Revista Formação 5 - BVS Ministério da Saúde

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○ ○ ○ ○Necessidades que muito precocementese misturarão entre autoconservaçãoe amor.Assim, pode-se pensar que, nessecaminho percorrido até então, asubjetividade será constituída a partirdo encontro de um humano comoutro, das traduções que serão dadasàs mensagens enviadas nesseencontro, das marcas que essesencontros propiciam e ainda, dasmarcas deixadas no encontro com omundo, ou seja, como o mundorecebe cada um que nele chega parahabitar. Vemos dessa forma como,desde cedo, o ser humano é ativo,pulsante e é desejoso de ser significadoem sua existência.Esse sujeito humano pode serdefinido pela relação que mantémcom sua própria intimidade e com omeio em que está inserido: meiocultural marcado de valores, leis, ritose riquezas. O mundo simbólico jáexiste antes dele nascer e, aoencontrá-lo, ele irá transformá-lo, aomesmo tempo em que será transformadopor ele. Nos dias atuais,parece que um dos mais gravesproblemas que se tem observado naconstrução das relações é que elas têmse constituído em princípios objetivantes,tem-se suprimido o mitoindividual, a história de cada ser, omodo como cada sujeito tem seuencontro com a cultura. Dessa forma,a subjetividade fica suprimida juntocom tudo mais que foge aos padrõesde controle.Algumas questões precisam serenumeradas, a saber: o que de fatocaracteriza uma prática humanizada?O que seria “humanização no âmbitoda saúde”? Pode-se falar emhumanização sem inseri-la em outrasquestões da área? Respondê-las talveznão seja possível, porém articulá-lasna discussão se revela comopossibilidade de aprofundamento.A questão da “humanização”ganha repercussão nos trabalhos emsaúde a partir da ReformaPsiquiátrica. Toda a discussão dessemovimento gira em torno daconstrução de práticas queinfluenciem as Políticas de SaúdeMental já que seu eixo fundamentalé a não-segregação dos pacientespsiquiátricos. Inicialmente, o quelemos na história desse movimentosão fatos que mostram que de um ladoestava um grupo resistente às políticassegregatórias e excludentes e quelutavam por mudanças, e de outro, umgrupo que se opunha às transformações,mas que tentava, a todocusto, maquiar a desgraça em que seencontravam os internos confinadosem “hospitais-prisões”. Propunhamdessa forma algumas práticas que, aosolhos dos espectadores menos atentosparecessem mudanças, quando naverdade não aprofundavam asquestões sobre a assistência às pessoasnecessitadas de cuidados e comsofrimento psíquico.Magali Gouveia Engel (2001, p.203-204), complementando econsolidando os estudos realizados noBrasil sobre o nascimento e aconstituição das práticas e saberespsiquiátricos, a partir dos relatos dasvivências da loucura nas ruas do Riode Janeiro, no período entre 1830 e1930, cita uma passagem interessantee reveladora das práticas que seprestavam a maquiar os verdadeirosproblemas dos hospitais psiquiátricos:“Situado num dos locais maisbonitos da cidade, o Hospício dePedro II acabaria se transformandonuma opção para os passeiosdominicais: ‘Já passou o tempo emque ninguém se atrevia a entrar emum hospital de doidos...onde eramencarcerados os míseros, como sefossem feras. Acorrentados presosao tronco...’(AZEVEDO, 1877apud ENGEL, 2001). Reclusa nohospício, a loucura era ‘humanizada’e exibida como verdadeirotroféu dos médicos. Nessasexibições, os loucos desempenhavampapel secundário, poisa grande estrela do espetáculo eraa obra filantrópica e científica damedicina. Espetáculo, enfim,bastante distinto das exibiçõespúblicas da loucura nas ruas dacidade e no Hospital da Misericórdia.Mas havia um outro ladoFormação63

○ ○ ○ ○desse espetáculo da loucurareclusa que, contrariando osidealizadores do hospício, aproximavade forma íntima oHospício de Pedro II do Hospitalda Misericórdia.”A mesma autora (POMPÉIA, 1982apud ENGEL, 2001, p. 204) destacaque “Raul Pompéia apreende de modobastante perspicaz esse outrosignificado do espetáculo:”“No domingo, abriram-se àvisitação do público as portas doHospício de Pedro II. A afluência foiconsiderável como em todas asvisitas de hospitais, espetáculos dosofrimento a que o povo transportaa sua curiosidade, com uma pontinhade ânimo perverso, que vem do circoromano, no caráter latino.”Essa citação mostra claramente aquestão da “humanização-maquiagem”e que se contrapõe à “humanização-princípio”.A humanizaçãocomo princípio ético, sob o aspectoda atitude pertinente às práticas emsaúde, carece do aprofundamento dasquestões quanto à saúde e àenfermidade, articulando-as em seusdeterminantes históricos. Já a“humanização-maquiagem” propõeapenas soluções superficiais àsmazelas que o setor Saúde vempassando devido aos péssimospolíticos na área, o que implica emmá formação profissional e em máqualidade dos serviços.Pode-se então afirmar que oconceito de humanização é articuladoàs políticas de saúde, ao modo peloqual se concebe qualidade de vida,saúde e cidadania. É a partir dessaarticulação que se pode pensar aconstrução de uma prática humanizada.É bem verdade que acrescente deterioração do setorpúblico de saúde produz oindividualismo entre os membros dasequipes; nos serviços, o eternoadiamento das resoluções dosproblemas e um profundo desânimonos profissionais. Não se nega que hámovimentos de mudanças, mas há dese ter sempre em pauta as questõesem seu aspecto macro.O individualismo suscita questõese atitudes que dificultam a produçãode um fazer comprometido commudanças. O individualismo,tentativa de cada um buscar soluçõesindividuais aos problemas que afetama equipe de cuidados, produzdificuldades para que o trabalho serealize em grupo. Produz, ainda, afalta de solidariedade com o usuáriodo serviço, angústia e competiçãoexacerbada, dificultando toda equalquer possibilidade de seestabelecer atitudes e vínculossolidários. Qualquer prática deresistência a essas dificuldades deveráser pautada em princípios quepriorizem o trabalho em equipe e aprodução de subjetividade.Trabalho em equipe nessespreceitos, define-se como o encontroentre vários atores que serão tambémautores de um projeto que tenhaobjetivos claros e em que o conceitode saúde e doença seja articulado aosseus determinantes. A conceitualizaçãode instituição deverácontemplar com clareza as diretrizese um planejamento vinculado aocoletivo e com proposições derealização de ações integradas.Uma prestação de serviços emsaúde comprometida com ahumanização transcende questõesrelacionadas apenas à expressão desorrisos, alegria e “aceitaçãoincondicional do paciente”. Otrabalho comprometido com ahumanização só terá razão e sentidose, em sua existência, trouxer a marcada resistência a toda política de saúdeque anula os direitos do cidadão, sejaele o cuidador ou o que necessita decuidados. A possibilidade dacirculação de afetos entre os membrosda equipe proporcionará a resistênciaao isolamento, promoverá aexpressão da subjetividade e conseqüentemente,a busca constante denovas formas de produzir ação ereflexão dessa ação, motor dasmudanças.Uma assistência humanizada temsua razão e sentido nas mudanças derelação de poder, seja na instituição,64Nº 05 MAIO DE 2002

○ ○ ○ ○desse espetáculo <strong>da</strong> loucurareclusa que, contrariando osidealizadores do hospício, aproximavade forma íntima oHospício de Pedro II do Hospital<strong>da</strong> Misericórdia.”A mesma autora (POMPÉIA, 1982apud ENGEL, 2001, p. 204) destacaque “Raul Pompéia apreende de modobastante perspicaz esse outrosignificado do espetáculo:”“No domingo, abriram-se àvisitação do público as portas doHospício de Pedro II. A afluência foiconsiderável como em to<strong>da</strong>s asvisitas de hospitais, espetáculos dosofrimento a que o povo transportaa sua curiosi<strong>da</strong>de, com uma pontinhade ânimo perverso, que vem do circoromano, no caráter latino.”Essa citação mostra claramente aquestão <strong>da</strong> “humanização-maquiagem”e que se contrapõe à “humanização-princípio”.A humanizaçãocomo princípio ético, sob o aspecto<strong>da</strong> atitude pertinente às práticas emsaúde, carece do aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong>squestões quanto à saúde e àenfermi<strong>da</strong>de, articulando-as em seusdeterminantes históricos. Já a“humanização-maquiagem” propõeapenas soluções superficiais àsmazelas que o setor Saúde vempassando devido aos péssimospolíticos na área, o que implica emmá formação profissional e em máquali<strong>da</strong>de dos serviços.Pode-se então afirmar que oconceito de humanização é articuladoàs políticas de saúde, ao modo peloqual se concebe quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>,saúde e ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. É a partir dessaarticulação que se pode pensar aconstrução de uma prática humaniza<strong>da</strong>.É bem ver<strong>da</strong>de que acrescente deterioração do setorpúblico de saúde produz oindividualismo entre os membros <strong>da</strong>sequipes; nos serviços, o eternoadiamento <strong>da</strong>s resoluções dosproblemas e um profundo desânimonos profissionais. Não se nega que hámovimentos de mu<strong>da</strong>nças, mas há dese ter sempre em pauta as questõesem seu aspecto macro.O individualismo suscita questõese atitudes que dificultam a produçãode um fazer comprometido commu<strong>da</strong>nças. O individualismo,tentativa de ca<strong>da</strong> um buscar soluçõesindividuais aos problemas que afetama equipe de cui<strong>da</strong>dos, produzdificul<strong>da</strong>des para que o trabalho serealize em grupo. Produz, ain<strong>da</strong>, afalta de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de com o usuáriodo serviço, angústia e competiçãoexacerba<strong>da</strong>, dificultando to<strong>da</strong> equalquer possibili<strong>da</strong>de de seestabelecer atitudes e vínculossolidários. Qualquer prática deresistência a essas dificul<strong>da</strong>des deveráser pauta<strong>da</strong> em princípios quepriorizem o trabalho em equipe e aprodução de subjetivi<strong>da</strong>de.Trabalho em equipe nessespreceitos, define-se como o encontroentre vários atores que serão tambémautores de um projeto que tenhaobjetivos claros e em que o conceitode saúde e doença seja articulado aosseus determinantes. A conceitualizaçãode instituição deverácontemplar com clareza as diretrizese um planejamento vinculado aocoletivo e com proposições derealização de ações integra<strong>da</strong>s.Uma prestação de serviços emsaúde comprometi<strong>da</strong> com ahumanização transcende questõesrelaciona<strong>da</strong>s apenas à expressão desorrisos, alegria e “aceitaçãoincondicional do paciente”. Otrabalho comprometido com ahumanização só terá razão e sentidose, em sua existência, trouxer a marca<strong>da</strong> resistência a to<strong>da</strong> política de saúdeque anula os direitos do ci<strong>da</strong>dão, sejaele o cui<strong>da</strong>dor ou o que necessita decui<strong>da</strong>dos. A possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>circulação de afetos entre os membros<strong>da</strong> equipe proporcionará a resistênciaao isolamento, promoverá aexpressão <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de e conseqüentemente,a busca constante denovas formas de produzir ação ereflexão dessa ação, motor <strong>da</strong>smu<strong>da</strong>nças.Uma assistência humaniza<strong>da</strong> temsua razão e sentido nas mu<strong>da</strong>nças derelação de poder, seja na instituição,64Nº 05 MAIO DE 2002

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