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Freud hoje - Cebrap

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LETRAS E ARTEStodo o projeto intelectual que atravessaeste livro, e que tem como um de seusnúcleos sensíveis o complexo de questõeshumanas, éticas e estéticas, desencadeadopelo evento histórico que mais marcou oséculo passado: a Shoá, o genocídio demilhões de judeus nos campos de extermínionazistas.O livro coloca-se, então, por uma éticada memória – e este também poderia serum subtítulo fiel à reflexão que pacientementese estrutura neste livro, que afinaltambém tem sua dimensão autobiográfica,já que a família da mãe do autor foi obrigadaa deixar sua cômoda vida burguesaem Berlim para buscar uma vida possívelno exílio brasileiro, na década de 30.Esta vivência familiar é, entre outros, odesencadeador de uma busca intelectual,através da qual o autor põe em prática deforma eficaz o difícil diálogo judaicoalemão– talvez só possível, ou pelomenos, possível de modo crítico, menosapaixonado, fora da Alemanha. O imperativode descrever o indescritível, pois deuma abjeção impensável, intraduzível empalavras, se impõe a partir da necessidadede sobreviventes darem seu testemunhodo Genocídio (e todos os demais genocídiosda história do século 20, bem comodos assassinatos políticos perpetrados porditaduras latino-americanas). Dar testemunhoé uma necessidade imperiosa –mas, simultaneamente, uma impossibilidade,pois em sua dimensão terrificante,repulsiva e sinistra, os eventos ultrapassamos limites do representável. Aliteratura de testemunho – novo gêneroliterário por força própria? – radicaliza oquestionamento das fronteiras entre reale ficcional e o próprio estatuto da literaturaem si, evidenciando as intrincadasrelações entre a dimensão ética e estéticada obra literária.O leitor poderá acompanhar osmeandros complexos dessas relações aoseguir as reflexões de Seligmann-Silvasobre a obra de Binjamin Wilkomirski,suíço que se fez passar por sobreviventede Auschwitz, e obteve sucesso no panoramaliterário e cultural internacionalcom suas falsas memórias, e em váriosoutros ensaios que tematizam os efeitostraumáticos de catástrofes coletivas (e demodo paradigmático, a Shoá) sobre a vidasocial, a arte e o pensamento. Ao perseguiras origens e desdobramentos históricosde conceitos como o sublime e o abjeto, osinistro (o Unheimlich, em termosfreudianos), o trauma, o autor realiza umaverdadeira empresa arqueológica, trazendoà luz os lados mais sombrios e maisambíguos de nossa humanidade, assimcomo eles se manifestaram historicamentena arte, na literatura e nopensamento ocidental.Ao longo de todo o livro, afirma-se umacrise da representação, constituída comoculminância de uma série de tensões queacompanham a história da arte e da literaturano Ocidente. Mais do que historiarfatos e conceitos de maneira arquivística(embora o volume de informações sejaenorme), o livro explicita e problematizaas formas tradicionais de pensar o real ede representá-lo. Nesse sentido, ganha particularrelevo um processo fundamental,presente em toda forma de representação:a tradução. É a tradução o operador deO trabalho da memóriaque dá sustento a todo oprojeto intelectual queatravessa este livro temcomo um de seusnúcleos sensíveis ocomplexo de questõeshumanas, éticas eestéticas, desencadeadopela Shoápassagens entre as polaridades que o autoranuncia, para imediatamente relativizar edissolver no movimento da reflexão.Entre passado e presente, entre próprio,nacional e estrangeiro, entre imagem epalavra, entre eu e o outro, entre essênciae fenômeno, os segundos termos ressignificame problematizam os primeiros,num movimento espiralado em que asambigüidades, antinomias, contradições,Márcio Seligmann-Silva: “Crise darepresentação atinge o paroxismoante o imperativo de narrar o inenarrável,isto é, a abjeção dos genocídios”paradoxos e aporias são apresentados semque a reflexão os resolva num movimentounificador; antes, eles são como quepotencializados e sintetizados na figuraexemplar do double bind, do duplovínculo, aquela situação em que umprocesso se afirma como simultaneamenteimpossível e necessário.A tarefa do escritor/tradutor, do artistae também do crítico é <strong>hoje</strong> mais do quenunca marcada por um duplo vínculo. Ounós o aceitamos, e procuramos atender aoimperativo de narrar o inenarrável (e, nolimite, uma resenha crítica é sempre oproduto desse impulso, pois nadasubstitui a leitura direta do livro resenhado),ou nos abandonamos ao silêncio.Também ao leitor caberá fazer a suaescolha no diálogo aberto por este livrocomplexo e fascinante. Susana Kampf Lages é professora delíngua e literatura alemã na UniversidadeFederal FluminenseO local da diferença. Ensaios sobrememória, arte, literatura e traduçãoMárcio Seligmann-SilvaEditora 34, 2005. 547 p.R$ 46,00Sergio MeklerRevista 18 49

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