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Anais do 6º Encontro Celsul - Círculo de Estudos Lingüísticos do SulOS PREFIXOS NEGATIVOS: CRIAÇÕES LEXICAIS ESTILÍSTICAS NA POESIA DEDRUMMONDElis de Almeida CARDOSO (Universidade de São Paulo)ABSTRACT: Prefixation is a productive process in the Portuguese. Joining a basis, the prefixes give itdifferent meanings. Amongst several kinds of lexical creations, those formed by prefixation are found inDrummond`s works. Besides emphasizing Drummondian neologisms, we also analyse the significantstrengh of lexical creations formed by adding negative prefixes.KEYWORDS: Drummond; negative prefixes; lexical creation; expressivenessA prefixação é o processo de formação de palavras por meio do qual se acrescenta a umradical ou base um prefixo. As gramáticas e os manuais que trabalham a morfologia apresentam aoestudioso uma lista de prefixos, seus significados e suas origens. Na verdade, o prefixo é um morfemagramatical derivativo e, por isso, dependente. Alguns prefixos, entretanto, apresentam um grau maiorde independência e acabam por ser chamados de prefixóides ou falsos prefixos.Para Herculano de Carvalho (1974:548), os prefixóides distinguem-se dos demaisprefixos por possuírem, além de um grau de independência mais acentuado, “uma significação mais oumenos delimitada e presente à consciência dos falantes, de tal modo que o significado do todo a quepertencem se aproxima de um conceito complexo, e portanto de um sintagma”. Celso Cunha(1985:111-2) concorda com Herculano de Carvalho e apresenta uma lista de pseudoprefixos da qualconstam: arqui-, macro-, micro-, mini-, multi-, pluri-, entre outros.Segundo Alves (1990:15), “não há uma unanimidade, na língua portuguesa, quanto aonúmero e à natureza dos morfemas prefixais”. A autora considera como prefixos as partículasindependentes ou não-independentes que, “antepostas a uma palavra-base, atribuem-lhe uma idéiaacessória e manifestam-se de maneira recorrente, em formações em série”.Sandmann (1992:37) compartilha dessa idéia, afirmando:“o que distingue o prefixo [de um radical] é o fato de ele expressar uma idéia geral,idéia expressa por preposições (sem-vergonha, co-ministrar), advérbios (rebatizar, nãoalinhado)e adjetivos: superdocentes, não-tecido (...), ficando excluídos os substantivos everbos, que expressam idéias particulares, com destaque, aqui, àqueles: logomania,logopedia, psicologia, psicografia”.A prefixação é um processo extremamente produtivo no português contemporâneo.Anexados a uma base, os prefixos dão-lhe significados variados, como o de grandeza (super-, hiper-),de exagero (mega-), de oposição (contra-), de pequenez (mini-, micro-), dentre outros.Essa produtividade, lembra Alves (1990:28), deve-se, em muitos casos, a um desejo deeconomia discursiva por parte do falante:“Uma frase negativa, expressa por um prefixo, torna-se mais econômica do que umaconstrução sintática negativa. Assim, a negação lexical permite frases como ‘policiaisnão-violentos’ e ‘entidades ligadas aos sem-terra’, ao invés de frases sintaticamente maiscomplexas do tipo ‘policiais que não são violentos’ e ‘entidades ligadas a aqueles quenão possuem terras”. 1Passemos às criações lexicais drummondianas formadas por prefixos negativos. Cumpreressaltar que o poeta não inova em relação ao significado dos prefixos. É o resultado de uma uniãoinesperada entre prefixo e base que surpreende o leitor.1 Alves (1990:15-7) chama a atenção para o fato de não- e sem- não serem ainda reconhecidos porgramáticos e lexicógrafos como morfemas prefixais. Para a autora, não- “prefixa-se a basessubstantivas e adjetivas a fim de negar-lhes totalmente o significado” e sem- “antepõe-se a basessubstantivas e tem produzido alguns neologismos substantivos em que é negada totalmente a idéiaexpressa pela palavra-base”.

A<strong>na</strong>is do 6º Encontro <strong>Celsul</strong> - Círculo de Estud<strong>os</strong> Lingüístic<strong>os</strong> do SulOS PREFIXOS NEGATIVOS: CRIAÇÕES LEXICAIS ESTILÍSTICAS NA POESIA DEDRUMMONDElis de Almeida CARDOSO (Universidade de São Paulo)ABSTRACT: Prefixation is a productive process in the Portuguese. Joining a basis, the prefixes give itdifferent meanings. Amongst several kinds of lexical creations, th<strong>os</strong>e formed by prefixation are found inDrummond`s works. Besides emphasizing Drummondian neologisms, we also a<strong>na</strong>lyse the significantstrengh of lexical creations formed by adding negative prefixes.KEYWORDS: Drummond; negative prefixes; lexical creation; expressivenessA prefixação é o processo de formação de palavras por meio do qual se acrescenta a umradical ou base um prefixo. As gramáticas e <strong>os</strong> manuais que trabalham a morfologia apresentam aoestudi<strong>os</strong>o uma lista de prefix<strong>os</strong>, seus significad<strong>os</strong> e suas origens. Na verdade, o prefixo é um morfemagramatical derivativo e, por isso, dependente. Alguns prefix<strong>os</strong>, entretanto, apresentam um grau maiorde independência e acabam por ser chamad<strong>os</strong> de prefixóides ou fals<strong>os</strong> prefix<strong>os</strong>.Para Herculano de Carvalho (1974:548), <strong>os</strong> prefixóides distinguem-se d<strong>os</strong> demaisprefix<strong>os</strong> por p<strong>os</strong>suírem, além de um grau de independência mais acentuado, “uma significação mais oumen<strong>os</strong> delimitada e presente à consciência d<strong>os</strong> falantes, de tal modo que o significado do todo a quepertencem se aproxima de um conceito complexo, e portanto de um sintagma”. Celso Cunha(1985:111-2) concorda com Herculano de Carvalho e apresenta uma lista de pseudoprefix<strong>os</strong> da qualconstam: arqui-, macro-, micro-, mini-, multi-, pluri-, entre outr<strong>os</strong>.Segundo Alves (1990:15), “não há uma u<strong>na</strong>nimidade, <strong>na</strong> língua portuguesa, quanto aonúmero e à <strong>na</strong>tureza d<strong>os</strong> morfemas prefixais”. A autora considera como prefix<strong>os</strong> as partículasindependentes ou não-independentes que, “antep<strong>os</strong>tas a uma palavra-base, atribuem-lhe uma idéiaacessória e manifestam-se de maneira recorrente, em formações em série”.Sandmann (1992:37) compartilha dessa idéia, afirmando:“o que distingue o prefixo [de um radical] é o fato de ele expressar uma idéia geral,idéia expressa por prep<strong>os</strong>ições (sem-vergonha, co-ministrar), advérbi<strong>os</strong> (rebatizar, nãoalinhado)e adjetiv<strong>os</strong>: superdocentes, não-tecido (...), ficando excluíd<strong>os</strong> <strong>os</strong> substantiv<strong>os</strong> everb<strong>os</strong>, que expressam idéias particulares, com destaque, aqui, àqueles: logomania,logopedia, psicologia, psicografia”.A prefixação é um processo extremamente produtivo no português contemporâneo.Anexad<strong>os</strong> a uma base, <strong>os</strong> prefix<strong>os</strong> dão-lhe significad<strong>os</strong> variad<strong>os</strong>, como o de grandeza (super-, hiper-),de exagero (mega-), de op<strong>os</strong>ição (contra-), de pequenez (mini-, micro-), dentre outr<strong>os</strong>.Essa produtividade, lem<strong>br</strong>a Alves (1990:28), deve-se, em muit<strong>os</strong> cas<strong>os</strong>, a um desejo deeconomia discursiva por parte do falante:“Uma frase negativa, expressa por um prefixo, tor<strong>na</strong>-se mais econômica do que umaconstrução sintática negativa. Assim, a negação lexical permite frases como ‘policiaisnão-violent<strong>os</strong>’ e ‘entidades ligadas a<strong>os</strong> sem-terra’, ao invés de frases sintaticamente maiscomplexas do tipo ‘policiais que não são violent<strong>os</strong>’ e ‘entidades ligadas a aqueles quenão p<strong>os</strong>suem terras”. 1Passem<strong>os</strong> às criações <strong>lexicais</strong> drummondia<strong>na</strong>s formadas por prefix<strong>os</strong> negativ<strong>os</strong>. Cumpreressaltar que o poeta não inova em relação ao significado d<strong>os</strong> prefix<strong>os</strong>. É o resultado de uma uniãoinesperada entre prefixo e base que surpreende o leitor.1 Alves (1990:15-7) chama a atenção para o fato de não- e sem- não serem ainda reconhecid<strong>os</strong> p<strong>org</strong>ramátic<strong>os</strong> e lexicógraf<strong>os</strong> como morfemas prefixais. Para a autora, não- “prefixa-se a basessubstantivas e adjetivas a fim de negar-lhes totalmente o significado” e sem- “antepõe-se a basessubstantivas e tem produzido alguns neologism<strong>os</strong> substantiv<strong>os</strong> em que é negada totalmente a idéiaexpressa pela palavra-base”.


Com idéia negativa (não), o prefixo a- é erudito e une-se, em grande parte das vezes, aadjetiv<strong>os</strong>. No corpus encontram<strong>os</strong> uma ocorrência em que aparece esse prefixo unido a uma basesubstantiva: a-g<strong>os</strong>to.“Quando contemplo teu r<strong>os</strong>toeste amor a contrag<strong>os</strong>tofermenta de ácido m<strong>os</strong>toe no meu r<strong>os</strong>to de couro,no meu caver<strong>na</strong>me roucoum dó de mim, um a -g<strong>os</strong>tome punge, queima de ag<strong>os</strong>to.”Ao formar a-g<strong>os</strong>to (Letra amarga para uma modinha – Viola de bolso), o poetaestabelece um jogo de palavras: g<strong>os</strong>to, desg<strong>os</strong>to, contrag<strong>os</strong>to, a-g<strong>os</strong>to, ag<strong>os</strong>to. Conforme o título avisa,a letra para a modinha é amarga; logo, uma carga de negatividade pode ser encontrada <strong>na</strong>s palavrasescolhidas. Uma vez que a ausência de g<strong>os</strong>to a que o poeta se refere já é vislum<strong>br</strong>ada <strong>na</strong>s palavrasdesg<strong>os</strong>to e contrag<strong>os</strong>to, que constam do dicionário, CDA, para acentuar essa ausência e essa negação,cria a-g<strong>os</strong>to e faz um jogo com ag<strong>os</strong>to (mês), indicando quando ocorre essa, denomi<strong>na</strong>da por ele,“queima” interior.O prefixo anti- significa basicamente contra e é exatamente esse o significado daformação drummondia<strong>na</strong> anti-petendam, encontrada no poema Caso pluvi<strong>os</strong>o (Viola de bolso).No poema, o eu-lírico se desespera por causa de uma chuva incessante. Para fazer comque a chuva parasse, cântic<strong>os</strong> que se dirigiam contra ela foram ouvid<strong>os</strong>. O autor cria, a partir dogerundivo latino petendam (que deve ser pedida), a forma anti-petendam. Numa a<strong>na</strong>logia a<strong>os</strong>cântic<strong>os</strong> feit<strong>os</strong> para pedir chuva, so<strong>br</strong>etudo em regiões de seca (ad petendam pluviam), Drummondutiliza a forma anti-petendam, referindo-se a<strong>os</strong> cântic<strong>os</strong> que imploravam a parada da chuva. Seriamouvid<strong>os</strong>, <strong>na</strong> verdade, cântic<strong>os</strong> anti-chuva:“Os seres mais estranh<strong>os</strong> se juntando<strong>na</strong> mesma aqu<strong>os</strong>a pasta iam clamandocontra essa chuva estúpida e mortalcatarata (jamais houve outra igual).Anti-petendam cântic<strong>os</strong> se ouviram.Que <strong>na</strong>da! As cordas d’água mais deliram,e maria, torneira desatada,mais se dilata em sua chuvarada.”Entretanto, <strong>na</strong> formação antimúsica, retirada do poema Beethoven (As impurezas do<strong>br</strong>anco), vê-se um novo sentido atribuído ao prefixo anti-, que é o de ruim ou de má qualidade.“Meu caro Luís, que vens fazer nesta horade antimúsica pelo mundo afora?Patética, heróica, pastoral ou trágica,tua voz é sempre um grito mo dulado,um caminho lu<strong>na</strong>r conduzindo à alegria:”Nesta hora de antimúsica, ou seja, numa época em que as pessoas não valorizam ascoisas boas, numa época em que <strong>os</strong> homens são surd<strong>os</strong> e não captam “o amor doado em sinfonia epaz”, o poeta pergunta a Ludwig van Beethoven, um d<strong>os</strong> maiores comp<strong>os</strong>itores clássic<strong>os</strong> dahumanidade, tratado no texto por Luís, o que vem ele fazer no mundo.O mesmo sentido de algo ruim pode ser encontrado no vocábulo anti-r<strong>os</strong>to (Viola debolso), encontrado no já mencio<strong>na</strong>do poema Letra amarga para uma modinha:“Se te contemplo, em teu r<strong>os</strong>tonão me contemplo a meu g<strong>os</strong>topois teu semblante está p<strong>os</strong>to


numa linha de sol-p<strong>os</strong>toem que por dentro me morro.Morro de ver em teu r<strong>os</strong>too fel de teu anti-r<strong>os</strong>to.”Como o próprio título do poema sugere, é o amargor que predomi<strong>na</strong> no coração do poeta.O r<strong>os</strong>to contemplado é um anti-r<strong>os</strong>to pois só traz desg<strong>os</strong>to, contrag<strong>os</strong>to e sofrimento. Os malescausad<strong>os</strong> ao poeta por essa pessoa resumem-se no prefixo anti -.Contra- é um prefixo que tem o significado geral de contrário. Além das formasdicio<strong>na</strong>rizadas, encontram<strong>os</strong> no corpus a formação de contravontades em Ao deus Kom Unik Assão (Asimpurezas do <strong>br</strong>anco).No texto, o sentido do prefixo não é simplesmente o de contrário, mas também o de algoruim ou mau. Há, <strong>na</strong> verdade, a idéia de sofrimento: “a carne pisoteada de caval<strong>os</strong>/reclama pisadurasmais” e a vontade exige contravontades. Esse sofrimento, entretanto, parece algo fundamental, umverdadeiro vício, sem o qual as pessoas não poderiam viver.“A vontade sem vontade encrespa-se exigecontravontades mais.E se consome no consumo.”O prefixo des- indica separação, transformação, intensidade, ação contrária, negação,privação. Segundo o Aurélio: “Assume, às vezes, caráter reforçativo: desafastar, desaliviar, desapagar,desbarrancado, desborcar, desenca<strong>br</strong>itar, desinfeliz, desinquietar, desinquieto, desinsofrido,desnudez, despelar; e, em um caso (pelo men<strong>os</strong>), reiterativo: deslavrar”.Segundo Martins (1997:121), “é com certeza o prefixo mais produtivo, mais popular,e desde as cantigas de escárnio já revelava a sua vitalidade”.Na o<strong>br</strong>a poética drummondia<strong>na</strong> esse prefixo aparece inúmeras vezes em formaçõesdicio<strong>na</strong>rizadas como: desamado, desamar, desamor, destramar, desaprender, desenfado,desesperança, desimportante, entre outr<strong>os</strong>.Dentre as formas não dicio<strong>na</strong>rizadas, no poema A torre sem degraus (A falta que ama),encontra-se a criação desamorando. O poeta n<strong>os</strong> diz que em dois d<strong>os</strong> andares da torre vivem“amor<strong>os</strong><strong>os</strong> sem amor”. Logo, se não há amor, <strong>os</strong> amor<strong>os</strong><strong>os</strong> não podem viver amando. Eles só podemviver desamorando. Cumpre lem<strong>br</strong>ar que o verbo amorar tem o significado de “fazer retirar,afugentar, esconder, ocultar, sonegar”. O poeta, entretanto, usa o verbo amorar por amar e criadesamorar com o significado de não amar:“No 4 o , no 7 o , vivem amor<strong>os</strong><strong>os</strong> sem amor, desamorando.”Com des<strong>br</strong>iga, percebe-se claramente a idéia de ação contrária. Ao substantivo <strong>br</strong>iga éacrescentado o prefixo des-, que dá à nova palavra a idéia de se voltar atrás, fazer as pazes. A criaçãopode ser encontrada no subtítulo do poema Briga e des<strong>br</strong>iga (As impurezas do <strong>br</strong>anco).Já com desexprimo (Ao deus Kom Unik Assão - As impurezas do <strong>br</strong>anco), a idéia deprivação é muito forte. É o não poder, não conseguir exprimir-se que se manifesta nessa criação lexical.Aquele que engole as idéias do Deus Kom Unik Assão só consegue desexprimir, ou seja, deixa de teridéias próprias:“V<strong>os</strong>sa pá lavra o chão de minha carnee planta beterrab<strong>os</strong> balouçantesde intenso carneiral belibalentesem que disperso espremo e desexprimoo que em mim aspirava a ser eumano.”Em A um hotel em demolição (A vida passada a limpo), encontra-se o verbo desmorar,criado por Drummond como um antônimo para o verbo morar. O objetivo do poeta é m<strong>os</strong>trar que elemora e desmora no “Grande Hotel do Mundo”, como hóspede de si próprio:“Estou comprometido para sempreeu que moro e desmoro há tant<strong>os</strong> an<strong>os</strong>o Grande Hotel do Mundo sem gerência


em que <strong>na</strong>da existindo de concreto- avenida, avenida - te<strong>na</strong>zmentede mim mesmo sou hóspede secreto.”Embora existam dois prefix<strong>os</strong> in- com significad<strong>os</strong> diferentes, “um com significaçãonegativa e outro com o significado de en-” (Sandmann, 1989:21), no corpus , em todas as ocorrências,criadas por Drummond, notam<strong>os</strong> a presença do significado negativo.É extremamente comum, em português, que o prefixo in- seja anexado a uma baseadjetiva em -vel, proveniente de um verbo. O dicionário registra muitas dessas ocorrências, mas nãoregistra outras tantas, que podem ser consideradas formações neológicas. No corpus encontram<strong>os</strong>,dentre outras, as seguintes formações: impublicável, incochilável, infazível, infreqüentável,.Em context<strong>os</strong> diferentes, essas criações m<strong>os</strong>tram uma espécie de lamento do poeta.Embora sejam comuns, <strong>os</strong> adjetiv<strong>os</strong> impublicável e infreqüentável ganham um novoimpulso semântico. Em Apelo a meus dessemelhantes em favor da paz (Viola de bolso), verifica-se apresença de impublicável. A opinião do “urso-polar” – caçado e trazido vivo para uma conferência –e a do poeta são imp<strong>os</strong>síveis de serem publicadas, mesmo que repórteres insistam. Essas opiniões,mesmo sem serem formuladas, são contraditórias e loucas. Como não foram formuladas, não podemser publicadas. Tem-se, então, algo impublicável. A ironia do poeta contra o fato, a notícia, opublicável, é evidente:“Não lhe, não me peçam opiniãoque é impublicável qualquer que seja o fato do diae contraditória e louca antes de formulada.”Quando se pensa em um lugar infreqüentável, imagi<strong>na</strong>-se um lugar com característicasnegativas, inviável, onde a freqüência, no sentido de a permanência é desagradável. Drummond,entretanto, faz um jogo com essa palavra, dando a ela outro significado, no poema Redator de plantão(Esquecer para lem<strong>br</strong>ar). O poeta é um redator que trabalha durante a madrugada, um redator oficial,imp<strong>os</strong>sibilitado de ir a concert<strong>os</strong> ou óperas, já que essas apresentações ocorrem sempre em seu horáriode serviço. Quando finda seu trabalho, o teatro, para ele imp<strong>os</strong>sível de ser freqüentado(infreqüentável), dorme:“De madrugada, findo o meu trabalho,eis dorme Clara Weiss no Grande Hotel,dorme Franz Lehar <strong>na</strong> lem<strong>br</strong>ança musicalde muit<strong>os</strong>, dormem lustres, mármores, sanefasdo infreqüentável Teatro Municipal,e eu transporto para casa esse remorsode ser escriba, inconvicto escriba oficial.”Incochilável - encontrada no poema Dormitório (Esquecer para lem<strong>br</strong>ar) - é uma“qualidade” dada ao “irmão-vigilante” que toma conta do dormitório de menin<strong>os</strong> num colégio interno,uma “prisão de luxo”, segundo o poeta. Esse guardião é incochilável, sequer cochila para dar liberdade,pelo men<strong>os</strong>, ao grande sonho do menino: a fuga. Convém notar o caráter ativo desse adjetivo: o irmãoincochilável é o irmão que não cochila:“No azul mortiço de oitenta camas, bóiam saudadesde longes Estad<strong>os</strong>, distintas casas, tantas pessoas.Incochilável, o irmão-vigilante também passeiasob corti<strong>na</strong>s sua memória particular?”No poema Declaração em juízo (As impurezas do <strong>br</strong>anco), o poeta cria as formas virtuaisinfeito e infazível, m<strong>os</strong>trando que <strong>na</strong>da pode ser feito nem a seu favor nem contra ele, uma vez que nãoexiste uma técnica para fazer nem para desfazer o que não foi feito – o infeito – porque não é p<strong>os</strong>sívelfazê -lo – o infeito é infazível.“Nem há técnicade fazer, desfazero infeito infazível.”


Cada prefixo unido a uma base aparece num momento específico. N<strong>os</strong>so objetivo foim<strong>os</strong>trar as criações e verificar por que elas trazem ao texto expressividade. Cumpre ressaltar que opoeta não inova em relação ao significado d<strong>os</strong> prefix<strong>os</strong>. É o resultado de uma união inesperada entreprefixo e base que surpreende o leitor.RESUMO: A prefixação é um processo produtivo no português contemporâneo. Anexad<strong>os</strong> a uma base,<strong>os</strong> prefix<strong>os</strong> dão-lhe significad<strong>os</strong> variad<strong>os</strong>. Dentre vári<strong>os</strong> tip<strong>os</strong> de criação lexical, encontram-se <strong>na</strong> o<strong>br</strong>ade Drummond criações formadas por prefixação. Além de destacar <strong>os</strong> neologism<strong>os</strong> drummondian<strong>os</strong>,a<strong>na</strong>lisam<strong>os</strong> a força expressiva das criações <strong>lexicais</strong> formadas por prefix<strong>os</strong> negativ<strong>os</strong>.PALAVRAS-CHAVE: Drummond; prefix<strong>os</strong> negativ<strong>os</strong>; criação lexical; expressividadeREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASALVES, Ieda Maria. Neologismo - Criação lexical. São Paulo, Ática, 1990.ANDRADE, Carl<strong>os</strong> Drummond de. Nova reunião. Rio de Janeiro, J<strong>os</strong>é Olympio, 1983. v I e II.CARVALHO, J<strong>os</strong>é Herculano. Teoria da linguagem. Coim<strong>br</strong>a, Atlântida, 1974, v II.CUNHA, Celso & CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro,Nova Fronteira, 1985.FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Novo Aurélio Século XXI. O Dicionário da línguaportuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999.GUILBERT, Louis. La créativité lexicale. Paris, Larousse, 1975.MARTINS, Nilce Sant’an<strong>na</strong>. Introdução à Estilística. São Paulo, T.A. Queiroz, 1997.SANDMANN, Antônio J<strong>os</strong>é. Formação de palavras no português <strong>br</strong>asileiro contemporâneo. Curitiba,Ed. da UFRP, 1989.----- Morfologia lexical. São Paulo, Contexto, 1992.

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