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Freud hoje - Cebrap

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LETRAS E ARTESPara ler PAUL CELANAntologia Hausto-Cristal, comentada pelo filósofo Hans-Georg Gadamer, chega ao leitor de línguaportuguesa e propõe seu emaranhado de significados como objeto de diálogo. Por Moacir AmâncioQuem sou eu, quem és tu?, livrorecém-lançado pela editora daUniversidade Estadual do Rio deJaneiro, reúne os ensaios que o filósofoHans-Georg Gadamer escreveu sobre asérie de poemas Hausto-Cristal, de PaulCelan. O livro, que traz também ospoemas, chega ao leitor brasileiro emtradução criteriosa e sensível de RaquelAbi-Sâmara. Neste volume aparentementedespretensioso encontra-se umesplêndido curso sobre como ler poesiana contemporaneidade. Sobretudo tendoem mente a complicada frase feita deAdorno segundo a qual, depois da Shoá,não se pode mais escrever poemas. Fazê-loseria um ato de “barbárie”. A realidadedesmente a frase, mas só em parte. Porquefalta a ela o seguinte complemento: não sepode mais escrever poemas como antes daShoá. De igual modo, se o registro da escritamudou, também a leitura muda. Ela se tornaum desafio radical, como vem propostanos poemas de Celan aqui comentados.Em Quem sou eu, quem és tu, encontramseuma série de poemas breves, de exteriorimpenetrável, e que colocam em xequetanto o leitor quanto as fórmulas literáriastradicionais. Ao mesmo tempo,cada um dos poemas revela uma fortecomoção e é através desta que se estabeleceo vínculo entre leitor e texto. Ospoemas não estão aí para serem decifradoscomo relojoaria, mas para seremcaptados por meio de sutilezas e obscuridades.É a isso que se propôs o críticoalemão, ao levar os 21 poemas da sériepara uma viagem de relaxamento,disposto a lê-los de maneira descondicionada,em busca da sintonia mais íntimacom cada palavra escrita por Celan.Observe-se, o texto enigmático contemporâneoé muito diferente do texto difícilde Góngora, conforme o exemplo dadopor Octavio Paz em um de seus ensaios.Em Góngora, o poema é complicado e ouso de chaves específicas permite a suacompreensão cristalina. Já na poesia atual,o texto revela-se enigmático. De um lado,sabe-se, Celan vinculou-se por algumtempo ao surrealismo, escola anti-escolaNeste volumeaparentemente despretensiosoencontra-se umesplêndido curso sobrecomo ler poesia nacontemporaneidade.Sobretudo tendo emmente a complicadafrase feita de Adornosegundo a qual, depoisda Shoá, não se podemais escrever poemasque se propunha a expor o que permaneciaoculto pelas receitas totalitárias da estéticatradicional. A convulsão no lugar datécnica e do racionalismo constrangedor,que teve como resultado máximo a Shoá.Daí o horror das imagens surrealistas. Omesmo se vê em Picasso: Guernica nãopode ser uma obra fácil e muito menosbonita. Ela é o avesso da estética “apolínea”.E propõe ao espectador uma decifraçãotambém emocional.Algo parecido ocorre com os poemasde Celan, que exigem, antes de mais nada,uma aproximação livre e desarmada. Odesafio foi aceito com plenitude porGadamer, erudito que soube perceber acondição primeira para tratar esses textos.Não se trata de descartar a erudição, algode resto impossível, mas de permitir queela seja trabalhada pela experiência dalinguagem do poeta – uma entrega àpoesia e não uma tomada da poesia. Esta,na opinião do crítico-filósofo, por sua veznão pretende se colocar como seletiva,poesia feita para alguns intelectuais, maspara essa entidade vaga e ampla chamadaleitor. Nesse sentido evidencia-se um dosconteúdos políticos dos escritos. Comopolítica é a atitude que o leitor deveadotar diante deles: em vez de pretenderdominar a matéria que lhe é dada,dialogar com ela, na aceitação do outro,sob o signo da interrogação do título.Quem sou eu, quem és tu? É o diálogo e, aomesmo tempo, o monólogo proposto pelopoeta e que o crítico procura explicitarcom a devida humildade e atenção. Oleitor profissional pode desse modoencontrar-se com o chamado leitorcomum, desde que ambos estejammunidos de certa ardente paciência, pois,como diz Gadamer: “Quem deseja compreendere decifrar a lírica hermética nãopode, certamente, ser um leitor apressado.Mas não precisa, por outro lado, ser umleitor erudito ou especialmente instruído:deve ser um leitor empenhado emcontinuar ouvindo”.Quer dizer, em vez da solução pronta,de pacote, torna-se necessário o convívioconstante e despreocupado com as46 Revista 18

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