O REPÓRTERO Irã às portas de Israel?Aliança entre o Hamas e o governo abertamente disposto à aniquilação doEstado judeu, de Mahmoud Ahmadinejad, leva a regressão sem precedentesnas perspectivas de paz entre Israel e os palestinos. Por Leslie SusserReproduçãoPoucos dias antes das eleições palestinas,no fim de janeiro, o presidentedo Irã Mahmoud Ahmadinejadencontrou-se com os líderes do Hamas noexílio Khaled Mashal e Musa AbuMarzuk, em Damasco. Numa breve visitaà capital síria, Ahmadinejad fez questãode encontrar-se com os homens do Hamase com os líderes de nove outras facçõespalestinas que rejeitam qualquer tipo deacordo com Israel. O conflito israelensepalestino,ele lhes disse, segundo foi relatadopela imprensa do mundo árabe, seriao “foco central da guerra final entre oislã e o Ocidente”, e todos eles poderiamcontar com o apoio irrestrito do Irã.Segundo fontes israelenses, um mês antes,num encontro com Ahmadinejad emTeerã, Mashal declarou seu comprometimentocom o Irã: “Se o Irã for atacado,nós seremos parte da reação iraniana”,teria dito. E quando o Hamas venceu aseleições, em 25 de janeiro, o Irã declarouestar à disposição para fornecer fundos,suprimentos, armas e treinamento paraações de milicianos contra Israel.Esquadrão de homens-bomba, que se mostram dispostosa atacar, em parada militar do Hamas: envolvimento do Irãno conflito israelense-palestino é cada vez mais intensoA amizade crescente entre o Irã e oHamas faz surgir o espectro de um postoavançado hostil, patrocinado pelo Irã,bem às portas de Israel. Ou será que oHamas pretende moderar-se, num esforçopara garantir a continuidade de bilhões dedólares em ajuda ocidental? E se a decisãofor manter o radicalismo, e o Ocidentesuspender sua ajuda, o Irã estará dispostoe será capaz de fornecer os us$ 1,5 bilhõespor ano que os palestinos <strong>hoje</strong> recebemdo Ocidente? E quem será o chefe nasrelações entre o Irã e o Hamas? O Hamasserá uma marionete iraniana, ou seráindependente, usando a ajuda oferecidapelo Irã da maneira que lhe convier?Alguns especialistas israelenses vêmfalando de um “eixo Hamas-Irã”, e prevêemque o relacionamento entre o Irã e o Hamaslevará a um perigoso processo de regionalizaçãodo conflito israelense-palestino,no qual o Hamas será apenas uma armanas mãos de forças maiores. Outros dizemque o Hamas vai aproveitar o apoioiraniano para constituir um exércitopalestino forte e independente. Outros,ainda, afirmam que o nacionalismo doHamas e o caos da Autoridade Palestinaacabarão por inibir a relação com o Irã,embora isto não necessariamente signifiquemoderação com relação a Israel, ouque o Hamas vai optar por uma tranqüilidadetática, moderando suas posições emantendo distância com relação ao Irãenquanto busca manter a ajuda ocidental.A relação entre o Irã e o Hamascomeçou, timidamente, no fim da décadade 1980, com a primeira Intifada. Oprincipal elo entre o Irã e os palestinos eraa então diminuta facção Jihad Islâmica,que apoiava, sem restrições, a difusão deuma revolução islâmica ao estilo iraniano.O Hamas, uma organização muito maior,dirigida a objetivos nacionalistas, era muitomais circunspecto, e consciente de suasdiferenças ideológicas com Teerã. Preservava,ciosamente, sua independênciacomo organização nacional palestina, eenfatizava seus laços com a FraternidadeMuçulmana Sunita em vez do Irã xiita.Ainda assim, ambos desenvolveramlaços operacionais estreitos, baseados emsua total rejeição a um compromisso depaz com Israel. Estes laços foram enfatizadossignificativamente no fim de 1992,quando Israel expulsou mais de 400líderes do Hamas para o sul do Líbano. Alieles foram abrigados pelo Hezbolá, patrocinadopelo Irã, e desde então o Hezbolátem ajudado a treinar os guerrilheiros doHamas, e tem servido como um canalpara fundos e armas iranianos.Com o início da segunda Intifada, em2000, o Irã incrementou seu envolvimentocom os assuntos palestinos, aprofundandoseus laços com um Hamasagora ansioso por cooperar, e com outrasfacções palestinas. O fornecimento dearmas e de dinheiro cresceu de maneira20 Revista 18
O REPÓRTERsignificativa e o Hezbolá transferiu tecnologiade importância estratégica, comopor exemplo da manufatura de morteiros.Os foguetes do tipo Qassam tornaram-se aprincipal arma palestina contra Israel nosúltimos anos.Entre os pessimistas com relação aofuturo desenvolvimento da situação estáo ex-embaixador de Israel junto às NaçõesUnidas, Dore Gold, um especialista emmovimentos islâmicos e conselheiro políticodo partido Likud. Ele afirma que oHamas e o Irã precisam um do outro estrategicamente,e que esta dependênciamútua poderia levar à criação de umEstado controlado pelo Irã junto àfronteira de Israel. Gold afirma que oHamas precisa do Irã para perseguir seuobjetivo de destruição de Israel, enquantoo Irã precisa do Hamas para ampliar suaesfera de influência. “O Hamas dependede ajuda externa, tanto financeira quantomilitar, e o Irã é a principal potênciaregional disposta a desafiar a tentativaocidental de estabelecer paz entreisraelenses e palestinos”, ele afirma.Gold prevê um cenário negro, no qualnão só o Irã ocupa o espaço radicalconquistado pelo Hamas depois de suavitória nas eleições, mas a Al-Qaedatambém. “Temos informações de que, noverão de 2005, a Al-Qaeda tomou adecisão estratégica de mudar alguns deseus chefes do Iraque para países secularesvizinhos – como a Síria, o Líbano e aJordânia. Prova destas mudanças é o fatode que foram vistas operações da Al-Qaeda na Jordânia, em agosto e emnovembro de 2005, enquanto foguetesKatyusha foram lançados sobre Israel pelaAl-Qaeda a partir do Líbano, em 27 dedezembro de 2005. Ao mesmo tempo, háuma atividade contínua da Al-Qaeda noSinai, inclusive presença da Al-Qaeda emGaza”, diz Gold. “A questão crítica é saberse Israel será capaz de isolar as áreascontroladas pelos palestinos de reforçosexternos, ou se não conseguirá impedirque insurgentes e armas cheguem de forapara aumentar as forças palestinas.”Yuval Steinitz, presidente do ComitêParlamentar para Assuntos Exteriores eDefesa, membro do Likud, mostra-se menospreocupado com a Al-Qaeda do que comos desenvolvimentos no interior dacomunidade palestina. Ele enxerga umprocesso já em curso que está conduzindoao estabelecimento de um grande exércitopalestino que seria uma ameaça à existênciade Israel. Em sua opinião, o aumentono fornecimento de armas, os campos detreinamento do Hamas e o controle, porparte do Hamas, das forças de segurançapalestinas, criará a infra-estrutura necessáriapara uma força militar palestinaconsiderável, ainda que os acordos deOslo determinem que os palestinos estãoproibidos de terem um exército.Será que o Hamaspretende moderar-se,num esforço paragarantir a continuidadede bilhões de dólares emajuda ocidental?Steinitz há muito tempo vem criticandoa confiança de Israel no Egito comouma força capaz de controlar o terrorismopalestino. Ele manifesta grande preocupaçãocom o crescimento do contrabandode armas para Gaza e para a Cisjordâniapelo Sinai. “O Sinai tornou-se um paraísopara os traficantes de armas. Muitas destasarmas vêm do Irã, passando pela Líbia epelo Sudão. Outras vêm de mercadosilegais no Egito e nos Bálcãs, e são levadasatravés do deserto por mercadoresbeduínos”, ele revela. E ao que tudo indica,os fornecimentos do Irã vão aumentar.Steinitz acusa também Israel por nãoter evitado a construção de campos detreinamento do Hamas em Gaza. Se istoagora passar a ser permitido em Gazatambém, no contexto de uma tréguaprolongada, então forças palestinas bemarmadas logo estarão a poucos quilômetrosde distância de alvos estratégicosbem no centro de Israel. Boa parte dasarmas, dos recursos, da tecnologia e dotreinamento virão do Irã.“O maior perigo”, diz Steinitz, “é quemais cedo ou mais tarde o Hamas passaráa controlar a polícia da Autoridade Palestina,bem como forças de segurança preventivae de inteligência, fundindo-as comsuas próprias milícias, e confrontandonoscom um exército de 80 ou 100 milhomens.” Um grande exército comandadopelo Hamas, e apoiado pelo Irã,poderá acabar fazendo uma guerra totalcontra Israel. “A organização não podemudar sua ideologia. Ela pode, apenas,alterar suas táticas de curto prazo. A organizaçãopode dizer que agora precisa deum ano de tranqüilidade, para armar-se ecolocar seus homens à frente das forçaspalestinas. Mas, depois disto, pode acontecerqualquer coisa. E então não teríamosmais uma simples ameaça terrorista e simuma ameaça à nossa existência.”Quanto às medidas que Israel pode edeve tomar ante a nova situação, Gold vêuma ameaça regional importante vindado Leste e afirma que Israel precisamanter o controle sobre o Vale do Jordão.“Na nova equação estratégica, o Vale doJordão torna-se uma barreira essencialpara evitar que a Al-Qaeda, no Iraque,possa se tornar vizinha do Hamas”, diz ele.Steinitz sugere que Israel deve isolar oslíderes palestinos e restringir ao máximosua liberdade de movimento e seucontato com líderes estrangeiros.A vitória do Hamas nas eleições levouo conflito israelense-palestino de volta aoponto em que se encontrava há quase 60anos, quando da independência de Israelem 1948. Outra vez, o Estado judeu estálutando por sua independência, e por suasobrevivência, com uma mão estendidapara a paz, mas ao mesmo tempo dispostoa garantir seu próprio futuro. Tudodepende do que Ahmadinejad e KhaledMashal terão a dizer um ao outro em seupróximo encontro.© The Jerusalem ReportLeslie Susser é jornalistaRevista 18 21