t<strong>em</strong>po para um louvor altamente <strong>em</strong>otivo, conduzido poruma banda muito b<strong>em</strong> preparada. Segue-se com uma longa pregação. Por fim, v<strong>em</strong> ainvocação do Espírito Santo, o pedido de bênçãos e libertação dos males e mausespíritos. Este último é o momento da forte experiência espiritual. Para que o/aleitor/a possa conhecer melhor esta experiência cúltica, transcrev<strong>em</strong>os a prédica dopastor Mário Silveira, da Paróquia de Cachoeirinha/RS, seguida e antecedida detest<strong>em</strong>unhos de cura e orações.O quarto relato, encerrando o 1º capítulo, apresenta a transcrição de entrevista aopastor John Aamot, palestrante na 2ª Conferência. Na entrevista o pastor norte-americ<strong>ano</strong>traça distinções entre o Movimento de Renovação Espiritual ou MovimentoCarismático e as motivações bíblicas que alicerçaram o Movimento Encontrão, doqual é um dos pais espirituais. A partir da centralidade do seguimento a Jesus,Aamot faz considerações sobre a dinâmica da experiência espiritual. Pareceu-nos quea sua presença na Conferência está lastreada pelos vínculos com o MovimentoEncontrão. Ressalvamos que o conteúdo da entrevista tornou-se público através desuas palestras na própria Conferência.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 129


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408No 2º capítulo do Relatório, os integrantes da equipe de pesquisa decidiramse expor. A partir da observação participante, dos dados do questionário, dasconversas com os/as participante e as lideranças da 2ª Conferência, b<strong>em</strong> como pormeio das fitas de vídeo que registraram a 2ª Conferência, sentimo-nos desafiados afazer considerações teóricas.No primeiro texto, motivado pelo cartaz da 2ª Conferência, que sobrepõeuma pomba ao símbolo da IECLB, esboço algumas considerações sociológicas arespeito da 2ª Conferência e do próprio Movimento. Destaco as tensões entreMovimentos e Instituição, não específicas do MRE, e realço brev<strong>em</strong>ente conjeturassobre as tendências do Movimento. O título A Pomba não voa no Vácuo nos r<strong>em</strong>eteaos vínculos tensos da experiência espiritual com a tradição eclesiástica, b<strong>em</strong> como àcompreensão de que s<strong>em</strong>pre há “nuvens” diante de nossos olhos.No segundo texto, com um título sugestivo e instigante, Em defesa doMovimento Carismático: el<strong>em</strong>entos relevantes do discurso do MRE, AdilsonSchultz, mestre e doutorando do IEPG, nos convida a olhar para o MRE a partir deaspectos pastorais e teológicos que o caracterizam. Na forma de tópicos seguidos deuma argumentação ponderada, Adilson vai levantando questões que o próprio MREse faz, e traz aquelas que os de “fora” lançam sobre ele. Por ex<strong>em</strong>plo, defende oponto de vista de que a existência do MRE coloca a IECLB num novo patamareclesial-cultural, ao lado de tantas outras Igrejas inseridas culturalmente no Brasil.Instigante é também a tese que busca afirmar a legitimidade teológica de um lugarpara o êxtase na IECLB, uma Igreja marcada pelo discurso racionalista, pela palavra.No seu conjunto, as teses levantadas por Adilson nos faz<strong>em</strong> superar o senso comumproduzido sobre o Movimento, s<strong>em</strong>, no entanto, deixar de questioná-lo teológica epastoralmente. Os tópicos destacados têm o objetivo de abrir o debate provocadopela presença do MRE na IECLB - aliás, não MRE, mas MCL (MovimentoCarismático Luter<strong>ano</strong>), como Adilson prefere, o que por si só geraria discussão tantopara dentro quanto para fora do Movimento.130Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408No terceiro texto, o professor de Missiologia da <strong>EST</strong>, mestre e doutorando doIEPG, pastor Roberto E. Zwetsch, expõe seu ponto de vista resgatando aspectoshistóricos do Movimento. Assim, ao buscar as raízes do MRE, Roberto fazconsiderações sobre o Movimento Encontrão, sua história e ênfases na evangelizaçãoe no discipulado. Em Evangelho com poder - que poder?, t<strong>em</strong>atiza aspectosteológicos na perspectiva da compreensão de uma palavra que aparece com muitafreqüência nos discursos das lideranças e dos participantes da 2a Conferência: Poder.De que poder se trata? Roberto faz suas considerações resgatando a dinâmica daConferência e suas ênfases pastorais e teológicas. Analisa a pregação do pastor LuizHenrique Scheidt, um dos lideres do Movimento. Scheidt definiu critérios deavaliação da experiência carismática a partir do relato da transfiguração de Jesussobre o monte. Ali Pedro, Tiago e João tiveram uma experiência carismática. Pedro,porém, equivocou-se ao fazer a interpretação da experiência: ao invés de fazer tendase assegurar ou perpetuar aquele momento indescritível, como queria Pedro, Jesusordenou cautela, e pediu que ninguém falasse nada a respeito por enquanto, e osconvidou a descer o monte.O quarto texto, sob o título Somos Luter<strong>ano</strong>s?!, apresenta a avaliaçãoteológica de Ad<strong>em</strong>ir Trentini, estudante do bacharelado <strong>em</strong> Teologia da <strong>EST</strong>. Suaanálise pergunta pela identidade luterana do MRE. Inicialmente afirma que todos osparticipantes da 2ª Conferência se diz<strong>em</strong> identificados com o ser luter<strong>ano</strong>,especialmente se pensarmos nas pessoas oriundas de Comunidades da IECLB, qu<strong>em</strong>ajoritariamente são tradicionais. No entanto, Trentini levanta uma suspeita sobre aconfessionalidade quando l<strong>em</strong>bra uma frase dita por um conferencista oriundo dosEstados Unidos da América: Doutor Lutero está?, pergunta o conferencista olhando aoredor. Não, ele morreu! Cristo vive <strong>em</strong> nós! Crendo, de fato, que Cristo vive <strong>em</strong> nós,Trentini pergunta se a elevação espiritual e a glória não contradiz<strong>em</strong> a palavra daCruz, central na confessionalidade luterana.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 131


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Portanto, os leitores e as leitoras têm diante de si dois blocos distintos. Oprimeiro, nasce de dentro do Movimento. O segundo, por sua vez, apresentaconsiderações sobre a Conferência e o MRE. Desta forma d<strong>em</strong>ocrática, o leitor e aleitora poderão chegar a outras avaliações a partir dos subsídios do Relatório dePesquisa - que jamais teve a ousadia de ser completo.Ainda na parte da análise colocamos <strong>em</strong> anexo para o julgamento do/aleitor/a uma breve entrevista realizada pela assessoria de imprensa da <strong>EST</strong> dias apósa 2ª Conferência. Nela, os professores Roberto Zwetsch e Oneide Bobsin falam para oinformativo <strong>EST</strong> na Vitrine sobre o desenrolar da 2ª Conferência e as perspectivasdistintas dos conferencistas.Nosso Relatório de Pesquisa foi enriquecido teoricamente pela resenha, umresumo detalhado que Adilson Schultz fez da dissertação de mestrado do pastor ValdirPedde sobre carismatismo, apresentada ao Programa de Antropologia da UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul. Pedde, que continua suas pesquisas <strong>em</strong> nível dedoutorado, fez um estudo comparativo entre carismáticos luter<strong>ano</strong>s e católicos, tendo<strong>em</strong> vista a performance dos rituais. Em outras palavras, o movimento carismáticorelaciona intimamente rito a discurso (forma e conteúdo), como se o meio fosse amensag<strong>em</strong>. Gestos, louvor, elevação espiritual não são meras formas; são conteúdos.Instigante também são as diferenças entre os movimentos carismáticos católico e oque se desenvolve na IECLB. Entre outras, Pedde concluiu que o movimentocarismático católico está mais centrado nos leigos, ao passo que na IECLB o MRE éfort<strong>em</strong>ente influenciado por pastores, os quais tomam a iniciativa da impl<strong>em</strong>entaçãoprática do Movimento nas Comunidades. Como a resenha é b<strong>em</strong> detalhada, o/aleitor/a terá uma ótima visão da dissertação do pastor e doutorando Valdir Pedde.Para análise do/a leitor/a também anexamos ao relatório a avaliação que aprópria organização do evento fez da 2ª Conferência, baseada <strong>em</strong> notas e comentários queos participantes fizeram a respeito de diversos aspectos da Conferência, desde asprédicas até condições físicas do espaço que acolheu os/as participantes do evento.132Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Por fim, l<strong>em</strong>bramos que houve um investimento de aproximadamente R$1.000,00 para a realização desta pesquisa. A direção da IECLB, que a apoiou,disponibilizou este recurso a partir do extinto projeto Assessoria no PluralismoReligioso, que por quase uma década foi coordenado pelo pastor Dr. Ingo Wulfhorst,hoje secretário de estudos para o diálogo inter-religioso da Federação LuteranaMundial. Também a direção da Escola Superior de Teologia e do Instituto Ecumênicode Pós-graduação deram apoio e d<strong>em</strong>onstraram interesse na execução da pesquisa.Desta forma, a <strong>EST</strong>/IEPG cumpre o seu papel de Instituição de ensino e pesquisa aserviço da IECLB. Esta pesquisa está vinculada ao Projeto de Pesquisa <strong>Protestantismo</strong>no Contexto do Pluralismo Religioso, sob minha responsabilidade.Sab<strong>em</strong>os que este é um Relatório de Pesquisa modesto. Mas preferimos“pecar” pelas limitações que errar por omissões. Mais vale o pouco feito comdedicação que o muito e perfeito nunca realizado. Assim, colocamos algunssubsídios à disposição das pessoas interessadas <strong>em</strong> conhecer e avaliar a experiênciaespiritual carismática na IECLB. Oxalá que sustent<strong>em</strong> o debate pelas picadas e becosna direção do Caminho.Dados da Referência: TRENTINI, Ad<strong>em</strong>ir, SCHULTZ, Adilson, ZWETSCH , Roberto,BOBSIN, Oneide. Movimento de Renovação Espiritual: o carismatismo na IECLB. 2. ed.São Leopoldo: <strong>EST</strong>, 20<strong>02</strong>. 136p. ISBN: 85-89000-09-5Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 133


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Espaço DiversidadeMorro abre as portas para “A Paixão de Jacobina”(Extraído de: Vitrine <strong>EST</strong> - 25 nov<strong>em</strong>bro 20<strong>02</strong>)Por Jr. Ingelore Koch(colaboração: Adilson Schultz)Nos dias 20 e 21 de nov<strong>em</strong>bro de 20<strong>02</strong> ocorreu o I S<strong>em</strong>inário de Estudos doNEPP - Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> - IEPG - <strong>EST</strong>, sob o t<strong>em</strong>a “Apaixão (e a religião) de Jacobina - ciclo de debates sobre os Muckers”.Este foi o primeiro s<strong>em</strong>inário do NEPP, que teve a parceria da Pró-Reitoriade Extensão da <strong>EST</strong> no evento. A organização do S<strong>em</strong>inário esteve a cargo de MaryEsperandio, Lori Altmann, Ricardo Brasil Charão, Marcelo Schneider, Nivia IvetteNúñez de la Paz, Rogério Link e Adilson Schultz, sob responsabilidade do prof. Dr.Oneide Bobsin.ASSIS BRASIL: contando a história dos Mucker: Em torno de 300 pessoasprestigiaram a abertura do ciclo de palestras do s<strong>em</strong>inário A paixão (e a religião) deJacobina: Debates sobre o Movimento Mucker, na manhã de 21 de nov<strong>em</strong>bro, noauditório do Colégio Sinodal. Estudantes da graduação, da pós-graduação eprofessores da <strong>EST</strong>, duas turmas de alunos do Sinodal e outras pessoas interessadasno assunto assistiram a palestra do escritor Luiz Antônio de Assis Brasil: Contando ahistória dos Muckers. Ele falou sobre o seu livro Videiras de Cristal, que serviu deinspiração para o filme de A paixão de Jacobina, de Lucy e Fábio Barreto.134Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Em sua palestra, o escritor Assis Brasil relatou sobre como iniciou suatrajetória no Morro Ferrabrás, <strong>em</strong> Sapiranga, para desvendar os mistérios dosMuckers na época do início da colonização al<strong>em</strong>ã, <strong>em</strong> 1869. Na convicção de AssisBrasil, o Movimento Mucker, que teve Jacobina Maurer como sua líder, não se teriatornado tão violento e tomado proporções incontroláveis s<strong>em</strong> a intolerância daépoca. “Se não tivesse ocorrido reação, o movimento duraria alguns <strong>ano</strong>s e depoisdesapareceria com a morte de Jacobina. No entanto, acabou de forma trágica”,analisou o palestrante. O episódio dos Muckers causou a morte de dezenas deintegrantes do Movimento, inclusive Jacobina, de pelo menos oito moradores daregião do Ferrabrás que não integravam o movimento e do coronel GenuinoSampayo, comandante das forças do Exército Brasileiro.MARTIN DREHER: A exposição de Assis Brasil teve como debatedor opastor Dr. Martin Dreher, ex-reitor da <strong>EST</strong> e hoje professor de História da Unisinos.Dreher destacou a importância do fato de uma mulher ter-se constituído como líderreligiosa - diferent<strong>em</strong>ente de outros movimentos messiânicos brasileiros -, algoapenas possível no protestantismo, e, sobretudo, no protestantismo rural-imigrante,onde a mulher teve e t<strong>em</strong> papel fundamental.O SÍTIO HISTÓRICO: O S<strong>em</strong>inário iniciou já na quarta-feira, 20, à tarde,com uma visita guiada ao Sítio Histórico Ferrabrás, <strong>em</strong> Sapiranga, pelo mestrando deHistória da Unisinos Daniel Gevehr. Lá o grupo viu o local do combate dos Muckerscom as forças do exército; a estátua construída no local onde ficava a casa dosMaurers <strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> ao Coronel Genuíno Sampayo, morto no combate; a cruzque marca o local onde Jacobina morreu - que, segundo Daniel, v<strong>em</strong> recebendo floresultimamente; e ainda um painel de pinturas na escola Genuíno Sampayo, <strong>em</strong>Sapiranga, retratando o evento Mucker. À noite, foi exibido, na <strong>EST</strong>, o filme OsMucker, de Jorge Bodanzky, 1977.ADILSON SCHULTZ - os principais acontecimentos do episódio Mucker eperguntas sobre religião...: Já no Salão Nobre da <strong>EST</strong>, com a participação de cerca deDisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 135


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408150 pessoas, a segunda parte da manhã começou com breve palestra de AdilsonSchultz, fazendo passo a passo uma detalhada descrição histórica do evento Mucker.Adilson também provocou o debate a seguir perguntando pelas característicasgenuinamente religiosas do fenômeno. Segundo ele, ciências como História, Filosofiae Literatura, caracteristicamente imanentes, não pod<strong>em</strong> dar conta, sozinhas, de umfenômeno que aparent<strong>em</strong>ente teve motivações e fins transcendentes, sendo, portanto,necessária a intervenção da Teologia. Qual o conteúdo teológico da religião deJacobina?MARTIN DREHER - a religião de Jacobina. A resposta veio na palestra deMartin Dreher, que falou, com maestria, sobre A religião de Jacobina. Dreher foienfático de que <strong>em</strong> termos de cultos, cantos e piedade, “o Movimento Muckercaracterizou-se como mais uma das tantas faces da IECLB”. Como relata odoutorando da <strong>EST</strong> e integrante do NEPP Adilson Schultz, Dreher provou, “a maisb”, que os hinos dos Muckers e a pregação de Jacobina não eram “coisa de outromundo, heresia”; e <strong>em</strong> muito s<strong>em</strong>elhantes às manifestações religiosas que ocorriamnas famílias luteranas da IECLB até pouco t<strong>em</strong>po.Segundo Martin Dreher, o hino preferido de Jacobina era o hino de Nº 176 dohinário <strong>em</strong> língua al<strong>em</strong>ã da IECLB, oriundo da tradição pietista européia – “Esglänzet der Christen inwendiges Leben...” (brilha a vida interior dos cristãos) Graçasà colaboração de Marcos Klabunde, do Instituto de Música da <strong>EST</strong>, foi possívelreproduzir a melodia do hino para o público presente.Martin Dreher contou que também o avô de Jacobina Maurer havia sidoexpulso de sua região na Al<strong>em</strong>anha por ter promovido movimento eclesialseparatista, sendo forçado a migrar para o Brasil já <strong>em</strong> 1824. Ao final, Drehersentenciou que, diante da inexistência de pastores e atendimento eclesial aosimigrantes no século XIX, foram esses “cultos da casa”, como os promovidos porJacobina, que deram a sustentação histórica para que um dia a IECLB viesse a existir.136Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408ONEIDE BOBSIN - instituição x movimento. A palestra de Dreher tevecomo debatedor o professor Dr. Oneide Bobsin, que pol<strong>em</strong>izou sobretudo o clássicoconflito instituição x movimento no evento Mucker, característico de todos osfenômenos religiosos incipientes. Oneide disse que a ex<strong>em</strong>plar repressão aosMuckers certamente inibiu - e segue inibindo - formas leigas de liderança na Igreja.Levantou a suspeita que, ao matar Jacobina, simbolicamente se estava matando aforça do sacerdócio geral de todos os crentes na Igreja. O evento Mucker mostracomo o luteranismo não sabe lidar com fenômenos fora da normalidade.DANIEL GEVEHR - o imaginário sapiranguense. O Movimento dosMuckers no imaginário sapiranguense foi o t<strong>em</strong>a da palestra que abriu o debate natarde de quinta-feira, 21 de nov<strong>em</strong>bro. Daniel Gevehr, mestrando de História naUnisinos, mostrou, a partir da pesquisa <strong>em</strong> jornais históricos, como as representaçõesanti-Muckers não apenas distorceram a realidade dos fatos acontecidos no Ferrabrás,mas diss<strong>em</strong>inaram na cidade verdadeiro horror pelos Muckers,MARINÊS KUNZ - os diferentes retratos de Jacobina. A representação deJacobina nos registros literário, dramático e cin<strong>em</strong>atográfico do evento Mucker foi oassunto abordado pela doutoranda <strong>em</strong> crítica literária da PUC/RS Marinês Kunz. Elacomparou aspectos de uma série de autores que se já ocuparam com o MovimentoMucker e sua líder Jacobina, comparou também o filme Os Muckers de JorgeBodansky, de 1977, e o definiu como mais atual do que o A Paixão de Jacobina.“Ficção é ficção e não t<strong>em</strong> a pretensão de ser a verdade. As pessoas têm quecompreender que a ficção não quer ser a história, a verdade”, contrapôs Marinês. Aficção t<strong>em</strong>, isso sim, “o poder de levar a um novo olhar”.ELMA SANT’ANA - Jacobina foi uma mulher à frente de seu t<strong>em</strong>po. Para apesquisadora e escritora Elma Sant’Ana, de Porto Alegre, “Jacobina foi uma mulher àfrente de seu t<strong>em</strong>po. Foi uma líder”. Autora de 12 livros, entre eles, Jacobina, líderdos Mucker, Elma estuda o episódio do Ferrabrás há muitos <strong>ano</strong>s. Filha defazendeiro, a pesquisadora diz conhecer a lida campeira gaúcha e é categórica: “ADisponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 137


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408mulher nativa gaúcha nunca trabalhou na terra. Mas as mulheres al<strong>em</strong>ãs e italianas,sim”. Com isso, as imigrantes também foram se destacando e assumindo posições deliderança, a ex<strong>em</strong>plo do que ocorreu com Jacobina Maurer.Elma Sant’Ana várias vezes fez referência ao escritor Carlos Hunsche, deGramado, que tinha uma posição clara: “Episódios <strong>em</strong> que houve injustiça e sanguevão ser discutidos por muito t<strong>em</strong>po”. Para a pesquisadora, qu<strong>em</strong> reabilitou JacobinaMaurer foi o escritor Leopoldo Petry. Elma mostrou cópias de uma série dedocumentos - cujos originais também estão <strong>em</strong> seu poder - que comprovam atrajetória da líder dos Muckers. Disse que, graças à muita persistência e insistênciachegou a documentos que comprovam que Jacobina esteve internada por 20 dias naSanta Casa <strong>em</strong> Porto Alegre, <strong>em</strong> maio/junho de 1875 - uma internação inicialmentenegada pela instituição. A escritora também defende a proposta de trazer paraSapiranga os restos mortais do filho mais velho de Jacobina, Jacó Maurer, sepultado<strong>em</strong> Palmeira das Missões.JOE MARÇAL GONÇALVES DOS SANTOS - a religião no filme “Apaixão de Jacobina”. Os participantes do s<strong>em</strong>inário puderam assistir ainda aoMaking of do filme A paixão de Jacobina, mais o documentário Heimat, produzidopela Unisinos (a coordenação do s<strong>em</strong>inário não conseguir locar o filme de FábioBarreto). Joe Marçal trouxe ao debate o filme A Paixão de Jacobina, destacando,sobretudo, aspectos teológicos. Na sua visão, a cena onde Jacobina se despe <strong>em</strong> frenteao crucifixo, representando sua iluminação/conversão e a intimidade do fiel comCristo, sintetiza b<strong>em</strong> as características religiosas do movimento enquanto fenômenopietista.138Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Programação do I S<strong>em</strong>inário de Estudos do NEPP:A PAIXÃO (E A RELIGIÃO) DE JACOBINADebates Sobre o Movimento MuckerData: 20 e 21 de Nov<strong>em</strong>bro de 20<strong>02</strong>Objetivos:o Estudar o movimento Mucker enquanto fenômeno religioso do protestantismobrasileiro;o Realizar uma revisão histórica e uma análise teológica do movimento Mucker;o Debater a produção bibliográfica, literária e cin<strong>em</strong>atográfica sobre os Muckers.Local: Escola Superior de Teologia - Salão Nobre e Auditório do Colégio Sinodal.Rua Amadeo Rossi, 467 - São Leopoldo/RS. http://www.est.edu.brPrograma:Dia 20.11 (quarta-feira):o 14h - 18h: Visita guiada ao sítio histórico Ferrabrás, <strong>em</strong> Sapiranga/RS, comDaniel L. Gevehr (manifestar interesse na inscrição);o 19h30: exibição pública do filme “Os Muckers”, de Jorge Bodanzky;Dia 21.11 (quinta-feira):Auditório do Colégio Sinodalo 8h.: credenciamentoo 8h30: abertura, com breve narrativa histórica do episódio Mucker;o 8h45: Luiz Antônio de Assis Brasil, autor de “Videiras de Cristal”: Contando aHistória dos Muckers. Debatedor: Dr. Martin Dreher;Salão Nobre da <strong>EST</strong>o 10h30: Martin Dreher, teólogo e historiador (UNISINOS): A Religião deJacobina. Debatedor: Dr. Oneide Bobsin (<strong>EST</strong>);o 13h30: Daniel Gevehr, historiador (UNISINOS): O Ferrabrás - um veículo derepresentações anti-muckers.o 14h: Exibição do documentário da produção do filme “A Paixão de Jacobina”,de Lucy e Fábio Barreto;Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 139


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408o 15h30: Joe Marçal, doutorando <strong>em</strong> teologia (<strong>EST</strong>): A Religião <strong>em</strong> “A Paixão deJacobina”;o 16h15: Marines Kunz, crítica literária (PUC): A Representação de Jacobina nosRegistros Literário, Dramático e Cin<strong>em</strong>atográfico do Evento Mucker.o 16h45: Elma Sant’Ana, autora de “Jacobina, líder dos Muckers”: O retratoDefinitivo de Jacobina - documentação inédita sobre os Muckers.o 18h: encerramento com: - lançamento e apresentação de <strong>Protestantismo</strong> <strong>em</strong><strong>Revista</strong>, do NEPP;o Entrega dos certificados;o Lançamento do livro “Movimento de Renovação Espiritual: o carismatismo naIECLB”;o CoquetelInscrição:Até 18.11.20<strong>02</strong>Via <strong>em</strong>ail: extensao@est.edu.brFax: 5901455 ramais 285 ou 286Taxa de inscrição:R$5,- para estudantes de graduação <strong>EST</strong>R$15,- para as d<strong>em</strong>ais pessoas interessadasObservações:o Durante todo o dia 21 estará à disposição para apreciação uma amostra dedocumentos sobre os Muckers, do acervo do Arquivo Histórico do RS;o Pessoas interessadas na visita ao Ferrabrás dev<strong>em</strong> manifestar interesse no atoda inscrição;o O s<strong>em</strong>inário de estudos t<strong>em</strong> carga horária de 8h/a;o A organização do s<strong>em</strong>inário é de responsabilidade do NEPP (<strong>EST</strong>),sobcoordenação do Prof. Dr. Oneide Bobsi<strong>n.1</strong>40Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp


<strong>Revista</strong> Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior de TeologiaVolume <strong>02</strong>, jan.-dez. de 2003 – ISSN 1678 6408Como citar esta revistaComo citar esta revista:<strong>Protestantismo</strong> <strong>em</strong> <strong>Revista</strong>. São Leopoldo, v. <strong>02</strong>, jan.-dez. 2003. ISSN 1678 6408 Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 30/09/2008Como citar um artigo desta revista:(Ex<strong>em</strong>plo)SANT’ANA, Elma. Jacobina: a líder dos Muckers. <strong>Protestantismo</strong> <strong>em</strong> <strong>Revista</strong>. São Leopoldo, v. <strong>02</strong>, jan.-dez. 2003, p. 27-36. ISSN 1678 6408. Disponível <strong>em</strong>: Acesso <strong>em</strong>: 30/09/2008.Disponível na Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 141

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