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Freud hoje - Cebrap

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LETRAS E ARTESFranz Kafka,leitor da realidadeconcreta?Marcelo LernerEnrique Mandelbaum discute ensaios de Michael Löwy,que buscam compreender o instigante legado de Kafkacomo reflexo de realidades históricas, mas deixam de ladoaspectos importantes inerentes à sua literaturaEm maio de 1924 Kafka agonizava,dilacerado por uma tuberculose queprovocava lesões na garganta, tãograves que a respiração, a fala e a deglutiçãoestavam seriamente comprometidas.Sua aparência física materializavauma agonia na qual se tornava quaseimpossível encontrar a esperança devencer a morte. Aos 41 anos, kafkianamente,Kafka morria de fome, realizandoum incrível esforço para revisar as provastipográficas de seu texto Um artista dafome. No dia 2 de junho, a agonia atingia onível do insuportável. Ele pede ao seumédico: “Mate-me, senão você é um assassino”.Finalmente numa terça-feira, 3 dejunho, ao meio-dia, Kafka morre. Morremas não desaparece. A partir daí, umaliteratura que se estima em mais de20.000 títulos, sem contar as centenas demilhares de páginas nunca publicadas deautores anônimos e as incalculáveisreflexões que sua pequena obra escritadesperta em cada um de seus leitores, éposta em movimento, com uma intensidadetão enérgica que nada indica quevirá a se esgotar.Enquanto os homens enfrentarem asmazelas do dia-a-dia urbano, do mundoorganizado do qual nunca mais se esperaque eles saiam, Kafka estará presentecomo um outdoor afixado permanentementenuma das vias principais, próximodo olhar de toda a multidão anônima quepor ali circula. Kafka é daqueles poucosautores cuja obra transborda os textos e setransforma em parte do cenário das vidashumanas, ressoando em todas asdimensões das situações dos homens.Toda organização estatal de qualquer paísdo mundo tem algo de kafkiano. Todainstituição, pública ou privada, religiosa,acadêmica ou mafiosa, midiática, beneficente,esportiva, social ou o que seja, temalgo de kafkiano em seu interior. Todacasa, toda vida em família reserva, emseus aposentos, um nicho kafkiano. Todafala entre os homens, toda comunicaçãoacolhe também tanto a demanda por umentendimento quanto o mal-entendido,sendo que ambos podem ser kafkianos.Enfim, todo homem guarda em seuinterior uma estranheza de si consigopróprio que é também kafkiana. Kafkapenetra tão fundo a vida que é capaz de seinstalar em compartimentos e lugares doacontecer humano tão raros que poucosautores, para não dizer nenhum outro,conseguem lhe fazer companhia.Entre as letras e a vida humana, o espaçoé difícil de ser encurtado e não existe, comoos velhos rabinos já sabiam, qualquer trilhafácil, qualquer atalho facilitador. Por isto,é bom desconfiar de toda escrita e, antesde mais nada, desconfiar de nós próprios.Dostoievski disse: “O homem é um patife– e patife é aquele que diz sê-lo”, incluindoa si próprio como uma voz portadora da40 Revista 18

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