PERFILFotos: divulgaçãoHumor à moda judaicaMarleine Cohen encontra-se com os integrantes do grupo Os Raposas e aUva, que mantém vivo o humor muitas vezes esquecido da tradição hebraicaSão seis humoristas e uma sonora gargalhada!– Conhece aquela da mulher que se enrosca nomarido e com jeitinho lhe pede: “David? Fofo,compra um radinho para mim?”E ele lhe responde: “Qual o rádio que você querganhar, fofa?”E Sarah diz: “Ah!... Pode ser um daqueles que têmcarro por fora!”Seja ashkenazi, seja sefardita, não há como ficaralheio às alfinetadas do grupo de humor judaicoOs Raposas e a Uva.Embaixadores do bom-humor, como se autodefinemnas palavras de Ahuva Flint – educadora eúnica mulher do grupo –, entre o palco e a maisdistante comunidade judaica da face da terra amilhões de léguas de distância, os Raposas nãopoupam ninguém: da mocinha idish com sotaqueyeke, incorporada por Ahuva, a Mohamed, judeupalestino representado por Alberto Simantob,único sefardita da turma, ninguém escapa.“A coisa já começa a ser engraçada quando sepensa que se trata de um grupo de judeus que... nãocobra nada para se apresentar!”, provoca Jô Soares,que os recebeu em seu programa, assim comoFaustão e várias entrevistadoras.A bem da verdade, a química que faz desopilar ofígado do público se impôs assim que os seiscamaradas se reuniram pela primeira vez.Isso aconteceu por acaso, por ocasião dolançamento do livro Enciclopédia do Humor Judaico,de Henry Spalding, no Brasil, em outubro de 1997.Lembra Ahuva: “Como o autor do livro não podiacomparecer ao evento por ser um homem de idadeavançada, o editor, Jairo Fridlin, da Editora Sêfer,teve a idéia de convidar alguns amigos, humoristasnotórios, amadores e contadores de piadas, paraanimar a noite na Livraria Cultura de São Paulo”.Dito e feito: os convidados foram à noite de autógrafos:David (Kaleka), Zig (Mermelstein), Rubens(Bisker) – a quem Ahuva já conhecia –, e mais Alberto(Simantob), Marcos (Susskind), entre tantos outros.“Em determinado momento, me pediram paracontar uma piada no microfone: eu não tive comorecuar. Então, arrisquei:E Moishe pergunta ao amigo:– Chaim, diga-me, tua mulher faz sexo contigopor amor ou por interesse?Ao que ele responde:– Creio que por amor, Moishe.– E como sabe?32 Revista 18
PERFIL– Ora! Porque ela não mostra nenhum interesse!”Naquela mesma noite, duas ou três piadas depois,estava formado o grupo Os Raposas e a Uva – e opúblico se contorcia de rir, sentado no chão.O nome escolhido? Uma licença poética paraum jogo de palavras com Ahuva, nome próprio queem hebraico significa querida.A missão: “Principalmente fazer benemerência”,elegendo o humor como ferramenta para ajudar aaliviar o dia-a-dia dos necessitados e menosfavorecidos, explica ela. “Mas também consolidar aidéia de que o judeu não é um avarento, ranzinza,que só pensa em guerra e ocupar terras da Palestina;é um povo capaz de fazer piadas e de rir de seucotidiano e das próprias vicissitudes”, como bemmostram Woody Allen, os irmãos Marx, JerrySeinfield, Mel Brooks, Peter Sellers e tantos outroshumoristas, através da história.A partir daquele dia, na carteira de clientes dosRaposas, além do Pioneiros de Santo André – primeirainstituição a encomendar um novo espetáculopoucos dias depois da noite de autógrafos –, surgiriaum número crescente de ongs, instituições sociais eentidades religiosas: o Instituto Padre Cacique, dePorto Alegre; a Igreja Perfect Liberty, de Arujá; aAssociação Minha Rua Minha Casa, de São Paulo; aDoentes Carentes do Hospital Amaral de Carvalho, emJahu, além – é claro – da Unibes, do Lar Golda Meier,do Refeitório Comunitário Ten Yad e tantas outrasinstituições beneficentes da comunidade judaica.“Trabalhamos exclusivamente com entidades einstituições não políticas que possuam boa administraçãofinanceira, credibilidade e notória açãosocial em comunidades carentes ou assistência àspessoas especiais”, afirma a educadora.Ao todo, segundo o empresário Alberto Simantob,são 126 espetáculos gratuitos realizados até omomento por todo o Brasil – dos quais 82 paraentidades beneficentes não pertencentes à comunidadejudaica. Em comum, têm o propósito derevolver e trazer à tona características próprias aosjudeus dos quatro cantos do mundo: os percalçosda Diáspora e as agruras da imigração, a relaçãocom o dinheiro e a religião, a comida kasher, oslaços familiares, os guetos urbanos, como o BomRetiro e Higienópolis, em São Paulo, e o exercícioda medicina, entre outras tantas.“Fazemos um show por mês, em média,buscando acima de tudo mostrar o judeu como umbenemerente, e vincular esta benemerência a causassociais”, explica Ahuva Flint, lembrando que asapresentações extrapolam não só a comunidade,mas também a cidade de São Paulo. “Começamos atrabalhar em março para chegar a um total de seteeventos ao ano, dirigidos tanto a crianças de 7, 8anos quanto a idosos. Quando fazemos shows emlugares particulares, como, por exemplo, em naviosou bufês, atribuímos um valor comercial aoespetáculo e o atrelamos à benemerência dealguma entidade”.Benemerência?Explica-se: os espetáculos dos Raposas sãogratuitos por ideologia e por opção. “Somos artistasamadores, não temos nenhuma pretensão aoestrelismo e, sim, de atender a um preceito judaicoe do Arquiteto do Universo denominado tzedaká –o maior de todos no judaísmo”, explica AlbertoSimantob. Segundo ele, a palavra em hebraico émuitas vezes erroneamente traduzida por caridade,mas, na verdade, quer dizer justiça, e, neste caso,particularmente, significa justiça social.Integração e farraE de que se alimenta o humor de Os Raposas ea Uva?Além do banco de piadas, existente no site dogrupo (www.osraposaseauva.com.br) e aberto atodos, os integrantes vão pesquisar em livros erevistas, discos e filmes.“Também recebemos piadas de amigos e nosinspiramos no dia-a-dia, sempre atentos a situaçõesque têm a ver com o universo da nossa comunidadee que podem se transformar em algo engraçado”,conta Ahuva.Mas é acima de tudo o clima mágico de integração,presente durante os ensaios, que fornece amatéria-prima necessária para o bom humor dogrupo: “Uma vez por semana, nos reunimos na casade um de nós e começamos a ensaiar. Estes encontrossão muito divertidos; lanchamos juntos, trocamospiadas novas, idéias; rimos muito”, relata Ahuva.Cada integrante tem sua “especialidade”. Assim,Alberto (Simantob) tem como principal função nogrupo, segundo ele próprio, “coordenar as correspondênciase as reuniões de ensaio e agendarshows”. Ele entra no palco na pele do judeuRubens Bisker, DavidKaleka e Ahuva Flintcom Jô Soares: “A coisajá começa a se tornarengraçada quando se pensaque se trata de um grupo dejudeus que não cobra nadapara se apresentar...”Revista 18 33