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O fato de treino das vedetas francesas - Fonoteca Municipal de Lisboa

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Sexta-feira18 Março 2011www.ipsilon.ptO <strong>fato</strong> <strong>de</strong> <strong>treino</strong> <strong>das</strong> ve<strong>de</strong>tas <strong>francesas</strong>Catherine Deneuve e a sua coiffure imperturbávelIsabelle Huppert e a sua entrega física e psicológica“Potiche” e “Copacabana” nas salasNICOLAS SCHUL ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7650 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE!Calhau!João Botelho Sidi Larbi Cherkaoui Hugo Canoilas João Paulo Cuenca


FlashSumárioCatherine Deneuvee Isabelle Huppert 6Separa<strong>das</strong> à nascençaJel 14Demos músicaao Homem da Luta!Calhau! 16Demos músicaao Homem da LutaJoão Botelho 20Uma noite na óperaAlmada Negreiros 22Vivo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> mortono S. JoãoSidi Larbi Cherkaoui 25Babel, uma história domundoJoão Paulo Cuenca 30Em Tóquio, on<strong>de</strong> o chãonão é seguroFicha TécnicaDirectora Bárbara ReisEditor Vasco Câmara,Inês Nadais (adjunta)Conselho editorial IsabelCoutinho, Óscar Faria, CristinaFernan<strong>de</strong>s, Vítor BelancianoDesign Mark Porter, SimonEsterson, Kuchar SwaraDirectora <strong>de</strong> arte Sónia MatosDesigners Ana Carvalho,Carla Noronha, Mariana SoaresEditor <strong>de</strong> fotografiaMiguel Ma<strong>de</strong>iraE-mail: ipsilon@publico.ptroRegina Pessoavai ter retrospectivaem BérgamoApresentada como “uma <strong>das</strong> figurasmais representativas do novocinema <strong>de</strong> animação mundial, e nãosó no feminino”, Regina Pessoa (n.1969) é a autora homenageada na29ª edição dos Encontros <strong>de</strong>Cinema <strong>de</strong> Bérgamo, que terminameste fim-<strong>de</strong>-semana. Hoje e amanhã,a capital da Lombardia, no Norte <strong>de</strong>Itália, acolhe a realizadora <strong>de</strong> “ACasa que inspirou“O Gran<strong>de</strong> Gatsby”vai ser <strong>de</strong>molidaDave Brodsky, oproprietário <strong>de</strong> Land’s End,a mansão <strong>de</strong> 25assoalha<strong>das</strong>, em LongIsland, na qual terão<strong>de</strong>corrido as festas queinspiraram as <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong>Scott Fitzgerald em “OGran<strong>de</strong> Gatsby”, vai<strong>de</strong>molir o edifício paraconstruir cinco casas, queNoite” (1999) e “História Trágicacom Final Feliz” (2005), duascurtas-metragens que afirmaram asua marca pessoalíssima no mundoda animação, e que têm recolhidoprémios um pouco por todo omundo – o segundo foi distinguidocomo a melhor curta-metragem noprestigiado Festival <strong>de</strong> Animação <strong>de</strong>Annecy, em França, em 2006.Além <strong>de</strong>stes dois filmes, o festivalitaliano exibe uma retrospectiva dacolaboração <strong>de</strong> Regina Pessoa comAbi Feijó nas suas produções doFilmógrafo, entre as quais setenciona ven<strong>de</strong>r por <strong>de</strong>zmilhões <strong>de</strong> dólares (mais <strong>de</strong>sete milhões <strong>de</strong> euros) cadauma. Promotor imobiliário,Brodsky, que herdou a casado pai – que por sua vez atinha adquirido à viúva <strong>de</strong>um dos proprietários daequipa <strong>de</strong> beisebol New YorkMets –, ainda pensou emrecuperar a mansão, mas aOsespecialistas<strong>de</strong> Fiztgeraldtêm sugeridoque Land’sEnd, na GoldCoast, on<strong>de</strong>os novaiorquinosconstruíramsumptuosascasas <strong>de</strong> fériasno iníciodo séculoXX, serviu<strong>de</strong> matriz aEast Egg, aproprieda<strong>de</strong><strong>de</strong> Tome DaisyBuchananA afirmação<strong>de</strong> uma marcapessoalísimano mundo daanimaçãocontam obras como “OsSalteadores” (1993), “FadoLusitano” (1995) e “Clan<strong>de</strong>stino”(2000). A realizadora <strong>de</strong>svendaráainda um pouco do que vai ser oseu novo filme, mostrando o“trailer” <strong>de</strong> “Kali, o PequenoVampiro”, que <strong>de</strong>verá ficarterminado no final <strong>de</strong>ste ano.A animadora portuguesa temainda “carta-branca” para mostrarfilmes <strong>de</strong> outros autores queinfluenciaram o seu trabalho, comoo checo Jan Svankmajer e o polacoPiotr Dumala.hipótese revelou-seeconomicamente inviável.Os especialistas <strong>de</strong>Fiztgerald têm sugerido queLand’s End, na Gold Coast,on<strong>de</strong> os nova-iorquinosconstruíram sumptuosascasas <strong>de</strong> férias no início doséculo XX, serviu <strong>de</strong> matriza East Egg, a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>Tom e Daisy Buchanan,vizinhos <strong>de</strong> Gatsby.Projectada, em estilorevivalista colonial, peloarquitecto Stanford White, acasa, com chãos <strong>de</strong>mármore, janelas paladianase papel <strong>de</strong> pare<strong>de</strong> pintado àmão, ficou concluídaem 1906. Nos anos20 e 30, recebeuconvidadosilustres comoChurchill, aactriz EthelBarrymore ouo magnataWilliamRandolph Hearst.A proprieda<strong>de</strong>encontra-se hoje<strong>de</strong>gradada, e Brodsky aindatentou vendê-la tal comoestá, pedindo 17 milhões <strong>de</strong>dólares, mas nenhumcomprador se mostrouinteressado. A meramanutenção <strong>de</strong> rotina estavaa custar-lhe uma fortuna,mesmo dispensando os 20serviçais <strong>de</strong> que a casadispunha nos anos 20.Num país da EuropaOci<strong>de</strong>ntal, é provável queLand’s End, dada a suarelevância históricaenquanto obra <strong>de</strong>arquitectura, nãonecessitasse sequer <strong>de</strong> estarassociada a um livro célebreParalelamente aos filmes, ofestival <strong>de</strong> Bérgamo apresenta umaexposição com <strong>de</strong>senhos originais,estudos e maquetas do trabalho <strong>de</strong>animação <strong>de</strong> “História Trágica comFinal Feliz”, que, como “A Noite”,foi realizado utilizando a técnica <strong>de</strong>gravura sobre placas <strong>de</strong> gesso.Nos dois últimos dias do festival,Regina Pessoa e Abi Feijó, tambémconvidado a <strong>de</strong>slocar-se àLombardia, orientarão um“workshop” <strong>de</strong> cinema <strong>de</strong>animação para estudantes locais.Sérgio C. Andra<strong>de</strong>para que o Estadoimpedisse a sua <strong>de</strong>molição.Mas a figura daclassificação como imóvel<strong>de</strong> interesse público, quepermite ao Estado protegersem adquirir, não existe nalegislação americana.É um triste fim para umacasa que testemunhou aeuforia dos anos 20, mastambém se po<strong>de</strong> sugerirque é um <strong>de</strong>stinoa<strong>de</strong>quado, já que a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>que a morte espreita oesplendor é o tema central<strong>de</strong> “O Gran<strong>de</strong> Gatsby”. Aspersonagens quefrequentam aversão literária<strong>de</strong> Land’s Endsão seresamaldiçoados.E o próprioStanfordWhite,arquitectodosmilionários napassagem do séculoXIX para o século XX, foiassassinado no auge, em1906. Um milionáriociumento, Harry KendallThaw, crendo que amulher, a actriz EvelynNesbit, mantinha um casocom o arquitecto, alvejou-oem Madison Square RoofGar<strong>de</strong>n, no topoajardinado <strong>de</strong> um edifícioque White <strong>de</strong>senhara 15anos antes. No livro <strong>de</strong>Fitzgerald, Gatsby éassassinado por GeorgeWilson, que crê,erradamente, que a vítimatinha um “affair” com amulher, Myrtle.Luís Miguel QueirósFERNANDO VELUDO / PUBLICOÍpsilon • Sexta-feira 18 Março 2011 • 3


Catherine DeneuveOque asSão hoje as maiores ve<strong>de</strong>tas do cinema francês, estão nos ecrãs p“Copacabana”, <strong>de</strong> Marc Fitoussi. Ecrãs separados. São duas senhoras que ngenes da actriz do cinema clássico, na outra o ADN da actriz do cinema mLEON NEAL/ AFPCatherine Deneuve e Isabelle Huppertsão duas senhoras que não se po<strong>de</strong>mver. Ou mais precisamente, duas senhorasque ninguém po<strong>de</strong> ver juntas.Fizeram uma centena <strong>de</strong> filmes, mascada uma para seu lado. Se as contasnão falham e não estamos para aquia cometer nenhuma “gaffe” (e se estivermos,muitas <strong>de</strong>sculpas mas nãohá nenhuma boa maneira <strong>de</strong> cruzarduas filmografias com mais <strong>de</strong> cemtítulos), o único filme em que Deneuvee Huppert se encontraram foi “OitoMulheres”, <strong>de</strong> François Ozon, estreadoem 2002, e animado justamentepor uma esperteza <strong>de</strong> “casting”:reunir <strong>de</strong>baixo do mesmo tecto oitoactrizes “emblemáticas” <strong>de</strong> váriasépocas e tendências do cinema francês,<strong>de</strong> Danielle Darrieux a LudivineSagnier. Naquele bolorento “pós-mo<strong>de</strong>rnismo”<strong>de</strong> pechisbeque que fez aglória <strong>de</strong> Ozon, inchado por laivos <strong>de</strong>um pseudo-sirkianismo servido comonota <strong>de</strong> rodapé, “Oito Mulheres” é,pelo menos, uma candidatura forteao pior (ou, o que vai dar ao mesmo,ao mais enervante) filme da vida <strong>de</strong>Deneuve e <strong>de</strong> Huppert. O que querdizer, basicamente, que falar <strong>de</strong>las éfalar <strong>de</strong> to<strong>das</strong> as vezes em que não seencontraram.E não tinham que se encontrar. Os<strong>de</strong>z anos que separam as suas ida<strong>de</strong>s(Deneuve nasceu em 1943, Huppertem 1953) sublinham o óbvio: são actrizes<strong>de</strong> gerações diferentes, quechegaram ao cinema em momentosdiferentes, são, em suma, actrizes diferentes,na personalida<strong>de</strong> como noestilo, ou na escola, ou como se lhequiser chamar. Aceitando que são,actualmente, as duas maiores “estrelas”do cinema francês, até no “estrelato”são diferentes: mais mundana,muito mais “à antiga”, Deneuve; maisreservada e recatada, no mo<strong>de</strong>lo “famosamalgré elle même”, Huppert.Parafraseando um célebre filme português,não há que opor uma à outra,apreciam-se as duas, cada uma no seugénero. Pormenor importante, essadiferença <strong>de</strong> natureza não é impedimentoa que, em dados momentos<strong>das</strong> respectivas carreiras, elas tenhamsido pareci<strong>das</strong>.Uma e a outraSobretudo na juventu<strong>de</strong>. A jovem Deneuvee a jovem Huppert têm algumas6 • Sexta-feira 18 Março 2011 • Ípsilon


“Para acreditarno meu trabalho,preciso <strong>de</strong> saberporque é que façoum filme e porqueé que ele existe.Escolhido o projecto,temos uma base<strong>de</strong> apoio para aquiloque queremostraduzir.Caso contrário,seria como vivernuma casa semfundações”tas falsas. Na construção <strong>de</strong> uma personagem,a dificulda<strong>de</strong> está em irmoso mais longe possível na direcção quenos leva para fora <strong>de</strong> nós mesmos, eao mesmo tempo encontrarmos oponto <strong>de</strong> junção com o que nos pertence,<strong>de</strong> forma a que a personagempareça verosímil. Senão, nunca chegaremosa acreditar nela. É isso queme diverte na interpretação.É interessante ver em queponto se joga esse equilíbrioentre o que somos na realida<strong>de</strong>e o que somos no ecrã. É umprocesso natural ou maisartificial na construção <strong>das</strong> suaspersonagens?Faço-o <strong>de</strong> forma natural, pois nenhuma<strong>das</strong> expressões, forma <strong>de</strong> falar ouolhares <strong>das</strong> minhas personagens mepertencem. Sei que é algo que tenhoem mim. Curiosamente, tenho reparadoque existe uma expressão cómicaque pertence mais à minha pessoaprivada do que à pessoa pública, ouaquela que já terá sido vista em papéismais dramáticos. Existe uma forma<strong>de</strong> exuberância na forma rápida <strong>de</strong>falar ou andar <strong>de</strong>sta personagem, porexemplo, que pertence àquilo quesou, uma expressão paradoxalmentemais íntima, enquanto que po<strong>de</strong>ríamospensar o contrário, achando queuma expressão mais séria e dramáticaseria o que pertenceria à minhavida privada. Na verda<strong>de</strong>, é o contrário.E já tinha reparado nisso em algumascomédias anteriores. A naturezada comédia e a sua expressãopertence mais ao meu quotidiano.Mas é o contrário da percepção<strong>de</strong> um público que a vê doexterior e que está colado àimagem pública que têm <strong>de</strong> sipelos seus papéis.Absolutamente. E é daí que se criatoda uma série <strong>de</strong> mal-entendidos.Como fiz muitos papéis dramáticos,o público tem tendência a guardarapenas essa expressão e pensar queé ela que me <strong>de</strong>fine. Mas é falso, éuma expressão muito mais fantasmagórica<strong>de</strong> mim. Penso sempre que hápapéis que são a expressão <strong>de</strong> umfantasma que temos <strong>de</strong> nós, uma projecçãointerior dos nossos sonhos epesa<strong>de</strong>los, e é essa que ganha a formamais profunda e dolorosa no ecrã. Daía atribuição <strong>de</strong>ssa imagem ao nossoquotidiano, enquanto que ela é falsa.Na sua entrevista aos “Cahiersdu Cinéma” sobre o seu trabalhocom Clau<strong>de</strong> Chabrol, afirma quea sua relação com o cineastapassava por uma linguagem<strong>de</strong> sinais e sensações. As suasescolhas <strong>de</strong> filmes revelamsempre um interesse pelo autor.Sente-se, enquanto actriz, comoum veículo para a linguagem dorealizador?Sim. Neste caso, Marc Fitoussi temuma certa maneira <strong>de</strong> ser divertido eirónico, não <strong>de</strong>ixando também <strong>de</strong> sercruel em relação a certas situações.O actor acaba por representar, <strong>de</strong> formainconsciente, o universo do realizador.Existe sempre uma forma <strong>de</strong>mimetismo, algo muito escondido,captamos sempre algo que o realizadorama. E a interpretação forma-se,<strong>de</strong> filme em filme, a partir disso, alimentando-sepor aí.Po<strong>de</strong>mos reconhecer aexpressão <strong>de</strong> um filme nas suasinterpretações. Sentimos que orealizador nos fala através <strong>das</strong>ua expressão.Não é algo <strong>de</strong> consciente, trata-se <strong>de</strong>absorver o ambiente <strong>de</strong> um filme. Emrelação aos filmes que faço, é verda<strong>de</strong>que não faço escolhas ligeiras, é a únicamaneira <strong>de</strong> encontrarmos um resultadojusto e acreditarmos naquiloque fazemos. Po<strong>de</strong>mos imaginar umpercurso <strong>de</strong> actriz que é alimentadopor escolhas mais ligeiras ou que reveleum interesse não tão profundopor aquilo que faz, mas eu teria muitadificulda<strong>de</strong> em fazer isso. Todo oconforto que sinto enquanto actrizparte da crença e confiança naquiloque faço. Para acreditar no meu trabalho,preciso <strong>de</strong> saber porque é quefaço um filme e porque é que ele existe.Escolhido o projecto, temos umabase <strong>de</strong> apoio para aquilo que queremostraduzir. Caso contrário, seriacomo viver numa casa sem fundações.A escolha <strong>de</strong> um filme é umaescolha <strong>de</strong> amor?Não sei se iria tão longe, pois não tenhoessa forma <strong>de</strong> altruísmo. Mais doque amor pelo realizador, amor pormim mesma, sem dúvida [risos]. Entramosnum outro universo no qualtemos confiança e on<strong>de</strong> também somosnós mesmos. É mais por preocupaçãoegoísta do que por altruísmo.Vemo-la em papéis quecostumam ser mais sombrios,on<strong>de</strong> surge uma gran<strong>de</strong> dose<strong>de</strong> mistério. Quando passa parauma comédia, mantém essaprocura na sua interpretação,ou terá mais sido um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>esquecer um pouco isso?O mistério não é algo que possamosprocurar <strong>de</strong> forma clara, trata-se <strong>de</strong>algo que nasce a partir da história edaquilo que já evoluiu na nossa forma<strong>de</strong> interpretar. Mais do que um mistério,talvez seja uma forma <strong>de</strong> ambiguida<strong>de</strong>que se procure, po<strong>de</strong>rmosflutuar entre uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> bem e <strong>de</strong>mal, <strong>das</strong> pulsões íntimas e interiores,e jogar com a separação do que pertenceao consciente e ao inconsciente.O cinema permite essa ambiguida<strong>de</strong>,é como um microscópio, umasonda <strong>de</strong> armas. E utilizo o cinemano máximo do seu potencial.Para além do cinema, temtambém um percursoimportante no teatro. Existemdiferenças na sua abordagementre as duas expressõesartísticas?Sim. Mas se me colassem um revólverà cabeça e me dissessem que teria <strong>de</strong>optar entre fazer cinema ou teatro,escolheria continuar a fazer cinema.O cinema é uma maneira <strong>de</strong> viver,po<strong>de</strong>ria fazer isso todos os meses doano, é algo que se confun<strong>de</strong> com avida. Mesmo quando não estou a fazercinema, tenho sempre a impressãoque o faço no meu funcionamentomental e íntimo, apesar <strong>de</strong> nãoandar a fingir que tenho sempre umacâmara em cima <strong>de</strong> mim.O teatro é, para mim, uma excepçãoque tem mais a ver com a performance,e em que temos mais dificulda<strong>de</strong>em reproduzi-la sempre. Existeum prazer no teatro, naturalmente,uma dor que nasce a partir <strong>de</strong> umprazer. O teatro é como escalar umamontanha, a paisagem é muito belaquando chegamos lá acima, mas épreciso escalar. O cinema é como umpasseio pelos campos.Concluiu agora a suaparticipação no novo filme <strong>de</strong>Brillante Mendoza.Tenho muita vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> o ver, foiuma experiência espantosa. Tenho aimpressão que passei por uma centrifugadoradurante três semanas,mas com uma intensa felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>actriz. Foi uma experiência tão extraordinária,no sentido original do termo,que tenho uma enorme impaciênciae curiosida<strong>de</strong> em <strong>de</strong>scobrir ofilme. Normalmente, mesmo sabendoque o cinema é a arte da improvisaçãoe <strong>de</strong> uma linguagem que se renova <strong>de</strong>um realizador para outro, temos sempreuma certa i<strong>de</strong>ia do que fizemos edaquilo que será um filme. Mas aqui,não tenho, foi tão incrível quanto isso.O mínimo que se po<strong>de</strong> dizer é que foiradical. Já o esperava, conhecendo osseus filmes. Mas foi incrível <strong>de</strong>scobrircomo Mendoza fabrica esse radicalismo;não vem por acaso. E nunca anteso tinha vivido <strong>de</strong>ssa forma.Imagino que seja difícil sair <strong>de</strong>um universo como o <strong>de</strong> Mendozapara outro projecto totalmentediferente.Começo amanhã [segunda-feira], emParis, o novo filme <strong>de</strong> Michael Haneke[“Amour”], que será forçosamentemuito diferente. Mas não, não é difícil.CLÁUDIALUCAS CHÉUALBANOJERÓNIMOfotografia Catarina Falcão, <strong>de</strong>sign Joana Monteirointerpretaçãotexto e encenaçãocenografia e figurinosAna Limpinho<strong>de</strong>senho <strong>de</strong> luzNuno Meira<strong>de</strong>senho <strong>de</strong> somVítor Ruarealização ví<strong>de</strong>oSérgio Gracianodirecção <strong>de</strong> fotografiaMiguel Mansoassistência <strong>de</strong> encenaçãoSolange FreitasparticipaçãoGrupo <strong>de</strong> Teatro ComunitárioAs Avozinhas <strong>de</strong> Palmela(direcção Dolores Matos)co-produçãoTNDM II, TNSJ,AJ Produçõesqua-sáb 21:30dom 16:00M/16 anosdur. aprox. 1:20bilhetesFnac, TNSJ, TeCA,www.ticketline.ptcriaçãoTeatro 25 MarCarlos 3 AbrAlberto 2011ou Como PenélopeMorreu <strong>de</strong> TédioRANTERS THEATREconcepçãoe encenaçãoAdriano CortesetextoRaimondo CorteseEstúdioZerointerpretaçãowww.tnsj.ptLINHA VERDE 800-10-867524-27Mar2011fotografia Anna Tregloan, <strong>de</strong>sign Joana MonteiroPaul LumPatrick Moffattqui-sáb 21:30dom 16:00e a impressão que o faço no meua fingir que tenho uma câmara<strong>de</strong>senho <strong>de</strong> somDavid Franzke<strong>de</strong>senho <strong>de</strong> luzNiklas PajanticenografiaAnna TregloanproduçãoRanters Theatre(Austrália)M/12 anosdur. aprox. 1:20bilhetesFnac, TNSJ, TeCA,www.ticketline.ptwww.tnsj.ptLINHA VERDE 800-10-8675Ípsilon • Sexta-feira 18 Março 2011 • 11


Comédiaem famíliaNa difusa linha que separa o trabalho <strong>de</strong> actriz e a vida pessoal<strong>de</strong> Isabelle Huppert está a presença <strong>de</strong> Lolita Chammah em alguns dos seus filmes.Depois <strong>de</strong> participações menores, é em “Copacabana” que a filha <strong>de</strong> Isabellecontracena lado a lado com a mãe. Francisco ValenteIsabelleHupperte LolitaChammah:mãe e filha“Copacabana” é a segundalonga-metragem <strong>de</strong> MarcFitoussi, argumentista erealizador que forma o seutrabalho numa comédiasatírica <strong>das</strong> relações pessoais elaborais. O filme segue a linhado anterior “La vie d’artiste”(2007), on<strong>de</strong> Lolita Chammah,27 anos, já tinha <strong>de</strong>ixado a suaparticipação. Segundo a actriz,“‘Copacabana’ é uma comédiamelancólica, uma sátira socialdo mundo do trabalho que vaipara além da história entre amãe e a filha, num tom especialque pertence ao realizador eque está também em ‘La vied’artiste’.” Para Lolita, “os filmes<strong>de</strong> Fitoussi são comédias masnão são ligeiras. São comédiasum pouco à inglesa.”Chammah faz o papel <strong>de</strong> filhacorrecta que se tenta livrar doanárquico estilo <strong>de</strong> vida da suaextravagante mãe, interpretadapor Isabelle Huppert, sua mãena vida real e com quem jásurgiu outras vezes no ecrã.“Com 5 anos, já tinha entradonum filme <strong>de</strong> Clau<strong>de</strong> Chabrolcom a minha mãe [“Uma Questão<strong>de</strong> Mulheres”, 1988], e tambémem ‘Malina’ [1991] <strong>de</strong> WernerSchroeter. Fiz o meu primeirofilme a sério com 15 anos, e ascoisas enca<strong>de</strong>aram-se com osmeus estudos <strong>de</strong> interpretação.”A Esmeralda <strong>de</strong> “Copacabana”é o papel <strong>de</strong> um género <strong>de</strong>rapariga que tem vindo amarcar o seu curto percurso.“É uma personagem que estádistante daquilo que sou. Masé assim que o cinema se move,é um mundo em que existeuma relação forte com uma<strong>de</strong>terminada imagem nossa.” Aactriz revela, curiosamente, umavonta<strong>de</strong> também <strong>de</strong>nunciadapela sua mãe nos seus inícios.“Propõem-me sempre papéis <strong>de</strong>mulheres discretas e frágeis.Depois <strong>de</strong> ‘Copacabana’, fiz umóptimo primeiro filme chamado‘Memory Lane’ [Mikhael Hers,2010], em que também tinhao papel <strong>de</strong> uma rapariga que<strong>de</strong>sflorava”, afirma. “Mas ocinema precisa <strong>de</strong> tempo parapassar a outras coisas. Tenhovonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer outros papéis,personagens mais violentas evivas.”Em “Copacabana”, Chammahé o elo <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, o<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> umavida em família por oposiçãoa um rumo in<strong>de</strong>finido da mãe,entrando em confronto directocom a libertinagem da suaeducação. A separação <strong>de</strong> mãe efilha funcionará, por fim, comoteste mútuo para um maiorencontro e entendimento <strong>de</strong>duas formas separa<strong>das</strong> <strong>de</strong> vida.Se o interesse <strong>de</strong> Chammahpela interpretação virá peladiluída separação entre cinemae vida no quotidiano da mãe,o seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> actuar vem,também, <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sejo pessoal<strong>de</strong> crescimento. “Ser actriz éuma pesquisa, uma forma <strong>de</strong>“Com 5 anos, já tinhaentrado num filme<strong>de</strong> Clau<strong>de</strong> Chabrolcom a minha mãe[“Uma Questão<strong>de</strong> Mulheres”, 1988],e também em ‘Malina’[1991] <strong>de</strong> WernerSchroeter”preencher uma falha ou umaangústia no nosso interior”, diznos.A actriz, que se encontraem Portugal a trabalhar nonovo filme <strong>de</strong> Christine Laurent[“Demain?”], tem construído umcaminho no teatro parisiense.“Fiz <strong>de</strong> Agnès em ‘Escola <strong>de</strong>Mulheres’ [Molière], a ‘Salomé’<strong>de</strong> Oscar Wil<strong>de</strong>, a última peça<strong>de</strong> Henri Becque, e vou agoraentrar em ‘As Cria<strong>das</strong>’ <strong>de</strong> JeanGenet.” Deseja <strong>de</strong>senvolver oseu trabalho em cinema, massem abdicar dos palcos. “O papel<strong>de</strong> Salomé foi dos mais bonitosque pu<strong>de</strong> interpretar. O teatrotem os gran<strong>de</strong>s textos, é algo<strong>de</strong> mais duro e grave. Precisomuito <strong>de</strong> fazê-lo porque é maisviolento, rasga-nos. Tem algo <strong>de</strong>mágico que nos alimenta e quenos dá força enquanto actores.Não existe outra experiênciasemelhante.”12 • Sexta-feira 18 Março 2011 • Ípsilon


AGENDA CULTURAL FNACentrada livreAPRESENTAÇÃO MÚSICA AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃOAPRESENTAÇÃOENCONTRO COMGERRIT VAN DIJKA FNAC e a MONSTRA promovem um encontro entre o público e um dos realizadores <strong>de</strong> cinema <strong>de</strong> animaçãomais conceituados da Europa, mo<strong>de</strong>rado pelo jornalista Luís Salvado (Time Out).23.03. 18H30 FNAC CHIADOMÚSICA AO VIVOSOCIAL SMOKERSMagnetic PoetryUm disco em que a poesia é um convite à dança.19.03. 17H00 FNAC NORTESHOPPING19.03. 22H00 FNAC MAR SHOPPING25.03. 18H30 FNAC CHIADOMÚSICA AO VIVOTULIPA RUIZEfêmeraO álbum <strong>de</strong> estreia da cantora foi votado como um dos melhores da década pelos títulos Folha <strong>de</strong> SãoPaulo, Globo e Rolling Stone Brasil.23.03. 18H30 FNAC CASCAISHOPPING23.03. 22H00 FNAC COLOMBO24.03. 22H00 FNAC VASCO DA GAMA26.03. 17H00 FNAC ALFRAGIDELANÇAMENTOENCONTRO COMADRIANA CALCANHOTTOO Micróbio do SambaUma conversa com o público, mo<strong>de</strong>rada pelo escritor Jorge Reis-Sá em torno do seu novo álbum.21.03. 18H30 FNAC CHIADOLANÇAMENTOCONTRA A LITERATICE E AFINSLivro <strong>de</strong> João GonçalvesApresentado por Pedro MexiaO autor parte do princípio elementar <strong>de</strong> que a literatura não é <strong>de</strong>mocrática.24.03. 18H30 FNAC CHIADOapoio:Consulte a AGENDA FNAC em:http://cultura.fnac.pt


A música <strong>de</strong> um HomNos Homens da Luta, Jel encarna Neto, personagem saída do PREC para as ruas do século XXI.<strong>de</strong>safiámo-lo para uma “jukebox” Ípsilon a ela <strong>de</strong>dicada. Conceito abrangente, <strong>de</strong> José Afonso a“A canção é uma bomba atómica e o humor éAEntrámos na casa <strong>de</strong> Jel com umai<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>finida: conduzi-lo por uma“jukebox” Ípsilon <strong>de</strong>dicada à música<strong>de</strong> protesto – em modo <strong>de</strong>veras abrangente,<strong>de</strong> José Afonso a Cee-Lo Greenou Beastie Boys. Jel, aliás NunoDuarte, aliás o Neto dos Homens daLuta. Eles que, entre o terramoto provocadopela vitória recente no moribundoe esquecido Festival da Cançãoe os slogans e os “ti-ki-ri-ris” na manifestaçãoapartidária <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontentamentogeral <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> Março, andamagora nas bocas do mundo.Jel entusiasmou-se com a i<strong>de</strong>ia da“jukebox”. Ao longo <strong>de</strong> mais duas horas,distinguiu Manuel João Vieiracomo músico <strong>de</strong>stinado à imortalida<strong>de</strong>,<strong>de</strong>svalorizou os Sex Pistols e nãoconteve a admiração por CaetanoVeloso e Tom Zé. Mas um homem nãoescapa ao seu contexto. “Há quemgoste <strong>de</strong> rock sinfónico, eu pico todaa música com mensagem social e política”.E, portanto, neste preciso momentoque vivemos é aí, à política,que toda a “jukebox” nos conduz. Toda?Não. “Fuck you!”, bomba soul <strong>de</strong>Cee-Lo Green, leva-o a “Stevie Won<strong>de</strong>r,Al Green e toda a melhor músicada Motown” e a um elogio: “Ao Cee-LoGreen, mesmo sendo gordo e tal, não<strong>de</strong>ve faltar assédio.” Mas isso é música<strong>de</strong> 2010. É passado. O presente éagora. E foi pelo presente dos Homensda Luta que começámos. Ou seja, “Acantiga é uma arma”. O Grupo <strong>de</strong>Acção Cultural (GAC), em 1975. Reacçãoimediata: “O GAC! É daqui quevêm os Homens da Luta.”Jel e o irmão Vasco Duarte (o Falânciodos Homens da Luta) crescerama ouvir “Fausto, José Mário Branco,Luís Cília, todos eles”. A acompanharpai e avô nas manifestações do 1º <strong>de</strong>Maio e no Avante. Para iconografia,ele inspirou-se em José Mário Brancoe o irmão em José Afonso. “A i<strong>de</strong>ia”,explica, “era transportar duas personagensda altura para a actualida<strong>de</strong> efazê-las agir da mesma forma, masassumindo to<strong>das</strong> as contradições queisso hoje implica.” Protegidos pelaspersonagens, podiam dar uso ao absurdoe disparar em vários sentidos.E por isso (e agora ouve-se “Movimentoperpétuo associativo”, dos Deolinda),quando Jel mete o bigo<strong>de</strong> e ocabelo para o lado e veste a roupa 70s,“tudo é possível.” Por exemplo, o Netoquer acabar com a pobreza porquenão gosta <strong>de</strong> pobres. “Ospobres não lhe pagam copos,nunca lhe pagam o jantar,não lhe pagam uma ‘lapdance’ numa casa <strong>de</strong>‘strip’.” Continuamos aouvir os Deolinda e ele jáelogiou o compositor PedroSilva Martins, “inteligentíssimona análise, nacrítica e na ironia”, e já elevou“Parva que sou” a “primeirasenha para a manif <strong>de</strong> 12<strong>de</strong> Março”.A manifestação foi para os Homensda Luta o corolário <strong>de</strong> um percurso.“Há uma frase do O’Neill <strong>de</strong> que gostoparticularmente: ‘Vou subir ao povo!’.Por isso sempre gravámos narua, no meio <strong>das</strong> pessoas, quebrandoa barreira entre o artista no estúdio eo público lá longe”. Na manifestação,sentiu que o grupo se cumpria. Nãolevou porrada como quando os Homensda Luta gritaram pelos direitosdos animais à entrada <strong>de</strong> um circo,não foi maltratado por seguranças sprivados como quando irrompeu numaacção <strong>de</strong> campanha <strong>de</strong> José Sócratesno Seixal – “e até estávamos lápara o apoiar, porque o Sócrates éóptimo para a luta”. Nada disso:“Foi um dos dias maisfelizes da minha vida,apesar <strong>de</strong> todos osproblemas em queestamos metidos.Ver toda aquelamalta na rua, asorrir, não foi umacelebração, foiuma catarse”. E,diz ele, um sinal <strong>de</strong>mudança. Dá o seuexemplo. Naqueledia, os Homens da Luta<strong>de</strong>cidiram abrir uma cooperativa.“Porque tem tudo aver connosco, porque é o passo certoa dar”. Lá atrás ouve-se o CaetanoVeloso tropicalista <strong>de</strong> “Eles” e ele já<strong>de</strong>ixou o seu entusiasmo pelo Brasil– “é o gran<strong>de</strong> país do novo século: éPortugal à solta, como diria Agostinhoda Silva” -, dar lugar ao entusiasmocom a cooperativa. Porque “isto nãopo<strong>de</strong> ser só paleio e agora é altura <strong>de</strong>partilhar. Já que estamos com estaatenção toda sobre nós, já que conseguimosven<strong>de</strong>r espectáculos, vamospartilhar e criar mais riqueza paratodos.”Nuno Duarte é o homem que teveuma breve carreira musical como Jel(“Viola-me eléctrica” foi o single maisCee-Lo Green“Fuck you!”, bomba soulque Cee-Lo Green editou em2010, leva Jel a “StevieWon<strong>de</strong>r, Al Green e toda amelhor música da Motown”.“Ao Cee-Lo Green”, aposta,“mesmo sendo gordo e tal,não <strong>de</strong>ve faltarassédio.”conhecido) e que vê nesse passadoum “erro <strong>de</strong> casting”.“Não nho ilusões: co-temmúsicosoumedíocre. Mas[nos Homensda Luta] nho a perte-sonagem, o que me liberta <strong>de</strong>sse complexo”.Os Homens da Luta, claro, nãosão música no sentido tradicional. Eleexplica: “A cantiga é uma bomba atómicae o humor é caruncho, vai minandolentamente”. O seu grupo,naturalmente, é a reunião <strong>das</strong> duas.MIGUEL MANSOO gosto melómano <strong>de</strong> Jel, <strong>de</strong> resto,tem sempre essa marca. Não naprocura do humor, masno sentido <strong>de</strong> não sorvermúsica sem lheperceber o contexto.Vejamos.CaetanoVelosoAo ouvir “Eles”, <strong>de</strong> CaetanoVeloso, Jel <strong>de</strong>stila entusiasmopelo Brasil, o nosso alter-ego<strong>de</strong>senfreado, e que ao contrário<strong>de</strong> nós parece capaz <strong>de</strong> darcerto: “É o gran<strong>de</strong> país donovo século: é Portugal àsolta, como diriaAgostinho da Silva.”Bob Dylan e “The times they are a-changing”: “Se procurarmos a tradiçãoque o Dylan representa, chegamosquase ao início da civilização. Éo gajo que vai para a rua, <strong>de</strong> terra emterra, a dizer as verda<strong>de</strong>s. A puxarpelo lado dos fracos, sempre. Umavoz popular que vem <strong>de</strong> baixo, quepertence às ruelas e aos cantinhosescuros.”Os Corações <strong>de</strong> Atum <strong>de</strong> ManuelJoão Vieira, em “Quando eu ganhar oBeastieBoysA canção <strong>de</strong> protestoamericana, linhagem BeastieBoys (também há Dylans), éoutra história: “Os americanostêm um <strong>de</strong>sapego i<strong>de</strong>ológicomuito livre, que é precisamenteeste: o explorador que chegaao novo mundo e diz ‘que selixe o passado, ‘borapara a frente’.”14 • Sexta-feira 18 Março 2011 • Ípsilon


em da LutaAgora que a canção <strong>de</strong> protesto volta a dar que falar,Cee-Lo Green, <strong>de</strong> Dylan aos Pistols. Retivemos isto:caruncho”. Mário LopesTotoloto”: “OManuel João é umlibertário puro, é o Bocage.Não tem medo <strong>de</strong> arriscare não tem medo do ridículo.Corajoso, inteligente,interventivo,honesto. O tempo é ogran<strong>de</strong> juiz disto tudoe o Manuel João é umdos que vão ficar.”Entre o “PrettyVacant” dos Sex Pistols, música revolucionáriaque não lhe interessaparticularmente – “o gran<strong>de</strong> feito foiprovocarem o nascimento <strong>de</strong> umasérie <strong>de</strong> ban<strong>das</strong> muito mais importantesdo que eles, como os Joy Divisionou os The Fall” -, e os BeastieBoys que servem para análise da psicologiaamericana – “os americanostêm um <strong>de</strong>sapego i<strong>de</strong>ológico muitolivre, que é precisamente este ‘fightfor your right to party’: o exploradorque chega ao novo mundo e diz ‘quese lixe o passado, ‘bora para a frente’”-, <strong>de</strong>paramo-nos com “o” casosério na vida musical <strong>de</strong> Jel. Soará<strong>de</strong>masiado óbvio a uns, dado o imagináriodos Homens da Luta, e parecerámera provocação a outros, quevêem na acção do grupo uma sátiraa esse mesmo imaginário, mas, quandoouve “Venham mais cinco” (fomosprevisíveis), Jel é peremptório: “OZeca Afonso é o artista que maisManuelJoão VieiraA história, vaticina Jel,fará justiça a Manuel JoãoVieira, um Bocagecontemporâneo: “Não tem medo<strong>de</strong> arriscar e não tem medo doridículo. Corajoso, inteligente,interventivo, honesto. Otempo é o gran<strong>de</strong> juiz distotudo e o Manuel João éum dos que vãoficar.”ZecaAfonsoRespeito total: “É o artistaque mais admiro em todo omundo. Enclausuram-no napolítica, mas é muito mais do queisso. Tem o surrealismo <strong>de</strong>‘Acunpunctura em O<strong>de</strong>mira’ e <strong>de</strong>‘Nefertiti não tinha papeira’. Efoi o primeiro a fundir músicaafricana com músicatradicionalportuguesa.”admiro em todo o mundo. Enclausuram-nona política, mas é muito maisdo que isso. Tem o surrealismo <strong>de</strong>‘Acunpunctura em O<strong>de</strong>mira’ e <strong>de</strong> ‘Nefertitinão tinha papeira’. Foi o primeiroa fundir música africana commúsica tradicional portuguesa, compreen<strong>de</strong>ndoque é na fusão, na mestiçagem,que resi<strong>de</strong> a evolução.”Jel sabe que há cantores <strong>de</strong> intervençãodos tempos do PREC que torcemo nariz ao que faz e não tem certezasquanto aos seus Homens daLuta – “só o futuro dirá se estamos aagir bem” -, mas tem um conforto.“Tenho falado com a Lena,filha <strong>de</strong>le, e agora com aZélia [a sua mulher], aexplicar-lhes o que fazemos,e elas dizem-me quese o Zeca estivesse vivo iaadorar-nos porque carregamosum pouco do espírito<strong>de</strong> agitação einquietação permanenteque eletinha”. E esse é oúnico elogio <strong>de</strong>que Jel, o Netodos Homens daLuta, necessita.DeolindaDemos-lhe a ouvir“Movimento perpétuoassociativo”, mas Jel fala logoem “Parva que sou”, canção quefoi “a primeira senha para amanif <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> Março”. É todoelogios para os Deolinda, queconsi<strong>de</strong>ra“inteligentíssimos naanálise, na crítica ena ironia.”Ípsilon • Sexta-feira 18 Março 2011 • 15


PAULO PIMENTANoutro hemisfério com os!Calhau!João Alves eMarta Ângela,ambos comformação emartes visuais,fundaramos !Calhau!em 2006,<strong>de</strong>pois<strong>de</strong> se teremconhecidonum“workshop”<strong>de</strong> criação <strong>de</strong>instrumentoselectrónicosBarbas postiças, <strong>fato</strong>s <strong>de</strong> leopardo, uma cobra falsa em cima <strong>de</strong> um tapete vermelho: há dias,os !Calhau! montaram a sua tenda na Feira da Vandoma. Fomos lá conhecer “QuadrologiaPentacónica”: mais do que um novo álbum, é um novo mundo. Pedro RiosA Feira da Vandoma, a maior concentração<strong>de</strong> ven<strong>de</strong>dores <strong>de</strong> usados noPorto, está habituada a tudo menos aisto. Um grupo <strong>de</strong> velhos espreita pelatenda <strong>de</strong> plástico habitada por umestranho duo (ele <strong>de</strong> barba frondosa,todo vestido <strong>de</strong> azul; ela <strong>de</strong> barba postiça,toda <strong>de</strong> laranja), entretido a tirarsons <strong>de</strong> máquinas <strong>de</strong> proveniênciaestranha, boa parte <strong>de</strong>las feitas à mão,a partir <strong>de</strong> rádios antigos. Um grupo<strong>de</strong> crianças junta-se ao concerto e ficapor ali, imune ao barulho malditogerado pelos dois barbudos, uma espécie<strong>de</strong> missa negra. Uma trompete<strong>de</strong> um intruso <strong>de</strong>sconhecido (um ven<strong>de</strong>dor?)irrompe, por instantes, pelosom.O duo chama-se !Calhau! e o concertodo último sábado, organizadopor Serralves, serviu para antecipar“Quadrologia Pentacónica”, o primeiroLP da banda <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> vários CDgravados <strong>de</strong> forma artesanal e distribuídosem limitadíssimas quantida<strong>de</strong>s.O interior da tenda dos !Calhau! naVandoma é todo um programa: há um<strong>fato</strong> <strong>de</strong> leopardo pendurado, máscaras,uma cobra falsa reluzente emcima <strong>de</strong> um tapete vermelho exóticobaratucho,uma peruca penduradaalgures. “O <strong>fato</strong> <strong>de</strong> leopardo... fui euque o fiz, cosi-o todo à mão. Isso éimportante, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que há umaforça que passa. Aquele objecto é tãoimportante como a caixa que temospara emitir sons. Verda<strong>de</strong>iramente,não há diferença, fazem parte <strong>de</strong> umacosmologia em que há vários elementos”,garante João Alves, meta<strong>de</strong> dos!Calhau! (a outra meta<strong>de</strong> é Marta Ângela).O padrão leopardo (ou a “trama”do leopardo, como dizem) é um doselementos do universo sempre emexpansão do grupo fixado no Porto.No Out.Fest <strong>de</strong> 2010, no Barreiro,apresentaram “O Método do Leopardo”.Entretanto, esse projecto (umdos vários que o grupo vai acumulando)passou a chamar-se “Étodo doleopardo”. “Desapareceu o M da ‘manha’.O método é uma manha que sevai ganhando - para fazer caixas, oque for. O que nos interessa é quandoa manha se per<strong>de</strong> e então tudo surge”,explica João, em conversa com o Ípsilon<strong>de</strong>pois do concerto, num restaurantevegetariano na Ribeira do Porto(a conversa <strong>de</strong>correu entre <strong>de</strong>nta<strong>das</strong>em bifes <strong>de</strong> seitan e bolos <strong>de</strong> sementes<strong>de</strong> papoila, uma iguaria surpreen<strong>de</strong>ntementelegal).É esta intuição, este método semmanha, esta abertura a tudo, que temlevado os !Calhau! (ou Calhau, VonCalhau e outras <strong>de</strong>rivações em tornodo pedregulho) a experimentaremmúltiplas áreas: artes plásticas, cinema,instalações sonoras, poesia (têmuma obsessão com jogos <strong>de</strong> palavras)e, claro, concertos e discos. O novo“Quadrologia Pentatónica”, lançadopela Rafflesia (editora <strong>de</strong> Afonso Simões,dos Gala Drop), será apresentadohoje às 21h30 no espaço Kolovrat79, em <strong>Lisboa</strong>, com os Aquaparque,que também mostram novo álbum,“Pintura Mo<strong>de</strong>rna”. Mostra uns !Calhau!com uma relação menos exclusivacom o ruído e a improvisação eexibe um fascínio com a tradição psicadélicamais subterrânea, mas tambémcom exercícios que têm tanto <strong>de</strong>macabro como <strong>de</strong> hilariante.“Quadrologia Pentacónica” mostratambém a paixão dos !Calhau! pelosjogos <strong>de</strong> linguagem, em particularpela leitura <strong>de</strong> palavras e frases dadireita para a esquerda (“lâmina” é“animal” ao contrário, tal como “olávaca” po<strong>de</strong> ser transformada em ”acavalo” - dois exemplos ouvidos nodisco). “O som está aí. Nós, intuitiva-16 • Sexta-feira 18 Março 2011 • Ípsilon


mente, por algumas razões, algumas<strong>de</strong>las totalmente misteriosas, vamoster com ele. O que fazemos é dialogar[com o som], não somos músicos”,explica João Alves. O duo diverte-sea explicar esta fixação. “Há um quenão me canso <strong>de</strong> dizer: ódio do servil/ livre só doido. É incrível!”, diz Marta.“Começámos com palavras simplese <strong>de</strong>pois foi uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> querer<strong>de</strong>scobrir. ‘Marta’ ao contrário é‘atram’, mas po<strong>de</strong>mos transformá-laem ‘trama’. Ou ‘Alves’ em ‘selva’. Oétodo do leopardo é que faz isso”, rise.TranscendênciasOs !Calhau! conheceram-se em 2006,num “workshop” <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> instrumentoselectrónicos. João era oformador, e do grupo inicial <strong>de</strong> participantessó sobrou Marta. “O pessoal<strong>de</strong>sistia. Mas, na realida<strong>de</strong>, nósqueríamos ficar sozinhos. Estávamosa apaixonar-nos”, diz, a sorrir.Apaixonaram-se, e João, que estavano Porto “por acaso”, acabou por ficara viver na cida<strong>de</strong>. Do “workshop”saiu o duo <strong>de</strong> vida curta ElectrocutatusSantificatis Rudimentarum Extremis,que haveria <strong>de</strong> se transformar,em pleno concerto no Cinema Batalha,no Porto, em Calhau.Esse primeiro concerto foi registadoe logo editado em CD-R. A urgênciaeditorial marcou 2006 e 2007, anosem que o duo lançou vários discos empequeníssimas quantida<strong>de</strong>s. “Eramexperiências nossas. Não sabíamosmuito bem para on<strong>de</strong> é que íamos.Apeteciam-nos ruídos <strong>de</strong> animais, temosum disco com ruídos <strong>de</strong> animais;interessava-nos o som <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhosanimados japoneses, experimentámosisso. Gravávamos ‘samples’ econstruíamos, <strong>de</strong> forma um poucoselvagem, máquinas que levávamospara os concertos. E improvisávamos”,conta João.Des<strong>de</strong> esses dias que os !Calhau! sãomais do que um duo <strong>de</strong> música experimental(ambos têm, aliás, formaçãoem artes visuais). Interessou-lhessempre uma dimensão performativaque, ouvindo-os falar, parece do domíniodo metafísico. “Sinto que foisempre uma aventura. Sempre queactuávamos era o limbo <strong>de</strong> não saberbem o que estava a acontecer. O queé certo é que acontecia qualquer coisaexterior a nós, que nos transcendiae que se manifestava por si”, diz Marta.“Há bocado [no concerto na Feirada Vandoma] uma criança perguntoumepor que é que o sol apareceu. Eudisse: ‘Não sei, são coisas que metranscen<strong>de</strong>m’. Eu própria não percebi,mas houve aqui umas forças reuni<strong>das</strong>que fizeram surgir isso”, continua.A caveira e o cornoEste aspecto cerimonial e místico éfundamental na estética !Calhau!. Nosprimeiros concertos, conta Marta,“era tão importante levar uma caveirapesada, <strong>de</strong> pedra, com areia”, comoinstrumentos. “Ainda a martelámos…estávamos a tentar que saíssesom <strong>de</strong> lá”, diz. “Não que a qualida<strong>de</strong>intrínseca do som fosse boa – era maiso gesto <strong>de</strong> estar a fazer aquilo”, acrescentaJoão.Entre os objectos que o grupo transformouem artefactos está um cornoencontrado em <strong>Lisboa</strong> com a inscrição“Luís XV” (objecto que virou o“readyma<strong>de</strong>” oportunamente intitulado“ponta dum corno”). João: “Derepente, são estas coisas que nostransmitem as suas próprias forças.E nós trabalhamos a partir disso”.O formato concerto revelou-se maisrecompensador para o duo do que ocircuito habitual <strong>das</strong> artes plásticas,que também cruzam. João <strong>de</strong>tecta“Interessa-nos tocaraquele momentocristalino em queo público passa paraoutro hemisfério,a quilómetros<strong>de</strong> distância daquiloa que está habituado.É isso que me comovena maior partedos casos”João Alvesalgum “<strong>de</strong>sapego” nesse circuito: oartista aparece na inauguração e <strong>de</strong>poisnão volta a fazer parte da exposição.O palco, em contrapartida, “éum acontecimento” e “remete para ai<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ritual”: “O ritual serve paracurar os nossos problemas, livrar-nos<strong>de</strong> malfeitores”, argumenta.Os concertos permitem-lhes colocarem-seem jogo, em risco. Foi issoque fizeram na Feira da Vandoma,on<strong>de</strong> podiam ter encontrado um públicomenos dado às suas aventuras.“Interessa-nos tocar num sítio on<strong>de</strong>o público dificilmente estará no nossohemisfério. Aquele momento cristalinoem que a pessoa passa paraoutro hemisfério, a quilómetros <strong>de</strong>distância daquilo a que está habituada.É isso que me comove na maiorparte dos casos”, afirma João.Vão mais longe, ao ponto <strong>de</strong> querer“sabotar” o seu próprio trabalho: comoquando em 2006, no Festival Trama,no Porto, com António Contador,<strong>de</strong>ram um concerto com as mãos presas.A opção <strong>de</strong> tocar só com os pésreforçou o assumido estatuto <strong>de</strong> nãomúsicos,levando-o ao extremo. “Tecnicamente,não tínhamos capacida<strong>de</strong>s– muito menos com os pés. É caricaturarainda mais essa situação,mas, ao mesmo tempo, esperar queali surja qualquer coisa. Que nessafragilida<strong>de</strong>, nesse empecilho, naqueleesquema montado para se auto<strong>de</strong>struir,possa surgir qualquer coisa”,teoriza João.Mais do que “compor música”, os!Calhau! querem “construir um espaçoon<strong>de</strong> possam acontecer coisas”,certos <strong>de</strong> que, por vezes, é na lamaque se <strong>de</strong>scobrem as pepitas. Diz JoãoAlves: “Se olharmos para os <strong>de</strong>talhesdo mal feito encontramos coisas quenão po<strong>de</strong>riam nascer <strong>de</strong> outra forma.Colocarmo-nos nessa situação é muitointeressante”.Ver agenda <strong>de</strong> concertos na pág. 40e segs.Ver crítica <strong>de</strong> discos na pág. 42 e segs.Ípsilon • Sexta-feira 18 Março 2011 • 17


TIMOTHY SACCENTICrise?Melancolia?Não comos CutCopyQuatroaustralianosque tiveram<strong>de</strong> mudar<strong>de</strong> vidaAcabaram <strong>de</strong> criar um novo álbum, “Zonoscope”, e estão com ganas<strong>de</strong> o apresentar ao vivo. Na 2ª, no Porto, e na 4ª, em <strong>Lisboa</strong>, é isso que vai acontecer:festa prometida, uma música pop electrónica exuberante. Vítor BelancianoNum curto espaço <strong>de</strong> tempo a vidamudou para os australianos Cut Copy.Em 2004 estrearam-se com “BrightLike Neon Love”, registo que passoualgo <strong>de</strong>spercebido, mas quatro anos<strong>de</strong>pois tudo mudou com a aclamaçãoem torno <strong>de</strong> “In Ghost Colours”, disco<strong>de</strong> canções pop electrónicas contendocaracterísticas imputáveis a18 • Sexta-feira 18 Março 2011 • Ípsilonlinguagens como o house, ‘disco’ erock.Os três membros tinham ocupaçõesparalelas, mas perceberam que tinhamque fazer escolhas. O cantorDan Whitford, por exemplo, gráfico<strong>de</strong> formação, um dos proprietáriosda empresa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sign Alter, está agoraapenas na música. O mesmo acon-UM ESPECTÁCULO DE DINARTE BRANCO, LUIS MIGUEL CINTRA E CRISTINA REISTradução: Regina GuimarãesInterpretação: Ju<strong>das</strong> Dinarte Branco; Voz Luis Miguel CintraCURTA SÉRIE DE REPRESENTAÇÕES24, 25, 26, 27 e 31 <strong>de</strong> MARÇO 1, 2 e 3 <strong>de</strong> ABRIL TEATRO DO BAIRRO ALTODe 5.ª a Sábado às 21.30h. Domingo às 16.00hM/12R.Tenente Raul Cascais, 1A. 1250-268 <strong>Lisboa</strong>Telef: 213961515/Fax 2139545082011tecendo com os outros. Nos três últimosanos realizaram inúmeros concertosà volta do mundo. Há trêssemanas regressaram com “Zonoscope”,disco que vão apresentar 2ª feirano Hard-Club do Porto e 4ª no Coliseu<strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>. Não estarão arrependidosda opção?“Nem pensar”, ri-se Dan Whitford,“as coisas mudaram muito <strong>de</strong>s<strong>de</strong> odisco anterior. Tocámos para audiênciase em locais que nunca imaginámosser possível e isso é entusiasmante.”Mas também po<strong>de</strong> ter efeitosnocivos, colocando uma pressão adicionalnos ombros do grupo. “É verda<strong>de</strong>”,reconhece, “mas quando começámoseste novo álbum tentámoster um olhar fresco. Não nos <strong>de</strong>ixámosmelindrar pela expectativa quepossamos ter criado. Não pensámosmuito nisso. Tentámos fazer qualquercoisa <strong>de</strong> novo apenas.”Influenciados e influentesNão é qualquer coisa <strong>de</strong> radicalmentenovo o que têm agora para oferecer,mas existem diferenças. A maioré que o novo álbum parece ter sidopensado enquanto tal. Não é meroconjunto <strong>de</strong> temas. Se nos dois primeirosdiscos as guitarras e as i<strong>de</strong>iasmais clássicas da canção ainda <strong>de</strong>tinhamum papel relevante, aproximandoo grupo <strong>das</strong> formações que sesituam entre o rock e a dança electrónica,agora a direcção é mais assumidamentedançante.“Trabalhámos os temas <strong>de</strong> formadiferente <strong>de</strong>sta vez”, reconhece Dan.“Há muitos mais elementos percussivos.Os sintetizadores também acabampor ter maior predominância esoam distintos. Estão mais orgânicos.As guitarras não <strong>de</strong>sapareceram, sãoé toca<strong>das</strong> <strong>de</strong> maneira diferente. Emvez <strong>de</strong> soarem a rock, estão mais diluí<strong>das</strong>,na linha dos Talking Heads,ou qualquer coisa parecida.”Há três anos, quando falámos pela“As pessoas pensamque passamoso tempo na praia,mas vivemos emMelbourne on<strong>de</strong> nãoé Verão o ano inteiro.Essa atitu<strong>de</strong>afirmativa da nossamúsica é um reflexoda música <strong>de</strong> quegostamos”primeira vez com Dan, este discorriasem complexos acerca <strong>das</strong> influências,dos Beach Boys aos Pixies, dosDaft Punk aos New Or<strong>de</strong>r. Na alturahouve muita gente a dizer que essaera a principal brecha do grupo: exporas influências à flor da pele. Anos<strong>de</strong>pois do que se fala é <strong>de</strong> uma série<strong>de</strong> ban<strong>das</strong> que terão sido marcadospor eles. Um movimento que Dan encaracom naturalida<strong>de</strong>. “Quando seestá no início é natural termos imensasinfluências. De repente, temosuma guitarra na mão e queremos fazerqualquer coisa na linha do queouvimos. Mas <strong>de</strong>pois essas coisassuperam-se. Haver ban<strong>das</strong> inspira<strong>das</strong>por nós é agradável. É óptimo sentirque temos efeito sobre outras pessoasque estão no início.”A principal influência no novo registosurgiu dos inúmeros espectáculosao vivo. Nesse sentido acaba porser também uma obra que reflecte <strong>de</strong>maneira fi<strong>de</strong>digna o que são os concertos,festa contagiante, quatro músicosem palco capazes <strong>de</strong> expressaruma atitu<strong>de</strong> global exuberante. Emvez <strong>de</strong> amarguras, sonorida<strong>de</strong>s sombriase letras sobre os conflitos dapassagem à ida<strong>de</strong> adulta, uma atitu<strong>de</strong><strong>de</strong> celebração da existência. Algo queDan reporta ao facto <strong>de</strong> gostarem <strong>de</strong>música transcen<strong>de</strong>nte, capaz <strong>de</strong> nosfazer <strong>de</strong>scolar da realida<strong>de</strong> mais quotidiana,e não ao facto <strong>de</strong> habitaremna Austrália, como não se cansam <strong>de</strong>ser confrontados.“As pessoas pensam que passamoso tempo na praia, mas vivemos emMelbourne, numa <strong>das</strong> partes maisarrefeci<strong>das</strong> da Austrália. Não é Verãoo ano inteiro. Não é assim tão diferenteda Europa. Essa atitu<strong>de</strong> afirmativaque a nossa música transporta acabapor ser um reflexo da música <strong>de</strong> quegostamos.”O facto <strong>de</strong> habitarem na Austráliatem vantagens e <strong>de</strong>svantagens, enumera.Entre as vantagens está o facto<strong>de</strong> terem uma vida tranquila. “Habitonuma zona calma dos subúrbios <strong>de</strong>Melbourne, com a minha mulher. Nada<strong>de</strong> vida cliché da estrela rock. Cafépela manhã e trabalho em estúdio<strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito cedo.” O principal inconvenienteé o isolamento, mas já foipior, graceja. “Há anos era muito duropara uma banda australiana sairdaqui. A opção era ir e não voltar.Agora é mais fácil, principalmentepor causa da internet. As pessoas àvolta do mundo po<strong>de</strong>m ter acesso ànossa música. Mas continua a ser muitocaro e penoso viajar para algumlado. É um dia inteiro <strong>de</strong> viagem.”Mas sair vale a pena, afirma, principalmenteem momentos como este,quando acabaram <strong>de</strong> criar um novodisco e estão com ansieda<strong>de</strong> em mostrá-loem palco. “Depois <strong>de</strong> se estartanto tempo em estúdio é excitantever as pessoas reagirem à nossa músicae apropriarem-se <strong>de</strong>la, em primeiramão.”


meo.ptNÃO HÁ PAIPARA TANTOS FILMESOFEREÇANODIA DO PAI19 <strong>de</strong> MarçoOfereça um dia especial ao seu pai… no sofá, com pipocas e a ver gran<strong>de</strong>s filmes.Com o novo cartão pré-pago do MEO Vi<strong>de</strong>oClube, o seu pai po<strong>de</strong>rá alugar filmes directamenteatravés da MEO Box, com total controlo <strong>de</strong> custos e quando acabar o saldo, ainda lhe po<strong>de</strong>recarregar o cartão no Multibanco!Adquira o cartão MEO Vi<strong>de</strong>oClube Card <strong>de</strong> €5 ou €10 nas lojas PT bluestore, em qualquerAgente Autorizado ou obtenha o cartão virtual <strong>de</strong> forma gratuita em meo.pt.Crédito válido durante 3 meses a partir do primeiro aluguer. Serviço disponível para alugueres <strong>de</strong> filmes na TV, para clientes MEO Fibra ouADSL com MEOBox. IVA incluído à taxa em vigor.


Um cineasta naóperaALFREDO ROCHA“Na ópera há muito mais verda<strong>de</strong> do que no cinema”,diz João Botelho. Porque o cinema está viciado norealismo. E assim o cineasta vai a São Carlos: encena“Banksters”, <strong>de</strong> Nuno Côrte-Real. Cristina Fernan<strong>de</strong>s“Encenar esta ópera é a coisa maisarriscada que fiz na vida”, diz JoãoBotelho, no final <strong>de</strong> um dos ensaios<strong>de</strong> “Banksters” no Teatro Nacional <strong>de</strong>São Carlos. A nova ópera do compositorNuno Côrte-Real, com libreto <strong>de</strong>Vasco Graça Moura inspirado na peça“Jacob e o Anjo” <strong>de</strong> José Régio, temestreia marcada para esta noite e é aprimeira gran<strong>de</strong> incursão do cineastano mundo lírico. Em 1994, por ocasiãoda <strong>Lisboa</strong>-Capital da Cultura, encenarauma brevíssima ópera <strong>de</strong> AntónioVictorino d’Almeida no âmbito<strong>de</strong> um filme sobre as sete artes (“TrêsPalmeiras”) e no “Filme do Desassossego”incluiu uma ópera <strong>de</strong> <strong>de</strong>z minutos<strong>de</strong> Eurico Carrapatoso passadaem plena floresta <strong>de</strong> Sintra (“A morte<strong>de</strong> Luís II da Baviera”, sobre texto <strong>de</strong>Bernardo Soares). Mas em ambos oscasos a ópera era um elemento integradono trabalho cinematográfico.Agora trata-se <strong>de</strong> colocar no palco <strong>de</strong>um teatro uma verda<strong>de</strong>ira ópera, “um<strong>de</strong>safio arriscado e difícil pois temainda mais variáveis do que o cinemae não tem re<strong>de</strong>.”“No cinema quando algo corre malpo<strong>de</strong>mos repetir a cena 20, 30, 40vezes ou <strong>de</strong>ixar fora <strong>de</strong> campo. Aquinão há fora <strong>de</strong> campo, é um planogeral sempre. Se corre mal naquelemomento corre para sempre”, diz orealizador. Confessa que ainda nãosabe o suficiente sobre o mundo daópera, mas a paixão é mais forte doque o receio. “Venho à ópera <strong>de</strong> vezem quando e acho que é o melhorespectáculo que há porque assentanuma premissa que adoro: não há<strong>de</strong>silusão porque a ilusão está lá <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início. Já se sabemos queé tudo falso, mas existe uma verda<strong>de</strong>que é a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> emocionar aspessoas com o espectáculo total.”“Banksters” resulta <strong>de</strong> uma encomendado Teatro <strong>de</strong> São Carlos aocompositor Nuno Côrte-Real (n. 1971),efectuada ainda durante a direcçãoartística <strong>de</strong> Christoph Dammann. “Seno caso do texto, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter <strong>de</strong>cididotrabalhar a peça do José Régio,a personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vasco Graça Mourafoi uma escolha evi<strong>de</strong>nte, para aencenação pensei logo no João Botelhopois sempre me fascinou a suacriação poética <strong>das</strong> cenas e a relaçãocom temas mais metafísicos”, contao compositor.“Já foi um espectáculopopular há mais<strong>de</strong> 100 anos comoo cinema foi há 50e agora ficou umacoisa minoritária.É uma tristeza porqueisto não é nadacomplicado.É só as pessoasestarem dispostas”NUNO FERREIRA SANTOSJoão Botelho, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>incluir a ópera no cinema,tem aqui a sua gran<strong>de</strong>incursão no mundo líricoBotelho concorda que é “mais umcineasta da poesia do que da prosa,apesar <strong>de</strong> ter adaptado romances” eelogia o libreto, que consi<strong>de</strong>ra muitoengraçado, bem escrito e com boasrimas. “É maravilhoso que seja emportuguês, gosto muito que seja contemporâneoe o facto <strong>de</strong> ser uma obraconstruída <strong>de</strong> raiz fez-me sentir maisà-vonta<strong>de</strong> para esta aventura.”Quando Paolo Pinamonti era aindadirector artístico do São Carlos, <strong>de</strong>safiou-opara encenar uma ópera <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> ter assistido ao filme “Quem éstu?”. “‘Bastava pôr música para elescantarem, podiam cantar o Frei Luís<strong>de</strong> Sousa em vez <strong>de</strong> estarem ali a dizero texto’, disse-me na altura, mas respondique ainda não estava preparado.”Depois disso, Botelho triplicouas suas visitas ao São Carlos. “Passeia ver tudo: bom, mau, assim-assim...Podia ter tentado a encenação há maistempo, mas não estava preparado.Agora também não estou, mas arrisquei,é da ida<strong>de</strong>, ganhei lata!”Atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sínteseVasco Graça Moura actualizou a acçãoda peça “Jacob e Anjo”, <strong>de</strong> JoséRégio, transformando-a em “Banksters”,ópera tragicómica sobre a vidae a morte. O herói, um banqueiro <strong>de</strong>nome Santiago Malpago (o barítonoJorge Vaz <strong>de</strong> Carvalho), é visitado poruma estranha personagem, um anjoou <strong>de</strong>mónio disfarçado <strong>de</strong> jornalista<strong>de</strong> nome Angelino Rigoletto (MusaNkuna), cuja missão é levar o gran<strong>de</strong>senhor da finança à <strong>de</strong>sgraça e ao <strong>de</strong>sespero.A queda do banqueiro é aindaorquestrada pela sua mulher, MimiKitsch (Sara Braga Simões), e pelasua ambição <strong>de</strong>smedida. “É uma históriarecorrente, quase tradicional,<strong>de</strong> um homem que tem po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong>pois<strong>de</strong>scobre que o po<strong>de</strong>r não é importante,o que importa é a <strong>de</strong>scoberta<strong>de</strong> si próprio”, explica NunoCôrte-Real. “Seria impossível fazeruma ópera com o texto original do20 • Sexta-feira 18 Março 2011 • Ípsilon


ALFREDO ROCHATentar que os cantoresrepresentem; trazer a luzdo seu cinema para o palco- um cineasta no trabalhoum projectoteatroe Mundo PerfeitoRégio. Gosto muito da linguagem,mas é hermética, muito barroca. Aópera é uma coisa intuitiva e rápida,pelo que precisava <strong>de</strong> um libreto comrima, num português preciso e foi oque Vasco Graça Moura fez. Usou umportuguês vicentino, mas muito actual,e conciliou o popular com oerudito.”Quanto à linguagem musical, Côrte-Realfala <strong>de</strong> “continuida<strong>de</strong>” e numa“atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> síntese”, que não <strong>de</strong>veser confundida com ecletismo. “Aópera foi sempre aberta a estilos diversosporque estes po<strong>de</strong>m vir a propósitoda própria dramaturgia. Hámomentos em que uso referênciasespecíficas, por exemplo no 2º actoouve-se a evocação <strong>de</strong> uma habanera,um fado, uma valsa e um funk, mastento que esses elementos façam partedo discurso musical <strong>de</strong> forma orgânica.”João Botelho acrescenta que é “umaópera em ca<strong>de</strong>ia, trágico-cómica, on<strong>de</strong>as personagens vão do ridículo aosublime, como é habitual nos sereshumanos. É uma ópera que tenta apanharos tempos que correm, as i<strong>de</strong>iasda ganância, da <strong>de</strong>cadência, da traição,da volúpia... Depois há i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>re<strong>de</strong>nção <strong>de</strong> qualquer ser humano pormais escumalha que seja. É uma i<strong>de</strong>iaque vem do Régio e que o compositorsegue, mas eu gostava mais <strong>de</strong> mandaro banqueiro para o Inferno!”E o que passa para a ópera da experiênciacomo cineasta? “A primeiracoisa é tentar que os cantores sejamtambém actores. Na ópera representa-sesempre, mas quero que seja umacoisa mais fluída. Outra coisa que gostava<strong>de</strong> trazer é a luz que normalmentefaço no cinema. Estou a tentar iluminarsó <strong>de</strong> um lado e não ter a luztoda espalhada, a tentar conjugar oclaro-escuro e sombras em vários planos.Tentei trazer também uma certaloucura para os cenários. No 2º actotenho uma sapateira com 840 pares<strong>de</strong> sapatos, uma abóbora enorme afazer <strong>de</strong> mundo na secretária do banqueiro,uma melancia do lado da mulhertraidora, carpetes que entram esaem, brinca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong>ssas.”Botelho diz que o compositor lhe<strong>de</strong>u liberda<strong>de</strong>, mas nunca lhe ocorreurecriar a acção para lá <strong>de</strong> certos limites.“Quando faço adaptação <strong>de</strong> romancesnão os traio, posso cortar masnão reescrevo. Não posso reescrevero que o compositor escreveu, possoé interpretá-lo. Sei ouvir e sei encenar<strong>de</strong> acordo com a harmonia ou com adissonância, mas não posso esten<strong>de</strong>rou encurtar o tempo como no cinemae tenho <strong>de</strong> me adaptar a essas coisas.”A montagem do espectáculo tambémtem outras regras. “Nas primeiras duassemanas quem manda é o compositor,<strong>de</strong>pois os cantores vão começandoa apren<strong>de</strong>r o texto e a maneira<strong>de</strong> o cantar e <strong>de</strong>pois vêm as três semanasem que mando eu! Agora, nestasemana e meia final antes da estreia,quem manda é o maestro e jáposso fazer pouco.” Queixa-se da escassez<strong>de</strong> tempo para tanta coisa e dofinanciamento reduzido. “O orçamentoé ridículo. Tenho menos para acenografia, o guarda-roupa, os figurantese os a<strong>de</strong>reços do que tenhohabitualmente para uma curta-metragem.”O realizador encontrou no São Carlosum ambiente bem diferente docinema. “Eu achava que o mundo daópera era maluco, mas é mais malucodo que imaginava, com direito a internamento!”[risos] O encenador eo compositor concordam que “o SãoCarlos é uma máquina pesada, umaestrutura em pirâmi<strong>de</strong>”, on<strong>de</strong> falarcom o segundo sem falar com o primeiropo<strong>de</strong> ser grave. “Há o po<strong>de</strong>r docoro, o po<strong>de</strong>r <strong>das</strong> equipas técnicas,dos directores <strong>de</strong> luz, dos electricistas,dos maquinistas, do guarda-roupa,o po<strong>de</strong>r principal e os po<strong>de</strong>ressecundários... É muito po<strong>de</strong>r, é precisonegociar com isso tudo a cadamomento”, diz Botelho. Mas isso nãolhe retira o entusiasmo. “Uma pessoaassusta-se quando vê o Coro do SãoCarlos pela primeira vez. São pessoasnormais, falam muito, é preciso mandá-lascalar, lêem jornais, fazem brinca<strong>de</strong>iras...Mas <strong>de</strong> repente começama cantar e ficam anjos! Há qualquercoisa estranha, <strong>de</strong> Deus ou do Diabo,na música. É algo para lá do ser humano.”O que o atrai na ópera é o “espectáculototal”. “Fascina-me aquela história<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ter uma senhora com100 anos e com 100 quilos a fazer umacriança <strong>de</strong> doze e as pessoas po<strong>de</strong>remchorar se ela cantar bem. É uma coisaque o cinema não permite pois estámais viciado no realismo, na reproduçãodo real, na imitação da vida. Naópera há muito mais verda<strong>de</strong> do queno cinema. O cinema é falso e tentaimpingir verda<strong>de</strong>, enquanto a óperaé, à partida, um espectáculo. Quandoé bem cantada e a música é boa tornaseuma experiência sublime e as pessoasficam arrepia<strong>das</strong> sem saber porquê.É como pôr um quadro do Rotko,às riscas, e uma pessoa começar a chorar.A arte é algo que não tem explicação.”Do mesmo modo, quando ouvemúsica “sem representação”, o cineastatambém se emociona. “‘A NoiteTransfigurada’, do Schoenberg, põemeos cabelos em pé!”, diz.Da ópera como cinema <strong>de</strong>staca o“Parsifal”, <strong>de</strong> Hans-Jürgen Syberberg,mas gosta ainda mais <strong>de</strong> “Moisés eAraão” <strong>de</strong> Schoenberg, na realização<strong>de</strong> Jean-Marie Straub e Danièle Huillet.Botelho não exclui a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> vira encenar óperas <strong>de</strong> repertório e nãopõe restrições quanto à autoria. “Gosto<strong>de</strong> Mozart, <strong>de</strong> Verdi, Puccini, <strong>de</strong>tantos outros, mas as mo<strong>de</strong>rnicesmuito agressivas não me interessam.Numa ópera <strong>de</strong> repertório já se conhecemalgumas regras e é mais fáciltorná-la contemporânea. Tornar contemporâneauma ópera contemporâneaé mais difícil, pois a tendência étransformá-la em clássica. Se pegarnum Verdi posso fazê-lo só com umtelão pintado porque já se fizeram500 encenações do Verdi.” Lamentaque a ópera se tenha tornado um espectáculominoritário e que não seinvista mais na educação musical emPortugal. “Em França, para salvar ocinema, os programas escolares incluemagora o visionamento <strong>de</strong> 50filmes por ano abrangendo toda a históriada sétima arte. Se uma criançafor habituada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre a ouvirmúsica clássica não há razão para nãogostar”, afirma. “O problema da óperaé comparável à vida: nasce, crescee morre. Já foi um espectáculo popularhá mais <strong>de</strong> 100 anos como o cinemafoi há 50 e agora ficou uma coisaminoritária. É uma tristeza porqueisto não é nada complicado. É só aspessoas estarem dispostas. A óperanão é um acontecimento <strong>de</strong> elites, euvejo no São Carlos pessoas <strong>de</strong> váriasclasses sociais, mas sim <strong>de</strong> minorias.”© Magda BizarroGilles Polet, Goran Sergej PristasJudith Davis, Leo PrestonTiago Rodrigues, Tónan QuitoLong Distance HotelRevisitedCompra OnlineSeis artistas <strong>de</strong> cinco países diferentes criamum espectáculo completo – texto, encenação,cenário, luzes, figurinos – à distância.24 a 27 Março 21h3012€ / Com <strong>de</strong>sconto 6€www.teatromariamatos.ptEm inglês sem legendagem | M/12tel. 218 438 801dançaJérôme BelCédric AndrieuxNa encenação <strong>de</strong>purada <strong>de</strong> Jérôme Bel,a história pessoal <strong>de</strong> Cédric Andrieux abre uma janelapara a história da Dança Mo<strong>de</strong>rna.30 e 31 Março 21h3015€ / Com <strong>de</strong>sconto 7,50€no âmbito da re<strong>de</strong>Em inglês sem legendagem | M/3co-financiado por© Herman SorgeloosÍpsilon • Sexta-feira 18 Março 2011 • 21


PAULO PIMENTA“ExactamenteAntunes” é,como ooriginal <strong>de</strong>AlmadaNegreiros,uma história<strong>de</strong> iniciação: ainiciação <strong>de</strong>Antunes, queparece tervindo do lutoda provínciapara as luzes eo barulho <strong>de</strong><strong>Lisboa</strong>Almada Negreiros fez alguns ultimatosna vida (futuristas e tudo) mas emnenhum <strong>de</strong>les dispôs que “Nome <strong>de</strong>Guerra”, romance que escreveu em1925 e que só seria publicado em 1938,haveria <strong>de</strong> ter futuro, em português<strong>de</strong> SMS e “playback” <strong>de</strong> Carlos Paião- nem que ele próprio haveria <strong>de</strong> terfuturo como Autor (Autor! Autor! Autor!)com A gran<strong>de</strong> e luvas <strong>de</strong> boxe nopalco do Teatro Nacional S. João(TNSJ), no Porto, uma cida<strong>de</strong> que em“Nome <strong>de</strong> Guerra” só aparece umavez, mas para armar uma cena que oautor (então ainda com a pequeno)nunca mais pô<strong>de</strong> esquecer.No futuro, este que começou ontem,“Nome <strong>de</strong> Guerra” é “ExactamenteAntunes”. Não é só o título doromance que está mudado: é o próprioAntunes ( Jorge Mota) que nosparece mais velho, já com todo o séculoXX em cima do lombo (e umaparte do século XXI), mesmo antes<strong>de</strong> encontrar a rapariguinha “assimmuito nua” que há-<strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>le umhomem (com H gran<strong>de</strong> e com h pequeno,<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>das</strong> ocasiões).Promover o Antunes a protagonista,<strong>de</strong>spromovendo a Judite (pelo menosno título, já não é o nome <strong>de</strong>la queestá em guerra), foi i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> JacintoLucas Pires, a quem Nuno Carinhaspediu que voltasse a escrever “Nome<strong>de</strong> Guerra” para o TNSJ (uma política<strong>de</strong> cruzamento <strong>de</strong> autores que tambémvai ter futuro: a seguir, em 2012,Luísa Costa Gomes retoma um romance<strong>de</strong> Maria Velho da Costa); envelhecero Antunes, que no romance <strong>de</strong>Almada é um jovem da província perdidoem <strong>Lisboa</strong> e aqui tem cabelosbrancos, foi i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Cristina Carvalhal,que divi<strong>de</strong> a encenação da peçacom o director artístico do S. João.“Achámos que isso abria esta história<strong>de</strong> iniciação a outras significações. Aestranheza <strong>de</strong> ver o Antunes mais velhoreforça a atenção sobre aqueleprocesso <strong>de</strong> iniciação, porque istopo<strong>de</strong> acontecer a qualquer homemfora do seu habitat natural: é um homemque chega a um universo quenão domina, que tem <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r oscódigos”, diz Cristina. “É como se aaprendizagem para ser Antunes fosseuma coisa que tivesse <strong>de</strong> durar todaa vida: envelhece-se a apren<strong>de</strong>r, a chegaraté. E há outro lado: tratando-se<strong>de</strong> um texto do Jacinto, é também doteatro que se trata. Talvez um actorprecise <strong>de</strong> muita experiência parachegar a ser exactamente uma personagem,para chegar a ser exactamenteAntunes”, continua Carinhas.No caso <strong>de</strong> Antunes, a aprendizagempara ser Antunes é também umaaprendizagem para ser do século XX,uma aprendizagem <strong>das</strong> luzes e dobarulho, do fox e do rock (“TalvezAntunes”, escreve Almada ainda naspáginas iniciais do romance, “viesseum dia a ser um homem da sua época”).É o tio da província ( José EduardoSilva) que comanda à distânciaesse processo, através do “experimentadocompanheiro D. Jorge”(Paulo Freixinho), que o apresenta aJudite numa noite em que há estaladae um automóvel <strong>de</strong> partida “para longe,quanto mais longe melhor, próestrangeiro, pró inferno”. Mas <strong>de</strong>pressao processo <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser comandado(nem pelo tio, que alguémapaga, nem pela Judite nem pelo próprioAntunes). É <strong>de</strong>ntro da atormentadacabeça <strong>de</strong> Antunes, uma casaassombrada pelo fantasma da raparigada terra, a Maria ( Joana Carvalho),e pela sórdida imagem da Juditenua a ouvir atrás <strong>das</strong> portas, que tudose irá passar, como aponta JacintoLucas Pires na entrevista incluída noprograma: “O início [do romance]pareceu-me logo muito teatral (...).Tive a sensação <strong>de</strong> que o trabalho estavapraticamente feito e que apenaspodia inventar umas graças, se nãoquisesse fazer estragos. Mas <strong>de</strong>poiso romance vai para <strong>de</strong>ntro da cabeçado Antunes. Isso foi uma coisa queme entusiasmou”. Ao ponto <strong>de</strong> lá terido buscar coisas com que o Autornem sonhava.Em “playback”Para quem tem memória do livro, háaparições ainda mais inespera<strong>das</strong> doque as do Autor (que às tantas o Antunesaté pe<strong>de</strong> para se ir embora, “paraficarmos mais à vonta<strong>de</strong>) e <strong>das</strong>mensagens SMS (contraponto pósmo<strong>de</strong>rnoaos títulos dos capítulos queaqui fazem a diferença “entre o poucoque se diz e o muito que se pensa”)em “Exactamente Antunes”. Maria,diz Jacinto Lucas Pires (que a foi buscara outro Almada, o do “Anjo daGuarda”), é a gran<strong>de</strong> invenção da peça:é ela que mostra “como se passa22 • Sexta-feira 18 Março 2011 • ÍpsilonAntunes em guerracom o PortugalJacinto Lucas Pires voltou a escrever um romance do princípio do século passado, “Nome <strong>de</strong> G<strong>de</strong>s<strong>de</strong> ontem no Teatro Nacional S. João, é Almada Negreiros, futurista e tudo, teletransportado p


Sidi Larbi CherkaouiAquele queveio do Este“Babel”termina umasequênciainiciadaem 2003com “Foi”e queprosseguiuem 2007com “Myth”Sidi Larbi Cherkaoui chega amanhã a Guimarães,e no próximo fim-<strong>de</strong>-semana a <strong>Lisboa</strong>, com a sua maisrecente peça. “Babel (palavras)” é uma viagem aointerior do multiculturalismo. Tiago Bartolomeu CostaKOEN BROOSSidi Larbi Cherkaoui é marroquino,é belga, é homossexual, tem 35 anos.Em árabe o seu nome significa SenhorÁrabe, Aquele que vem do Este, o lugaron<strong>de</strong> o sol nasce. “Pus-me semprefora da caixa, antes que me pusessemnuma. Às vezes as pessoas queremreduzir-te a nada. Hoje já não me incomodatanto, mas ainda gosto <strong>de</strong> o<strong>de</strong>nunciar”, diz-nos ao telefone <strong>de</strong>s<strong>de</strong>o Japão, entre mensagens e telefonemasa garantir que está tudo bem. Fezanos um dia antes do terramoto e estavaa ensaiar quando uma pare<strong>de</strong> doestúdio caiu. É madrugada no Japão,o país do sol nascente, e lá fora, dizele, está tudo calmo. “Mas não po<strong>de</strong>mos<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> nos sentir afectados.Como vamos agir?”.Cherkaoui diz que é coreógrafo paracontinuar a memória da sua avó edo seu pai, marroquinos. Diz que dança,hoje, não porque queira dizer algumacoisa, mas porque se empenhaa fazer uma tarefa diariamente. Umatarefa “material”. Mas imagina-se,daqui a uns anos, a fazer uma outracoisa, mesmo que agora os recentesresultados dos apoios públicos flamengoso tenham <strong>de</strong>ixado à frente <strong>de</strong>companhias como a Última Vez <strong>de</strong>Wim Van<strong>de</strong>keybus, e perto <strong>de</strong> pesospesados como Anne Teresa <strong>de</strong> Keersmaekere Alain Platel. Tudo nomescom os quais dançou e contra os quaissente que não faz sentido rebelar-se.“A minha geração é muito mais conciliadora”,diz.“Babel”, a peça que amanhã apresentano Centro Cultural Vila Flor, emGuimarães (on<strong>de</strong> encerra a primeiraedição do GUIdance), e que nos dias25 e 26 chega ao Centro Cultural <strong>de</strong>Belém (CCB), em <strong>Lisboa</strong>, é tambémsobre isso. Isso <strong>de</strong> não se caber emlado nenhum. Isso <strong>de</strong> se ter que dizer<strong>de</strong> on<strong>de</strong> se vem, mesmo que não sesaiba para on<strong>de</strong> se vai, e <strong>de</strong> nunca sesair do mesmo sítio. A peça recebeuesta semana os prémios ingleses LaurenceOlivier para melhor cenário,assinado pelo escultor Antony Gormley,que pela terceira vez trabalhoucom Cherkaoui – as outras foram “ZeroDegrees” (2005, no CCB em 2007)e “Sutra” (2008, no CCB em 2009) –,e melhor produção <strong>de</strong> dança. É coassinadapor Damien Jalet, que foi seucompanheiro durante sete anos, juntandoum elenco variado <strong>de</strong> bailarinos,cada qual com a sua origem; entreeles o português Hél<strong>de</strong>r Seabra.“Cada personagem, cada bailarino, éalgo muito claro. O francês, o americano,o português, o japonês, etc..Mas muito rapidamente nos apercebemosque essas <strong>de</strong>finições não significamnada. São convenções, rótulos,com os quais po<strong>de</strong>mos concordarou discordar. São i<strong>de</strong>ias que a Histórianos trouxe, i<strong>de</strong>ias que po<strong>de</strong>m alterarsedrasticamente”.O que fazem, num acumular <strong>de</strong> sequênciasem que é primordial a metáforasobre a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> conciliação,o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> partilha e a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> entendimento, <strong>de</strong>smonta asfacha<strong>das</strong> que criamos no dia-a-dia.“Quando alguém se apresenta comosendo <strong>de</strong>sta ou daquela cultura, issoé também uma ilusão”, resume. Énesse sentido que vai a estrutura <strong>de</strong>Gormley, que se impõe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o fundodo cenário: “To<strong>das</strong> as peças têm omesmo volume, apesar <strong>de</strong> umas seremmais altas que outras. Isso cria ailusão <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>”. A explicaçãoé óbvia: “Algumas culturas consi<strong>de</strong>ram-semais profun<strong>das</strong>, mas falhamna abrangência <strong>de</strong> perspectivas”.Apren<strong>de</strong>r a observarAo longo dos anos que já leva a coreografar– a primeira peça foi “AnonymousSociety”, em 1999 –, Cherkaouiapren<strong>de</strong>u “a observar”. As peças passarama ser menos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> res-“Cada pessoaé uma minoria,em particular aspessoas cria<strong>das</strong>em <strong>de</strong>mocracia.Estão por sua conta,com as suas noçõesindividuais <strong>de</strong>verda<strong>de</strong>. É a maldição<strong>de</strong> se ser criadocomo um indivíduo”posta a questões que o assaltavam,como os binómios território e linguagemou i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e i<strong>de</strong>ntificação, emais construções assentes na observação<strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s. Esta nova fasecomeçou com “Foi” (2003, vista noCCB em 2004), primeira parte <strong>de</strong> umatrilogia que continuou com “Myth”(2007) e que agora se encerra.“O que faço raramente é ‘meu’.‘Meu’ nunca foi a noção mais importante,percebi. O meu trabalho é o <strong>de</strong>‘organizar’, tornar o ritual possível.É o resultado <strong>das</strong> escolhas que outrosfizeram”, diz agora. Esta peça fala disso:“Não podia ser <strong>de</strong> outra forma.“Des<strong>de</strong> quando é que impor uma visãoé uma corrente contemporânea?”.“Acredito verda<strong>de</strong>iramente que a artenão é mais do que a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> a vida se ver reflectida, <strong>de</strong> modo aencontrar um significado”, continua.Apren<strong>de</strong>u-o com os monges guerreiros<strong>de</strong> Shaolin, com quem fez “Sutra”:“Estou a fazer uma coisa <strong>de</strong> cada vez,e faço apenas aquilo em que acredito.É uma espécie <strong>de</strong> instinto <strong>de</strong> sobrevivência”.Mas quão individual se po<strong>de</strong>ser quando se é o somatório <strong>de</strong> váriasminorias? “Acredito que cada pessoaé uma minoria, em particular as pessoascria<strong>das</strong> numa socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática.Estão por sua conta, com assuas noções individuais <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>.É a maldição <strong>de</strong> se ser criado comoum indivíduo”.“Babel” está cheia <strong>de</strong> indivíduosque falam na sua própria língua, quese mostram na sua diferença, que seexpõem numa vertigem coreográfica.Corpos que se revolvem e se movementre uma massa <strong>de</strong> símbolos, <strong>de</strong>sons, <strong>de</strong> sentidos. É, nesse acto <strong>de</strong>observação, a peça mais livre <strong>de</strong>Cherkaoui. A justificação encontra-ano dia a dia: “Ontem [domingo, 13]alguns bailarinos estavam com receio<strong>de</strong> sair por causa da contaminaçãonuclear. Tinham receio <strong>de</strong> que o Governolhes estivesse a mentir, o quenão seria uma novida<strong>de</strong>. Mas acabámospor sair porque o medo não nos<strong>de</strong>ve impedir <strong>de</strong> viver”.Ver agenda <strong>de</strong> espectáculos na pág.44A origemmista,marroquinae belga, <strong>de</strong>Sidi LarbiCherkaoui fazdo própriocoreógrafouma espécie<strong>de</strong> micro-BabelKOEN BROOSÍpsilon • Sexta-feira 18 Março 2011 • 25


TOBIAS BOHMLuís Antunes PenaMúsicaO CD que estáa produzircom a VillaConcordiae o ZKM <strong>de</strong>Karslruhe éa cereja emcima <strong>de</strong> umano muitoprodutivo parao compositorLuís Antunes Pena já vivia na Alemanha(em Essen, on<strong>de</strong> concluiuos estudos com Nicolau A. Huber)quando lhe ligaram a convidá-lopara passar um ano em Bamberg.Tinha acabado <strong>de</strong> escrever uma peçagran<strong>de</strong>, havia outra encomenda emandamento, e <strong>de</strong>cidiu ir: “O sítio on<strong>de</strong>estou é indiferente. Basta-me ter umasala on<strong>de</strong> possa montar o computadore as colunas”. Em Bamberg teve umestúdio para isso e ainda um apartamentofamiliar (<strong>de</strong>u jeito: acaba <strong>de</strong> teruma filha, “uma verda<strong>de</strong>ira coproduçãoluso-germânica”, como lhe chamoua directora da Villa na sessão <strong>de</strong>encerramento), ambos no EbracherHof, uma <strong>de</strong>pendência-satélite da VillaConcordia. Além <strong>de</strong> uma bolsa mensal,<strong>de</strong>talhe que muda tudo: “É umasensação incrível ter as encomen<strong>das</strong>normais e ao mesmo tempo o conforto<strong>de</strong> ser bolseiro, mais uma série <strong>de</strong>pessoas ali no escritório para te ajudarnos teus projectos. Isso aumentou aminha produtivida<strong>de</strong>, consciente ouinconscientemente. É a situação i<strong>de</strong>alpara criar”, diz o compositor.Além do trabalho extra-Villa, naárea da música electrónica, Luís AntunesPena pô<strong>de</strong> organizar algumasoutras acções paralelas: concertos,conferências e uma sessão com textos<strong>de</strong> José Riço Direitinho e música <strong>de</strong>le,com a colaboração do percussionistaNuno Aroso. Foi em Bamberg que estreoua nova formação com que estáa trabalhar, o Trio Vermelho (“umpasso muito importante”), e que finalmenteproduziu um CD, para saireste ano (um passo ainda mais importante).“Mais tar<strong>de</strong> ou mais cedo teriaconseguido gravá-lo, mas é uma oportunida<strong>de</strong>fantástica. Estou muito contentepor fazer isto com a Villa e como ZKM <strong>de</strong> Karlsruhe. É um retrato musicalalargado, com peças que compusentre 2000 e 2011”, explica.Estar na Alemanha já tinha sido <strong>de</strong>terminante(“Em Portugal mistificamosmuito as gran<strong>de</strong>s referências epara mim foi <strong>de</strong>cisivo perceber que oStockhausen é uma pessoa <strong>de</strong> carnee osso, com quem se po<strong>de</strong> falar”), estarna Villa Concordia também. “Ocontacto com outros artistas foi muitomais importante do que eupensava.E <strong>de</strong>pois Bamberg é uma cida<strong>de</strong>pequena, o que torna tudo muitofácil”.Os cinco na VillaAcaba hoje o ano que cinco portugueses passaram em Bamberg, na Baviera, a convite <strong>das</strong>alário e sem compromissos)? Dulce Maria Cardoso voltou a Angola (<strong>de</strong> on<strong>de</strong> saiu na ponte aéreaPena gravou um disco (e teve uma filha), João Leonardo produziu um catálogo (e fumou 7300José Rico DireitinhoLiteraturaO terceiroromance <strong>de</strong>Direitinho temdois títulosprovisórios(“HistóriaNatural dosMortos” e“O ÚltimoOutono”), masprovavelmenteainda terá umterceiroJosé Rico Direitinho é um caçaresidências:o ano em Bambergainda não terminou e ele já está apensar para on<strong>de</strong> vai a seguir (regressara Bamberg com a família, quejá o acompanhou neste ano, é umapossibilida<strong>de</strong>, e isso é um bom indicador<strong>de</strong> como esta bolsa correu:bem, ao ponto <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rmos esperarnovo romance ainda este ano). Sabiaexactamente “ao que vinha”: já tinhasido escritor resi<strong>de</strong>nte em Berlim,com uma bolsa da DAAD, em NovaIorque (Ledig House), e na Letónia(Ventspils House): “Agradava-me muitoa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ter condições, porqueme pagavam um or<strong>de</strong>nado, para voltara escrever ficção. E tempo, também:o <strong>de</strong>senraizamento liberta-nos<strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> hábitos não produtivose aumenta enormemente o tempoútil. Não me custa escrever 16 a 18 horaspor dia”.Foi o que fez, e saiu-se bem: o livroestá muito adiantado. “Precisa <strong>de</strong> maisuns meses <strong>de</strong> trabalho que eu aindanão sei como vou resolver. Provavelmente,com outra residência!”. Noterceiro romance, Direitinho retomaa al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “Breviário <strong>das</strong> Más Inclinações”e “O Relógio do Cárcere”, masé como se esta al<strong>de</strong>ia também tivesseido à Alemanha: “O silêncio <strong>de</strong>pois daneve, que senti muito aqui em Bamberg,obviamente entra no livro”.Como já tinha vários títulos publicadosna Alemanha, a Villa Concordiaorganizou-lhe sessões <strong>de</strong> leitura, tantoem Bamberg como fora da Baviera(faz parte do programa <strong>de</strong> intençõesda residência encorajar os encontroscom a comunida<strong>de</strong>), e articulou-secom a editora alemã <strong>de</strong> Direitinho (aHanser) para que houvesse livros em“stock” na principal livraria da cida<strong>de</strong>,cuja montra chegou a ter um gran<strong>de</strong>retrato do escritor português. “Numacida<strong>de</strong> pequena, a Villa Concordiaenche sempre que organiza algumaactivida<strong>de</strong>, e isso é notável”.Por ele, ficava mais um ano: “Doisanos é o tempo <strong>de</strong> escrever um romance.Estas bolsas são atribuí<strong>das</strong> aautores já com uma certa obra, quenão vêm para aqui passar férias. Istopo<strong>de</strong> ser um período <strong>de</strong> trabalho até<strong>de</strong>masiado intenso. A vida social é<strong>de</strong>terminante para manter uma certahigiene mental, e por isso é que importantehaver mais bolseiros”. Todosos anos são 12. Depois <strong>de</strong> a residênciaacabar, há sempre pelo menos umque fica em Bamberg.ArtesVisuaisEntre SãoPaulo e aPalestina,Filipa Césarnão passou otempo previstona VillaConcordia,masorganizou umprograma <strong>de</strong>apresentaçãodo seutrabalhoFilipa CésarFilipa César não aceitou à primeirao convite da Villa Concordia, emesmo à segunda foi uma artistaresi<strong>de</strong>nte mais esporádica do queos outros cinco portugueses.“Quando me convidaram, já sabia queo meu ano ia ser complicado, commuitas viagens, e que não ia po<strong>de</strong>rcumprir o regulamento <strong>de</strong> presenças.Mas a Villa insistiu, e ficou combinadoque íamos gerindo a situação ao longodo ano. Acabei por ir todos os mesesBamberg, mas às vezes para períodos26 • Sexta-feira 18 Março 2011 • Ípsilon


Hugo Canoilas é um beautifFoi ter com uma <strong>das</strong> pinturas maisimportantes da arte portuguesa: os painéishistóricos <strong>de</strong> Nuno Gonçalves. Para sabero que se escondia por trás <strong>de</strong>la. E para serabsolutamente outro. Nuno CrespoQuando, em 1919, Marcel Duchamp(1887-1968) <strong>de</strong>senha uns bigo<strong>de</strong>s euma pera no retrato <strong>de</strong> Mona Lisa eescreve que “elle a chaud ao cul” nãoestá só a fazer um “ready-ma<strong>de</strong>”, estáa abrir caminho para a alteraçãoda presença e do estatuto que a tradiçãopossui no trabalho artístico contemporâneo.Está em causa a apropriaçãodirecta <strong>de</strong> uma <strong>das</strong> mais famosaspinturas <strong>de</strong> todo o mundo (<strong>de</strong>tal modo importante na história <strong>das</strong>imagens que a primeira vez que foimostrada em Nova Iorque em 1962 osserviços alfan<strong>de</strong>gários classificaramnanão como pintura, mas como ícone)a qual passa a servir não só <strong>de</strong>mote, mas <strong>de</strong> superfície sobre a qualo artista intervém.Aquele gesto não é simples, masrevelou-se <strong>de</strong>nso e complexo: não sólevantou problemas acerca do comércio<strong>das</strong> imagens no <strong>de</strong>curso da história,como obrigou a repensar o ensinoda arte, as estratégias dos artistasindividuais e o estatuto <strong>das</strong> obras originaisna era <strong>das</strong> infinitas reproduções.In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da históriaparticular <strong>das</strong> repercussões duchampianas,o facto é o <strong>de</strong> a “apropriação”artística ter ficado legitimada: não éum acto <strong>de</strong> vandalismo, não é umaquestão <strong>de</strong> não saber o que fazer ounão ter i<strong>de</strong>ias, mas é um gesto criativoao mesmo nível daqueles que, aparentemente,do nada fazem imagens,objectos, espaços, coisas.Hugo Canoilas (<strong>Lisboa</strong>, 1977) é, comotodos nós, um her<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> Duchamp.Não por relação directa, maspor receber do artista francês um espaço<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> no interior do qual<strong>de</strong>senvolve os seus próprios gestos.A sua exposição no Museu no Chiadotestemunha uma relação difícil e nadapacífica com um momento da tradiçãoda pintura portuguesa da qual seapropria para fazer uma obra. Esteprocesso não é uma novida<strong>de</strong> no trabalho<strong>de</strong>ste artista, mas agora Canoilasfoi ter com uma <strong>das</strong> pinturas maisimportantes da história da pinturaportuguesa: os painéis históricos <strong>de</strong>Nuno Gonçalves. Foi ter com aquelemonumento da pintura portuguesapara tentar perceber o que estavaatrás da “cinzentez e monotonia” quediz ter sentido quando era estudantenas Belas Arte. Agora, disse ao Ípsilon,mudou <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e admira profundamentea estrutura e atmosfera daquelaobra, as quais diz serem muito próximasdos seus primeiros trabalhos.Entre Canoilase Nuno GonçalvesRelativamente aos Painéis <strong>de</strong> S. Vicentea escolha não foi <strong>de</strong> Canoilas, surgiu<strong>de</strong> um convite para fazer umaobra que partisse <strong>de</strong> Nuno Gonçalves.Procurou e foi inevitável escolher ospainéis. Obra da qual sempre se afastou“por causa do entusiasmo simbólicoque agrupava muitas pessoas emseu torno, ficava tudo amarrado ecinzento. Aquela pintura sempre foipara mim muito compacta, monocórdica.Hoje mu<strong>de</strong>i <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias.”Uma falta <strong>de</strong> entusiasmo porquesentia a pintura presa a coisas “invisíveis,as quais apenas quem estudaa parte simbólica tem a capacida<strong>de</strong><strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r. Eu quero acreditar queexistem várias cama<strong>das</strong> ou váriasaproximações e que usando uma inteligênciasensível consigo criar umarco em tensão com este corpo hermético[dos Painéis <strong>de</strong> S. Vicente] erealizar uma abordagem que está aodispor <strong>de</strong> todos.”Sentia-se longe não só <strong>de</strong> NunoGonçalves, mas <strong>de</strong> mais alguma pinturaportuguesa. Não se tratava <strong>de</strong> umproblema com a pintura clássica, aqual sempre estudou, mas com a tradiçãoportuguesa. Talvez porque “comonão a estudamos na escola nãofica nenhum bichinho para <strong>de</strong>poisnos <strong>de</strong>spertar.”A obra com o título “Painéis semtítulo (po<strong>de</strong>mos ficar todos juntos)”resulta do esforço <strong>de</strong> Canoilas se encontrarna gran<strong>de</strong> obra histórica. Tentouconstruir uma “relação positiva”e, como diz, “imprimir movimento.”O qual começou por ser o <strong>de</strong> mostrara geometria escondida da pintura originale <strong>de</strong> materializar a trama ou re<strong>de</strong>que suporta primeiro a pintura <strong>de</strong>Gonçalves e, <strong>de</strong>pois, os painéis <strong>de</strong>Canoilas. Para o artista, a pintura originalé não só essa grelha <strong>de</strong> suporte,quase sempre oculta, mas também“o espaço entre uma e outra pintura”,ou seja, o arco histórico e sensível entreCanoilas e Nuno Gonçalves.A este trabalho sobre a estruturajuntou-se o fazer da nova obra: “ospainéis em si foram feitos em condi-“Painéis semtítulo(po<strong>de</strong>mosficar todosjuntos)”resulta doesforço <strong>de</strong>Canoilas seencontrar nagran<strong>de</strong> obrahistórica <strong>de</strong>NunoGonçalves (àdireita, embaixo). Tentouconstruir uma“relaçãopositiva” e“imprimirmovimento.”28 • Sexta-feira 18 Março 2011 • Ípsilon


iful monster“Quando utilizoo trabalho <strong>de</strong> outroartista não estouà procura <strong>de</strong> algumacoisa, estou a tentarsair do labirinto”sempre foram outras: exalta a telabranca <strong>de</strong> Malévich, ponto alto dapintura suprematisma russa, fala <strong>das</strong>esculturas <strong>de</strong> Eva Hesse, <strong>das</strong> paisagens<strong>das</strong> pinturas holan<strong>de</strong>sas, <strong>das</strong>atmosferas <strong>de</strong>nsas <strong>de</strong> Goya, da antropofagia<strong>de</strong> Oiticica, entre muitos outros.Está em causa um artista cujotrabalho, como diz, “sofre imenso”com o que lê, vê e experimenta. “Porquetudo isso passa a fazer parte <strong>de</strong>mim.”Um artista que não é o exemploacabado <strong>de</strong> quem só funciona porreferências, mas sabe a importância<strong>de</strong> ter mestres e sente a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> lidar com a tradição da linguagemque utiliza. Até porque para ele umartista vê obras que o marcam “e <strong>de</strong>poistem <strong>de</strong> ir para o atelier apren<strong>de</strong>r.”Acrescenta: “um artista apren<strong>de</strong>uma coisa porque faz a mesmacoisa e ao repetir aquilo passa a fazerparte <strong>de</strong>le.... É um processo semelhanteao da incorporação da antropofagia.”tir <strong>de</strong> uma obra já existente.” Nãoestá em causa procurar a segurançae a protecção dos gran<strong>de</strong>s momentosda história da arte e dos mestres consensuais,mas é igualmente, como diz,“uma solução para se reinventar.”No contexto da reflexão <strong>das</strong> obrasque usam outras obras como sua estrutura,alerta: “quando utilizo o trabalho<strong>de</strong> outro artista não estou àprocura <strong>de</strong> alguma coisa, estou a tentarsair do labirinto.” O qual é <strong>de</strong>scritopelo artista como o sentimento <strong>de</strong>estar emparedado: “aceita-se as leis<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada obra e cria-seum labirinto à nossa volta do qual <strong>de</strong>poisse tem <strong>de</strong> encontrar a saída: épreciso <strong>de</strong>rrubar o templo.”Neste labirinto construído pela históriada arte não há o perigo <strong>de</strong> per<strong>de</strong>ra voz própria ou a individualida<strong>de</strong>,porque, diz, quer “ser absolutamenteoutro. Gostava <strong>de</strong> me transformarnum ‘beautiful monster’ como diziao Picabia.” Um ser paradoxal porqueé um monstro belo que resulta, comoSÃO LUIZ TEATRO MUNICIPALRUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOAGERAL@TEATROSAOLUIZ.PT; TEL: 213 257 640BILHETES À VENDA EM WWW.TEATROSAOLUIZ.PT,WWW.BILHETEIRAONLINE.PT E ADERENTESBILHETEIRA DAS 13H00 ÀS 20H00TEL: 213 257 650 / BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PTwww.teatrosaoluiz.ptções especiais, utilizando apenas materiaisretirados <strong>de</strong> um estaleiro <strong>de</strong>construção civil que o meu pai e irmãotêm. Estes novos materiais fazema obra abrir-se amplamente aoexterior, às coisas que me apareceme que po<strong>de</strong>m substituir os valores dapintura original. Por isso não useitinta, resolvi não fazer nada com asferramentas que normalmente utilizono meu trabalho. Fiquei sem muletasdiria eu.”A relação <strong>de</strong> Canoilas com a tradiçãoda pintura portuguesa é complexae só com este trabalho chamou asi essa tradição. As suas referênciasSer absolutamente outroNão é um processo simples, porqueas obras parecem estar livre e incondicionalmenteà disposição <strong>de</strong> todos.Esta é, diz Canoilas, “uma gran<strong>de</strong> dádivaà nossa disposição”, porque asobras dos outros passam a funcionar“como uma re<strong>de</strong>, a qual dá uma enormeliberda<strong>de</strong> e, simultaneamente,uma gran<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>.” Conclui:“eu aproprio-me <strong>de</strong> coisas já soluciona<strong>das</strong>e sinto maior liberda<strong>de</strong>para <strong>de</strong>struir, <strong>de</strong>sviar. Mas isto implicatambém uma enorme responsabilida<strong>de</strong>:ter <strong>de</strong> dar algo <strong>de</strong> novo a par-explica o artista, da tentativa <strong>de</strong> incorporar“aquilo que não se consegueser: tento ser outro, o absolutamenteoutro, oposto ao que se é, tenta-seviver muitas vi<strong>das</strong> numa vida só.”Este monstro é feito <strong>de</strong> uma “massainforme, não manuseável e não compreensível.”Um ser que “está longe<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ser compreendido e manipulávele que é uma reacção naturalao mundo social, político e económicoem que vivemos.” Em tom irónicoCanoilas diz que este monstro metemedo, porque apresenta o artista “emqueda livre por não vislumbrar aquilo<strong>de</strong> que é feito” e por estar sempre aprocurar convocar um outro <strong>de</strong>sconhecidopara o confronto com umobjecto que só acontece diante <strong>de</strong> si.Assim, mesmo quando certas obraspartem <strong>de</strong> uma relação directa coma história, a arte permanece um acontecimentoconstituído pela experiênciaindividual que redime as obras <strong>de</strong>ser repetição ou pura continuação datradição que as antece<strong>de</strong>. E cada umasurge individualmente como novida<strong>de</strong>renovada.SÃOLUIZMAR~11CristinaBrancoNão hásó tangosem Paris31 Mar21hsala principalquinta-feiraM/3PRODUÇÃOAPOIO À DIVULGAÇÃOÍpsilon • Sexta-feira 18 Março 2011 • 29


O ano passado foi um ano bom paraJoão Paulo Cuenca. A série “Afinal oque querem as mulheres?”, <strong>de</strong> que éargumentista (com dois outros colaboradores)passou em horário nobrena TV Globo e foi bem recebida pelacrítica. Realizada por Luís FernandoCarvalho (<strong>de</strong> “Lavoura Arcaica”) contaa história <strong>de</strong> um estudante <strong>de</strong> psicologiaque tenta formular a famosapergunta <strong>de</strong> Freud. Mas, tal comoacontece nos universos criados peloescritor brasileiro, a personagem consegueperceber afinal o que queremas mulheres porque ele per<strong>de</strong> a própriamulher. “De alguma maneira<strong>de</strong>scobre o que querem to<strong>das</strong> as mulheresmenos a <strong>de</strong>le”, explica, entrerisos, o autor, que esteve em <strong>Lisboa</strong>a lançar “O único final feliz para umahistória <strong>de</strong> amor é um aci<strong>de</strong>nte” (ed.Caminho).Este romance, que o ano passadoentrou nas listas dos melhores livrospublicados no Brasil, é a prova <strong>de</strong> queo escritor que nasceu em 1978 é fascinadopela cultura japonesa <strong>de</strong>s<strong>de</strong>sempre. Tóquio é uma obsessão infantil.A admiração pelo Japão nãocomeçou pela gran<strong>de</strong> literatura japonesa– Yukio Mishima, Junichiro Tanizakiou a poesia do Matsuo Bash– ou pelo cinema <strong>de</strong> Yasujiro Ozu e <strong>de</strong>Akira Kurosawa. A culpa é <strong>das</strong> séries<strong>de</strong> televisão – “Godzilla” e “Changemane Jaspion”, que Cuenca via quandocriança – “seriados em que invariavelmentehá a imagem <strong>de</strong> ummonstro ampliado por outro que <strong>de</strong>stróia cida<strong>de</strong>, que sapateia em cimada cida<strong>de</strong>. De alguma maneira bizarra,hoje eu enxergo essa criança queolha a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>struída. Aquilo talveztenha sido o meu primeiro contactocom a possibilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>saparição,da tragédia, porque se você tem umprédio que existe e <strong>de</strong>pois não existemais, as pessoas que estão <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>lenão existem mais também.”NELSON GARRIDOInfância e <strong>de</strong>stroçosUma <strong>das</strong> primeiras memórias <strong>de</strong> infância<strong>de</strong> Cuenca é a <strong>de</strong> andar numterreno <strong>de</strong>struído, sobre a casa on<strong>de</strong>os pais moravam quando eram casados(separaram-se quando ele tinhacinco anos).A casa ficava no Catete, na VilaPalácio, na frente do Palácio do Catete,edifício que albergava o po<strong>de</strong>rExecutivo quando a capital era o Rio<strong>de</strong> Janeiro. “Depois que eles se separaram,o meu pai ficou um tempolá mas meses <strong>de</strong>pois a casa foi <strong>de</strong>molida.Era linda, do século XIX, umsobrado que <strong>de</strong>moliram para fazerum prédio horroroso, como todosos do Rio. O que aconteceu naquelainfância, naquela casa, eu não lembro.A minha primeira lembrança <strong>de</strong>infância talvez tenha sido caminhar“O único final feliz para uma história <strong>de</strong> amor é um aci<strong>de</strong>nte” foi uma encomenda. A i<strong>de</strong>ia partiu do produtor Rodrigo Teixeira que propôsa 16 autores brasileiros histórias <strong>de</strong> amor com uma cida<strong>de</strong> a servir <strong>de</strong> inspiração. Cuenca foi parar a TóquioO real em ccom João Paulo30 • Sexta-feira 18 Março 2011 • ÍpsilonO escritor brasileiro esteve em Tóquio, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobriu o que é o afecto no mundo c


sobre os <strong>de</strong>stroços <strong>de</strong>ssa casa.”Também se lembra do impacto quesentiu, na mesma época, ao ver Godzillaa <strong>de</strong>struir prédios. “Relacionomuito essa coisa do monstro que <strong>de</strong>stróia cida<strong>de</strong> com a minha história <strong>de</strong><strong>de</strong>struição pessoal. [risos] Acreditoque iria para o Japão <strong>de</strong> qualquer maneira.Eu tinha <strong>de</strong> escrever esse livro.”“O único final feliz para uma história<strong>de</strong> amor é um aci<strong>de</strong>nte” foi umaencomenda do projecto Amores Expressos.A i<strong>de</strong>ia partiu do produtorpaulista Rodrigo Teixeira que propôsa 16 autores brasileiros, <strong>de</strong> diferentesgerações, que escrevessem histórias<strong>de</strong> amor com uma cida<strong>de</strong> a servir <strong>de</strong>inspiração para as narrativas. Enviouos,isolados, por um mês, para o mundo.Convidou João Paulo para ser coor<strong>de</strong>nadoreditorial do projecto e<strong>de</strong>u-lhe a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolher acida<strong>de</strong> para on<strong>de</strong> queria ser enviado.Ser uma encomenda, não o atrapalhou.“Todos os meus livros são encomen<strong>das</strong>que eu mesmo me faço. Eupreciso <strong>de</strong> me colocar aquela questão.Na verda<strong>de</strong> os meus romances sãoisso: uma tentativa <strong>de</strong> formular umalonga pergunta”, diz.O prazo para a estadia em Tóquioera <strong>de</strong> um mês, o escritor acabou porficar um pouco mais. A primeira impressãona cida<strong>de</strong> foi <strong>de</strong> sonho e <strong>de</strong><strong>de</strong>sorientação. Nem sabia por on<strong>de</strong>começar a olhar. “Fotografar Tóquioé difícil. Para on<strong>de</strong> é que se aponta acâmara? É cansativo. Não temos educaçãovisual para lidar com aquelessignos todos, aqueles alfabetos, aquelatorrente <strong>de</strong> imagens que nos bombar<strong>de</strong>ia,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> telas <strong>de</strong> LCD gigantescasa músicas e barulhinhos. Até nolugar on<strong>de</strong> você segura a mão para seapoiar no metro tem uma propaganda,tem alguma coisa escrita. E issote <strong>de</strong>ixa tonto. Você não tem essa educaçãovisual: eles têm. Então a minhaprimeira sensação foi <strong>de</strong> <strong>de</strong>sorientaçãoe sonho. E <strong>de</strong> ficção. De que alieu estava caminhando por um territóriofronteiriço.”SÃOLUIZFEV/MAR ~11A ficção do amorFoi <strong>de</strong>scobrindo que Tóquio não só éo lugar do fetiche – “tecnologia queeles vêm refinando há milhares <strong>de</strong>anos” – mas também da representação.Uma <strong>das</strong> mulheres do seu romancediz que não sonha porque todos osdias é sonhada por outros: ela é o sonho.Num <strong>de</strong>sses dias em que viveuem Tóquio, João Paulo viu uma mulherentrar no metro com uma coleirae um cão <strong>de</strong> peluche. “A correiatinha um arame <strong>de</strong>ntro. Ela seguravae o bichinho <strong>de</strong> pelúcia ficava um bocadinhoacima do solo. As pessoasignoraram absolutamente”. E foi istoque o levou a partir para essas taiscriseCuencaPARCERIA APOIOSsilva!<strong>de</strong>signerso contemporâneo – representação. Isabel CoutinhoSÃO LUIZ TEATRO MUNICIPALRUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOAGERAL@TEATROSAOLUIZ.PT; TEL: 213 257 640BILHETES À VENDA EMWWW.TEATROSAOLUIZ.PT,WWW.BILHETEIRAONLINE.PT E ADERENTESBILHETEIRA DAS 13H00 ÀS 20H00TEL: 213 257 650 / BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PTÍpsilon • Sexta-feira 18 Março 2011 • 31


perguntas que faz quando escreveum livro: “O afecto que ela sente poresse bicho é maior ou menor do queo afecto que ela sente por um bicho<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>? É melhor? É mais verda<strong>de</strong>iro?Bicho <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sperta umamor, um carinho, um afecto maisverda<strong>de</strong>iro?”Aquela é a cida<strong>de</strong> <strong>das</strong> representações.“Você está num café parisienseem Tóquio e é muito parisiense o café.O Mickey Mouse <strong>de</strong> Tóquio é maisMickey Mouse do que o da Disney.Eles refinam tudo a um nível <strong>de</strong> excelência.É espectacular. Então a mulherque carrega o bichinho <strong>de</strong> pelucheela é o signo <strong>de</strong>ssa era. Aquele cachorronão é real? Claro que é real. O afectoque ela sente é real. É amor verda<strong>de</strong>iro.”É por isso que esta história dialogamuito com “O único final feliz parauma história <strong>de</strong> amor é um aci<strong>de</strong>nte”,romance on<strong>de</strong> o amor é retratado comouma invenção, como uma construçãocom narrativa e representação.Como o livro anda à volta da fronteiraentre o que é real e o que não é,quando chegou a Tóquio o autor <strong>de</strong>“O dia Mastroianni” foi à procura <strong>das</strong>famosas bonecas insufláveis que sãotrata<strong>das</strong> pelos donos como mulheres<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>.Precisou da ajuda <strong>de</strong> uma amigaintérprete, uma japonesa, para chegara elas. “Não é uma coisa que vocêencontra fácil, tem que marcar horae ir nuns lugares absurdos. Em Tóquioexistem sex-shops que são prédios, éuma loucura, são <strong>de</strong>z andares <strong>de</strong> sacanagemmas a boneca você não encontranesses lugares.” Também existemuns prostíbulos que as alugam“A personagem daboneca é o simulacronão só do amor,não só <strong>de</strong>ssaprojecção que vocêfaz, mas da literaturaem si. A boneca é umamáquina que se autonarra. E ela entra nolivro como umametáfora da próprialiteratura.A boneca para mimé a personagem maishumana do livro”mas não aceitam estrangeiros. “O dadointeressante <strong>de</strong>stes prostíbulos éque alugar uma boneca é igual oumais caro do que alugar uma mulherreal. Uma hora com uma boneca equivalea uma hora com uma prostitutamédia (há prostitutas que são maisbaratas). Há quem pague mais paraestar com a boneca do que com umamulher <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>”, conta o escritorque mesmo assim conseguiu chegarperto <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>ssas bonecas caríssimase tocar-lhe.Conta que a boneca oferece umaresistência semelhante à do ser humano.Não é quente, mas tambémnão é fria. Parece um ser humano quedorme ou que está morto. É mórbidaa sensação. “O que me fascina nissoé que é mórbido - porque você soltao braço <strong>de</strong>la e ele cai - mas ao mesmotempo você dá vida àquele bicho. Émuito ambíguo. Você compra cuecausada nessas lojas com a foto da donaque a usou, às vezes uma cartinha.Quanto mais suada melhor, você compraisso, você veste, você cheira, vocêmete na boneca. Ela tem aspecto <strong>de</strong>morta porque é inanimada, porqueestá dormindo. Mas só o facto <strong>de</strong> vocêencostar nela e agir, por um segundo,como se ela fosse uma mulher <strong>de</strong>verda<strong>de</strong>, aquilo dá vida a ela. Entãonão é mais mórbido. Você está fazendoo contrário. Você está injectandovida num objecto inanimado. É isso.É muito estranho.”O dado concreto <strong>de</strong> que quem compraestas bonecas prefere uma mulherinanimada a uma mulher real foio ponto <strong>de</strong> partida para reflectir noromance sobre o afecto contemporâneo.“As pessoas se relacionam muitomais com uma fantasia que fazem dooutro, do que do outro. Como se ooutro não existisse e fosse um boneco.Você se relaciona com uma projecção.A boneca, nesse sentido, é atábua rasa perfeita porque o velhopoeta – personagem do livro - bota aspalavras que ele quer na boca <strong>de</strong>la ounão. Enfim, quem ler o livro vai ter ainterpretação que quiser. Mas a genteacaba às vezes se relacionando combonecas e sendo boneco também dosoutros. Não é assim tão absurdo.”Já se está a ver que “O único finalfeliz para uma história <strong>de</strong> amor é umaci<strong>de</strong>nte” é sobre a representação,sobre a ficção e sobre a ficção doamor. “A personagem da boneca é osimulacro não só do amor, não só <strong>de</strong>ssaprojecção que você faz, mas da literaturaem si. A boneca é uma máquinaque se auto narra. E ela entrano livro como uma metáfora da próprialiteratura. A boneca para mim éa personagem mais humana do livro.”João Paulo Cuenca também transportouos monstros <strong>das</strong> séries japonesasda sua infância e a i<strong>de</strong>ia da <strong>de</strong>struiçãoda cida<strong>de</strong> para o livro. Quismostrar que o nosso mundo se baseianesse tipo <strong>de</strong> irrealida<strong>de</strong> que é real.“Uma <strong>das</strong> linhas mais importantes doromance é quando um cara olha paraaquela <strong>de</strong>struição toda e fica aliviadoporque finalmente, pela primeira vezna vida, algo ‘real’ está acontecendo.”A invasão norte-americana na SegundaGuerra e Hiroshima e Nagasakiforam o evento fundador do Japãocontemporâneo e introduziram essedado <strong>de</strong> irrealida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que ele quisfalar. “Era irreal aquela nação ser invadida.Para um japonês a <strong>de</strong>struição<strong>de</strong>ntro do seu território era impensável.Tanto é que em São Paulo, nacolónia dos japoneses durante a SegundaGuerra, muita gente não acreditavaque tinha acontecido, aquelanotícia não podia ser real”, explica eliga este evento com outro mais recente,os atentados <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> Setembro<strong>de</strong> 2001. “Todos nós estávamos vendotelevisão: aquilo não era real, masera muito real. E todos nós falávamos:‘Meu Deus tem alguma coisa acontecendo’.A sensação era esta: a históriaestá sendo feita à frente dos meusolhos, algo real está acontecendo.Mas era irreal. Os Estados Unidos sendoinvadidos por um louco que entranum avião e choca contra um prédio?O tempo todo, esse dado real estavasendo visto sobre um prisma da ficção.”João Paulo Cuenca tem acompanhado“assustadíssimo” as notíciasda catástrofe dos últimos dias no Japão.Ficou impressionado quando umsobrevivente, citado pela Reuters,perguntava: “É um sonho? Parece queestou num filme. Quando estou sozinhotenho que me beliscar na bochechapara ver se é um sonho ounão”.“Veja que ali na minha ficção, omonstro surge e os moleques o encaramcomo realida<strong>de</strong>. Na notícia é ooposto - a realida<strong>de</strong> ganha o peso daficção. É uma simetria estranha. Olivro (e a contemporaneida<strong>de</strong>) trasfegamsobre essa linha ténue entre oque é real e o que não é para cada um<strong>das</strong> suas personagens/pessoas. Nãotemos mais um chão seguro para pisar,e até isso o Japão nos ensina”, dizJoão Paulo Cuenca por email a partir<strong>de</strong> Paris on<strong>de</strong> tenta retomar a escritado seu quarto romance.32 • Sexta-feira 18 Março 2011 • Ípsilon


CORTESIA DE RCA RECORDSNina HagenJesus salva, amanhãna Casa da Música.Pág. 36ManuelGusmãoescreve sobre poesiae sobre outros poetas,o resultado é prosasublime. Pág. 41The StrokesRock anacrónico? Evi<strong>de</strong>ntemente. Pág. 34AUDITÓRIO26 e 27 MARÇO 21.30HM/18BILHETES À VENDA NA SALA DO ESPECTÁCULO / FNAC / WORTEN / WWW.BILHETEIRAONLINE.PT / WWW.TICKETLINE.PTINFO: 214 416 200 WWW.UGURU.NETÍpsilon • Sexta-feira 18 Março 2011 • 33


DiscosapoiosPopO conflito<strong>de</strong> uns é asatisfação <strong>de</strong>outrosUm disco em tudosemelhante aos anteriores.Não são necessariamente másnotícias. Vítor BelancianoThe StrokesAnglesRCA, distri. Sony MusicmmmnnNenhum álbum dos Strokes teveparto fácil. “Angles” não é excepção.Umas vezes por in<strong>de</strong>finição criativa,outras por relações humanas emThe Strokes: não combatem a burguesia, são burguesescurto-circuito, oquinteto tem umaexistência <strong>de</strong> <strong>de</strong>zanos um poucoatribulada.Nunca oescon<strong>de</strong>ram. Ao contrário dosWhiteStripes, com quem rivalizaramno início dos anos 2000 pelo troféu<strong>de</strong> “banda mais importante para arenascença do rock”, nunca tiveramuma aura <strong>de</strong> mistério à volta. São oque são. Um grupo rock que reflecteque o rock há muitos anos é ummercado e uma ocupaçãohonoráveis. Não combatem aburguesia porque são burgueses.Quem vive ro<strong>de</strong>ado da mitologiaromântica do rock, evi<strong>de</strong>ntemente,não lhes perdoa isso. Nós gostamos.Não estão aqui para enganarninguém.Depois <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> álbuns emprojectos a solo, voltaram a reunir-se.Ao contrário <strong>de</strong> tantos outros grupos<strong>de</strong> sucesso do rock – olá Radiohead!– nunca procuraram alimentoespiritual, ou seja motivos <strong>de</strong>inspiração, fora do rock. E o novoregisto não o escon<strong>de</strong>. Na verda<strong>de</strong>,têm feito sempre discos semelhantes.A diferença advém do grau <strong>de</strong>inspiração. E do contexto queenvolve o lançamento. Apenas umdisco beneficiou dos dois elementosem conjunto. O primeiro.Em 2011, quando lançaram omagnífico “Is This It“, o rock ansiavapor uma banda alternativa à histerianeo-metal (Limp Bizkit, Linkin Park)ou ao rock insonso <strong>de</strong> grupos tipoTravis. Os dois restantes discosvariavam em inspiração, mas nãoeram muito diferentes. Passaramcinco anos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o último álbum,mas é o que acontece também com“Angles”. Há por aqui a mesmaausterida<strong>de</strong> estrutural <strong>de</strong> sempre. Oesqueleto sonoro dos Pixies. A cruezasem compromissos dos Television. Asombra selvagem <strong>de</strong> Iggy. Asensibilida<strong>de</strong> melódica e pop dosBlondie. A estilização escura dosaMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelenteVelvet. Tudo con<strong>de</strong>nsado em cançõescurtas e incisivas. Música consciente<strong>das</strong> suas raízes e da história do rock,<strong>de</strong>scomplexada em revisitá-la, semvonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser o que não é,apostando na verda<strong>de</strong> em bruto <strong>das</strong>guitarras e da bateria, enquanto umavoz rasgada as trespassa.Rock anacrónico? Evi<strong>de</strong>ntemente.Mas também revigorante nos seusmomentos mais insuflados <strong>de</strong> energia(“Take for a fool”, “Un<strong>de</strong>r cover ofdarkness” ou “You’re so right”),acabando por inconscientementereflectir as ambiguida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> umgénero com mais <strong>de</strong> 50 anos <strong>de</strong>histórias, discursos e atitu<strong>de</strong>s, através<strong>de</strong> canções que tanto reflectemprazer <strong>de</strong> existir, como conflito – nofim <strong>de</strong> contas talvez os Strokes sejamum <strong>de</strong>sses grupos que necessitam<strong>de</strong>le para criarem.Estranhamissa“Quadrologia Pentacónica”confirma o caso sérioque é este duo. Acontemporaneida<strong>de</strong>portuguesa terá que passarpor eles. Pedro Rios!Calhau!Quadrologia PentacónicaRafflesiammmnnDisco inclassificável,o primeiro LP dos!Calhau!, duotransdisciplinarfixado no Porto quetinha já no currículovários CD-R. Álbum-súmula <strong>das</strong>múltiplas fixações <strong>de</strong> João Alves eMarta Ângela, “QuadrologiaStevie Mesmo quando ainda era menor,Won<strong>de</strong>r já era um clássicoPAULO PIMENTA!Calhau!: um caso sérioPentacónica” é, claramente, umobjecto amadurecido e pensado, doprincípio ao fim, por oposição aosdiscos anteriores, que resultavam <strong>de</strong>concertos ou sessões <strong>de</strong>improvisação.No lado A, em “Caminho daCabra”, há um som contínuo (umórgão?) litúrgico, percussão mínimainsubmissa e alguma (feliz) poluiçãosonora sobre os quais Marta recitaum poema que parece uma prece(com pérolas como esta:“Abracadabra macabra/O bo<strong>de</strong>expiatório expiou/e logo encontrou/outro bo<strong>de</strong>/e a <strong>de</strong>sconfiança assimpetrificou”). Há algo <strong>de</strong>verda<strong>de</strong>iramente puro e honesto naforma como Marta se atira às palavrasque remete para o canto popular ou<strong>de</strong> igreja.“Lâmina animal” é outro exercícioque mostra uns !Calhau! maiscontidos e interessados no transe. Éuma espécie <strong>de</strong> dub escuro,ancorado em poucas notas mortiças,vin<strong>das</strong> do que parece ser umsintetizador barato a que faltaenergia, a que se juntam “samples”(<strong>de</strong> gaivota?) e percussão esparsa.Neste quadro <strong>de</strong> fundo, a voz <strong>de</strong>Marta, noutra prece assustadora,parece flutuar. No lado B, “OssoCoco” leva mais longe a paixão dos!Calhau! pelos jogos <strong>de</strong> linguagem –pena que a música não cative como olado A – e “VM” lembra a estéticanoise mais vincada nos primeirosdiscos do duo.Que não haja dúvi<strong>das</strong>:“Quadrologia Pentacónica” confirmao caso sério que é este grupo. Acontemporaneida<strong>de</strong> portuguesa teráque passar por eles.Clássicos menores<strong>de</strong> Stevie Won<strong>de</strong>rStevie Won<strong>de</strong>rFor Once In My LifeMotown; distri.Universal MusicmmmnnStevie Won<strong>de</strong>rMy Cherie AmourMotown; distri.Universal MusicmmmnnA emancipação criativa da década <strong>de</strong>34 • Sexta-feira 18 Março 2011 • Ípsilon


1970, que resultaria na revolução soul<strong>de</strong> “Talking Book”, “Innervisions” ou“Songs In The Key Of Life”, estavapróxima mas não era aindaprevisível. Quando edita “For Once InMy Life” (1968) e “My Cherie Amour”(1969), o futuro cantor <strong>de</strong> “Higherground” já não era a criançaprodígio, a Little Won<strong>de</strong>r que aMotown erguera a estrela acarinhadae respeitada. Mas era ainda umtalento submetido à lógica linha <strong>de</strong>montagem daquela que foi, muitoprovavelmente, a maior fábricamusical da década <strong>de</strong> 1960 – “thesound of young America”, dizia oslogan, promovendo um país on<strong>de</strong> aintegração fosse uma realida<strong>de</strong> e aglamorosa sofisticação estética anorma.Devemos então olhar para os doisálbuns agora reeditados, emreprodução em CD dos álbunsoriginais – ou seja, sem extras e semtextos <strong>de</strong> contextualização -, damesma forma que olhamos o“Moods” ou o “I Heard It ThroughThe Grapevine” <strong>de</strong> Marvin Gaye:álbuns on<strong>de</strong> lampejos do géniosurgem lado a lado com material<strong>de</strong>scartável para encher um longaduração.Curioso, no caso <strong>de</strong>ste Won<strong>de</strong>r, éencontrarmos, em “For Once In MyLife” e em “My Cherie Amour”, asduas facetas do génio em formação.No primeiro, o tom é dado pelas trêscanções que abrem o disco, tematítulo, “Shoo-be-doo-be-doo-da-day”e “You met your match”: soul upbeat,com os metais e as cor<strong>das</strong> a mesclarsecom o órgão eléctrico e a cadênciarítmica <strong>de</strong> marca registada Motown,i<strong>de</strong>ais para Won<strong>de</strong>r se libertarenquanto mestre-<strong>de</strong>-cerimónias <strong>de</strong>um mui cool e irresistível festimdançante – e <strong>de</strong>pois, entre versõespouco inspira<strong>das</strong> <strong>de</strong> “Sunny” ou“God bless the child”, chega “I don’twhy” e torna-se claro que o littleStevie Won<strong>de</strong>r é já homem adulto (ocoração exposto em crescendoempolgante, num dos clássicosprecoces da sua carreira).Quanto a “My Cherie Amour”, otítulo não engana: é o reverso <strong>de</strong>licodoce<strong>de</strong> “For Once in My Life”. Temuma “Light my fire” adaptada aoconceito (o que não passa <strong>de</strong>curiosida<strong>de</strong> nada memorável), temversos como “be brave, be faithful, betrue” (<strong>de</strong> “Hello young lovers”),The Gift: é como ir aorestaurante indiano do nossobairro; não é a Índiai<strong>de</strong>ais para matinée muitocompostinha regada a laranjada, temum par <strong>de</strong> solos <strong>de</strong> harmónica bemsacados (naturalmente), e a habitualclasse Motown, <strong>de</strong>sta vez em versãosmoking para casino.São dois Stevie Won<strong>de</strong>r menores,certamente, mas são dois StevieWon<strong>de</strong>r. Clássicos menores,portanto. Mário LopesPedido <strong>de</strong>empréstimoThe GiftExplo<strong>de</strong>The GiftmnnnnHá dois momentos<strong>de</strong> “Explo<strong>de</strong>” queexplicam o porquê<strong>de</strong> este pavio estar<strong>de</strong>masiadoensopado para queconduza a qualquer explosão, pormínima que seja. O primeiro, aindaantes <strong>de</strong> se ter ouvido as primeirasnotas do álbum, tornar-se-ia umprenúncio da música: ro<strong>de</strong>ados <strong>de</strong>crianças e senhoras arrebanha<strong>das</strong>num rápido casting <strong>de</strong> rua algures naÍndia, os quatro The Gift aparecemcom as caras e os cabelos pintados<strong>das</strong> mesmas cores garri<strong>das</strong> queostentam nas roupas e queassociamos intuitivamente aosubcontinente asiático. Mas asensação que fica é <strong>de</strong> uma colagem<strong>de</strong>masiado gratuita, um pedido <strong>de</strong>empréstimo <strong>de</strong> alguma alma a umpaís que está cheio <strong>de</strong>la, sem que sevislumbre qualquer relação entremúsica e apresentada. Não eraforçoso que existisse, claro está, masolha-se e pensa-se que ali estão os Gifttentando confundir-se com apaisagem do país e, naturalmente,não o conseguindo. Parece<strong>de</strong>masiado forçado e esforçado. Talcomo “Explo<strong>de</strong>”.O segundo momento, este jámusical, chama-se “The Singles”, tem12 minutos e exibe a ambição <strong>de</strong>figurar entre aqueles majestososmonumentos pop/rock ao alcance <strong>de</strong>um par <strong>de</strong> iluminados: fazer umagran<strong>de</strong> canção a partir <strong>de</strong> estilhaços<strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> micro-canções. “TheSingles” quer ser “A Day in the Life”,dos Beatles, quer ser “BohemianRapsody”, dos Queen, quer ser“Paranoid Android”, dos Radiohead.Mas, novamente, soa forçado eesforçado, uma tentativa <strong>de</strong>reprodução matemática elaboratorial daquilo que nosexemplos acima soa fluido, coerentee inventivo. Ironicamente, é o temamais inspirado do disco, aquele emque se permitem re<strong>de</strong>scobrir umasonorida<strong>de</strong> para o grupo fora docânone por eles criado e, entretanto,<strong>de</strong>pauperado. O problema é que“The Singles” <strong>de</strong>veria ter sido váriascanções e não uma, estandoconfinado a uma mais confortávelposição <strong>de</strong> experimentalismo formalquando <strong>de</strong>veria ter inchado epermitido várias autoproclamações<strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> cada um dosseus excertos. A fasquia do álbumteria subido um pouco.Depois <strong>de</strong> terem surgido aosouvidos da maioria comorepresentantes nacionais do trip-hop– após um “Digital Atmosphere”curioso e promissor, mas ainda anavegar noutras águas –, os Gift nãoconseguiram crescer <strong>de</strong> forma sólida.“Vinyl” marcou pontos, mas amegalomania que sempre os moveufoi tão útil a esten<strong>de</strong>r-lhes apassa<strong>de</strong>ira vermelha como a puxá-laviolentamente e levá-los a umtrambolhão que os <strong>de</strong>ixou<strong>de</strong>sorientados. Essa <strong>de</strong>sorientaçãocriativa foi sempre, no entanto, bemcontrariada por uma inteligente eorgulhosa postura <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendênciarelativamente à indústria. Só que essa<strong>de</strong>sorientação leva a que, em“Explo<strong>de</strong>”, os Gift procurem dar umpapel mais prepon<strong>de</strong>rante àsguitarras, numa tentativa artificial <strong>de</strong>se aproximarem do mo<strong>de</strong>lo dosArca<strong>de</strong> Fire – bastante evi<strong>de</strong>nte em“RGB” e “My Sun”. Como sehouvesse uma necessida<strong>de</strong> imensa <strong>de</strong>validação exterior por via <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>losexteriores, única forma <strong>de</strong>ultrapassar aquilo que parece umacrise dramática <strong>de</strong> autoconfiança.De resto, “Explo<strong>de</strong>” são os Gift semgran<strong>de</strong>s novida<strong>de</strong>s, com muitomarketing à mistura – o método“pague o que lhe apetecer” àRadiohead para a venda do disco nainternet –, dois actores <strong>de</strong> Hollywood(Lukas Haas e Isabel Lucas) ainterpretarem um tema escrito pelogrupo <strong>de</strong> Alcobaça numa manobrafalsa que os mesmos compararam aofilme “I’m Still Here”. Mas se ficasempre este <strong>de</strong>sconforto <strong>de</strong> ascomparações estarem <strong>de</strong>masiado àmão para que tudo isto soe genuíno,a verda<strong>de</strong> é que, esquecendo essepormenor, a audição <strong>de</strong> “Explo<strong>de</strong>”tem muito pouco para oferecer –salvam-se “The Mermaid Song” e“The Singles”. É como ir comer a umrestaurante indiano no nosso bairro:sabe a Índia, parece a Índia, osingredientes até po<strong>de</strong>m ter vindo <strong>de</strong>lá, mas quando a porta se abresabemos que nunca saímos domesmo sítio. Gonçalo FrotaClássicaO vento doespíritoA “Missa <strong>de</strong> Pentecostes”, <strong>de</strong>João Madureira, é uma obra<strong>de</strong> tocante beleza. CristinaFernan<strong>de</strong>sJoão MadureiraVento - Missa <strong>de</strong>PentecostesSete LágrimasFilipe Faria e SérgioPeixoto (direcção artística)Murecords MU0108mmmmNPartindo <strong>de</strong> umefectivo <strong>de</strong>spojado(duas vozes, violada gamba etiorba), mas comenormespossibilida<strong>de</strong>s expressivas, ocompositor João Madureira (n.1971) criou uma obra <strong>de</strong> tocantebeleza, intensa espiritualida<strong>de</strong> erefinamento ao nível da construçãomusical na sua “Missa <strong>de</strong>Pentecostes”, uma encomenda dacomunida<strong>de</strong> da Capela do Ratoestreada em Maio <strong>de</strong> 2010 eposteriormente registada no CD“Vento” do agrupamento SeteLágrimas. Os textos em latim doOrdinário da Missa são intercaladospor trechos poéticos que substituemalgumas rubricas do Próprio (partesda Missa com texto variável),formando um todo coerente, on<strong>de</strong> alinguagem original do compositorestabelece um diálogo com opatrimónio musical religioso aolongo dos séculos. Uma inteligenterecriação da herança gregorianapercorre não só as secções em latimmas também boa parte <strong>das</strong> criaçõessonoras a partir <strong>de</strong> Teixeira <strong>de</strong>Pascoaes (“O vento do espírito”),José Augusto Mourão (“Veni SancteSpiritus”), Maria Gabriela Llansol(“pega nos fios...”), Sophia <strong>de</strong> MelloJoão Madureira, autor <strong>de</strong> “Missa <strong>de</strong> Pentecostes”Breyner Andresen (“As fontes”) eMário Cesariny (“Ama como aestrada começa”). Para JoãoMadureira, que <strong>de</strong>dica a obra a JoséTolentino <strong>de</strong> Mendonça, a literaturasempre foi uma paixão tão fortecomo a música. A sua convicção <strong>de</strong>que “o texto é música” encontra aquiuma ilustração exemplar. Não só otexto é perceptível ao ouvinte nosseus mínimos <strong>de</strong>talhes (numaabordagem que privilegia otratamento silábico, mas não ignorao uso secular <strong>de</strong> melismas empalavras como “Alleluia”), como seconverte em matéria musical pelaprópria fonética, pelo <strong>de</strong>senhomelódico, a fluência do ritmo e darespiração e pelo enquadramentonum espaço sonoro enriquecido <strong>de</strong>forma subtil ou mais incisiva pelasintervenções da viola da gamba e datiorba. A aparente simplicida<strong>de</strong> <strong>das</strong>polifonias e as sugestivas paisagenssonoras cria<strong>das</strong> permanecem quasesempre leves e transparentes,mesmo nos momentos <strong>de</strong> maiortensão, como se <strong>de</strong>ixassem passarraios <strong>de</strong> luz ou o misterioso “ventodo espírito” <strong>de</strong> que fala Teixeira <strong>de</strong>Pascoaes. A sedução contemplativada obra <strong>de</strong>ve também muito àinspirada interpretação dos SeteLágrimas, on<strong>de</strong> sobressaem as vozeslímpi<strong>das</strong> e expressivas <strong>de</strong> FilipeFaria e Sérgio Peixoto, assonorida<strong>de</strong>s envolventes da viola dagamba <strong>de</strong> Sofia Diniz e a tiorbacintilante <strong>de</strong> Hugo Sanches.Ípsilon • Sexta-feira 18 Março 2011 • 35


ConcertosAGENDA CULTURAL FNACentrada livreAO VIVOJOANA AMENDOEIRA25.03. 17H00 FNAC VISEUTodos os eventos culturais FNAC em http://cultura.fnac.ptPopUm Jesus só<strong>de</strong>laNina Hagen, a punk, fez umdisco inspirado por Jesus?Não é assim tão estranho: acomprovar amanhã na Casada Música. Pedro RiosClubbing: Nina Hagen +Aquaparque + Tu FawningPorto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong>Albuquerque. Amanhã às 23h. Tel.: 220120220. 10€.Longe vão os tempos em que NinaHagen, influenciada pelo “zeitgeist”do punk londrino, parecia um óvnina música feita em Berlim. Que vozera aquela, qual solista roubada àópera, que miúda era aquela, postanaqueles preparos, a fazer umamúsica que tinha tanto <strong>de</strong> punkhistérico como <strong>de</strong> barroquismo pop?Nina tinha uns 22 anos no anoquente <strong>de</strong> 1977. Fez 56 há umasemana e tem ainda fresco um disco<strong>de</strong> canções influencia<strong>das</strong> pelo gospel,“Personal Jesus” (2010). O quemudou? Talvez não tanto assim:“Deixei algumas canções gospel nosmeus álbuns do fim dos anos 80 e dos90. Esperava sempre que fossepossível um dia gravar um discointeiro <strong>de</strong> gospel. Mantive a fé e omeu <strong>de</strong>sejo foi concedido. E fi-lo”, diza cantora alemã ao Ípsilon, pore-mail, em vésperas <strong>de</strong> actuar naCasa da Música (é amanhã).“Encontrei Deus quando tinha 17anos, em Berlim Leste, e a música é<strong>de</strong>dicada ao meu criador <strong>de</strong>s<strong>de</strong>então”.Hagen nasceu na parteoriental <strong>de</strong> Berlim, filha <strong>de</strong>pais ju<strong>de</strong>us. us. Depois dodivórcio dos pais, ficouapenas com a mãe, umaactriz célebre naAlemanha a comunista,e o padrasto. Aconvivência cia comela transformou-anum ser <strong>de</strong> palco.Em 1974, recebeuum prémio <strong>de</strong>cantorarevelação e tevea primeiraapariçãocinematográfica,mas a expulsão dopadrasto da RDA, em1976, levou a famíliapara Londres, on<strong>de</strong> Ninatomou contacto com a cenapunk e seus <strong>de</strong>rivados(conheceu as Slits, porexemplo).A experiência revelou-se umaepifania para a jovem <strong>de</strong> BerlimLeste. “Desejava liberda<strong>de</strong> paraviajar fora <strong>de</strong> uma jaula e para ser umser humano num mundo livre, comliberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão. Desejava issohá muito, muito tempo”, conta. “Foióptimo ser parte da revolução punkrock, ver a juventu<strong>de</strong> a rebelar-secontra a hipocrisia. Foi tãaaaaaaaaomaravilhoso!”.Não se <strong>de</strong>ve estranhar que NinaHagen, a punk rocker, faça agora umdisco inspirado por Jesus,embrulhado em canções <strong>de</strong>inspiração gospel e bluegrass, e noqual se inclui uma versão <strong>de</strong>“Personal Jesus” dos Depeche Mo<strong>de</strong>.Isto porque a carreira <strong>de</strong> Hagendisparou em to<strong>das</strong> as direcções:punk, claro está, mas também ascores fosforescentes da new wave emúltiplas pisca<strong>de</strong>las <strong>de</strong> olho a tudo oque é género musical (rock’n’roll,cabaré, músicas do mundo, swing,ska…). A sua vida pública, commanifestações frequentes <strong>de</strong>avistamentos <strong>de</strong> óvnis e contra o uso<strong>de</strong> peles (e, algures nos anos 80, umescândalo: num programa datelevisão austríaca, <strong>de</strong>u as suas dicassobre masturbação feminina), ajudoua criar o mito.A música gospel, diz Nina, é umapaixão antiga. “Esta músicamaravilhosa influenciou-me <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aminha infância, quando <strong>de</strong>scobri osdiscos <strong>de</strong> Mahalia Jackson nacolecção <strong>de</strong> álbuns da minha mãe”,explica. A religiosida<strong>de</strong> já estava,afinal, no primeiro disco <strong>de</strong> NinaHagen em língua inglesa, o ainda hojeinclassificável “NunSexMonkRock”(1982), quando cantava “I belong toJesus, I preach it loud and strong”.JIM RAKETEJesus salva, vem Nina Hagen dizerà Casa da Música, com o seu álbumgospel, “Personal Jesus”, <strong>de</strong>baixodo braçoNo Clubbing <strong>de</strong> amanhã,<strong>de</strong>stacam-se ainda o quarteto <strong>de</strong>Portland Tu Fawning (capazes <strong>de</strong> irdos Portishead a Tom Waits noespaço <strong>de</strong> uma canção) e osportugueses Aquaparque, com onovíssimo “Pintura Mo<strong>de</strong>rna” paraapresentar.Sentemo-nos quese vai tocar músicaFestival Para Gente Sentada 2011HojeThe Legendary Tigerman+ B Fachada + Nuno PrataAmanhãPiano Magic + Laetitia Sadier+ SpokesSanta Maria da Feira. Cine-Teatro António Lamoso.Av. Prof. Egas Moniz, 11. Hoje e amanhã, às 22h. Tel.:256375151. 20€ (dia) a 30€ (passe).O Festival Para Gente Sentada já temhistória relativamente longa erecheada. Des<strong>de</strong> 2004, data quemarcou o arranque <strong>de</strong> um festivalque privilegia a serena fruição damúsica, com o público bem sentadoem frente ao palco, passaram peloCine Teatro António Lamoso, emSanta Maria da Feira, DevendraBanhart, Sufjan Stevens, CameraObscura, Giant Sand ou Patrick Wolf.O Para Gente Sentada sofreu um ano<strong>de</strong> interrupção, em 2007, e viajoupelo calendário entre Setembro,Novembro e Fevereiro. Porém, neminterregno, nem mudança da dataslhe retiraram o <strong>de</strong>vido <strong>de</strong>staquenopanorama <strong>de</strong> festivais portugueses.Porque tem i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finidaeporque tem sabido construir-se,evoluindo sem a <strong>de</strong>svirtuar.Este ano chega em Março. HáLegendary Tigerman para acelerara pulsação cardíaca (hoje), e PianoMagic (amanhã), banda <strong>de</strong> cultocom década e meia <strong>de</strong> históriaentre o ambiente onírico dosDead Can Dance e marcas <strong>de</strong>umromantismo muitoeuropeu (a forma como<strong>de</strong>ixam marcas folkembrenhar-se em negrumepós-punk confirma-o).Também amanhã, os britânicosSpokes, que editaram esteano o álbum <strong>de</strong> estreia,“Everyone I Ever Met”,apresentam-se paraaconchegar o coraçãodos<strong>de</strong>votos da intensida<strong>de</strong>emocional dos Arca<strong>de</strong> Fire(são, digamos, a revelaçãoque a organização preparapara a gente sentada).Ao todo, serão seisnomes em palco. Hoje,para além <strong>de</strong> LegendaryTigerman, queprossegue a caminhadatriunfal que se seguiu àedição <strong>de</strong> “Femina”(sempre no fio danavalha, sempre semce<strong>de</strong>r um milímetro noOs Piano Magic, emblema<strong>de</strong> um certo romantismoeuropeu, chegam amanhãa Santa Maria da Feiraimaginário que construiu), teremos aoportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouvir B Fachada,em versão trio, apresentar osclássicos mo<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> “O Álbum” ou“Festa na Moradia” e as recentescanções <strong>de</strong> “Não é Para Meninos”. ENuno Prata, o ex-baixista dos OrnatosVioleta que se revelou um estupendoescritor <strong>de</strong> canções, captando <strong>de</strong>forma admirável o sentir <strong>de</strong> umtempo e <strong>de</strong> uma geração (“DeveHaver”, o seu último álbum, aí estápara o provar).Amanhã, além <strong>de</strong> Piano Magic eSpokes, o António Lamoso recebeLaetitia Sadier, vocalista dosStereolab que se estreou em nomepróprio em 2010, com “The Trip”,colecção <strong>de</strong> canções on<strong>de</strong> o coloridomusical, encantatório e apontado àsestrelas ganha contraponto naquiloque a voz canta, na sua melancoliaora esperançada, ora gélida, comoouvimos em Nico no passado. MárioLopesTerramoto digitalKing Mi<strong>das</strong> Sound<strong>Lisboa</strong>. MusicBox. R. Nova do Carvalho, 24. Hoje, às0h. Tel.: 213430107. 10€.Há obras que parecem captar aessência <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados períodos.Em 1996, Tricky lançou o álbum “Pré-Millennium Tension”, nomeando umperíodo <strong>de</strong> ambiente socialconturbado, pouco antes do final domilénio. No final <strong>de</strong> 2009, no álbum“Waiting For You”, os britânicos KingMi<strong>das</strong> Sound, fixaram os dias queNo som dos King Mi<strong>das</strong>,uma radiografia dos anos 200036 • Sexta-feira 18 Março 2011 • Ípsilon


HermetoPascoalna Guardae em BragaExpensive Soulno CinemaSão Jorge, em<strong>Lisboa</strong>O ex-Pink Floyd RogerWaters reconstitui“The Wall” no Pavilhão Atlânticocorrem através <strong>de</strong> uma música emque a ira da crise parece estar emcada inflexão vocal, em cada som.No centro, cadênciasfantasmagóricas que <strong>de</strong>vem muito aodub, aveluda<strong>das</strong> por vozes soul, umasonorida<strong>de</strong> que parece unir pontasda segunda meta<strong>de</strong> dos anos 90(Tricky) e da segunda meta<strong>de</strong> dosanos 2000 (Burial). No ano passado,no festival Sónar <strong>de</strong> Barcelona, foramdos melhores. O projecto <strong>de</strong> KevinMartin (The Bug), coadjuvado peloscantores Roger Robinson e Hitomi, éo que os Massive Attack já não po<strong>de</strong>mser, partindo do dub, mas insuflandolheuma energia distorcida à beira doruído. Em álbum até po<strong>de</strong>m soarentorpecidos, mas em palco sãovitais, canções vin<strong>das</strong> <strong>das</strong> entranhasda terra, uma massa disforme emforma <strong>de</strong> terramoto possuído pormuita soul. O aviso para o concerto<strong>de</strong>sta noite, no MusicBox, está dado.Vítor BelancianoClássicaPaixão porArvo PärtGran<strong>de</strong> admirador <strong>de</strong> ArvoPärt, Paul Hillier dirige oCoro Casa da Música nainterpretação da “Paixão” noPorto e em <strong>Lisboa</strong>.Cristina Fernan<strong>de</strong>sCoro Casa da Música e Solistasdo Remix Ensemble Casa daMúsicaDirecção Musical <strong>de</strong> Paul Hillier.Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho <strong>de</strong>Albuquerque. Dom., 20, às 18h. Tel.: 220120220. 7,5€.<strong>Lisboa</strong>. Fundação Calouste Gulbenkian - Gran<strong>de</strong>Auditório. Av. Berna, 45A. 2ª, 21, às 19h. Tel.:217823000. 15€.O maestro e cantor britânico PaulHillier é um dos gran<strong>de</strong>s intérpretesda música <strong>de</strong> Arvo Pärt, tendo<strong>de</strong>senvolvido uma estreitacolaboração com o compositorestoniano durante as últimas trêsdéca<strong>das</strong>. Em 1997 <strong>de</strong>dicou-lhe umlivro, publicado pela OxfordUniversity Press, e tem na suadiscografia diversas gravações commúsica <strong>de</strong> Pärt, incluindo a estreiaem disco <strong>de</strong> “Passio” pelo HilliardEnsemble (ECM, 1988). Titular doCoro Casa da Música <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a suafundação em 2008, Hillier lançouesta temporada o <strong>de</strong>safio dainterpretação <strong>de</strong>sta obrafundamental ao ainda jovemagrupamento vocal resi<strong>de</strong>nte nainstituição portuense. Os resultadospo<strong>de</strong>m ser ouvidos no domingo, às18h, na Casa da Música, e na segundafeira,às 19h, na Gulbenkian.Estreada em 1982 em Munique,“Passio” é baseada no EvangelhoSegundo São João e con<strong>de</strong>nsa várioselementos característicos do estilo <strong>de</strong>Arvo Pärt: células rítmicasobsessivas, curvas melódicas <strong>de</strong>sabor medieval, escrita silábica, usodos modos antigos em vez daharmonia funcional, recurso ao estilo“tintinnabuli” (palavra latina que<strong>de</strong>signa campainhas ou pequenossinos e o seu tilintar). A narração doEvangelista é confiada a um quarteto<strong>de</strong> cantores solistas, apoiado por umquarteto instrumental (violino, oboé,violoncelo e fagote), neste caso acargo <strong>de</strong> elementos do RemixEnsemble. O coro lança as palavrasda multidão e dos Sumos Sacerdotes,e os papéis <strong>de</strong> Jesus e Pilatos sãocantados por solistas acompanhadosao órgão.Com mais <strong>de</strong> uma centena <strong>de</strong>gravações e um currículo que inclui afundação do mítico Hilliard Ensemble(1973) e do Theatre of Voices (1989) ea direcção <strong>de</strong> grupos como o Coro <strong>de</strong>Câmara Filarmónico da Estónia e ogrupo Ars Nova Copenhagen, PaulHillier é uma figura <strong>de</strong> referência naárea da música coral a nívelinternacional. Em paralelo com adirecção musical, o maestro britânico<strong>de</strong>dicou-se durante muitos anos àprática do canto, é um professorconceituado, autor <strong>de</strong> numerososartigos e livros sobre música (dosquais se <strong>de</strong>stacam os <strong>de</strong>dicados aArvo Pärt e Steve Reich) e editor <strong>de</strong>várias antologias <strong>de</strong> peças corais. Oseu trabalho com o Coro Casa daMúsica tem incidido sobre repertório<strong>de</strong> várias épocas, com <strong>de</strong>staque paraa música antiga e a músicacontemporânea.Arvo PärtAgendaSexta 18Aquaparque + !Calhau!<strong>Lisboa</strong>. Kolovrat 79. R. D. Pedro V, 79, às 21h30.Tel.: 213874536. 7€.Ver texto na pág. 16 e segs.Banksters<strong>Lisboa</strong>. Teatro Nacional <strong>de</strong> São Carlos - SalaPrincipal. Lg. S. Carlos, 17. 3ª, 5ª, 6ª e Sáb. às20h. Dom. às 16h. Tel.: 213253045. 30€ a 70€.Ver texto na pág. 20 e segs.Hermeto PascoalGuarda. Teatro <strong>Municipal</strong>. R. Batalha Reis, 12, às21h30. Tel.: 271205241. 15€The Gift<strong>Lisboa</strong>. Teatro Tivoli. Av. Liberda<strong>de</strong>, 182, às21h30. Tel.: 213572025. 20€ a 30€.Rodrigo LeãoAbrantes. Cine-Teatro <strong>de</strong> São Pedro. Lg. SãoPedro, às 21h30. Tel.: 241366321. 15€.MazganiPorto. Hard Club - Sala 2. Pç. Infante, 95, às22h30. Tel.: 707100021. 10€.Jean-Guihen Queyras eOrquestra Gulbenkian<strong>Lisboa</strong>. Fundação Gulbenkian - Gran<strong>de</strong> Auditório.Av. Berna, às 19h. Tel.: 217823000. 10€ a 20€.Sábado 19Hermeto PascoalBraga. Theatro Circo - Sala Principal. Av.Liberda<strong>de</strong>, 697, às 21h30. Tel.: 253203800. 20€.The Three Ladies of BluesCoimbra. Teatro Académico <strong>de</strong> Gil Vicente. Pç.República, às 21h30. Tel.: 239855636. 12€.Lula PenaVila Real. Teatro - Pequeno Auditório. Alam.Grasse, às 22h. Tel.: 259320000. 7€.Expensive Soul & Jaguar Band<strong>Lisboa</strong>. Cinema São Jorge. Av. Liberda<strong>de</strong>, 175, às22h. Tel.: 213103400. 10€ a 12€.Rodrigo LeãoBragança. Teatro <strong>Municipal</strong>. Pç CavaleiroFerreira, às 21h30. Tel.: 273302740. 15€.Ricardo RibeiroOlhão. Auditório <strong>Municipal</strong>. Av. Dr. Sá Carneiro,lote B3 r/c, às 21h30. Tel.: 289710170. 10€ a 12€.Domingo 20Coro Sinfónico <strong>Lisboa</strong> Cantat eOrquestra MetropolitanaCom Marlis Petersen (soprano),Mark Padmore (tenor), DietrichHenschel (baixo).<strong>Lisboa</strong>. CCB. Pç. Império, às 17h. Tel.: 213612400.8€ a 30€.Segunda 21Cut CopyPorto. Hard Club - Sala 1. Pç. Infante, 95, às 21h.Tel.: 707100021. 25€.Ver texto na pág. 18.Roger Waters<strong>Lisboa</strong>. Pavilhão Atlântico. Pq. Nações, às 21h.Tel.: 218918409. 40€ a 80€.Terça 22Roger Waters<strong>Lisboa</strong>. Pavilhão Atlântico. Pq. Nações, às 21h.Tel.: 218918409. 40€ a 80€.Quarta 23Cut Copy<strong>Lisboa</strong>. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão,96, às 21h. Tel.: 213240580. 25€.Ver texto na pág. 18Ípsilon • Sexta-feira 18 Março 2011 • 37


CinemaA história<strong>de</strong> uma dona<strong>de</strong> casaprovincianaque, forçadaa assumiro lugar domarido, patrãotirânico,na fábricafamiliar,se tornanuma patroaexemplarEstreiamA ternurados anos 70Com “Minha RicaMulherzinha”, Ozon falaa brincar <strong>de</strong> coisas sériase dá a Catherine Deneuveum papel <strong>de</strong>liciosamenteefusivo. Jorge MourinhaPotiche - Minha RicaMulherzinhaPoticheDe François Ozon,com Catherine Deneuve, GérardDepardieu, Fabrice Luchini, KarinViard, Judith Godrèche, JérémieRénier. M/12MMMnn<strong>Lisboa</strong>: Acarte: Sala Polivalente: ; Atlântida-Cine: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h30 SábadoDomingo 15h30, 18h15, 21h30; Castello Lopes -Cascais Villa: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 21h206ª Sábado 21h20, 23h40; CinemaCity ClassicAlvala<strong>de</strong>: Sala 2: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30,15h35, 17h40, 19h45, 21h45 6ª Sábado 13h30, 15h35,17h40, 19h45, 21h45, 23h50; UCI Cinemas - El CorteInglés: Sala 14: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10,16h40, 19h10, 21h35, 00h05 Domingo 11h30, 14h10,16h40, 19h10, 21h35, 00h05; ZON LusomundoAmoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h,15h20, 18h, 21h10, 23h30Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo2ª 13h55, 16h30, 19h10, 21h50, 00h35 3ª 4ª 16h30,19h10, 21h50, 00h35; ZON Lusomundo Dolce VitaPorto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10,15h50, 18h30, 21h20, 24h 5ª 6ª Sábado Domingo2ª 3ª 4ª 13h05, 15h40, 18h20, 21h, 23h40François Ozon passa a vida a darguina<strong>das</strong> numa carreira que pareceapenas conduzida pela sua vonta<strong>de</strong><strong>de</strong> fazer um filme diferente do quefez antes, mesmo que se <strong>de</strong>tectemno seu cinema dois temas centraisAs estrelas do Públicoque ressurgem repetidamente (opapel da mulher na socieda<strong>de</strong>contemporânea, e o confrontoquotidiano com a família). Não<strong>de</strong>via, por isso, ser uma surpresavê-lo a abraçar a alta comédia em“Minha Rica Mulherzinha”,adaptação <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> êxito doteatro <strong>de</strong> boulevard <strong>de</strong> 1980, aseguir ao melodrama <strong>de</strong> “ORefúgio” e à fantasia surreal <strong>de</strong>“Ricky”. Nem vê-lo a introduziressas suas marcas regista<strong>das</strong> nahistória <strong>de</strong> uma dona <strong>de</strong> casaprovinciana que, forçada a assumiro lugar do marido, patrão tirânico,na fábrica familiar, se torna numapatroa exemplar e <strong>de</strong>scobre que asocieda<strong>de</strong> não está forçosamenteinteressada em reconhecer o seuvalor. Ozon aproveita, ao mesmotempo, para lançar o seu proverbialolhar entomológico sobre umasocieda<strong>de</strong> que não mudou assimtanto nos trinta anos que passaram<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a criação da peça, e paraexultar com a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>de</strong>volver algumas cartas <strong>de</strong>alforria a uma comédia francesaque há muito não víamos tão<strong>de</strong>scontraída.É inevitável pensar nas “8Mulheres” que fizeram <strong>de</strong> Ozon umdos jovens cineastas franceses maisem vista, e <strong>de</strong> facto “Minha RicaMulherzinha” partilha com essacomédia algum ADN <strong>de</strong> artifício<strong>de</strong>liberado, mas sente-se aqui umaoutra gravida<strong>de</strong> e uma elegânciamais reservada on<strong>de</strong> o anterior eraum filme muito mais sulfuroso eácido. Filmado <strong>de</strong> modoabertamente “seventies”, mas semnostalgia serôdia e sempre comuma pisca<strong>de</strong>la <strong>de</strong> olho metareferencialque pe<strong>de</strong> acumplicida<strong>de</strong> do espectador,simultaneamente irónico eafectuoso, o filme procuraJorgeMourinhatranscen<strong>de</strong>r as limitações da peçaque lhe está na origem sem por issonegar o prazer <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfrutar <strong>das</strong> suasconvenções a um nível puramenteepidérmico. E o prazer enorme <strong>de</strong>ver Catherine Deneuve numaperformance <strong>de</strong>liciosamenteefusiva, recordando como a divaicónica do cinema francês tambémpo<strong>de</strong> ser uma actriz <strong>de</strong> comédia <strong>de</strong>primeiríssima água, já chegariapara recomendar “Minha RicaMulherzinha”. Mas este é um filmemuito mais esquivo do que parece,que escon<strong>de</strong> ainda uma sátirapolítica inspirada pelo confrontoeleitoral entre Nicolas Sarkozy eSégolène Royal e um retrato <strong>de</strong>mulher que se <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> a tomar o seu<strong>de</strong>stino nas mãos pelo meio <strong>de</strong> umacomédia muito mais séria do que oprimeiro embate po<strong>de</strong> dar aenten<strong>de</strong>r.CopacabanaDe Marc Fitoussi,com Isabelle Huppert, LolitaChammah, Aure Atika, JurgenDelnaet. M/12MMnnnLuís M.OliveiraVascoCâmaraChelsea Hotel mmmnn mmnnn mnnnnCopacabana mmnnn mmnnn mmnnnO discurso do Rei mmnnn mmnnn mnnnnOs 2 da (Nova) Vaga nnnnn mmmnn mmnnn127 Horas mnnnn nnnnn AFilme Socialismo mmmmn mmmmm mmnnnMicmacs - Uma Brilhante Confusão mmnnn nnnnn nnnnnPoesia mmmmn mmmnn mmmnnPotiche- Minha Rica Mulherzinha mmmnn mmnnn mmnnnSomewhere-Algures mmmnn nnnnn mnnnn<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 3: 5ª Domingo 3ª 4ª13h20, 15h30, 17h40, 19h50, 22h 6ª Sábado 2ª13h20, 15h30, 17h40, 19h50, 22h, 00h15Porto: Arrábida 20: Sala 17: 5ª 6ª SábadoDomingo 2ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h50, 00h30 3ª4ª 16h45, 19h15, 21h50, 00h30Lolita Chammah, filha <strong>de</strong> IsabelleHuppert <strong>de</strong>ntro e fora do filmeJÉRÔME PRÉBOISVer Isabelle Huppert a fazer <strong>de</strong> mãehippie <strong>de</strong>spassarada que <strong>de</strong>ixou otempo passar por ela começa porser um choque - porque estamospouco habituados a ver a actriz,mais conhecida pela sua intensida<strong>de</strong>e pela sua aposta em papéis-limite,arriscados e radicais, num papelabertamente cómico. Masrapidamente percebemos queBabou, o espírito livre incapaz <strong>de</strong>aguentar um emprego que ficoupreso nos anos 1960 e que elainterpreta aqui, é apenas outramaneira <strong>de</strong> Huppert explorar assuas heroínas, só que noutro registocompletamente diferente.“Copacabana” é um filme sobreuma mulher pouco convencionalque se vê forçada a enfrentar arealida<strong>de</strong> – o “clic” da históriaacontece quando Babou se <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> aprovar à filha (Lolita Chammah, averda<strong>de</strong>ira filha da actriz), que estánoiva e não tem paciência para os<strong>de</strong>lírios da mãe, que po<strong>de</strong> ser umamulher responsável,transformando-se numa ven<strong>de</strong>doraemérita <strong>de</strong> “time-shares”. SemHuppert, contudo, é duvidoso que osegundo filme do francês MarcFitoussi se aguentasse com tantagarra: é um daqueles casos em queoutra actriz, por muito boa quefosse, dificilmente conseguiriapegar nesta personagem <strong>de</strong>stemodo. Além do mais, Fitoussi está atrabalhar numa corda bamba difícil,entre o olhar documental dosDar<strong>de</strong>nne e o humor do <strong>de</strong>sconforto<strong>de</strong> Judd Apatow ou Ricky Gervaissem nunca conseguir atingir o nível<strong>de</strong> ambos; e a narrativa torna-semuito previsível, sobretudo quandoa personagem preza tanto a fuga àconvenção. Sem Huppert,“Copacabana” seria um filmeesquecível; com ela, é uma comédiasimpática que nunca escon<strong>de</strong> assuas limitações. Mas o prazer <strong>de</strong> veruma senhora actriz em perfeitocontrolo <strong>das</strong> suas capacida<strong>de</strong>s valesó por si o preço do bilhete. J. M.Micmacs - Uma BrilhanteConfusãoMic Macs à Tire-LarigotDe Jean-Pierre Jeunet,com Dany Boon, André Dussollier,Yolan<strong>de</strong> Moreau, Dominique Pinon,Omar Sy, Julie Ferrier, Nicolas Marie.M/0MMnnn<strong>Lisboa</strong>: Acarte: Sala Polivalente: ; Me<strong>de</strong>iaMonumental: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª3ª 4ª 13h10, 15h15, 17h20, 19h25, 21h30, 24hNão são poucos os que olham parao francês Jean-Pierre Jeunet comoum estilista barroco e folclórico,como se o realizador <strong>de</strong>“Delicatessen” (assinado a meiascom Marc Caro) e “O FabulosoDestino <strong>de</strong> Amélie” não passasse <strong>de</strong>um menino perdido nos seusbrinquedos. É injusto para Jeunet- nenhum dos seus filmes teriaÍpsilon • Sexta-feira 18 Março 2011 • 38


aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelenteRolling Stonespor Jean-LucGodardCinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 <strong>Lisboa</strong>. Tel. 213596200Sexta, 18O Falhado AmorosoThe ProducersDe Mel Brooks. Com Zero Mostel,Gene Wil<strong>de</strong>r. 84 min. M12.15h30 - Sala Félix RibeiroOne Plus OneSympathy for the DevilDe Jean-Luc Godard. Com BillWyman, Brian Jones, Keith Richards,Mick Jagger. 100 min. M12.19h - Sala Félix RibeiroO Inferno <strong>de</strong> Iwo JimaSands Of Iwo JimaDe Allan Dwan. Com John Wayne,John Agar, A<strong>de</strong>le Mara, ForrestTucker. 100 min.19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> PinaNe Change RienDe Pedro Costa. Com Jeanne Balibar.97 min. M12.21h30 - Sala Félix RibeiroLe Nouveau TestamentDe Sacha Guitry. Com Sacha Guitry,Jacqueline Delubac, ChristianGérard, Betty Daussmond, PaulineCarton. 96 min.22h - Sala Luís <strong>de</strong> PinaSábado, 19A Minha Mulher FavoritaMy Favorite WifeDe Garson Kanin. Com Cary Grant,Irene Dunne, Randolph Scott. 88min. M12.15h30 - Sala Félix RibeiroOs Três da Estação <strong>de</strong> ServiçoDie Drei Von TankstelleDe Wilhelm Thiele. Com LillianHarvey, Willy Fritsch, OskarKarlweis, Heinz Rühmann. 100 min.19h - Sala Félix RibeiroO EclipseL’EclisseDe Michelangelo Antonioni. ComAlain Delon, Francisco Rabal, LillaBrignone, Monica Vitti. 125 min.21h30 - Sala Félix RibeiroO PalhaçoHe Who Gets SlappedDe Victor Sjöström. Com JohnGilbert, Lon Chaney, Norma Shearer.95 min.19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> PinaO Diabólico Dr. MabuseDie Tausend Augen<strong>de</strong>s Dr. MabuseDe Fritz Lang. Com Dawn Addams,Gert Fröbe, Peter van Eyck, Wolfgangmexido com tanta gente se fossemmeras curiosida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scartáveis –mas, paradoxalmente, “Micmacs –Uma Brilhante Confusão” acaba pordar razão a apreciadores e<strong>de</strong>tractores do realizador. A história<strong>de</strong> um rapaz azarado que recrutaum grupo <strong>de</strong> excêntricos“extraviados” da socieda<strong>de</strong> para sevingar dos fabricantes <strong>de</strong>armamento responsáveis pela sua<strong>de</strong>sgraça, o filme alinha umasucessão <strong>de</strong> quadros burlescosmeticulosamente organizados evirtuosamente apresentados, massem uma história sólida que osPreiss. 103 min.22h - Sala Luís <strong>de</strong> PinaSegunda, 21O Pão Nosso <strong>de</strong> Cada DiaOur Daily BreadDe King Vidor. Com Karen Morley,Tom Keene, Barbara Pepper. 80 min.15h30 - Sala Félix RibeiroJohn Carpenter’s CigaretteBurnsDe John Carpenter. Com NormanReedus, Udo Kier, GaryHetherington. 59 min.19h - Sala Félix RibeiroLe Gai SavoirDe Jean-Luc Godard. Com JulietBerto, Jean-Pierre Léaud. 95 min.19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> PinaOne P.M.De D.A. Pennebaker, Jean-LucGodard. Com Rip Torn, EldrigeCleaver, Tom Hay<strong>de</strong>n. 90 min.21h30 - Sala Félix RibeiroLe Nouveau TestamentDe Sacha Guitry. Com Sacha Guitry,Jacqueline Delubac, ChristianGérard, Betty Daussmond, PaulineCarton. 96 min.22h - Sala Luís <strong>de</strong> PinaTerça, 22A Vida <strong>de</strong> PasteurThe Story Of Louis PasteurDe William Dieterle. Com Paul Muni,Josephine Hutchinson, Anita Louise,Donald Woods. 84 min.15h30 - Sala Félix RibeiroÚltimo RefúgioHigh SierraDe Raoul Walsh. Com Alan Curtis,Arthur Kennedy, Humphrey Bogart,Ida Lupino. 95 min. M12.19h - Sala Félix RibeiroOne P.M.De D.A. Pennebaker, Jean-LucGodard. Com Rip Torn, EldrigeCleaver, Tom Hay<strong>de</strong>n. 90 min.19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> PinaNuméro DeuxDe Jean-Luc Godard. Com SandrineBattistella, Pierre Oudry, AlexandreRignault. 90 min.21h30 - Sala Félix RibeiroA Noiva CadáverCorpse Bri<strong>de</strong>De Tim Burton, Mike Johnson. ComJohnny Depp (Voz), Helena Bonham“Micmacs”:um cineastae os seusbrinquedosCarter (Voz), Emily Watson (Voz),Christopher Lee (Voz). 76 min. M12.22h - Sala Luís <strong>de</strong> PinaQuarta, 23Canção TriunfalYankee Doodle DandyDe Michael Curtiz. Com James Cagney,Joan Leslie, Walter Huston. 126 min.M12.15h30 - Sala Félix RibeiroIci Et AilleursDe Jean-Luc Godard, Anne Marie-Miéville. 53 min.19h - Sala Félix RibeiroKing KongDe Ernest B. Schoedsack, Merian C.Cooper. Com Bru<strong>de</strong> Cabot, Fay Wray,Robert Armstrong. 96 min.19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> PinaA Águia Voa ao SolThe Wings of EaglesDe John Ford. Com Dan Dailey, JohnWayne, Maureen O. 110 min. M12.21h30 - Sala Félix RibeiroOne Plus OneSympathy for the DevilDe Jean-Luc Godard. Com Bill Wyman,Brian Jones, Keith Richards, MickJagger. 100 min. M12.22h - Sala Luís <strong>de</strong> PinaQuinta, 24As Rochas Brancas <strong>de</strong> DoverWhite Cliffs of DoverDe Clarence Brown. Com IreneDunne, Alan Marshal, RoddyMcDowall. 126 min.15h30 - Sala Félix RibeiroComment Ça Va?De Anne-Marie Miélville, Jean-LucGodard . Com Michel Marot , Anne-Marie Miélville. 74 min.19h - Sala Félix RibeiroKing KongDe Ernest B. Schoedsack, Merian C.Cooper. Com Bru<strong>de</strong> Cabot, Fay Wray,Robert Armstrong. 96 min.19h30 - Sala Luís <strong>de</strong> PinaA Águia Voa ao SolThe Wings of EaglesDe John Ford. Com Dan Dailey, JohnWayne, Maureen O. 110 min. M12.21h30 - Sala Félix RibeiroIci Et AilleursDe Jean-Luc Godard, Anne Marie-Miéville. 53 min.22h - Sala Luís <strong>de</strong> PinaÍpsilon • Sexta-feira 18 Março 2011 • 39


CinemaaMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelenteCineclubespara mais informações consultar www.fpcc.ptCine-teatro S. PedroLargo S. Pedro - AbrantesCaninoDe Giorgos Lanthimos, 2009, M/1823/03, 21:30hCinema Teixeira<strong>de</strong> PascoaesCentro Comercial Santa Luzia - AmaranteVais Conhecer O HomemDos Teus SonhosDe Woody Allen, 2010, M/12 Q 18/03,21:30hAuditório SororMarianaRua Diogo Cão, nº8, ÉvoraThe Kids Are All Right -Os Miúdos Estão BemDe Lisa Cholo<strong>de</strong>nko, 2010, M/1623/03, 21:30hCasa <strong>das</strong> Artes <strong>de</strong>Famalicão (CC Joane)Parque <strong>de</strong> Sinçães – FamalicãoHá Festa Na Al<strong>de</strong>iaDe Jacques Tati, 1949, M/6 22/03, 21:30hAs Férias Do Sr. HulotDe Jacques Tati, 1953, M/6 23/03, 21:30hJacques TatiL’ Illusioniste (o Mágico)De Sylvain Chomet, 2010, M/6 24/03,21:30hIPJ-FARORua da PSP, FaroL’ Illusioniste (o Mágico)De Sylvain Chomet, 2010, M/6 21/03,21:30hCine-teatro AntónioPinheiroR. Guilherme Gomes Fernan<strong>de</strong>s, 5 – TaviraYou Will Meet A Tall DarkStrangerDe Woody Allen, 2010, M/12 20/03,21:30hCópia CertificadaDe Abbas Kiarostami, 2010, M/1224/03, 21:30hTeatro VirgíniaLargo José Lopes dos Santos – Torres NovasLolaDe Brillante Mendoza, 2009, M/1223/03, 21:00hTeatro <strong>Municipal</strong><strong>de</strong> Vila do Con<strong>de</strong>Av. João Canavarro – Vila do Con<strong>de</strong>Cópia CertificadaDe Abbas Kiarostami, 2010, M/1220/03, 16:00h e 21.45hconsiga articular nempersonagens <strong>de</strong>fini<strong>das</strong> para lá doboneco caricatural. Mas é difícil nãoolhar para o engenho arregaladoque Jeunet e a sua equipa e elenco<strong>de</strong> luxo assumem sem sermoscontagiados pela bonomia marota<strong>de</strong> que esta sátira ingénua massincera à indústria do armamentofaz prova. Não vai ser por aqui queo realizador convence os<strong>de</strong>sconfiados nem <strong>de</strong>silu<strong>de</strong> osferrenhos, mas a fervilhanteinvenção visual <strong>de</strong> “Micmacs” (quechega a Portugal inexplicavelmente<strong>de</strong>samparado) compensa em muitotudo o mais que lhe falta. J. M.ContinuamFilme SocialismoFilm SocialismeDe Jean-Luc Godard,com Catherine Tanvier, ChristianSinniger, Jean-Marc Stehlé, RobertMaloubier. M/12MMMMn<strong>Lisboa</strong>: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 11: 5ª 6ªSábado Domingo 2ª 3ª 4ª 16h50, 21h30Sejamos bem-vindos ao belo navioEuropa, navegando peloMediterrâneo enquanto lá <strong>de</strong>ntrotoda a gente se afinca em ignorar oque se passa lá fora. “FilmeSocialismo” (cine-socialismo? Socialcinema?)é a mais recenteprovocação audiovisual Godardiana,cem minutos <strong>de</strong> colagens que nãoquerem tanto dizer coisas comomostrá-las, sugeri-las, levar-nos apensar. Um quebra-cabeçasfornecido sem imagem <strong>de</strong> base neminstruções, para que cadaespectador o monte a seu bel-prazer(ou não), abstracto epigramático quecontinua a estar nas fronteiras daexperimentação formal, mesmo que“Filme Socialismo” seja o menosestimulante dos filmes-ensaio que oiconoclasta cineasta tem assinadonas últimas duas déca<strong>das</strong> (como seGodard subitamente <strong>de</strong>sse por si a“FilmeSocialismo”:Um quebracabeçasfornecidosem imagem<strong>de</strong> base neminstruçõesrodar em seco e usasse isso comoalimento). Em 1967, Godard filmouem “Fim-<strong>de</strong>-Semana” um longoengarrafamento com aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>automóvel. Em 2010, “FilmeSocialismo” é o aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>automóvel ele próprio. Isto é umelogio. J. MOs 2 da (Nova) VagaDeux <strong>de</strong> la VagueDe Emmanuel Laurent,com Anouk Aimée, Jean-PierreAumont, Charles Aznavour, Jean-PaulBelmondo. M/12MMnnn<strong>Lisboa</strong>: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 11: 5ª 6ªSábado 2ª 3ª 4ª 14h30, 19h10, 23h50 Domingo11h30, 14h30, 19h10, 23h50“Os 2 da (Nova) Vaga” - que sãoJean-Luc Godard e FrançoisTruffaut – conta uma história <strong>de</strong>amiza<strong>de</strong> e ruptura que é ainda ahistória do cinema. Como senaquela amiza<strong>de</strong> que explodiu,<strong>de</strong>claração irremediável <strong>de</strong> queaqueles dois não iriam envelhecerjuntos, estivessem forja<strong>das</strong> ascontradições que marcariam osfilmes e a sua relação com osespectadores. Dito isto: se vemosisso no documentário <strong>de</strong> EmmanuelLaurent é porque, hoje, estamos emcondições <strong>de</strong> o saber; não porque ofilme nos ilumine. Quer dizer:Laurent está no centro da históriamas é como se não se <strong>de</strong>sse contadisso ou não quisesse acusar talresponsabilida<strong>de</strong>. Veja-se, porexemplo, como é enunciado o fioJean-Pierre Léaud - actor-filho dos<strong>de</strong>savindos Godard e Truffaut - ecomo isso fica assim só, enunciado.Ou como as consequências daruptura entre os dois po<strong>de</strong>m<strong>de</strong>spertar várias perguntas – uma<strong>de</strong>las: como seria o cinema francês,hoje, se Truffaut tivesse continuadoe Godard não tivesse <strong>de</strong>sistido? –que o filme não se lembra <strong>de</strong>perguntar. Falta a “Os 2 da (Nova)Vaga” - excelente pesquisa <strong>de</strong>arquivo – ensaiar um olhar. V.C.40 • Sexta-feira 18 Março 2011 • Ípsilon


LivrosNUNO FERREIRA SANTOSAs principais valências dos textos<strong>de</strong> Manuel Gusmão encontramseno po<strong>de</strong>rio imagético a quefrequentemente recorre, sejaao escrever sobre poesia ou sobreoutros poetas, o que acaba porresultar em momentos sublimes<strong>de</strong> prosaEnsaioOsmovimentosda poesiaDuas obras que revelamum conhecimento vasto douniverso poético e do seuaparato teórico. David TelesPereiraTatuagem &Palimpsesto– da poesia emalguns poetase poemasManuel GusmãoAssírio & AlvimmmmmmA FormaInforme– leituras <strong>de</strong>poesiaRosa MariaMarteloAssírio & AlvimmmmmmNo segmento introdutório <strong>de</strong>“Tatuagem & Palimpsesto” (Assírio &Alvim, 2010), Manuel Gusmãoescreve que “[n]o seu movimentoperpétuo, a poesia reinventa a suaorigem ou o seu modo <strong>de</strong> chegar”(Manuel Gusmão, p. 9). À imagemsugerida e associada pelo poeta eensaísta a este movimento há quereconhecer todo o seu po<strong>de</strong>r criador:uma chama que, até morrer, “oscila eondula segundo a vertical <strong>de</strong> umaárvore” (Manuel Gusmão, p. 9). Não<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser curioso e, já agora,indicativo que Rosa Maria Martelo,também no segmento inicial do seulivro, “A Forma Informe” (Assírio &Alvim, 2010) invoque uma i<strong>de</strong>iaparticularmente próxima: “Faz partedo movimento construtivo da poesiaum certo <strong>de</strong>sencontro do poema comele mesmo, isto é, o <strong>de</strong>sajuste <strong>das</strong>suas próprias estruturas e apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer ‘oscilar’ (otermo é <strong>de</strong> Luiza Neto Jorge) ospressupostos que lhe serviram <strong>de</strong>ponto <strong>de</strong> partida” (Rosa MariaMartelo, p. 9).Desse movimento estes autoresdão-nos, em primeiro lugar, ummovimento <strong>de</strong> leitura, <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte,cujo ritmo nos empurra em direcçãoao fim da página e, também, emdirecção ao chão, porque o poema,como sempre há-<strong>de</strong> lembrar LuizaNeto Jorge, ensina a cair. Neste últimoapartado, po<strong>de</strong> afirmar-se comsegurança que tanto Manuel Gusmãocomo Rosa Maria Martelo, pararegozijo dos seus leitores, fornecematravés <strong>das</strong> suas interpretaçõesinúmeros exemplos em que semanifesta o po<strong>de</strong>r avassalador dotexto poético no seu momento <strong>de</strong>leitura. Veja-se, a título <strong>de</strong> exemplo,em Manuel Gusmão, o fortíssimo“Leiam Herberto Hel<strong>de</strong>r Ou o PoemaContínuo”, “porque o que temospara ler é um livro fulgurante eestarrecedor” (Manuel Gusmão, p.365) ou o ensaio “O fio <strong>das</strong> sílabas”,<strong>de</strong> Rosa Maria Martelo sobre a poesia<strong>de</strong> Sophia <strong>de</strong> Mello BreynerAndresen, em cujas páginas finais aensaísta observa, numa leiturasingularmente interessante, que “oque a poesia <strong>de</strong> Sophia nos mostranão é só a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> umcaminho <strong>de</strong> justiça e <strong>de</strong> justeza,porque é muito mais do que isso. Eladiz-nos que a perfeita inteireza do seré uma exigência humana e que [...]tal exigência ganha forma na travessiada imperfeição” (Rosa Maria Martelo,p. 33).Este é, talvez, um movimento dopróprio poema, seja ele expressoatravés da chama que, pela oscilaçãodo ar, nunca permanece hirta ou pelaaMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelentetensão constante entre equilíbrio e<strong>de</strong>sequilíbrio. Nesta perspectiva, eapesar do recurso a imagens tãodiversas, há uma proximida<strong>de</strong> óbviaentre “Tatuagem & Palimpsesto” e “AForma Informe”. O seu ponto <strong>de</strong>partida é, também, próximo: ambosos livros são maioritariamentecompostos por ensaiosanteriormente publicados pelosautores com a poesia portuguesa doséculo XX como pano <strong>de</strong> fundo, àexcepção dos textos que ManuelGusmão <strong>de</strong>dica ao poeta francêsArthur Rimbaud e a Cesário Ver<strong>de</strong> edo ensaio “O poema como amostra<strong>de</strong>-mundo”,<strong>de</strong> Rosa Maria Martelo, apropósito <strong>de</strong> João Cabral <strong>de</strong> MeloNeto, um poeta brasileiro.Coinci<strong>de</strong>m, igualmente, em algunsdos seus vectores, po<strong>de</strong>ndoencontrar-se nos dois livros ensaiossobre Sophia, sobre Herberto Hel<strong>de</strong>re sobre Carlos <strong>de</strong> Oliveira.O movimento é também, há queafirmá-lo, um movimento para opoema. Aqui o trabalho do ensaísta<strong>de</strong>ve colaborar activamente com opoeta. Imagine-se alguém que, semA maior exposição<strong>de</strong> equipamento<strong>de</strong> áudio em Portugal.O melhor do Som e da Imagemem Estreia Mundial.Uma Organização:qualquer outra fonte <strong>de</strong> luz, fazincidir uma vela sobre um objectocom múltiplas faces. O movimento dafonte <strong>de</strong> luz implica uma opçãonecessária entre iluminação parauma <strong>das</strong> faces do objecto e sombra enegrura para as restantes. Um poema<strong>de</strong> Luiza Neto Jorge citado por RosaMaria Martelo fornece, <strong>de</strong>steprocesso, uma po<strong>de</strong>rosa imagem:“Há um jogo <strong>de</strong> relâmpagos sobre omundo. / De só imaginá-lo a luzfulmina-me, / na outra face ainda ésombra” (Rosa Maria Martelo, p. 123).Do que aqui se fala é do importantelabor <strong>de</strong> perspectivação que se <strong>de</strong>veexigir ao ensaísta no fornecimento <strong>de</strong>pistas e ferramentas <strong>de</strong> leitura e, porque não, <strong>de</strong> impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>leitura. A poesia tem a sua medida <strong>de</strong>entendimento e comunicabilida<strong>de</strong> e asua medida <strong>de</strong> algo que, à falta <strong>de</strong>melhor palavra, se po<strong>de</strong> chamar <strong>de</strong>intuição.“Tatuagem & Palimpsesto” é umlivro com um ritmo <strong>de</strong> leiturasubstancialmente mais complicado<strong>de</strong> encontrar do que aquele quepauta “A Forma Informe”. EstaHOTEL VILLA RICA LISBOA18, 19 e 20 <strong>de</strong> MARÇO<strong>das</strong> 15 às 22 Horas(Domingo <strong>das</strong> 15 às 20 Horas)Ípsilon • Sexta-feira 18 Março 2011 • 41


LivrosaMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelentetendência é mais evi<strong>de</strong>nte naprimeira parte, que nos apresentauma estrutura <strong>de</strong> textostemporalmente sequenciados cujotema condutor é o acto, o sentido e acondição do texto poético. Aqui, asintenções do autor e o seu domíniopleno da linguagem e do universoteórico da poesia, por mais dignos <strong>de</strong>reconhecimento que sejam, nemsempre conseguem evitar umresultado ligeiramente maçador parao leitor.Diferentemente, na segunda parte,em que Manuel Gusmão escrevesobre outros poetas – a gran<strong>de</strong>maioria seus contemporâneos –, ostextos pautam-se, quase sempre,pelos melhores momentos da parteantece<strong>de</strong>nte. Nesta secção, <strong>de</strong>ve serdado <strong>de</strong>staque aos textos sobreSophia – em que, curiosamente, a sualeitura se aproxima um pouco da <strong>de</strong>Rosa Maria Martelo – e sobreFernando Assis Pacheco.Em “A Forma Informe”, semqualquer cedência à comodida<strong>de</strong> e auma leitura <strong>de</strong> primeira camada,Rosa Maria Martelo consegue dar aosseus textos um ritmo célere e directo,ao mesmo tempo que confronta oleitor com referências literárias,comunicações <strong>de</strong> textos eperspectivas <strong>de</strong> leitura bastanteprofun<strong>das</strong> e imaginativas, mesmoquando trabalha sobre argumentos jáanteriormente expostos por outrosensaístas e, até, por si em textos. Oensaio que a autora <strong>de</strong>dica à poesia<strong>de</strong> Herberto Hel<strong>de</strong>r, maisespecificamente ao seu livro “A FacaNão Corta o Fogo – Súmula &Inédita”, po<strong>de</strong> servir <strong>de</strong> exemplo. Omesmo acontece com “Alegoria eautenticida<strong>de</strong>”, em que Rosa MariaMartelo <strong>de</strong>senvolve, a propósito <strong>de</strong>textos poéticos e críticos <strong>de</strong> Manuel<strong>de</strong> Freitas, um tema já estudado numoutro ensaio incluído na sua obra“Vidro do Mesmo Vidro” (Campo <strong>das</strong>Letras, 2007).Há que reconhecer, apesar disto,que os propósitos ensaísticosenunciados por estes dois autores sãoabsolutamente diferentes. Rosa MariaMartelo publica uma série <strong>de</strong> ensaiosmais próximos <strong>de</strong> uma estruturatradicional do texto académico. O seunúcleo <strong>de</strong> leituras é, também porisso, mais objectivável e <strong>de</strong> apreensãomais imediata. Pelo contrário, asprincipais valências dos textos <strong>de</strong>Manuel Gusmão encontram-se nopo<strong>de</strong>rio imagético a quefrequentemente recorre, seja aoescrever sobre poesia ou sobre outrospoetas, o que acaba por resultar emmomentos sublimes <strong>de</strong> prosa não tãofrequentes em “A Forma Informe”.Atente-se, por exemplo, naquilo queManuelGusmão escreve a propósito dapoesia <strong>de</strong> Carlos <strong>de</strong> Oliveira: “édaquelas que nos obrigam a umamaneira <strong>de</strong> usar uma palavra que elaspróprias usam, mas que caiu em<strong>de</strong>suso: a palavra beleza. Com os seuspoemas, fazemos frequentemente aexperiência daquilo a quechamávamos beleza. Que fulminacomo um relâmpago, queima comouma ponta <strong>de</strong> gelo ou é já só umbrilho restante à beira da exaustão, ofulgor do halo <strong>de</strong> uma coisa que vaiextinguir-se” (Manuel Gusmão, p.338).Se algo se po<strong>de</strong> afirmar acerca<strong>de</strong>stes dois livros <strong>de</strong> Manuel Gusmãoe <strong>de</strong> Rosa Maria Martelo é que ambosrevelam um conhecimento vasto,tanto do universo poético como doseu aparato teórico, conferindo aosversos e à sua leitura um trabalhonotável ao nível ensaístico. O poematem uma dimensão historiográfica,ainda que fragmentária, ao revelar-secomo uma forma <strong>de</strong> dizer o mundoatravés <strong>das</strong> suas anotações. Tendopresente esta i<strong>de</strong>ia, os dois autoresoferecem sobre a poesia uma visãonada parcelar, convocando noçõespuramente literárias, mas, também,conceitos do léxico filosófico ou, até,do léxico histórico-político, queprocuram captar toda a panóplia <strong>de</strong>intenções <strong>de</strong> leitura que os poetas –propositadamente ou não – <strong>de</strong>ramaos seus versos. Acontece, porém,que “A Forma Informe” tem umaleitura mais sequencial e apreensível,sem que disso resulte qualquerprejuízo para o leitor ao nível dainformação disponível e da elevaçãodo discurso. Já “Tatuagem &Palimpsesto” revela, em algunsmomentos, as dificulda<strong>de</strong>s inerentesà segunda palavra do seu título: nemsempre é fácil ler o texto tapado pelotexto.Torymas poucoO medo <strong>de</strong> ser conservadore como recuperar o orgulho<strong>de</strong> voltar a sê-lo.Eduardo PittaA Alma ConservadoraAndrew Sullivan(Trad. Miguel <strong>de</strong> Castro Henriques)QuetzalmmmmnFaz sentido que oprimeiro livro <strong>de</strong>Andrew Sullivan(n. 1963) a sertraduzido emPortugal seja “AAlmaConservadora”(2006). Para ageração <strong>de</strong>intelectuais <strong>de</strong> direita que nasceuimediatamente antes ou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 25<strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1974, Sullivan é umareferência incontornável. Publicadono momento em que a revelação dosabusos cometidos por militaresamericanos e britânicos na prisãoiraquiana <strong>de</strong> Abu Ghraib gerava umaonda <strong>de</strong> indignação em todo omundo, “A Alma Conservadora” fezcom que a esquerda per<strong>de</strong>sse omonopólio da boa consciência. Ponto<strong>de</strong> viragem, portanto.Andrew Sullivan é um inglês quepouco antes <strong>de</strong> completar 22 anostrocou a Inglaterra <strong>de</strong> Thatcher pelaAmérica <strong>de</strong> Reagan. Homossexual,católico <strong>de</strong>voto, aluno <strong>de</strong> Magdalen(Oxford), político conservador,activista gay, editor da “NewRepublic” entre 1991 e 1996, autordaquele que é consi<strong>de</strong>rado o textomais influente na <strong>de</strong>fesa dos direitosda minoria homossexual (“ThePolitics of Homosexuality”, 1993),fundador do “Daily Dish”,colaborador regular da “New YorkTimes Book Review”, editor sénior da“Atlantic”, comentador econferencista respeitado, usa <strong>de</strong>parcimónia no auto-retrato: “Crescina Inglaterra dos anos setenta eoitenta. Eu era um adolescentethatcherista [...] Nunca fui militante,quer conservador ou republicano,porque por natureza não sou uma<strong>de</strong>rente.” Acontece a muito boagente.Sullivan <strong>de</strong>scobriu cedo que “apolítica podia fazer a diferença nomundo.” Apoiou Clinton em 1992,Bush em 2000 e Kerry em 2004. “AAlma Conservadora” explica por querazão se afastou do PartidoRepublicano: a tradiçãoconservadora anglo-americana é oexacto oposto da filosofia e dapolítica actual do partido. Não ter <strong>de</strong>lidar com “políticas a retalho”permite-lhe bater-se por princípios.Ponto <strong>de</strong> partida: “Todo oconservadorismo parte <strong>de</strong> umaperda.” O tópico é <strong>de</strong> Burke, masSullivan faz bom uso <strong>de</strong>le num tempoem que a rapi<strong>de</strong>z da mudança socialtudo nivela. Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser irónicoque a pulverização da “verda<strong>de</strong>”tenha expressão na cacofonia dos‘bloggers’.Lembrar o óbvio: “Os sereshumanos vivem graças à narrativa; eficamos tristes quando um actorconhecido <strong>de</strong>saparece <strong>de</strong> umatelenovela ou quando um nossoconhecido muda <strong>de</strong> casa [...]resistimos contra a interrupção, equando resistimos somosconservadores.” Num mundo sem“autorida<strong>de</strong>s culturais estáveis”, avolatilida<strong>de</strong> faz a regra. O lado negro<strong>das</strong> mudanças tecnológicas eeconómicas tornou-se o motor davaga conservadora? Por que é queKeynes e Galbraith, que anunciaramo fim do <strong>de</strong>semprego (o primeiro) eda pobreza (o segundo), foram tãocategoricamente <strong>de</strong>smentidos?A querela dos fundamentalismoscristão e muçulmano é um ponteforte. Sullivan expõe com clareza oelenco <strong>de</strong> simetrias entre JerryFalwell (cultura judaica e Anticristo) eAhmadinejad, ou James Dobson(casamento entre pessoas do mesmosexo e <strong>de</strong>struição da terra) e OsamaBin La<strong>de</strong>n. Mais: atento o contexto, alinguagem <strong>de</strong> William Kristol não sedistingue dos pressupostos da‘Sharia’. Linha recta: “Des<strong>de</strong> oassassínio <strong>de</strong> Anwar Sadat à fatwacontra Salman Rushdie, à campanhajá com a duração <strong>de</strong> uma década <strong>de</strong>Bin La<strong>de</strong>n, à <strong>de</strong>struição <strong>das</strong> antigasestátuas budistas pelos Talibãs até aomassacre do World Tra<strong>de</strong> Center e oassassínio do realizador holandêsTheo van Gogh há só uma linha. Essalinha é fundamentalista e religiosa.”Os números não mentem: <strong>das</strong>Cruza<strong>das</strong> à Inquisição, “ocristianismo tem piores registos [...] aEuropa viu mais sangue <strong>de</strong>rramadodo que o mundo muçulmano.”Sullivan, católico <strong>de</strong>voto econservador militante, vive num paíson<strong>de</strong> os cristãos reconstrucionistas eos Promise-Keepers fazem valer a suacondição <strong>de</strong> soldados do “exército <strong>de</strong>Deus”. A religião não é figura <strong>de</strong>retórica. Contudo, e o ponto merecerealce, os pais fundadores (<strong>de</strong>Madison a Jefferson) não estavaminteressados em impor uma doutrina.Pelo contrário, <strong>de</strong>monstraram estarmais preocupados “em pensar noque teria levado à falência da<strong>de</strong>mocracia grega e romana do quenas subtilezas <strong>de</strong> Tomás <strong>de</strong> Aquino.”Presumo que a análise da Era Bushcause engulhos aos liberais indígenas.A explosão da <strong>de</strong>spesa do Estado, amaior <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Roosevelt, e da dívidapública, fala por si: financimentopara “a educação do carácter [e]saber distinguir o bem do mal”;contratação <strong>de</strong> “mentores para mais<strong>de</strong> um milhão <strong>de</strong> estudantesuniversitários <strong>de</strong> meios carenciados e<strong>de</strong> filhos <strong>de</strong> reclusos”; subsídios afundo perdido para “escolas quequeiram utilizar testes <strong>de</strong> droga;i<strong>de</strong>m para programas <strong>de</strong>abstinência”...Muitas <strong>das</strong> melhores páginas são<strong>de</strong>dica<strong>das</strong> à guerra do Iraque.Sullivan foi dos que apoiou a invasão(em 2003), mas perturba-o que opo<strong>de</strong>r executivo tenha agido “livre <strong>de</strong>qualquer controlo legislativo, judicialou internacional” (os Estados Unidosignoraram as Convenções <strong>de</strong>Personalida<strong>de</strong> polémica, AndrewSullivan <strong>de</strong>ve ser lido e discutidofora dos círculos <strong>de</strong> ‘happy few’SHEPARD SHERBELL/ CORBISGenebra), tendo a administraçãoBush admitido a prática <strong>de</strong> torturaem Guantánamo, bem como emprisões iraquianas, afegãs e <strong>de</strong> outrospaíses. Corolário: “A América <strong>de</strong>ixou<strong>de</strong> ser uma república constitucional,respeitadora da lei, para ser oimpério <strong>de</strong> um só homem”...Enfim, muito mais haveria a dizer<strong>de</strong> um livro que não se esgota numabreve resenha.Personalida<strong>de</strong> polémica, AndrewSullivan <strong>de</strong>ve ser lido e discutido forados círculos <strong>de</strong> ‘happy few’. Obrascomo “Virtually Normal: AnArgument About Homosexuality”(1995), “Love Un<strong>de</strong>tectable: Notes onFriendship, Sex and Sur” (1998) e“Same-Sex Marriage Pro & Con: ARea<strong>de</strong>r” (2004), para só citaralgumas, <strong>de</strong>viam ser rapidamentetraduzi<strong>das</strong>.Não merecompenses!De acordo com DanielPink estamos a assistir aocrepúsculo do dinheirocomo motivação. Outrosvalores cantarão.Rui CatalãoDriveDaniel H. PinkTradução: Helena RamosEditora: EstrelapolarmmmnnO norteamericanoDanielH. Pink (n. 1964)publica artigossobre negócios no“New YorkTimes”, “HarvardBusiness Review”,“Fast Company” e“Wired”,assinando uma coluna mensal nobritânico “The Sunday Telegraph”.Os quatro livros que já publicou são<strong>de</strong>dicados ao mundo do trabalho emtransformação. No primeiro queescreveu, “A Nova Inteligência” (ed.Oficina do Livro), <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que a erada informação está a terminar,iniciando-se uma era conceptual, emque o trabalho já não será orientadopelo cumprimento <strong>de</strong> tarefas“algorítmicas”, assentes em regraspré-<strong>de</strong>fini<strong>das</strong>, mas sim “heurísticas”,ou seja, que implicam o uso <strong>de</strong>criativida<strong>de</strong>.O arranque <strong>de</strong> “Drive” é umamaravilha: <strong>de</strong>screve um dia <strong>de</strong>trabalho num laboratório em 1949,com três investigadores aobservarem oito macacos, para osquais foi concebido um problema. O42 • Sexta-feira 18 Março 2011 • Ípsilon


<strong>de</strong>safio é uma espécie <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>adoque implica a passagem por trêsetapas para ser aberto. E apesar doca<strong>de</strong>ado ser inútil (não abre parauma porta com comida, não dáacesso a nada), os macacos <strong>de</strong>dicamsea tentar abri-lo.In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> qualquerrecompensa externa, alimento,liberda<strong>de</strong> ou companhia, amotivação dos macacos foi apenas a<strong>de</strong> tentarem resolver o problema!A partir daqui, e seguindo umasequência <strong>de</strong> relatos <strong>de</strong> experiênciasprogressivamente mais complexas eaproxima<strong>das</strong> do mundo do trabalhocontemporâneo, Daniel H. Pinkchega à conclusão que o método <strong>de</strong>Taylor, <strong>de</strong> recompensa e castigo (“dacenoura e do chicote”), que tão bonsresultados <strong>de</strong>u durante a gestão dostrabalhadores no século XX,agoniza. O mundo frio do trabalho,dividido entre os que mandam e osque fazem o que lhes é mandadoestá a dissolver-se porque a falta <strong>de</strong>motivação própria (ou “intrínseca”)<strong>de</strong>strói qualquer chance <strong>de</strong> umtrabalhador vir a ser produtivo, numcontexto <strong>de</strong> problemas <strong>de</strong> trabalhoque <strong>de</strong>pendam da criativida<strong>de</strong>.A fase, digamos, operativa <strong>de</strong>ssenovo mundo, em que trabalhar é sercriativo, caracteriza-se por pessoasaltamente estimula<strong>das</strong>, na condição<strong>de</strong> se encontrarem na posse <strong>de</strong> “trêsnecessida<strong>de</strong>s psicológicas inatas”:autonomia (geradora <strong>de</strong>empenhamento), competência(resultado <strong>de</strong> uma dinâmica <strong>de</strong>concentração a que chama fluxo -“flow” no original) e <strong>de</strong>relacionamento com os outros. Masantes <strong>de</strong> chegar aí, a parte maissumarenta do livro é o momentocomo aborda a transição entre osistema <strong>de</strong> motivações do séc. XX,ainda vigente, e o novo que se segue.Como é que Mr. Pink explica asubstituição <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>gestão baseado no controlo, poroutro baseado na ética do trabalho?A famosa história <strong>de</strong> como TomSawyer pôs os colegas a pintarem acerca da sua tia e a pagarem por issoé uma bela metáfora, e a existência<strong>de</strong> 18 milhões <strong>de</strong> organizações nosEstados Unidos sem empregadospagos também, mas…A forma como Mr. Pink<strong>de</strong>sconstrói a recompensas (tantonas empresas, mas principalmentena educação <strong>das</strong> crianças) comoforma <strong>de</strong> motivação leva-o a concluirque este mo<strong>de</strong>lo corrompe não só asrelações (se queres mais, dá mais),como também corrompe o sujeitorecompensado (na eminência <strong>de</strong>receber uma recompensasmonetária dá-se uma <strong>de</strong>scarga <strong>de</strong>dopamina no núcleo accumbens, amesma zona do cérebro em queocorrem as <strong>de</strong>pendências – o queexplica por exemplo a dificulda<strong>de</strong><strong>das</strong> pessoas abdicarem dos seusdireitos adquiridos, mesmo que poruma causa justa).É este sistema <strong>de</strong> recompensasque “limita o âmbito do nossopensamento”, e que impe<strong>de</strong> aspessoas <strong>de</strong> resolverem problemascuja solução não se encontra à vista.A motivação por via da recompensaresulta quando há regras <strong>de</strong>fini<strong>das</strong> euma orientação clara, mas quando asolução para um problema é<strong>de</strong>sconhecida esse foco tem “opo<strong>de</strong>r <strong>de</strong> concentrar a nossa visãono que está à frente dos nossosolhos, excluindo o que se encontraum pouco mais adiante”.É no comportamento que seencontra a solução, diz Mr. Pink.Como é que as pessoas irão mudar<strong>de</strong> um comportamento que sealimenta <strong>de</strong> “<strong>de</strong>sejos extrínsecos”para um outro baseado em <strong>de</strong>sejos“intrínsecos” – quando mais <strong>de</strong>meta<strong>de</strong> da população trabalhadoravive <strong>de</strong>smotivada com o trabalhoque faz? A solução é simples e clara,mas tremendamente difícil <strong>de</strong>executar por gestores (cujaexistência Mr. Pink <strong>de</strong>plora) a nãoser que, à semelhança da canção <strong>de</strong>Sam Cooke, “A change is gonnacome”.Mr. Pink consegue transformar otema da motivação no trabalhonuma experiência <strong>de</strong> leituraestimulante e clarificadora. O seuobjectivo principal é o <strong>de</strong> fazer umaponte entre a investigação científicadisponível sobre o tema damotivação no comportamento dapsicologia humana e os patrões,professors e pais que lidam com amotivação como ferramenta paramelhorar a eficácia daqueles quenão têm uma “expressão enlevada,esquecidos numa função”.FicçãoJapandollInc.Com uma inesperada escritarealista, o autor brasileiro<strong>de</strong>pressa consegue levar oleitor <strong>de</strong> visita a um universoonírico.José Riço DireitinhoO único final feliz para umahistória <strong>de</strong> amor é um aci<strong>de</strong>nteJoão Paulo CuencaCaminhommmmnEm 2007, oprojecto “AmoresExpressos” enviouvários autoresbrasileiros paraoutras tantascida<strong>de</strong>sespalha<strong>das</strong> pelomundo. A i<strong>de</strong>iaera que durante aestada <strong>de</strong> um mês se inspirassem noque tinham em redor e recolhessemmaterial para escrever um livro <strong>de</strong>ficção cujo tema seria “o amor”. Aocarioca João Paulo Cuenca (n. 1978) –<strong>de</strong> quem já conhecíamos “O DiaMastroiani” (Caminho, 2009) –calhou viajar para Tóquio. Oresultado, com o longo e estranhotítulo “O único final feliz para umahistória <strong>de</strong> amor é um aci<strong>de</strong>nte” (quesó por si é já uma i<strong>de</strong>ia narrativaprogramada), <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter obtidoalgum êxito no Brasil, foi agora por cápublicado.A acção da história (melhor, da teia<strong>de</strong> histórias) <strong>de</strong>corre,aparentemente, num futuropróximo, nesse “monstro iluminado”que é Tóquio, a cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> toda agente vai “para ser esquecida”, umacida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> até a sopa é anunciadaem néon, com prédios totalmenteocupados por salas <strong>de</strong> karaoke, <strong>de</strong>“vi<strong>de</strong>o games”, <strong>de</strong> “sex-shops”, <strong>de</strong>“fast-food” americano e <strong>de</strong>restaurantes <strong>de</strong> “yakitori”, e poron<strong>de</strong> <strong>de</strong>ambulam os mafiososcarecas da Yakusa e também algunsestrangeiros “perdidos como baratasdo mar sob o oceano <strong>de</strong> néon”. Atéaqui nada <strong>de</strong> novo.Foi na criação <strong>das</strong> personagens queCuenca aplicou o seu talento <strong>de</strong>transformar com aparente facilida<strong>de</strong>a matéria onírica em algo palpável, eusou a <strong>de</strong>streza narrativa para comelas construir uma teia fragmentada<strong>de</strong> histórias, mais ou menosamorosas, bastante singulares. Umdos narradores é Shunsuke, jovem <strong>de</strong>31 anos, filho do conhecido e velhopoeta Atsuo Lagosta Okuda, que viverecluso na sua “Sala do Periscópio”:um quarto repleto <strong>de</strong> monitores e <strong>de</strong>caixas <strong>de</strong> som on<strong>de</strong> são recebidos ossinais que chegam dos milhares <strong>de</strong>cabos <strong>das</strong> câmaras <strong>de</strong> filmar, dostelefones, e dos microfonesescondidos em quartos e em casas<strong>de</strong>-banhoum pouco por toda a urbe,num complexo sistema <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>ovigilância– tipo “Big Brother” –conhecido como “submarino”. Opoeta Okuda passa o tempo agarradoa Yoshiko, uma boneca que eleencomendou, trabalhada no maispequeno <strong>de</strong>talhe (e pela qual pagou“50 milhões <strong>de</strong> ienes”), pararespon<strong>de</strong>r a todos os caprichos dodono, e que guarda no vazio do corpoa urna com as cinzas daquela que foimulher <strong>de</strong> Okuda durante muitasdéca<strong>das</strong>; a boneca Yoshiko, paraalém <strong>de</strong> ser capaz <strong>de</strong> sentir ciúmes, étambém a narradora <strong>de</strong> algunscapítulos, é ela quem abre oromance: “não havia nada para seriluminado antes do Sr. Okuda abrir acaixa. Se o Sr. Okuda nunca houvesseaberto a caixa, nada existiria. Omundo só começou a partir domomento em que o Sr. Okuda abriu acaixa e disse a palavra. Ele disse:Yoshiko.”Shunsuke Okuda, o filho do poeta,habituou-se, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequeno, a olhare a ser invisível. Toda a sua vida estágravada pelas múltiplas câmaras queo seu pai mandava espalhar portodos os lugares. Um dia, conheceIulana Romiszowska, uma polaca <strong>de</strong>“voz noturna” que servia à mesa numbar <strong>de</strong> alterne. Apaixona-se por ela, epensa que a ama. Mas o pai, nãoper<strong>de</strong> tempo a avisá-lo: “Um dia vocêenten<strong>de</strong>rá que o único final felizpossível para uma história <strong>de</strong> amor éum aci<strong>de</strong>nte sem sobreviventes. Sim,Shunsuke, meu estorvinho, meupequeno fugu [peixe venenoso]idiota: um aci<strong>de</strong>nte semsobreviventes.”Iulana, por sua vez, estáapaixonada (ou <strong>de</strong>sconfia disso– pois “não é gran<strong>de</strong>conhecedora dos própriossentimentos”) s”) pela dançarinaKazumi, com quem divi<strong>de</strong> ocubículo em que vivem.E <strong>de</strong>scobre essesentimento um diaao olhar para opapel higiénicosujo <strong>de</strong>ixadopor Kazumi nasanita, nesse emomento “sente uma onda <strong>de</strong>ternura” a percorrer-lhe o corpo, “daponta dos <strong>de</strong>dos até à nuca”.João Paulo Cuenca correu o risco<strong>de</strong> se <strong>de</strong>ixar levar por clichés(nipónicos ou outros) mais ou menosfáceis, <strong>de</strong> entrar por fetichismos eartificialismos, mas com uma notávelclareza <strong>de</strong> escrita e imaginação,conseguiu passar-lhes bem ao largo.O aci<strong>de</strong>nte, anunciado pelo título,conhecemo-lo logo ao terceirocapítulo (que se repete no final com onúmero 30). A narrativa assimfragmentada ajudaCuenca afazer algumas perguntas, alevantar umasquantasquestões filosóficas, adivagar <strong>de</strong> vezem quandosobre um ou outro assuntomarginal. Masalgumasrespostas parecem terficado para umpróximo livro.João Paulo Cuenca correu o risco <strong>de</strong> se <strong>de</strong>ixarlevar por clichés (nipónicos ou outros), mascom uma notável clareza <strong>de</strong> escrita e imaginaçãoconseguiu passar-lhes bem ao largoPIÑEIRO NAGY E MIKRODUO«NO SILÊNCIO DA NOITE» - HOMENAGEM A ISAAC ALBÉNIZTrio <strong>de</strong> guitarra: PIÑEIRO NAGY, MIGUEL VIEIRA DA SILVA e PEDRO LUÍS.Obras <strong>de</strong> Alberto Colla, Joaquín Turina, Manuel <strong>de</strong> Falla, Enrique Granados,Manuel Durão, Astor Piazzolla e Isaac Albéniz.mecenas principalINFORMAÇÕES E RESERVAS: 213 585 244707 234 234 (TICKETLINE) | www.ticketline.sapo.ptBILHETES À VENDA: MUSEU DO ORIENTE, FNAC, WORTEN, LOJAS VIAGENS ABREU,BLISS, LIV. BULHOSA (Oeiras Parque e C. C. do Porto) e pontos MEGAREDE.mecenas dos espectáculosAv. Brasília, Doca <strong>de</strong> Alcântara (Norte) | 1350-352 <strong>Lisboa</strong> | Tel.: 213 585 200 | E-mail: info@foriente.pt | www.museudooriente.ptNELSON GARRIDOÍpsilon • Sexta-feira 18 Março 2011 • 43


OpiniãoPolítica culturalQuando a violência vem dos artistas eCéline foi já este ano excluído pelo Ministro da Cultura <strong>de</strong> França da lista dos autores a serem homenageacasa Dior. Acusados <strong>de</strong> anti-semitismo, os dois. O que está em causa nesta relação da arte com a violência?Louis-Férdinand Céline, um dos escritoresfundamentais da literatura francesa doséculo passado, foi já este ano excluídopelo Ministro da Cultura <strong>de</strong> França dalista dos autores a serem homenageados,e o costureiro John Galliano viu a sua“passagem” <strong>de</strong> moda ser cancelada na edição <strong>de</strong>steano da Moda Paris e foi <strong>de</strong>spedido da casa Dior paraa qual trabalhava. Ambos foram acusados <strong>de</strong> antisemitismoe <strong>de</strong> apelo à violência contra os ju<strong>de</strong>us.Estes dois episódios colocaram <strong>de</strong> novo em <strong>de</strong>bate arelação da arte com a violência, <strong>de</strong> algum modo uma<strong>das</strong> muitas associações, tantas vezes tida como tabu nashistórias <strong>das</strong> artes, na literatura, e em muitos aspectosda cultura contemporânea. E, contudo, esta relação tãoescamoteada é <strong>das</strong> relações mais antigas, mais tensionaise tantas vezes tão produtivas na História da Cultura.O que está, então, em causa nesta relação da artecom a violência? Não é com certeza o facto <strong>de</strong> as artestantas vezes se terem ocupado da violência, da morte,da tragédia: do poema <strong>de</strong> Gilgamesh ao filme “Blue”<strong>de</strong> Derek Jarman, da “Ilíada” <strong>de</strong> Homero à estatuáriacristã e a muitas <strong>das</strong> fotografias <strong>de</strong> Paulo Nozolino, da“Antígona” <strong>de</strong> Sófocles aos filmes dos irmãos Coen,são inúmeras as cenas e as representações <strong>de</strong> violêncianas mais diversas expressões. A Poética <strong>de</strong> Aristótelescria, como núcleo central da razão <strong>de</strong> ser do teatro,o exorcismo da violência, e a psicanálise está cheia<strong>de</strong> recomendações <strong>de</strong> como gerir a representação daviolência quer sobre o próprio, quer sobre os outros. Háaliás um pastiche <strong>de</strong> Umberto Eco em “Diário Mínimo”,simulação <strong>de</strong> um relatório <strong>de</strong> editor que analisa textoscandidatos a publicação. Quando lhe chega às mãos omanuscrito “<strong>de</strong> autores anónimos, a Bíblia”, o editorescreve que, tendo começado por gostar do texto,dado o facto <strong>de</strong> as primeirascentenas <strong>de</strong> páginas conteremmuita acção e terem tudo o queo leitor preten<strong>de</strong> <strong>de</strong> um livro <strong>de</strong>evasão – muito sexo, adultérios,sodomia, mortos, guerras,massacres, etc…- este acaba por o<strong>de</strong>cepcionar pela previsibilida<strong>de</strong>da narração, e conclui que, a serpublicado, o livro <strong>de</strong>verá ganharoutro título: “Os Desesperadosdo Mar Vermelho”. A paródiarevela bem como a violência estáassociada à história <strong>das</strong> artes,como ela lhe é indissociável,até porque da sua construçãonarrativa, mais ou menos perfeita,ou da sua expressão, resultaramsempre cânones <strong>de</strong> legitimação <strong>das</strong>mesmas enquanto obras literáriasou <strong>de</strong> arte. Contudo, estamosaqui a referir-nos ao plano darepresentação em que, apesar <strong>de</strong>tudo, é possível, necessário até,reivindicar a autonomia ontológicada arte. Não é isto que se passaquando o escritor Céline escrevetextos e toma posições públicasracistas, e Galliano vocifera contraos ju<strong>de</strong>us <strong>de</strong>sejando-lhes a morte.A estes exemplos po<strong>de</strong>r-se-iamjuntar outros: o artista da CostaRica, Guillermo Habacuc Vargas,recentemente expôs um cão rafeirofaminto numa galeria <strong>de</strong> arte.Vargas encarcerou o cão preso naexposição atando-o com uma curtacorda. Ninguém alimentou ou <strong>de</strong>u água ao cão quemorreu durante a exposição.Com o pretexto <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar o cinismo ou ooportunismo <strong>de</strong> muitas ONGs a trabalharem emÁfrica, bem como organizações que se afirmam comohumanitárias, o documentarista holandês Renzo Martensrealizou “Enjoy Poverty”. É um filme que exibe pessoasAntónio Pinto RibeiroNenhum relativismoartístico justificaqualquer violênciasobre outro, homemou animal. Para osque consi<strong>de</strong>ram queentre a pessoa e oautor, e mesmo entreo autor e o seuheterónimo, haveráum espaço <strong>de</strong><strong>de</strong>sresponsabilização,é oportunoafirmar que odireito <strong>de</strong> autor, <strong>de</strong>facto, não<strong>de</strong>sresponsabilizanem diferencia oautor da pessoaGONZALO FUENTES/REUTERS46 • Sexta-feira 18 Março 2011 • Ípsilon


e dos escritoresdos; o costureiro John Galliano foi <strong>de</strong>spedido daGONZALO FUENTES/REUTERSA exclusão <strong>de</strong>Louis-FérdinandCéline, peloMinistro daCultura <strong>de</strong>França, dalista dosautores aseremhomenageados,e o<strong>de</strong>spedimento<strong>de</strong> JohnGalliano dacasa Diorcolocaram <strong>de</strong>novo em<strong>de</strong>bate arelação daarte com aviolênciavivendo nas mais indignas condições <strong>de</strong> salubrida<strong>de</strong>,expostas na sua pobreza, na sua nu<strong>de</strong>z, filma<strong>das</strong> comosuposta prova do oportunismo <strong>das</strong> tais ONGs. Sãopessoas que nesta situação são instrumentaliza<strong>das</strong> eporventura, dada a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenientes, nunca<strong>de</strong>ram autorização para serem filma<strong>das</strong> e expostas, eas suas imagens difundi<strong>das</strong> nessa enorme fragilida<strong>de</strong>que tanto as humilha. Há muitos outros modos <strong>de</strong><strong>de</strong>núncia <strong>das</strong> possíveis atitu<strong>de</strong>s cínicas ou oportunistas<strong>de</strong> possíveis ONGs, sobretudo numa época <strong>de</strong> acessoa uma globalização da informação. Não seria esta asituação dos anos <strong>de</strong> chumbo sob a ditadura brasileiraem que o artista brasileiro Cildo Meireles, em 1970, emBelo Horizonte, no contexto <strong>de</strong> uma exposição <strong>de</strong> acçõescolectivas, queimou galinhas vivas em homenagem aosacrifício <strong>de</strong> Tira<strong>de</strong>ntes, totem-monumento ao presopolítico. Mesmo em “anos <strong>de</strong> chumbo”, em que aurgência da revolta e da insubordinação <strong>de</strong>veria seractuante, esta acção executava um acto <strong>de</strong> barbáriecontra animais e publicitava o mesmo acto. Conscientedisso, não é com certeza por acaso que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então,Cildo Meireles se remeteu a um total silêncio sobreesta acção. Muitos dos que advogam que os actos<strong>de</strong>stes artistas se po<strong>de</strong>m legitimar pela autonomia<strong>das</strong> artes, incorrem na falácia <strong>de</strong> que não estamos facea uma representação da violência ou da morte masface à execução não ficcionada <strong>das</strong> mesmas. Acresceainda que o que permitiu a inclusão <strong>de</strong>stas acções, doshappenings e <strong>das</strong> performances no contexto da artefoi exactamente o facto <strong>de</strong> esta ter saído do regime <strong>de</strong>autonomia para se contagiar do quotidiano e da vida,<strong>de</strong> acabar com a esteticização anestesiante da arte,para ligar a arte à vida, como dizem todos os textosextraordinários <strong>de</strong> Allan Kaprov. Tais atitu<strong>de</strong>s, quesão in<strong>de</strong>fensáveis no plano ético, são-no também noplano do Direito. Nenhum relativismo artístico justificaqualquer violência sobre outro, homem ou animal.Para os que consi<strong>de</strong>ram que entre a pessoa e o autor,e mesmo entre o autor e o seu heterónimo, haverá umespaço <strong>de</strong> <strong>de</strong>sresponsabilização, é oportuno afirmarque o direito <strong>de</strong> autor, <strong>de</strong> facto, não <strong>de</strong>sresponsabilizanem diferencia o autor da pessoa. A confirmá-lo estãoos direitos <strong>de</strong> carácter patrimonial, do reconhecimentodo direito <strong>de</strong> autor e o direito sobre a paternida<strong>de</strong> daobra. Em to<strong>das</strong> estas situações: autor e criador, artista ecriador, e pseudónimo e criador, gozam do usufruto dai<strong>de</strong>ntificação inequívoca.Ípsilon • Sexta-feira 18 Março 2011 • 47

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