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A violência na relação mãe-filha - Laboratório de Psicopatologia ...

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1Mesa-redonda: VIOLÊNCIA E PODER: REPERCUSSÕES NO FEMININOCoor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção: Profa. Dra. Rita Maria Manso <strong>de</strong> BarrosA <strong>violência</strong> <strong>na</strong> <strong>relação</strong> <strong>mãe</strong>-<strong>filha</strong>Marlise Eugenie D´Icarahy 1Rita Maria Manso <strong>de</strong> Barros 2Resumo: Segundo Geneviève Morel, 2007, o sujeito, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da estruturaclínica, para se separar da ‘lei da <strong>mãe</strong>’, só o faz ao preço <strong>de</strong> uma patologia que lhe émuito custosa. Relevando que para Freud existem conseqüências psíquicas específicas<strong>de</strong>correntes da diferença sexual a<strong>na</strong>tômica, <strong>na</strong> qual a meni<strong>na</strong> faz um esforço maior pararedirecio<strong>na</strong>r sua libido do primeiro objeto <strong>de</strong> amor, a <strong>mãe</strong>, para o pai, parece estarmoslidando, <strong>na</strong> <strong>relação</strong> <strong>mãe</strong>-<strong>filha</strong>, com um campo mi<strong>na</strong>do. Ele observa também que aintensida<strong>de</strong> da ambivalência <strong>de</strong> amor e ódio sem limites entre <strong>mãe</strong> e <strong>filha</strong> é a regra noinicio da vida libidi<strong>na</strong>l.Marie-Mag<strong>de</strong>leine Lessa<strong>na</strong> [1998] ressalta a proximida<strong>de</strong> semântica, <strong>na</strong> línguafrancesa <strong>de</strong> ravage, <strong>de</strong>vastação, <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> ravissement, êxtase; e ravir, estragar com<strong>violência</strong>. Consi<strong>de</strong>rando que para Freud, a fantasia é o que constitui a realida<strong>de</strong>psíquica <strong>na</strong> neurose e <strong>na</strong> perversão, os casos <strong>de</strong> <strong>violência</strong> e abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r entre <strong>mãe</strong> e<strong>filha</strong>, <strong>de</strong> Camille Clau<strong>de</strong>l, Marlene Dietrich e da madrasta Nardone, relançam a questão<strong>de</strong> relacio<strong>na</strong>r fantasia e <strong>de</strong>vastação.Palavras-chave: Violência, <strong>de</strong>vastação, <strong>relação</strong> <strong>mãe</strong>-<strong>filha</strong>, feminilida<strong>de</strong>, ambivalência.1Psica<strong>na</strong>lista. Historiadora. Mestranda do Programa <strong>de</strong> Psicanálise da UERJ.2Psica<strong>na</strong>lista. Professora Adjunta do Programa <strong>de</strong> Psicanálise da UERJ.


2Mãe esfaqueia <strong>filha</strong> <strong>de</strong> 3 anos em MG.(globomi<strong>na</strong>s.com 21-7-2008)Mãe confessa à polícia ter atirado <strong>filha</strong> do sexto andar.(globo.com, 2-7-2008)Meni<strong>na</strong> <strong>de</strong> 2 anos morre após ser espancada no Paraná. (globo.com4-7-2008) Delegada responsável acredita que <strong>mãe</strong> e padrasto agiram emconjuntoPresa mulher acusada <strong>de</strong> torturar <strong>filha</strong> adotiva.Os policiais que entraramno apartamento teriam encontrado a criança presa em uma escada semconseguir tocar os pés no chão. Além <strong>de</strong> um quadro agudo <strong>de</strong> <strong>de</strong>snutrição,os principais ferimentos no corpo, que foram levantadas são lesões <strong>na</strong>sunhas das mãos que, segundo L.R.S., surgiram após levar marteladas nos<strong>de</strong>dos; ferimentos <strong>na</strong> língua, com perda <strong>de</strong> substância, causadas por cortescom alicate; queimadura <strong>na</strong>s ná<strong>de</strong>gas e no tronco. (Estado <strong>de</strong> São PauloMarço 17, 2008).Os casos drásticos <strong>de</strong> <strong>violência</strong> e abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r entre <strong>mãe</strong> e <strong>filha</strong> como osacima, assim como o da suposta assassi<strong>na</strong> Nardone, <strong>de</strong> Marlene Dietrich ou <strong>de</strong> CamilleClau<strong>de</strong>l, reascen<strong>de</strong>m a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudar a fantasia perversa, tal como proposta porFreud no texto ‘Bate-se numa criança’,1919, e o conceito <strong>de</strong> ‘<strong>de</strong>vastação’, termo queLacan cunhou a <strong>relação</strong> <strong>mãe</strong>-<strong>filha</strong>.A psica<strong>na</strong>lista Marie-Mag<strong>de</strong>leine Lessa<strong>na</strong>,1998, ressalta a proximida<strong>de</strong>semântica, <strong>na</strong> Língua francesa <strong>de</strong> ravage, <strong>de</strong>vastação, <strong>de</strong> ravissement, êxtase; e ravir,estragar com <strong>violência</strong>. Freud escreveu sobre a intensida<strong>de</strong> do amor/ ódio sem limitesentre <strong>mãe</strong> e <strong>filha</strong> e <strong>de</strong> como a ambivalência é a regra no inicio da vida libidi<strong>na</strong>l: “éimpossível sentir gran<strong>de</strong> amor por uma pessoa sem que esse amor seja acompanhado por umódio talvez igualmente gran<strong>de</strong> ou vice-versa” (FREUD, 1931/1982: 242).De acordo com Freud, existem conseqüências psíquicas específicas, <strong>de</strong>correntesda diferença sexual a<strong>na</strong>tômica, a a<strong>na</strong>tomia seria o <strong>de</strong>stino, uma vez que a meni<strong>na</strong> játraria, no corpo a inscrição da castração e o menino sentiria ape<strong>na</strong>s a sua ameaça.Freud, apesar <strong>de</strong> encerrar a conferência Feminilida<strong>de</strong>,1932, afirmando que asexualida<strong>de</strong> femini<strong>na</strong> permanece obscura, uma reveladora <strong>de</strong>scoberta: “<strong>na</strong> pré-históriadas meni<strong>na</strong>s [...] o sedutor é regularmente a <strong>mãe</strong>”(FREUD, 1933-32/1982: 120).


3Para a constituição do sujeito é sine qua non que alguém, a quem Lacan<strong>de</strong>signou <strong>de</strong> função mater<strong>na</strong>, invista libidi<strong>na</strong>lmente o corpo da criança, através <strong>de</strong>significantes que se inscrevem <strong>na</strong>s bordas <strong>de</strong> seus orifícios. A ‘<strong>mãe</strong>’ registra <strong>na</strong> carneda criança, pelos cuidados higiênicos, significantes que a seduzem para a vida e, comosedução, são da or<strong>de</strong>m do trauma. A linguagem, também chamada por Lacan <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>Outro, dirigida à criança, goteja significantes que transformam sua carne num corpopróprio erógeno.Freud, no artigo meta-psicológico ‘Mais Além do Principio do Prazer’ (1921),anunciou sua última divisão pulsio<strong>na</strong>l: pulsão <strong>de</strong> vida e pulsão <strong>de</strong> morte. De acordocom o novo dualismo, a pulsão <strong>de</strong> autoconservação passou a fazer parte da pulsãosexual, e a ser <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>da pulsão <strong>de</strong> vida. É ela quem faz laço com os objetos que alibido elege, inclusive com o eu, que o sujeito precisa tomar como objeto parasobreviver à pulsão <strong>de</strong> morte, que sendo mais primitiva que Eros, permanece atuando,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros dias <strong>de</strong> <strong>na</strong>scimento até o fi<strong>na</strong>l da vida.Ferenczi, psica<strong>na</strong>lista e pediatra, confirmou clinicamente o que Freud<strong>de</strong>scobrira. Em ‘A criança mal acolhida e sua pulsão <strong>de</strong> morte’, 1929, ele observa comoa inscrição da criança no <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> um outro é crucial para a constituição do <strong>na</strong>rcisismoprimário que protege a criança da “tendência para a auto<strong>de</strong>struição” (FERENCZI, 1992:48). Trata-se, portanto, da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> receber um lugar no <strong>de</strong>sejo do Outro, paraque o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> viver do bebê se torne maior que a atração exercida pela pulsão <strong>de</strong>morte.Fala-se do bebê antes mesmo <strong>de</strong> seu <strong>na</strong>scimento, por isso, o <strong>de</strong>sejo se constróitendo suas raízes <strong>na</strong> primeira lei ao qual se é assujeitados, <strong>na</strong> língua <strong>mãe</strong>. É nessebanho <strong>de</strong> linguagem que os pais transmitem, num discurso inconsciente, a escritura <strong>de</strong>seu <strong>de</strong>sejo. O objeto que a criança é, ou foi, para seus pais, ele não terá acesso, mas


5O objeto a é o que causa o <strong>de</strong>sejo pelo falo, representa a falta estrutural quemotiva sua busca incessante. É o produto do afunilamento do empuxo ao gozomortífero da pulsão, que passa a ser filtrado por uma Lei, <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>da Nome-do-Pai, queinstitui um objeto proibido. Esse objeto proibido é, portanto, uma construção mítica <strong>de</strong>apreensão do objeto impossível. E a <strong>mãe</strong>, aqui citada, será, portanto, o primeirorepresentante do gran<strong>de</strong> Outro. Ela apresenta-se, para todo sujeito, como o primeirorepresentante proibido, pela lei do incesto, do objeto que <strong>de</strong> fato é inexistenteestruturalmente e, por isso, impossível.O percurso da submissão absoluta à lei da <strong>mãe</strong> até a interdição operada peloNome-do-pai, sintoma separador do incesto, correspon<strong>de</strong> à passagem da posição <strong>de</strong>objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo da <strong>mãe</strong> à <strong>de</strong> objeto causa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo, em sua própria fantasiafundamental. Freud não trabalha com o conceito <strong>de</strong> fantasia fundamental, que é umtermo lacaniano, ele utiliza fantasias originárias (Urphantasien) que dizem respeito aopatrimônio universal <strong>de</strong> fantasias compartilhadas. Lacan tomando a fantasia freudia<strong>na</strong>,‘Bate-se numa criança’, propôs a fantasia fundamental que indica, <strong>na</strong> neurose e <strong>na</strong>perversão, o ponto mais sintético <strong>de</strong> gozo <strong>de</strong> um sujeito, a partir do qual uma repetiçãorege como uma lei à articulação entre a sua falta estrutural e o seu objeto causa <strong>de</strong><strong>de</strong>sejo.Na investigação que a criança faz dos porquês das coisas, Lacan afirma que acriança se empenha em saber qual é o <strong>de</strong>sejo do outro. E, é a sua interpretação <strong>de</strong>sse<strong>de</strong>sejo do Outro, que constitui a fantasia, fazendo <strong>na</strong>scer, concomitantemente, umsujeito e um objeto, $ * a. Sujeito dividido e objeto se constituem, <strong>na</strong> fantasia, comoposições separadas e antônimas, mas que constituem uma mesma realida<strong>de</strong> psíquica.No artigo ‘R, S, I’, Lacan afirma que a criança está como causa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo da<strong>mãe</strong>, e localiza a inscrição do proto-sujeito no lugar <strong>de</strong> objeto, <strong>na</strong> fantasia <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo da


6<strong>mãe</strong>. Esse proto-sujeito, estando inscrito <strong>na</strong> fantasia perversa <strong>de</strong> sua <strong>mãe</strong> como objetocausa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo, seria, então, sujeito <strong>de</strong> gozo, sujeito por advir.Alguns traços do gozo materno, da lei da <strong>mãe</strong>, constituem a fantasiafundamental, que é uma interpretação daquilo que o sujeito supõe a ela faltar, para lhooferecer. A fantasia se constitui, portanto, com significantes oriundos da lei da <strong>mãe</strong>,mas pressupõe necessariamente, que o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>la se apresente como uma incógnita,para o qual o sujeito constrói uma resposta. O que quer o Outro <strong>de</strong> mim? Che vuoi?A metáfora pater<strong>na</strong>, por dividir a mulher em <strong>mãe</strong> e mulher, permite a criança,por sua vez, também se dividir em objeto do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> sua <strong>mãe</strong> e em sujeito <strong>de</strong>sejante,i<strong>de</strong>ntificado com aquilo que supõe ser o objeto para o qual sua <strong>mãe</strong> se dirige, aquele quepossui o falo. Salvo da posição <strong>de</strong> objeto <strong>de</strong> gozo do Outro pela brecha através do qualo <strong>de</strong>sejo materno lança um enigma, o sujeito fantasia que o que completaria a <strong>mãe</strong> seriauma <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da ce<strong>na</strong> masoquista. Na fórmula proposta pelo psica<strong>na</strong>lista B. Nominé(cadê a referência?):homem mulher / <strong>mãe</strong> criança_______ _______ ____ ______$ a $ aÉ nesse momento que a fantasia fundamental se constitui, tirando o sujeito dolugar <strong>de</strong> objeto <strong>de</strong> gozo e <strong>de</strong>sejo da <strong>mãe</strong>, e projetando-o numa posição <strong>de</strong>sejante, emasculi<strong>na</strong>, já que, segundo Freud, a libido é sempre masculi<strong>na</strong>. O sujeito <strong>de</strong> gozo, umavez barrado pelo Nome-do-Pai, passa a respon<strong>de</strong>r ao enigma do <strong>de</strong>sejo materno comuma ce<strong>na</strong>, uma imagem, em que significantes <strong>de</strong> uma frase copulam, fazendo existir oque não há: <strong>relação</strong> sexual entre objeto e sujeito. De acordo com Jorge (2006), afantasia transforma pulsão <strong>de</strong> morte em Eros, articula o sem sentido com o simbólico doamor, e a pulsão com o inconsciente. Além disso, visando resgatar a completu<strong>de</strong>


7perdida, a fantasia costura sexualida<strong>de</strong> com linguagem através <strong>de</strong> uma frase, estruturalpara o sujeito.Freud apresentou a estrutura da fantasia <strong>de</strong> espancamento, que lhe havia sido<strong>na</strong>rrada por alguns pacientes, no texto ‘Bate-se numa criança’, da qual ele distinguiutrês fases. Na primeira fase, os pacientes relatavam terem tido uma fantasia em queseus pais espancavam uma criança. Na terceira fase, contavam que uma criançaqualquer era espancada por um adulto, também qualquer, mas que essa fantasia passoua estar associada a uma excitação sexual e à masturbação. Para o autor, a segunda faseda fantasia é a mais importante e não é nunca recordada só po<strong>de</strong> ser construída emanálise. Ele nos adverte que as fantasias <strong>de</strong> espancamento são o resultado <strong>de</strong>formado erecalcado do conflito inerente ao complexo parental muito precoce e que sofre muitasmodificações.O psica<strong>na</strong>lista observa existir uma semelhança entre o fantasiar no adulto e obrincar <strong>na</strong> criança, mas observa que, no primeiro, culpa e vergonha presentificam-se,ligadas, sobretudo, ao conteúdo incestuoso <strong>de</strong>ssa fantasia, mais do que a ativida<strong>de</strong>masturbatória, em si, a ela associada.Com a apropriação feita por Lacan da fantasia ‘Bate-se numa criança’, paraconstruir a fantasia fundamental, observa-se que o período <strong>de</strong> fixação privilegiado pelosujeito <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>rá o verbo da frase, que será sempre uma resposta ao enigma que acastração do Outro lhe impõe. Há um verbo que con<strong>de</strong>nsa a “função do significante quecapta on<strong>de</strong> o sujeito se subordi<strong>na</strong> a ele, a ponto <strong>de</strong> por ele ser subor<strong>na</strong>do” (LACAN,1998: 599). Como a sexualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> acordo com Freud, é sempre infantil, o sujeitorespon<strong>de</strong> ao <strong>de</strong>sejo do Outro com uma frase que <strong>de</strong>smente a castração do Outro.Desmente oferecendo-se como objeto a ‘ser <strong>de</strong>vorado’ {‘uma criança é <strong>de</strong>vorada’}, se afase oral for a privilegiada em sua constituição; a ‘ser espancado’, {‘uma criança é


8espancada’}, se for a a<strong>na</strong>l; a ´ser castrado´, {‘uma criança é castrada’}, se for a fálica; ea ´ser copulado´, {‘uma criança é copulada’} se for a genital.Menino e meni<strong>na</strong> têm a <strong>mãe</strong> como seu primeiro objeto <strong>de</strong> amor e <strong>de</strong>sejo. Noentanto, a meni<strong>na</strong>, ao perceber a diferença sexual e constatar que algo lhe falta, afastaseda <strong>mãe</strong>, com ódio, entra, assim, no Complexo <strong>de</strong> Édipo, passando a tomar o pai comoobjeto <strong>de</strong> amor e <strong>de</strong>sejo. Essa mudança <strong>de</strong> objeto se dá acompanhada <strong>de</strong> intensaagressivida<strong>de</strong> para com a <strong>mãe</strong>, já que fora ela quem lhe proporcio<strong>na</strong>ra os primeirosprazeres com a higiene corporal e <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong> modo geral, é a responsável pelarepreensão à masturbação infantil. Já o menino, que também vive situação semelhante,atravessa o complexo <strong>de</strong> Édipo, dirigindo sua agressivida<strong>de</strong> ao pai e en<strong>de</strong>reçando à <strong>mãe</strong>seus sentimentos ternos.Diante da diferença sexual, a meni<strong>na</strong> se vê diante <strong>de</strong> três caminhos psíquicos:abandono da ativida<strong>de</strong> sexual; complexo <strong>de</strong> masculinida<strong>de</strong>; e, feminilida<strong>de</strong>. Freudafirma que a feminilida<strong>de</strong> é a saída mais trabalhosa, porque exige muitos movimentospsíquicos. Primeiro, dirige toda a sua fúria contra a <strong>mãe</strong> e reorienta seu interesse ao pai,pois crê que ele po<strong>de</strong>rá restituir-lhe o falo perdido. Como o pai também não po<strong>de</strong> lhedar o falo, a meni<strong>na</strong> precisa fazer novo trabalho psíquico, dirigindo-se, quando adulta, aoutro homem para que ele lhe dê um substituto fálico, um filho, a <strong>relação</strong> que é a maislivre <strong>de</strong> ambivalência. No entanto, quando a mulher tem uma <strong>filha</strong>, ela revive seuscomplexos mais antigos que persistem apesar <strong>de</strong> permanecerem sob um po<strong>de</strong>rosorecalque.Feminilida<strong>de</strong> tem significações distintas para Freud e para Lacan. Se, para Freud,ela correspon<strong>de</strong> `a solicitação que a mulher faz a um homem <strong>de</strong> receber um falo, <strong>de</strong> quea faça <strong>mãe</strong>; para Lacan, posição femini<strong>na</strong>, diz respeito ao lugar <strong>de</strong> alguém que, <strong>na</strong>partilha dos sexos, se colocou <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> falo e que se acopla à fantasia <strong>de</strong> seu


9parceiro, sendo, no que tange à fantasia <strong>de</strong>sse, seu objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo e <strong>de</strong> gozo, seusintoma. Lacan propõe pensar o feminino, não pela localização a<strong>na</strong>tômica do gozosexual que, por estar enredada <strong>na</strong> libido, é sempre masculi<strong>na</strong>, mas a partir da lógica doter e do ser fálico.Uma vez que a a<strong>na</strong>tomia da mulher não tem o suporte imaginário do falo, opênis, ela localiza a sua falta ser, que é característico <strong>de</strong> todo ser humano mergulhado<strong>na</strong> Linguagem, no órgão que lhe falta. Ela se empenha, então, em ser o falo para umhomem, se engendrando <strong>na</strong> falta ser daquele que tem a posse do órgão viril, e tor<strong>na</strong>ndosefalo para ele. Segundo o psica<strong>na</strong>lista francês, a mulher que se situa <strong>na</strong> posiçãofemini<strong>na</strong> está submetida à Lei da norma fálica, que proíbe o incesto, mas não-todasubmetida. Da posição femini<strong>na</strong>, a mulher po<strong>de</strong> ser arrebatada da referência fálica earremessada num gozo Outro, mortífero, feminino.Maria Rita Kehl, citandoLacan, no Seminário 7, afirma: “Para a mulher, nenhum pai nunca é[...]bastante pararemeter a <strong>mãe</strong> aos porões da pré-história” (KEHL, 1992: 273). Sendo a ligação damulher com a <strong>mãe</strong> um campo mi<strong>na</strong>do para sempre, a <strong>relação</strong> com sua <strong>filha</strong> a colocadiante <strong>de</strong> um material recalcado e, <strong>de</strong>sconhecido <strong>de</strong>la própria que diz respeito ao “temor<strong>de</strong> ser morta pela <strong>mãe</strong>” (FREUD, 1931/1982: 245).Reviver a ambivalência recalcada da <strong>relação</strong> <strong>mãe</strong>-<strong>filha</strong>, invertendo a posição <strong>de</strong>impotência <strong>de</strong> outrora, pela <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, po<strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar, <strong>na</strong> mulher, reações inimagináveis<strong>de</strong> <strong>violência</strong>. Como todo gozo, o gozo feminino precisa ter alguma barra que limite àpulsão <strong>de</strong> morte. Barra que tanto po<strong>de</strong> ser o gozo sexual, referido à fantasiafundamental, como o gozo dos sentidos, através do qual pela fala algo da pulsão <strong>de</strong>morte po<strong>de</strong> ser esvaziado. Assim, “não <strong>de</strong>vemos <strong>de</strong>sprezar o fato <strong>de</strong> os primeiros impulsoslibidi<strong>na</strong>is possuírem uma intensida<strong>de</strong> que lhes é própria, superior a qualquer outra que surja<strong>de</strong>pois, e que po<strong>de</strong> ser verda<strong>de</strong>iramente chamada <strong>de</strong> incomensurável (FREUD, data: 234).


10Seria o germe da <strong>de</strong>vastação, <strong>na</strong> <strong>relação</strong> <strong>mãe</strong>-<strong>filha</strong>, o retorno da intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sseprimeiro amor, sem limites, o que recolocaria a mulher diante da primitiva pulsão <strong>de</strong>morte, sem a mediação eficiente do Nome-do-Pai?REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASEXEMPLO:FREUD, S. Estudos sobre a histeria. Casos clínicos: Sra. Emmy von N. (1889). In:Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas <strong>de</strong> Sigmund Freud, Vol.II. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago, 1996, p. inicial- p. fi<strong>na</strong>l.

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