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Freud hoje - Cebrap

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ENTREVISTAprimeira pergunta, é um espaço leigo. Elanão promete a redenção ou então arecompensa, antes ou depois da morte,como no campo religioso, onde muitasvezes se afirma que se a felicidade não estáaqui, ela está um pouco mais adiante. Se arecompensa não está aqui, não temproblema, ela está um pouco maisadiante, para além da vida, da morte. Paraa psicanálise, do ponto de vista da negociação,a questão da felicidade e da realizaçãosurge como um problema insolúvelou apenas temporariamente solucionável.Saímos de uma ilusão de libertaçãopara um peso da responsabilidade, saímosde uma ilusão de tudo podermos parauma necessidade de negociar pacientemente.De tal maneira que a psicanálise,primeiro, não é uma ferramenta, segundo,pode até ser uma terapia, e pode até ajudarum pouco, mas absolutamente nãopromete a felicidade, muito menos ailuminação, menos ainda a realizaçãohumana. Mas ela promete algo muitodifícil de aceitarmos como promessa: umcaminhar lento, aflito, de negociação comos outros de mim, de dentro e de fora demim e que muda completamente oregistro da questão da realização ou dafelicidade para o registro da negociaçãodo conflito e para o registro da humildade,da modéstia. Sofremos, de nossaspróprias pulsões, a pressão de termos decrescer e crescer é um trabalho denomeação, de encontrarmos as palavras ea maneira de dizer, portanto também deaprendizado (no sentido forte do termo,aprender com a experiência). Antedoutrinas que prometem as maravilhasdo além, como se a morte fosse algo nemtão grave assim, e ante os livros e osdiscursos que nos prometem que, fazendoisso e aquilo vai dar tudo certo, o psicanalistasó pode oferecer um olho sorridentee outro lacrimoso.18: Libertar o ser humano de seus condicionamentose neuroses pressupõe aexistência de um Eu verdadeiro que seencontra aprisionado. A noção de que oindivíduo nasce como uma tábula rasae que ele é o fruto de suas expériênciase traumas da infância, é compatívelcom a idéia de um Eu verdadeiro quebusca realizar-se num mundo real ?Nesse contexto em que aresponsabilidade, lentamas inexoravelmente,afasta a liberdade de suaposição majestática,imperial, a psicanálise ea filosofia têm deconsiderar a ética comofilosofia primeira, comoqueria LévinasO psicanalista e seu cão da raça chow-chow: conscientizar o indivíduoda multiplicidade de aspectos da personalidade é maneira deenfrentar o reducionismo racionalista e utilitarista que ameaça, cadavez mais, transformar seres humanos e cidadãos em autômatosFL: No campo da psicanálise, estamosmuito longe de pensar que uma criança éalgo que nasce em branco. A criança, opequeno homem, o homem que nasce, jánasce imerso numa tal complexidade, jánasce sendo de uma tal maneiracomplexo, que a última coisa que a gentepoderia pensar, para sermos rigorosamentepsicanalistas, é que o homemnasce como uma tábula rasa. Poderíamoslembrar uma passagem de Kafka que podenos servir. Kafka, quando estava elaborandoA muralha da China, escreveu noseu diário um pequeno conto: construir asi mesmo é como construir uma casa.Construir a si mesmo é como construiruma casa, em que começamos adesmontar a casa velha, construindo acasa nova. Terminamos por constatar quenão só não temos mais a casa velha comoainda não temos a casa nova. Enquanto acasa velha já não tem mais teto, a nova sótem uns pilares. Mudamos de uma casaque não serve mais para uma casa queainda não nos serve, de uma casa que jánão nos abriga para uma casa que aindanão pode nos abrigar. O Eu verdadeiro, seé que existe algo como Eu e comoverdadeiro, é um Eu nu, vulnerável, embusca de certo conforto ou proteção, umEu fraco, frágil, laborioso, mas tambémpreguiçoso. Então, se existe um verdadeiroEu, é quase como se fosse um Eu empermanente exílio, um Eu que, se quiserpossuir alguma coisa, possui muitopouco, e tem uma posse que não lhe serveRevista 18 11

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